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ACTA MÉDICA PORTUGUESA ACTA MED PORT. ISSN:0870-399X e-ISSN:1646-0758 1 19 Número 1 Volume 32 Série II Janeiro 2019 Lisboa Publicação Mensal

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Page 1: ACTA MÉDICA PORTUGUESA - Tonic App€¦ · Ginecologia / Obstetrícia: João Lima Bernardes Hematologia Clínica: Manuel Abecasis Imunoalergologia: Helena Falcão Imunohemoterapia:

Revista Científica da Ordem dos Médicos www.actamedicaportuguesa.com

ACTA MÉDICAPORTUGUESA

ACTA MED PORT.ISSN:0870-399X

e-ISSN:1646-0758

1 19 Número 1 Volume 32Série II Janeiro 2019Lisboa Publicação Mensal

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Revista Científica da Ordem dos Médicos www.actamedicaportuguesa.com

Editor-Chefe: Tiago Villanueva

Co-Editores: Miguel Guimarães, António Araújo, Carlos Diogo Cortes, Alexandre LourençoEditores-Chefe Adjuntos: Helena Donato, Pedro Escada Editores Associados: Guilherme Mendes, Henrique Alexandrino, João Carlos Ribeiro, Tiago Torres. AMP-Student - Editor-Chefe: Andreia Gi Editores Associados: António Bandeira, Bárbara Rodrigues, Beatriz Oliveira, Filipe Martinho, João Pedro, Tiago Pedro.

Coordenação Editorial: Carla de Sousa Assistente Editorial: Miguel Reis Digital Content Manager: Rui Matos Open Journal System: José Carona Carvalho Webmaster: José Matias / Justweb Tradutor: Miguel Fontes Consultor de Comunicação: Duarte Brito Social Media: Ana Beatriz Nunes, Gisela Leiras, Sara Duarte.

Editores Emeriti: Alberto Galvão Teles (1978 – 1987), F. Veiga Fernandes (1987 – 1993), A. Sales Luís (1993 – 1996), Carlos Ribeiro (1996 – 1998), J. Germano Sousa (1999 – 2004), Pedro Nunes (2005 – 2010), Rui Tato Marinho (2011 – 2016), José Manuel Silva (2017).

Secretariado: Av. Almirante Gago Coutinho, 151 1749-084 Lisboa, Portugal. Tel: 218 428 215 E-mail: [email protected]:0870-399X | e-ISSN: 1646-0758Assinaturas: Nacional: 300 Euros; Internacional: 350 Euros AMP32(1) - Janeiro de 2019 | Propriedade, Edição e Administração: Ordem dos Médicos

FICH

A TÉCN

ICA

Ordem dos Médicos / Portuguese Medical AssociationBastonárioMiguel Guimarães

Presidentes dos Conselhos RegionaisNorte: António Araújo • Centro: Carlos Diogo Cortes • Sul: Alexandre Lourenço

Copyright © Ordem dos Médicos 2016

www.actamedicaportuguesa.comwww.facebook.com/ActaMedicaPortuguesa & https://twitter.com/ActaMedPortug

Conselho CientíficoPresidentes dos Colégios da EspecialidadeAnatomia Patológica: Rui HenriqueAnestesiologia: Paulo LemosAngiologia e Cirurgia Vascular: Rui de AlmeidaCardiologia: Miguel MendesCardiologia Pediátrica: Rui Anjos Cirurgia Cardiotorácica: Mário Amorim Cirurgia Geral: A. Menezes da SilvaCirurgia Maxilofacial: Paulo CoelhoCirurgia Pediátrica: Rui AlvesCirurgia Plástica Reconstrutiva e Estética: Manuel SilvaDermatovenereologia: Manuela SeloresDoenças Infecciosas: António VieiraEndocrinologia/Nutrição: Helena CardosoEstomatologia: Serafim FreitasFarmacologia Clínica: Luís AlmeidaGastrenterologia: Ricardo Gorjão MartinsGenética Médica: Jorge Pinto BastoGinecologia / Obstetrícia: João Lima BernardesHematologia Clínica: Manuel Abecasis Imunoalergologia: Helena FalcãoImunohemoterapia: Maria Helena AlvesMedicina Desportiva: Maria João CascaisMedicina Física e de Reabilitação: Jorge CaldasMedicina Geral e Familiar: Maria Pereira dos SantosMedicina Interna: Armando Pereira de CarvalhoMedicina Intensiva: José Artur PaivaMedicina Legal: Sofia Lalanda FrazãoMedicina Nuclear: João Pedroso de LimaMedicina do Trabalho: José Ferreira Leal Medicina Tropical: Jaime NinaNefrologia: Fernando Coelho das NevesNeurocirurgia: Carlos Vara LuízNeurologia: José Vale Neurorradiologia: Augusto GoulãoOftalmologia: Augusto MagalhãesOncologia Médica: Luís Marques da CostaOrtopedia: Manuel André GomesOtorrinolaringologia: Artur CondéPatologia Clínica: João Pinto GuimarãesPediatria: Jorge Amil DiasPneumologia: Fernando José BarataPsiquiatria: Miguel Ferreira de BragançaPsiquiatria da Infância e da Adolescência: Paulo Baptista SantosRadiologia: Hugo Rodrigues MarquesRadioncologia: Margarida Abreu RoldãoReumatologia: Augusto Costa FaustinoSaúde Pública: Maria Mendonça FelícioUrologia: Avelino Fraga Ferreira CNMI: Catarina Perry da Camara

Coordenadores SubespecialidadesCardiologia de Intervenção: Vasco RibeiroCuidados Intensivos Pediátricos: Augusto Ribeiro Dermatopatologia: Esmeralda ValeElectrofisiologia Cardíaca: Pedro AdragãoECG/Neurofisiologia: Francisco José SalesGastrenterologia Pediátrica: Ricardo Santos FerreiraGinecologia Oncológica: Carlos Freire de OliveiraHepatologia: José Berkeley Cotter Medicina Materno-Fetal: Fátima SerranoMedicina da Reprodução: Maria Lobo XavierNefrologia Pediátrica: Helena Jardim Neonatologia: Daniel Virella Neuropediatria: Maria Almeida SantosOrtodoncia: Teresa Alonso

Coordenadores CompetênciasAcupunctura Médica: António EncarnaçãoAvaliação do Dano Corporal: Teresa Salgado Magalhães Emergência Médica: Vítor Almeida Gestão dos Serviços de Saúde: Miguel Sousa NevesGeriatria: Manuel VeríssimoHidrologia Médica: Luís Cardoso OliveiraMedicina Aeronáutica: Antóni oLopes ToméMedicina da Dor: Luís Almeida AgualusaMedicina Farmacêutica: José Augusto Aleixo Dias Medicina Hiperbárica: Óscar CamachoMedicina Paliativa: Isabel Galriça NetoMedicina do Sono: José Moutinho dos SantosPatologia Experimental: António Silvério CabritaPeritagem Médica da Segurança Social: Alberto CostaSexologia Clínica: Nuno Monteiro Pereira

Adalberto Campos FernandesA. Castro Caldas A. Meliço SilvestreA. Sousa Guerreiro António BarbosaAntónio Coutinho António Parreira António RendasAntónio Vaz Carneiro Belmiro Rosa (Angola)Carla Carrilho (Moçambique)Catarina Resende de Oliveira Celso Matos (Bélgica)Constantino SakellaridesCorália Vicente Daniel Lavanchy (Suiça) Daniel Müller (EUA)Daniel Sampaio Domhall MacAuley (Reino Unido) Duarte Nuno Vieira

Eduardo Barroso Esperança PinaF. Caseiro AlvesF. Castro e Sousa Fátima Carneiro Flair Carrilho (Brasil) Francisco Antunes Francisco CruzFrancisco George Graça Porto H. Bicha Castelo Henrique Barros João O’NeillJ. Ducla SoaresJ. Mendes AlmeidaJ. M. Caldas de AlmeidaJ. M. Nascimento CostaJ. Pereira Miguel J. Rodrigues Pena Jaime BrancoJoão GiriaJoão PaçoJosé Fraga José Luís Medina José Luiz Gomes Amaral (Brasil) José Martinez Oliveira Juan Gérvas (Espanha) Khalid Khan (Reino Unido)Linhares Furtado Luís Costa Luís Taborda Barata Manuel AbecassisManuel AntunesManuela Carvalheiro Maria Carmo Fonseca Michael Tapley (Reino Unido)Miguel Carneiro de Moura Miguel Castelo Branco Miguel Castelo Branco SousaMiguel Correia Miguel Oliveira e Silva Paul Hébert (Canadá) Paulo Costa Paulo FerrinhoPaulo NicolaPedro Pita BarrosRicardo Batista LeiteRichard Roberts (EUA) Rueff TavaresRui CastroRui VazRui Victorino Sobrinho Simões Vasco Maria

Revista Científica da Ordem dos Médicos www.actamedicaportuguesa.com

Registo: Inscrito na Entidade Reguladora para a Comunicação Social com o Nº 106 369Depósito legal: 20 957/88

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EDIT

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Agradecimento aos Revisores da Acta Médica Portuguesa

Thank You, Reviewers of Acta Médica Portuguesa

1. Bastonário. Ordem dos Médicos. Lisboa. Portugal.2. Co-Editor. Acta Médica Portuguesa. Lisboa. Portugal.3. Serviço de Urologia. Hospital de São João. Porto. Portugal.4. Editor-Chefe. Acta Médica Portuguesa. Lisboa. Portugal.5. Médico de Família. Unidade de Saúde Familiar Reynaldo dos Santos. Póvoa de Santa Iria. Portugal. Autor correspondente: Tiago Villanueva. [email protected]: 08 de janeiro de 2019 - Aceite: 08 de janeiro de 2019 | Copyright © Ordem dos Médicos 2019

Miguel GUIMARÃES1,2,3, Tiago VILLANUEVA4,5

Acta Med Port 2019 Jan;32(1):1-6 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.11791

Entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2018, a Acta Médica Portuguesa recebeu 1107 submissões através da sua plataforma electrónica de gestão do processo editorial (Open Journal System). Destes artigos, 180 foram publicados ao longo das 12 edições regulares. No mesmo período, e contando com uma base de dados com 5128 revisores no final do ano, concluíram-se 956 processos de revisão por pares – quase o dobro do ano anterior. Decidir quais os trabalhos a publicar, procurando constituir uma mais-valia efectiva para os nossos leitores e assim contribuir para a inovação da investigação e da prática clínica, e para a divulgação do conceito da moderna autoria científica, é um processo complexo. Neste âmbito, a colaboração dos peritos a quem solicitámos a avaliação dos trabalhos propostos para publicação é fundamental. A Acta Médica Portuguesa é a única revista médica portuguesa indexada de âmbito generalista, com uma audiência de cerca de 45 000 médicos portugueses, outros profissionais de saúde, decisores e população em geral. Como tal, é imprescindível o contributo de especialistas das várias áreas, que nos apoiam na identificação dos temas de maior relevância, comentam a pertinência dos estudos propostos, realçam as linhas inovadoras das metodologias apresentadas, etc. Gostaríamos de salientar a necessidade de termos mais revisores inscritos na plataforma, para que possamos diminuir os tempos de decisão das submissões. A inscrição na plataforma OJS pode ser feita rapidamente nesta página: https://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/user/register. A todos e a cada um de vós – que de forma contínua demonstram reconhecer o peer-review como um dever de cida-dania científica - se dirige o sincero agradecimento da Ordem dos Médicos e da Acta Médica Portuguesa.

Lisboa, 8 de Janeiro de 2019

Miguel Guimarães Tiago Villanueva Bastonário da Ordem dos Médicos Editor-Chefe

A lista em baixo enumera os revisores que ao longo de 2018 procederam à avaliação de artigos a pedido da nossa publicação.

Revisor com quinze avaliações concluídas:Edgar Martins Mesquita

Revisor com sete avaliações concluídas:João Gama Marques

Revisor com seis avaliações concluídas:José Pereira

Revisor com cinco avaliações concluídas:Dagmara Kondek PaivaHelena Maria Carvalho

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Guimarães M, et al. Agradecimento aos revisores da Acta Médica Portuguesa, Acta Med Port 2019 Jan;32(1):1-6

Adelaide CostaBárbara OliveirosElisa Pedro

João Firmino MachadoMargarida Fonseca CardosoPedro Alberto Escada

Pedro Miguel Alves Ribeiro CorreiaRicardo A. Afonso

Revisores com três avaliações concluídas:

Revisores com duas avaliações concluídas:

Adriana Belo CabeteAntónio Jorge CabralBárbara Andreia Soares dos Reis AguiarCarla BaleirasClaudia CostaDaniel BarrocasEmanuel RodriguesÉrica Viana RochaHenrique AlexandrinoHenrique DuarteHugo AntunesInês Gante

Ivo da Piedade Álvares FurtadoJ.M. Caldas AlmeidaJoana AlvesJoana Barros MourãoJoana BastosJoana CabeteJosé Luís AlvesJosé Pedro Boléo ToméJuan Javier GervasManuel SantosMaria da Piedade Moreira BrandãoMaria Margarida Costa Ferreira Bandarra

Marília AntunesMarisa LoureiroMónica CaldeiraNuno AbecasisOtília C. AlmeidaPaulo Jorge FerreiraPedro AguiarPedro Carreiro-MartinsRita TravassosRui BelloSara Simões DiasVera Afreixo

Airlane Pereira AlencarAlberto FreitasAlexandra Marques PintoAmílcar OliveiraAna Cardoso Allen GomesAna Filipa MargalhoAna Isabel LoureiroAna Maria Simoes BrandãoAna MonteiroAna OliveiraAna Paula FernandesAna Paula HarfoucheAndreia LeiteAntónio AndradeAntónio Cardoso FernandesAntónio Faria VazBruno Alexandre SilvaBruno OliveiraCarla AndréCarla NunesCarlos FarateCarlos Marques PontinhaCarolina VidalCatarina S. NunesCatarina SamorinhaCatarina Sousa GuerreiroCecília AzevedoCélia Maria Pinto NunesCristina SequeiraDário FerreiraDenisa MendonçaDiana DuroDina SalvadorDuarte Vital BritoEduardo BredaEduardo Manuel Carqueja

Elisangela Gisele CarmoElza TomazEmília CortesãoFausto CarvalheiraFernanda Stumpf ToninFernando Bandeira SalvadorFernando GuerraFilipa MourãoFilipe AntunesFilipe PrazeresFrancisco AntunesFrancisco CarameloGonçalo CoutinhoHelena TeixeiraHernâni Pombas CaniçoHumberto Costa RebeloInês FronteiraIsabel AldirIsabel De SantiagoIsabel LourinhoIsabel SilvaJessica Silva LombaJoana AlmeidaJoana Branco RevésJoana M.D.C. BrancoJoana Moreira BarrosJoana NogueiraJoão Albuquerque GonçalvesJoão AmadoJoão Borges CostaJoão Carlos RibeiroJoão F. BredaJoão LavinhaJoão MeloJoão Nuno RamosJonathan M. Holmes

José AguiarLaetitia TeixeiraLia FernandesLúcio T.D. Meneses de AlmeidaLuís AntunesLuís FerreiraLuís Filipe AntunesLuís Filipe CavadasLuís MendãoLurdes SantosM. Gonçalves PereiraManuel Rodrigues PereiraMárcia SáMargarida Figueiredo DiasMargarida Maria MarquesMargarida Moura Valejo CoelhoMaria Fernanda DiamantinoMaria Helena PimentelMaria João AleixoMaria Leonor FernandesMaria Luísa FigueiraMariana AmaralMariana NevesMavilde ArantesMiguel A.M.F. BragançaMiguel Bigotte VieiraMiguel Castelo-Branco SousaMoisés HenriquesNatacha Lopes dos SantosNoémia AfonsoNuno AlegretePatrícia AlmeidaPaulo Reis-PinaPaulo SousaPedro Coelho BarataPedro Vieira-Baptista

Revisores com quatro avaliações concluídas:

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Revisores com uma avaliação concluída:

Pilar Quinhones LevyQuirina Santos-CostaRaquel TavaresRicardo CoentreRita GaioRubina CorreiaRui FelgueirasRui Lopes Gonçalves

Rui Miguel MartinsSandra Maria Bargão Saraiva FerreiraSara Drumond FreitasSónia BatistaSoraia SilvaTiago BaptistaTiago Marques

Tomás SilvaVasco PeixotoVera Moniz-PereiraVictor BezerraVitor RaposoZaida Aguiar Sá AzeredoZélia Vaz

Albertina Figueiredo NunesAlda Maria SousaAlexandra Bayão HortaAlexandra DiasAlexandra Seabra DinisAlexandre Buinhas MarquesAlexandre Castro CaldasAlexandre Gomes da SilvaAlexandre Rebelo-MarquesÁlia dos SantosAline Lariessy Campos PaivaÁlvaro AzevedoAna AiresAna AzevedoAna BelezaAna BrasileiroAna CalistruAna CarochaAna Cristina AlbuquerqueAna Cristina Gomes MoscosoAna Cristina PeresAna CysneirosAna de AzevedoAna Filipa MartinsAna Isabel CaritaAna Luísa NevesAna Macedo FerreiraAna Margarida PóvoaAna MarianoAna Marta GomesAna MouraAna Paula SantosAna PereiraAna PovoAna R. BarbosaAna Raquel RodriguesAna Rita SandesAna SilvaAna Sofia BrancoAna Sofia CarvalhoAna Sofia CiprianoAna Sofia OliveiraAna ValentimAnabela BarcelosAnabela Furtado OliveiraAnabela Morais

Anabela Mota-PintoAndré O WerneckAndréia FigueiredoAndreia Rocha AntunesAntónia CamposAntonieta DiasAntónio AfonsoAntónio BanhudoAntónio BarbosaAntónio GarrãoAntónio G.C. Guerra MaioAntónio J. AtalaiaAntónio J. MadureiraAntónio José da Silva BernardesAntónio QuintelaAntónio Vaz-CarneiroArmando ReisArnaldo FigueiredoAugusta CiprianoAugusto MinistroAyana MateusBárbara CamarinhaBárbara Flor de LimaBelina Rosa Gonçalves NunesBelmiro ParadaBernardo Marques da SilvaBruno DamásioBruno FaustinoCândida CancelinhaCarina Soares SilvaCarine Alves SilvaCarla BahiaCarla CarrilhoCarla Cruz AguiarCarla Joana RodriguesCarla Pinto MouraCarla ReizinhoCarla TorreCarla VenâncioCarlos AguiarCarlos AndradeCarlos CapelaCarlos Matias DiasCarlos Miguel Chiesa EstombaCarlos Robalo CordeiroCarlos Ruah

Carlota QuintalCarmita H.N. AbdoCarolina GarrettCarolina VazCatarina Andrade FidalgoCatarina RúbioCatarina Santos de SousaCatarina SaraivaCatarina Viegas DiasCátia Botelho SilvaCátia Sá-GuerreiroCelso MarialvaCelso PontesCidália RodriguesClara Alexandra LoboCláudia Camila DiasCláudia ConceiçãoCláudia Neves MarquesConceição BentoConceição PiresCristiana CruzCristiano FigueiredoCristina Maria SantosCristina Santos CunhaCristina Vaz TrindadeCristina VivasDaniel Pereira SilvaDaniela CarvalhoDario Acuña-CastroviejoDavid ManteigasDavid Marques LitoDavid Serra FernandesDeniz ŞahinDialina Palmira da Silva BrilhanteDiana Dias da SilvaDiana FrasquilhoDiana MartinsDiana PóvoasDina GasparDiogo MedinaDiogo TellesDoğanhan Kadir ErDuarte Pedro de Sousa TavaresDurga Prasanna MisraElena Atienza MaciasElicha Fernandes

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Elisabete AlvesElsa LandimEmilia FariaErik HerzogErmelinda Santos SilvaErmelindo TavaresEugenia Maria Garcia Jorge AnesEunice MagalhãesEunice Palmeirão CarrilhoEurico Castro AlvesEva Martins da ConceiçãoEvangelista RochaF. Castro-PoçasFátima AmaroFernanda ÁguasFernando AlmeidaFernando BaptistaFernando Martins do ValeFernando PitaFilipa CarregaFilipa Dias CostaFilipa Flor-de-LimaFilipa Mourão Bianchi-de-AguiarFilipa QuaresmaFilipe AndradeFilipe Arantes GonçalvesFilipe Caseiro AlvesFilipe FroesFilipe Miguel Pereira da SilvaFilomena AzevedoFilomeno Paulo GomesFrancisca SáFrancisco Allen GomesFrancisco CardosoFrancisco CarvalhoFrancisco CunhaFrancisco Ferreira da SilvaFrederico TevesGiovani Loiola SilvaGözde HasbalGraciete BragançaGuilherme GonçalvesGuiomar Gonçalves OliveiraGustavo P. FragaHelder EspertoHelena Barros LeiteHelena CarreiroHelena Cristina LoureiroHelena DonatoHelena Isabel PereiraHelena RochaHelio Afonso Ghizoni TeiveHeloisa Ribeiro BorgesHenrique MessiasHercília GuimarãesHilman Zulkifli AminIda Duarte

