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Publicação Trimestral • ISSN: 0303-464X • , Acta Reumatológica Portuguesa Vol 27 • Nº4 Outubro/Dezembro 2002

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Publicação Trimestral • ISS

N: 030

3-46

4X • ,

Acta

Reumatológica

Portuguesa

Vol 27 • Nº4Outubro/Dezembro 2002

Acta Reumatológica

Portuguesa

C O N S E L H O E D I T O R I A L

Editor Chefe (Chief Editor)Prof. Dr. José António P. Silva

Editores Associados (Associated Editors)Dr. Carlos Vaz Dr.ª Manuela CostaDr. Fernando Saraiva Dr.ª Maria do Carmo AfonsoDr. Herberto Jesus Dr. Paulo Coelho

Graciela Alarcon (E.U.A.)

Donato Alarcón-Segovia (México)

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António Lopes Vaz (Portugal)

António Carlos Ximenes (Brasil)

Hasan Yazici (Turquia)

Administração e EdiçãoMedfarma - Edições Médicas, LdaAv. José Gomes Ferreira 11, 4ºEsc. 41 - Edif.Atlas II - Miraflores1495-139 Algés

RedacçãoSociedade Portuguesa de ReumatologiaRua D. Estefânia 177, 1º D1000-154 Lisboa

RegistoInscrita no I.C.S. com o nº 101.897

Depósito Legal: 86.955/95

ISSN: 0303-464X

Tiragem: 8.000 exemplares

Preço: 5,25 €

Direcção Comercial e Serviços de PublicidadeMedfarma - Edições Médicas, LdaTel: 214 121 142Fax: 214 121 146

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Impressão e AcabamentoEuropam – Estr. Lisboa-Sintra, km 142726-901 Mem Martins

Produção GráficaRita Correia

Periodicidade: Publicação Trimestral

Proibida a reprodução, mesmo parcial, de artigos e ilustrações, sem prévia autorização da Acta Reumatológica Portuguesa. Exceptua-se a citação ou transcrição de

pequenos excertos desde que se faça menção da fonte.

C O N S E L H O E D I T O R I A L I N T E R N A C I O N A L

Presidente Prof. Jaime da Cunha Branco Tesoureiro Dr.a Maria José SantosVice-Presidente Prof. José António P. Silva Vogal Região Sul Dr.a Manuela CostaVice-Presidente Dr. Augusto Faustino Centro Dr. Luís Sousa InêsSec. Geral Dr.a Helena Canhão Norte Prof. F. Simões VenturaSec.Adjunto Dr. Paulo Coelho Ilhas Dr. Herberto Jesus

D I R E C Ç Ã O

Presidente Dr. A. Aroso DiasSecretário Dr. Adriano Moreira NetoVogal Dr.a Anabela Cardoso Pinto Silva

M E S A D A A S S E M B L E I A G E R A L

Presidente Dr.a Maria Eugénia SimõesRelator Dr.a Carmo AfonsoVogal Dr. Luís Maurício

C O N S E L H O F I S C A L

Prof. Domingos Araújo

P R E S I D E N T E E L E I T O

ANATOMIA PATOLÓGICA Prof.ª Odete Almeida

BIOQUÍMICA Prof. J. Martins Silva

CARDIOLOGIA Prof. J. Martins Correia

DERMATOLOGIA Prof. Guerra Rodrigo

ENDOCRINOLOGIA Prof.A. Galvão Teles

FISIOPATOLOGIA Prof.António Bentes

GASTRENTEROLOGIA Prof. Guilherme Peixe

GINECOL/OBSTETRÍCIA Prof. Martinez Oliveira

HEMATOLOGIA Prof.António Parreira

IMUNOLOGIA Prof.António Coutinho

INFECCIOLOGIA Prof.ª Emília Valadas

MEDICINA FAMILIAR Prof. Luís Rebelo

REABILITAÇÃO Prof. J. Páscoa Pinheiro

MEDICINA INTERNA Dr. Álvaro Carvalho

MEDICINA TRABALHO Prof.António Sousa Uva

NEFROLOGIA Prof. José Barbas

NEUROCIRURGIA Prof.António Trindade

NEUROLOGIA Prof.ª Teresa Paiva

OFTALMOLOGIA Prof. Castanheira Diniz

ORTOPEDIA Prof. J. Salis Amaral

PATOLOGIA CLÍNICA Prof. J. Germano Sousa

PEDIATRIA Drª Maria José Vieira

PNEUMOLOGIA Prof. Carlos Robalo Cordeiro

PSIQUIATRIA Prof. Manuel Quartilho

RADIOLOGIA Dr.Tiago Saldanha

REUMATOLOGIA Prof. M.Viana de Queiroz

C O N S E L H O C I E N T Í F I C O

ÓRGÃO OF IC IAL DA SOC IEDADE PORTUGUESA DE REUMATOLOGIA

221

Acta Reumatológica Portuguesa

Vol 27 • Nº4 Outubro/Dezembro 2002

S U M Á R I O / C O N T E N T S

E D I T O R I A L

A Acta Reumatológica e a Reumatologia 223Acta Reumatológica Portuguesa and the Portuguese Rheumatology.José A. Pereira da Silva

Passagem de testemunho: novo Editor-Chefe, novas energias.

Raquialgia na criança e adolescente: estudo epidemiológico 231Back pain in children and adolescents: epidemiological study M.ª Manuela Costa, Patrícia Nero, Edite Branco, Jaime Branco

Este trabalho apresenta os resultados de um estudo de prevalência da dor axial em mais de 750crianças e adolescentes. O simples facto de que 8% destes jovens referia raquialgia e que trêsquartos delas consideravam que o sintoma limitava as suas actividades diárias sublinha aimportância do problema e deste artigo.

A R T I G O S O R I G I N A I S / O R I G I N A L P A P E R S

Manifestações Reumatológicas na Infecção VIH 225Estudo prospectivo na Região Autónoma da Madeira.Rheumatic manifestations of HIV Infection.A prospective study in MadeiraHerberto Jesus, Ana Paula Reis, Alberto Quintal, J. Nóbrega Araújo

A síndroma de imunodeficiência adquirida constitui já uma condição que podemos considerarfrequente. As manifestações multisistémicas desta condição não poupam o sistema músculo--esquelético que pode mesmo ser a sede das queixas inaugurais. Importa, por isso, conhecê-las.Este trabalho apresenta uma apreciação criteriosa e prospectiva de 57 doentes portuguesesinfectados por VIH.

Espondilite anquilosante: é relevante diagnosticar precocemente? 241Anquilosing spondylitis: how important is early diagnosis?Margarida Cruz, Jaime C. Branco

Mais do que uma revisão de casuística este trabalho oferece-nos um excelente exemplo da apli-cação prática dos diferentes índices de avaliação da espondilite anquilosante e do papel que estaapreciação rigorosa pode ter na prática clínica.

ÓRGÃO OF IC IAL DA SOC IEDADE PORTUGUESA DE REUMATOLOGIA

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Acta Reumatológica Portuguesa

Vol 27 • Nº4 Outubro/Dezembro 2002

ÓRGÃO OF IC IAL DA SOC IEDADE PORTUGUESA DE REUMATOLOGIA

S U M Á R I O / C O N T E N T S

CASOS CL ÍN ICOS / CL IN ICAL CASES

Uma causa pouco frequente de ombro doloroso 263A rare cause of painful shoulderP. Nero, M. Mateus, J.M. Bravo Pimentão, J. Branco

A artrose raramente envolve o ombro na ausência de patologia prévia que a justifique. Contu-do, pode por vezes surgir de forma agressiva, rapidamente evolutiva e incapacitante.

AGENDA NAC IONAL / NAT IONAL AGENDA

AGENDA INTERNAC IONAL / INTERNAT IONAL AGENDA

NORMAS DE PUBL ICAÇÃO / INSTRUCT IONS TO AUTHORS 275

274

272

A R T I G O S D E R E V I S Ã O / R E V I E W S

«Psico-Neuro-Endocrino-Imuno-Reumatologia»: 251explorando os mecanismos biológicos das manifestações psico-somáticas«Psycho-Neuro-Endocrine-Imunne-Rheumatology»:exploring biological mechanisms of psycho-somatic manifestationsJosé António Pereira da Silva

Recolhidos os valiosos frutos da investigação ultra-especializada, observamos, na Medicina Mo-derna, um retorno ao esforço de síntese imposto pela verificação de que os sistemas biológi-cos, antes considerados estanques, estão envolvidos em complexas regulações cruzadas cujaapreciação é essencial ao entendimento dos fenómenos clínicos. Este trabalho questiona a dico-tomia físico/psíquico pela exploração dos mecanismos bioquímicos que tornam as manifes-tações destes tipos nas faces de uma mesma moeda.

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E D I T O R I A L

No momento de abandonar as funções de Editor-Chefe da Acta Reumatológica Portuguesa querodeixar um sentido agradecimento a todos os que comigo colaboraram ao longo destes quatro anos deserviço. Destaco, naturalmente, os editores associados, cujo trabalho e empenho constituíram a chavepara os resultados obtidos. Agradeço igualmente a todos os autores, nacionais e internacionais, queofereceram à Acta o resultado do seu esforço. Uma palavra de apreço à Medfarma cujo profissionalis-mo tornou fácil a nossa tarefa.

Recolhemos enorme satisfação na inegável melhoria de qualidade que a nossa revista viveu aolongo destes anos mas não retiramos desta observação nenhum mérito pessoal: a ACTA foi e será ape-nas o espelho da Reumatologia Portuguesa. Recolhemos orgulho, isso sim, de pertencer e servir umaespecialidade que tem vivido, nestes anos, enorme desenvolvimento quantitativo e, sobretudo, quali-tativo graças ao mérito e generosa dedicação dos que a servem.

É nossa esperança contribuir, neste singelo balanço, para renovar e reforçar a confiança dosReumatologistas portugueses no futuro da sua especialidade, para incentivar a sua continuada dedi-cação à qualidade do serviço clínico e científico que prestam à população.

As qualidades pessoais do novo Editor-Chefe são a garantia de que a Acta continuará o seu desen-volvimento e afirmação, tal como as qualidades dos jovens Reumatologistas portugueses são a garan-tia de que a Acta terá, neles, terreno fértil em que crescer. Frondosamente.

*Especialista em Medicina Interna e em ReumatologiaProfessor Auxiliar de Reumatologia da Universidade de Coimbra.

A A C T A R E U M AT O L Ó G I C A E A R E U M AT O L O G I A

José António Pereira da Silva*

MANIFESTAÇÕES REUMATOLÓGICAS

NA INFECÇÃO VIH

Herberto Jesus

Ana Paula Reis

Alberto Quintal

J. Nóbrega Araújo

Unidade de ReumatologiaUnidade de Doenças InfecciosasCentro Hospitalar do Funchal

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R E S U M O

As manifestações reumatológicas ocorrem em 3,6% a 45% dos doentes infectados pelo Vírus de Imuno-deficiência Humana (VIH).Objectivo: Identificar manifestações osteo-articulares numa população com infecção pelo VIH. Material e Métodos: Estudo prospectivo iniciado em Janeiro de 2000, envolvendo doentes observados naConsulta de Doenças Infecciosas do Centro Hospitalar do Funchal (CHF).

O diagnóstico foi efectuado de acordo com a «1993 CDC classification». A avaliação, na primeira con-sulta, consistia na elaboração de uma história clínica e exame objectivo. Nas avaliações posteriores eradeterminada a contagem celular dos linfócitos CD4 (citometria de fluxo). Foram observados 57 doentes:44 do sexo masculino (77,2%) e 13 do sexo feminino (22,8%). A idade média era de: 37,8 anos (19-67). Resultados: 32 apresentavam apenas seropositividade viral (56,1%), nos restantes 25 foi diagnosticadoSIDA (43,9%). 52 eram VIH 1 (91,2%) e 5 eram VIH 2 (8,8%). As manifestações reumatológicas ocorreramem 30 (53%): Fibromialgia (23%); Síndromas dolorosos regionais (14%); Lombalgia (9%); «Síndromaarticular doloroso» (Painful articular syndrome) – (5%); Oligoartrite dos membros inferiores (5%); Doen-ça de Raynaud (2%); «Síndroma seco» (2%). A contagem celular dos linfócitos CD4 era inferior a 200/mLem 18 doentes. Neste grupo, 56% apresentavam manifestações osteo-articulares. A terapêutica da fibro-mialgia foi magnésio e amitriptilina. Os síndromas dolorosos regionais «responderam» a AINE e/ou infil-trações intra-articulares. Conclusões: No nosso estudo 37% dos doentes apresentaram síndromas dolorosos regionais e/ou fibro-mialgia. Propomos duas explicações para a ausência dos chamados «Síndromas clássicos»: 1) 68% dosdoentes estavam nos «estadios iniciais da doença»; 2) As novas terapêuticas anti-retrovirais poderãodiminuir a incidência de manifestações reumatológicas.

Os linfócitos CD4 poderão contribuir para a patogénese dos síndromas reumatológicos.

A B S T R A C T

Rheumatic manifestations are reported in 3,6% to 45% of Human Immunodeficiency Virus (HIV) pa-tients.Objective: To identify osteoarticular features in a HIV population.Methods: Prospective study started in January 2000 involving patients who attended the Infectious Di-seases outpatient clinic. The HIV infection was classified according to the 1993 CDC classification for thissyndrome. Evaluation of the patients in the first visit included an interview and a clinical examination. The level of CD4+ T cell count was determined by flow citometry in each patient. 57 patients were eva-luated: 44 males (77,2%) and 13 females (22,8%). Age range was 19 to 67 years (mean age: 37,8).Results: 32 were HIV-positive (56,1%) and 25 have AIDS (43,9%). 52 were HIV 1 positive (91,2%) and 5were HIV 2 positive (8,8%). Rheumatic manifestations occurred in 30 patients (53%): Fibromyalgia (23%);Regional rheumatic pain syndromes (14%); Low back pain (9%); Painful articular syndrome (5%); Lowerlimb arthritis (5%); Raynaud´s syndrome (2%); Sicca syndrome (2%). The CD4+ T cell count was below200/mL in 18 patients, 56% of them with rheumatic manifestations. The fibromyalgia patients were trea-ted with magnesium and amitriptyline. The pain in the regional rheumatic syndromes respond to anti-inflammatory medication and/or intra-articular steroids. Conclusions: Rheumatic manifestations are very common in HIV infection. Fibromyalgia and regionalrheumatic pain syndromes were diagnosed in 37% of patients. The so-called «Classic syndromes» wereabsent, we proposed two reasons that could explain this finding: 1) 68% of patients were in the earlyphase of the disease; 2) Development of newer antiretroviral therapeutic strategies.The CD4+ T cell could be important in the pathogenesis of the rheumatic involvement in HIV infection.

Key Indexing Terms: HIV; Rheumatic Disease; AIDS; CD4; Immunodeficiency

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A R T I G O S O R I G I N A I S

M A N I F E S T A Ç Õ E S R E U M AT O L Ó G I C A S N A I N F E C Ç Ã O V I H

E S T U D O P R O S P E C T I V O N A R E G I Ã O A U T Ó N O M A D A M A D E I R A

Herberto Jesus*, Ana Paula Reis**,

Alberto Quintal*, J Nóbrega Araújo**

Introdução

A infecção pelo vírus de imunodeficiência hu-mana (VIH) constitui um problema de Saúde Pú-blica, não só pela mortalidade e morbilidade queacarreta, mas fundamentalmente pelo «estigmasocial» que impõe.

Os estilos de vida influenciam a progressão doVIH. Na Europa do Sul a transmissão viral é efec-tuada predominantemente por via heterossexuale por via endovenosa.

Em 1993 o CDC (Centers for Disease Control)propôs uma classificação clínica e biológica paraa infecção pelo VIH. Esta classificação subdivide«a progressão da infecção» em três estadios, deacordo com as «categorias clínicas» e com o nú-mero de linfócitos CD4. As manifestações clínicasconsideradas como parte integrante deste síndro-ma são as neoplasias e as infecções oportunistas.A classificação não inclui nenhum síndromareumatológico1.

No entanto, as manifestações reumatológicasocorrem em 3,6 a 45% dos casos2,3,4,5, habitual-mente numa fase tardia da doença2-4,6. A artralgiaé o sintoma inespecífico mais frequente2,3. Nosanos oitenta e noventa foram propostas as asso-ciações deste vírus às espondilartropatias serone-gativas, às vasculites, às miosites, à artrite sépticae aos síndromas dolorosos regionais. No entanto,apenas dois síndromas são «típicos» da infecçãoVIH, o «síndroma articular doloroso» e a oligoar-trite assimétrica dos membros inferiores2-6.

Do ponto de vista fisiopatológico, o VIH é um«lentivirus» que promove a deplecção dos linfóci-tos CD4, a inversão da relação CD4/CD8 com con-sequente aumento dos linfócitos CD8. A diminui-ção dos CD4 origina: 1) aumento da apoptose; 2)desregulação da produção de citoquinas; 3) facili-

tação da replicação viral1-3,5,7. As alterações imu-nológicas proporcionadas pelo VIH são seme-lhantas às que ocorrem nas doenças autoimunes,por isso os fenómenos originados pela diminui-ção dos CD4 poderão contribuir para a génese dossíndromas reumatológicos4-6.

Objectivo

Determinar a prevalência de manifestações os-teo-articulares numa população com infecção pe-lo VIH, seguida na Consulta de Doenças Infeccio-sas do Centro Hospitalar do Funchal durante 20meses. Caracterizando-a do ponto de vista clínico,de acordo com a classificação das DoençasReumáticas proposta pela Unidade de Reuma-tologia e de Doenças Metabólicas do Hospital deSanta Maria8.

Material e Métodos

Estudámos prospectivamente 57 doentes com in-fecção pelo VIH observados regularmente naConsulta de Doenças Infecciosas do C.H.F.,durante um período de 20 meses, desde Janeiro de2000 a Setembro de 2001.

O diagnóstico de infecção pelo vírus VIH/ SIDAfoi efectuado de acordo com a «CDC classificationsystem for HIV disease».

As manifestações reumatológicas foram agru-padas de acordo com a classificação proposta pelaUnidade de Reumatologia e de Doenças Meta-bólicas do Hospital de Santa Maria. Introduzimosos «HIV-associated syndromes» no item 10 dessaclassificação – «Manifestações músculo-esque-léticas de doenças não reumáticas» – Quadro 1.

Em todos os doentes foi efectuada uma históriaclínica sumária focando a epidemiologia e os fac-tores de risco. Complementada por um exame

* Unidade de Reumatologia** Unidade de Doenças Infecciosas - Centro Hospitalar do Funchal

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objectivo geral e reumatológico. A avaliação labo-ratorial incluia o doseamento dos linfócitos CD4por citometria de fluxo e quando necessário efec-tuava-se o «estudo imunológico». A radiologiaconvencional era efectuada de acordo com oscritérios do clínico.

