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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO VEZ DO MESTRE
Adaptação na Pré-Escola
Por
Magda de Oliveira Prado como requisito
Rio de Janeiro 2003
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO VEZ DO MESTRE
Adaptação na Pré-Escola
Monografia apresentada por Magda de Oliveira Prado
como requisito parcial para a conclusão do Curso de Pedagogia
Orientadora: Professora Mery Sue
Rio de Janeiro 2003
Agradecimentos
Ao finalizar este trabalho sobre
adaptação na pré-escola confirmo o
privilégio de ter Marcia Patricia e Rita
de Cássia, amigas fortes, capazes de
respeitar a realidade e demonstrar a cada
dia capacidade para viver de forma
consciente. Orgulho-me quando conseguimos
discutir as divergências com franqueza e
bom humor.
A Antonio Carlos pela inteligência dos
comentários e, principalmente, pelo enorme
incentivo.
Quero registrar, também, minha
gratidão à professora Mery Sue pela
generosidade que me dedicou na elaboração
do presente trabalho com materiais para
pesquisa.
E em especial à querida professora
Paloma que sempre esteve presente apoiando
com toda a sua simpatia na
complexibilidade deste trabalho
científico.
Dedicatórias
Dedico o presente trabalho à minha
família e principalmente, a minha querida
sobrinha Dyanne.
Com carinho ao meu grande companheiro
Luíz Antônio Xavier.
Também ofereço este trabalho com muita
gratidão e respeito às crianças que
conviveram e convivem comigo oportunizando
conhecê-los no espaço escolar e social,
através da nossa interação dialógica que
visa o seu crescimento integral como
indivíduo afetivo, crítico e transformador
exercendo de forma sadia e consciente sua
cidadania.
SUMÁRIO
Capítulo Páginas
Introdução ................................................................................................
Capítulo I
1. Histórico da Educação Pré-escolar – primórdio ..................................
1.1. Visão atual – a importância ...........................................................
1.2. Aspectos Pedagógicos ..................................................................
1.3. Aspectos Familiares ......................................................................
1.4. Dificuldades da adaptação ............................................................
Capítulo II
2. Um sonho de consumo: a socialização de criança .............................
2.1. A adaptação ..................................................................................
Capítulo III
3. Quando pais e instituições se encontram ...........................................
Capítulo IV
4. Escola, tudo bem; mas Creche nem pensar ......................................
Conclusão ................................................................................................
Referência Bibliográfica ...........................................................................
Anexos
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ADAPTAÇÃO NA PRÉ-ESCOLA
RESUMO DO ASSUNTO DA MONOGRAFIA
É um engano comum pensar que quando a criança pequena que “não se importa” quando seus pais a deixam de quando ela a deixa, tenha elaborado bem a separação. A criança que realmente a elabora bem, permite a si mesma que sinta falta da pessoa querida que está ausente, que se sinta triste, sozinha e talvez até zangada, e se permite expressar seus sentimentos de maneira apropriada (Fumam, 1974, p.16).
A separação dos pais ou daquela pessoa, que é a sua principal fonte de
atenção torna as crianças pequenas freqüentemente muito felizes. Elas muitas
vezes se sentem abandonadas, deixadas de lado e desprezadas. Elas podem se
sentir amedrontadas, como também muitas vezes, enraivecidas.
Às vezes, a situação é bem diferente. A criança entra na sala como se fizesse
parte dela, como se tivesse ido lá milhões ou vezes antes. Ela toca no equipamento,
brinca com outras crianças. Acena alegremente para seus pais se despedindo deles.
Fala de maneira afetuosa com o professor. “Que criança!” Nós dizemos. “nenhum
problema. Ela simplesmente deixou sua mãe e se envolveu de verdade no
programa”. Então, um dia sua mãe a deixa como de costume e ela começa a chorar
desesperadamente. Ninguém consegue consolá-la. Não quer participar de nenhuma
atividade. Seu comportamento é totalmente inesperado. Seus professores se sentem
desnorteados e frustados.
Outras crianças podem esconder os seus sentimentos por mais tempo até.
Parecem ser quietas e dóceis. Parecem andar de maneira paralela à vida da sala de
aula. São muitas vezes negligenciadas porque não causam problemas. Parecem ser
auto-suficiente e simples. Uma olhada mais de perto pode revelar que elas não
estão envolvidas com os materiais do programa nem com as outras crianças em
nenhum nível significativo. Um professor pode pensar que esse tipo de criança é um
pouco infeliz ou que tem uma disposição limitada.
As crianças com freqüência reagem à novidade é a estranheza de um lugar
desconhecido.
Nem toda a criança que entra numa sala de aula reage dessa forma hostil.
Algumas entram em passo de marcha, cheias de confiança e agem como se
permanecessem naturalmente aquela sala. Para elas, o primeiro dia de aula pode
ser a culminação de uma aventura muito esperada, partilhada antes talvez, com um
irmão mais velho. Algumas podem estar bem acostumadas a escolas devido à
experiência anteriores, embora isso possa causar um efeito contrário em certas
crianças que não superaram seus sentimentos de separação na primeira
experiência. Outras parecem gostar da novidade da situação, da excitação de
estarem com outras crianças da sua idade e do prazer dos novos brinquedos. No
entanto, a maioria das crianças reage de alguma maneira forte a novos ambientes,
ainda que esta reação possa não ser revelada.
As crianças vão para a escola com uma série de expectativas acerca dos
adultos, construída a partir de suas próprias experiências. Leva tempo e a criança
precisa Ter novas experiências com adultos diferentes para aprender que os adultos
agem de muitas maneiras diferentes.
INTRODUÇÃO
A partir da expansão na década de 70, de instituições especializadas no
cuidado e educação de crianças pequenas, em especial a creche, vários estudos
vêm sendo realizados sobre a ligação afetiva do bebê a sua mãe e sobre o
desenvolvimento afetivo e social da criança nos primeiros anos de vida.
Antes da pré-escola, a aprendizagem da criança se resume as suas vivências,
brincadeiras e brincadeiras assistemáticas. Ao entrar na pré-escola, ela começa a
receber informações sistematizadas por um educador: é o início da aprendizagem
formal.
Os profissionais da instituição precisam desenvolver conhecimentos relativos
ao processo de separação – individualização de forma competente a fim de se
tornarem aptos a enfrentar, com sucesso a menor desgaste os problemas
decorrentes do período de adaptação.
Uma mirada na história permite-nos identificar aspectos que foram causando
mudanças no papel atribuídos à escolarização de crianças. O processo de
modernização da sociedade, a urbanização e a industrialização crescentes, as
modificações do papel social da mulher e, do outro, a ampla divulgação de idéias e
concepções da pedagogia e da psicologia sobre o desenvolvimento da criança e
suas características, formaram uma demanda social que derivaria na consciência de
que o pré-escola não deveria ser vista somente como um local de grande e
assistência à infância, mas sim reconhecida como um local de educação.
As crianças geralmente demoram de quatro a cinco semanas para se
adaptarem à escola. Algumas levam ainda mais tempo. Mais há também aquelas
que entram nas escolas e já se sentem integradas de imediato.
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O que vai enfatizar nessa situação é a questão do equilíbrio emocional da
família que se manifestará neste período de adaptação da criança ao meio social e
deve ser notado em várias alterações no comportamento das crianças.
A entrada da criança na pré-escola constitui muitas vezes, sua primeira
vivência fora da vida e dos hábitos familiares. No decorrer do processo de adaptação
á nova realidade as crianças costumam manifestar as mais variadas reações, como
choro, inquietação, inércia e outros.
Para poder distanciar-se do filho, parece existir uma necessidade da mãe de
perceber a instituição como segura, dando-lhe limites, enfim, “dando chão” para que
ela possa entregá-lo com tranqüilidade.
A instituição funciona como mediadora do processo de separação mãe-
criança e, em conseqüência, passa a ser a depositária dos sentimentos, fantasias e
ansiedades da mãe relacionadas a essa separação.
A fase de adaptação, por suas características próprias, é o momento em que
geralmente ficam explícitos esses sentimentos e é, portanto um momento precioso a
ser trabalhado.
CAPÍTULO I
1. HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR – PRIMÓRDIOS
As primeiras idéias sobre a educação pré-escolar foram deixadas por Platão e
os documentos que registram seus trabalhos objetivam a educação como apenas
um trabalho feito no lar a fim de preparar a criança para o exercício de cidadania e o
ingresso na escola.