Ilda Massano CardosoInês CarrilhoInês Nunes VicenteInês Tomás Sarreira da Silva RegoIsabel AntunesIsabel BoaventuraIsabel FonsecaIsabel MarquesIsabel NatárioIsabel RosaIsrael MacedoIvan BravioJ.G. Saraiva CunhaJaime BrancoJaime NinaJoana ArcângeloJoana CanaisJoana CouceiroJoana DamásioJoana Dias CoelhoJoana IpJoana Menezes NunesJoana NunesJoana Rodrigues BarbosaJoana Simões PereiraJoão AnselmoJoão AranhaJoão Bruno SoaresJoao CaboJoão Carlos MeloJoão Cordeiro CostaJoão FrancoJoão Lima ReisJoão Madruga DiasJoão MatiasJoão Páscoa PinheiroJoão Paulo BrancoJoão Paulo Vilas-BoasJoão Pedro OliveiraJoão PereiraJoao Sargento-FreitasJoão SubtilJoão TorresJoão VideJorge Amil DiasJorge BritoJorge Costa SantosJorge CrespoJorge CruzJorge Moreno GovernaJosé António Ferraz GonçalvesJosé António MonteiroJosé António Pereira AlbinoJosé Augusto Rodrigues SimõesJosé Carlos CamposJosé Gonçalo MarquesJosé Luís Metello

José Manuel FerroJosé Manuel Reis-FerreiraJosé Martinez de OliveiraJosé Mendes NunesJosé Pedro FigueiredoJosé PreciosoJosefina Maria Sousa Santos LascasasJúlia TelesL. Cristina MatosLaura RibeiroLélita SantosLeonor de Castro FerreiraLeonor Macedo BívarLeonor Moniz PereiraLeonor Reis BotoLia Lucas NetoLia Rodrigues e RodriguesLiane Correia CostaLigia GonçalvesLiliana BrancoLiliana RochaLisa Santos BorgesLisete Aires SilvaLúcia CostaLuís AlbuquerqueLuís CamposLuís Castelo-BrancoLuís Guedes-MartinsLuís MachadoLuís Mendes PedroLuís Miguel GriloLuís Nobre PereiraLuís Pereira-da-SilvaLuís PiscoLuís RuanoLuís Soares AlmeidaLuísa BiscoitoLuiz Miguel SantiagoLuzia GonçalvesM.S. José PaisMadalena SanchesMafalda SobralMamede de CarvalhoManuel André GomesManuel CunhaManuel Gonçalves-PinhoManuel Mendes SilvaManuel PestanaMárcia I.G. RodriguesMarcio Antonio BabinskiMarco CostaMarcos AgostinhoMargaria LealMargarida AbrantesMargarida Barreto CortesMargarida BarrosMargarida Ferreira

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Margarida FonsecaMargarida GonçaloMargarida PocinhoMaria Alexandra MineiroMaria CarvalhoMaria Clara Pedro BichoMaria Cristina Rocha Resende BernardoMaria do Rosário AlmeidaMaria do Rosário Oliveira MartinsMaria Eduarda Neves SousaMaria Francelina LopesMaria Goreti CatorzeMaria Helena EstevãoMaria Inês AzevedoMaria Isabel Correia DiasMaria Joana SantosMaria João GonçalvesMaria João Palaré SimõesMaria João PolidoroMaria João VidigalMaría José de BritoMaria José ManataMaria Luísa CoelhoMaria Miguel AlmiroMaria Paula FariaMaria Rita PelejãoMaria S.J. NascimentoMariana AlvesMariana Carlos AlvesMariana CoutoMariana Ferreira CardosoMariana Sousa BatistaMariane Alves SilvaMarie Isabelle CremersMarília Assunção DouradoMário Fontes e SousaMário Martins OliveiraMário Rodrigues Louzã NetoMarta João SilvaMarta PingarilhoMartinha HenriqueMicaela GuardianoMiguel AbecasisMiguel GrunhoMiguel LeãoMiguel Meira e CruzMónica CentenoNélia CunhaNelson Fernando Gomes OliveiraNídia Alice PinheiroNuno ClodeNuno FigueiredoNuno Manuel DiogoNuno Moreira FonsecaOguz DikbasOlga MatosOrlando von Doellinger

Óscar Proença DiasPaloma Rodrigues SiebertPatrícia AlvesPatrícia Amado LapaPatrícia JorgePaula FernandesPaula Margarida KjöllerströmPaula Milheiro-OliveiraPaula Pinto AlvesPaula TavaresPaulo Alexandre SantosPaulo André FernandesPaulo DonatoPaulo FilipePaulo FonsecaPaulo FontouraPaulo LamarãoPaulo VarelaPedro AndradePedro Bargão SantosPedro BarrosPedro BrandãoPedro CastroPedro Espada SantosPedro FloresPedro FontePedro Gaspar da CostaPedro GirãoPedro GouveiaPedro GraçaPedro Lopes FerreiraPedro Miguel Paredes AbreuPedro Miguel TeixeiraPedro OliveiraPedro PoncePedro SerranoPedro Silva-VazPedro TiagoPedro XavierPita BarrosRamiro Manuel CarvalhoRamiro VeríssimoRaquel BragaRaquel Espírito SantoRaquel FariaRaquel VieiraRenata CapistranoRicardo Dinis-OliveiraRicardo FerreiraRicardo J.O. FerreiraRicardo Jorge Meireles AlmendraRita Gomes SousaRita Moiron SimõesRita Vale RodriguesRoberto ManfrediniRosa Amélia DantasRosa Maria Príncipe

Rosário StoneRosário Trindade FerreiraRui AlmeidaRui AlvesRui Artur CarvalhoRui Baptista GonçalvesRui BarbosaRui CamposRui D.M.B. ProençaRui Marques CarvalhoRui Paulo RodriguesRui Queiroz ValérioRui RibeiroRui RoloRui SimõesRui SuzanoRui Tato MarinhoSandra Pinto da SilvaSandra Silva SoaresSandrina Figueiredo BragaSandro ScarpeliniSara FerreiraSara RamosSérgio CampainhaSilvia ÁlvaresSílvio BolliniSofia BaptistaSofia R.T. NunesSónia CamposSónia FreitasSuleyman IpekciSusana Corte-RealSusana GarridoSusana Reis PeresSusana SampaioTarik AkarTariq IqbalTelma AzevedoTelma BarbosaTeresa AlmeidaTeresa AlmodovarTeresa BandeiraTeresa BarãoTeresa BaudrierTeresa BombasTeresa CardosoTeresa GoldschmidtTeresa LapaTeresa LeãoTeresa MaiaTeresa Margarida Dias MartinsTeresa Sampaio NóvoaThiago Brasileiro de VasconcelosTiago DominguesTiago José Guardado PereiraTiago M. AlfaroTiago Rodrigues

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Guimarães M, et al. Agradecimento aos revisores da Acta Médica Portuguesa, Acta Med Port 2019 Jan;32(1):1-6

Tiago TorresValeriano LeiteVanda Milheiro LourençoVasco Gil Calado

Vasco Sousa CoutinhoVera BritesVera Fernandes

Violeta AlarcãoVitor Laerte Pinto JuniorYasar Dagistan

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Saúde na Europa e em Portugal – Considerações a Propósito do Relatório ‘Health at a Glance: Europe 2018’

Health in Europe and in Portugal – A Commentary on the ‘Health at a Glance: Europe 2018’ Report

1. Escola Nacional de Saúde Pública. Universidade NOVA de Lisboa. Lisboa. Portugal. Autor correspondente: Constantino Sakellarides. [email protected] Recebido: 04 de Janeiro de 2019 - Aceite: 07 de Janeiro de 2019 | Copyright © Ordem dos Médicos 2019

Constantino SAKELLARIDES1

Acta Med Port 2019 Jan;32(1):7-10 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.11786

INTRODUÇÃOO que é e para que serve o ‘Health at a Glance: Europe 2018’ a) Papel crescente da União Europeia na análise da informação de saúde A Organização para a Cooperação e Desenvolvimen-to Económico (OCDE) iniciou a publicação dos relatórios Health at a Glance – OECD Indicators em 2001, dedicados à saúde das populações dos seus estados-membros. Estes são atualmente 36, incluindo 26 países Europeus. Três organizações, para além da OCDE, têm contri-buído para a recolha, análise e divulgação de informação relativa à saúde dos europeus: A Organização Mundial de Saúde (OMS/Europa), e União Europeia (UE) através da Comissão Europeia, e depois de 1998, o Observatório Eu-ropeu dos Sistemas e Políticas de Saúde. A partir da segunda metade dos anos 90 assistiu-se a uma tendência crescente destas organizações colabora-rem entre si. A constituição do Observatório Europeu, foi em si, mais uma indicação desta tendência. A crescente influencia da União Europeia neste domí-nio, resultou no facto de a partir de 2016 a Comissão Eu-ropeia ter tomado a iniciativa de criar o denominado ‘Ciclo sobre o Estado de Saúde na União Europeia’, constituído pelos três ‘passos’ seguintes: (i) Relatório sobre o Estado de Saúde na Europa (Health at a Glance: Europe1 a pu-blicar nos anos pares, em colaboração com a OCDE; (ii) Perfis de Saúde dos Países da União Europeia (Country Health Profiles) produzidos nos anos ímpares, em colabo-ração com o Observatório Europeu; (iii) Intercâmbio volun-tário com os países membros com o objetivo de discutir e aprofundar os conteúdos dos seus perfis de saúde. É neste novo contexto, que foi recentemente publicado o ‘Health at Glance: Europe 2018’ (HG2018), sobre o qual incide este comentário.1

b) Vantagens e limitações da análise HG 2018 Segundo os seus autores, este relatório tem dois objeti-vos. O primeiro consiste em apresentar uma análise compa-rativa do estado de saúde dos cidadãos da UE, baseada

em dois conjuntos de indicadores: ‘estado de saúde’ e ‘fa-tores de risco para a saúde’. O segundo objetivo incide na comparação do desempenho dos sistemas de saúde dos 28 estados-membros da UE, e também dos cinco ‘países candidatos’ e de três países da EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio). Para esta análise acrescentam-se ou-tros quatro conjuntos de indicadores: gastos e financiamen-to dos sistemas de saúde, sua efetividade, acessibilidade e resiliência. Os indicadores selecionados são apresentados de um modo cuidado, incluindo definições explícitas e claras, para além de informação útil sobre a comparabilidade dos indi-cadores recolhidos pelas bases de dados utilizadas. São representados de uma forma graficamente convidativa, o que permite uma vista de olhos (a glance) rápida e eficaz sobre esses conteúdos. Estes são de natureza a suscitar interrogações e hipótese explicativas sugestivas sobre as múltiplas questões que os sistemas de saúde suscitam. Contudo, este tipo de análise, predominantemente feita indicador a indicador, tem evidentes limitações, quando se trata de entender melhor as dinâmicas evolutivas dos siste-mas de saúde e a forma de as influenciar.

Saúde na Europa: duas tendências preocupantes O HG2018 identifica duas tendências preocupantes na análise da evolução dos indicadores de saúde na Europa.

a) Desaceleração na melhoria da esperança de vida dos europeus A primeira destas preocupações tem a ver com as ten-dências recentemente observadas em relação aos padrões de mortalidade e à evolução da esperança de vida ao nas-cer: Entre 2001 e 2011 a esperança de vida aumentou, pelo menos entre 2% e 3% em todos os países da UE. A partir de 2011 este crescimento abrandou, particularmente na Europa Ocidental, em que não ultrapassou 0,5 anos, entre 2011 e 2016. Isto é atribuído pelos autores do relatório, a dois factores: o abrandamento na diminuição da mortalida-de cardiovascular que se tinha vindo a observar na Euro-pa e o aumento da mortalidade sazonal (inverno) entre os

Palavras-chave: Disparidades nos Níveis de Saúde; Europa; Mortalidade; Multimorbilidade disparidades, envelhecimento; Portugal Keywords: Europe; Health Status Disparities; Mortality; Multimorbidity; Portugal

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2Revista Científica da Ordem dos Médicos www.actamedicaportuguesa.com

Sakellarides C. Saúde na Europa e em Portugal - a propósito do relatório ‘Health at a Glance: Europe 2018’, Acta Med Port 2019 Jan;32(1):7-10

mais idosos. No Reino Unido, onde esta situação se manifesta de forma mais marcante, ela mereceu uma análise mais de-talhada da parte da Public Health England, a agência exe-cutiva do Departamento de Saúde e Cuidados Sociais da Inglaterra, publicada em Dezembro de 2018.2 Esta análise evidencia que, em Inglaterra, a desacele-ração no aumento da esperança de vida, a partir de 2011, fez-se sentir tanto nos homens como nas mulheres. Contu-do, nalguns grupos etários e em determinadas áreas geo-gráficas, a esperança de vida deixou mesmo de crescer. Na população feminina, vivendo em áreas mais carenciadas, a esperança de vida, de facto, diminuiu. Este padrão é tam-bém detetável noutros países da Europa ocidental, mas de forma mais atenuada. O excesso de mortalidade observado nos invernos 2014/15, 2016/17 e 2017/18 parece estar associado à cir-culação do vírus da gripe A(H3N2), que tende a afetar par-ticularmente as pessoas mais idosas. No entanto, convém recordar que o envelhecimento da população também sig-nifica que, um número crescente de pessoas com afecções debilitantes (cardíacas, respiratórias, demências) tornara--se mais susceptível aos fatores de risco associadas ao inverno, em especial, as infeções e frio. Por estas razões também, estas pessoas tornam-se agora mais dependen-tes da qualidade das respostas dos serviços de saúde e dos serviços sociais. É, no entanto, importante acentuar que o abrandamento observado na melhoria das taxas de mortalidade também se observou fora dos meses de inverno. Parece plausível que isto esteja associado à desacele-ração das melhorias nas taxas de mortalidade das doenças cardiovasculares, e que esta esteja relacionada com um aumento da prevalência da diabetes e da obesidade, entre outros fatores. Importante também, é a constatação do aumento do nú-mero de mortes acidentais associadas à toxicodependên-cia (sobredosagem) entre os adultos jovens, como é já no-tório nos Estados Unidos. Aqui, também em Dezembro de 2018, Muennig et al, publicam uma análise sugestivamente intitulada America’s Declining Well-Being, Health, and Life Expectancy: Not Just a White Problem.3 Estes autores su-gerem que a epidemia das mortes pelo uso de opiáceos por parte da população branca jovem, não hispânica e com baixos níveis educativos, descrita por Case e Deaton, em 2015,4 é só um aspeto de um problema mais vasto que não deixa de ter alguns contornos semelhantes com os padrões de mortalidade que, aparentemente, se começam agora também a configurar na Europa. Estas são matérias sobre as quais se esperam novas contribuições, e controvérsias, no decorrer de 2019.

b) Disparidades persistentes nos indicadores de saúde, entre países e dentro de cada país A segunda observação, de carácter geral, sobre a evo-lução da saúde dos europeus, referida no HG2018, diz respeito à persistência de uma considerável desigualdade

em esperança de vida entre aos europeus mais educados, quando comparados com os menos educados. Em média, na União Europeia, um homem de 30 anos de idade com um baixo nível educativo, viverá oito anos menos que aquele que tiver uma educação universitária. Os autores atribuem a persistência destas desigualda-des à exposição a fatores de risco de doença e também às disparidades no acesso aos cuidados de saúde. Quanto aos fatores de risco, a obesidade parece ser o mais signifi-cativo. Um em cada seis adultos é obeso na Europa e esta prevalência continua a crescer. Aqui também as disparida-des socioeconómicas são notórias: a prevalência da obe-sidade nas pessoas menos educadas é quase duas vezes maior do que nas mais educadas. Mesmo naqueles aspetos onde se observam progres-sos significativos nas respostas dos serviços de saúde às necessidades de saúde, mantem-se evidentes disparida-des entre países e dentro de cada país. O Relatório identifica, entre 2010 e 2015, uma melhoria na sobrevida dos doentes internados por enfarte do miocár-dio (redução de 30% na letalidade) e acidente vascular ce-rebral (redução de 20%). Contudo continuam a observar-se grandes disparidades entre países e entre hospitais nestes resultados. Também na análise das necessidades não satisfeitas em cuidados de saúde é possível concluir que no decurso dos últimos 10 anos houve progressos significativos nos acessos a estes cuidados, mantendo-se, contudo, conside-ráveis diferenças entre os sectores populacionais de maior nível económico e aqueles que vivem com maiores dificul-dades económicas – cinco vezes melhores resultados nos primeiros quando comparados com os segundos.

Envelhecimento português a)Aquestãodemográfica Entre os 28 países da União Europeia, Portugal está entre aqueles que têm uma maior percentagem da popu-lação com idade igual ou superior a 65 anos (21,1%, em 2017). Valores superiores a este só se observam na Gré-cia e Alemanha (discretamente) e na Itália (de uma forma mais acentuada). A evolução da natalidade e fertilidade na população portuguesa, durante a última década, acentua o significado destes dados.

b) Saúde e envelhecimento As mulheres portuguesas, aos 65 anos de idade, têm, em média, uma das maiores esperanças de vida na EU (21,8 anos). No entanto só 29% desta esperança de vida decorre com saúde (pouco mais de seis anos). Este valor é um dos mais baixos observados na UE (média de 47%). Em países como a Irlanda e a Dinamarca este valor é supe-rior a 50%, sendo de 77% na Suécia, o que corresponde a mais de 15 anos de esperança de vida com saúde, aos 65 anos. No que diz respeito aos homens, além da esperança de vida ser inferior à das mulheres, como é sabido, estes contrastes, sendo também patentes, são menos acentua-dos.

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Este é um indicador relevante em termos do potencial de bem-estar acumulado durante o percurso de vida, até aos 65 anos. Requer, no entanto, cuidados na sua inter-pretação. Parte das diferenças observadas podem ser atri-buídas à forma como os dados são colhidos e aos factores culturais associadas à percepção de saúde e doença. Contudo há que relevar que (i) muitas das diferenças observadas entre Portugal e um número considerável de outros países europeus são de grande magnitude (ii) as percepções de saúde e doenças fazem parte integrante do bem-estar ou da sua ausência, (iii) existe um vasto con-junto de outras observações que convergem com a ideia de um envelhecimento português problemático, particular-mente evidente na população feminina. Destas há que reter, essencialmente, as seguintes: - Os portugueses reportam também um nível mais baixo de satisfação com o seu estado de saúde, maior prevalên-cia de doença crónica e de incapacidades do que a grande maioria dos outros 27 países da UE; - Observa-se, em Portugal, uma elevada mortalidade por doença respiratória e particularmente por pneumonia, em comparação com os outros países europeus; - A prevalência de diabetes (tipo 1 e 2, na população adulta, estandardizada para a idade) é a mais elevada en-tre os 28 países da União Europeia; - Indicadores relativos à saúde mental também são particularmente desfavoráveis para a população portugue-sa, quer vistos no seu conjunto, quer quando se olha, por exemplo, para elevada prevalência de depressão crónica na mulher portuguesa (que tende a acentuar-se com a ida-de) ou quando se observam as estimativas referentes à prevalência da demência em Portugal, quando comparada com as de outros países.

c)Contextoeconómicoefinanciamentodasaúde Quando pensamos no significado desta situação e na necessidade de encontrar as respostas necessárias, não podemos deixar de ter em conta as realidades económicas e sociais de Portugal no contexto Europeu. A riqueza produzida, em média, por cada português (PIB, per capita, em Euros PPP) foi em 2017 de 22.999. No mesmo ano, a da Alemanha foi de 36.900, da Dinamarca 37.496 e da Holanda 38.304. Situam-se também acima de Portugal, a República Checa, a Eslováquia e a Eslovénia e abaixo, para além da Grécia, os outros países do leste europeu integrados na UE. Acresce que Portugal foi, a seguir à Grécia, o país Eu-ropeu, que mais viu reduzidos os gastos com a saúde no período 2009-2013 (não inteiramente compensados com o aumento observado entre 2013 e 2017) e em que a per-centagem das contribuições diretas das famílias para os gastos totais para a saúde, são das mais elevadas entre os países europeus. Gastos em saúde que, em Portugal, estão também associados a outros inconvenientes evitáveis como esta-dias hospitalares prolongadas, excesso de cesarianas e infecções nosocomiais e de prescrição de ansiolíticos e

antibióticos.