Analisámos os dados epidemiológicos e clíni-cos da população estudada e comparámos essesdados entre as populações com positividade parao VIH 1 versus a população com positividade parao VIH 2. Baseados nos valores dos linfócitos CD4,analisámos as manifestações reumatológicasentre os grupos com CD4 >200/mL e os gruposcom CD4< 200/mL.

Num universo de 57 doentes, identificámos 30com manifestações reumatológicas (53%) –Quadro 3.

Resultados

Dos 57 doentes observados com infecção porVIH, 77,2% eram do sexo masculino e 22,8% eramdo sexo feminino. Todos os doentes tinham, natu-ralmente, evidência serológica de infecção massó 25 satisfaziam os critérios de SIDA: 52 eramVIH 1 e 5 eram VIH 2.

De acordo com a «CDC classification system forHIV disease»: 32 foram incluídos no «grupo A»(56,1%) e 25 no «grupo C» (43,9%). A idade médiaera de: 37,8 anos (19-67) e a duração média dadoença era de 21 meses no sexo masculino e 42meses no sexo feminino. Os factores de risco maisprevalentes eram, por ordem de frequência: a viasexual (63%) e a toxicodependência (37%) –

Quadro 2. Subdividimos em três grupos nosológicos de

acordo com a classificação das Doenças Reumáti-cas proposta pela Unidade de Reumatologia e deDoenças Metabólicas do Hospital de Santa Maria:

I) reumatismos peri-articulares ou das partesmoles: fibromialgia (23%), síndromas dolorososregionais-S.D.R.(14%) e lombalgia (9%);

II) Manifestações músculo-esqueléticas dedoenças não reumáticas («HIV-associated syn-dromes»): «Síndroma articular doloroso» (Painfularticular syndrome) – S.A.D.(5%) e oligoartritedos membros inferiores (5%);

III) Doenças difusas do tecido conjuntivo:doença de Raynaud (2%) e «Síndroma seco» (anti--SSA e anti-SSB negativos) (2%) – Quadro 4.

MANIFESTAÇÕES REUMATOLÓGICAS NA INFECÇÃO VIH

Quadro 1. Classificação da Unidade de Reumatologia do H.S.M.

Classificação das Doenças Reumáticas1.º Doenças difusas tecido conjuntivo2.º Espondilartropatias seronegativas3.º Artrites reactivas4.º Artrites metabólicas5.º Artrites infecciosas6.º Artroses7.º Reumatismos peri-articulares8.º Doencas ósseas metabólicas9.º Tumores10.º Manifestações músculo-esqueléticas de

doenças não reumáticas

Quadro 2. Dados epidemiológicos e clínicos dos 57 doentes

Masculino FemininoN/% 44 / 77,2 13 / 22,8Idade Média 38 37,6Duração Média (m) 21 42VIH I 42 10VIH II 2 3Toxicodependência 18 3Sexual 26 10

Ausência 47%

Presença 53%

População Estudada

Quadro 3. Prevalência de manifestações reumatológicasna população estudada

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De acordo com a serologia, 52 eram HIV 1(91,2%) e 5 eram HIV 2 (8,8%).

As manifestações reumatológicas ocorreramem 29 doentes no grupo HIV 1, enquanto que nogrupo HIV 2 apenas um doente apresentavapatologia desse foro.

A contagem celular dos linfócitos CD4 era infe-rior a 200/mL em 18 doentes. Neste grupo, 56%apresentavam manifestações osteo-articulares.No grupo com CD4> 200/mL (n=39), identificá-mos patologia reumatológica em 51%.

A terapêutica da fibromialgia foi magnésio eamitriptilina (10mg/dia). Os síndromas dolorososregionais (lombalgia, bursite anserina, síndromado túnel társico), assim como os «HIV-associatedsyndromes» «responderam» a AINE e/ou infil-trações intra-articulares.

Discussão

As manifestações reumatológicas na infecção VIHpodem ser desencadeadas por acção directa dovírus ou por acção indirecta, através da deplecçãodos CD42,3,6,7. A ligação dos CD4 à molécula gp 120do VIH promove a infecção das células regulado-ras da resposta imunitária. Esta perpetuação dainfecção viral e a consequente disfuncionalidadedo sistema imunitário constituem um terrenopropício para o aparecimento da «doença reuma-tológica».

A transmissão viral por via sexual e o sexo mas-culino foram os factores de risco mais prevalentesna nossa casuística, o que está de acordo com osestudos apresentados na literatura mundial1.

O aparecimento da patologia osteo-articularocorre nas fases tardias da doença2-4, de acordocom os estudos retrospectivos que abordam estetema. No nosso estudo a patologia reumatológica

surgiu em 53% dos doentes e em fases preco-ces da doença.

Na literatura a artralgia é referida como osintoma mais frequente (12-45%)2,3, os «sín-dromas clássicos» ocorrem em percentagensvariáveis: espondilartropatias seronegativas(4,8-10%), vasculites (1-40%) e miosite (0,5--1,1%).

Os síndromas «típicos» da infecção VIH,nomeadamente o «síndroma articular dolo-roso» e a oligoartrite dos membros inferioresocorrem em 10% dos casos2-6.

Berman descreveu o «síndroma articular dolo-roso» em 1991, caracterizando-o como «artralgiasintensas e intermitentes, envolvendo menos dequatro articulações, sem evidência de sinovite,com duração inferior a 24 horas»1.

Na nossa casuística os síndromas «típicos» dainfecção VIH ocorreram em 10% dos casos.

A fibromialgia foi o quadro clínico mais fre-quente (23%). Neste grupo de doentes caracteri-zava-se por uma «semiologia» uniforme: os pon-tos dolorosos generalizados, as caimbras, o sononão reparador, a ansiedade e a «depressão mas-carada»9.

Durante os 20 meses em que decorreu este es-tudo não detectamos os chamados «síndromasclássicos». A percentagem elevada de doentes nos«estadios inciais» complementada com uma uti-lização mais precoce de combinações de antire-trovirais poderão explicar a ausência destes sín-dromas.

O número de doentes da nossa casuística nãopermite atribuir ao vírus VIH 1 um papel prepon-derante na génese da sintomatologia osteo-articular, quando comparado com o vírus VIH 2.No entanto, podemos pressupor, que o VIH 1 éresponsável por uma maior frequência de patolo-gia reumatológica, por ser mais patogénico etransmissível que o vírus VIH 2.

Os linfócitos CD4 contribuem para a patogé-nese de numerosos síndromas reumatológicos,embora o nosso estudo não revele uma diferençasignificativa entre os grupos com valores de CD4maiores ou menores que 200/mL. No entanto,alguns autores afirmam que valores inferiores a200/mL indiciam um mau prognóstico e sãoresponsáveis pelo aparecimento de patologiaosteo-articular5.

O aumento previsível da infecção pelo VIHmotivará uma maior prevalência destes síndro-mas reumatológicos. Por isso, torna-se importan-

HERBERTO JESUS E COL.

0 5 10 15 20 25

S.A.D.

Oligoartrite

Raynaud

S. Seco

Lombalgia

S.D.R.

Quadro 4. % de Síndromas Reumatológicos

Fibromialgia

te conhecê-los, de forma a permitir um diagnós-tico precoce e uma terapêutica adequada.

Conclusões

No nosso estudo 37% dos doentes apresentaramsindromas dolorosos regionais e/ou fibromialgia.Propomos duas explicações para a ausência doschamados «Síndromas clássicos»: 1) 68% dosdoentes estavam nos «estadios iniciais da doen-ça»; 2) As novas terapêuticas anti-retrovirais po-derão diminuir a incidência de manifestaçõesreumatológicas.

Os linfócitos CD4 poderão contribuir para apatogénese dos síndromas reumatológicos.

Referências Bibliográficas: 1. Garrait V., Molina JM. Infection par le VIH. Revue du prati-

cien 2000 ; 50 :1003-102. Cuellar M. L. HIV infection-associated inflammatory mus-

culoskeletal disorders. In Rheumatic Disease Clinics ofNorth America. Vol. 24, nª2, May 1998: 403-421.

3. Espinoza L. R., Jara L. J., Espinoza C. G., et al. There is anassociation between human immunodeficiency virus in-fection and spondyloarthropathies.HIV. In RheumaticDisease Clinics of North America. Vol. 18, nº1, February1992: 257-266.

4. Medina-Rodriguez F., Guzman C., Jara L. J., et al.Rheumatic manifestations in human immunodeficiencyvirus positive and negative individuals: a study of 2 popu-lations with similar risk factors. J Rheumatol 1993; 20:1880-1884

5. Casado E., Olivé ª, Holgado S., et al. Musculoskeletal man-ifestations in patients positive for human immunodefi-ciency virus: correlation with CD4 count. J Rheumatol2001;28:802-804

6. Rowe K. Human immunodefiency virus infection and therheumatologist. Ann of rheum dis, 1989; 48:89-91

7. Itescu S. Adult immunodeficiency and rheumatic disease.In Rheumatic Disease Clinics of North America. Vol. 22,nº1, February 1996: 53-73.

8. Queiroz M.V. Classificação das doenças reumáticas. Reuma-tismo e saúde pública. In Reumatologia Clínica, 1996. Edi-tores: LIDEL-Edições Técnicas Limitada, Lisboa; 29-40

9. Wolfe F., Smythe H. A., Yunus M. B., et al. The AmericanCollege of Rheumatology 1990 Criteria for the Classifica-tion of Fibromyalgia : Report of the Multicenter CriteriaCommittee. Arthritis Rheum 33:160-172, 1990.

MANIFESTAÇÕES REUMATOLÓGICAS NA INFECÇÃO VIH

RAQUIALGIA NA CRIANÇA

E ADOLESCENTE:

ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO

Maria Manuela Costa

Patrícia Nero

Edite Branco

Jaime Branco

Unidade de Reumatologia, Hospital Egas MonizUnidade de Saúde Escolar, Centro de Saúde de Alcântara - Lisboa, Portugal.

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R E S U M O

Objectivos: A prevalência da raquialgia na infância e adolescência foi analisada neste estudo, assimcomo as suas consequências e os factores de agravamento. Comparou-se a criança com raquialgia comum grupo de crianças com dor musculo-esquelética noutra localização.Métodos: O estudo incluiu 767 crianças, 419 do sexo feminino e 348 do sexo masculino, observadas em4 escolas públicas da área metropolitana de Lisboa. A idade média era de 10.6±2.4 anos (6-17). Noventae dois por cento das crianças eram de raça caucásica, 7,8% de raça negra e 0,7% de raça asiática. Duasreumatologistas observaram e aplicaram um questionário às crianças. O grupo de controlo incluiu ascrianças com dor musculo-esquelética noutras localizações.Resultados: A raquialgia foi referida por 61 crianças (8%), sendo 46 (75,4%) raparigas e 15 (24,6%)rapazes. A idade média foi de 11±2,2 anos (6-16). A dor foi recidivante com uma periodicidade diária asemanal em 43% das crianças. A duração da raquialgia é de horas a um dia em 90,2% das crianças e comuma intensidade média de 33±19.5 mm (4-100) na escala visual analógica. Quarenta e seis crianças(75,4%) consideram que a dor interferia nas actividades de vida diária. A raquialgia foi o motivo de idaao médico em 16 crianças das quais 6 necessitaram de fármacos. Os factores de agravamento referidosmais frequentemente foram o transporte de mochila e a prática de desporto. No estudo comparativoverificamos que a raquialgia foi significativamente mais frequente na rapariga, nas crianças mais velhas(no grupo etário e pubertário) e com valores superiores de peso, altura, medição do tronco e dos mem-bros inferiores.Conclusão: A raquialgia nas crianças e adolescentes portugueses não foi tão frequente como noutrospaíses. Apesar de ser fugaz, tem um caracter recidivante e interfere na vida diária das crianças. A associa-ção com o transporte de mochila e a prática de desporto é um factor importante. Os parâmetrosantropométricos, o sexo e a puberdade relacionam-se com a raquialgia.

A B S T R A C T

Objectives: Calculate the prevalence of back pain in schoolchildren as well as their associated risk factorsand repercussion on daily lives. Children with non-vertebral pain were used as a control group.Methods: The study included 767 children from four urban schools. There were 419 girls and 348 boys.Mean age was 10.6±2.4 years (6-17). 92.2% were caucasian, 7.8% black and 0,7% Asian. A detailed inter-view on the basis of a standardised questionnaire was applied. Two rheumatologists performed physicalexamination. The control group was constituted by schoolchildren with musculoskeletal pain at otherlocation. Results: Back pain was reported by 61 schoolchildren (8%), 75,4% girls and 24,6% boys. Mean age was11±2.2 yr (6-16 ). 43% had pain every day or week. Pain duration was at least 24 hours in 90,2% of casesand intensity had a mean 33+19.5 (4-100), by visual analogue scale. 75,4% of cases had disability to dailylive activities. Sixteen children visited their physician and 6 needed treatment. Back pain was associatedmore frequently with schoolbag carriage and physical activity. Comparing children with back pain andthe control group we observed statistical differences in gender, age, height, weight, lower extremitieslength and puberty (p<0.05).Conclusion: In Portuguese schoolchildren, back pain was not so frequent as in other countries. Howeverpain was recurrent and interfered with children’s lives. Association with schoolbag and practice of sportis an important factor. Back pain was related with anthropometric parameters, gender and puberty.

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A R T I G O S O R I G I N A I S

R A Q U I A L G I A N A C R I A N Ç A E A D O L E S C E N T E : E S T U D O E P I D E M I O L Ó G I C O

Maria Manuela Costa*, Patrícia Nero**,

Edite Branco***, Jaime Branco****

Introdução

A lombalgia é um problema comum na práticaclínica. Durante muitas décadas, considerou-seque a raquialgia e particularmente a lombalgia erarara na criança e no jovem adolescente. A sua pre-sença impunha a exclusão de uma longa lista deprováveis causas etiológicas.

Os estudos epidemiológicos efectuados nas es-colas, em diversos países europeus, têm demons-trado uma realidade muito diferente. A suaprevalência varia entre 7-40%1-5. As consequên-cias deste sintoma fazem-se sentir em diversasáreas da vida da criança, com possíveis reper-cussões na idade adulta.

O conhecimento da realidade de cada país, pa-ra se tomarem atitudes preventivas, que podempassar por informação dos pais e ou educadores,é uma prioridade para todos os que como nósestão envolvidos na preservação do bem estar dascrianças.

Com este estudo pretendemos determinar aprevalência da raquialgia na criança e adolescenteresidente na área metropolitana de Lisboa, osfactores associados, a sua repercussão nas activi-dades de vida diária e o que a diferencia da crian-ça com dor musculo-esquelética localizada nou-tra área do aparelho locomotor.

Material e Métodos

Este estudo incluiu 767 crianças que frequen-

tavam 4 escolas públicas da área metropolitana deLisboa, duas do ensino básico e duas do ensinoC+S. Quatrocentos e dezanove (54,6%) criançaseram do sexo feminino e 348 (45,6%) do sexo mas-culino. A idade média era de 10,6±2,4 anos, va-riando entre os 6 e os 17 anos (Fig 1). A distribui-ção racial era a seguinte: 707 (92,2%) caucásicos,55 (7,8%) negros e 5 (0,7%) asiáticos.

Duas reumatologistas deslocaram-se às escolasapós os pais ou educadores terem dado o consen-timento informado para a participação das crian-ças no estudo. Numa primeira fase as crianças res-ponderam a um inquérito que incluía as seguintesquestões: 1) Durante os últimos 3 meses tivestedor nas articulações ou ossos? sim/não; 2) Se res-pondeste afirmativamente (sim) assinala no dese-nho onde costumas ter essa dor; 3) Costumas terdor com uma periodicidade (escolhe a verdadei-ra) diária/semanal/quinzenal/mensal/rara; 4) Ador foi precedida por algum esforço, como porexemplo: aula de ginástica, corrida, jogo de fute-bol etc.? sim/não; Qual?; 5) A zona onde dói au-menta de volume (inchado)? sim/não; 6) Durantequanto tempo ficas com dor? um bocado/umdia/2 a 3 dias/uma semana >1semana; 7) Já fosteao médico por causa dessa dor? sim/não; 8) E játiveste de tomar medicamentos? sim/não; Quais?9) Praticas exercício físico na tua escola? sim/não;E nos tempos livres? sim/não; Diz qual o desportoque praticas e o número de horas por semana?

A escala visual analógica e o índice subjectivode incapacidade avaliaram a intensidade da dor. A escala visual analógica usada foi a linha de 100 mm, sem números e com as frases sem dor edor extrema nas extremidades.

O índice subjectivo de incapacidade foi adapta-do do estudo efectuado por Mikkelsson M, Salmi-nen JJ, Kautiainen H (J Rheumatol 1996; 23: 1963--7): 1) Tenho dificuldade em adormecer por causada dor e/ou a dor perturba o meu sono: sim/não;

2) Tenho dificuldade em permanecer sentado

*Assistente Hospitalar de Reumatologia**Interna do Internato Complementar de Reumatologia***Chefe de Serviço de Medicina Familiar, Directora do Centrode Saúde de Alcântara****Chefe de Serviço de Reumatologia, Director da Unidade de Reumatologia do Hospital Egas Moniz e Professor de Reumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da UniversidadeNova de Lisboa

durante as aulas por causa da dor; sim/não;3) A dor incomoda-me se eu andar mais de

1Km: sim/não;4) A dor incomoda-me durante a aula de ginás-

tica: sim/não;5) A dor perturba as minhas actividades de la-

zer: sim/não;Após responderem ao questionário as crianças

eram pesadas, medidas e classificado o estadiopubertário de acordo com a classificação deTurner.

O grupo de controle foi constituído por todasas crianças com dor músculo-esquelética noutrasáreas do aparelho locomotor.

O estudo estatístico consistiu numa análisedescritiva, o teste Chi2 e o t de student. Considerá-mos como estatisticamente significativo os valo-res de p<0,05.

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Resultados

Sessenta e uma (8%) das 767 crianças referiramdor na coluna vertebral, sendo 46 (75,4%) do sexofeminino e 15 (24,6%) do sexo masculino. Houveum predomínio da raça caucásica, observando-se53 crianças desta raça e 8 de raça negra. A idademédia foi de 11±2,2 anos, variando entre os 6 e os16 anos.

A prevalência da raquialgia aumentou gradual-mente com a idade, atingindo um valor máximoaos 16 anos (18%). O predomínio do sexo femini-no verificou-se em todos os grupos etários,exceptuando os 14 anos (Fig 2 e 3).

A raquialgia localiza-se predominantementeno segmento lombar, 36 das 61 crianças ( 59%) re-ferem lombalgia. Os outros segmentos forammencionados na seguinte sequência: coluna dor-

MANIFESTAÇÕES REUMATOLÓGICAS NA INFECÇÃO VIH

6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17

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Figura 1. Distribuição das crianças por grupo etário.

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0

no

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6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17

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4

2

Figura 2. Distribuição das crianças com raquialgia por grupo etário.