Conclui-se, portanto que a educação pré-escolar revestia-se de um caráter
eminentemente disciplinador.
No período de 1592/1670 Comenius na sua obra “Escola de Infância”
reconhecia a infância como um período normal do desenvolvimento do homem, o
valor das experiências afetivas, concretas e os interesses como aspectos a
considerar ao planejar um currículo para a pré-escola.
Enfatizou a importância da saúde, do sono, da alimentação, da vida ao ar
livre, para um crescimento sadio.
Entretanto suas idéias não foram aceitas na época.
A educação se revestia de caráter corretivo, punitivo, disciplinador e
responsável pela formação de crianças segundo padrões corretos para o adulto.
O verdadeiro embrião da assistência pré-escolar embora, distante de seus
objetivos remonta ao século XVIII cujo objetivo era ajudar os filhos das mulheres que
trabalhavam fora de casa.
As crianças eram amontoadas em uma cozinha ou quarto assistidas por uma
guardiã, simples dona de casa: eram os “refúgios”.
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Já em 1770, Oberlin cria as “Écoles à Tricoter” – na França que abrigavam os
filhos de operários. No início do século XIX, Robert Owennas nas proximidades das
fábricas londrinas criou as “classes de asilo”. Em 1848 estas “classes de asilo” foram
substituídas pela Escola Maternal.
Em 1847 na França apareceram as escolas que se preocupavam com a
formação do pessoal que atendia às crianças como a “Maison d´ Ètudes”. Entretanto
fugiam aos reais estudos que se destinava a formação infantil.
Na realidade os verdadeiros mentores dos objetivos da educação pré-escolar
foram Rosseau, como precursor, Pestalazzi e finalmente Frolbel, criador dos
“Kindsergaten”. Jardim de crianças.
Rosseau via a infância como um ensaio do homem futuro. Foi o primeiro a
reconhecer com profundidade as características de cada fosi infantil.
Para Rosseau a educação era revestida de um caráter orientador para que a
criança refletisse sobre sua formação adulta.
Pestalozzi lindo o “Emílio” de Rosseau, um livro que defendia a idéia que a
verdadeira educação é ensinar a criança a viver e aprender a exercer a liberdade.
Sentiu que a educação podia elevar os homens. Ele foi um grande adepto da
educação pública. Defendia a idéia de que a criança começa a aprendizagem desde
o nascimento e que a infância não era mero período latente de esperar para ficar
adulto.
Dizia que a educação começa com a percepção de objetivos concretos, o
desempenho de ações concretos e experiências de respostas emocionais reais.
Deu um novo impulso à formação de professores e ao estudo da educação
como uma ciência.
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Ninguém acreditou mais que Pestalozzi no poder da educação para
aperfeiçoar o indivíduo e a sociedade.
Froebel é figura de destaque no cenário educacional moderno. Compreendido
por uns e contestado por outros em suas idéias que o julgavam revolucionários.
Suas ideais reformularam a educação. Inspirou-se no amor à criança e à
natureza. A essência de sua pedagogia são ideais da atividade e liberdade.
Em 1837 criou o primeiro Jardim de Infância, os “Kindergater” eram maridos
pelo interesse a convicção dos primeiros anos de vida do homem, que davam o
fracasso ou sucesso de seu desenvolvimento plano.
Comparava a criança como uma semente, que encerre em si todo potencial
(genético) de vir a ser que, se bem adubado e exposto a condições favoráveis do
meio ambiente, desabrocha numa árvore completa, madura, capaz de dar frutos
saudáveis que perpetuarão sua espécie.
Defendeu a idéia de que o professor devia dirigir-se pela intuição da mãe que
encoraja o filho e estimula-o a dar seus primeiros passos e explorar o meio ambiente
ao seu redor ao mesmo tempo em que se põe a esperar para ampará-lo, de braços
abertos. Uma mistura ou proteção, carinho e amor com desprendimento – amor
encorajador – e fé e esperança no que a criança pode vir a ser de bom.
O trabalho de Froebel era largamente especulativo, experimental e filosófico.
Enquanto no Brasil, Anísio Teixeira, Lourenço filho e Heloísa Marinho foram
discípulos de Dewey na Universidade de Chicago. São eles os responsáveis pela
introdução da Escola Nova no Brasil em pleno século XX.
A criança do primeiro Jardim de Infância Brasileiro que se tem notícia data do
ano de 1909. O Jardim Campos Sales no Campo de Santana – Rio de Janeiro.
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Em 1949 no Instituto de Educação do Rio de Janeiro a professora Heloísa
Marinho criou o curso de formação de professores Pré-escolares, tradição mantida
até hoje.
Deve-se a esta educadora a criação do Método Natural de Alfabetização.
Deve-se a Froebel o berço de toda a filosofia ocidental.
1.1. VISÃO ATUAL – A IMPORTÂNCIA
O pré-escolar é impropriamente assim denominado, como uma reminiscência
lingüística da época em que não existiam escolas para crianças pequenas, e o
indivíduo só começava sua escolaridade quando fosse começar a aprender a ler,
escrever e contar. Na verdade, nos dias atuais, todos são escolares, pois a escola
(ensino formal) tem início, pelo menos para muitos, com a creche e seus programas
de estimulação, e está sempre presente na vida do indivíduo que nela permanece ou
a ela retorna em diferentes momentos de sua vida, seja para atualização de
conhecimentos, seja para readaptação profissional ou ainda para estudos mais
aprofundados. A concepção, hoje é, de educação permanente.
A escolaridade deve iniciar-se nos primeiros anos de vida, não só para melhor
atender as inúmeras necessidades de crescimento físico, social, intelectual e
emocional que a criança tem nesta fase, como para corresponder às crescentes
demandas sociais no bendito de dar uma melhor organização, em termos de
eficiência e produtividade, ao atendimento da criança.
A verdade é que as pré-escola tem aumentado substancialmente, em número,
nos últimos anos, principalmente, nas cidades grandes, e tendem a se surgirem
também nas cidades menores, à medida que estas forem transformando os seus
padrões de vida, em função do desenvolvimento sócio-econômico.
Tendo em vista estas circunstâncias, é por todas as razões conveniente que
os educadores (pais, professores e outros profissionais que prestam serviços às
crianças) busquem ter uma visão mais clara do significado deste período da vida, tão
rico em suas potencialidades e de tanta importância na formação da personalidade.
1.2. – ASPECTOS PEDAGÓGICOS
Quando uma criança apresenta adaptação insatisfatória e os educadores
procuram averiguar o que está ocorrendo de errado com essa criança, deveriam
igualmente analisar o contexto escolar em que se insere o processo de
desadaptação.
A criança com maiores dificuldades adaptativas assume freqüentemente o
papel de bode expiatório em sua vivência escolar, o que agrava seus problemas de
conduta, levando até à exclusão pelo próprio grupo. Isso representa uma das
situações mais dramáticas para uma criança, que, privada do apoio do seu grupo
infantil, poderá refugiar-se numa vida solitária e de fantasias compensatórias, ou
então exteriorizar seus conflitos através de condutas anti-sociais tendentes a
provocar maior rechaço de colegas e professores.
Felizmente, a par de toda essa gama de fatores pedagógicos negativos,
temos encontrado em nosso meio uma tendência construtiva e reformuladora da
parte de várias instituições escolares, as quais estão conseguindo substituir os
métodos até então usados por outros que enfatizam o desenvolvimento integrado da
personalidade infantil. Nessas escolas observa-se que um número significativo ou
crianças conseguem romper seu ciclo de desadaptação, muitas vezes iniciado em
outros estabelecimentos de ensino.
1.3. – ASPECTOS FAMILIARES
Os pais que vem em busca de recursos para problemas de desadaptação
escolar de seu filho não se perguntam o que poderia estar ocorrendo de errado com
a própria família.
Comumente, procuram negar que a família é a mais importante matriz do
desenvolvimento humano, pois é aí que a criança adquire o conhecimento de si
mesma e dos demais, a comunicação, os padrões de interseção social, as pautas de
adaptação, e que, principalmente, através das relações com os pais, está em jogo o
futuro de sua vida emocional.