Para além daquilo que Health at a Glance: Europe 2018 permite saber a) Pessoas com morbilidade múltipla e políticas de saúde. Há hoje um consenso alargado de que não é ‘a doen-ça’, nem sequer ‘a doença crónica’ aquilo que constitui o principal desafio dos sistemas de saúde da atualidade. São antes as pessoas com ‘morbilidade múltipla’. Esta inclui a doença, mas também o conjunto de todas as outras situa-ções associadas ao bem-estar das pessoas.5-7

A resposta coordenada às necessidades das pessoas com morbilidade múltipla requer necessariamente: - Integração de cuidados, pela gestão do percurso das pessoas através dos serviços de que necessitam, incluin-do aqueles que resultam das sua agudizações, as diversas modalidades de cuidar em casa e a estreita colaboração com os serviços sociais; - Apoio de novos instrumentos, como planos individuais de cuidados, bem integrados no sistema de informação de saúde; - Participação mais informada de cada um (maior lite-racia) na prevenção da morbilidade múltipla (promoção e proteção da saúde) e na minimização dos seus efeitos. O HG2018, não está suficientemente sintonizado com esta transição da ‘doença’ para ‘as pessoas com morbili-dade múltipla’. E esta é essencial para um envelhecimento com melhor saúde. b) Sistemas de saúde na era da complexidade – a importância do contexto. Os sistemas de saúde são em si, realidades de grande complexidade. Isto quer dizer as suas componentes estão estreitamente relacionadas entre si, pelo que dificilmente podem ser compreendidas e influenciadas sem ter em con-ta as suas interações.8

Isso não é possível com uma análise excessivamen-te fragmentada, que não esclareça como cada uma das peças constituintes (coletânea de indicadores) encaixam umas nas outras, num todo explicável. É evidente também que os sistemas de saúde depen-dem significativamente de aspetos que lhes são exteriores, de natureza económico-financeira, social e cultural. Muita desta informação consta de outras publicações da própria OCDE. Para compreender os sistemas de saúde da atua-lidade precisamos de modelos de análise que incorporem interações e contexto. As sínteses possíveis a partir do HG2018 não se aproximam ainda destes requisitos.

c) Políticas de saúde e a União Europeia Tendo agora o Health at a Glance: Europa passado a integrar o denominado ‘Ciclo sobre o Estado de Saúde na União Europeia’ faria sentido que os indicadores descritos e a sua análise fossem associados à monitorização e ava-liação da Estratégia de Saúde da União Europeia. Tal não acontece.

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Conviria superar efetivamente a percepção de que, as políticas da UE neste domínio – a EU Health Strategy – Together for Health adotada em 2007, e a atual Estratégia Europa 2000 (discreta na sua componente de saúde públi-ca), não estão sujeitas a qualquer escrutínio que assegure a sua utilidade.

Observaçõesfinais Estes não é um retrato exaltante do nosso tempo. Po-demos fazer muito melhor. O HG2018 serve muito bem para suscitar questões que merecem a atenção de Europeus e Portugueses. Mas também ilustra, igualmente bem, por aquilo que apresenta e por aquilo que lhe falta, o limitado alinhamento das políticas que temos com a natureza dos desafios que enfrentamos. A nível Europeu, a agenda política sobrenadante – os deficits, as dívidas, o controlo orçamental – não incorpora aspectos essenciais para o bem-estar das populações eu-ropeias. Em nenhum momento da vida de todos-os-dias se

sente que exista, de facto, uma estratégia de saúde para a Europa. Em Portugal, os principais agentes da saúde esgotam a sua intervenção na busca de mais recursos para as suas circunscrições. Mais e melhores recursos são, de facto, ne-cessários. Não para alimentar e fortalecer as disfunções atuais, mas para alavancarem as transformações necessá-rias. Esta não é uma questão exclusivamente portuguesa: “… giving priority to sustainability ahead of transformation is unhelpful when transformation holds the key to the long--term sustainability of the NHS.”.9

A importância destas transformações – resposta às pessoas com morbilidade múltipla, integração de cuida-dos, investimento real no conhecimento das pessoas para melhor proteger e promover a sua saúde, saúde publica local em todas as suas dimensões – estão bem inscritas na realidade concreta da saúde das nossas comunidades. Se as quisermos ler, faremos um discurso da saúde que pode fazer a diferença.

REFERÊNCIAS1. Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. União

Europeia (OECD/EU). Health at a Glance: Europe 2018: State of Health in the EU Cycle. Paris: OECD Publishing; 2018.

2. Public Health England. A review of recent trends in mortality in England. London: PHE; 2018.

3. Muennig PA, Reynolds M, Fink DS, Zafari Z, Geronimus AT. America’s declining well-being, health, and life expectancy: not just a white problem. Am J Public Health. 2018;108:1626–31.

4. Case A, Deaton A. Rising morbidity and mortality in midlife among white non-Hispanic Americans in the 21st century. Proc Natl Acad Sci USA. 2015;112:15078-83.

5. Barnett K, Mercer SW, Norbury M, Watt G, Wyke S, Guthrie B. Epidemiology of Multimorbidity and implications for health care, research and medical education: a cross-sectional study. Lancet. 2012;380:37-

43. 6. Hughes L, McMurdo M, Guthrie B. Guidelines for people not for

diseases: the challenges of applying UK clinical guidelines to people with multimorbidity. Age Ageing. 2013;42:62–9.

7. Academy of Medical Sciences. Multimorbidity: A priority for global research. London: AMS; 2018.

8. Sakellarides C, Escoval A, Barbosa P, Santos AI, Pedro AR, Miranda D. Health systems at the age of complexity - The need of collaborative intelligence. 2019 (in press).

9. Ham C. The 10-years plan: transformation holds the key to sustainability. The NHS 10-year plan/transformation holds the key to sustainability. The King’s Fund. [Acedido 2018 nov 10]. Disponível em: https://www.kingsfund.org.uk/blog/2018/07/nhs-10-year-plan-transformation-holds-key-sustainability

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O Segredo do Estudante de Medicina, a Sua Vinculação ao Dever de Sigilo e o Direito em Aceder e Reutilizar Informação de Saúde

Medical Student Secrecy, its Link to the Duty of Confidentiality and the Right to Access and Reuse Health Information

1. MEDCIDS - Department of Community Medicine, Health Information and Decision. Faculty of Medicine. University of Porto. Porto. Portugal. 2. Departament of Urology. University Hospital Center of São João. Porto. Portugal.3. CISPFEM - Department of Public Health and Forensic Sciences and Medical Education. Faculty of Medicine. University of Porto. Porto. Portugal. 4. President. Portuguese Medical Association. Lisbon. Portugal.5. President. School of Medicine. University of Minho. Braga. Portugal.6. Director. Clinical Academic Center (2CA). Braga. Portugal.7. Dean. Faculty of Medicine. University of Porto. Porto. Portugal.8. Coordinator. Council of Portuguese Medical Schools. Porto. Portugal. Autor correspondente: Rui Guimarães. [email protected]: 18 de junho de 2018 - Aceite: 30 de outubro de 2018 | Copyright © Ordem dos Médicos 2019

Rui GUIMARÃES1,2,3, Miguel GUIMARÃES2,4, Nuno SOUSA5,6, Amélia FERREIRA3,7,8

Acta Med Port 2019 Jan;32(1):11-13 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.10958

O acesso por parte de estudantes de medicina a infor-mação de saúde, a registos clínicos, na posse e à guarda legal e institucional das unidades de saúde, é uma neces-sidade óbvia que decorre intrinsecamente da sua condição de estudantes de medicina e cuja prática é tão antiga quan-to o ensino da medicina; o que mudou, foi o Mundo, e com ele o Direito. Muitos advogam, sobretudo nos Estados Unidos da América, que esta questão do acesso por parte de estudan-tes de medicina aos registos clínicos, surge com o advento da informática.1 Nada de mais errado. A questão do acesso

por parte de estudantes de medicina aos registos clínicos dos doentes não é uma questão informática. É uma questão jurídica. O que se trata, é de sabermos se o estudante, por ser estudante de medicina, tem ou não legitimidade para aceder a registos clínicos, independentemente do suporte onde esses registos residem ser papel ou digital. A questão de fundo, não é dar logins e passwords. A questão de fundo é sabermos se o nosso ordenamento jurídico tem (ou não), fundamentos que suportem e legitimem que a qualidade de se ser estudante de medicina é condição, qualidade, e função suficiente para enquadrar o acesso como um ato

RESUMOOs autores abordam o vazio legal que existe, no acesso, por parte de estudantes de medicina, aos registos clínicos, à informação de saúde, na posse e à guarda legal e institucional das unidades de saúde. Por outro lado, desenvolvem uma tese jurídica que configura a criação do segredo do estudante de medicina e a sua vinculação ao dever de sigilo, como pressupostos que fundamentam o direito do estudante de medicina em aceder e reutilizar informação de saúde. O estudante de medicina tem legitimidade para aceder a informa-ção de saúde, a registos clínicos, já que é inequívoco ser portador de uma necessidade informacional, legítima, constitucionalmente protegida e suficientemente relevante. Concluem, que o poder legislativo se associe às instituições, universitárias e hospitalares, instituindo, por diploma legal, o Segredo do Estudante de Medicina, a sua vinculação ao dever de sigilo e o direito do estudante de medicina em aceder e reutilizar informação de saúde. E deve fazê-lo, em diploma específico, nos precisos termos do texto aprovado, por unanimidade, pelo Conselho das Escolas Médicas Portuguesas, pelo Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médicas, pelo Conselho Nacional da Ordem dos Médicos e pelo Bastonário da referida Ordem.Palavras-chave: Acesso à Informação/legislação e jurisprudência; Educação de Graduação em Medicina; Estudantes de Medicina; Portugal; Registos Electrónicos de Saúde; Registos Médicos; Sigilo

ABSTRACTThe authors address the legal void that exists regarding medical student access to clinical records and health information that local healthcare organizations hold under legal and institutional custody. They develop a legal thesis that configures the creation of medical student professional secrecy and its connection with the duty of confidentiality as assumptions that underlie the medical student’s right to access and reuse health information. Medical students have the legitimacy to access health information and clinical records, as they bear an unequivocal informational, legitimate, constitutionally protected and sufficiently relevant need. They conclude that the legislature must work together with universities and hospital institutions to legally establish the concept of Medical Student Professional Secrecy, its link to the duty of confidentiality and the right of the medical student to access and reuse health information. Furthermore, it must do so in a specific legal act and in the precise terms of the text approved unanimously by the Council of Portuguese Medical Schools, by the National Council of Medical Ethics and Deontology, by the National Council of the Portuguese Medical Association and by its President.Keywords: Access to Information/legislation & jurisprudence; Confidentiality; Education, Medical, Undergraduate; Electronic Health Records; Medical Records; Portugal; Students, Medical

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legítimo, constitucionalmente protegido e suficientemen-te relevante, após ponderação no quadro do princípio da proporcionalidade e de todos os direitos fundamentais em presença.2

A visão instrumental que tem dominado este tema, colo-cando a tónica no plano da informática, limita a abordagem e desvia-nos das que são as verdadeiras questões: Como compatibilizar o direito à privacidade, ao sigilo e à confidencialidade de um doente, com a necessidade de um estudante de medicina ter acesso a registos clínicos como condição indispensável e inultrapassável à sua formação? Como compatibilizar o direito à privacidade, ao sigilo, e à confidencialidade de um doente com o direito de ser estu-dante de medicina e com o direito de ensinar medicina? Estamos a falar de direitos. E de Direito. Dos direitos dos doentes, do direito de aprender, do direito de ensinar e do direito de avaliar. Do direito de (re)utilizar registos clí-nicos para fins educativos ou de investigação e desenvol-vimento. Isto tudo converge para o superior interesse, que é o de ensinar estudantes para que um dia venham a ser médicos. Isto é uma equação em que todos beneficiam e uma previsão estatuída na lei. A condição de estudante de medicina é uma condição específica, peculiar e distinta, com necessidades informa-cionais específicas, legitimadas pelo direito de adquirirem conhecimentos clínicos e científicos inerentes à sua con-dição e qualidade de estudantes de medicina, cuja função é, fundamentalmente, estudarem as ciências biomédicas e estabelecer a sua interface com as ciências clínicas.3 Essa aprendizagem faz-se por diferentes e variadas formas, sen-do certo que o contacto com a intimidade dos doentes, não apenas é necessária, mas mais do que necessária, é im-prescindível. O ensino da medicina é um ensino diferente. O estu-dante de medicina é, assim, um estudante necessariamen-te diferente. O dever de sigilo que o vai acompanhar pela vida fora não tem início no seu primeiro dia como médico. Tem início no primeiro dia em que, enquanto estudante, contacta com um doente. Acresce que o dever de sigilo do médico não é maior nem menor que o dever de sigilo do estudante de medicina. De igual modo, não é menor ou maior o direito à confidencialidade do doente, relativamen-te ao estudante ou ao médico. Há sim, um mesmo dever de sigilo. Há sim, um mesmo direito à confidencialidade. E isto porque há apenas um direito à privacidade, constitucio-nalmente protegido, que obviamente não se altera, aumen-tando ou diminuindo o volume, em razão da qualidade de quem entra na esfera jurídica de outrem. Na verdade, há que reconhecer de forma expressa, pública e estatutária, o segredo do estudante de medici-na como precursor do segredo médico. Ambos constituem segredos e estão destinados a garantir a privacidade dos doentes, como as duas faces de uma moeda: de um lado, prima facie o direito à confidencialidade; do outro, o dever de sigilo. O segredo médico, tem, pois, um precursor, que é o segredo do estudante de medicina, e isto apresenta uma lógica e uma cronologia factual óbvias. Uma precede a ou-

tra. Têm os mesmos fundamentos jurídicos, porque visam a proteção do mesmo bem jurídico: a privacidade. Nenhum outro estudante, porque nenhuma outra profissão entra de tal forma na intimidade do Ser Humano, como o estudante de medicina, cuja aprendizagem - onde também o contac-to com os doentes é fundamental - fará dele um médico.4 Nesse período de aquisição de conhecimentos, sobretudo a partir do momento em que o estudante de medicina inicia o contacto pessoal e direto com os doentes, a aprendiza-gem passa também pelo acesso aos registos clínicos dos doentes, condição indispensável e inultrapassável do pro-cesso de aprendizagem.5

Acresce que a privacidade é um bem jurídico com pro-teção constitucional, quer entre nós, quer em todos os ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros da União Europeia, quer ainda, em documentos magnos do Parla-mento Europeu e do Conselho, onde a privacidade do Ser Humano está numa escala que só tem um bem que lhe é superior: o valor vida do Ser Humano. Aliás, a privacida-de é um bem jurídico colhido noutras latitudes jurídicas e geográficas fora da família romano-germânica dominante no espaço europeu, como é o caso dos Estados Unidos da América. Todavia, a forma como tais acessos se têm vindo a con-cretizar, sem o pertinente e necessário enquadramento le-gal, mereceu por parte do Conselho das Escolas Médicas Portuguesas uma reflexão intelectualmente séria, abran-gente, temperada pelo bom senso, e juridicamente assente no direito positivo, na doutrina e na jurisprudência (Apên-dice 1: https://www.actamedicaportuguesa.com/revista/in-dex.php/amp/article/view/10958/Apendice_01.pdf). Dessa reflexão foi possível concluir que a primeiríssima consideração que o acesso por parte de estudantes de me-dicina a informação de saúde, a registos clínicos, na posse e à guarda legal e institucional das unidades do sistema de saúde, nos merece, é que a substância da questão é eminentemente jurídica, isto é, trata-se de sabermos se há - e no caso de haver, qual é - o fundamento da legiti-midade jurídica de um estudante de medicina para aceder a um registo clínico (Parte I do Apêndice 2: https://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/10958/Apendice_02.pdf). O estudante de medicina, nesse âmbito, qualidade, e funções, de tudo o que ouvir, presenciar ou tiver acesso, direto ou indireto, e que se relacione com informação de saúde, com registos clínicos, independentemente da pes-soa estar viva ou já ter falecido, em nome da sua honra de estudante de medicina, e do direito à confidencialidade, à privacidade e ao sigilo dos doentes, de tudo guardará segredo, assumindo o segredo do estudante de medicina como um segredo precursor do segredo médico que o futu-ro lhe reserva, ocorrendo a sua vinculação jurídica ao dever de sigilo, na exata medida e termos que o segredo médi-co vincula o médico (Cf. Parte II do do Apêndice 2: https://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/10958/Apendice_02.pdf). O direito de acesso e (re)utilização da informação de

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saúde por estudantes de medicina e a legitimidade que consente e fundamenta o acesso de um estudante de me-dicina a registos clínicos, a informação de saúde, na pos-se e à guarda legal e institucional das unidades de saú-de, ocorre, imperativamente, no quadro da lei do acesso e (re)utilização (Cf. Parte III do do Apêndice 2: https://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/10958/Apendice_02.pdf), no respeito absoluto pelos direitos das pessoas singulares, e tem um duplo fundamen-to: Por um lado, num interesse pessoal, direto, legítimo, constitucionalmente protegido e suficientemente relevante, no quadro do princípio da proporcionalidade e de todos os direitos fundamentais em presença; e é pessoal e direto, porque tem impacto imediato na esfera jurídica do estudan-te de medicina. Por outro, a legitimidade também encontra fundamento num interesse em função da sua qualidade de estudante de medicina, que se traduz no cumprimento de incumbências académicas indispensáveis à sua formação universitária. Esse interesse está, por conseguinte, justificado pelo exer-cício da sua qualidade e função de estudante: a informação é necessária em razão do desempenho daquelas funções, para esse desempenho, e por causa desse desempenho. O estudante de medicina tem, assim, legitimidade para aceder a informação de saúde e a registos clínicos na pos-se e à guarda das unidades de saúde, já que é inequívoco ser portador de uma necessidade informacional legítima, constitucionalmente protegida, e suficientemente relevan-te. Todavia, trata-se de uma necessidade vinculada, quer ao princípio da proporcionalidade, quer a todos os direitos fundamentais em presença máxime aos direitos das pes-soas singulares, sendo a confidencialidade garantida pela vinculação jurídica do estudante ao dever de sigilo, em con-sequência do seu segredo de estudante de medicina.

CONCLUSÃO É urgente acabar com um vazio legal e pernicioso, porque é indutor de práticas não apoiadas em princípios

legais. O Conselho das Escolas Médicas Portuguesas to-mou a iniciativa, equacionou questões e apresentou solu-ções, no que é acompanhado pelo Bastonário da Ordem dos Médicos, pelo Conselho Nacional de Ética e Deonto-logia Médicas, e pelo Conselho Nacional da Ordem dos Médicos (Apêndice 1: https://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/10958/Apendi-ce_01.pdf). Na verdade, é imperativo prosseguir com as novas refe-rências na formação dos futuros médicos, (Cf. Parte IV do do Apêndice 2: https://www.actamedicaportuguesa.com/re-vista/index.php/amp/article/view/10958/Apendice_02.pdf) um novo tempo marcado por um paradigma de uma cultu-ra de responsabilização dos estudantes e das instituições, com novas competências – transversais e transformadoras - na educação e formação médica dos estudantes de medi-cina, futuros profissionais. Com a criação do segredo do estudante de medicina através da sua vinculação jurídica ao dever de sigilo, mo-mento inédito, promissor, pedagógico e prévio ao segredo médico de que virão a ser titulares, estão criados os pres-supostos que fundamentam e legitimam o acesso por parte dos estudantes de medicina aos registos clínicos na posse e à guarda legal e institucional das unidades de saúde.

Propostas 1. As instituições, quer hospitalares quer universitárias, devem criar condições, estabelecendo protocolos, para que o direito ocupe o seu espaço, regulando o acesso e (re)utilização dos estudantes de medicina aos registos clínicos, no quadro da Lei 26/2016, de 22 de agosto. 2. O poder legislativo, alicerçado numa ética da Res Publica, deve associar-se às instituições universitárias e hospitalares, instituindo, por diploma legal (Cf. Parte V do do Apêndice 2: https://www.actamedicaportuguesa.com/re-vista/index.php/amp/article/view/10958/Apendice_02.pdf), o segredo do estudante de medicina, a sua vinculação ao dever de sigilo e o direito do estudante de medicina em aceder e (re)utilizar informação de saúde.

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Refugee Resettlement I: Challenges for Mental Healthcare Services in Portugal

O Acolhimento de Refugiados I: Desafios aos Cuidados de Saúde Mental em Portugal

1. Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa. Lisboa. Portugal.2. Unidade de Saúde Familiar AlphaMouro. Agrupamento de Centros de Saúde de Sintra. Sintra. Portugal.3. Unidade de Saúde Familiar Monte da Luz. Agrupamento de Centros de Saúde de Sintra. Sintra. Portugal.4. Transcultural Research and Intervention Team (TRIT). Division of Social and Transcultural Psychiatry. McGill University. Montreal. Canada. Autor correspondente: Ana Neto. [email protected]úde.pt Recebido: 11 de janeiro de 2018 - Aceite: 10 de dezembro de 2018 | Copyright © Ordem dos Médicos 2019

Ana NETO1, Ana Gomes COSTA2, Ana Gomes MACHADO3, Dora CONCEIÇÃO1, Carla COUTINHO1, Cecile ROUSSEAU4

Acta Med Port 2019 Jan;32(1):14-16 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.10205

INTRODUCTION The present crisis in the Middle East has resulted in the greatest number of displaced people in recent history, and although some low and middle-income countries have bore the brunt of the responsibility in resettling the majority of refugees, Europe has faced the unprecedented effort of redistributing and resettling those who reach our shores. Portugal, although playing a minor role in this process, has received approximately 1500 refugees under the European resettlement program. On the healthcare and especially mental health front, this presents the challenge of providing adequate care to a very heterogeneous, culturally dynamic and vulnerable group of people during an important transition period.