Fem

Masc

Total

0

no

anos

em todos os parâmetrosreferidos (Quadro1).

A escala visual analógica(EVA) evidenciou um valormédio de 33±19.5, variandoentre 4-100 mm (Quadro 2).Verificou-se dois picos nes-te valor médio, um aos 7anos e outro aos 15 anos.Como se verifica na figura4, há uma tendência paraos valores da EVA serem su-periores no sexo masculinocomparativamente ao sexofeminino, com excepçãoaos 9 e aos 14 anos.

Quarenta e seis crianças(75,4%) consideraram quea dor as limitava nas suasactividades de vida diária,sendo 37 do sexo feminino

e 9 do sexo masculino (Quadro 2). O índice sub-jectivo de incapacidade teve um valor médio de1,68±1,39, não havendo diferenças significativasentre os dois sexos. Tal como na EVA este valor te-ve dois picos um aos 7 e outro aos 15 anos (Fig. 5).

A raquialgia foi o motivo de ida ao médico em16 (26,2%) crianças (13 do sexo feminino e 3 dosexo masculino) e do consumo de analgésicos em6 (4 do sexo feminino e 2 do sexo masculino)(Quadro 2).

Em 45 crianças (73,8%) identificou-se umfactor de agravamento da dor raquidiana. Otransporte da mochila para a escola foi acausa mais frequentemente referida. Vinte euma criança, 17 do sexo feminino e 4 do sexomasculino atribuíram o surgimento ou oagravamento deste sintoma a este facto. Osoutros factores foram os seguintes: a práticade desporto, a flexão do tronco repeti-tivamente, a posição de sentado e um esfor-ço (não foi identificado o tipo de esforço)(Quadro 2 e Fig. 6). Houve um predomino dosexo feminino em todos estes factores de agravamento da dor, com excepção naflexão do tronco e na realização do «esforço»(Fig. 6).

No estudo comparativo entre as criançascom raquialgia e as crianças com dor múscu-lo-esquelética com outras localizações, verifi-cou-se haver diferenças estatisticamentesignificativas nos dados demográficos e nos

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sal (32.8%) e coluna cervical (8.2%).A dor tem uma periodicidade diária a semanal

em 43% (26/61) das crianças. Nos restantes casos,recorre quinzenalmente em 9,8%, mensalmenteem 13,1% e é rara em 34,4% das crianças.

A duração da raquialgia é de apenas algumashoras ou um dia na grande maioria dos casos(90,2%).

O estudo comparativo entre os dois sexos nãorevelou diferenças estatisticamente significativas

MARIA MANUELA COSTA E COL.

15

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5

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Figura 3. Prevalência da raquialgia em 767 crianças.

anos

06 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17

Fem

Masc

Total

%

Quadro 1: Caracterização da raquialgia

Total Feminino Masculino p61 46 15

Localização 0,419cervical 5 (8,2%) 4 1dorsal 20 (32,8%) 17 3lombar 36 (59%) 25 11Frequência da dor 0,223diária 9 (14,75%) 6 3semanal 17 (27,86%) 14 3quinzenal 6 (9,83%) 5 1mensal 8 (13,1%) 8 0rara 21 (34,43%) 13 8Duração da dor 0,141horas 47 (77,1%) 36 111 dia 8 (13,1%) 5 32 a 3 dias 5 (8,2%) 5 01 semana 1 (1,6%) 0 1

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dados antropométricos (Quadro 3).A raquialgia ocorreu em crianças com idade

média superior ao grupo controle e foi mais fre-quente no sexo feminino. O estadio pubertário foisignificativamente mais avançado no grupo decrianças com raquialgia. Nos dados antropo-métricos salientamos as diferenças observadasem relação ao peso, altura, medição do tronco edos membros inferiores. Os valores descritos nogrupo com raquialgia são significativamentesuperiores ao grupo de controle.

A periodicidade da dor não foi diferente entreos dois grupos assim como a duração e a intensi-dade avaliada pela escala visual analógica.

MANIFESTAÇÕES REUMATOLÓGICAS NA INFECÇÃO VIH

A dor localizada no ráquis nãodeterminou um maior grau de inca-pacidade, nem de consumo de con-sultas médicas ou fármacos.

A prática de desporto não diferiuentre os dois grupos, no que respeitaao numero de praticantes, ao nú-mero de horas por semana nem aotipo de desporto praticado.

Discussão

A raquialgia ocorre frequentementenas crianças e adolescentes. Na nos-sa série obtivemos uma prevalênciade 8%, comparável à descrita na lite-ratura, que é de 7 a 40%1-5. Na Fin-lândia 10,1% dos rapazes e 9,4% dasraparigas descrevem pelo menos um

episódio de raquialgia nos 12 meses que antece-deram o inquérito6. Balagué e col., num estudorealizado na Suíça, obtiveram um valor superior,74% das crianças referem raquialgia em algummomento da sua vida7. Na França, Troussierobteve uma prevalência de 51%8.

O aumento gradual da prevalência com valoressuperiores na adolescência comparativamente àinfância é uma característica constante nas di-ferentes séries1,2,4,5,6,7,9,10,11. Este comportamentofoi também observado na nossa série, tendo aprevalência atingido um valor de 18% na ado-lescência.

A dor, apesar de fugaz, é recorrente ou crónicaem 43% das crianças, valorligeiramente superior aoobservado por Taimela6.Neste estudo os autoresconcluem que há um sub-grupo de adolescentescom raquialgia de maiorgravidade e tendência àcronicidade e que por issorequerem uma maior aten-ção6.

Os resultados do estudode Salminen apontam a degenerescência discalprecoce, detectada por res-sonância magnética nu-clear aos 15 anos de idade,como a causa deste com-

Quadro 2: Caracterização da raquialgia (continuação)

Total Feminino Masculino p61 46 15

EVA 33±19.5 31.8±19.8 35.8±18.1 0.506(4-100) (4-100) (9-55)

Incapacidade 46 37 9 0.110índice subj. 1.68±1.39 1.89±1.4 1.13±1.09 0.069incap. (0-5) (0-5) (0-3)Consulta 16 13 3 0.527analgésico 6 4 2 0.600F. agravamento 45 33 12 0.527mochila 21 17 4desporto 14 11 3postura 3 1 2flexão tronco 5 4 1«esforço» 2 0 2

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Figura 4. Escala visual analógica – valor médio por idade.

anos

06 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17

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portamento recorrente que se prolonga pelaidade adulta12,13.

O predomínio do sexo feminino observado nanossa série está de acordo com alguns auto-res1,2,3,4,5,7,9,11 mas não tem sido demonstrado poroutros5,6,10.

A lombalgia é a localização preferencial da dorna coluna vertebral. Na nossa população ocorreuem 59%, valor sobreponível ao da série Suíça7 e dafrancesa4. Os outros segmentos são envolvidos naseguinte sequência: coluna dorsal e coluna cer-vical.

As repercussões deste sintoma fazem-se a vá-rios níveis, desde a interferência nas actividadesde vida diária até ao consumo de cuidados médi-cos. A incapacidade referida por 2/3 das crianças

não foi severa, ocorrendoem média para duas acti-vidades. Todavia, tem umatendência para agravar-secom o avançar da idade.Este factor parece estar emconsonância com o descri-to por Taimela, que tam-bém encontrou a tendên-cia para a raquialgia ser demaior intensidade e commaiores repercussões nacriança mais velha6.

A utilização de cuidadosmédicos é outra conse-quência, que acontece em13,6% a 28,7% das crian-ças1,4,5,7,11,14, tal como o des-crito na nossa população.A realização de examescomplementares de diag-nóstico, nomeadamente a

radiologia convencional, tem sido referida em18,7% dos casos em algumas séries,4 assim comoa necessidade de tratamentos médicos4. Asconsequências são significativamente mais gra-ves nas crianças com idade superior aos 13 anos.Neste grupo etário, a dor é suficientemente gravepara motivar a ida a uma consulta médica empelo menos 1 em cada duas crianças4. A amostrada nossa população, neste grupo etário, é pe-quena pelo que não nos foi possível analisar estefactor.

A dor está frequentemente relacionada comum factor desencadeante. Na nossa casuística aprincipal causa de agravamento da dor foi otransporte de mochila. As outras situações asso-ciadas ao surgimento da raquialgia, no nossoestudo, são a prática de desporto, a postura incor-recta, quer a sentada, quer a deitada, a flexão dotronco e um esforço mal definido. Estes resulta-dos são contraditórios aos descritos na literatura,em que a maioria dos autores notaram um au-mento significativo da raquialgia com a posiçãosentada1,3,4,9,14,15.

A dualidade existente entre o transporte damochila e a raquialgia tem sido analisada pordiversos autores, cujas conclusões sugerem umarelação causa – efeito4,5,9,14,16,17. Troussier consta-tou que 57% das crianças transportam a mochilacom um peso superior a 10% do seu peso corpo-ral4 . Noutro estudo os autores comprovaram que

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Figura 5. Índice subjectivo de incapacidade – valor médio por idade.

anos

06 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17

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Total

Mochila Desporto Posturaincorrecta

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Figura 6. Factores de agravamento da dor.

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o peso da mala (peso ma-la/peso corporal >20%) assimcomo o transporte da mochila àmão são factores de risco para osurgimento de lombalgia, as-sim como o transporte da mo-chila à mão14. Negrini, numestudo interessante, verificouque 34,8% das crianças trans-portam uma carga que ultra-passa o valor de 30% do seupeso corporal, excedendo oslimites legais propostos para oadulto (Na Itália é 30Kg para ohomem e 20Kg para a mu-lher)17. Os autores terminamadvertindo as autoridades paraproporem limites de peso parao transporte da mochila nascrianças.

Vários factores de risco paraa raquialgia têm sido descritos:predisposição familiar2,3,4,7,9,14;sedentarismo traduzido notempo passado sentado emfrente à televisão, ao computa-dor, aos jogos electrónicos e nomeio de transporte para a esco-la (a pé ou de carro)1,4,10,11,18;actividade desportiva1,5,9,10,11,19;factores psicológicos7; satisfa-ção e qualificação escolar1,3,10;antecedentes de traumatismoraquidiano4,9 e tabagismo1,9,20.

A relação entre a prática dedesporto e a prevalência da ra-quialgia tem sido analisado pordiferentes autores. Apesar dosresultados serem contraditó-rios, parece que a pratica dedesporto associa-se a um maiorrisco de desenvolver lombal-gia1,5,8,9,10,11,19. Este facto não foicomprovado no nosso estudo.

É interessante salientar osresultados do estudo de Feld-man. Neste estudo o tabagismonão influenciou significativa-mente a incidência anual dedor músculo-esquelética nou-tras localizações mas apenas ada lombalgia20.

MANIFESTAÇÕES REUMATOLÓGICAS NA INFECÇÃO VIH

Quadro 3: Estudo comparativo de raquialgia com dor músculo-esquelética noutra localização

Raquialgia Dor p61 157

Sexo F=46 F=91 0,0167M=15 M=66

Raça C=53 C=146 0,224N=8 N=10

A=1Idade média 11,24±2,15 10,37±2,21 0,0095

(6-16 anos) (6-15 anos)Escolaridade 5,42±1,7 4,72±1,83 0,01

(1-9) (1-9)Peso 48,12±15,76 42,35±13,13 0,0067

(23,1-91 Kg) (19-91 Kg)Altura 151,05±13,88 144,16±12,5 0,005

(120-174 cm) (117,5 - 171 cm)IMC 20,55±4,32 19,94±4,0 0,3306

(12,63 - 31) (13,2 – 31,12)Tronco 65,66±6,66 63,5±5,3 0,013

(53-79 cm) (51,5-76cm)Membros inferiores 85,29±8,89 80,63±8,93 0,00068

(65-106 cm) (61-101cm)Tronco/m.inferior 0,773±0,07 0,793±0,07 0,08Puberdade 2,43±1,27 1,92±1,15 0,0055

(1-4) (1-5)EVA 32,8±19,5 33,6±19,2 0,784

(4-100 mm) (1-100 mm)Incapacidade 46 123 0,641Ind subj incap 1,68±1,38 1,95±1,49 0,243Periodicidade 0,737Diária 9 14Semanal 17 42Quinzenal 6 14Mensal 8 24Rara 21 63Duração 0,865Horas 47 126Dia 8 182-3 dias 5 9Semana 1 4Factor agravamento 45 94 0,05Consulta 16 46 0,65Fármacos 6 33 0,05Desporto 13 48 0,171Nº horas 3,24±1,21 3,51±1,53 0,231

(2-10) (2-9)Tipo desporto Carga=7 ; Carga=33 0,593

Natação=5 Natação=12Ambos=1 Ambos=3

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A influência do peso, altura e índice de massacorporal no surgimento da raquialgia é contro-verso3,7,8,10,11,14. Fairbank em 1984 descreve a asso-ciação entre o aumento do comprimento do tron-co e a lombalgia10. Esta correlação foi comprova-da por Nissinen15. Num estudo mais recente dogrupo Francês, Troussier detectou uma relaçãoentre a estatura e a lombalgia grave4.

Os parâmetros antropométricos têm na nossacasuística um valor significativamente superioraos observados nas crianças com dor músculo--esquelética noutras localizações. Este facto podena realidade ter apenas um valor temporário. Se-ria necessário um estudo prospectivo para sepoder tirar conclusões definitivas. Uma fase decrescimento acelerado ou desproporcional pode-rá estar relacionado com o surgimento da ra-quialgia. Mas também a necessidade de adapta-ção do material escolar à estatura da criança de-verá ser ponderada.

Em conclusão, a raquialgia é um problema em8% das crianças observadas, podendo atingiruma prevalência de 18% na adolescência. O seucaracter recidivante e a interferência nas activi-dades da vida diária podem ter graves repercus-sões no desenvolvimento psicossocial da criança.A raquialgia tem tendência a agravar-se ao longodos anos, o que nos permite inferir prováveisconsequências na idade adulta. O transporte demochila para a escola foi o factor de agravamen-to mais frequentemente referido pelas crianças.O peso e o modo de transporte da mochila de-viam ser analisados. Uma fase de crescimentoacelerado ou desproporcional associado a umamá adaptação do material escolar poderá estar naorigem da raquialgia neste grupo etário.

O conhecimento detalhado deste problemaajudará a se tomarem atitudes preventivas deforma a preservar o bem estar das crianças e ado-lescentes.

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MARIA MANUELA COSTA E COL.

ESPONDILITE ANQUILOSANTE:

É RELEVANTE DIAGNOSTICAR

PRECOCEMENTE?

Margarida Cruz

Jaime C. Branco

Unidade de ReumatologiaHospital de Egas Moniz, Lisboa

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242

R E S U M O

Introdução: A espondilite anquilosante (EA) é uma doença reumática inflamatória crónica. Os primeiros sintomassurgem classicamente no fim da adolescência ou no início da idade adulta, afectando indivíduos numa fase muitoactiva da vida e podendo ser responsável por grande incapacidade para as actividades de vida diária e laborais. Nãoexiste ainda nenhum tratamento que comprovadamente atrase a evolução da doença, dependendo essa evolução defactores ainda mal conhecidos.Objectivos: Foram objectivos deste trabalho: caracterizar a população de doentes com EA seguidos na nossa consul-ta; avaliar estes doentes através da aplicação de índices funcional, de actividade da doença e de entesopatia; cor-relacionar algumas das variáveis de avaliação da doença.Doentes e Métodos: Todos os doentes foram avaliados pelo mesmo médico numa visita única, tendo-se registado osparâmetros demográficos e de evolução da doença, presença de HLA B27, medicação actual, índice de Schober, índiceentesofítico de Mander, índices BASDAI e BASFI, valor de VS e PCR e grau de sacroileíte em radiografia simples.Resultados: Vinte e sete doentes eram seguidos em 2001 com EA, dos quais um terço eram mulheres. O tempo dedemora no diagnóstico era superior a 10 anos em 55,6% das mulheres e em 27,8% dos homens. Dezassete doentes(62,9%) tinham história de manifestações extra-axiais e 88,9% tinham o alelo HLA B 27. O valor médio de Schober erade 1,4 cm e o do índice de Mander era 6,8. A média do valor do índice BASDAI foi de 38,77 e do índice BASFI 38,57.O grau de sacroileíte era II em três doentes, III em oito doentes e IV em quinze. Aplicando o teste de correlação dePearson entre diversas variáveis, constatou-se que havia uma correlação de –0,43 e 0,48, respectivamente, entre ovalor de Schober com o de BASFI e o grau de sacroileíte com o valor de BASFI. As correlações mais elevadas foramentre: o tempo de evolução da doença e o valor de BASFI (0,58); o valor de BASFI e o da VS (0,52); o valor do índiceBASDAI e o do índice de Mander (0,57). Não se verificou correlação entre a demora no diagnóstico e, quer o valor deSchober, quer o grau de sacroileíte.Conclusão: Os doentes com espondilite anquilosante continuam a não ter uma terapêutica modificadora daevolução da doença eficaz, pelo que hoje em dia um diagnóstico precoce significa provavelmente um marcador demau prognóstico, em vez de uma oportunidade de terapêutica eficiente.

Palavras-Chave: Espondilite Anquilosante; Actividade; Funcionalidade; População.

A B S T R A C T

Introduction: Ankylosing spondylitis (AS) is an inflamatory chronic disease which affects mainly male individuals,being generally less agressive and with a slower progression in women. Clinical manifestations usually begin in lateadolescence or early adulthood, affecting individuals in a very active fase of life and being responsible for a greatimpairment of daily and labour activities. To date, there isn’t any effective treatment that can slow disease progression.Objectives: The objectives of this work were: to characterize the AS population followed in our Rheumatology outpa-tient deppartment; to evaluate these patients through the application of functional, disease activity and enthesopa-thy indexes; to correlate some disease evaluation parameters.Patients and Methods: Every patient was evaluated by the same investigator in a single visit. We registered demo-graphic and disease evolution parameters, HLA B27 presence, actual medication, Schober measurement, Manderenthesytis index, BASDAI and BASFI indexes, ESR and CRP values and radiographic sacroiliitis degree.Results: Twenty seven patients were followed in 2001 with AS, one third of them were women. Delay in diagnosis wasover 10 years in 55,6% of women and in 27,8% of men. Seventeen patients (62,9%) had a history of extra-axial mani-festations and 88,9% had HLA B27. Median Schober value was 1,4 cm and Mander’s 6,8. Median BASDAI index was38,77 and BASFI’s 38,57. Sacroiliitis degree was II in three patients, III in eight and IV in fifteen. Pearson’s correlationtest revealed a correlation of –0,43 between Schober and BASFI and of 0,48 between sacroiliitis degree and BASFI. Thehighest correlations were between disease duration and BASFI (0,58), between BASFI and ESR (0,52) and betweenBASDAI and Mander (0,57). There was no correlation between diagnostic delay and Schober and sacroiliitis grade.Conclusion: Ankylosing spondylitis patients still don’t have an efficatious therapy that can alter disease progression.So, an early diagnosis nowadays possibly means a poor prognostic factor, instead of the possibility of altering the na-tural disease progression.