A instabilidade familiar pode constituir um componente importante na gênese,
manutenção e agravamento das desadaptações escolares. Quando a família não é
capaz de funcionar como unidade básica de desenvolvimento e de experiências,
pode tornar-se um fator de enfermidade.
É o que se tem constado ao observar casos em que o insucesso escolar de
uma criança gera uma ruptura do equilíbrio familiar, principalmente onde já existia
uma instabilidade do sistema. Os pais formam-se confusos, ansiosos, pouco
objetivos no uso de medidas corretivas, recorrem a castigos físicos e sanções
desproporcionais, realimentando desta forma a ansiedade infantil e agravando ainda
mais as dificuldades de aprendizagem e adaptação à escola. Aspecto
particularmente negativo, encontrado com freqüência, é o referente ao manejo
marginalizador dos pais diante das más condutas escolares dos filhos, ameaçando
colocá-los em um internato e às vezes chegando a ponto de cumprir suas ameaças
e segregá-los em tais instituições, que, não raro, se constituem em depósitos de
crianças-problemas.
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Muitos pais cujo conflito conjugal se vai agravando utilizam esses problemas
escolares para continuar uma batalha cada vez mais acirrada, atribuindo-se
mutuamente a culpa das dificuldades do filho. Por outro lado, casais que estão
emocionalmente distanciados podem vir a encontrar o interesse comum que
perderam, centrando sua preocupação no inadequado comportamento e nas
dificuldades emocionais e escolares da criança. Em síntese, as desadaptações
escolares podem desempenhar uma função importante no reequilíbrio do sistema
familiar, na medida em que a criança se torna depositária das ansiedades parentais
ao assumir o papel de bode expiatório.
Também pode-se apontar a superproteção como uma das mais significativas
e freqüentes. A criança criada em um lar superprotetor tem poucas oportunidades de
ação e de exploração do ambiente, o que lhe reduz as possibilidades de
aprendizagem; por outro lado, a satisfação imediata dos seus desejos impulsivos
gera um baixo limiar de tolerância à frustração, condutas onipotentes e precariedade
do controle dos impulsos, o que leva a criança a enfrentar as exigências da realidade
por meio de reações catastróficas, como as conhecidas crises de birra.
As atitudes até aqui descritas correspondem a trações comuns de
personalidade, que encontramos na maioria dos pais como formas de adaptação aos
conflitos gerados pela frustração em suas funções familiares.
Nessas circunstâncias, a criança apresenta um alto nível de ansiedade que
perturba a incorporação da aprendizagem e de padrões adaptados de conduta.
Como conseqüência, a imaturidade da personalidade infantil desencadeia e
exacerba as condutas anti-sociais, a insegurança, a indisciplina, as dificuldades de
integração no grupo, a impulsividade, a desatenção, a passividade, a inquietude, a
agressividade e outros tantos distúrbios de conduta e de relacionamento.
1.4. – DIFICULDADES DA ADAPTAÇÃO
O ingresso na escola representa um marco no desenvolvimento do processo
separação-individuação da criança no seu crescimento. Permanecer numa escola,
ambiente novo e desconhecido, por mais atraente que ele seja, sempre significa ficar
sem a presença da mãe, portanto, sem o conhecido, sem o seu porto seguro. Muitas
vezes não é só o novo que assusta, mas sim a ausência da mãe. A criança pode
querer ficar e simultaneamente temer afastar-se da mãe, pois isso significa renunciar
à sua proteção.
As dificuldades dessa passagem estão diretamente relacionadas às relações
afetivas entre criança e mãe, e todos os fatos que as determinaram. As crianças que
tiveram a sorte de possuir uma mãe segura, carinhosa e não castradora tem sempre
melhores condições, chances de enfrentar um ambiente novo sozinhas. Os
sentimentos da mãe em relação à escola é a respectiva interagir da criança a outros
adultos também é fatos decisivo na segurança da criança. A mãe insegura, carente
afetivamente e que precisa da criança para realizar-se emocionalmente tolhe todo
processo de crescimento para liberdade, castra o filho e prolonga a sua dependência
indefinidamente. Enfraquece, inconscientemente, a criança adia a sua libertação e
identidade (separação-individuação).
CAPÍTULO II
2. UM SONHO DE CONSUMO: A SOCIALIZAÇÃO DA CRIANÇA
Quer se tratar aqui das motivações que levam as famílias a optarem por uma
instituição de Educação Infantil como cuidado alternativo para os filhos.
A partir dos depoimentos dos pais, pode-se perceber que as motivações que
os levam a optar por uma instituição de Educação Infantil/, como cuidado alternativo
para os filhos pequenos, derivam de dois desejos principais.
1 – proporcionar a convivência do filho com outras crianças, para que tenha
amigos e não fique isolado;
2 – proporcionar ao filho cuidados/educação de profissionais especializadas,
num ambiente mais enriquecedor do que aquele que poderiam desfrutar se
estivessem em casa, já que os pais trabalham fora.
Essas duas motivações estão intimamente ligadas e dizem de uma
determinada concepção de criança, ambiente familiar, educação, maternidade e
escola presente no imaginário dos pais que participaram desta pesquisa. Aparecer
de ambas as motivações terem sido comuns a todo os depoimentos, convém
ressaltar que a socialização da criança foi a preocupação dos pais que se revelou
como a principal impulsora da decisão de colocar o filho na escola.
Os pressupostos teóricos que orientaram as pesquisas sobre a infância até
muito pouco tempo atrás baseavam-se, por um lado, no “mito da criança
incompetente”. Essa concepção entendia a criança como um organismo imaturo,
que dependia de modelos adultos a serem copiados. O período da infância se
resumia na promessa do que a criança vivia a ser. Por outro lado o “mito do
futurismo”
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privilegiava a previsão, a partir dos comportamentos infantis, dos desdobramentos
ou supostas conseqüências na vida adulta. A partir dessas visões de infância, o
papel central no processo adulto, que funcionava como guia e modelador da
aprendizagem.
Nas últimas, no entanto surge uma nova forma de pensar a criança e o seu
papel no contexto social. A partir de estudos como os de Vygotsky e Wallon, cada
vez mais a criança é percebida como um ser organizado e competente, com uma
singularidade própria, e diretamente relacionada à sua história de vida e também ao
seu ambiente social, ou seja, não se pode pensar no desenvolvimento infantil
dissociando o pensamento das crianças de seus conhecimentos, suas experiências
e culturas.
A partir dos estudos de Vygotsky, Leontiev e Winnicott, o brincar assume
também outra dimensão: não mais aquela de atividade meio, de qual o adulto se
apropria como instrumento para recrear as crianças, mas como uma atividade-fim.
Aí é preciso compreender o papel do lúdico no desenvolvimento do ser humano e a
importância do brincar, não apenas como forma de desenvolver habilidades, mas
também como experiência fundamental em qualquer idade.
Brincando, a criança não só repete situações observadas como revive
experiências, reelaborando-as e constituindo com elas novas realidades de acordo
com seus desejos e necessidades. E é justamente essa capacidade de compor um
edifício com esses elementos, combinando o antigo com o novo, que sustenta as
bases da criação.
A capacidade de criar, a ilusão, inaugura-se na relação do bebê com a mãe e
amplia-se, fortalecendo-se na relação direta da criança com a riqueza e a variedade
da experiência acumulada pelo homens. É através dessa experiência que a criança
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vai construir os castelos de fantasia, sem os quais é impossível viver. A interação
entre as crianças também favorece em muito o processo de adaptação, pois é mais
fácil para a criança permanecer em um lugar novo em companhia de outras
crianças.
Apesar de compreender o interesse dos pais em proporcionar aos filhos o
contato com outras crianças através da escola, chamou a atenção um certo temor
freqüentemente presente em suas falas o prejuízo que a criança teria por estar só
entre adultos, o que justificaria uma certa urgência em que começassem a
freqüentar uma instituição de Educação Infantil.
A escola aparece como alternativa válida. Ela acena tanto com a possibilidade
de ser um local amplo, com maiores chances de movimentação para a criança,
quanto com um ambiente onde as relações mãe-filho vão ser intermediadas,
favorecendo assim o surgimento de um novo espaço: o da construção de uma nova
identidade para a criança, distinta de sua mãe e inserida num contexto social mais
amplo.
2.1 – A ADAPTAÇÃO
Como a instituição pode desenvolver procedimentos capazes de facilitar o
processo de adaptação, levando em conta as necessidades específicas das crianças
desta faixa etária, de suas famílias e dos profissionais envolvidos no processo?