Challenges during the resettlement period The relocation from Greece or Italy to another European country (often not one of their own choosing) following a period of forced migration, marked by the loss of family members, personal belongings, and economic means, and after dwelling in successive refugee camps, marks the beginning of the resettlement period. The resettlement program implicitly establishes some objectives for the first 18 months: learning the local language, becoming familiar with the culture, understanding the workings of local institutions and finding a job, so as to develop a means of subsistence and future independence. These objectives, along with re-establishing a sense of security and family unity constitute the main concern, often relegating healthcare needs to second place.1-3

These circumstances are further aggravated by their lack of knowledge on how to access services, and the stigma, cultural2 and linguistic barriers4 which may be encountered.3 Furthermore, these new challenges are often at odds with their individual abilities to cope with additional adversity; the regaining of hope and trust may be affected by local service providers and authorities being perceived as unfriendly.3

From the doctor’s perspective, the resettlement period carries other challenges: that of providing care during a period when effective health responses, especially mental health, are often dependent on addressing social needs. Realistically, without a strong social intermediary to guide this process locally, to provide housing, face-to-face translation services and community insertion that meets the goals of these individuals, a structured and productive clinical exchange is hard to establish in mental health. This period also carries the challenge of providing health care in the context of multiple concerns, narratives and expectations, which often requires a level of sensitivity and cultural competence in the clinical relationship, rarely addressed in medical training.5,6 In this scenario, it is both important to understand the refugee’s unique experience of suffering and resilience, and to promote a balance between one´s clinical objectives, the concerns raised by the individual and the social and cultural implications both may imply.7

Lastly, there is the challenge of transposing effective healthcare measures and interventions in light of limited resources available, namely that of well-trained mental health teams, but also in terms of time available for patient contact and contact with social partners. This reflects the sensitivity and relevance of this issue in the context of the Portuguese mental health care model.

Mental Health and psychiatric care The cumulative effect of traumatic experiences that a refugee is subjected to throughout the migratory process3

may cause social and psychological distress, and sometimes can be associated with common psychiatric disorders, in particular stress related disorders, Post-Traumatic Stress Disorder (PTSD) but also Complex PTSD, as well as other anxiety and depressive disorders1,2,7 and, to a lesser extent, psychoses and substance abuse disorders.

Keywords: Mental Health Services; Mental Disorders; Portugal; Refugees; Stress, Psychological Palavras-chave: Perturbações Mentais; Portugal; Refugiados; Serviços de Saúde Mental; Stress Psicológico

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However, recent data indicates that about one quarter of this population is not receiving the mental health care it needs,4

which reflects the difficulty in accessing mental health care. Special attention has been given to the impact that post-migratory stressors and socioeconomic determinants have on increasing symptoms of psychological distress and mental illness during the resettlement period, which tend to progressively decrease over time.2,8,9 Therefore, it is imperative to provide access to both effective and culturally adapted psychiatric care and to programs that promote resilience and mental health during this unique window of opportunity.1,2,7

PAIR.Me - A local Mental Health project Through a partnership with Sintra city hall, a multidisciplinary team at the Lisbon Psychiatric Hospital Center, with previous field experience, developed a mental health project to support the refugee resettlement process in the Sintra municipality. In this project (Fig. 1) the refugee perspective was valued, adapting international recommendations supported by clinical evidence1-3,7,9,10 to the needs previously identified through collaboration with local partners (primary care centers and city hall) and institutions such as the Portuguese Center for Refugees and the Portuguese Refugee Association. This process suggested the following actions:1. Providing a walk-in mental health clinic, for family

or individual consultations, which ensures follow-up whenever necessary. This intervention follows the transcultural model that favours the cultural construction of the problem (idioms of distress) and a personal narrative (explanatory models), while contemplating the complexity of the translation and the multidisciplinary of the clinical encounter and the psychiatric diagnosis. The ongoing migratory experience, the negotiation of family roles and of values and culture are frequently explored aspects.

2. Consulting with professionals and institutions, the primary focus being the discussion of cases where the cultural or mental health dimension is a challenge. Efforts are made to mediate between the different actors and relationships at play, as well as direct support given to professionals, given the risk of burnout.

3. Training for Primary Care professionals in partnership with the local primary care management organization (ACES Sintra). A workshop was given on cultural, clinical and mental health skills for all health care professionals of ACES Sintra. Emphasis was placed on the strategies to minimize obstacles in accessing health care, how to work with a translator, and how to manage the most common health and mental health problems in this population.

4. Special attention was given to a particular need: that of a neutral space without institutional connections, which

PAIR.Me

Figure 1 – PAIR.Me structure

axis 1

axis 2axis 3

Informal welcoming and care space

Individual or familyclinical evaluation

Training

Intervention assessment and documentation

Structural and technical problem identification

Communityintervention

Consulting

1

2

3

4

5

7

6Refugees’

hosting services

Transdisciplinar discussion and

reflection

Specialised mental health

care

Non-clinical community

partners

Comprehensive diagnostic formulation

Critical reflection upon developed workInternal education and trainingTechnical proposals development

Primary healthcare

Sintra City Hall

PAIR

Lisbon Psychiatric

Hospital Center

CINTRA

Cultural

ClinicalSocial

PAIR.Me - Plano de Acolhimento e Integração de Refuigiados - Saúde Mental, following Sintra PAIR

Neto A, et al. Refugee resettlement I: challenges for mental healthcare services in Portugal, Acta Med Port 2019 Jan;32(1):14-16

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in conjunction with a cultural mediator and a translator, would form a bridge between the local community and the refugees. This place would function symbolically as a place of belonging, where they could have a greater sense of autonomy in rebuilding their lives, and actively participate in the resettlement process, particularly relevant at a time when they are most dependent on host institutions. It would also be a privileged space to develop psychosocial interventions that promote mental health.10

Ongoing challenges Finally, two particular aspects require a careful reflection. First, how to balance the proximity versus the independence of mental health teams, with the host institutions implicated in the partnership. This is particularly important if these provide fundamental resources such as translators, a

setting for the interventions and social support, which if lost, may provoke discontinuity in refugees’ access to services. Second, given the uncertain future of refugee relocations programs, anticipating the needs that might arise and the strategies that mental health services should adopt at the end of this 18-month period remains very difficult.

ACKNOWLEDGEMENTS Marco Duarte, Miguel Nogueira, Beatriz Lourenço, José Oliveira and Mafalda Mendes for their support and collaboration.

CONFLICTS OF INTEREST All authors report no conflict of interest. PAIR.Me received no specific grant from any funding agency.

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Neto A, et al. Refugee resettlement I: challenges for mental healthcare services in Portugal, Acta Med Port 2019 Jan;32(1):14-16

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RESUMOIntrodução: O uso da terapêutica com perfusão subcutânea contínua de insulina na diabetes mellitus tipo 1 é cada vez mais frequente devido aos seus efeitos benéficos no controlo glicémico e na flexibilidade do estilo de vida. Constituiu objetivo deste estudo avaliar o impacto da terapêutica com perfusão subcutânea contínua de insulina no controlo glicémico, índice de massa corporal, dose diária total de insulina e complicações desta modalidade terapêutica durante vinte anos de experiência no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.Material e Métodos: Estudo retrospetivo que inclui doentes com diabetes mellitus tipo 1 seguidos no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, que iniciaram terapêutica com perfusão subcutânea contínua de insulina até 2005 e com pelo menos 10 anos de tratamento com terapêutica com perfusão subcutânea contínua de insulina. Avaliou-se a hemoglobina glicada A1c, o índice de massa corporal e a dose diária total de insulina imediatamente antes e seis meses, um ano, cinco, 10, 15 e 20 anos após terapêutica com perfusão subcutânea contínua de insulina a partir dos registos médicos. Avaliou-se ainda a frequência de complicações agudas associadas a este tipo de terapêutica.Resultados: Obtiveram-se dados de 20 doentes (sete homens; 13 mulheres) com duração média de doença até início da terapêutica com perfusão subcutânea contínua de insulina de 16,1 ± 7,9 anos, idade média de início de terapêutica com perfusão subcutânea contínua de insulina de 31,1 ± 8,4 anos e seguimento durante 13,2 ± 2,3 anos. As indicações para colocação de bomba foram: inadequado controlo metabólico em 15 doentes, história de hipoglicemias assintomáticas ou severas em quatro doentes, e gravidez/planeamento de gravidez em um doente. A mediana de hemoglobina glicada A1c prévia foi 9,3% (6,5 - 16,0) tendo diminuído aos seis meses para o valor mínimo de 7,2% (5,3 - 9,8); p < 0,0125. A redução da hemoglobina glicada A1c manteve-se estatisticamente significativa nos primeiros 10 anos de seguimento. Verificou-se uma diferença estatisticamente significativa na variação do índice de massa corporal após 10 anos de seguimento comparativamente com o valor prévio à terapêutica com perfusão subcutânea contínua de insulina; 24,7kg/m2 (18,9 - 31,8) vs 25,5 kg/m2 (18,9 - 38,9), p < 0,0125. As necessidades diárias de insulina foram reduzidas de 56,5 U (32,0 - 94,0) para 43,8 U (33,0 - 64,0) (p < 0,0125) nos primeiros seis meses e não se encontraram diferenças estatísticas no restante seguimento relativamente às necessidades prévias à terapêutica com perfusão subcutânea contínua de insulina. Verificaram-se duas hipoglicemias severas (incidência 0,0095/doente/ano), cinco cetoacidoses diabéticas (0,0238/doente/ano) e nenhuma infeção no local de inserção do cateter.Discussão: Este estudo demonstrou a eficácia da terapêutica com perfusão subcutânea contínua de insulina, que está associada a uma diminuição significativa da hemoglobina glicada A1c sustentada durante 10 anos e a uma redução da dose diária total de insulina, significativa nos primeiros seis meses. A taxa de complicações agudas foi baixa.Conclusão: A evidência sugere que a terapêutica com perfusão subcutânea contínua de insulina é efetivamente vantajosa no controlo metabólico em doentes com diabetes mellitus tipo 1 selecionados.Palavras-chave: Diabetes Mellitus Tipo 1; Hemoglobina Glicada A1c; Infusões Subcutâneas; Insulina; Sistemas de Perfusão de Insulina

Impacto do Uso Prolongado da Terapêutica Subcutânea Contínua com Insulina no Controlo da Diabetes Mellitus Tipo 1

The Impact of Prolonged Use of Continuous Subcutaneous Insulin Infusion in the Control of Type-1 Diabetes

1. Faculdade de Medicina. Universidade de Coimbra. Coimbra. Portugal.2. Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo. Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Coimbra. Portugal.3. Laboratório de Bioestatística e Informática Médica. Instituto Biomédico de Investigação da Luz e da Imagem. Coimbra. Portugal. Autor correspondente: Sérgio Azevedo. [email protected]: 11 de maio de 2018 - Aceite: 31 de outubro de 2018 | Copyright © Ordem dos Médicos 2019

Sérgio AZEVEDO1, Joana SARAIVA1,2, Francisco CARAMELO1,3, Lúcia FADIGA2, Luísa BARROS2, Carla BAPTISTA2, Miguel MELO1,2, Leonor GOMES1,2, Francisco CARRILHO2

Acta Med Port 2019 Jan;32(1):17-24 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.10778

ABSTRACTIntroduction: The use of continuous subcutaneous insulin infusion therapy in type 1 diabetes mellitus has increased due to its benefits on glycemic control and on the lifestyle flexibility. The aim of this study was to assess the impact of continuous subcutaneous insulin infusion therapy on glycemic control, body mass index, total daily dose of insulin and complications associated with this therapy, during 20 years of experience in Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.Material and Methods: This retrospective study included patients with type 1 diabetes mellitus who started continuous subcutaneous insulin infusion therapy up until 2005, followed at Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Glycated hemoglobin A1c, body mass index, total daily dose of insulin and acute complications associated with continuous subcutaneous insulin infusion therapy were evaluated immediately prior to initiation of continuous subcutaneous insulin infusion therapy with follow-up at six months, one year, five, 10, 15 and 20 years. The frequency of acute complications associated with this type of therapy was also evaluated.Results: This study included 20 patients (seven males, 13 females) with mean disease duration up to the start of continuous subcutaneous insulin infusion therapy of 16.1 ± 7.9 years, mean age of onset of continuous subcutaneous insulin infusion therapy of 31.1 ± 8.4 years and follow-up during 13.2 ± 2.3 years. The reasons for initiating pump therapy were: inadequate metabolic control in 15 patients, history of asymptomatic or severe hypoglycemia in four patients, and pregnancy/pregnancy planning in one patient. The

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Azevedo S, et al. Impacto do uso prolongado da terapêutica subcutânea contínua com insulina e DM Tipo 1, Acta Med Port 2019 Jan;32(1):17-24

INTRODUÇÃO A diabetes mellitus (DM) é um conjunto de distúrbios no metabolismo caracterizado por hiperglicemia resultante de um défice de secreção de insulina, resistência à ação da insulina ou ambos.1 Como consequência da hiperglicemia crónica poderão surgir complicações microvasculares e macrovasculares. Nos doentes com diabetes mellitus tipo 1 (DM1), diversos estudos mostram que um tratamento intensivo, de forma a manter níveis glicémicos próximos da normalidade, reduz o risco de complicações a longo prazo.2,3 De forma a obter um controlo glicémico otimizado, é necessário recorrer a uma terapêutica de substituição que mimetize o perfil de produção de insulina de um indivíduo sem diabetes. A in-sulinoterapia com múltiplas administrações diárias (MAD) e a terapêutica de perfusão subcutânea contínua de insulina (PSCI) constituem duas opções eficazes.4

A terapêutica através de PSCI, também conhecida como bomba infusora de insulina (BII), foi introduzida há quase meio século tendo evoluído desde então. As pri-meiras bombas infusoras de insulina eram máquinas volu-mosas utilizadas apenas para fins de investigação. Desde então as capacidades tecnológicas destes sistemas evoluí-ram drasticamente e atualmente o tamanho de uma bomba infusora de insulina não ultrapassa o de um telemóvel.5 O sistema de infusão é constituído por uma bomba eletro-mecânica portátil que contém um reservatório de insulina preenchido com análogo de insulina de ação rápida. A in-sulina é difundida através de um cateter chegando ao teci-do celular subcutâneo por uma cânula aí implantada. Este sistema permite a perfusão subcutânea de insulina com um débito basal contínuo pré-definido nas 24 horas e bólus ati-vados pelo doente às refeições ou sempre que as glicémias o justificarem.6

A Direção Geral de Saúde7 definiu que uma pessoa com diabetes, para se tornar elegível para tratamento através de PSCI, deverá possuir motivação e prática de auto mo-nitorização da glicémia capilar, competência na sua utiliza-ção de forma satisfatória e possuir requisitos específicos, os quais são enumerados na Tabela 1. No que diz respeito à eficácia da PSCI, a maioria dos estudos existentes são comparações diretas das MAD com a PSCI. Na revisão de Pozzilli et al,8 que reúne o resulta-do de múltiplas meta-análises e revisões sistemáticas, foi relatado uma superioridade da PSCI na redução da hemo-globina glicada A1c (HbA1c) tanto em adultos (com redu-ção da HbA1c de 0,29%) como em crianças (redução de 0,22% da HbA1c) com DM1. Além da melhoria do controlo glicémico após introdução da PSCI, que é mais marcado em indivíduos com pior controlo glicémico prévio, verificou--se uma necessidade menor das doses diárias de insulina comparativamente com as MAD. Atualmente é largamen-te recomendado o uso da PSCI em doentes selecionados com DM1.8 São poucos os estudos que avaliam a eficácia da te-rapêutica com PSCI no controlo glicémico a longo-prazo. Alguns estudos demonstram uma redução significativa da HbA1c até 10 anos após início da terapêutica com PSCI.9-12 Estudos portugueses, com uma duração máxima de cinco anos, revelam uma melhoria do controlo glicémico, espe-cialmente nos primeiros seis meses de terapêutica. Após os seis meses, o comportamento da HbA1c é variável, com estudos a reportar uma redução significativa durante todo o seguimento4,13,14 e outros em que esta redução significativa a longo-prazo não se verifica.15,16

Relativamente às complicações agudas associadas à terapêutica com PSCI, o estudo DCCT mostrou um risco

previous median of glycated hemoglobin A1c was 9.3% (6.5 – 16.0) and, at six months, decreased to the minimum value of 7.2% (5.3 – 9.8); p < 0.0125. The reduction of glycated hemoglobin A1c remained statistically significant in the first 10 years of follow-up. There was a statistically significant difference in the body mass index variation at 10 years with continuous subcutaneous insulin infusion therapy compared to previous body mass index; 24.7 kg/m2 (18.9 – 31.8) vs 25,5 kg/m2 (18.9 – 38.9), p < 0.0125. Daily insulin requirements were reduced from 56.5 U (32.0 – 94.0) to 43.8 U (33.0 – 64.0) (p < 0.0125) at six months and no statistical differences were found in the remaining follow-up. There were two severe episodes of hypoglycemia (incidence 0.0095/patient/year), five episodes of diabetic ketoacidosis (0.0238/patient/year) and no infections at the site of catheter insertion.Discussion: This study shows that continuous subcutaneous insulin infusion therapy improved glycemic control, especially during the first 10 years of follow-up and allowed a significant decrease in total daily dose of insulin in the first six months. The rate of acute complications was low.Conclusion: Treatment with continuous subcutaneous insulin infusion therapy seems effective in achieving metabolic control in selected patients with type 1 diabetes mellitus.Keywords: Diabetes Mellitus, Type 1; Glycated Hemoglobin A; Infusions, Subcutaneous; Insulin Infusion Systems; Insulin

Tabela 1 – Elegibilidade dos doentes para tratamento com PSCI

Pelo menos um dos seguintes requisitos: 1. Controlo metabólico não aceitável a fazer insulinoterapia intensiva com múltiplas administrações de insulina (pelo menos 4 administrações/dia) incluindo insulina glargina ou outra com idêntico perfil farmacocinético, definido como: a. HbA1c > 7%; b. Fenómeno do alvorecer com níveis de glicémia > 140 - 160 mg/dL; c. Acentuada variabilidade diária nos níveis de glicemia. 2. História de hipoglicemia sem pródromos ou hipoglicemias severas frequentes 3. Necessidade de flexibilidade no estilo de vida 4. Gravidez (ou planeamento da gravidez) 5. Necessidade de pequenas doses de insulina

Adaptado de: Direção Geral de Saúde. Circular normativa nº17/DSCS/DGDID. 2008

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Azevedo S, et al. Impacto do uso prolongado da terapêutica subcutânea contínua com insulina e DM Tipo 1, Acta Med Port 2019 Jan;32(1):17-24

aumentado de hipoglicemia como consequência do trata-mento da DM1 com insulinoterapia intensiva.2 Alguns es-tudos mais recentes mostram uma menor frequência de hipoglicémia severa em doentes que passaram de terapêu-tica com MAD para PSCI.13,17,18 Em termos de cetoacidose diabética, os primeiros estudos reportaram um aumento da sua frequência com a utilização de PSCI.5 Isto seria devido ao funcionamento errático da bomba perfusora de insulina e inadequada educação tanto do doente como dos profis-sionais de saúde.5 Estudos mais recentes, que comparam as MAD com a PSCI, mostram que a frequência desta complicação na PSCI é semelhante ou inferior comparati-vamente às MAD.6 Com este estudo pretende-se avaliar o impacto da uti-lização da PSCI a longo prazo no controlo glicémico, índi-ce de massa corporal (IMC), dose diária total de insulina (DDTI) e frequência de complicações relacionados com este tipo de tratamento, nomeadamente hipoglicemia seve-ra, cetoacidose diabética e infeções recorrentes no local de inserção do cateter.