Key-Words: Ankylosing Spondylitis; Activity; Function; Population.

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243

A R T I G O S O R I G I N A I S

E S P O N D I L I T E A N Q U I L O S A N T E : É R E L E VA N T E D I A G N O S T I C A R P R E C O C E M E N T E ?

Margarida Cruz*, Jaime C. Branco**

Introdução

A espondilite anquilosante (EA) é uma doençareumática inflamatória axial, afectando predomi-nantemente as articulações sacroilíacas e a colu-na vertebral. Pode coexistir inflamação articularextra-axial e atingimento sistémico extra-articu-lar1.

A inflamação nos locais de inserção de tendões,fascias, ligamentos ou cápsulas articulares noosso (entesopatia inflamatória ou entesite) é acaracterística classicamente descrita como distin-tiva das espondilartropatias, grupo de doençasem que a espondilite anquilosante está incluída2.A fase inflamatória da lesão das enteses é difusa ebreve, com formação subsequente de tecido fi-broso e sua calcificação. Esta poderá então serresponsável por uma anquilose futura, nomeada-mente se localizada a nível da coluna vertebral3.No entanto, Maksymowych defende que a lesãoinflamatória inicial ocorre na interface carti-lagem/osso subcondral, por um mecanismoautoimune4.

As primeiras manifestações clínicas ocorremgeralmente no final da adolescência ou no inícioda vida adulta, sendo raras após os 45 anos. Adoença ocorre com o triplo da frequência emhomens do que em mulheres, tendo as manifes-tações clínicas e radiográficas uma provávelevolução mais lenta nas mulheres5,6. Para alémdos sintomas com localização axial, consistindoem dor de ritmo inflamatório e rigidez na colunalombar/cervical, podem surgir manifestaçõesextra-axiais e extra-articulares em associação àEA: artrite periférica, uveíte anterior aguda, alte-

rações cardiovasculares (dilatação do anel aórtico,insuficiência aórtica, perturbações da conduçãocardíaca), fibrose dos lobos pulmonares superio-res, enterite com ou sem sintomas, subluxaçãoatlanto-axoideia anterior, síndrome da caudaequina, amiloidose secundária5.

Apesar de a evolução da doença ser variável,muitas vezes origina deformidades fixas e irrever-síveis da coluna vertebral e das articulações co-xofemorais, causando incapacidade funcionalgrave e limitativa precocemente, para além dasdores. A associação da doença à presença do aleloHLA B27 é conhecida, ocorrendo em cerca de 90 a95% dos doentes7. Visto que a EA é reconhecívelem esqueletos da pré-história, não se sabe porque razão este alelo foi conservado ao longo dotempo, pensando-se que possa conferir protecçãorelativamente a alguma patologia, do mesmomodo que o traço falciforme protege da gravidadeda malária7.

O primeiro conjunto de critérios diagnósticosde EA internacionalmente aceite foi proposto emRoma em 1961, tendo sido revisto em 1966 emNew York, onde se estabeleceu que a presençaradiográfica de sacroileíte seria necessária para odiagnóstico5.

Em 1984, van Linden e colaboradores fizeramuma proposta de modificação dos critérios deNew York, de modo a permitir o diagnóstico defi-nitivo ou provável da doença. Este conjunto con-sidera critérios clínicos (a) lombalgia e rigidezdurante mais de 3 meses, que melhoram com oexercício mas não aliviam com o repouso; b) limi-tação da mobilidade da coluna lombar nos planossagital e frontal; c) limitação da expansão torácicarelativamente a valores normais corrigidos para aidade e o sexo e radiológicos (sacroileíte grau ≥ 2bilateral ou grau 3-4 unilateral). O diagnósticodefinitivo de espondilite anquilosante corres-ponde à presença de um critério radiográfico epelo menos um critério clínico; o diagnóstico deespondilite anquilosante provável corresponde à

* Interna do Internato Complementar de Reumatologia no Hos-pital de Egas Moniz** Chefe de Serviço de Reumatologia, Director da Unidade de Reumatologia do Hospital Egas Moniz e Professor de Reumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da UniversidadeNova de Lisboa

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presença dos três critérios clínicos ou à presençade apenas um critério radiográfico8.

O tratamento da EA consiste fundamental-mente em fisioterapia e actividade física regular,visando manter a mobilidade e evitar a anquilosevertebral, bem como o uso de anti-inflamatóriosnão esteróides (AINEs) para diminuir a dor e ainflamação, permitindo o movimento. No entan-to, pensa-se que estas terapêuticas provavel-mente não impedem a evolução da doença, ali-viando apenas a sintomatologia e, quando muito,atrasando a evolução para a deformidade eanquilose nos doentes que futuramente as irãosofrer. Apesar de a terapêutica com sulfasalazinaou metotrexato terem por vezes um papel impor-tante quando a EA se revela mais agressiva eresistente aos AINEs, parece claro que esse papelnão é o de fármacos modificadores da evoluçãoda doença, como se verifica na artrite reuma-tóide. Assim sendo, não dispomos ainda de umtratamento de fundo para a EA9. Vários estudosdemonstraram que, apesar de alguns doentesterem de forma crónica um aumento dos parâ-metros laboratoriais de inflamação (velocidadede sedimentação – VS, proteína C reactiva – PCR),tal não reflecte necessariamente a actividade dadoença1,10. Deste modo, Calin e colaboradores de-finiram a aplicação de questionários para quan-tificação de índices funcional – BASFI11 e daactividade da doença – BASDAI12, bem como umíndice para a avaliação da mobilidade – BASMI13.Pelo facto de a lesão primordial na EA ser a ente-site, Mander definiu um índice entesofítico a par-tir da pressão local de várias enteses, o qual secorrelacionaria com a actividade da doença10.

Os objectivos deste estudo foram: 1. caracteri-zar a população de doentes com espondilite an-quilosante actualmente seguidos na nossa Con-sulta de Reumatologia; 2. fazer uma avaliação daactividade da doença e da funcionalidade nestesdoentes utilizando diferentes parâmetros; 3. cor-relacionar algumas das variáveis utilizadas naavaliação da doença.

Doentes e Métodos

Estudo transversal consistindo numa visita únicade cada doente, em que se registavam os parâ-metros demográficos e de evolução da doença(tempo de evolução, tempo de demora de diag-nóstico, história de manifestações extra-axiais,

presença de HLA B27, medicação actual). Namesma visita era medido o índice de Schober eaplicado o índice entesofítico de Mander, regis-tando-se os respectivos valores. Aplicavam-se osquestionários relativos aos índices BASDAI (BathAnkylosing Spondilitis Disease Activity Index) eBASFI (Bath Ankylosing Spondilitis FunctionalIndex). Era feito um estudo analítico dos parâme-tros laboratoriais de inflamação (VS e PCR) epedida uma radiografia ântero-posterior dabacia, para graduação da sacroileíte.

Foram incluídos no estudo todos os doentesseguidos actualmente na consulta que cumpris-sem os critérios de New York modificados (1984)para a espondilite anquilosante e avaliados pes-soalmente pelo mesmo investigador, durante oano de 2001.

O índice de Mander é obtido pela soma dasintensidades da dor sentida quando são pressio-nadas várias enteses pré-definidas. Os pontos aavaliar são trinta (axiais e periféricos, alguns indi-viduais, outros agrupados), distribuídos por todoo corpo. A intensidade da dor varia entre 0 (semdor) e 3 (dor com grito ou fuga do segmento).Deste modo, o valor do índice de Mander podevariar entre zero e noventa.

O valor final do índice BASDAI é obtido pelamédia dos valores registados em seis escalasvisuais analógicas (EVAs) referentes a diferentesperguntas relacionadas com a actividade dadoença.

O valor do índice BASFI obtém-se calculando amédia dos valores registados em dez EVAs refe-rentes a perguntas respeitantes à funcionalidadenos seus vários aspectos (cuidados pessoais,actividades diárias em casa e no trabalho).

Análise estatísticaCorrelacionámos alguns parâmetros entre si,recorrendo ao teste de correlação de Pearson,cujos resultados podem variar entre –1 e 1. Quan-to mais próximo dos extremos for o valor, maior éa correlação entre os dois intervalos de variáveisconsiderados, significando um valor negativo aexistência de uma relação inversa e um valor po-sitivo a presença de uma relação directa.

Resultados

Desde a abertura da Unidade de Reumatologiadeste hospital, em 1993, foram seguidos na Con-

ESPONDILITE ANQUILOSANTE: É RELEVANTE DIAGNOSTICAR PRECOCEMENTE?

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sulta de Reumatologia cinquenta e dois doentescumprindo os critérios de New York modificados(1984) para espondilite anquilosante. Destes,trinta e nove eram do sexo masculino (75%) etreze do sexo feminino (25%). Em 2001 eram aíseguidos 27 doentes, tendo os restantes 25 aban-donado esta consulta. Dos vinte e sete, 18 eramhomens (66,7%) e 9 mulheres (33,3%). A média deidades era de 46,52 anos±13,6 DP (53,3 anos ±6,12 DP para as mulheres, 43,1 anos±13,9 DP paraos homens) – Fig. 1. Vinte e três doentes eram deraça caucasiana (85,2%) e quatro de raça negra(14,8%). A maioria dos doentes era casada (16doentes – 59,2%), sendo 8 solteiros, 2 divorciadose uma viúva. A escolaridade média era de 7,1anos, variando entre zero (três doentes) e o ensi-no superior (dois doentes) – Fig. 2. O tempo mé-dio de evolução da doença era de 20,07±12,2anos. A média da idade de início dos sintomas erade 26,85 anos±13,9 DP (28,2 anos±14,6 DP nasmulheres, 26,1 anos±13,9 DP nos homens) – Fig. 3. O tempo médio de demora no diagnóstico(calculada pela subtracção da idade aquando dos

primeiros sintomas à idade aquando do diagnós-tico) era de 10,96 anos (17,9 anos±14,7 DP para asmulheres, 7,23 anos±7,5 DP para os homens),sendo superior a 10 anos em 66,7% das mulherese em 27,8% dos homens – Fig. 4. Dezassetedoentes (62,9%) tinham história de manifes-tações extra-axiais (7 mulheres, 10 homens), cor-respondendo a 77,8% das mulheres e a 55,6% doshomens – Fig. 5. Oito doentes tinham tido uveíte,onze referiam artrite periférica, um tinha psoría-se, uma tinha doença de Crohn e uma tinha per-turbação da condução cardíaca – Fig.6. Vinte etrês (85,2%) tinham HLA B27 (7 mulheres, 16homens). Sete doentes (25,9%) não tomavammedicação de forma regular aquando da avalia-ção, estando cinco deles medicados com AINEem SOS. Vinte doentes estavam medicados comAINE de forma regular, nove tomavam AINE e sul-fasalazina, três estavam medicados com AINE emetotrexato. A tabela 1 resume os dados dosdoentes, comparados entre sexos.

O valor médio do Schober era de 1,36 cm (1,28nas mulheres, 1,4 nos homens). O valor médio do

MARGARIDA CRUZ E COL.

0-20

Intervalos de idades (anos)

N.o

de d

oent

es

21-40 41-60 61-80

15

20

10

5

Figura 1. Distribuição de doentes por intervalos deidades (n=27).

Fem

Masc

Total

0

8

000

321

8 8 8

16

0

0

Escolaridade

N.o

de d

oent

es

1 a 4 5 a 9 10 a 12 >12 desc.

6

8

10

4

2

Figura 2. Distribuição por graus de escolaridade (n=27)

Fem

Masc

Total

0

0 a 10

Intervalos de idade (anos)

N.o

de d

oent

es

11 a 20 21 a 30 31 a 40 41 a 60 desc

3

4

5

6

7

8

2

1

Figura 3. Idade de início dos sintomas (distribuição porsexos) n=27

Fem

Masc

Total

0

0 a 2

Anos de demora no diagnóstico

N.o

de d

oent

es

2 a 5 6 a 10 >10 não sabe

6

8

10

12

4

2

Figura 4. Demora no diagnóstico (distribuição por sexos) n=27

Fem

Masc

Total

0

mens, 5 mulheres). Num doente não foipossível obter a radiografia da bacia,sabendo-se que tinha sacroileíte, atra-vés da informação no processo da con-sulta, mas desconhecendo-se o grau.

Aplicámos o coeficiente de correla-ção de Pearson às variáveis de activida-de clínica, laboratorial e radiográfica dadoença, bem como ao grau funcional,ao tempo de evolução e à demora nodiagnóstico (Tabela 2). Relativamenteao índice funcional (BASFI), não encon-trámos correlação significativa com ovalor da PCR, mas sim com os outros pa-

râmetros: tempo de evolução (0,63), demorano diagnóstico (0,41), índice de Mander(0,37), Schober (-0,43), grau de sacroileíte(0,40) e VS (0,47). O índice de actividade(BASDAI) não se correlacionava com osparâmetros laboratoriais (VS, PCR), mas simcom o valor de Mander (0,62). Também esteíndice não se correlacionava com os parâme-tros laboratoriais. Não existia correlaçãoentre o Schober e o grau de sacroileíte com ademora no diagnóstico (0,1 e –0,007, respec-tivamente). O grau de sacroileíte teve umcoeficiente de correlação de 0,42 com otempo de evolução da doença. A presença doalelo B27 teve um coeficiente de correlaçãode –0,3 com a demora no diagnóstico, e nãose correlacionava com o Schober nem com o

grau de sacroileíte.

Discussão

A espondilite anquilosante é uma doença reumá-tica crónica, muitas vezes incapacitante e cau-sadora de deformação. Interfere frequentementecom as actividades do dia-a-dia, principalmenteem períodos de maior actividade clínica ou apósuma longa evolução. Numa fase adiantada dadoença, por vezes o grau de incapacidade reflecteas sequelas das entesites, existindo fusão dasarticulações sacroilíacas e anquilose vertebral,mesmo que os fenómenos inflamatórios tenhamsido ultrapassados.

É evidente que a preocupação com a incapaci-dade e o desenlace (i.e. «outcome») seja particu-larmente importante nesta doença. Mas comopodemos avaliar uma doença em que não hámarcadores laboratoriais relevantes, e em que a

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índice de Mander no dia da avaliação foi 6,8 (11,6nas mulheres, 4,83 nos homens).

A média do valor do índice BASDAI foi 35,2 edo índice BASFI 43,66 (um doente foi incapaz deresponder aos questionários, por demência) –Figs. 7 e 8.

Alguns doentes tinham alteração dos parâme-tros laboratoriais de inflamação: em dezassetecasos havia aumento da VS e/ou da PCR (novedestes doentes tinham aumento de ambos osparâmetros, quatro tinham apenas aumento daVS e outros quatro tinham apenas a PCR elevada).Dos doentes com VS elevada, sete tinham umvalor superior a 50 mm, sendo o valor máximo de89 mm. O valor máximo de PCR obtido foi de 56,1 g/dl (para um valor máximo normal de 8 g/dl), correspondendo ao doente que tinha a VSmais elevada.

O grau de sacroileíte era II em três doentes (2homens, 1 mulher), III em oito doentes (5 ho-mens, 3 mulheres) e IV em quinze doentes (10 ho-

ESPONDILITE ANQUILOSANTE: É RELEVANTE DIAGNOSTICAR PRECOCEMENTE?

Não 37%

Sim 63%

Figura 5. Manifestações extra--axiais (n=27)

49%

5%5%

5%

36%

Figura 6. Manifestações extra--axiais (n=17)

Tabela 1: Características dos doentes, por sexos

Mulheres HomensIdade média (anos) 53,3 anos 43,1 anosRaça (Caucasiana/Negra) 8/1 15/3Média de anos de escolaridade 4,88 7,7Tempo de demora diagnóstica em anos (média) 17,9 7,23Manifestações extra-axiais 7 10Presença do HLA B27 (nº de doentes) 8 16Média do valor de Schober 1,28 1,4Média do valor de Mander 11,6 4,83Média do valor de BASDAI 50,04 26,1Média do valor de BASFI 63,9 32,9

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247

radiografia, até há algum tempo considerado oexame de escolha, apenas pode piorar e nuncamelhorar, ao longo da evolução da doença? Porexemplo, no lúpus eritematoso sistémico, exis-tem vários testes laboratoriais que avaliam diver-sos aspectos da doença; na artrite reumatóide, osparâmetros de inflamação espelham a actividadedo processo inflamatório. Pelo contrário, na EAocorre uma artropatia vertebral destrutiva, fre-quentemente na ausência de qualquer marcadordo processo (os parâmetros clínicos e laborato-riais de actividade da doença são maus preditoresdas alterações radiográficas). Por estas razões,são necessários instrumentos autoadministradospara avaliar esta doença. Em oposição à artritereumatóide, não sabemos nada sobre o curso dasalterações radiográficas na EA. Também os efeitosdas terapêuticas utilizadas sobre a progressãoradiográfica são desconhecidos, em contrastecom o exemplo da artrite reumatóide1.

Fizemos a caracterização da população dedoentes com EA seguidos actualmente na nossaconsulta, e verificámos que as suas característicasdemográficas correspondem às habitualmente

descritas. Alguns autores publicavam em 1990dados que apontavam para uma relação de 10 a 20homens para 1 mulher na prevalência da doença14,enquanto que em 1993 outros observavam umarelação de 3 a 5:115. Um estudo populacional de1990 apresentava uma relação de 2,5:116. Cerca de3:1 é a relação aceite hoje em dia17, e a encontradana população estudada na nossa consulta. Noentanto, o estudo de Bruges-Armas na Ilha Terceirados Açores aponta para uma relação de 6,8:1,numa população aleatória, que permitiu estimaruma prevalência da doença naquela ilha de 1,6%18.

Uma revisão da literatura apontava para uminício dos sintomas ligeiramente mais tardio emmulheres17, tal como se verificou no nosso estu-do, bem como uma prevalência média ligeira-mente superior de artrite periférica no sexo femi-nino17. Diferentes estudos relatam que 16 a 85%dos doentes tinham sacroileíte grau IV17, sendoesta mais frequente nos indivíduos do sexo mas-culino. Na nossa população a prevalência eraidêntica nos dois sexos, observando-se em 55,6%dos doentes em ambos os grupos.

Outros autores referem8, numa população de

MARGARIDA CRUZ E COL.