Em primeiro lugar, a boa qualidade do atendimento oferecido pela instituição
é fundamental: profissionais especializados; proporção adulto/criança e limite de
crianças por turma calculado para que elas crianças, possam ser atendidas
adequadamente e desfrutar da companhia das demais com segurança e
tranqüilidade; um planejamento e uma programação de atividades que levem em
conta o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social das crianças. A partir de uma
infra-estrutura mínima que não tem necessariamente relação direta com recursos
materiais, a instituição poderá lançar mão de algumas estratégias que buscam
favorecer a adaptação para todos. Uma adaptação mal cuidada traz prejuízos mão
só para a criança, mas para seus pais e também para o professor, que passa a
desconfiar de sua capacidade profissional e a temer novas situações de adaptação.
O trabalho da instituição com vistas a uma boa adaptação pode e deve
começar logo na entrevista inicial com os pais. Além das formalidades de
preenchimento de fichas etc., esse momento será de grande importância para um
conhecimento mútuo e para que os pais possam falar de suas expectativas e tirar
dúvidas. Um encontro reunindo todos os pais novos também é uma estratégia
interessante para que se sintam pertencentes a um grupo maior e possam
reconhecer que não são os únicos e passarem por momentos de indecisão e de
dúvida.
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É importante, por parte da instituição, que haja um planejamento griterioso
das primeiras semanas de aula, onde seria desejável que as crianças começassem
seu período de adaptação em pequenos grupos e em horários reduzidos,
aumentados gradativamente na medida em que a instituição avalie quais são as
crianças que já tem condições de permanecer mais tempo na escola.
A presença de uma figura de referência para a criança nos primeiros dias e
fundamental: se a mãe ou o pai não estiverem disponíveis para ficar durante todo o
período necessário para a adaptação, uma avó, um irmão mais velho ou a babá,
podem servir como elemento de vínculo para que a criança se sinta mais segura no
ambiente. A presença desse elemento de vínculo não só é importante para a
criança, pois serve também para que esse adulto vá acostumando se ao ambiente
em que a criança permanecerá, ficando ele também mais seguro.
Cada instituição determina suas regras para o período de adaptação e
entende de forma própria o espaço da participação que os pais devem ter nestes
primeiros dias. Umas incentivam a participação, outras teoricamente dizem que os
pais são “muitos bem vindos”, mas na prática, tratam de delicadamente expulsa-los
o mais rápido possível, e outras ainda são contra esta participação.
Em muitos casos, é bastante difícil para a família separar-se da criança e, se
não encontrar espaço para falar de suas dificuldades, é comum que comece a
desenvolver uma série de comportamentos de desconfiança que podem acabar
levando a assistir da adaptação. Sensações, como o medo de que a criança vá se
apegar demais a professora e aquecer da mãe, de o sentimento materno de que
pode ser substituída por outra pessoa no amor de filho, fazem com que a família,
especialmente a mãe, lide com a situação da adaptação com um misto de
sentimentos de raiva, angústia, desconfiança, ressentimento e medo.
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Ma prática do trabalho em instituições de Educação Infantil são freqüentes os
depoimentos de mães sobre a tristeza que sentem quando o filho chora, mas que
ficam ainda mais angustiadas quando eles de pronto entram, sem chorar,
demonstrando alegria. Nestes casos, é comum que a mãe demonstre orgulho, mas
que internamente fique se perguntando: será que ele não gosta mais de mim. Para
ter certeza de que o filho ainda gosta dela, algumas mães insistem em prolongar as
despedidas ou em voltar a sala várias vezes para dar tchau, até que o filho chore.
Assim se acalmar e pode consolá-lo, mais tranqüila.
O período de adaptação não se resume as primeiras semanas. É um
processo continuo de descobertas. A cada novidade surgida no cotidiano da escola
a criança reagirá tão melhor quanto puder ter sedimentado seu sentimento de
confiança com os novos adultos aos quais se vinculou. Para a professora, passados
os primeiros dias, em geral ela já conseguiu recuperar a confiança –em si mesma,
na sua capacidade de resolver as difíceis situações iniciais, o choro das crianças e a
presença dos pais em sala. Para os pais, tudo se torna mais fácil na medida em que
conseguem superar a angústia da separação, afastar os fantasmas de ser
abandonado com o desamor dói filho e, assim, estabelecer um bom vínculo com a
professora e equipe.
CAPÍTULO III
3. – QUANDO PAIS E INSTITUIÇÃO SE ENCONTRAM...
Aqui se buscará a compreensão do papel desempenhado pelas relações
entre a família e a escola no êxito ou não do processo de adaptação de todos nele
envolvidos.
As reações da criança durante a adaptação podem variar muito e dependem
de sua idade, do relacionamento entre ela e seus pais, a forma como eles estão
vivenciando este momento e de como a instituição se prepara para receber tanto as
crianças quanto suas famílias. Alguns estudos têm demonstrado, no entanto, que
“a maneira como a família e, em especial a mãe, vê a entrada do filho pequeno na creche [ou escola] exerce uma influência marcante sobre a reação da criança. A relação muito intensa existente entre eles determinará que muitas emoções da mãe nesse momento serão percebidas e expressas no comportamento da criança” (Vitória & Rossetti-Ferreira, 1993, p. 57).
Acredito que as relações família-instituição de Educação Infantil são um
passaporte – nada desprezível – para o sucesso ou não do processo de adaptação
de todos os atores nele envolvidos.
No início desse jogo relacional, dois times estão a postos: de um lado, os pais
e suas concepções a respeito de como deve ser uma instituição de Educação
Infantil, suas impressões sobre os profissionais da escola e a forma deles lidarem
com as crianças. Do outro lado, temos a instituição e sua forma de entender o
processo de adaptação, o espaço que dão à participação dos pais, a infra-estrutura
planejada para o recebimento das famílias e, principalmente, a capacidade da
equipe em atuar nas situações mais sensíveis de limites e conflitos. O resultado final
do jogo
26
dependerá do equilíbrio dos dois times. Uma coisa é certa: se souberem jogar, ao
final formarão um time só e o grande vencedor será a criança.
Conselhos de amigos, indicação de parentes, espaço físico privilegiado,
proximidade de casa e a praticidade que isso significa foram alguns dos argumentos
usados pelos pais para justificar a escolha desta escola, e não qualquer outra. No
entanto, a escolha da escola parece ter sido determinada para todos por sua filosofia
de educação. Na escolha desta determinada escola, os pais buscavam um espaço
de participação, questionamento e liberdade para os filhos e, de algumas formas,
para si mesmos.
Umas amigas também têm filhos aqui. Eu conhecia a filosofia da escola, gostava da coisa da liberdade; eu queria uma coisa para o Gustavo livre, uma escola mais liberal, com um espaço pra brincar, que ele se sentisse feliz., bem. Eu não estava preocupada com o aprendizado, eu estava preocupada com a ludicidade da coisa. Então fiquei em dúvida quanto a colocar ele aqui ou no Tablado. No Tablado não tem nenhum caráter de escola, é só brincadeira. (Débora). Eu conheci outras escolas, fizemos uma pesquisa em escolas perto de casa e não gostei muito do que se passava nelas. Achei as explicações quanto ao método da escola muito banais. Acho que os alunos daqui são diferentes dos outros. As crianças daqui, dentro da filosofia de ensino, não aceitam um não com resposta, existe uma coisa de questionar. Eu acho mais importante na educação esse questionar, mesmo que esteja sendo dito por um adulto. (Julio, pai do Frederico).
Se, para a maioria dos pais entrevistados, a escolha da escola foi uma opção
baseada em questões filosóficas, pedagógicas ou de comodidade, o mesmo não
ocorreu com os pais de Roberta. Marlene, ao procurar uma escola para a filha,
vivenciou situações muito difíceis relativas à ignorância e ao preconceito de
profissionais com relação à menina, portadora da síndrome de Down:
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Eu fui várias escolas mesmo... uma, inclusive, em Laranjeiras. Telefonei para a diretora para perguntar se aceitavam crianças com síndrome de Down. A diretora perguntou a que era isso. Aí eu falei assim: Se a senhora não sabe, o que eu vou dizer pra senhora? Depois ela disse: “Me desculpe, mas eu conheço isso como mongolismo...” É muito preconceito... Ela disse que tinha que ver a criança porque precisava de um profissional especializado, mais atenção... Fui em outra também perto de casa e as mesmas coisas... (Marlene).