MATERIAL E MÉTODOS Trata-se de um estudo retrospetivo e observacional que pretendeu avaliar a evolução do controlo glicémico, IMC e DDTI após o início da terapêutica com PSCI. Foram incluídos os doentes com DM1 que iniciaram te-rapêutica com PSCI até dezembro de 2005 no Centro Hos-pitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), tendo estado anteriormente sob terapêutica com MAD. Foram excluídos os casos que não cumpriam pelo menos 10 anos de segui-mento em consulta externa no Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do CHUC bem como aqueles que tinham iniciado terapêutica com PSCI antes dos 18 anos de idade. Avaliou-se a HbA1c, o IMC e a DDTI imediatamente an-tes do início da terapêutica com PSCI e seis meses, um ano, cinco, 10, 15 e 20 anos após PSCI a partir dos registos médicos das consultas de acompanhamento no CHUC. Relativamente à frequência de complicações agudas, foi avaliada a ocorrência de cetoacidose diabética, hipogli-cemia severa e infeção do local de inserção do cateter após início da terapêutica. Para tal, foi considerado como um episódio de cetoacidose diabética todas as situações em que o doente se apresentava com glicemia superior a 250 mg/dL e associadamente bicarbonato sérico < 15 mEq/L ou pH < 7,3 e cetonemia ou cetonúria necessitando de cuida-dos de saúde urgentes. Hipoglicémia severa foi conside-

rada sempre que existiu um episódio com sintomatologia característica de hipoglicemia requerendo necessidade de assistência por outra pessoa para a sua reversão, de pre-ferência acompanhado por uma glicemia confirmada < 50 mg/dL. A análise estatística foi realizada recorrendo ao soft-ware Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22. A análise estatística consistiu na comparação das variáveis HbA1c, IMC e DDTI ao fim de seis meses, um ano, cinco anos e 10 anos com o valor pré-PSCI (0). O período correspondente a 15 anos de seguimento foi ex-cluído do tratamento inferencial de dados devido ao valor reduzido do tamanho da amostra (n = 4). Para compara-ção das variáveis emparelhadas foi utilizado o teste não paramétrico de Wilcoxon. Foi aplicada a correção de Bon-ferroni de forma a diminuir o erro associado a múltiplas comparações. Este método de correção define um nível de significância a considerar em cada comparação de acordo com o número de comparações efetuadas no total. Consi-derando um intervalo de confiança de 95% e aplicando a correção de Bonferroni, sendo que para cada variável exis-tirão quatro comparações efetuadas no total, um teste é estatisticamente significativo se p < 0,0125. Os resultados são apresentados como mediana (mínimo - máximo) para variáveis contínuas e como frequência absoluta (relativa, %) para variáveis categóricas.

RESULTADOS A amostra incluiu 20 doentes com idades compreendi-das entre os 31 e os 61 anos, sete (35%) do sexo mas-culino e 13 (65%) do sexo feminino, cujas características clínicas estão presentes na Tabela 2. A principal indicação para início da terapêutica com PSCI foi controlo metabólico não aceitável em 15 (75%) doentes. Em quatro (20%) dos doentes optou-se por este método terapêutico devido a história de hipoglicemia sem pródromos ou hipoglicemias severas frequentes e uma (5%) doente devido a gravidez (ou planeamento de gravi-dez). A Fig. 1 representa a evolução do valor de HbA1c da amostra, através de diagramas de extremos e quartis. A HbA1c prévia à colocação da PSCI era de 9,3% (6,5 - 16,0) tendo diminuído para 7,2% (5,3 - 9,8) após seis meses de terapêutica; p < 0,0125. Ao fim de um ano a HbA1c era de 7,6% (5,4 - 8,9) (p < 0,0125) e aos cinco anos a HbA1c foi de 7,6% (6,1 - 9,0) (p < 0,0125). Esta redução manteve-se estatisticamente significativa aos 10 anos de seguimento;

Tabela 2 – Caracterização da amostra

M ± DP Mín. Máx.

Idade (anos) 44,3 ± 8,7 31,0 61,0

Idade de diagnóstico (anos) 15,0 ± 9,9 1,0 37,0

Duração da diabetes até colocação de PSCI (anos) 16,1 ± 7,9 4,0 32,0

Idade de colocação de PSCI (anos) 31,1 ± 8,4 18,0 48,0

Duração da terapêutica com PSCI (anos) 13,2 ± 2,3 12,0 21,0M ± DP: média ± desvio-padrão; Mín.: mínimo; Máx.: máximo

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Azevedo S, et al. Impacto do uso prolongado da terapêutica subcutânea contínua com insulina e DM Tipo 1, Acta Med Port 2019 Jan;32(1):17-24

7,3% (6,0 - 8,9), p < 0,0125. Aos 15 anos o tamanho da amostra foi reduzido (n = 4), apresentando um valor de HbA1c de 7,5% (6,9 - 8,5). O primeiro sistema de PSCI a ser aplicado na nossa instituição foi há mais de 20 anos. A HbA1c prévia do doen-te em questão era de 16,0%, verificando-se uma redução marcada da HbA1c após implementação da PSCI, com uma HbA1c aos seis meses de 8,9% e um valor mínimo de HbA1c de 8,0% ao fim do primeiro ano. Nos anos consecu-tivos verifica-se uma ligeira variação da HbA1c atingindo, ao fim de 20 anos de terapêutica com PSCI, uma HbA1c de 9,0% (Fig. 2). A Fig. 3 representa a variação do IMC ao longo do se-guimento. O IMC antes do início de PSCI era de 24,7 kg/m2 (18,9 - 31,8) observando-se um aumento nos primeiros seis meses para 27,8 kg/m2 (23,3 - 33,3); p = 0,3743. Ao fim do primeiro ano após início de PSCI, observou-se um IMC de 24,2 kg/m2 (19,4 - 36,7); p = 0,1823. Aos cinco anos a va-riação do IMC relativamente ao valor prévio continua sem atingir significado estatístico; 24,9 kg/m2 (18,6 - 38,1), p = 0,0159. Regista-se apenas uma diferença significativa do IMC aos 10 anos de seguimento comparativamente ao IMC antes da implementação de PSCI; 25,5 kg/m2 (18,9 - 38,9), p < 0,0125. O tamanho da amostra foi muito reduzido aos 15 anos de seguimento (n = 4), obtendo-se um IMC de 25,8 kg/m2 (23,1 - 34,2). O IMC do indivíduo com 20 anos de seguimento previamente à PSCI era de 24,7 kg/m2 tendo

atingido um IMC máximo após seis meses de terapêutica com PSCI de 28,4 kg/m2 e um IMC mínimo de 24,2 kg/m2 após 20 anos sob terapêutica com PSCI. A Fig. 4 ilustra a evolução da DDTI após instituição da terapêutica com PSCI. A DDTI foi reduzida significativa-mente nos primeiros seis meses de terapêutica com PSCI relativamente à DDTI prévia; 56,5U (32,0 - 94,0) vs 43,8U (33,0 - 64,0), p < 0,0125. Apesar da DDTI se manter sem-pre em doses inferiores comparativamente com as neces-sidades diárias de insulina pré-PSCI, não se verificaram di-ferenças estatisticamente significativas durante o restante seguimento. No que diz respeito às complicações, no período de 20 anos, verificou-se a existência de dois episódios de hipo-glicemia severa (0,0095 episódios/doente/ano) e cinco epi-sódios de cetoacidose diabética (0,0238 episódios/doente/ano). Não foi detetada nenhuma situação de infeção recor-rente do local de inserção do cateter, com necessidade de antibiótico.

DISCUSSÃO Tal como demonstram os resultados, o presente estu-do obteve uma redução significativa da HbA1c nos primei-ros 10 anos de terapêutica com PSCI. A maior redução da HbA1c ocorreu nos primeiros seis meses de terapêutica (2,1%; p < 0,0125), sendo superior à calculada noutros estudos semelhantes a este (cerca de 1,35%).4,13 Dos 20

Figura 1 – Boxplots - Evolução da HbA1c. Estatisticamente significativo se p < 0,0125. HbA1c: hemoglobina glicada A1c; M: meses; A: anos

HbA

1c (%

)

5,0

7,0

0n = 20

6Mn = 20

p < 0,0125

p < 0,0125 p < 0,0125 p < 0,0125

1An = 20

5An = 20

10An = 20

15An = 4

9,09,3

7,27,6 7,6

7,3 7,5

11,0

13,0

15,0

17,0

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Figura 2 – Evolução da HbA1c do caso com 20 anos de PSCI (n = 1)PSCI: perfusão subcutânea contínua de insulina; M: meses; A: anos

HbA

1c (%

)

6,0

8,0

0 6M 1A 5A 10A 15A 20A

10,0

16,0

8,9

8,0

8,38,7

8,5

9,0

12,0

14,0

16,0

18,0

Figura 3 – Boxplots – Evolução do IMC. Estatisticamente significativo se p < 0,0125. IMC: índice de massa corporal: M: meses; A: anos

IMC

(kg/

m2 )

18,0

0n = 14

6Mn = 11

p = 0,3743

p = 0,1823p = 0,0159

p < 0,0125

1An = 13

5An = 17

10An = 18

15An = 4

23,0

24,7

27,8

24,224,9

25,5 25,8

28,0

33,0

38,0

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doentes, 15 (75%) iniciaram terapêutica com PSCI devido a controlo metabólico não aceitável. Está demonstrado que doentes com pior controlo metabólico prévio beneficiam de uma maior redução da HbA1c após introdução de PSCI.18-

20 Após seis meses de terapêutica com PSCI verificou-se uma ligeira subida da HbA1c atingindo um máximo de 7,6% ao fim do primeiro e quinto anos de seguimento. Ou-tros estudos reportaram uma tendência para aumento da HbA1c após os primeiros seis meses de terapêutica com PSCI.4,13,15,16 A perda de empenho e motivação à medida que o fator ‘novidade’ do sistema de perfusão se desva-nece com o tempo, poderá justificar um agravamento do controlo glicémico a longo-prazo. A evolução da doença e o método de acompanhamento destes doentes, com um menor número de consultas/ano, também poderão ter tido impacto no controlo da glicemia relacionando-se com um pior controlo metabólico. Após 10 anos de seguimento há uma redução signifi-cativa do tamanho da amostra (n = 4 aos 15 anos e n = 1 aos 20 anos), impossibilitando uma análise estatística consistente neste período. O doente com maior tempo de acompanhamento na nossa instituição teve uma redução da HbA1c de 16% para 9% ao fim de 20 anos de terapêu-tica com PSCI (Fig. 2). Qualquer redução da HbA1c obser-vada nestes doentes é de extrema importância visto que uma pequena redução implica uma diminuição do risco de desenvolvimento de complicações, principalmente micro-

Azevedo S, et al. Impacto do uso prolongado da terapêutica subcutânea contínua com insulina e DM Tipo 1, Acta Med Port 2019 Jan;32(1):17-24

vasculares, associadas à diabetes.2,3

Uma das preocupações da insulinoterapia intensiva é o aumento do peso.21 O presente estudo avaliou a varia-ção do IMC que se relaciona diretamente com a variação do peso. Verificou-se um aumento do IMC, especialmente nos primeiros seis meses, atingindo, no entanto, significa-do estatístico apenas aos 10 anos após PSCI; 24,7 kg/m2 (18,9 - 31,8) vs 25,5 kg/m2 (18,9 - 38,9), p < 0,0125. Estes resultados são diferentes dos reportados noutros estudos que evidenciam uma ligeira diminuição do peso, apesar de não terem obtido diferenças estatisticamente significa-tivas.4,13 Nos restantes períodos a curva do IMC é muito variável com períodos de subida e descida, sem qualquer variação significativa. O aumento do IMC ao longo do se-guimento encontrado no nosso estudo poderá estar rela-cionado com o deficiente controlo glicémico que os doen-tes apresentavam quando iniciaram PSCI. Uma vez que na nossa amostra quinze (75%) dos doentes iniciaram PSCI por hiperglicemia persistente, é possível que a melhoria do controlo glicémico verificado possa ter provocado um maior aumento de peso do que o verificado noutras séries em que o valor médio de HbA1c à entrada estava mais próximo do objetivo, traduzindo-se num aumento do IMC.4,14,16

Relativamente à DDTI, verificou-se uma redução sig-nificativa nos primeiros seis meses de seguimento; 56,5U (32,0 - 94,0) vs 43,8U (33,0 - 64,0), p < 0,0125. Nos restan-tes períodos o mesmo não aconteceu, no entanto importa

Figura 4 – Boxplots - Evolução da DDTI. Estatisticamente significativo se p < 0,0125. DDTI: dose diária total de insulina; M: meses; A: anos

DD

TI (U

)

24,0

34,0

44,0

54,0

64,0

74,0

84,0

94,0

104,0

114,0

0n = 19

6Mn = 9

p < 0,0125 p = 0,0277

p = 0,2053

p = 0,1235

1An = 6

5An = 8

10An = 8

15An = 4

56,5

43,8 42,9

48,245,0

40,9

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referir que em nenhum momento a DDTI supera o valor prévio à PSCI. Estes dados são consistentes com outros estudos.4,8,13 O perfil de absorção da insulina com a PSCI pode justificar a diminuição das necessidades diárias de insulina visto que este sistema permite uma absorção mais fisiológica e um ajuste mais preciso do débito de insulina basal nas 24 horas.4,13

Sobre as complicações agudas associadas à terapêuti-ca com PSCI, este estudo confirma a existência de frequên-cia reduzida de cetoacidose e hipoglicemia severa com PSCI, observada também em outros estudos.13,17 Karges et al22 referem que o uso de análogos de insulina de ação rápida com a PSCI permite uma maior flexibilidade terapêu-tica com menor variabilidade glicémica, levando a menores taxas de complicações agudas e a longo-prazo, incluindo hipoglicemia. A redução do risco de cetoacidose diabética com PSCI foi associado a uma auto- monitorização da gli-cemia mais frequente.22 A maioria dos estudos mostra que, com educação e prática no uso do sistema de perfusão, a frequência de cetoacidose é similar tanto na PSCI como na MAD.13 Importa referir que a taxa de complicações, nomea-damente de hipoglicémia severa, observadas no presente estudo, podem estar subvalorizadas devido à possibilidade de ausência de registos relativos a esta informação. As limitações deste estudo prendem-se essencialmente com o facto de se tratar de um estudo retrospetivo. A ob-tenção de dados relativamente ao IMC e DDTI foi limitada, o que levou a uma redução da capacidade de inferência estatística nestas variáveis. Por se tratar de uma tecnologia relativamente recente, são poucos os doentes com DM1 a serem tratados com PSCI há mais de 10 anos. Isto limita a análise estatística, não impedindo, no entanto, uma análise descritiva do comportamento de doentes reais a beneficia-

rem desta terapêutica a longo prazo. Apesar das limitações, este estudo reflete a prática clí-nica diária de uma população heterogénea com DM1 a usu-fruir de terapêutica com PSCI.

CONCLUSÃO A evidência sugere que a terapêutica com PSCI é efeti-vamente vantajosa no controlo metabólico em doentes com DM1 selecionados. No nosso estudo foi possível confirmar que o efeito benéfico da PSCI pode ser sustentado por lon-gos períodos de tempo, com um baixo risco de complica-ções agudas associadas. Esta forma de tratamento poderá, no futuro, ser considerada como tratamento de primeira li-nha em pessoas com DM1.

PROTECÇÃO DE PESSOAS E ANIMAIS Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

CONFIDENCIALIDADE DOS DADOS Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação de dados.

CONFLITOS DE INTERESSE Os autores declaram não terem qualquer conflito de in-teresse relativamente ao presente artigo.

FONTES DE FINANCIAMENTO Os autores declaram não ter recebido subsídios ou bol-sas para a elaboração do artigo.

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RESUMOIntrodução: As técnicas de procriação medicamente assistida em ciclo natural têm sido investigadas, sobretudo em mulheres com má resposta à estimulação ovárica convencional, observando-se melhor recetividade endometrial, custo inferior e possibilidade de reali-zação de ciclos sucessivos. Como desvantagens salientam-se: menor eficácia por ciclo de tratamento e maior taxa de cancelamento. O objetivo definido para este trabalho foi determinar a taxa de gravidez evolutiva em mulheres inférteis, submetidas a procriação medicamente assistida em ciclo natural.Material e Métodos: Estudo retrospetivo de 149 ciclos de procriação medicamente assistida sem estimulação ovárica de 50 mulheres inférteis, entre janeiro de 2011 e outubro de 2014. Resultados: As mulheres submetidas a procriação medicamente assistida em ciclo natural tinham, em média, 36,1 anos. Aproximada-mente metade (46,0%) dos ciclos realizaram-se em más respondedoras. No dia do desencadeamento da ovulação o diâmetro médio do folículo foi 17,5 mm. Cancelaram-se 23 ciclos (15,4%) previamente ao desencadeamento. Em 8 ciclos (5,3%) ocorreu ovulação entre o desencadeamento e a punção folicular. Na maioria dos ciclos (n = 118; 79,2%) efetuou-se punção folicular, realizando-se téc-nica de procriação medicamente assistida em 71 (47,6%), maioritariamente injeção intracitoplasmática. A taxa de fecundação global foi 63,8%. Em 40 ciclos (26,8%) houve transferência embrionária. A taxa de implantação e de gravidez evolutiva por transferência embrionária foram de 35,0% e 25,0%, respetivamente. A maioria das gestações ocorreu em más respondedoras, conforme critérios de Bolonha.Discussão: Apesar de a taxa de gravidez por ciclo iniciado ser de 6,7%, a taxa de gravidez evolutiva por transferência embrionária é bastante satisfatória, sendo mulheres com respostas desfavoráveis em tratamentos prévios. As taxas relativamente elevadas de cancelamento do ciclo são atenuadas pela simplicidade e menor custo destes ciclos.Conclusão: Os resultados obtidos neste trabalho demonstram que as técnicas de procriação medicamente assistida em ciclo natural podem ser uma alternativa de tratamento à estimulação ovárica em doentes com mau prognóstico, cuja alternativa seria o recurso à doação de ovócitos.Palavras-chave: Ciclo Menstrual; Gravidez; Técnicas de Reprodução Assistida

Procriação Medicamente Assistida em Ciclo Natural: Avaliação dos Resultados de um Departamento de Medicina da Reprodução

Medically Assisted Reproduction in Natural Cycle: Outcome Evaluation of a Reproductive Medicine Department

1. Serviço de Ginecologia e Obstetrícia. Hospital de Santa Luzia. Unidade Local de Saúde do Alto Minho. Viana do Castelo. Portugal.2. Serviço de Ginecologia. Maternidade Bissaya Barreto. Coimbra. Portugal.3. Serviço de Reprodução Humana. Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Coimbra. Portugal.4. Laboratório de Procriação Medicamente Assistida. Serviço de Reprodução Humana. Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Coimbra. Portugal.5. Departamento de Ginecologia/Obstetrícia. Faculdade de Medicina. Universidade de Coimbra. Coimbra. Portugal. Autor correspondente: Mariana Carlos Alves. [email protected]: 06 de janeiro de 2018 - Aceite: 26 de setembro de 2018 | Copyright © Ordem dos Médicos 2019

Mariana Carlos ALVES1, Andreia Leitão MARQUES2,3, Helena Barros LEITE2,3, Ana Paula SOUSA4, Teresa ALMEIDA-SANTOS3,5

Acta Med Port 2019 Jan;32(1):25-29 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.10195

ABSTRACTIntroduction: Medically assisted reproduction in natural cycle has been investigated, especially in women with poor response to conventional ovarian stimulation, with endometrial receptivity improvement, lower cost and possibility of successive cycles. The disadvantages are: lower profitability per treatment cycle and higher cancellation rate. The aim of this study was to determine the rate of clinical pregnancy in infertile women subjected to medically assisted reproduction in natural cycle.Material and Methods: Retrospective study of 149 medically assisted reproduction without ovarian stimulation of 50 infertile women, between January/2011 and October/2014.Results: The mean age of women undergoing medically assisted reproduction in natural cycle was 36.1 years. Approximately half (46.0%) of the cycles were performed in poor responders. On the day of ovulation trigger, the mean diameter of the follicle was 17.5 mm. Twenty-three cycles (15.4%) were canceled prior to ovulation trigger. In 8 cycles (5.3%), ovulation occurred between ovulation trigger and oocyte retrieval. In the majority of cycles (n = 118; 79.2%) oocyte retrieval was executed, a medically assisted reproduction technique was performed in 71 (47.6%), mostly intracytoplasmic injection. The overall fertilization rate was 77.5%. In 40 cycles (26.8%) there was embryo transfer. The implantation rate and the clinical pregnancy rate by embryo transfer was 35.0% and 25.0%, respectively. Most pregnancies occurred in poor responders, according to Bologna criteria.Discussion: Although the pregnancy rate per cycle started was 6.7%, the rate of clinical pregnancy per embryo transfer is quite satisfactory, being a group of women with unfavorable responses in previous treatments. The relatively high rates of cycle cancellation are mitigated by the greater simplicity and lower cost of these cycles.Conclusion: The results obtained in this study demonstrate that Medically Assisted Reproduction in natural cycle may be an alternative treatment for ovarian stimulation in patients with poor prognosis, whose only alternative would be oocyte donation. Keywords: Menstrual Cycle; Pregnancy; Reproductive Techniques, Assisted

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Alves MC, et al. Procriação medicamente assistida em ciclo natural, Acta Med Port 2019 Jan;32(1):25-29