0 a 20

Intervalos de valor de BASDAI

N.o

de d

oent

es

21 a 40 41 a 60 61 a 80 81 a 100

6

8

10

12

4

2

Figura 7. Distribuição dos valores do índice BASDAI(n=26)

Fem

Masc

Total

00 a 20

Intervalos de valor de BASFI

N.o

de d

oent

es

21 a 40 41 a 60 61 a 80 81 a 100

6

8

10

4

2

Figura 8. Distribuição dos valores do índice BASFI (n=26)

Fem

Masc

Total

0

Tabela 2: Coeficientes de correlação de Pearson

BASDAI BASFI VS PCR Grau Schober B27sacroileíte

Tempo Evol. 0,63 0,42Demora diag. 0,41 -0,007 0,1 -0,3Mander 0,62 0,37 0,06 -0,2Shober -0,43 -0,06Grau sacroileíte 0,40 0,12VS -0,16 0,47PCR -0,29 0,09

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indivíduos com EA, uma idade média maisavançada aquando do diagnóstico nos que nãotinham o alelo B27, bem como uma maior demo-ra no diagnóstico (7,2 anos vs 4,4 anos). Nos nos-sos doentes também a diferença foi grande, regis-tando-se uma demora média no diagnóstico de19 anos nos quatro doentes sem HLA B27, sendode 9,5 anos nos que tinham o HLA B27.

Calin et al, no seu estudo populacional deBath11, obteve índices de BASFI de 0 a 95 mm,com uma média de 40,3 mm, ligeiramente supe-rior à encontrada na nossa série. Garret et al, apli-cando o índice BASDAI12, obteve resultados de 5 a100 mm, com uma média de 54 mm (tambémsuperior à encontrada nos nossos doentes). Nonosso estudo, salientamos o facto de mais de me-tade das mulheres ter tido uma demora no diag-nóstico superior a 10 anos, percentagem bastantesuperior à de homens nesta situação. Este factotraduz provavelmente uma progressão mais lentae menos sintomática da doença nas mulheres,como é admitido pelos autores de um modogeral. Não encontrámos, nos trabalhos especial-mente dedicados ao estudo da influência da EAnas mulheres e na gravidez, nenhuma referênciaa este aspecto específico. Mais de metade dosdoentes tinha tido manifestações extra-axiais, es-sencialmente uveítes e artrites periféricas, sendoa percentagem maior entre as mulheres – aspectocorroborado por outros autores17, mas não con-sensual. Menos de metade dos doentes estavamedicada, na altura da avaliação, com metotrexa-to ou salazopirina, apesar de o valor médio doSchober ser baixo e mais de metade dos doentesterem um grau de sacroileíte de III ou IV, pro-vavelmente por a actividade da doença ser relati-vamente baixa nestes doentes e prevalecerem assequelas anquilosantes, que se sabe não regredi-rem com estas terapêuticas. O valor médio do ín-dice de Mander foi bastante baixo na populaçãode doentes por nós estudada, possivelmente pelomesmo motivo. Num trabalho publicado em1987, Mander aplicou o seu índice a 19 doentesem diferentes estádios da doença, tendo obtidoum valor médio de 10,5 nos doentes sob trata-mento e de 13,7 sem tratamento farmacológico10.

Lehtinen avaliou doentes com EA 30 anos apóso diagnóstico19, tendo verificado que os primeirosdez anos da doença eram particularmente impor-tantes relativamente ao desenlace. Mais de 80%dos doentes com uma duração da doença supe-rior a 20 anos queixavam-se de dor e rigidez

diárias, confirmando que «a espondilite anquilo-sante nunca se extingue». Esta observação está deacordo com o facto de se ter encontrado valoresde BASDAI relativamente elevados, mesmo entredoentes com evolução mais longa da doença.

Verificámos coeficientes de correlação comvalores de 0,37 a 0,63 entre o índice funcional(BASFI) e os parâmetros clínico-radiográficos, otempo de evolução e a demora no diagnóstico dadoença, o que não parece surpreendente: quantomais progrediu a doença, menos funcional está odoente. Também apurámos um coeficiente decorrelação elevado entre o índice de actividade dadoença e o índice entesofítico: quanto mais acti-va a doença, mais entesites existem. Tal como édescrito na literatura, não existia uma correlaçãosignificativa entre os parâmetros laboratoriais(VS e PCR) e os índices funcional e de Mander. Ademora no diagnóstico não pareceu influenciar ovalor de Schober nem o grau de sacroileíte.Parece assim que, o facto de se diagnosticar maisprecocemente a doença, pode depender da suaagressividade inicial mas não se traduzir numavantagem. A utilidade de um diagnóstico precoceseria permitir uma intervenção atempada, pas-sível de modificar o curso da doença. No entanto,essa modificação parece não ter ocorrido nestesdoentes. Não é evidente uma explicação para acorrelação entre o índice funcional e a VS.

Conclusão

Apesar da criação do grupo internacional de estu-do da espondilite anquilosante e do desenvolvi-mento de índices de actividade e de funcionali-dade específicos para esta doença, continuamosa não dispor hoje em dia de uma terapêuticacomprovadamente eficaz e modificadora da suaevolução natural para a anquilose nos casos maisgraves. Este estudo de caracterização e avaliaçãoda população de doentes seguidos na nossa con-sulta de Reumatologia parece sugerir que, apesarde em grande parte dos casos o diagnóstico tersido tardio, possivelmente um diagnóstico pre-coce não teria servido para alterar o curso naturalda doença. Pensamos ser de vital importância osurgimento de um (ou mais) tratamentos efi-cazes, para que então um diagnóstico precocesignifique, mais do que um simples diagnósticode fatalidade, uma possibilidade de esperançapara estes doentes.

ESPONDILITE ANQUILOSANTE: É RELEVANTE DIAGNOSTICAR PRECOCEMENTE?

Correspondência para:Margarida CruzUnidade de ReumatologiaHospital de Egas MonizR. da Junqueira, nº 1261349 - 019 LisboaTel.: 21.3650335, Fax: 21.3627296Email: [email protected]

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MARGARIDA CRUZ E COL.

Sociedade Portuguesa de

Reumatologia

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«PSICO-NEURO-ENDOCRINO-IMUNO-

-REUMATOLOGIA»: EXPLORANDO OS

MECANISMOS BIOLÓGICOS DAS

MANIFESTAÇÕES PSICO-SOMÁTICAS

José António Pereira da Silva

Serviço de Medicina III e ReumatologiaHospitais da Universidade de Coimbra

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R E S U M O

As doenças reumáticas são frequentemente acompanhadas de manifestações do foro emocional e afec-tivo que podem alterar de forma dramática a apresentação clínica e, por essa via, o diagnóstico e orien-tação terapêutica. Noutros casos, as manifestações músculo-esqueléticas podem ser vistas como resul-tado de somatização de conflitos emocionais. A dicotomia físico/psíquico é fortemente artificial. A abor-dagem das doenças reumáticas numa perspectiva bio-psico-social, bastante mais consentânea com arealidade, é a que garante melhores resultados numa perspectiva global do doente, isto é, da sua quali-dade de vida. A investigação biomédica recente na fronteira entre a mente e os sistemas endócrino eimunológico vieram revelar vias bioquímicas insuspeitadas que permitem começar a desenhar a pro-funda interacção existente entre estas esferas. É este o objectivo deste artigo.

A B S T R A C T

Rheumatic diseases are frequently associated with emotional and affective manifestations which maydramatically change their clinical manifestations and, hence, their diagnosis and management. In othercases, musculo-skeletal symptoms may be seen as the result of somatisation of affective conflicts. Thedichotomy between physical and psychical is strongly artificial. The approach to rheumatic diseases fol-lowing a bio-psycho-social model, much closer to reality, offers the best results in a global perspective ofthe patient, that is focused on quality of life. Recent bio-medical research in the frontier between themind and endocrine and immune systems has revealed unsuspected biochemical pathways, that arestarting to unravell the complex interaction between these spheres. This is the objective of this paper.

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A R T I G O S D E R E V I S Ã O

« P S I C O - N E U R O - E N D O C R I N O - I M U N O - R E U M AT O L O G I A » :E X P L O R A N D O O S M E C A N I S M O S B I O L Ó G I C O S D A S

M A N I F E S T A Ç Õ E S P S I C O - S O M ÁT I C A S .

José António Pereira da Silva*

Introdução

A ninguém que pratique Medicina nas áreas daReumatologia ou da Psiquiatria será entranha anoção de que existe, entre as duas Especialidades,uma fronteira riquíssima, tão estimulante quantoenigmática, cujos terrenos, acidentados e inde-finidos, oferecem enormes dificuldades ao maisintrépido explorador.

De facto, as doenças reumáticas são acompa-nhadas de uma dimensão psicológica da máximaimportância, não só por ser determinante do graude sofrimento e do prognóstico do paciente mastambém porque a sua abordagem é, muitas vezes,essencial ao sucesso diagnóstico e terapêutico. Asimplicações psico-sociais destas doenças sãoreforçadas pelo seu carácter crónico e doloroso,associado a deformação corporal, incapacidadefísica e diminuição do papel familiar e social dodoente.

A reflexão sobre esta matéria leva-me a recor-dar o meu primeiro contacto com a cadeira dePsicologia Médica, no 3º ano da Faculdade. Dáva-mos nas aulas práticas, muitíssimo interessantes,os primeiros passos no entendimento da naturezapsicológica do homem e das suas relações com asua estrutura biológica, orgânica. Numa dessasaulas, o Professor defendia que tudo o que se pas-sava no homem sob ponto de vista emocional,psicológico, intuitivo, estaria relacionado com assuas moléculas, com as transformações bioquími-cas que ocorriam, necessariamente à mesmavelocidade, no sistema nervoso central. Um alunoresistia empenhadamente ao conceito, defenden-do que alguma parte do Homem, ínfima quefosse, estaria, seguramente, para além das suasmoléculas, inexplicável mesmo com um conheci-

mento integral da bioquímica do seu sistema ner-voso. Sem se aperceber, o aluno resistia à «exe-cução sumária da alma» que o Professor ali pro-punha, despudoradamente, à vista de todos.Apaixonado embora pela química e a biologia, oaluno tinha uma paixão maior pelo Homem, pelasua dimensão psico-social, pela sua intuição, sen-timentos e emoções que não poderiam, sem graveprejuízo da sua própria visão da Vida, ser limi-tadas a um mero jogo bioquímico. O que ficariaentão, como razão para sua opção por Medicina,ao invés de Veterinária?

Esse aluno era o autor deste texto. Sirvo-medesta memória reconhecendo que dou cada vezmais razão ao meu Professor de então, ainda queuma parte de mim insista, conscientemente lu-dibriada, em ver no Homem, a que dedica a suavida profissional, uma aura imaterial que con-densa o mais nobre da sua natureza.

Psico-patologia em doentes reumáticos

A alta prevalência de psicopatologia entre osdoentes reumáticos é seguramente reconhecidapor todos os Médicos que deles cuidam e estádemonstrada cientificamente. Hawley e Wolfe1

encontraram critérios de «possible deppression»em 33% dos portadores de artrose da anca, 36,8%dos doentes de artrite reumatóide e 48,6% dosdoentes fibromiálgicos. Os números para «proba-ble depression» eram respectivamente, de 16,8;20,4 e 29,3%.

Estes números sublinham a importância deuma correcta avaliação psiquiátrica nos doentesreumáticos, mas indiciam também diferençasimportantes entre os diferentes tipos de patolo-gia. A artrite reumatóide é, de longe, a mais des-trutiva e incapacitante destas doenças, podendoser horrenda quando realmente agressiva, deter-

*Especialista em Medicina Interna e em ReumatologiaProfessor Auxiliar de Reumatologia da Universidade de Coimbra

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minando dores quase permanentes, deformandoo doente, prejudicando drasticamente a suaqualidade de vida, a sua capacidade de ganho, oseu relacionamento social, a sua auto-imagem. Oatingimento estrutural é muito menos marcadona artrose e está completamente ausente nafibromialgia. É, assim, difícil perceber que o sofri-mento físico possa, por si só, justificar a ocorrên-cia de depressão nestes doentes e, sobretudo,explicar as diferenças de prevalência observadas.

Em qualquer estado patológico importa distin-guir a doença, física, objectivável («Disease», naterminologia anglo-saxónica) das implicaçõesglobais que ela tem sobre o doente e que podería-mos designar por «sofrimento» («Illness»). A rela-ção de grandeza entre as duas dimensões é pro-fundamente variável consoante a situação clínicae mesmo consoante o doente. Numa apreciaçãopessoal, diria que a artrite reumatóide tem umaenorme carga de «disease» para uma carga relati-vamente pequena de «illness», apenas ligeira-mente superior à da artrose onde a carga de «di-sease» é muitíssimo menor. Pelo contrário a cargade sofrimento do doente fibromiálgico é absolu-tamente desproporcionada relativamente à doen-ça objectivável, praticamente inexistente (Fig. 1).

E contudo, todos sofrem! E o sofrimento, qual-quer que seja a sua natureza, é igualmente dignoda atenção e dos cuidados do Médico.

Ainda que a literatura levante dúvidas quanto àexistência de traços de personalidade ligados adiferentes doenças reumáticas, a maior parte dosreumatologistas não terá dúvidas em assumir queo doente médio com fibromialgia tem um carác-

ter muito diverso do portador de artrite reuma-tóide e que o doente típico de espondilite an-quilosante se distingue de ambos.

As dimensões psicológicas afectam a Reuma-tologia ainda de outras maneiras. Andamos háanos, em Reumatologia, a procurar os principaisindicadores de actividade e os principais factoresde prognóstico nas doenças reumatismais infla-matórias. Estudamos em profundidade «mi-nudências moleculares» como as Interleucinas eos factores de crescimento, as moléculas deadesão, a importância dos polimorfismos dosseus genes e receptores, desenvolvemos drogasaltamente sofisticadas como os anti-TNF. Há,contudo, numerosos trabalhos que demonstramque o perfil psicológico do doente tem maiorimpacto nos seu prognósticos estrutural e fun-cional a prazo do que os indicadores da gravidadede inflamação articular2,3. Na prática corrente éindiscutível que a presença de depressão deter-mina, por si só, parte importante do grau de inca-pacidade física dos doentes reumáticos. Por outrolado, a depressão pode alterar sobremaneira aforma como o doente expressa os seus sintomas,podendo conduzir o Médico menos atento a in-vestigação ou intervenção terapêutica desneces-sariamente agressivas.

É compreensível que estes aspectos recebammenor atenção do Reumatologista do que os indi-cadores de inflamação, pelo simples facto de quenão os domina e os não consegue reduzir a núme-ros. Ignorá-los, contudo, será um erro grosseiro.

O sofrimento reumático como causa de psicopatologia

Que mecanismos justificarão a elevada prevalên-cia de psicopatologia nos doente reumáticos?Como poderemos interpretá-los?

A literatura oferece-nos alguns modelos deraciocínio que parecem absolutamente lógicos,quase intuitivos. Fazem apelo a conceitos comoos de «perception of control», «learned helpless-ness», que poderíamos, talvez, traduzir por «de-samparo»4. O doente reumático crónico senteque o controlo da sua vida, do seu futuro, quenaturalmente gostaria de determinar em exclu-sividade, foi desviado de si próprio para as mãosde outros bastante mais poderosos, como adoença, o médico e outros profissionais de saúde.Isto conduz a uma situação de dependência e

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Figura 1. Relação variável entre doença e sofrimento emdiferentes condições reumáticas.

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desamparo que poderá condicionar uma tendên-cia depressiva. Esta tendência é exacerbada pelaperda de esperança, no sentido de que a suadoença é crónica, dolorosa e incapacitante,inacessível ao seu próprio controlo.

Este percurso será fortemente afectado pelaestrutura de personalidade do doente e pelo meioque o rodeia, factores que condicionam, em boamedida, as estratégias a que faz recurso para lidarcom as suas dificuldades e sofrimento (Estratégiade «coping»). Sabemos hoje que estas estratégiasestão fortemente relacionadas com o desenvolvi-mento e o prognóstico funcional a longo prazodas doenças reumáticas. Doentes que tendem ater estratégias de «coping» passivas, isto é, a dei-xar que outros cuidem de si, a evitar as activida-des que causam dor, têm, em regra, pior prognós-tico em termos de incapacidade física do queaqueles que têm uma atitude activa perante a suadoença, que procuram combatê-la pelos seuspróprios meios, que tentam viver o mais e o me-lhor possível apesar dela.

O apoio social e familiar ao alcance do doenteé também decisivo. De acordo com a investigaçãoefectuada interessa muito mais o tipo e qualidadede suporte do que a sua quantidade. Um apoioconstrutivo, estimulante da autonomia do pa-ciente, alguém que ajude se necessário, ao invésde substituir o doente, terá um impacto positivo,enquanto que o apoio excessivo, emocional, con-trolador, pode estimular o doente a assumir a suaincapacidade e dependência ao invés de a com-bater. Tendo trabalhado como Reumatologistaem Inglaterra e em Portugal, o autor encontrareflexos claros destas dimensões nos dois países.Em Inglaterra o apoio dado aos doentes reumáti-cos, pela família e pelo sistema de saúde, é essen-cialmente técnico, procurando encontrar, com odoente, meios de ultrapassar as dificuldades erecuperar a autonomia. Em Portugal, a nossatendência é para o «apoio moral», emotivo. É difí-cil encontrar, entre nós, um centro de fisioterapiaque nos receba mas temos, geralmente, fácilacesso a um ombro onde chorar e aí encon-traremos ainda mais conforto se ombro chorarconnosco. Não tenho, no meu espírito, dúvidasde que uma estratégia intermédia conseguiriamelhor equilíbrio entre conforto e eficácia.

Recolho, da minha experiência, alguns outrosmotivos de reflexão sobre esta interface reumato-lógico/psicológico que me parecem relevantes nonosso contexto social. Ao primeiro chamaria a

«inflação de palavras». Trata-se de um aspectoprovavelmente relacionado com conceitos bas-tante versados na literatura como a «catastrofiza-ção» e emotividade, mas que me parece ganharuma vida própria, com um impacto autónomo nograu de sofrimento do doente. A inflação daspalavras traduz-se na expressão dos sintomas edo sofrimento com palavras tão dramáticas e for-tes quanto possível. É particularmente visível nodoente fibromiálgico, cujas dores, ainda que semsubstrato objectivo, raramente merecerão dodoente descrição menos grave do que «terrível»,«horrível», «de matar». É fácil pensar que esta dra-matização é reflexo exclusivo da personalidadedo fibromiálgico. Julgo, contudo, que esta ten-dência tem uma base fortemente cultural. EmPortugal, parece-me crescente uma tendência,bem notória nos meios de comunicação, a esgo-tar as palavras rapidamente, a consumi-las comuma voracidade extrema, esgotando a nossacapacidade de dar mais ênfase aos acontecimen-tos de vida: facilmente a chuva é, para nós, «hor-rível» ou o trânsito «de dar em doido». Não admi-ra que os doentes, levados pela emoção, bastantecaracterística de uma maneira latina de estar navida, esgotem também a sua capacidade de seexpressar, de utilizar palavras mais duras, maisdramáticas ainda. Isto tem implicações que meparecem da maior importância nos mais variadosdomínios da doença: o doente será incapaz detransmitir uma real agudização das suas queixas;a família vê-se forçada a mergulhar no dramadescritivo perdendo objectividade. Penso, contu-do, que a implicação mais importante desta dra-matização radica na própria estruturação que odoente faz da sua experiência, tornando-se inca-paz de medir melhorias e agravamentos, de rela-tivizar a doença e as suas implicações, retro-ali-mentando o sofrimento com a própria descriçãoque dele faz, enquistando-se num autêntico filmede terror em que não tem cabimento qualquerindício de graça. A diferença de linguagem entreos doentes portugueses e ingleses com que tiveoportunidade de contactar é absolutamentemanifesta, mesmo entre os fibromiálgicos, talvezporque em Inglaterra raramente se encontraráalguém com paciência para «curtir a desgraça».