O estigma social sofrido pela criança rotulada como deficiente repercute na
família, que sofre ao viver a discriminação. Neste sentido, quando a instituição aceita
receber esta criança, a família se sente acolhida e parece desenvolver uma relação
de gratidão por Ter sido aceita com seus defeitos. Assim, a relação inicial de
adaptação já parte de um patamar que é maior do que a confiança converte-se
numa dívida de gratidão:
Aqui foi tudo diferente, disseram que não tinham nada contra em receber a Roberta e nós gostamos muito. Lógico que no primeiro e no segundo dia que deixei a Roberta eu sofri, fiquei triste, é separação... Mas eu tenho certeza que em outro lugar eu não deixava de jeito nenhum... Aqui é diferente, mesmo que é um pouco caro pra gente, a gente faz qualquer sacrifício pra Roberta ficar aqui. (Marlene).
As impressões iniciais que os pais têm da escola também é um ponto a ser
levado em conta quando se discute o processo de adaptação deles à nova
realidade. A escola programou uma reunião inicial de pais que, como mencionado,
tinha como tema central a adaptação. A iniciativa de promover reuniões onde pode
transmitir aos pais como a escola encara o processo de adaptação, orientando-os
sobre como agir nestes primeiros dias transmite segurança e eles. Além disso, uma
vez que a escola também abre espaço para como a equipe colocar se sente neste
período e para os pais exporem suas dúvidas e preocupações, ela permite o início
do estabelecimento de um clima de confiança e cumplicidade de ambas as partes.
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Na reunião inicial dos pais, a coordenadora geral da pré-escola tocou em
pontos posteriormente reconhecidos pelos pais como fundamentais para o
estabelecimento de uma relação positiva com a instituição. A coordenadora
esclareceu aos pais que, para a escola, a adaptação significa um processo que
envolve um estabelecimento de vínculos não só da criança, mas também da equipe
e dos pais. De alguma forma Léa, em sua fala, chegou bem perto dos pais quando
colocou a sua experiência como mãe de três filhos. Falando da emoção e das
dúvidas deste momento, compartilhou com os pais o sentimento de que a adaptação
é um período muito delicado, onde as emoções estão à flor da pele.
“A cada ano é diferente. Os pais chegam com expectativas e a escola também tem as suas expectativas. Ficamos preocupadas em saber como os pais estão nos vendo, o que estão pensando, se estão gostando, como será a adaptação. Não temos as respostas.” (Lea, coordenadora).
Além de situar as incertezas deste período também do ponto de vista da
equipe, a coordenadora contou para os pais que a escola se preparou durante a
semana de reciclagem de seus profissionais, convidando uma psicoterapeuta
familiar para trabalhar com a equipe às repercussões do período de adaptação no
trabalho das professoras e as dificuldades mais comuns a este período.
A coordenadora ao expor a possibilidade de que também a escola sentia a
dor da adaptação e que procurava encontrar alternativas para eventuais dificuldades
– promoveu até certo ponto uma identificação positiva nos pais. Tal fato lhe permitiu
ficar mais à vontade com alguns sentimentos, que até então os envergonhavam:
Aí ela se apresentou, todo mundo falando... Deu um nó na garganta... No caso da Léa coordenadora, ela como mãe de três filhos, aí que eu vi que não sou só eu, né? Fiquei mais tranqüilo, me senti legal com isso. Eu estava me sentindo super frágil e eu gostei
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desse tipo de coisa, de ser falado sem Ter medo de falar dessa fragilidade. Gostei muito da Alexandra, da professora. (Silvia, mãe da Camila).
A participação da professora nesta reunião inicial foi também bastante
importante para os pais, pois além de falar sobre as emoções desse período, ela
começou o papel dos pais dali pra frente, sempre a partir de exemplos e situações
práticas cotidianas. Através de marcadores bastantes concretos, Alexandra
explicava aos pais qual o papel deles durante esse período: que iria precisar de
ajuda, mas que o espaço ali era dos filhos e não deles; que eles deveriam interferir o
mínimo possível nas situações de sala de aula, que apenas um adulto por criança
poderia acompanhar a adaptação.
Sei que é muito difícil esse momento, porque até agora os filhos de vocês estavam acostumados a serem únicos, serem atendidos imediatamente quando precisavam de alguma coisa... E agora muda mesmo, não tem jeito... O atendimento é diferente do que o de casa, sim. São 18 crianças, 18 mochilas, 18 merendeiras, 18 pares de sapato. No início, é tudo confuso e difícil. Vai ter sempre a criança que vai ser a primeira a ser atendida e tem aquela que vai ser a última. Nem ela, nem vocês estão acostumados com isso, e é duro. Agora é importante Ter claro que casa é escola é escola. O amor é diferente, sim! (Alexandra).
Posteriormente, nas entrevistas, pude perceber que no início da adaptação os
pais necessitam tanto de carinho e compreensão quanto de limites. Esses limites
foram dados por Alexandra com bastante competência, tanto na reunião inicial como
no decorrer de todo o processo. A partir desta reunião inicial, a impressão dos pais
sobre a professora foi a melhor possível. A clareza de suas posições, em vez de
assustar os pais, deixou-os encantados:
Tanto que, na primeira reunião, eu disse pro meu marido que eu gostei muito da Alexandra. Ela é muito sensível, muito calma pra
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falar, muito meiga. Comentei com minha cunhada e ela também elogiou muito a Alexandra (Marlene, mãe da Roberta). Naquela reunião eu conheci as professoras da tarde e da manhã...e, graças a Deus!... minha filha Ter ficado com a Alexandra. Eu vi logo que ela era super afetiva, mais segura, eu vi que minha filha ia estar superbem assistida. Uma coisa que eu achei legal é que ela é super expressiva e espontânea... Acho também que a Alexandra vai promover um continente maior, é uma transa boa de afeto, mas ao mesmo tempo tem limite. (Silvia, mãe da Camila)
O maternal 1. Grupo em que se deu esta pesquisa, é visto pela professora
com um dos mais difíceis, justamente por essa relação inicial com os pais em
adaptação. Ela mencionava inclusive uma resistência das demais professoras da
escola em pegar esta turma, pelo nível de interferência dos pais durante este
período:
Ninguém quer pegar o Maternal 1. Parece que é um “karma”... Acho que é por causa do tempo que os pais ficam em sala, que difere muito das outras séries... Nem todo mundo está disponível pra isso, prefere a demissão. (Alexandra)
A presença constante dos pais do Maternal 1 em sala ou na área externa é
internamente denominado pelas professoras de paredão da morte. As professoras
se sentem ameaçadas pela interferência dos pais:
Por isso costumo dizer pra coordenação que a pessoa que assumir o Maternal 1 com uma estrutura dessas dos pais em sala o tempo todo, tem que ser uma pessoa que goste muito do Pré e que tenha alguma experiência, senão vai dançar... Por isso quando eu saio de casa, eu venho no carro falando sozinho: Eu, Alexandra, que tudo corra bem hoje... entrando em alfa...
Alexandra reconhece a vulnerabilidade dos primeiros dias do período de
adaptação, em especial numa turma de Maternal 1, como a sua, e dá a sua
descrição de como a professora deve ser, quase uma super-mulher:
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Me sinto à flor da pele, alucinada, cansada, esgotada, sonhando com tudo o que de mais eu posso fazer... Nesse momento inicial, qualquer coisa significa um pai inseguro, o pai já está inseguro com a situação, então uma virada de rosto que o pai entenda como mais brusco, melou. Você tem que Ter uma disponibilidade assim: primeiro uma memória visual e auditiva muito acentuada, porque você tem que decorar 18 mochilas, 18 merendeiras e tem que ser rápido, pra amanhã... Nesse momento inicial a mochila e a merendeira são meu vínculo com aquela criança, se eu não conheço aquilo, eu não conheço a criança. Isso é muito forte. Você tem que dar atenção a todos.