INTRODUÇÃO A stimulação ovárica controlada é um componente im-portante nos ciclos de procriação medicamente assistida (PMA), uma vez que condiciona o desenvolvimento mul-tifolicular e a colheita de múltiplos ovócitos, aumentando a rentabilidade e as taxas de sucesso da PMA.1 Os proto-colos de estimulação ovárica mais frequentemente utiliza-dos são aqueles que combinam agonistas ou antagonistas da hormona libertadora de gonadotropinas (GnRH) com hormona estimuladora dos folículos (FSH).2,3 No entanto, podem associar-se a algumas complicações,4 como a sín-drome de hiperestimulação ovárica,5 são dispendiosos6 e condicionam um elevado nível de stress emocional.1,2,7-9 Existem, ainda, algumas incertezas no que concerne aos riscos a longo prazo, nomeadamente, o risco de cancro do ovário.1,2,10 Tem sido apontado ainda um potencial efeito ne-gativo dos níveis suprafisiológicos de esteróides na receti-vidade endometrial, na qualidade embrionária e na maior incidência de complicações obstétricas.11-13 As técnicas de procriação medicamente assistida em ciclo natural consistem na monitorização de um ciclo es-pontâneo, prescindindo da estimulação ovárica conven-cional, de forma a colher um ovócito por punção folicular imediatamente após o pico de LH.2,5,14 Nesse sentido, são menos dispendiosos, fisicamente menos exigentes e po-dem ser realizados em ciclos consecutivos.15-17 Para além das vantagens enumeradas, não estão associados ao risco de síndrome de hiperestimulação ovárica e parece haver melhor recetividade endometrial.5,18-21 Contudo, as taxas de cancelamento do ciclo são elevadas, maioritariamente por ovulação prévia à colheita do ovócito,20 resultando em ta-xas de gravidez mais baixas.9 Outra desvantagem aponta-da às técnicas de PMA em ciclo natural é o facto de se ob-ter habitualmente apenas um embrião, diminuindo as taxas de gravidez por ciclo.2 Não tem havido grandes progressos no que concerne ao aumento da eficácia das técnicas de PMA em mulheres más respondedoras. De acordo com os critérios de Bolonha (ESHRE),22 a presença de pelo me-nos duas das três seguintes caraterísticas será suficiente para classificar uma mulher como má respondedora: idade materna avançada (idade igual ou superior a 40 anos) ou um outro fator de risco para má resposta ovárica, uma má resposta ovárica (obtenção de três ou menos ovócitos com protocolo de estimulação convencional) e/ou teste de reser-va ovárica anormal (contagem de folículos antrais inferior a 5 - 7 folículos ou doseamento da hormona anti-Mulleriana inferior a 0,5 - 1,1 ng/mL). Recentemente, foi proposta uma nova classificação, a estratificação POSEIDON (Humaidan et al),23 que sugere a existência de quatro subgrupos de mulheres com mau prognóstico para as técnicas de PMA, baseando-se na quantidade e qualidade ovocitária, que engloba as doentes com má resposta ovárica, bem como aquelas com uma resposta sub-ótima. Nos últimos anos não têm surgido alternativas terapêu-ticas para este grupo de doentes, que têm taxas de su-cesso nos tratamentos de PMA bastante inferiores compa-rativamente a outros subgrupos de doentes.24 As técnicas

de PMA em ciclo natural poderão ter um papel importante neste subgrupo de mulheres.6,25

O objetivo deste estudo consiste na determinação da taxa de gravidez em mulheres inférteis submetidas a técni-cas de PMA em ciclo natural.

MATERIAL E MÉTODOS Estudo retrospetivo de 149 ciclos naturais em 50 mulhe-res inférteis, seguidas no Serviço de Reprodução Humana do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, no perío-do compreendido entre janeiro de 2011 e outubro de 2014. As doentes em estudo tinham sido previamente submeti-das a tratamentos de PMA sem sucesso e correspondem a mulheres más respondedoras, classificadas de acordo com os critérios de Bolonha, e a mulheres com mau prognóstico por realização prévia de pelo menos um ciclo de PMA com estimulação convencional em que houve sistematicamente má qualidade ovocitária ou cancelamento de transferência por má qualidade embrionária. As doentes em estudo re-presentam todas as mulheres submetidas a PMA em ciclo natural no serviço durante esse período. O protocolo de ciclo natural do Serviço inclui uma eco-grafia realizada entre o segundo e o terceiro dia do ciclo e no 9º - 10º dia do ciclo, bem como doseamento de LH e estradiol se for verificada ecograficamente dominância folicular (folículo ≥ 10 mm); idealmente todas as doentes realizam 5000 UI de hCG intramuscular, exceto se LH > 20 UI/L; a punção folicular é realizada sem sedo-analgesia 24 - 36 horas após a administração de hCG e/ou pico de LH espontâneo, definido pelo doseamento de LH igual ou superior a 20 mUI/mL. Foi realizada suplementação lútea com progesterona vaginal a partir do dia da punção folicular (200 mg 3 x /dia). A classificação embrionária foi feita em três graus de acordo com critérios morfológicos (número, tamanho e regularidade dos blastómeros, grau de fragmen-tação, multinucleação e aparência do citoplasma), sendo os embriões de graus 1 e 2 considerados de boa qualidade. Avaliaram-se os seguintes parâmetros: idade média das doentes, percentagem de mulheres más respondedo-ras, número de ciclos realizados, diâmetro médio do folí-culo no dia do desencadeamento da ovulação, número de ciclos com cancelamento prévio ao desencadeamento, nú-mero de ciclos submetidos a punção folicular (PF), número de ovócitos obtidos após PF, número de ciclos em que foi realizada técnica de PMA, taxa de fecundação global, nú-mero de ciclos com transferência embrionária (TE), grau e tipo dos embriões transferidos, taxa de implantação, taxa de gravidez evolutiva - definida como a presença de gravi-dez intrauterina com embrião com batimento cardíaco às 7 - 8 semanas e número de gestações em mulheres más res-pondedoras. A classificação das mulheres em estudo como más respondedoras foi feita de acordo com o estabelecido nos critérios de Bolonha.4 A colheita dos dados foi feita através da revisão do pro-cesso clínico e os dados foram tratados no programa Sta-tistical Package for the Social Sciences (SPSS®, versão 21)

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e analisados com recurso à estatística descritiva

RESULTADOS A idade média das mulheres submetidas a PMA com ciclo natural foi 36,7 anos (DP = 2,6). Foram classificadas como más respondedoras 30 mulheres (60%), tendo reali-zado 69 ciclos (46,3%). As restantes 20 mulheres (40,0%) foram classificadas como tendo mau prognóstico e realiza-ram 80 ciclos (53,7%). A maioria das doentes (59,7%) realizou dois ou mais ci-clos, sendo o número médio de ciclos por doente 2,96 (DP = 2,3). No dia do desencadeamento da ovulação, o diâmetro médio do folículo foi 17,5 mm (DP = 2,1). O cancelamen-to do ciclo previamente ao desencadeamento ocorreu por ausência de dominância folicular na ecografia realizada no 9º - 10º dia do ciclo (n = 4), presença de quisto funcional (n = 2) (se diâmetro superior a 22 mm), ou ovulação espon-tânea prévia à ecografia de monitorização (em dia a definir consoante dimensão do folículo no 9º - 10º dia) (n = 17). Em oito ciclos (5,4%) ocorreu ovulação após a administra-ção de hCG, mas antes da realização da punção folicular. Relativamente à punção folicular, não houve complicações em nenhuma doente e o procedimento foi bem tolerado, embora não tenha sido avaliado com recurso a uma esca-la de dor. Foi realizada uma técnica de PMA em 71 ciclos (47,6%): fertilização in vitro (FIV) em 17 casos (23,9%) e injeção intracitoplasmática (ICSI) em 54 casos (76,1%). A taxa de fecundação foi de 69,0%, tendo sido realizada transferência embrionária em 26,8% (n = 40), obtendo-se uma taxa de implantação por transferência embrionária

e por ciclo iniciado de 35,0% e 9,4% (n = 14), respetiva-mente. A taxa de gravidez evolutiva por ciclo iniciado foi de 6,7% (n = 10), sendo a taxa de gravidez por TE e por doente de 25,0% e 20,0%, respetivamente. 13,3% (n = 4) das mulheres más respondedoras engravidou, sendo que uma percentagem menor (10,0%; n = 3) teve uma gravidez evolutiva. Os resultados obtidos estão discriminados na Ta-bela 1. A qualidade dos embriões transferidos encontra-se descrita na Tabela 2.

DISCUSSÃO As técnicas de procriação medicamente assistida em mulheres más respondedoras não têm tido grandes pro-gressos no que diz respeito ao aumento da eficácia. As téc-nicas de PMA em ciclo natural parecem ser uma alternativa à estimulação ovárica, uma vez que são mais simples para a doente, menos dispendiosas e estão isentas das compli-cações associadas à estimulação ovárica.15,16,28,29 Acresce a vantagem de a punção folicular não necessitar de sedo--analgesia.30 Além disso, é sabido que, de forma a melhorar a eficácia, as técnicas de PMA em ciclo natural podem ser realizadas em ciclos consecutivos, sem risco para as doen-tes.2,17,29 Uma vez que raramente se obtém mais do que um embrião nestes protocolos, verifica-se uma dramática diminuição das taxas de gravidez múltipla,9 o que constitui ainda um problema importante associado às técnicas de PMA com estimulação ovárica. Contudo, estão associados a taxas de cancelamento elevadas devido a picos de LH prematuros, com a consequente perda do único folículo ha-bitualmente em desenvolvimento em cada ciclo.20 Por outro lado, tem sido sugerido que as doses elevadas de gona-dotropinas utilizadas nos ciclos com estimulação ovárica podem recrutar ovócitos de pior qualidade que não seriam selecionados num ciclo natural, o que é particularmen-te importante no grupo de mulheres más respondedoras. Assim sendo, parece haver melhor qualidade ovocitária nos ciclos naturais, que é atribuída à seleção natural de um folículo dominante.31 Alguns autores apontam os ciclos naturais modificados com um antagonista da GnRH como uma alternativa aos ciclos naturais para as mulheres más respondedoras, uma vez que se associam a menor inci-dência de pico de LH prematuro e, consequentemente, a menor taxa de cancelamento do ciclo.24,32 Estudos recentes sugerem, para os ciclos naturais em más respondedoras, a utilização de progesterona oral a partir do terceiro dia do ciclo de forma a evitar o pico de LH espontâneo e a ovu-lação prematura, não afetando a qualidade ovocitária.32 A principal vantagem do priming com progestativo é diminuir a incidência do pico de LH e, consequentemente, diminuir a taxa de cancelamento. Contudo, implica a utilização de

Tabela 1 - Resultados obtidos com PMA em ciclos naturais

n %Cancelamento do ciclo 31 20,8

previamente ao desencadeamento 23 15,4

após a administração de hCG 8 5,4

Punção folicular 118 79,2

Colheita ovocitária/punção 1 ovócito 69 58,5

2 ovócitos 11 10,2

Fecundação global 54 69,0

Fecundação por técnica FIV 11/17 64,7

ICSI 40/54 74,1

Transferência embrionária 40 26,8

Implantação (n = 14) % Por ciclo iniciado 9,4

Por TE 35,0

Gravidez evolutiva (n = 10) % Por ciclo iniciado 6,7

Por TE 25,0

Por doente 20,0

Tabela 2 - Qualidade dos embriões transferidos

Qualidade embrionária n %

G1 23 57,5

G2 14 35,0

G3 3 7,5

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Neste trabalho determinou-se a taxa de gravidez em mulheres previamente submetidas a tratamentos de PMA convencionais sem sucesso recorrendo a técnicas de PMA em ciclo natural. Os resultados obtidos revelaram uma taxa de gravidez evolutiva por ciclo iniciado de 6,7%, por TE 25,0% e por doente 20,0%, o que está de acordo com o descrito na literatura.2,27 Trata-se de um grupo de mulheres com respostas desfavoráveis em tratamentos prévios, cuja única alternativa seria a doação de ovócitos. A técnica de PMA mais utilizada neste trabalho foi a ICSI, o que está de acordo com a literatura, que refere que no contexto de protocolos de estimulação ovárica mínima associados a um número baixo de ovócitos, a ICSI está associada a maiores taxas de fecundação.26

Neste grupo de doentes a qualidade embrionária foi me-lhor do que se havia obtido nos ciclos com estimulação rea-lizados anteriormente (tal como referido, trata-se de doen-tes com cancelamento de transferência por má qualidade ovocitária e/ou ausência de transferência por má qualidade embrionária). De acordo com a literatura, a estimulação convencional não parece prejudicar a qualidade ovocitária (nomeadamente no que diz respeito à taxa de aneuploidia). Contudo, os estudos mais relevantes apenas analisaram um grupo de dadoras de ovócitos (mulheres jovens e não inférteis)33 ou compararam embriões criopreservados com embriões obtidos num ciclo natural modificado, num grupo de doentes inférteis,34 sendo que nenhum destes estudos reflete a realidade deste grupo de doentes. Estudos realizados para avaliar os outcomes durante a gravidez e perinatais verificaram um aumento do risco de baixo peso ao nascer associado às técnicas de PMA com estimulação ovárica.35-37 Mak et al demonstraram melhores outcomes durante a gravidez e perinatais nas mulheres submetidas a PMA em ciclo natural do que naquelas com estimulação ovárica convencional, colocando a hipótese de que níveis mais fisiológicos de estradiol e progesterona durante a fase de crescimento folicular e no momento da implantação possam ter um papel importante.37 Além disso,

os autores sugerem que os ovócitos supranumerários re-crutados com estimulação ovárica podem ser de pior qua-lidade relativamente ao único folículo/ovócito selecionado num ciclo natural.37 Assim, será interessante, num estudo futuro, avaliar estes resultados. O presente estudo tem algumas limitações, sendo a principal a sua natureza retrospetiva. Além disso, trata--se de um grupo heterogéneo de doentes, possuindo em comum insucessos anteriores em ciclos de PMA conven-cionais mas com diferentes etiologias. Assim, serão neces-sários estudos prospetivos para controlar alguns vieses e comparar os resultados cumulativos destes ciclos com os diferentes protocolos de estimulação ovárica, de forma a definir, por população de doentes, o protocolo mais ade-quado.

CONCLUSÃO As técnicas de PMA em ciclo natural podem ser uma alternativa de tratamento razoável em doentes com mau prognóstico, com insucessos anteriores em ciclos com es-timulação ovárica convencional, nomeadamente em más respondedoras. Os resultados obtidos neste trabalho mos-tram que mesmo neste grupo de doentes, cuja alternativa seria o recurso a doação de ovócitos, pode haver uma hi-pótese de gravidez.

PROTEÇÃO DE PESSOAS E ANIMAIS Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

CONFIDENCIALIDADE DOS DADOS Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação de dados.

CONFLITOS DE INTERESSE Os autores declaram não ter conflitos de interesse.

FONTES DE FINANCIAMENTO Os autores declaram não ter recebido subsídios ou bol-sas para a elaboração do artigo.

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RESUMOIntrodução: A presença de múltiplas doenças crónicas, em simultâneo, no mesmo indivíduo é um problema de saúde reconhecido. Os doentes com multimorbilidade têm necessidades de saúde acrescidas, o que representa um ónus elevado para os cuidados de saúde. Embora não exista uma definição consensual do conceito, a multimorbilidade é definida habitualmente pela presença de duas ou mais doenças crónicas. A existência de evidência, para a realidade nacional, quanto à multimorbilidade poderá contribuir para a gestão e tratamento destes doentes de forma mais eficiente.Material e Métodos: Com o objetivo de estimar a prevalência de multimorbilidade e identificar os fatores associados foi realizado um estudo epidemiológico transversal com base nos dados do INSEF, um inquérito de base populacional desenvolvido com uma amos-tra probabilística representativa da população portuguesa (n = 4911). A prevalência de multimorbilidade foi estimada para o total da população e para cada um dos sexos, estratificada por grupo etário, região de saúde, educação e rendimento. As magnitudes das associações foram medidas pelas razões de prevalências ajustadas calculadas pelo modelo de regressão de Poisson.Resultados: A prevalência de multimorbilidade foi de 38,3% (IC 95%: 35,4% a 41,3%), com maior frequência nas mulheres, nos in-divíduos mais velhos, nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo, Norte, Algarve e Alentejo e em níveis educacionais mais baixos. Não foi observada associação estatisticamente significativa entre a multimorbilidade e o rendimento.Discussão: A multimorbilidade é um problema que afeta mais de um terço da população portuguesa. O conhecimento epidemiológico sobre a multimorbilidade em Portugal permite identificar os grupos populacionais onde esta realidade é mais prevalente. Conclusão: Os valores observados apontam para maior risco de multimorbilidade entre os indivíduos mais velhos e menos diferencia-dos e está em consonância com os resultados da literatura. Estes dados demonstram a relevância dos doentes com multimorbilidade e têm especial importância na forma com os cuidados de saúde são organizados e prestados.Palavras-chave: Doenças Crónicas; Inquéritos Epidemiológicos; Multimorbilidade; Portugal

Multimorbilidade em Portugal: Dados do Primeiro Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico

Multimorbidity in Portugal: Results from The First National Health Examination Survey

1. Unidade de Saúde Pública Lisboa Norte. Agrupamento de Centros de Saúde de Lisboa Norte. Lisboa. Portugal.2. Departamento de Epidemiologia. Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Lisboa. Portugal.3. Centro de Investigação em Saúde Pública (CISP). Escola Nacional de Saúde Pública. Universidade NOVA de Lisboa. Lisboa. Portugal.4. Unidade de Saúde Pública Dão Lafões. Agrupamento de Centros de Saúde Dão Lafões. Viseu. Portugal. Autor correspondente: Guilherme Quinaz Romana. [email protected]: 31 de agosto de 2018 - Aceite: 12 de novembro de 2018 | Copyright © Ordem dos Médicos 2019

Guilherme QUINAZ ROMANA1,2, Irina KISLAYA2,3, Mário Rui SALVADOR2,4, Susana CUNHA GONÇALVES2, Baltazar NUNES2,3, Carlos DIAS2,3

Acta Med Port 2019 Jan;32(1):30-37 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.11227

ABSTRACTIntroduction: The simultaneous presence of multiple chronic diseases in the same individual is recognized as an important public health problem. Patients with multimorbidity have greater healthcare needs, which represents a higher burden on health services. Although there is no consensual definition of this concept, multimorbidity is usually defined as the presence of two or more chronic diseases in the same patient. The existence of evidence regarding multimorbidity will lead to more efficient management and treatment of these patients.Material and Methods: In order to estimate the prevalence of multimorbidity and to identify the associated factors, a cross-sectional epidemiological study was developed based on data from the INSEF, a population-based survey conducted on a representative probability sample of the Portuguese population (n = 4911). The prevalence of multimorbidity was estimated for the total population and separately for men and women, stratified by age group, region, education and income. The magnitudes of the associations were measured by the adjusted prevalence ratios calculated by the Poisson regression model.Results: Prevalence of multimorbidity was 38.3% (95% CI: 35.4% to 41.3%), with higher frequency in women, older people, Lisbon and Tagus Valley; Northern Portugal; Algarve and Alentejo regions and in those with lower academic qualifications. No association was found between multimorbidity and income.Discussion: Multimorbidity affects more than one third of the Portuguese population. Epidemiological data about multimorbidity in Portugal allows the identification of population groups with higher multimorbidity prevalence.Conclusion: Our results, which highlight the greater risk of multimorbidity among older and less instructed people, are in line with the literature. These results show the relevance of multimorbidity patients and are especially important in the way how healthcare is organized and provided. Keywords: Chronic Diseases; Health Surveys; Multimorbidity; Portugal

INTRODUÇÃO A multimorbilidade, definida habitualmente na literatura médica pela presença de duas ou mais doenças crónicas no mesmo individuo,1 é um problema relevante de saúde pública que importa considerar.2

A evolução da medicina e o aumento da esperança de vida reforçaram a pressão que os sistemas de saúde enfrentam com os doentes com múltiplas doenças cróni-cas.3 Os indivíduos com multimorbilidade terão uma maior

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probabilidade de necessidades de saúde acrescidas e de representarem um maior volume de trabalho dos serviços de saúde.4,5 Não obstante os avanços terapêuticos, estes doentes poderão apresentar maior risco de complicações e maior dificuldade de adesão a regimes terapêuticos, por vezes complexos,6 com aumento da mortalidade e redução da capacidade funcional.7 Na Europa, estima-se que a multimorbilidade represen-te 70% a 80% da despesa em saúde em países como a Di-namarca e seja a causa de oito em cada 11 internamentos hospitalares no Reino Unido.5 Os doentes com multimor-bilidade são responsáveis por até 78%4 das consultas nos cuidados de saúde primários com uma média de contactos que pode variar entre as 9,354 e as 18,66 consultas por ano, apresentando um acréscimo entre 5,64 e 12,56 contactos por ano em comparação com indivíduos sem multimorbili-dade. Estes doentes revelam também um elevado núme-ro de prescrições de medicamentos e de referenciações hospitalares, estimando-se uma média anual de 27,5 pres-crições farmacológicas e 0,5 referenciações hospitalares, comparativamente à 15,3 prescrições e 0,3 referenciações nos doentes com apenas uma patologia crónica.6

Em 2005/2006 em Portugal, segundo os dados do In-quérito Nacional de Saúde, 36% da população apresentava três ou mais doenças crónicas sendo o sexo feminino mais afetado (42,5% vs 27,4%) assim como a população com 65 anos ou mais anos – (55,2% vs 14,8%).8 Uma análise mais recente dos dados do SHARE 2011/2012 revelou uma prevalência de multimorbilidade em Portugal, na popula-ção com 50 ou mais anos, de 39,4%.9 Um outro estudo, focado na população com 18 ou mais anos de idade que frequentava os cuidados de saúde primários em Portugal continental em 2013/2014, concluiu que 72,7% dessa po-pulação tinha duas ou mais doenças crónicas e verificou uma associação entre níveis educacionais baixos e rendi-mento económico insuficiente e maior prevalência de multi-morbilidade.10 A nível internacional os estudos apresentam valores variáveis, com prevalências entre 20% e 40%.11 Os estudos de prevalência revelam, também, a existência de uma relação entre indivíduos desfavorecidos e com baixas habilitações literárias, e a presença de multimorbilidade,9,12 em linha com os resultados nacionais. Assim, torna-se claro a existência de valores díspares de multimorbilidade nos estudos nacionais já realizados, fruto de desenhos de estudo que utilizam metodologias dis-tintas com populações alvo e grupos etários diferentes. Por conseguinte, é particularmente relevante compreender o padrão atual de multimorbilidade em Portugal, num estudo de base populacional, com um intervalo etário alargado. É objectivo do presente trabalho descrever e caracteri-zar a prevalência de multimorbilidade em Portugal no ano de 2015. Pretende-se ainda identificar os fatores associa-dos à multimorbilidade.