Na literatura, a personalidade do fibromiálgicoe mesmo a sua dor têm sido associados a «acon-tecimentos de vida», isto é, a episódios traumati-zantes acontecidos na juventude que modulariama sua estrutura emocional e tendência à soma-

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tização. A história de violência doméstica, abuso eabandono é bastante mais prevalente nos doentescom fibromialgia do que na população geral.

Contudo, penso que esta tendência à catas-trofização e ao dramatismo, que influencia sobre-maneira a leitura e descrição que o doente faz dasua vivência actual, não pode deixar de afectarprofundamente a leitura que faz do seu passado.Quando hoje descrevo, com toda a minha emo-tividade, uma bofetada que levei do meu pai empequeno, como avaliar a real importância desteevento? O que para mim foi uma catástrofe, érecordado, pelo meu irmão, como um aconteci-mento positivo, educador. É certo que o impactopsicológico da bofetada poderia ter sido muitodiferente para nós os dois – contudo, estou arecordá-la hoje, com a minha emotividade dehoje, temperada por toda minha história inter-corrente, pela imagem de mim mesmo e daminha vida que fui construindo ao longo dosanos. Como será possível nestas circunstânciasavaliar a real importância daquele episódio,como «acontecimento de vida» potencialmentedeterminante dos acontecimentos e vivênciafuturos. Dificilmente um catastrofizador seráuma boa testemunha em causa própria.

Tenho por isso uma noção pessoal de que háuma diferença muito significativa entre a verdadenarrativa apresentada pelo doente e a verdadefactual. Questiono, por este motivo, que a meto-dologia até agora empregue para avaliar a impor-tância dos acontecimentos de vida no desenvolvi-mento de psicopatologia posterior, bem como nagénese da fibromialgia, seja adequada. Questio-no, assim, os seus resultados. Reconheço, obvia-mente, que estes acontecimentos têm lugar nadimensão estrita do indivíduo, que podem ser va-lorados na sua perspectiva individual. Não seriaaceitável dizermos, por exemplo que, para todosos indivíduos «morte de marido» vale 100, «mortede filho» 50, desemprego 30, etc. Parece-me, con-tudo, indiscutível que a verdade individual é difi-cilmente prescrutável pelo simples facto de quenarrador e sujeito se confundem: ao tentar estru-turar as razões de ser do seu sofrimento, o doentecria para si próprio uma verdade narrativa, justi-ficativa de si mesmo, que pode estar muito longeda verdade factual, sobretudo, precisamente, nasdimensões psicológicas do evento, as que não sãopassíveis de avaliação independente.

Um outro aspecto que julgo muito relevante,especialmente em meios culturais menos evoluí-

dos, poderia designar-se como a «dimensão doMundo» do doente, entendendo por isso a diver-sidade e abrangência dos seus conhecimentos edos seus interesses culturais e sociais. Com muitafrequência, na nossa população, o Mundo limita--se à estrita dimensão física do que é possível vere visitar. Um mundo como este fica extrema-mente reduzido pela própria limitação física dodoente, já que o seu físico constituía o único meiode acesso ao mundo que conhece. Num doenteincapacitado por artrite reumatóide persistemintactas as capacidades intelectuais. Contudo, ouso e utilidade destas capacidades, enquantomeio de obter vivência, satisfação e felicidade,têm apenas a dimensão do mundo que o doenteconhece. Num mundo desprovido de interessesintelectuais, a limitação física pode ser uma he-catombe, porque deixa o doente distante de (qua-se) tudo o que lhe possa interessar. Pelo contrário,no doente que os interesses intelectuais domi-nam, a limitação física tem um impacto muitíssi-mo menor, proporcional ao espaço relativo ocu-pado pelo «físico» no seu mundo. Para algunsdoentes o mundo ficou limitado ao estrito limiteda sua doença: única razão das suas reflexões e dasua interacção social, como se vivessem apenasdentro do seu quarto, metáfora para a suadoença. Julgo que este aspecto justifica quealguns doentes pareçam resistir a qualquer tenta-tiva de cura ou resolução significativa das suasqueixas e limitações: se o mundo se limita aoespaço do nosso quarto, apagar a luz significa aescuridão completa, universal.

Julgo, como muitos outros, que a somatizaçãodeve ser entendida como uma metáfora: em boamedida, muitos dos nossos doentes, nomeada-mente os fibromiálgicos, vêm procurar o Médicocom uma dor, para não falar directamente sobresofrimento maior. E o sofrimento maior destesdoentes resulta da sua incapacidade de lidar coma vida, de tirar prazer dela, da sua incapacidadede viver a vida motivados pela satisfação de vivere não apenas pelo sentido do dever ou da obri-gação. Nestas circunstâncias os Médicos que osatendem têm que ter a noção de que o doente lheestá a mostrar apenas a ponta do iceberg, conti-nuando submerso, à espera de exploração, o ver-dadeiro sofrimento, aquele que suporta e originaa dor apresentada.

Não há nenhuma dúvida no meu espírito deque os Médicos em geral e os Reumatologistas emparticular, precisam de ter uma noção clara des-

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tas dimensões psicossociais e da relação intrinca-da que mantêm com as doenças reumáticas,desde a fisiopatologia ao diagnóstico e terapêuti-ca. Mas penso também que em algumas áreas daPsiquiatria há uma visão dos fenómenos psi-cológicos como se eles ocorressem num vaziobiológico, como se o homem fosse um corpoacrescentado de uma aura psicológica, imaterial,a que se dedicam os psiquiatras e psicólogos.

É tempo de acabarmos, definitivamente, com avelha dicotomia entre dimensões biomédicas epsico-sociais, passando a entender o nossodoente como um todo inextricável. Se a clínicanos dá já razões de sobra para suportar esta pro-posta, temos hoje conhecimento de uma va-riedade de mecanismos biológicos comuns aosmecanismos biomédicos de doença e às suas cor-relações psico-sociais. Entendendo que «disease»e «illness» têm mecanismos comuns, pelo menosem parte explicáveis biologicamente, poderá aju-dar os Psiquiatras a encher o «vazio» biológico emque tendem a operar e os Clínicos a entenderemque as dimensões psico-sociais são parte inte-grante e indissociável das doenças que abordam.

É nos mecanismos biológicos subjacentes àsrelações entre a doença física e psiquiatria que secentra o resto deste texto. Para isso, nada melhordo que falarmos de ratos!

Ratos de laboratório, imunologia e comportamento

Nas minhas investigações laboratoriais sobre ainfluência das hormonas sexuais na artrite eraclaro que, sistematicamente, as fêmeas degra-davam cartilagem mais rapidamente do que osmachos. Esta observação tinha um tranquilizanteparalelismo com a doença humana: também asmulheres têm mais artrite reumatóide, e maisgrave, do que os homens. Estrogénios e andro-génios pareciam responsáveis por esta diferença.Apercebi-me, contudo, de que os machos luta-vam muitíssimo entre si, violentamente, paraestabelecerem as hierarquias na jaula do biotério,enquanto as fêmeas pareciam conviver pacifica-mente. Os ratos machos deixam de lutar se foremcastrados, mas degradam cartilagem mais rapi-damente5,6. Ocorreu-me, em face disto, que asdiferenças que observava entre machos e fêmeasnão seriam resultado dos estrogénios e androgé-nios mas sim do stress! Lutando, os machos entra-

riam em stress – daqui resultaria um aumento dosníveis de corticosteróides, capazes de frenar areacção inflamatória e, assim, proteger a carti-lagem. Admitia, portanto, e parece-me que comabsoluta razoabilidade biológica, que nos rati-nhos, talvez como em humanos, o comporta-mento, o stress, as relações psicossociais pudes-sem ter influência decisiva sobre o processo infla-matório, supostamente somático. Direi, emresumo, que o curso das investigações viria a pro-var que ambas as interpretações eram demasiadosimplistas, mas fica a sugestão de um primeiromecanismo biológico passível de fazer ponteentre a reumatologia e a psiquiatria.

O desenvolvimento desses trabalhos viria acentrá-los, em grande medida, sobre o eixo hipo-tálamo-hipófise-suprarenal (HHS) e suas inter-acções com as hormonas sexuais. Tive, nessaaltura a felicidade de entrar em contacto com osresultados de investigações levadas a cabo nosNIH dos Estados Unidos sobre uma outra estirpede rato: o Lewis. O rato Lewis é um animal ex-traordinariamente susceptível a todos os tipos dedoenças auto-imunes, incluindo muitos modelosde doenças reumatológicas experimentais. Pelocontrário, o rato Fischer, embora histocompatívelcom o primeiro, é fortemente resistente a estetipo de afecções. A investigação levada a cabo poraqueles autores para perceberam a razão destasdiferenças demonstrou que o rato Lewis é sus-ceptível porque tem uma produção deficiente deCRH (hormona libertadora de corticotropina) nohipotálamo. Assim, quando exposto a um estímu-lo imunológico, o animal não responde com CRHsuficiente. A produção de corticosterona, quedeveria controlar a resposta imune é escassa, areacção autoimune desenvolve-se livremente esurge doença. No Fisher a produção de CRH ecortisona é poderosa, donde resulta o controlo dareacção imunológica e prevenção da doençaimunológica7,8. O CRH é, de facto, essencial aocontrolo do sistema imunológico, de acordo comas interacções apresentadas na Figura 2. Andro-génios e estrogénios influenciam a produçãodesta hormona de forma diferenciada.

O que é interessante é que aqueles investi-gadores, a partir daqui, se separaram em duasáreas de investigação completamente diferentes:uma reumatológica e outra psiquiátrica. Isto,porque notaram e valorizaram importantes dife-renças de comportamento entre o Lewis e o Fi-sher: o Lewis é um rato dócil, isolado, não procu-

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ra grandemente a interacção social, resignado, éum rato que, por exemplo, desiste de nadar e seafoga após algumas horas num tanque de água.Pelo contrário, o Fisher é um rato agressivo, mui-to mais interactivo, estabelece uma relação socialforte e é um lutador: nada até à absoluta exaustãofísica. Dos autores principais daquele trabalho,Ronald Wilder continua a trabalhar na área daautoimunidade e Esther Sternberg passou adedicar-se ao stress e depressão. Ambos se cen-tram na produção e efeitos do CRH!

CRH e humor

Investigações subsequentes permitiram demons-trar que o CRH não se limita a controlar a ACTH esupra-renal, mas constitui um verdadeiro neuro-transmissor do Sistema Nervoso Central, influen-ciando directamente os sistemas dopaminérgico,serotoninérgico, noradrenérgico, colinérgico,etc., sistemas nucleares ao controlo do humor eoutros aspectos psicológicos9,10 (Fig. 3).

O reconhecimento da importância do CRH no

controlo do humor, constituium dos mais notáveis progres-sos recentes na área da neuro-psiquiatria. Ao longo dos últi-mos anos, numerosos gruposindependentes de investigado-res têm produzido evidência deque a hiperprodução do CRH nohipotálamo está fortementerelacionada com a depressãomelancólica, a ansiedade, asperturbações sexuais, pertur-

bação obsessivo-compulsiva, a anorexia ner-vosa, tanto em modelos experimentais comoem humanos. Pelo contrário, a hiporreactivi-dade de CRH está associada à depressãoatípica9,11,12 (Fig. 4). Particularmente interes-sante para a minha área de especial interesseé o facto de que estrogénios e androgéniosafectam a produção de CRH, podendo, porisso ajudar a compreender diferenças sexuaisna prevalência e gravidade destas situações.

Em estudos humanos prospectivos, osestados depressivos mostram-se relaciona-dos com níveis aumentados de CRH e ACTHno líquido cefalo-raquídeo e de ACTH e corti-sol no soro, com diminuição dos surtos noc-

turnos de hormona de crescimento9,13.Investigadores alemães identificaram dois

tipos de receptores para o CRH, predominando otipo I, no sistema nervoso central. Foram já de-senvolvidos inibidores específicos destes re-ceptores, apresentados recentemente na literatu-ra como «a linha mais promissora de desenvolvi-mento de novos anti-depresssivos», antevendo,alguns, uma verdadeira revolução nesta área9,12.

Esta relação endócrino-psicológica é reforçadapor outros dados. Estudos realizados por Zobel ecolaboradores14 demonstram que a presença dehiperprodução de cortisol em resposta ao testedo CRH no final de internamentos por depressãoestá associada a um risco seis vezes maior derecorrência da doença do que em doentes queapresentam uma resposta endócrina normal.Estes e outros resultados levam a afirmar que «aestabilização do eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal é um pré-requisito para a eficácia da tera-pêutica antidepressiva»15.

Poder-se-ia chegar assim a uma conclusãoprovocatória: a depressão é uma doença endócri-na e deveria ser tratada (também?) pelos endocri-nologistas.

PSICO-NEURO-ENDOCRINO-IMUNO-REUMATOLOGIA

Figura 3. Influência do CRH nos sistemas neuroquímicos reguladores do humor.

Figura 2. O eixo HHS e o sistema imunológico.

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Sistema imune, CRH e humor

Será possível que alterações primárias no sistemaimunológico, tal como uma infecção ou umadoença autoimune possam ter impacto psi-cológico através destes mecanismos? Tudo indicaque sim!

Em animais, o stress imunológico está associa-do à anodinia, anorexia, perda de peso, dimi-nuição da actividade locomotora, exploratória esocial, tudo traços reminescentes de uma síndro-ma depressiva em humanos. Experiências maisdirigidas tornam esta relação mais clara: a vaci-nação contra a rubéola é seguida de um aumentoconsiderável da incidência de estados de-pressivos, particularmente marcado em certosgrupos de risco; normalmente mulheres jovensde baixo nível socio-económico. A administraçãode LPS, uma endotoxina que determina umareacção sistémica dominada pela produção deInterleucina 6 e TNF, está associada claramente a

um aumento dos índices dedepressão, de ansiedade e per-turbações da memória. Estarelação está dependente dosníveis de citoquinas que seatingem e que são responsáveispela activação do eixo HHS.Mais notável, talvez, é o facto deque o tratamento com anti-de-pressivos reverte os efeitos doLPS e não só os psicológicos co-mo também a febre, a activida-de do eixo hipotálamo supra-re-nal e a produção de TNF a níveldo baço16.

De que forma poderemos explicar tais obser-vações? Observe a Figura 5.

Admitamos que começamos, neste caso, porum processo inflamatório primário. Daqui resul-ta um aumento dos níveis circulantes de cito-quinas produzidas por linfócitos e monócitos.Estas citoquinas vão aumentar a produção deCRH a nível do hipotálamo e o resultado é oaparecimento das tais traduções psicológicas dahiperreactividade de CRH: depressão, fadiga,hiperalgesia, perda de peso17,18,19. Estas citoquinaspodem ainda afectar esta tendência por outrosmecanismos, como sejam a indução de óxidonítrico sintetase e da cicloxigenase a nível do sis-tema nervoso central. Está demonstrado que aadministração intratecal de citoquinas, porexemplo em doentes com tumores, determinaeste tipo de manifestações psicológicas numprazo de horas. Parece assim de admitir que otratamento eficaz de uma doença inflamatóriacomo, por exemplo, a artrite reumatóide, poderáresultar, indirectamente, na melhoria depressãoque lhe está associada por um mecanismobiológico independente da diminuição da dor.

Estas observações poderiam conduzir a umasegunda conclusão provocatória: a depressão éuma doença imunológica e deveria ser tratadapelos Reumatologistas.

Humor e resposta imunológica

E no que respeita ao processo inverso, será pos-sível que estados de depressão e de stressprimários tenham implicações imunológicaspassíveis de afectar a incidência e curso dedoenças de base imunológica? Está claramente

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Figura 4. Reactividade do CRH e perturbações do humor.

Figura 5. A resposta inflamatória como indutora de alte-rações do humor. Alguns mecanismos biológicos.

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demonstrado que sim. Estes estados de stress crónico estão associa-

dos a uma hiperprodução de corticosteróides quenão poderia deixar de ter implicações sobre a res-posta imunológica, deprimindo-a. Esta é, aliás, abase para uma das mais importantes teoriasrecentes de depressão que sugere que esta situa-ção tem origem num estado de dessensibilizaçãodos receptores de glucocorticóides determinadapelo aumento persistente dos níveis circulantesdestas hormonas devido ao stress crónico e hipe-ractivação do eixo hipotálamo/hipófise supra-renal20.

Contudo, a depressão e o stress têm implica-ções directas ao nível da resposta imunológica,não mediadas pelos corticoesteróides, mas simatravés de receptores próprios para os neuro--transmissores que existem nos tecidos linfóidesperiféricos e nas células imunocompetentes; ostress crónico está associado a alterações comoleucocitose e linfopenia, diminuição da funçãodas células «natural killer», isto é citotóxicas,diminuição da função das células T, aumento demediadores pro-inflamatórios com a prostaglan-dina E2, a Interleucina VI e a Interleucina II,aumento da relação CD4/CD8 com naturalpropensão daqui derivada para reactividadeimunológica exacerbada21,22 (Fig. 6). Mais ainda,está hoje demonstrado que a administração deanti-depressivos, nomeadamente dos inibidoresselectivos da recaptação da serotonina, têmimplicação directa em índices de actividadeimunológica, com diminuição de produção decitocinas pro-inflamatórias como Interferon--g, a Interleucina 1 e a Interleucina 6, diminuiçãoda actividade da cicloxigenase, aumento da pro-

dução de mediadores anti-inflamatórios, comosejam o antagonista do receptor da Interleucina 1e Interleucina 10 bem como de corticol22,23,24.

Chegaríamos, nesta base, a uma terceira con-clusão provocatória: a reacção imunológica é mo-dulada por factores psicológicos, a autoimunidadepoderá ser uma doença psicossomática e deveriaser tratada pelos psiquiatras.