A professora percebe que os contatos iniciais com as crianças e as famílias
são cruciais para a adaptação e, além de todas as capacidades que enumera como
sendo necessárias à professora, revela ser também fundamental uma boa dose de
sensibilidade:
Porque é a primeira quebra da família num outro espaço. É um segundo porto, e esse dói, dói muito, e quem vai fazer sou eu, então eu viro um monstro. Sou eu que vou dizer que agora pode sair, agora não sai, agora aumenta o horário da criança na escola, agora tchau. Agora pode ir porque ele está bem e esse espaço é só nosso, sem pai e sem mãe. Você tem que Ter uma segurança interna muito grande ou ser bem respaldada pela coordenação para que isso possa acontecer, senão criam-se jeitinhos e conchavinhos, que acaba não dando certo. (Alexandra)
Os pais atentos ao desenrolar da adaptação de seu filho e das outras
crianças acompanham apreensivos a condução que a escola faz do processo de
adaptação e tecem elogios e críticas:
Eu acho que o Frederico fica meio desconfiado com essa história da Alexandra ficar chamando muito ele. Eu acho que o caminho pra ele ficar bem não é esse. Eu acho que tem que partir de alguma coisa do interesse dele e deixar que ele entre, senão ele cria uma resistência muito grande. Eu já conversei com a Alexandra sobre isso e ela disse que também já tinha percebido isso. (Julio, pai do Frederico)
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No início, a Camila ficou muito isolada, na dela, olhando... Então eu ficava pensando: Se a Alexandra não vier buscar a Camila, ela não vai, porque ela estava testando, lava querendo ser chamada. A Alexandra sacou isso e aí foi fácil. Mas eu estou percebendo que Ter um monte de crianças que ainda não estão sendo bem vinculadas. A Alexandra não está conseguindo com muitas crianças, não sei se pelo número grande em sala, mas acho que ela não está se chegando como deveria... (Silvia, mãe da Camila.) São pessoas muito carinhosas, eu gosto disso, estão se esforçando para deixar eles bem à vontade. Tem um espaço de liberdade e eu estou gostando da aproximação, mas às vezes eu acho um pouco forçado e essa situação, por exemplo, eu não concordo, mas tem a filosofia da escola, delas... Elas acham que tem que ser dessa forma, eu estou cedendo meio a contragosto. (Débora, mãe do Gustavo)
A crítica que essa mãe fez à instituição-escola é a de ser um lugar com pouco
espaço para a criação, que busca enquadrar as crianças e criar esquemas para a
operacionalização de situações – como, por exemplo, a adaptação -, que segundo
ela são inviáveis:
Eu acho que a escola não é operacionalizável! É um espaço muito marcado, determinado, tem pouco espaço para mudanças. O negócio é ele (Gustavo) entrar na ordem já estabelecida... A escola não é um espaço recriável, ou a criança entra na ordem ou “dança”. Eu não acredito nesta pseudo-crianção. Isso é pra inglês ver. As regras já estão todas dadas, as crianças têm que cumprir elas, assim como os adultos... Não vamos criar poesia em cima de uma coisa que não têm poesia, e vamos aceitar que seja assim. Ele vai absorver um monte de bobagens aqui, como um monte de coisas boas. Ele vai Ter que filtrar isso tomara que filtre bem. (idem. Grifo meu)
Este depoimento contundente parece revelar não apenas a descrença desta
mãe na filosofia da escola como um certo desgosto em estar ela mesma
enquadrando o filho em um determinado modelo com o qual não concorda. Se for
levado em conta que a instituição em questão tem como filosofia e buscar em sua
prática “oferecer oportunidade para que a crianças faça descobertas, estabeleça
relações, crie e levante hipóteses sobre o mundo que a cerca”, cabe-nos refletir
sobre como se estruturam as relações entre a instituição e as famílias. O que
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justificaria o tipo de percepção acima descrito? Dificuldade de mãe em se adaptar?
Dificuldade da escola em receber e trabalhar com a criança e sua mãe com todos os
seus conflitos? Dificuldade de ambas?
Como Alexandra havia dito, do paredão da morte é difícil de se escapar! Os
pais parecem Ter uma necessidade quase que insaciável de participar mais e mais,
de serem ouvidos. Como técnicos de futebol de uma seleção nacional, parece que
cada um deles acha que faria melhor se estivesse no lugar da professora.
O auge da ambigüidade de sentimentos geralmente ocorre quando a
professora dispensa os pais de uma presença constante em sala de aula. Ai vemos
surgir sentimentos contraditórios e irracionais e que vão do amor à raiva pela
professora:
Quando Alexandra me disse para ir embora, eu fiquei muito magoada com ela. Eu até comentei em casa que não estava mais gostando da professora e que se continuasse assim eu ia tirar a Roberta. Eu fiquei sentida porque, no primeiro dia que a Alexandra me mandou embora, eu fiquei escondida e quando ela me viu, me chamou a atenção: “Eu te vi escondida e amanhã pode ir embora”. Ela me dispensou e eu queria ficar mais. Eu vi as outras mães que ainda estavam... mas a Alexandra me disse: “A Roberta esta bem, pode ir Marlene...” Parecem pessoas que estão super acostumadas a isso, pois tiram de letra. Conseguem chegar às crianças. Bem, com relação às profissionais que estão lidando com ele, eu acho que está ótimo. São pessoas bem treinadas. (Laís, mãe do Armando) Quem conhece os filhos, a maneira de ser, os sinais que ele emite quando está precisando de alguma coisa, somos nós que convivemos com ele desde sempre, então eu acho que a professora... não por maldade, mas por não conhecer ele, tenta uma abordagem ou tenta forçar um processo quando ela ainda não conhece a criança. Não dá pra improvisar, não dá pra abordar todo mundo da mesma maneira... Então é um atropelo e eu não gosto... (Débora, mãe do Gustavo).
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Analisando as relações entre as mães e a instituição, ao observar os
comportamentos dos pais e das educadoras de creche, nos horários de entrada e
saída, pode perceber que a atitude da mãe frente à pessoa que cuida de seu filho
está sujeita a projeções de seus próprios sentimentos em relação a ele. Assim, a
mãe que tem uma relação mais complicada com o filho percebe a educadora de
creche como menos afetiva e cuidadosa com relação a ele. Ainda que a reação da
criança na entrada ou na saída da creche – que às vezes é de choro tanto para
desligar-se da mãe como para recebê-la – pode refletir muito mais o desconforto da
criança diante da ambivalência dos adultos do que ser propriamente uma reação de
recusa à creche ou à separação da mãe (Matiolli, 1988, p. 103).
CAPÍTULO IV
4. – ESCOLA, TUDO BEM; MAS CRECHE NEM PENSAR...
Ao relacionar os critérios que os teriam levado a optar pela entrada da criança
na Escola naquele momento e não antes, todos os pais se referiram ao fator idade
como elemento determinante. Alguns dos pais mencionaram também a capacidade
da criança em controlar os esfíncteres e o início da fala:
A gente resolveu que ele não iria pra escola enquanto não estivesse falando... Não falar, não saber se exprimir, nós sabemos toda a mímica, os símbolos, a maneira como ele se expressa, eu achei que não ia ser muito fácil pra ele, sem saber se comunicar, num meio diferente. (Julio, pai do Frederico) Eu estava certa que não ia colocar [na escola] antes dela falar e de estar controlando o xixi e o cocô... Achava que se não tivesse controlando ia ficar insegura... Talvez fosse coisa mais minha... Ela não ia Ter o controle sobre ela, as coisinhas dela, o corpinho dela, poderia se sentir desprotegida... Queria que ela estivesse mais segurinha das crianças dela para poder ir pra escola... (Silvia, mãe da Camila)
De ambos os relatos pode-se depreender como, para os pais, ir para escola
significa vivência de desproteção e abandono, para o qual a criança deve estar
munida de um arsenal mínimo de mecanismos de controle para poder sobreviver à
experiência sem muita dor:
Por um lado, parece que os pais reconhecem intuitivamente, como Mahler,
que o desenvolvimento da linguagem e a habilidade em expressar o desejo com
palavras são etapas da individuação que permitem à criança ir enfrentando o
desligamento da mãe (ou adulto significativo). Por outro, o desejo de os filhos só
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ingressarem na escola depois de estarem falando indica a tentativa dos pais de
garantirem um controle maior sobre o que se passa no universo escolar:
Além da fala e do controle esfincteriano, os pais se referem a uma idade
padrão antes da qual, para eles, seria impensável enviar o filho para a escola:
Dentro de mim eu fico apertada porque eu acho 2 anos muito tempo para desmamar, com 2 anos é forçação de barra (Débora, mãe do Gustavo) Eu acho que teria sido muito difícil e sofrido pra nós botarmos ela mais cedo. Teria mais medo de me afastar de minha filha. (Marlene, mãe da Roberta). Antes de dois anos a gente não queria... A gente achava que é muito novo pra ele ir pra escola. (Julio, pai do Frederico).