MATERIAL E MÉTODOSFonte de dados Este estudo tem como unidade de observação todos os

indivíduos que responderam ao Inquérito Nacional de Saú-de com Exame Físico (INSEF), desenvolvido pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) em co-laboração com as cinco administrações regionais de saú-de do continente, as secretarias regionais de saúde e dos assuntos sociais das regiões autónomas dos Açores e da Madeira e o Instituto Norueguês de Saúde Pública entre 2013 e 2016. O INSEF é um estudo epidemiológico obser-vacional, transversal de prevalência. Este inquérito inclui três componentes distintos: o exame físico; a avaliação analítica e um questionário geral de saúde. Os procedimen-tos executados foram realizados em conformidade com as recomendações do Inquérito Europeu de Saúde com Exa-me Físico (EHES).13

População alvo e amostra A população alvo do INSEF é constituída por indivíduos não-institucionalizados, com idade compreendida entre os 25 e 74 anos residentes em Portugal. A seleção dos parti-cipantes foi feita por amostragem probabilística por grupos em duas etapas, estratificada por região de saúde e tipo-logia de área urbana.13 A dimensão da amostra foi esta-belecida de forma a ser possível estimar uma prevalência esperada de 50%, com uma precisão absoluta de 5% para um intervalo de confiança a 95%, em cada região de saú-de do continente ou Região Autónoma (RA), considerando um efeito do desenho da amostra de 1,5. O cálculo da di-mensão da amostra mínima necessária resultou em 600 indivíduos a nível regional e 4200 a nível nacional, sendo a amostra efectiva final obtida de 4911 indivíduos.13

Variáveis em estudo As variáveis de interesse para o presente estudo foram colhidas através de um questionário estruturado por entre-vista assistida por computador realizada por profissionais de saúde que completaram uma formação para o efeito. A área de inquirição referente à doença crónica teve como objetivo recolher informações sobre a existência, ou não, de doenças crónicas com mais de seis meses de dura-ção. A variável multimorbilidade foi definida pela presença simultânea de duas ou mais doenças crónicas auto repor-tadas, de uma lista de vinte patologias (hipertensão arterial; enfarte agudo do miocárdio; acidente vascular cerebral; disritmia cardíaca; diabetes; insuficiência renal crónica; cir-rose; hepatite crónica; asma; doença pulmonar obstrutiva crónica; dor crónica; osteoporose; artrite reumatóide; artro-se; cancro; depressão; ansiedade crónica; úlcera gástrica ou duodenal; hipercolesterolémia e alergia), cuja seleção se baseou nos anteriores inquéritos nacionais de saúde14,15 e no EHES,16 assim como no Plano Nacional de Saúde 2013-2016.13,17

Foram também selecionadas variáveis de caracteriza-ção sociodemográfica, nomeadamente sexo; grupo etário (25 - 34; 35 - 44; 45 - 54; 55 - 64; 65 - 74); educação (Não sabe ler nem escrever /primeiro ciclo; segundo ciclo/ ter-ceiro ciclo; secundário; superior) rendimento mensal por adulto equivalente (segundo escala da OCDE) e região de

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saúde.

Análise estatística Para descrever as variáveis em estudo, foram calcula-das frequências absolutas e relativas. A prevalência de multimorbilidade e os respetivos inter-valos de confiança a 95% foram estimados para o total da população e para cada um dos sexos, estratificados por grupo etário, região de saúde, educação e rendimento. Para identificar os fatores associados à multimorbilida-de foram calculadas as razões de prevalências brutas (RP), e os respetivos intervalos de confiança a 95%. Para além de se testar a associação entre a multimor-bilidade e as variáveis independentes, duas a duas, pro-cedeu-se a uma abordagem multivariada. Os modelos de regressão de Poisson, que permitiram obter as razões de prevalência ajustadas (aRP), foram construídos separada-mente para cada um dos sexos e ajustados para as res-tantes variáveis independentes. O nível de significância foi estabelecido em 5%. A análise estatística foi desenvolvida com base nos pe-sos amostrais.13 Foram utilizados os softwares IBM SPSS Statistics (versão 25)18 no módulo complex samples e Stata (versão 15.1)19 no módulo survey data analysis (SVY).

Questões éticas O estudo analisou dados provenientes do INSEF sem recolha de nova informação. O INSEF foi aprovado pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (Autorização nº9348/2010), assim como pelas comissões de ética do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge; das di-ferentes administrações regionais de saúde e dos hospitais da Horta e Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Foi obti-do um consentimento informado de todos os participantes. Não obstante, o presente estudo foi também aprovado pela Comissão de Ética do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge

RESULTADOS Dos 4911 indivíduos que participaram no INSEF, 52,5% foram do sexo feminino. A faixa etária mais representada foi a dos 35 - 44 anos com 23,5%, seguida dos escalões etários 45 - 54 (22,4%) e 55 - 64 (19,9%). Cerca de um ter-ço dos participantes tinha como habilitações literárias o se-gundo e terceiros ciclos (31,5%), seguindo-se os indivíduos que não sabem ler nem escrever, ou têm apenas o primeiro ciclo (27,7%). Quanto ao rendimento, as classes média--alta e alta tinham a maior representatividade - 41,5%. As classes media-baixa e baixa surgiam com 38,2% e a classe média com 20,4%. A maioria dos indivíduos reside na região Norte do país (35,4%). As segundas e terceiras regiões mais representadas foram, respetivamente, Lisboa e Vale do Tejo e o Centro. Do total de participantes, 42,2% referiram não ter nenhuma doença crónica; 19,4% referi-ram ter uma doença crónica; 17,0% duas doenças crónicas e 10,4% três doenças crónicas (Tabela 1). Para ambos os sexos, as duas patologias mais preva-

lentes foram a hipertensão, 25,1% nos homens e 26,1% nas mulheres, e a hipercolesterolémia, respetivamente 23,7% e 25,7%. No sexo feminino a terceira patologia mais frequentemente reportada foi a artrose (20,6%), e nos ho-mens foram as alergias (11,4%) – (Apêndice 1: https://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/11227/Apendice_01.pdf). A prevalência de multimorbilidade na população foi de 38,3% IC 95% (35,4 a 41,3%). Verificou-se uma maior pre-valência de multimorbilidade no sexo feminino (43,4% vs 32,7%, RP = 1,33) (Tabela 2). Os valores de prevalência foram semelhantes entre ho-mens e mulheres nas faixas etárias dos 25 - 34 (9,5% vs 9,4%) e 35 - 44 anos (15,2% vs 18,0%). Nos escalões etá-rios seguintes as mulheres apresentaram uma prevalência superior comparativamente aos homens. Nas mulheres o valor máximo encontrado foi de 82,3%, na faixa etária 65 - 74 anos, e de 65,5% nos homens para a mesma idade. Observou-se um aumento estatisticamente significati-vo da prevalência de multimorbilidade com a idade, para ambos os sexos. Nas mulheres, comparativamente à faixa etária dos 25 - 34 anos, a prevalência quase duplicou para a faixa etária dos 35 - 44 anos (RP = 1,90). Nos escalões etários seguintes a prevalência de multimorbilidade foi de 4,58 (45 - 54 anos), 7,54 (55 - 64 anos) e 8,71 (65 - 74 anos) vezes superior, respetivamente, em comparação com as mais jovens. Nos homens, as diferenças estatisti-camente significativas na prevalência de multimorbilidade verificaram-se somente entre os indivíduos com 25 - 34 anos e os indivíduos com 55 - 74 anos de idade, sendo as respetivas razões de prevalência 6,39 para faixa etária 55-64 anos e 6,92 para faixa etária 65 - 74 anos (Tabela 2). Os grupos populacionais com maiores habilitações lite-rárias apresentaram uma menor prevalência de multimorbi-lidade para ambos os sexos. Para as mulheres, verificou-se uma diminuição gradual da prevalência de multimorbilidade com aumento de nível de escolaridade, de 70,0% no grupo sem escolaridade ou com o primeiro ciclo do ensino básico, para os 25% no grupo com habilitações ao nível do ensino superior. Para os homens a prevalência de multimorbilida-de variou segundo o nível de escolaridade entre 57,8% e 19,7%. Em comparação com o grupo sem escolaridade ou com o primeiro ciclo do ensino básico, a prevalência dimi-nui em 53% (RP = 0,47) para o grupo de segundo ciclo / terceiro ciclo, em 66% (RP = 0,34) para o grupo de ensino secundário e em 63% (RP = 0,37) para o grupo do ensino superior. No que se refere às diferentes regiões de saúde foi pos-sível encontrar diferenças estatisticamente significativas na distribuição da prevalência de multimorbilidade para ambos os sexos. Os residentes na RA da Madeira apresentaram uma prevalência mais baixa, 21,3% e 32,6% para os ho-mens e mulheres, respetivamente. Tendo esta região como referência, para as mulheres, a prevalência foi superior na RA dos Açores (RP = 1,27), Norte (RP = 1,36), Lisboa e Vale do Tejo (RP = 1,41), Algarve (RP = 1,46) e Alente-jo (RP = 1,50). Para os homens observou-se um padrão

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semelhante, com exceção da RA Açores. Não se verificou associação estatisticamente significati-va entre a multimorbilidade e o rendimento. No modelo de regressão multivariável continuou a ve-rificar-se uma relação entre a multimorbilidade e a idade, com uma aRP nos escalões etários 55 - 64 e 65 - 74 de 5,67 (IC 95%: 2,54 a 12,65) e 5,68 (IC 95%: 2,47 a 13,05) nos homens e 6,71 (IC 95%: 4,01 a 11,21) e 7,51 (IC 95%: 4,52 a 12,51) nas mulheres, em comparação com o esca-lão etário 25 - 34 (Tabela 3). A análise multivariável apresentou resultados estatisti-camente significativos quanto à distribuição da prevalência de multimorbilidade nas diferentes regiões de saúde. As re-giões com uma prevalência mais elevada são, para ambos os sexos, o Alentejo; Lisboa e Vale do Tejo e Algarve. Quanto à variável educação, os valores observados só

foram estatisticamente significativos para o ensino secun-dário no sexo masculino e para o ensino superior no sexo feminino. Confirmou-se, no entanto, no resultado destes dois grupos, um menor risco de multimorbilidade nos in-divíduos com maiores habilitações literárias face aos indi-víduos que não sabem ler nem escrever ou têm apenas o primeiro ciclo.

DISCUSSÃO O presente estudo focou-se na prevalência de multimor-bilidade na população portuguesa, bem como na sua dis-tribuição por sexo, idade, região educação e rendimento. Verificou-se que a multimorbilidade é um problema comum em Portugal, com uma prevalência de 38,3%, especial-mente nos indivíduos mais velhos – 65,5% nos homens e 82,3% nas mulheres – e com menor diferenciação – 57,8%

Tabela 1 – Descrição da amostra

Freq* (n)

Sexo Masculino 47,5% (2646)

Feminino 52,5% (2245)

Idade 25 - 34 18,3% (714)

35 - 44 23,5% (1135)

45 - 54 22,4% (1193)

55 - 64 19.9% (1098)

65 - 74 15,9% (771)

Região Norte 35,4% (777)

Centro 16,2% (706)

Lisboa e Vale do Tejo 34,8% (650)

Alentejo 4,6% (690)

Algarve 4,2% (644)

RA Madeira 2,5% (695)

RA Açores 2,3% (749)

Educação Não sabe ler nem escrever /1ºciclo 27,7% (1516)

2ºciclo/ 3ºciclo 31,5% (1595)

Secundário 21,4% (958)

Superior 19,4% (838)Rendimento Baixo, Médio - baixo 38,2% (2021)

Médio 20,4% (872)

Médio-alto, Alto 41,5%(1751)

Doenças Crónicas 0 doenças crónicas 42,2% (2055)

1 doença crónica 19,4% (930)

2 doenças crónicas 17,0% (838)

3 doenças crónicas 10,4% (474)

4 doenças crónicas 5,2% (264)

5 doenças crónicas 3,0% (139)

6 doenças crónicas 1,3% (68)

7 doenças crónicas 0,7% (46)

8 doenças crónicas 0,4% (21)

9 doenças crónicas 0,3% (10)* Frequências relativas ponderadas para a distribuição da população portuguesa por região de saúde, sexo e grupo etário em 2015Freq: frequência

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Tabela 2 – Estimativas de prevalência de m

ultimorbilidade por sexo, idade, região de saúde, educação e rendim

ento e as respetivas razões de prevalência

Multim

orbilidade (2 ou mais doenças crónicas)

Freq* (n)IC

95%R

PIC

95%Freq* (n)

IC 95%

RP

IC 95%

Sexo

Masculino [R

EF]32,7%

(728)(29,6%

a 36,0%)

1

Feminino

43,4% (1134)

(40,1% a 46,8)

1,33(1,21 a 1,46)

Masculino

Feminino

Idade

25 - 34 [REF]

9,5% (24)

(4,0% a 20,8%

)1

9,4% (30)

(6,0% a 14,5%

)1

35 - 4415,2%

(64)(12,0%

a 19,1%)

1,61(0,65 a 4,01)

18,0% (122)

(12,3% a 25,6%

)1,90

(1,05 a 3,45)

45 - 5424,3%

(134)(20,0%

a 29,1%)

2,57(0,91 a 7,20)

43,3% (271)

(37,0% a 49,8%

)4,58

(2,91 a 7,21)

55 - 6460,5%

(277)(53,1%

a 67,4%)

6,39(2,62 a 15,56)

71,2% (394)

(65,3% a 76,5%

)7,54

(4,70 a 12,10)

65 - 7465,5%

(229)(60,2%

a 70,4%)

6,92(2,82 a 16,98)

82,3% (394)

(75,9% a 87,3%

)8,71

(5,53 a 13,70)

Região

RA M

adeira [REF]

21,3% (80)

(16,8% a 26,7%

)1

32,6% (201)

(27,6% a 37,9%

)1

Centro

27,7% (101)

(22,7% a 33,4%

)1,30

(0,96 a 1,76)35,5%

(120)(28,6%

a 43,1%)

1,09(0,84 a 1,42)

RA Açores

23,9% (91)

(19,8% a 28,5%

)1,12

(0,93 a 1,52)41,2 %

(170)(26,9%

a 45,7%)

1,27(1,04 a 1,55)

Norte

33,6% (119)

(31,7% a 35,6%

)1,58

(1,24 a 2,01)44,3%

(201)(42,6%

a 46,0%)

1,36(1,14 a 1,62)

Lisboa e Vale do Tejo35,1%

(109) (27,1%

a 44,0%)

1,65(1,17 a 2,31)

46,0% (160)

(38,0% a 54,2%

)1,41

(1,11 a 1,80)

Algarve33,3%

(108)(28,0%

a 39,0%)

1,56(1,17 a 2,09)

47,4% (169)

(40,0% a 55,0%

)1,46

(1,15 a 1,84)

Alentejo35,3%

(120)(37,1%

a 39,8%)

1,66(1,27 a 2,16)

48,9% (177)

(44,0% a 53,8%

)1,50

(1,23 a 1,83)

Educação

Não sabe ler nem

escrever /1ºciclo [REF]

57,8% (370)

(52,5% a 62,9%

)1

70,0% (537)

(64,% a 75,0%

)1

2ºciclo/ 3ºciclo26,9%

(201)(22,7%

a 31,6%)

0,47(0,39 a 0,56)

42,9% (315)

(36,4% a 49,6%

)0,61

(0,51 a 0,73)

Secundário19,7%

(102)(14,1%

a 27,0%)

0,34(0,25 a 0,47)

28,0% (142)

(21,6% a 35,4%

)0,40

(0,32 a 0,50)

Superior21,6%

(54)(16,6%

a 27,7%)

0,37(0,28 a 0,51)

25,0% (139)

(19,1% a 32,1%

)0,36

(0,27 a 0,47)

Rendimento

Baixo Médio baixo [R

EF]34,2%

(276)(29,4%

a 39,4%)

146,3%

(527)(40,8%

a 51,8%)

1

Média

29,5% (119)

(24,5% a 35,0%

)0,86

(0,67, 1,11)39,9%

(195)(39,4%

a 46,8%)

0,86(0,73, 1,01)

Medio-alto, Alto

32,5% (291)

(28,2% a 37,2%

)0,95

(0,86, 1,06)38,6%

(327)(33,7%

a 44,0%)

0,84(0,69, 1,02)

* Frequências relativas ponderadas para a distribuição da população portuguesa por região de saúde, sexo e grupo etário em 2015.