Acontecimentos de vida e reactividadeimunológica

Poderão estes mecanismos oferecer uma expli-cação biológica para o impacto dos acontecimen-tos de vida, tão importantes na interpretação psi-quiátrica das manifestações psicossomáticas? Deacordo com esta interpretação, acontecimentosparticularmente relevantes para o indivíduo, es-pecialmente na esfera emocional, seriam deter-minantes na sua tendência a uma reactividadeinadequada a situações de stress no futuro, con-tribuindo para situações como a fibromialgia eoutros quadros somáticos funcionais. Ora essesacontecimentos de vida, têm também implicaçãodirecta sobre a reactividade do eixo hipotálamosupra-renal. Na realidade, a exposição de animaisa stress crónico pré-natal, isto é, os filhos de mãesque sofreram situações de stress arrastadodurante a gravidez, tem implicações de enormerelevância ao nível da esfera psiquiátrica. Assim,em humanos, estas situações foram epidemio-logicamente associadas ao aumento da prevalên-cia da esquizofrenia, ao aumento do número decanhotos, o que não sendo uma doença não deixade ser uma observação muito curiosa particular-

mente porque está associada auma demonstrável diminuiçãoda assimetria cerebral nos filhosde mães que foram stressadas du-rante a gravidez. Em animais deexperimentação, o stress crónicodurante a gravidez está associa-do, nos filhos, ao aumento dasmanifestações de ansiedade, di-minuição da interacção social,diminuição do «turnover» da do-pamina, todos eles tipicamenteassociados à depressão em hu-manos. O stress pré-natal estátambém associado com altera-ção do ritmo de glucocorticóides,

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Figura 6

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alterações do sono, déficit hedónico e ainda desensação de desamparo bem como feminizaçãodos machos25,26.

Ora esta situação de stress durante a gravidez,foi claramente relacionada com uma alteração dareactividade do CRH. Os descendentes nascidosdestas condições apresentam um eixo hipotála-mo supra-renal hiperreactivo o que obviamentetem consequências não só psicológicas, mas tam-bém endocrinológicas e imunológicas. O mesmopode suceder quando o stress não ocorre jádurante a gravidez mas sim durante os primeirosdias ou meses de vida. Numa experiência extre-mamente interessante com ratos, autores norte--americanos verificaram que os filhos de mãesmais agressivas, menos cuidadosas e carinhosas,apresentavam uma reactividade aumentada doeixo hipotálamo supra-renal por comparaçãocom os descendentes de mães mais carinhosas etranquilas. A primeira hipótese, era de que estetraço era herdado, os filhos tinham hiperreactivi-dade porque a mãe também a teria e esta era arazão da sua maior agressividade. A experiênciaconsistiu então em trocar os descendentes entre-gando à mãe carinhosa os filhos da mãe maisagressiva e vice-versa. Para surpresa dos autores,verificou-se que o padrão de reactividade conti-nuava semelhante ao anteriormente observado,isto é, tratava-se de um padrão aprendido, conse-quência dos primeiros meses de vida e de umareacção mais ou menos stressante entre a mãe eos seus descendentes27.

Sendo sempre difícil extrapolar de estudosexperimentais para a realidade humana, não po-demos deixar de notar o paralelo que estas obser-vações têm com observações em humanos. Numestudo de 49 mulheres adultas a resposta máximade ACTH a estímulo de stress estava fortementerelacionada com antecedentes pessoais de abusoinfantil, número de episódios, número de trau-mas em adulto e gravidade de depressão28.

Estes factos justificam recomendações encon-tradas em textos dedicados à natureza e à origemdestas perturbações psiquiátricas e cito «para evi-tar a hiperreactividade patológica de resposta destress, é essencial proteger os nossos jovens con-tra o traumatismo e o abuso»9.

Em resumo, julgo que podemos tirar algumasilações desta viagem exploratória na fronteiraentre o somático e o psíquico:1) Os mesmos neurotransmissores medeiam pro-

cessos endócrinos, psíquicos, inflamatórios e

imunes.2) Características psíquicas e somáticas associa-

das entre si na prática clínica podem, na reali-dade, ser derivadas de um mesmo clima, deum mesmo tónus neuroquímico. Quer isto di-zer que os indivíduos que, por qualquer moti-vo, sejam portadores de hiperreactividade doCRH terão, por esse motivo, simultaneamenteuma tendência a uma personalidade maisdepressiva, ansiosa, obsessiva, mas tambémuma maior propensão à incidência eventual-mente de tumores e de infecções mercê dasupressão de imunidade causada pelo excessode glucocorticóides circulantes.

3) Eventos psíquicos e somáticos exercem in-fluência mútua cuja mediação será também(se não exclusivamente) bioquímica.

4) O clima neuroquímico acima referido poderáter uma origem ou influência genética, mas étambém passível de uma modulação definitivapor eventos psicossociais e talvez mesmo poreventos imunológicos ocorridos precocemen-te durante a vida ou até mesmo durante a ges-tação.

5) Eventos psicossociais podem marcar a reac-tividade do eixo hipotálamo supra-renal per-petuando um padrão de resposta ao stress,tanto psíquico como orgânico, que definirá asreacções do indivíduo a desafios tanto de umacomo de outra natureza.

6) Assim, o comportamento dito de doença, adepressão, a hiperalgesia, a dramatização ecatastrofização, as estratégias de coping, po-derão na verdade estar bastante mais determi-nados por reacções de natureza bioquímicaradicados neste clima de neuroquímico do queanteriormente imaginaríamos.

7) As doenças somáticas, mesmo claras comoneoplasias e doenças inflamatórias, são pas-síveis de influências psicossociais. Julgo existirem todos os médicos a intuição desta realidadefundamentada muitas vezes em casos pontu-ais em que eventos emocionais fortes tiveramconsequências marcantes no desenlace deuma doença somática, mas temos agora algu-mas perspectivas quanto à natureza dos me-canismos biológicos que podem estar subja-centes a esta interacção, antes enigmática.

8) Resulta desta revisão um reforço notável daadequação e da mais valia do modelo bio-psi-cossocial, esferas que se articulam entre si co-mo verdadeiras facetas do «poliedro humano»,

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coexistentes e fortemente interactivas. Em suma, somos UM!

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PSICO-NEURO-ENDOCRINO-IMUNO-REUMATOLOGIA

UMA CAUSA POUCO FREQUENTE

DE OMBRO DOLOROSO

Patrícia Nero

M. Mateus

J. M. Bravo Pimentão

J. Branco

Unidade de ReumatologiaHospital de Egas Moniz, Lisboa

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A B S T R A C T

The Milwaukee shoulder syndrome is caractherized by a rapidly destructive arthritis, usualy in the pre-sence of a large noninflammatory effusion, often blood stained, containing large amounts of hydroxia-patite crystals. It affects elderly patients, predominantly females. The authors describe a clinical case ofa patient with Milwaukee shoulder syndrome and review this issue.

R E S U M O

A síndrome do «ombro de Milwaukee» é caracterizada por uma artrite do ombro rapidamente destruti-va, habitualmente associada a um derrame de dimensões variáveis, sero-hemático, não inflamatório,mas com cristais de hidroxiapatite, afectando preferencialmente indivíduos idosos do sexo feminino. Assuas etiologia e patogénese são desconhecidas, discutindo-se qual a influência dos cristais de hidroxia-patite nas mesmas. Os autores descrevem o caso clínico de uma doente com a Síndrome do Ombro deMilwaukee, e fazem uma revisão teórica sobre esta patologia.

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C A S O S C L Í N I C O S

U M A C A U S A P O U C O F R E Q U E N T E

D E O M B R O D O L O R O S O

P. Nero*, M. Mateus**,

J. M. Bravo Pimentão***, J. Branco****

Introdução

A síndrome do «ombro de Milwaukee» é caracte-rizada por uma artrite do ombro rapidamentedestrutiva, habitualmente associada a um der-rame de dimensões variáveis, sero-hemático, nãoinflamatório, mas com cristais de hidroxiapatite,afectando preferencialmente indivíduos idososdo sexo feminino. As suas etiologia e patogénesesão desconhecidas, discutindo-se qual a influên-cia dos cristais de hidroxiapatite nas mesmas.1

Esta entidade clínica tem sido descrita comnomenclaturas diferentes, a primeira vez no sécu-lo XIX por Smith e Adams2, como uma «artritereumática crónica do ombro». Em 1981 McCartyet al3 descreveram, com o nome de «síndrome doombro de Milwaukee», quatro doentes comombro doloroso e rotura da coifa dos rotadores.Em 1982 Lequesne4 descreveu seis casos clínicosde doentes do sexo feminino com um quadrosemelhante, a que atribuíu o nome «artrite doombro rapidamente destrutiva» e em 1984 Diep-pe5 descreve doze doentes com «artrite destrutivaassociada à apatite». Em 1987 Campion6 chamou«artrite idiopática destrutiva do ombro» a umaartrite destrutiva do ombro de etiologia desco-nhecida, que comparou à doença por deposiçãode cristais de pirofosfato de cálcio, à artropatianeuropática e à artrite reumatóide, quer em ter-mos clínicos quer radiológicos.

Caso clínico

Doente do sexo feminino, 69 anos, raça branca,casada, residente em Lisboa, reformada (operáriafabril).

Foi observada pela primeira vez em consulta deReumatologia em Maio de 2000, referindo omal-gia direita de ritmo mecânico com 3 anos de evo-lução, de intensidade moderada, que motivavaocasionalmente o consumo de analgésicos, masque não condicionava qualquer incapacidade. Adoente tinha antecedentes de hipertensão arte-rial, asma brônquica medicada diariamente comcorticóides, gastrite crónica e colecistectomia há 2anos, por litíase vesicular. Os antecedentes fa-miliares eram irrelevantes. No exame objectivo aabdução e a rotação externa do ombro direitoeram moderadamente dolorosas. Analiticamentenão se verificou nenhuma alteração no leucogra-ma, nos parâmetros inflamatórios, na funçãohepática e renal, no proteinograma, nas provas decoagulação e na urina tipo II. A doente trazia umaradiografia dos ombros, que apresentava umadiminuição do espaço sub-acromio-deltoideu,múltiplos geodos no colo do úmero e erosões nabase do acrómio, à direita. Foi colocada nestaaltura a hipótese diagnóstica de periartrite doombro direito. A doente iniciou um anti-infla-matório não esteróide tópico e realizou umaecografia de partes moles do ombro direito quemostrou «rotura da coifa dos rotadores com líqui-do na bolsa sub-acrómio-deltoideia e provávelrotura do músculo trapézio com hematoma orga-nizado». Foi submetida a uma infiltração da bolsasub-acrómio-deltoideia direita com 20 mg demetilprednisolona e iniciou fisioterapia.

Em Novembro de 2000 referia melhoria clínica,com omalgia direita ocasional, de ritmo mecâni-co, mas sem necessidade de consumir analgési-cos.

* Interna do Internato Complementar de Reumatologia**Assistente Hospitalar de Reumatologia***Assistente Graduado de Reumatologia****Chefe de Serviço de Reumatologia, Director da Unidade de Reumatologia do Hospital Egas Moniz e Professor de Reumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da UniversidadeNova de Lisboa

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OMBRO DOLOROSO

Em Junho de 2001, 1 ano depois da primeiraconsulta e 4 anos depois do início dos primeirossintomas, reiniciou omalgia direita de grandeintensidade, de ritmo mecânico, mas perturban-do o sono, com tumefacção local e incapacidadefuncional na realização das actividades de higienee da vida diária de forma autónoma. Na observa-ção apresentava tumefacção do ombro direito emovimentos intensamente dolorosos em todos osplanos (fig. 1). A radiografia efectuada nesta datamostrou aspectos semelhantes à anterior, comsubida da cabeça do úmero direito e consequentediminuição do espaço sub-acromio-deltoideu,geodos na cabeça do úmero e acrómio e esclerosesubcondral (fig. 2). Foi efectuada artrocentese doombro direito com colheita de 20 cc de líquidosinovial sero-hemático (fig. 3), com viscosidadeaumentada, para exame bacteriológico e micros-cópico. A doente foi medicada com diclofenac,colchicina e um inibidor da bomba de protões. Oexame microscópico do líquido sinovial mostrouum líquido pobre em elementos celulares commenos de 100 leucocitos/mm3 (não foi feita a con-

tagem celular diferencial), com muita fibrina,inclusões celulares e algumas células epiteliais.Foram visualizados cristais de forma polimorfa,não birrefringentes, que coravam intensamentede vermelho, com o vermelho de alizarina, suge-rindo uma artropatia microcristalina por depo-sição de cristais de hidroxiapatite (fig. 4). O examebacteriológico (directo e cultural) foi negativo. EmSetembro foi realizada uma artroclise do ombro e2 semanas mais tarde uma infiltração intra-arti-cular do mesmo, com 80 mg de acetato de metil-prednisolona. A doente manteve a medicaçãoanteriormente prescrita e foi aconselhada a ini-ciar fisioterapia.

Em Novembro de 2001, após uma melhoriatransitória de 1 mês, referiu novo agravamento da

Figura 1. Tumefacção do ombro direito.

Figura 2. Subida da cabeça do úmero direito e conse-quente diminuição do espaço sub-acromio-deltoideu,geodos e esclerose subcondral na cabeça do úmero eacrómio.

Figura 3. Líquido sinovial sero-hemático.

Figura 4. Cristais de hidroxiapatite corados com o vermelho de alizarina.

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PATRÍCIA NERO E COL.

omalgia direita, de ritmo mecânico. Não tinharealizado tratamento fisiátrico. Na observaçãotinha uma tumefacção do ombro direito mais evi-dente do que anteriormente, com movimentosmuito dolorosos em todos os planos. Insistiu-sena necessidade de realização de fisioterapia queiniciou 2 semanas depois e foi orientada para aconsulta de Ortopedia.

Discussão

A síndrome do ombro de Milwaukee foi descritapela primeira vez no século XIX, por Smith eAdams.2 É caracterizada clinicamente por umaartrite do ombro rapidamente destrutiva, mas asua etiologia e patogénese permanecem um enig-ma. O facto de se identificarem cristais de hidro-xiapatite no líquido e mesmo na membranasinovial das articulações envolvidas, pôs a hipó-tese de estes serem o factor desencadeante destasíndrome. No entanto, este é um tema controver-so, como demonstram diversos artigos que têmsido publicados ao longo de várias décadas. Em1981 e 1982, Cheung e os seus colaboradoresdefenderam que os cristais de hidroxiapatite, apósserem fagocitados por sinoviocitos e condrocitos,activam a libertação de colagenases e proteasesneutras.7,8 Estes enzimas proteolíticos digerem amatriz do tecido conjuntivo, promovendo adestruição articular e como resultado a libertaçãode mais cristais a partir do osso e da cartilagem,assim como de vários tipos de colagéneo (I, II eIII) para o espaço articular, perpetuando o proces-so destrutivo. Foi também demonstrada a relaçãoentre a presença e a concentração de cristais dehidroxiapatite e a gravidade da lesão articular.9,10

Mas em 1985, Dieppe e Watt sugeriram que em-bora a deposição de cristais de hidroxiapatite con-tribua para o processo de destruição da cartila-gem, esta deposição é um processo secundário àlesão da mesma e não a sua causa.11 Mais recente-mente, em 1999, Jensen e os seus colaboradoresapoiam esta teoria, postulando que alterações daestabilidade articular provocam lesões cartilagí-neas que promovem por sua vez a deposição decristais de hidroxiapatite, os quais vão acelerar oprocesso destrutivo por indução da síntese devárias metaloproteinases e de hiperplasia damembrana sinovial. 12

Não são ainda claras as condições que favore-cem a deposição deste tipo de cristais. Wortman e

os seus colaboradores verificaram que o nível de5’-nucleótidos no líquido sinovial de doentes comosteoartrose está elevado quando coexistemcristais de hidroxiapatite e ainda mais quando aestes se associam também cristais de pirofosfatode cálcio. 13 Mas nem sempre que há depósitos decristais estes estão associados a morbilidade,mantendo-se por vezes indolentes. Dois artigospublicados no final da década de 80 avançaramcom alguns possíveis factores,14,15 nomeadamentea sua quantidade, o tamanho, a superfície, a natu-reza química, o facto de terem ou não sido cober-tos com proteínas e a interacção entre os dife-rentes tipos de cristais e o meio.

Nos últimos anos, têm-se investigado quais osmediadores envolvidos no processo de destruiçãoarticular. Assim, a interleucina 1,16,17,18 o factor denecrose tumoral,19 as metaloproteinases 1,3,20 821

e 139 foram implicadas neste processo. Os cristaisde hidroxiapatite activam as vias das proteinascinases mediadas pelo ras22 (oncogene) e pelop42/4423 (proteinas cinases activadas por mitogé-nios) promovendo a lesão tecidular através dedois mecanismos diferentes: estimulam a mitogé-nese e a síntese de prostaglandinas nos sinovióci-tos e condrócitos e a síntese de metaloproteínasespelos condrócitos. O aumento da síntese das me-taloproteínases é acompanhado por uma dimi-nuição dos seus inibidores tecidulares, nomeada-mente os TIMP (inibidor tecidular das metalopro-teinases) 1 e 2.24

Histologicamente a membrana sinovial apre-senta alterações na sua estrutura, nomeadamentecongestão vascular, hiperplasia vilosa focal dacamada linear, talvez justificada por depósitoslocais de cristais de hidroxiapatite que exercemum forte efeito mitogénico25 , deposição de fibrinana superfície da membrana sinovial e ausência deuma reacção inflamatória evidente, o que permiteo diagnóstico diferencial com outras patologias,nomeadamente a artrite reumatóide. Quandoobservada no microscópio electrónico, visuali-zam-se agregados de cristais de hidroxiapatiteque fogem para o espaço articular, em zonas comgrande destruição histológica. 26

Clinicamente, são vários os achados que per-mitem definir esta síndrome. Afecta doentes ido-sos, habitualmente acima dos 70 anos (53-90anos) e predominantemente do sexo feminino(em mais de 80% dos casos), como no caso clínicoque descrevemos. Inicialmente os doentes refe-rem omalgia de ritmo mecânico de intensidade li-

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OMBRO DOLOROSO

geira a moderada, que é mais frequente no ombrodominante, mas que em 64% dos casos é bilateral,e podem manter-se com este sintoma por umperíodo de tempo variável, que foi de aproxima-damente 4 anos na nossa doente. Posteriormente,com a evolução do processo destrutivo, a dortorna-se mais intensa perturbando mesmo o sonoe acompanha-se de tumefacção local e limitaçãode movimentos. No exame objectivo o ombro estáhabitualmente tumefacto e doloroso na movi-mentação, assim como pode estar presente umalimitação generalizada dos movimentos. Podehaver evidência de rotura da coifa dos rotadores einstabilidade articular. A nossa doente apresenta-va na primeira consulta evidência de patologia dacoifa dos rotadores, com abdução e rotação exter-na do ombro direito moderadamente dolorosas. Aecografia não só revelou rotura da coifa comolíquido na bolsa sub-acromio-deltoideia, suge-rindo uma bursite, pelo que foi realizada infil-tração da mesma com 20 mg de acetato de metil-prednisolona, com melhoria dos sintomas referi-dos pela doente.

A tumefacção que se observa corresponde a umderrame intra-articular, que pode variar entre 40 e250 ml de líquido sinovial sero-hemático em 80%dos casos, com uma baixa celularidade (<2000leucocitos/ml) e o predomínio de células mono-nucleadas, sendo identificados cristais de hidro-xiapatite quando corado com o vermelho de aliza-rina (em 10% dos casos podem coexistir cristaisde pirofosfato de cálcio).