Embora estejam colocando os filhos na escola aos 2 anos, eles não acreditam
que esta é a idade adequada:
Eu acho que as crianças deveriam entrar na escola a partir dos 4, 5 anos, para eles terem o tempo deles ficarem em casa. Alas, hoje, como os pais trabalham, então o que se há de fazer? (Laís, mãe do Armando). Eu acho que a idade faz diferença. Por unia questão de maturidade física, fisiológica, psíquica que conta bastante... Eu acho que com 2 anos ainda é um bebezinho... (Débora, mãe do Gustavo).
Pensando na hipótese de como teria sido se o filho tivesse tido que entrar
ainda mais cedo na escola, os pais abordaram o assunto Creche. Embora hoje
muitas escolas particulares estejam recebendo crianças muito pequenas,18 os pais
só lembram da Creche quando pensam em optar por um cuidado alternativo para os
filhos com até dois anos. Analisando o que dizem os pais sobre a hipótese de
colocar os filhos na Creche, percebe-se como esta instituição se inscreve no
imaginário dos entrevistados:
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Nunca tinha pensado em colocar minha filha pequenininha... Creche é que eu sabia que não queria mesmo... Seria um sofrimento pra mim, até pelo que pensei quando tivesse um filho, eu queria ter disponibilidade de tempo... Seria muito ruim... (Silvia, mãe da Camila.) Eu nunca quis colocar em creche! Porque eu acho que é muito tempo pra ficar fora de casa. Tem a hora de dormir tem a cama dele, o travesseirinho dele, o cheirinho dele... (Laís, mãe do Armando.)
18 O Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro, através da
Deliberação número 204, de 21 de setembro de 1993, dispõe sobre “a autorização
de funcionamento e reconhecimento de estabelecimentos destinados à Educação
Pré-Escolar”. A Deliberação indica que “o atendimento a crianças de zero até os dois
anos é feito em creches” (artigo 1º, § 1º) e que a “a educação pré-escolar destina-se
à população infantil na faixa etária compreendida dos dois anos até o sexto ano de
vida” (artigo 1º). Apesar de publicada no Diário Oficial do Estado em outubro de
1993, em geral o que se encontra nas escolas da rede particular é uma falta de
critérios quanto à idade mínima de entrada da criança. Para fazer frente à crescente
busca da população de renda média pela Creche, a Escola contra-atacou com a
abertura de turmas para crianças cada vez mais novas. Assim, apesar da
Deliberação, cada escola cria seus próprios critérios quanto à idade mínima para
receber crianças na Escola de Educação Infantil. Algumas começam a atender
crianças a partir de um ano, outras exigem, como critério para sua entrada, que a
criança não esteja mais usando fraldas ou que já esteja andando. Como existam
crianças que andam aos 10 meses, podemos encontrar em escolas de Educação
Infantil, crianças que ainda não completaram 1 ano!
A idéia que persiste para os pais é a de que a creche é um equipamento que
funciona exclusivamente cm horário integral, onde as crianças forçosamente são
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despersonalizadas por circunstâncias que acreditam serem i: inerentes a esta
instituição, corno, por exemplo, o fato de não terem objetos de uso pessoal. Tal
concepção está mais próxima da realidade dos asilos infantis do século XIX do que
das modeníssimas e bem equipadas creches que atendem a uma elite, com direito a
mobiliário e brinquedos importados, além de computadores.
Em alguns casos, a rejeição dos pais à Creche se relaciona à forma como
imaginam que nelas se trata a questão da educação:
Creche, nem pensar. A sensação que lenho de creche é que é um depósito de crianças! Porque você chega, coloca a criança lá e tem a auxiliar que nem sempre é uma pessoa ligada à educação. Ficam tomando conta deles, que estejam alimentadas, limpinhas e só... Então é a mesma coisa que deixar em casa. (Laís, mãe do Armando).
Como discutiu-se anteriormente, algumas creches realmente adotam um
modelo mais preocupado com os cuidados e a higiene da criança, sem se darem
conta de que, nesta faixa etária, cuidado e educação são indissociáveis. No entanto,
esse não é um modelo único — nem é a regra de conduta em todas as creches. Ao
contrário, a grande maioria das creches destinadas a este público tem hoje uma
preocupação educativa explicitamente demonstrada em seu currículo de atividades.
Há pais que questionam o tratamento que supõem seja dispensado às
crianças que freqüentam a creche. Carente, abandonada e rejeitada formam, para
eles, a imagem estereotipada da criança de creche, assim como a instituição creche
é sinônima de depósito de crianças:
Eu/mil numa creche e achei horrível... Ficava na rua São Salvador eu achei muito triste... Não tem espaço, um monte de bebezinho chorando, eu não gosto de lugar assim... (Marlene, mãe da Roberta).
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As amigas colocaram... Tem pessoas colocando em creche... Eu acho, eu nunca pensei em creche, eu acho um absurdo!... Eu acho que as crianças ficam com um olhar opaco... Eu odeio a expressão das crianças dentro da creche... Eu sinto que elas ficam perdi das feito um depósito. (Débora, mãe do Gustavo).
Levando em consideração que a média de idade dos pais entrevistados é de
35 anos, podemos pensar que a concepção primitiva de creche que eles têm é
condizente com a realidade da instituição do final da década de 50, início da década
de 60. Naquela época, quem ia para a creche eram os filhos de mães solteiras,
abandonadas pelos maridos, ou os filhos de empregadas domésticas que não
podiam pagar uma pessoa para ficar com o filho e que necessitavam que a criança
ficasse com alguém, enquanto trabalhavam.
Outras creches funcionavam como internatos. A mãe-doméstica levava a
criança para a creche na segunda-feira e só ia buscá-la na sexta-feira.
Trinta anos depois... proliferam, nos centros urbanos, creches particulares
cobrando mensalidades muito mais altas do que o salário de uma empregada
doméstica e destinadas justamente ao público que em criança ouvia que creche era
lugar para criança coitadinha, para criança que não podia contar com o carinho e
com a atenção da mãe. A rejeição a este modelo, embora arcaico, faz sentido. E
muitas vezes se a menina, agora mão, consegue romper com esse estigma, nem
sempre é apoiada pela avó ou por outros familiares.
Já pudemos discutir a evolução da Creche o a transformação de seu papel
social. Contudo, para muitas famílias — e para a maioria dos entrevistados nessa
pesquisa —, pensar em Creche é pensar em desproteção, abandono e sofrimento.
Então, melhor é nem pensar.
Colocar o filho pequeno em um dos tipos de instituição de Educação Infantil
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suscita nas famílias urna série de ansiedades, fantasias e culpas que aqui se
descreve. Porém, todos esses sentimentos são potencializados quando a instituição
é a Creche. Parece que para muitas famílias ainda é muito mais doloroso colocar o
filho de 2 anos numa Creche do que numa Escola. Curioso é notar que ambas as
instituições atendem à mesma faixa etária. O que levaria os pais a optar entre a
Creche e a Escola de Educação Infantil?
Embora a Creche hoje faça parte do quotidiano de mintas famílias que
escolheram esta instituição como opção de cuidado alternativo para seus filhos,
ainda são grandes os preconceitos e os estereótipos que a marcam e a
estigmatizam.
Se, para os pais, as imagens que refletem a Creche são as da pobreza de
estímulos e as da falta de profissionais especializados procurei entender o que
pensam da Escola, o que pretendem para a educação de seus filhos.
Pude notar que, para eles, a Escola é um espaço valorizado não só pela tão
sonhada possibilidade de socialização da criança, mas também porque acreditam
que, nela, a criança terá condições de viver uma série de coisas que eles mesmos
não estariam preparados para oferecer. Alguns pais se identificam com a proposta
filosófica e pedagógica da Escola, como, por exemplo, a de “buscar a formação de
homens autónomos, sujeitos de seu processo e que possam contribuir para a
construção de uma sociedade mais justa e democrática” (documento da escola).
Eu acho que essa idéia antiga de educação você ir pra unia escola aprender o que está nos livros —- não é o que eu espero de uma escola. Eu espero tentar com que ele sinta interesse e descubra a maneira dele aprender. Tenha um método, um interesse, não vai ensinar tudo, vai ensinar unia maneira de aprender, e essa coisa de independência, de reivindicar os seus direi/os. (Julio, pai do Frederico).
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Enquanto para alguns a escola é lugar de descobertas e das novas
possibilidades que se abrem às descobertas infantis, outros têm uma visão da
escola como instituição limitante e cerceadora:
Queria um espaço livre, não queria enquadrar ele desde cedo em esquemas educacionais, objetivos e meios a serem alcançadas no momento... Não sinto necessidade de um estudo dirigido para ele desenvolver unia habilidade, porque o que ele faz aqui pode fazer em casa, em outros espaços e de formas diferentes... Eu acho que a natureza cuida dele, a vida vai cuidando, ele vai ter mais experiências todos os dias, com pessoas e situações diferentes... (Débora, mãe do Gustavo).
Comparando os objetivos que a instituição pesquisada tem com relação à
Educação Infantil com os objetivos dos pais ao procurarem uma Escola como opção
de cuidado alternativo, percebe-se uma diferença de prioridades. No caso da Escola,
a ênfase recai sobre a questão pedagógica:
“[A escola] Busca uma proposta construtivista que consiga fazer uma ponte entre o desenvolvimento e o conhecimento promovendo aprendizagens significativas para as crianças” (Documento da escola).
A demanda dos pais tem unia motivação muito mais intimista, ligada a fatores
subjetivos e emocionais. Poderia-se até dizer que a procura dos pais é muito mais
por unia divisão de responsabilidades com relação à educação da criança do que
por um conteúdo propriamente dito.
Parece claro que as inovações curriculares modernamente utilizadas por
muitas escolas, como o ensino do inglês e o uso de computadores para crianças a
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partir dos dois ou três anos, funcionam como boas estratégias de marketing num
mercado tão lucrativo e, portanto, tão competitivo. Contudo, o que aqui se quer
levantar é que a família opta por esse cuidado/educação alternativo menos pelas
alegorias tecnológicas oferecidas do que pelo aconchego de um colo seguro e
eficiente, tanto para as crianças quanto para seus pais.
Ficou claro o desconhecimento dos pais entrevistados com relação à proposta
pedagógica da escola. Não tinham nem a certeza se esta existia de forma
estruturada:
Eu acho que a escola tem um programa. Não sei nem se tem um para o; maternal, mas vejo um planejamento, vejo que têm uma atividade atrás da outra. (Laís, mãe do Armando).
Embora defenda que o importante para os pais, neste momento, não é tanto a
proposta pedagógica, acredito ser de fundamental importância que a instituição de
Educação Infantil tenha clareza de seus objetivos no cuidado e na educação de
crianças e que isso esteja expresso em sua proposta curricular (não
necessariamente escolarizada para crianças da faixa etária em questão).
Analisando os diversos motivos apresentados pelas famílias para a entrada
da criança na escola pode-se perceber um encontro de fatores de ordem social (ter
mais crianças para brincar, poder ter acesso a um espaço físico mais amplo, estar
sob a responsabilidade do um profissional competente e especializado) com outros
de ordem emocional (possibilidade de divisão de cuidados, divisão de
responsabilidades quanto à saúde emocional da criança). Além disso, refletem
também o quanto à família coloca-se como refém do que ditam os especialistas,
sejam eles os da psicologia ou os da própria escola, a quem os pais outorgam o
direito de deliberar se a criança tem problemas ou não. O crivo determinante desta
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pseudonormalidade no caso é o período da adaptação. E isso talvez justifique, além
dos outros fatores já mencionados, o turbilhão de emoções, ansiedades, medos,
fantasias e angústias presentes durante este processo.
CONCLUSÃO
A criança para alcançar a individualização, precisa percorrer um longo
caminho desde a fusão com a mãe até a sua constituição como pessoa separada,
relacionada com a mãe e com o pai e a mãe juntos. A partir daqui, a jornada diz
respeito ao relacionamento com a família e suas características, mudanças e
problemas.
A criança se torna membro de sua sociedade através de seus agentes
socializados – pai, mãe, família. Essa entrada no social se faz através da “filtragem”
realizada pelos pais que fornecem à criança uma versão do mundo. A partir da
identificação com seus pais ou responsáveis, a criança internaliza este mundo de
forma persistente e resistente. Ela adquiri uma determinada “leitura de como o social
é estruturado, de como os adultos que o rodeiam se inserem nesta estrutura e de
como a reproduzem”.
Neste sentido, a relação estabelecida entre a mãe e a pré-escola ser
fundamental para o pleno êxito da adaptação e se evidencia na dimensão afetiva e
relacional.
A escola pré-escola funciona como mediadora do processo de separação
mãe-criança e, em conseqüência, passa a ser a depositária dos sentimentos,
fantasias e ansiedades da mãe relacionadas a essa separação.
A fase de adaptação, por suas características próprias, é o momento em que
geralmente ficam explícitos esses sentimentos e é, portanto, um momento precioso
a ser trabalhado.
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Com a relação triangular mãe-criança-instituição estabelecido, o “papel” da
mãe passa a ser a de entregar seu filho aos cuidados de outras pessoas, a melhor,
o de permitir que a criança, do se afastar dela, crie laços com outros.
A pré-escola, com suas regras próprias funciona então como um terceiro
nesta relação exercendo, portanto o papel da instituição conforme a maior ou menor:
possibilidade da mãe em lidar com os limites, a adaptação à pré-escola pode se
converter: num reto de passagem bastante difícil, necessitando então do suporte e
do apoio da instituição para que os sentimentos e fantasias possam serverbalizados,
discutidos e elaborados.
A angústia de separação e a culpa são geralmente os sentimentos mais
presentes nas mais durante a fase de adaptação e costumam aparecer através de:
- manifestações explícitas, como o choro ao deixar a criança na instituição a
apenas ao lembrar deste momento de separação;
- reação desproporcionais e extremadas ante acontecimentos como perda
de algum objeto do filho, tombos, mordidas;
- tentativa de entrada nos espaços onde não é permitida a sua participação;
- recados minunciosos e desconfiados.
Assim é evidente que não é só que passa na adaptação à pré-escola por uma
fase dolorosa de separação a ser superada; a mãe também atravessa o mesmo
conflito, qual seja o do percurso da simbiose à individualização em sua relação com
o filho.
Então, qual é o papel da pré-escola a este conflito?
Acredito que seja o de oferecer espaço para que estes sentimentos, dos quais
muitas vezes as mães não tem acesso consciente, possam vir à tona e serem
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trabalhados pela equipe de profissionais.
O corpo de profissionais da pré-escola, no processo de adaptação, torna-se
um alvo e, por mais difícil que seja ser depositário de sentimentos tão contraditórios,
só consegue agir na medida em que não precise reagir.
Cabe à instituição Ter a clareza de que, na realidade, está adaptando mão só
a criança, mas também, a sua mãe e a toda bagagem de vida desta dupla. “E vistas
esta evidência do processo de adaptação tentando isolar a mãe e a família é
desconsiderar preciosos aliados em potencial”.
Como vimos à mãe acompanha o nível de conduta no relacionamento com a
instituição, as etapas do desenvolvimento emocional de seu filho.
Da mesma forma que a mãe, para que a adaptação transcorra com
tranqüilidade, preciso sentir que seu filho se apegou a uma pessoa, um referencial
fixo, ela também necessita desse vínculo referencial por parte de um profissional da
instituição. Necessita de uma pessoa – seja a diretora, coordenadora, professora ou
até uma auxiliar – que funcione como suporte para ela, que cuide e se
responsabilize pela adaptação, enfim: seja o seu referencial.
Na medida em que a instituição lide com essas demandas não como
solicitações de “mães chatas”, mas compreendendo o que está por trás de tudo isso,
poder proporcionar um espaço para trocas, resoluções de problemas, informações,
etc. às mães o que dirá refletir diretamente na boa adaptação da criança.
Uma instituição que fecha suas portas e esse vínculo está muito sujeita a
enfrentar os conflitos com poucas chances de trabalhá-los e, portanto de transformá-
los em aspectos positivos e saudáveis para ambos os lados.
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