Radiologicamente, a primeira fase descrita ca-racteriza-se pela subida da cabeça do úmero, se-cundária à rotura da coifa dos rotadores, com dis-creta esclerose subcondral e diminuição da entre-linha articular, mas sem a formação de osteofitos.A doença pode estabilizar nesta fase, com mais oumenos erosões na cartilagem ou evoluir, com oaparecimento de múltiplas erosões e geodos nacabeça do úmero e na glenóide, diminuição maisacentuada da entrelinha articular e esclerosesubcondral das duas superfícies articulares. Estesaspectos podem atingir também o acrómio, aapófise coracóideia e a parte distal da clavícula.Pode ou não ser visualizada toda a cápsula articu-lar calcificada.

Habitualmente, não se relaciona nenhum fac-tor precipitante com o início da doença, mas em25% dos casos esta ocorre após um traumatismoou microtraumatismos de repetição (por exem-plo, após um acidente de viação num veículo mo-

torizado amparando a queda com os braçosestendidos, nos casos de subluxação recidivantedo ombro, lutadores profissionais, manuseadoresde martelos pneumáticos), e foi descrito um casode associação com hiperparatiroidismo primá-rio.27 Na nossa doente não identificámos nenhumdestes factores, mas recordamos que tinha umhematoma organizado sobre o músculo trapéziodireito, com suspeita ecográfica de rotura domesmo. O hematoma poderá ter sido originadonesta rotura, após um traumatismo que a doentenão recorda. No entanto, a doente não apresentaevidência clínica de rotura deste músculo, deven-do o hematoma organizado ser resultante de umarotura da coifa dos rotadores, espontânea ou as-sociada a um traumatismo que a doente nãorecorda.

Em alguns casos, outras articulações podemestar envolvidas para além dos ombros, nomea-damente os joelhos (em 50% dos casos), cotove-los, tibiotársicas, punhos e metatarsofalângicas.Na nossa doente não verificámos, após 4 anos emeio de seguimento, o envolvimento de outrasarticulações.

O diagnóstico é feito com base na história clíni-ca, alterações radiológicas e no estudo do líquidosinovial. O diagnóstico diferencial deve ser esta-belecido, sobretudo perante as alterações radioló-gicas, com a artrite reumatóide, artropatia micro-cristalina por deposição de cristais de pirofosfatode cálcio, artropatia neuropática e artrite séptica,pelo que a história clínica é fundamental nestesdoentes. É importante fazermos o diagnósticodeste tipo de situações para podermos intervir demodo mais eficaz, por um lado com terapêuticaanti-inflamatória mais agressiva do que na os-teoartrose28 e por outro identificarmos precoce-mente as complicações associadas.

Não há nenhuma terapêutica eficaz para otratamento da síndrome de Milwaukee. A deposi-ção de cristais, quer seja primária ou não, pro-move a activação de mediadores inflamatóriosque provocam dor e destruição articular. Assim, otratamento tem dois grandes objectivos: aliviar ador permitindo a função normal da articulação eprevenir a acumulação de cristais e mediadoresque promovem a destruição articular. 29

Esta doente iniciou terapêutica com AINE’s ecolchicina, que exerce também uma acção anti--inflamatória, quando se verificou uma agudiza-ção da doença, com dor mais intensa, tumefacçãolocal e limitação nas actividades de vida diária.

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PATRÍCIA NERO E COL.

Realizou artroclise 30 para remoção de mediadoresinflamatórios e cristais, e uma infiltração intra-ar-ticular com 80 mg de acetato de metilprednisolo-na. Habitualmente, nestas situações, utiliza-se ohexacetonido de triamcinolona, pois a respostainduzida é mais eficaz e duradoura, mas nestecaso não foi utilizado, por descontinuação do fár-maco no mercado. Dada a ineficácia destas medi-das, a doente foi orientada para a consulta de Or-topedia do nosso hospital, pensando que umasinovectomia da membrana sinovial por via ar-troscópica possa aliviar a doente e atrasar aevolução da sua patologia.

Na tentativa de preservar a função articular, adoente foi inserida num programa de fisioterapia.

Conclusão

A síndrome do ombro de Milwaukee é uma causarara de ombro doloroso. A sua etiologia é aindadesconhecida, embora os cristais de hidroxiapa-tite estejam envolvidos no processo de destruiçãoarticular. Não há nenhum tratamento eficaz paraesta patologia e é necessário definir critérios deprognóstico assim como a sua contribuição noimpacto global das artropatias microcristalinas. 31

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AGENDA NAC I ONAL

n XXII Jornadas Internacionais de Reumatologia

Local e Data: Lisboa, 24 e 25 de Fevereiro de 2003

Informações: Unidade de Reumatologia

Hospital Militar Principal

Praça da Estrela. 1200-667 Lisboa

Tel.: 213947698

n VII Jornadas Temáticas de Reumatologia

Local e Data: Lisboa, 12 e 13 de Maio de 2003

Informações: Unidade de Reumatologia

Hospital de Egas Moniz

Rua da Junqueira, 126. 1300 Lisboa

Tel.: 2173650309 Fax: 213627296

Nota do Editor: A Acta Reumatológica Portuguesa solicita e agradece informação atempada de eventos nacionais de potencial interesse para os nossos leitores.

Bolsas da EULAR para estágios na EuropaInscrições gratuitas para Congressos EULAR

Estas bolsas são atribuídas anualmente a internos ou investigadores em Reumatologia, com menos de 35 anos de idade, que pretendam realizar estágios de 3 a 6 meses

para treino clínico ou científico em unidades de Reumatologia europeias.

As candidaturas devem ser enviadas com: a) curriculum sumário do candidato;b) plano de trabalho;c) carta de aceitação do director da Unidade a visitar.

Médicos com menos de 35 anos que tenham trabalhos aceites para apresentação no Congresso anual da EULAR podem candidatar-se a inscrição gratuita.

Para mais informações visite o site da EULAR (www.eular.org).

ÓRGÃO OF IC IAL DA SOC IEDADE PORTUGUESA DE REUMATOLOGIA - ACTA REUM PORT. 2002;27:274

274

A G E N D A I N T E R N A C I O N A L

n 2nd International Workshop on the Genetics of Bone Metabolism and Disease

Local e Data: Davos, Suiça, 15 a 18 de Fevereiro de 2003

Informações: European Calcified Tissue Society

Tel: 00 44 145 354 99 29 Fax: 00 44 145 354 89 19

e-mail: [email protected]

n 1st International Symposium on Cytokine Medicine

Local e Data: Manchester, Reino Unido, 3 a 6 de Março de 2003

Informações: Dr. N. Whitlock

Tel: 00 44 20 8977 0011

e-mail: [email protected]

n British Society for Rheumatology Annual Meeting (Em associação com a Soc. Francesa)

Local e Data: Manchester, Reino Unido, 1 a 4 de Abril de 2003

Informações: Kate Nossiter, BSR

Tel: 00 44 207 242 3313 e-mail: [email protected]

n EULAR 2003

Local e Data: Lisboa, 18 a 21 de Junho de 2003

Informações: EULAR Secretariat

Fax : 00 44 138 398 10

e-mail : [email protected]

n 67ª Reunião Anual do Colégio Americano de Reumatologia

Local e Data: Orlando, Florida, 24 a 28 de Outubro de 2003

Informações: ACR

www.rheumatology.org

e-mail: [email protected]

ÓRGÃO OF IC IAL DA SOC IEDADE PORTUGUESA DE REUMATOLOGIA - ACTA REUM PORT. 2002;27:275-278

275

N O R M A S D E P U B L I C A Ç Ã O

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Em se tratando de casos clínicos, os subtítulosserão: Introdução, Caso clínico, Discussão, Biblio-grafia.

A partir da segunda página, inclusive, todas aspáginas devem ter em rodapé o título breve indicadona página título.

O manuscrito não deve ultrapassar as 20 páginaspara os artigos originais e revisões e as 6 páginas paraos casos clínicos.

Referências: As referências devem ser classifi-cadas e numeradas por ordem de entrada no texto.As abreviaturas usadas na nomeação das revistasdevem ser as utilizadas pelo Index Medicus.

Nas referências com 6 ou menos autores todosdevem ser nomeados. Nas referências com 7 ou maisautores devem ser nomeados os 3 primeiros segui-dos de et al.

Seguem-se alguns exemplos de como devemconstar os vários tipos de referências:

– RevistaNome(s) e iniciais do(s) autor(es). Título do artigo.

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Nome da revista Ano; Volume: Páginas.Ex.: Hill J, Bird HA, Hopkins R, Lawton C, Wright V.

Survey of satisfaction with care in a rheumatologyoutpatient clinic. Ann Rheum Dis 1992; 51:195-197.– Capítulo de livro

Nome(s) e iniciais do(s) autor(es) do capítulo.Título do capítulo. In: Nome(s) e iniciais do(s) edi-tor(es) médico(s). Título do livro. Cidade: Nome dacasa editora, ano de publicação: primeira a últimapágina do capítulo.

Ex.: Stewart AF. Hypercalcemia resulting frommedications. In: Favus MJ, ed. Primer on theMetabolic Bone Diseases and Disorder of MineralMetabolism. New York: Raven Press, 1993: 177-178.– Livro

Nome(s) e iniciais do(s) autor(es). Título do livro.Cidade: Nome da casa editora, ano de publicação:página(s).

Ex.: Lorig K. Patient Education. A practicalapproach. St. Louis: Mosby-Year Book;1992: 51.

As referências a trabalhos ainda não publicados,comunicações em reuniões, não publicadas emlivros de resumos, ou comunicações pessoais devemser citadas no texto e não como referências formais.

A exactidão e o rigor das referências são daresponsabilidade do autor.

Quadros: Os quadros a inserir devem ser assina-lados no texto em numeração romana. Cada quadrodeverá ser apresentado em folha separada, dactilo-grafado a 2 espaços. Na parte superior devem apre-sentar um título sucinto mas informativo, de modo apoder ser compreendido sem recurso ao texto. Naparte inferior do quadro deve constar a explicaçãodas abreviaturas utilizadas. Nos quadros devem serevitados os traços verticais e os traços horizontaisdevem servir apenas como separadores de títulos esubtítulos.

Figuras: As figuras a inserir devem ser assinala-das no texto em numeração árabe. As legendas dasfiguras devem ser dactilografadas a dois espaçosnuma folha separada, depois da bibliografia. Devemser enviados três originais das figuras, que deverãoapresentar uma boa qualidade de desenho ou seremfeitas em impressora de alta resolução. As fotogra-fias devem ser em papel brilhante, bem contrastado,com as dimensões 10x15 cm. Todas as figuras devemapresentar no verso uma etiqueta autocolante como número da figura, o nome do 1.o autor, o títulobreve do artigo e a indicação da parte superior dafigura.

O total de quadros e figuras não deve ultrapassaros 8 para os artigos originais e os 4 para os casosclínicos. As figuras coloridas ou os quadros e figurasem excesso poderão ser aceites para publicação,mas a expensas dos autores.

Modificações e revisões: No caso da aceitação doartigo ser condicionada a modificações, estas deve-

rão ser feitas pelos autores no prazo de quinze dias.As provas tipográficas serão, sempre que possível,

enviadas aos autores contendo a indicação do prazopara revisão consoante as necessidades editoriais darevista.

Editoriais: A maioria dos editoriais será solicitadapelo Editor. Os editoriais serão comentários sobretópicos actuais ou sobre artigos publicados narevista. O texto dos editoriais não deve exceder as1200 palavras, um máximo de 15 referências e nãodeve conter quadros ou figuras.

Artigos de revisão: Estes artigos serão habitual-mente encomendados pelo Editor. No entanto, osautores interessados em apresentar um artigo derevisão podem contactar com o Editor para dis-cussão dos tópicos a apresentar.

Cartas ao Editor: As cartas ao editor devem cons-tituir um comentário crítico a um artigo da revistaou uma pequena nota sobre um tema ou caso clíni-co. Não devem exceder as 600 palavras, uma figuraou quadro, e um máximo de 10 referências biblio-gráficas.

Separatas: O primeiro autor de cada artigo rece-berá 10 cópias da revista respectiva. Caso desejemseparatas os autores podem solicitá-las, a suasexpensas, aquando da revisão tipográfica.

Minuta da carta a enviar ao EditorEnviar este documento com o manuscrito para:EditorActa Reumatológica Portuguesa

O(s) autor(es) certifica(m) que o manuscrito inti-tulado: ________________________________________ é original, que todas as afirmações apresentadascomo factos são baseados na investigação do(s)autor(es), que o manuscrito, quer em parte quer notodo, não infringe nenhum copyright e não violanenhum direito da privacidade, que não foi publica-do em parte ou no todo e que não foi submetido parapublicação, no todo ou em parte, noutra revista, eque os autores têm o direito ao copyright.Todos os autores declaram ainda que participaramno trabalho, se responsabilizam por ele e que nãoexiste, da parte de qualquer dos autores conflito deinteresses nas afirmações proferidas no trabalho.Os autores, ao submeterem o trabalho para publi-cação, transferem para a Acta Reumatológica Por-tuguesa todos os direitos a interesses do copyright doartigo.

Todos os autores devem assinarData: __________________________________________Nome (maiúsculas): ____________________________Assinatura: ____________________________________

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I N S T R U C T I O N S T O A U T H O R S

Acta Reumatológica Portuguesa publishes originalarticles, reviews and case reports on all subjectsrelated to Rheumatology.

The articles can be written in portuguese or inenglish.

Written opinions are of the exclusive responsibili-ty of the author. Published articles will remain pro-perty of the journal and cannot be reproduced, as awhole or as a part, without the authorization of theeditor.

The acceptance of articles is subjected to the eva-luation of the editorial board. Articles may be:

a) accepted without changes;b) accepted after modifications suggested by the

board;c) refused.

Manuscripts not in accordance with the instructionsmay be sent for modification before review by theeditorial board.

All manuscripts must be sent to:

Editor Acta Reumatológica Portuguesa

(for 2003-2004):

Rua Jorge Castilho, Lote 1613, 14ºA1900-272 Lisboa

or to the permanent address:R. D. Estefânia, 177 -1° D 1000-154 Lisboa - Portugal.

Manuscripts must be accompanied by a submittalletter, signed by all authors, stating the name of thearticle, that it is an original work, that the authorsheld the copyright of the manuscript, that it does notrepresent any conflict of interest, and that they trans-fer the copyright to the journal (se form below).

Text should be typed double-spaced on only oneside of A4 size paper sheets, type 12, with 1-inchmargins. All pages must be sequentially numbered.Manuscripts, tables and figures must be submittedin triplicate, and accompanied by a digital file indiskette (Word for Windows).

Manuscripts should be organized as explainedbelow:

Page 1Title; authors’s names and degrees; institutions

represented; source of grants support; address andtelephone number of the author responsible forcommunications with the editor and reprints; sorttitle for footnote.

Page 2a) Title (without authors)b) Abstract

Abstract in portuguese and in english structured asfollows for the original articles: Objectives; Patientsand Methods; Results; Conclusions. The abstractshould not exceed 250 words for original articles and150 words for case reports.

c) KeywordsA maximum of 5 keywords should be presented afterthe abstract.

Page 3 and following pagesThe text of original papers should be presented

with the following subtitles: Introduction, Objecti-ves, Patients and Methods, Results, Conclusions,Acknowledgements, References. Subtitles for casereports should be: Introduction, Case report, Discus-sion, References.

From the second page on, all pages should have ashort title on footnote.

Manuscripts should not exceed 20 pages for origi-nal articles and reviews and 6 pages for case reports.

References: References should be cited by thenumerical system and listed, in the order cited in thetext. Journal titles are abbreviated in accordancewith the style of Index Medicus.

List all authors when 6 or less; when 7 or more listonly first 3 and add “et al”.

References of unpublished work, presentations orpersonal observations should be inserted in the text(in parenthesis).

Authors are responsible for the accuracy of thereferences.

Examples:

– Journal articleName(s) and initials of author(s). Article title.

Journal name Year; Volume or number: Page(s).Ex: Hill J, Bird HA, Hopkins R, Lawton C, Wright V.

Survey of satisfaction with care in a rheumatologyoutpatient clinic: Ann Rheum Dis 1992; 51: 195-197.

– Chapter in BookName(s) and initials of author(s) of chapter.

Chapter title. In: Name(s) and initials of editor(s).

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Book title. City: Name of publisher, year of publica-tion: pages.

Ex: Stewart AF. Hypercalcemia resulting frommedications. In: Favus MD, ed Primer on theMetabolic Bone Diseases and Disorders of MineralMetabolism. New York: Raven Press, 1991: 177-178.

– BookName(s) and initials of author(s). Book title. City:

Name of publisher, year of publication: page(s).Ex: Lorig K. Patient Education. A practical

approach. St Louis: Mosby-Year Book, 1992: 51.

Tables: Tables should be cited in the text withRoman numerals. Each table should be doubletyped on a separate sheet, have a title and containno vertical rulers. Horizontal lines should be usedonly as separators between titles and subtitles.Explain all abbreviations at the bottom.

Figures: Cite each figure in the text in consecutiveorder using Arabic numerals. Legends should be lis-ted on a separate sheet, double typed. Send threecopies of each figure. Figures should be professionaldrawn and photographed. Photographs should be10x15 cm and on the back should be labelled withthe number, article title, first author name, and havetop indicated.

The total of figures should not exceed 8 for origi-nal articles and 4 for case reports. Coloured illustra-tions or excess figures may be published with costscharged to the author.

Modifications and proofreading: Articles accep-ted subject to modifications, will be sent to authorsthat will have 15 days to modify them according tosuggestions. Contributors will receive page proofsand are asked to proofread them for printers’ errors.

Editorials: Editorials will be requested by the edi-tor and will be comments on important issues or onarticles published in the journal. Editorials shouldnot exceed 1200 words, with a maximum of 15 refe-rences and no tables or figures.

Review articles: Review articles will be commis-sioned by the editor. However, authors interested inpresenting a review article are welcomed to contactthe editor.

Letters: Letters to the editor must be a commenton a journal article or a short clinical study or casereport. It cannot exceed 600 words, a maximum of10 references and a table or figure.

Offprints: Authors will be sent 10 copies of theJournal issue. Offprints may be charged to theauthors upon request during the proofreading.

Letter draft:Send with manuscript to The Editor:

The authors certify that the manuscript entitled_________________________________________ isoriginal, all data are based on their own researchand that the manuscript does not violate copy-right or privacy regulations. They further statethat the manuscript hasn’t been partly or totallypublished or submitted to publication elsewhere.The authors declare that they hold total copyrightfor this paper and that they assume collectiveresponsibility for it’s contents and also that anyconflict of interest is acknowledged.And submitting this paper, the authors transfercopyrights interests to Acta Reumatológica Por-tuguesa.

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