Valores estatisticamente significativos a negrito

Freq: frequência; IC: intervalo de confiança; R

P: razão de prevalências

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nos homens e 70,0% nas mulheres. Os valores de multimorbilidade descritos para a popu-lação portuguesa mostram a dimensão desta questão em Portugal,8–10 tendo os resultados encontrados reforçado a extensão do problema. No panorama europeu, o trabalho de Puth et al, na Ale-manha, também com base num inquérito populacional em indivíduos com 18 ou mais anos de idade, revela uma pre-valência de multimorbilidade de 39,6%, com um aumento da frequência com a idade – 49,2% dos adultos entre os 50 - 59 anos apresentavam-se com multimorbilidade – e em indivíduos com menores habilitações literárias.20 Dados da população espanhola, num trabalho cuja fonte de dados foi o inquérito populacional COURAGE, revelaram um valor de multimorbilidade inferior ao encontrado no presente estudo: 20,0%.21 Também Barnett et al concluiu utilizando os dados dos registos clínicos que a prevalência de multimorbilidade na Escócia é de 23,3%.7 No entanto, as diferenças metodológicas e a inexistên-cia de uma definição consensualmente aceite para a mul-timorbilidade limita a comparação dos nossos resultados com outros trabalhos.11 O recurso a diferentes medições para o mesmo problema, com a utilização de amostras po-pulacionais distintas e diferente número e tipo de comorbi-lidades, dificulta a extrapolação dos resultados e dá origem a valores amplos de prevalência.22 Dados nacionais apon-

tam para a discrepância de resultados quando utilizadas diferentes listas de patologias. Numa mesma população, a definição de multimorbilidade adotada e as doenças cró-nicas incluídas, influenciam os resultados obtidos.23 Tam-bém a fonte de dados é variável, embora existam diversos estudos baseados em inquéritos populacionais,20,21,24 mui-tos dos trabalhos nesta área têm como base registos clíni-cos.4,6,7,10

Vários estudos mostram ainda a associação entre mul-timorbilidade e fatores socioeconómicos25: Os indivíduos que residem em áreas desfavorecidas apresentam-se com multimorbilidade 10 a 15 anos antes, quando comparados com os que habitam noutras zonas.7 Os resultados por nós obtidos estão em consonância com os estudos supracita-dos ao mostrarem uma prevalência superior de multimor-bilidade nos indivíduos mais velhos e com habilitações literárias mais baixas. Níveis educacionais mais altos as-sociam-se a um melhor estado de saúde, consequência de comportamentos mais saudáveis e maior literacia,26 o que pode justificar uma prevalência inferior de multimorbilidade. Se tivermos em consideração a variável idade, a preva-lência de multimorbilidade encontrada na população mais idosa é superior. A associação entre a maior prevalência de multimorbilidade e a idade é conhecida. Tal deve-se, apa-rentemente, ao aumento do número de anos vividos com a provável acumulação de doenças crónicas.27,28 Dados de

Tabela 3 - Modelo multivariável: Estimativa das razões de prevalência ajustadas de multimorbilidade segundo o grupo etário, região de saúde, educação e rendimento

Multimorbilidade (2 ou mais doenças crónicas)Masculino Feminino

aRP IC 95% aRP IC 95%

Idade 25 - 34 [REF] 1 1

35 - 44 1,63 (0,72 a 3,69) 1,78 (0,96 a 3,32)

45 - 54 2,27 (0,90 a 5,72) 4,17 (2,61 a 6,67)55 - 64 5,67 (2,54 a 12,65) 6,71 (4,01 a 11,21)65 - 74 5,68 (2,47 a 13,05) 7,51 (4,52 a 12,51)

Região RA Madeira [REF] 1 1

Centro 1,15 (0,89 a 1,47) 0,99 (0,79 a 1,27)

RA Açores 1,16 (0,91 a 1,48) 1,33 (1,06 a 1,67)Norte 1,45 (1,23 a 1,71) 1,31 (1,12 a 1.54)Lisboa e Vale do Tejo 1,59 (1,19 a 2,12) 1,39 (1,14 a 1.69)Algarve 1,50 (1,23 a 1,84) 1,39 (1.15 a 1.69)Alentejo 1,49 (1,17 a 1,90) 1,41 (1.17 a 1.71)

Educação Não sabe ler nem escrever /1ºciclo [REF] 1 1

2ºciclo/ 3ºciclo 0,85 (0,64 a 1,11) 0,88 (0,77 a 1,02)

Secundário 0,63 (0,47 a 0,84) 0,85 (0,69 a 1,05)

Superior 0,80 (0,54 a 1,18) 0,75 (0,58 a 0,96)

Rendimento Baixo, médio baixo [REF] 1 1

Média 0,94 (0,81 a 1,09) 0,92 (0,81 a 1,05)

Alto, médio alto 1,04 (0,90 a 1,19) 0,99 (0,87 a 1,12)IC: intervalo de confiança; aRP: razão de prevalências ajustadaValores estatisticamente significativos a negrito.

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16 países europeus mostram que a média de prevalência de multimorbilidade é de 22,7%, na faixa etária entre os 50 e os 59 anos de idade, passando para 52,8% nos indi-víduos com 70 ou mais anos.9 Em Portugal, os resultados recentemente publicados de uma coorte focada na popula-ção mais idosa, mostram que a prevalência de multimorbili-dade nestes indivíduos é de 78,3%,29 valor este semelhante aos resultados encontrados no presente estudo. Quanto ao sexo, a maior prevalência obtida no sexo feminino é coincidente com os dados da literatura.30 As mulheres têm uma esperança média de vida mais eleva-da, que aliada a fatores biológicos específicos, contribuem para um maior número de doenças crónicas concomitan-tes, tais como patologias músculo-esqueléticas ou de saú-de mental.31 Uma outra explicação prende-se com uma maior vigilância para as questões da saúde, o que leva a um maior auto reporte.32

As diferenças encontradas na prevalência de multimor-bilidade entre as diversas regiões de saúde carecem de maior investigação. Tendo sido realizado o ajustamento para a idade, educação e rendimento, uma posterior inves-tigação poderá considerar, também, diferentes condições de acesso aos serviços de saúde.33

Tratando-se de um estudo baseado num inquérito po-pulacional, existe a possibilidade dos ‘participantes’ serem distintos dos ‘não participantes’. Para limitar esta hipótese foi realizado no âmbito do INSEF um inquérito aos indiví-duos ‘não participantes’, sendo assim possível a análise de eventuais desvios entre os dois grupos. De forma a diminuir a possibilidade de diferenças entre a amostra e a popula-ção alvo, foram utilizados ponderadores para a idade, sexo e região.13

Outras limitações são passíveis de ser mencionadas. O modo de colheita de dados, realizado em centros de saú-de, poderá ter deixado de fora os utentes que, preferencial-mente, utilizam os serviços de saúde privados: 60% das consultas de especialidade em Portugal ocorrem no sector privado ou social, 26% da população portuguesa é subscri-tora de seguros de saúde voluntários34 e 27% dos medica-mentos dispensados nas farmácias têm origem em prescri-ções da medicina privada.35 A exclusão dos indivíduos com mais de 75 anos e aqueles que habitam em instituições, pode subestimar a prevalência de multimorbilidade. Embora a pergunta utilizada no INSEF salvaguarde se o diagnóstico foi feito por um médico, os dados são obtidos por auto reporte. Os inquiridos respondem, também, com informação do passado, tal poderá pressupor a existência

de um viés de memória. A relevância deste estudo prende-se com a necessida-de de conhecer a realidade da multimorbilidade no contexto nacional. A sua principal vantagem reside na dimensão da amostra e na representatividade da população portuguesa.

CONCLUSÃO A multimorbilidade apresenta-se em Portugal como um problema de magnitude assinalável, atingindo 38,3% da população com 25 - 74 anos. De acordo com os resultados encontrados, o risco de multimorbilidade é superior no sexo feminino, nos escalões etários mais velhos e nos indivíduos menos diferenciados. A existência de um estudo de base populacional, com representatividade nacional, possibilita a melhor carateriza-ção destes doentes em Portugal. Esta evidência permitirá contribuir para a atual discussão quanto à necessidade dos sistemas de saúde se adaptarem aos doentes com múlti-plas doenças crónicas, com políticas que permitam tratar melhor e com maior eficiência.

PROTEÇÃO DE PESSOAS E ANIMAIS Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

CONFIDENCIALIDADE DOS DADOS Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação de dados.

CONFLITOS DE INTERESSE Os autores declaram não ter conflitos de interesse.

FONTES DE FINANCIAMENTO O 1º Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico (INSEF 2015), parte integrante do projeto pré-definido do Programa Iniciativas em Saúde Pública “Improvement of epidemiological health information to support public heal-th decision and management in Portugal. Towards reduced inequalities, improved health, and bilateral cooperation”, beneficia de um apoio financeiro de cerca de 1.500.000€ concedido pelo Mecanismo Financeiro do Espaço Econó-mico Europeu 2009-2014 através das EEA Grants e pelo Governo de Portugal.

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RESUMOIntrodução: A associação entre multimorbilidade e gravidade da doença não está bem estabelecida. Os objetivos foram caracterizar a multimorbilidade e determinar a gravidade da doença, bem como verificar se existe associação entre o número e natureza dos diag-nósticos e o índice de Charlson.Material e Métodos: Estudo transversal realizado através de dados exportados da base de dados de internamentos, durante o ano de 2015. O estudo incluiu 22 doenças crónicas: 15 previstas no índice de Charlson e sete condições médicas frequentes (hipertensão, obesidade, dislipidemia, osteoartrose, osteoporose, ansiedade e depressão). A análise foi realizada através do modelo linear genera-lizado, regressão logística binária. Na análise, utilizou-se a ferramenta IBM SPSS versão 24.0.Resultados: Foram analisadas 800 376 hospitalizações, das quais 42% correspondem a homens. A idade média da amostra foi de 59,8 anos, sendo maior nos homens (62,3 anos). O número médio de problemas por pessoa foi de 1,6, sendo superior nos homens (1,8). A gravidade da doença também foi maior nos homens. O pior prognóstico esteve associado a seis ou mais condições por pes-soa. O maior preditor de gravidade da doença foi o número de problemas, seguido da demência e diabetes.Discussão: Os resultados parecem confirmar a diferença entre sexos quanto ao padrão de morbilidade. O número de condições por pessoa foi o maior preditor de gravidade da doença, particularmente a presença de seis ou mais condições por pessoa.Conclusão: A principal limitação identificada foi o uso das mesmas condições médicas para medir a multimorbilidade e a gravidade da doença. Outros estudos e modelos de análise devem explorar a complexidade do fenómeno da multimorbilidade.Palavras-chave: Comorbilidade; Índice de Gravidade de Doença; Multimorbilidade; Portugal

Multimorbilidade e Gravidade da Doença Medida pelo Índice de Charlson em Doentes Hospitalizados Durante o Ano de 2015: Estudo Transversal

Multimorbidity and Disease Severity Measured by the Charlson Index in Portuguese Hospitalised Patients During the Year 2015: A Cross-Sectional Study

1. Unidade de Cuidados de Saúde Primários dos Olivais. Agrupamento de Centros de Saúde de Lisboa Central. Lisboa. Portugal. 2. Departamento de Medicina Geral e Familiar. Faculdade de Medicina. Universidade de Lisboa. Lisboa. Portugal. 3. Departamento de Saúde Ambiental. Faculdade de Medicina. Universidade de Lisboa. Lisboa. Portugal.4. Laboratório de Biomatemática. Faculdade de Medicina. Universidade de Lisboa. Lisboa. Portugal.5. Departamento de Saúde Pública. Escola Nacional de Saúde Pública. Universidade NOVA de Lisboa. Lisboa. Portugal. Autor correspondente: Paula Broeiro-Gonçalves. [email protected]: 25 de setembro de 2017 - Aceite: 01 de outubro de 2018 | Copyright © Ordem dos Médicos 2019

Paula BROEIRO-GONÇALVES1,2, Paulo NOGUEIRA3,4, Pedro AGUIAR5

Acta Med Port 2019 Jan;32(1):38-46 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.9728

ABSTRACTIntroduction: The association between multimorbidity and disease severity is not well established. The objectives were to characterise multimorbidity and determine disease severity (trough Charlson), as well as to verify if there is an association between the number and type of disease and the Charlson index.Material and Methods: A cross-sectional study based on exported data from the Portuguese National Health Service hospitalisations database, during the year 2015. The study included 22 chronic health conditions: 15 predicted in the Charlson index and seven frequent conditions (hypertension, obesity, dyslipidaemia, osteoarthritis, osteoporosis, anxiety and depression). The analysis was performed through the generalised linear model, considering binary logistic regression. In the analysis, the IBM SPSS version 24.0 tool was used.Results: The study analysed 800 376 hospitalisations, from which 42% correspond to males. The average age of the sample was 59.8 years, being higher in men (62.3 years). The mean number of problems per person was 1.6, greater in men (1.8). Disease severity was also higher in males. The worst prognosis was associated with six or more conditions per person. The largest predictor of disease severity was the number of problems, followed by dementia and diabetes. Discussion: The results seem to confirm the gender difference regarding morbidity pattern. The number of conditions per person was the greatest predictor of disease severity, particularly the presence of six or more conditions per person.Conclusion: The major limitation was the use of the same medical conditions to measure multimorbidity and disease severity. Other studies and analysis models should explore the complexity of the multimorbidity phenomenon. Keywords: Comorbidity; Multimorbidity; Portugal; Severity of Illness Index

INTRODUÇÃO Os conceitos de multimorbilidade e comorbilidade refe-rem-se à ‘co-ocorrência de duas ou mais condições médi-cas numa pessoa’, neste último, para além de uma doen-ça índice.1 Os defensores do conceito de multimorbilidade tendem a concentrar-se na prática dos cuidados de saúde primários, onde a identificação de uma doença índice nem

sempre é óbvia nem útil.1-4 As estimativas de prevalência de multimorbilidade va-riam devido à falta de consenso quanto à sua definição, modo como são colhidos os dados e ao número de diag-nósticos considerados.4-10 A inexistência de padronização gera heterogeneidade o que torna os dados de prevalência

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não-comparáveis.4,7 Como referido, a frequência de multi-morbilidade (MM) varia de acordo com a medida conside-rada: 43,7% para dois ou mais diagnósticos (MM2+), 27,4% (MM3+), 14,7% (MM4+), 6,7% (MM5+) e 2,8% para seis ou mais diagnósticos coexistentes (MM6+).9

Uma outra questão crítica tem sido o facto do cálculo da estimativa de prevalência da multimorbilidade ser influen-ciado pelo número de diagnósticos considerados.4,6 Isto é, considerar quatro a sete diagnósticos conduziu a uma su-bestimação da prevalência, enquanto utilizar 12 ou mais diagnósticos gerou menor variabilidade.6 Por exemplo, um baixo número de diagnósticos (cinco diagnósticos) condu-ziu a um valor baixo de prevalência de multimorbilidade (0,3% na idade de 32,5 anos e 3,5% na idade de 75 anos) independentemente da dimensão amostral.6

Num estudo português, realizado em contexto de cui-dados de saúde primários, na população adulta, nove em cada 10 participantes (87,0%) tinham pelo menos um pro-blema de saúde crónico, com uma média geral de 3,4 (3,6 em homens, 3,3 em mulheres).11 A multimorbilidade, me-dida como MM2+ esteve presente em 72,7% da amostra e se a medida era MM3+ foi de 57,2%.11 Verificou-se uma associação significativa (p < 0,05) entre multimorbilidade e: género masculino, idade, residentes em áreas rurais, vi-ver só, ter baixo nível social (escolaridade e rendimento)11 o que confirma os resultados de outros estudos que reve-lam associação entre multimorbilidade e gradientes sociais mais desfavorecidos.11-13 Atualmente tende a existir permutabilidade entre os conceitos de multimorbilidade e comorbilidade, no entanto, o índice de Charlson contínua a transmitir a noção de gravi-dade da comorbilidade associada a uma doença índice, de-finindo o peso total de doenças com impacto no indivíduo.1

Foram desenvolvidos índices com base no número e na informação sobre gravidade das condições médicas, resultando num valor agregado. Os índices de multimorbi-lidade têm sido utilizados para monitorização de serviços e comparar grupos de doentes ou prestadores de serviços.14 O índice de Charlson foi desenvolvido com base no risco relativo de morte e mede gravidade da doença utilizando morbilidades com diferente impacto no prognóstico (e.g., ponderação de seis para tumor sólido metastizado, dois para diabetes com complicações).15,16 O índice global ou ín-dice de Charlson permite aferir a comorbilidade (e.g., índice de três ou mais pontos significa grave comorbilidade) e pre-dizer a mortalidade (e.g., índice de cinco ou mais pontos é preditor de morte a três anos, em 85% dos doentes).15 Tan-to em cuidados primários como secundários, o índice de Charlson, um dos mais amplamente utilizados17 apresentou boa discriminação para sobrevivência a curto e longo pra-zo, prevendo a mortalidade com elevado poder discrimina-tivo.18,19 Com os avanços da Medicina e o aumento da taxa de sobrevivência, problemas de saúde como a coronario-patia isquémica, a diabetes sem complicações ou a doença cerebrovascular não estiveram associadas a mortalidade levando mesmo a questionar a sua ponderação no índice de Charlson.16 Continua, no entanto, a considerar-se o índi-

ce de Charlson um instrumento de prognóstico aplicado em saúde para medir a gravidade da doença.16,20 O índice de Charlson tem sido amplamente utilizado em estudos de resultados em saúde por permitir comparações válidas e o ajuste ao risco.21,22 O ajuste ao risco é uma cons-trução complexa que envolve fatores sociodemográficos do doente (e.g., idade), estabilidade clínica aguda ou gravida-de da doença e foi criado como indicador da gravidade da doença.13,22 Tem crescido o interesse na utilização de bases de dados para estudar morbilidade, bem como o índice de Charlson aplicado a dados administrativos codificados se-gundo o CID-9.21-23 Em diversos estudos epidemiológicos o índice de Charlson foi utilizado para determinar a gravidade da doença num grupo populacional através de bases de dados.14,18-19,24 As bases de dados administrativas em inves-tigação epidemiológica fornecem informação complemen-tar aos estudos primários por corresponderem a dados da vida real, representando grandes amostras da população, sem viés de seleção.21 Conhecendo a validade do índice de Charlson enquan-to instrumento de prognóstico que permite medir gravidade de doença,16,20 importa conhecer se existe associação entre multimorbilidade e gravidade de doença, considerando-se os diagnósticos e grupo etário. Neste estudo, definiram-se como objetivos caracterizar a multimorbilidade em doentes internados nos hospitais do SNS e através do índice de Charlson determinar a gravida-de da doença na transição da idade adulta até aos grandes idosos, bem como verificar se existe associação entre nú-mero e natureza de diagnósticos e índice de Charlson.

MATERIAL E MÉTODOS Desenhou-se um estudo transversal, descritivo com componente analítica, através de dados exportados da base de dados Grupos de Diagnósticos Homogéneos (GDH). Os GDH são um sistema de classificação de doentes internados em hospitais de agudos por grupos clinicamen-te coerentes e similares do ponto de vista do consumo de recursos. Permite definir operacionalmente os produtos de um hospital que cada doente recebe em função das suas necessidades e da patologia que o levou ao internamento. Permite pois identificar os diagnósticos por episódio de in-ternamento e por indivíduo. A população considerada no estudo foi a adulta (18 e mais anos) que teve pelo menos um internamento num hospital público durante o ano de 2015. O índice de Charlson foi aplicado aos dados adminis-trativos da base de dados GDH, codificados segundo o CID-9 para determinar gravidade da doença à semelhança de outros estudos.16,21-23 A estratégia de cálculo do índice de Charlson a partir de dados provenientes de bases de dados23 cumpriu as seguintes etapas: utilizaram-se os có-digos CID10 atribuídos a cada diagnóstico de acordo com dados da literatura,25 os quais foram convertidos em códi-gos CID9 e posteriormente automaticamente ponderados de acordo com a pontuação atribuída a cada condição mé-dica (Tabela 1).

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Tabela 1 – Correspondência entre diagnósticos e códigos CID9

Condições Médicas Ponderação CID9

Coronariopatia isquémica 1

410 410.00 410.01 410.02 410.10 410.11 410.12 410.2 410.20 410.21 410.22 410.3 410.30 410.31 410.32 410.4 410.40 410.41 410.42 410.5 410.50 410.51 410.52 410.6 410.60 410.61 410.62 410.7 410.70 410.72 410.8 410.80 410.82 410.9 410.90 410.91 410.92

Insuficiência cardíaca congestiva 1 428 428.0 428.1 428.2 428.20 428.21 428.22 428.23 428.3 428.30 428.31 428.32 428.33

428.4 428.40 428.42 428.43 428.9

Doença vascular periférica 1

440 440.0 440.1 440.2 440.20 440.21 440.22 440.3 440.30 440.31 440.32 440.4 440.8 440.9 441 441.0 441.00 441.01 441.02 441.3 441.1 441.2 441.4 441.5 441.6 441.7 441.9 442 442.0 442.1 442.2 442.3 442.8 442.81 442.82 442.83 442.84 442.89 442.9 443 443.0 443.1 443.2 443.21 443.22 443.23 443.24 443.29 443.8 443.81 443.82 443.89 443.9

Doença Cerebrovascular 1

430 431 432 432.0 432.1 432.9 434 434.0 434.00 434.01 434.1 434.10 434.11 434.9 434.90 434.91 435 435.0 435.1 435.2 435.3 435.8 435.9 436 437 437.0 437.1 437.2 437.3 437.4 437.5 437.6 437.7 437.8 437.9

Demência 1290 290.0 290.1 290.10 290.11 290.12 290.13 290.2 290.20 290.21 290.3 290.4 290.40 290.41 290.42 290.43 290.8 290.9 291.2 292.82 294 294.1 294.10 294.11 294.2 294.20 294.21

DPOC 1 490 491 491.0 491.1 491.2 491.20 491.21 491.22 491.8 491.9 492 492.0 492.8

Conectivite ou doença do conjuntivo 1 517.2 695.4 710 710.0 710.1 710.2 710.3 710.4 710.5 710.8 710.9 714 714.0 714.1 714.2

714.3 714.30 714.31 714.32 714.33 714.4 714.8 714.81 714.89 714.9 725

Úlcera péptica 1

531 531.0 531.00 531.01 531.1 531.10 531.11 531.2 531.20 531.21 531.3 531.30 531.31 531.4 531.40 531.41 531.5 531.50 531.51 531.6 531.60 531.61 531.7 531.70 531.71 531.9 531.90 531.91 532 532.0 532.00 532.01 532.1 532.10 532.11 532.2 532.20 532.21 532.3 532.30 532.31 532.4 532.40 532.41 532.5 532.50 532.51 532.6 532.60 532.61 532.7 532.70 532.71 532.9 532.90 532.91 533 533.0 533.00 533.01 533.1 533.10 533.11 533.2 533.20 533.21 533.3 533.30 533.31 533.4 533.40 533.41 533.5 533.50 533.51 533.6 533.60 533.61 533.7 533.70 533.71 533.9 533.90 533.91 534 534.0 534.00 534.01 534.1 534.10 534.11 534.2 534.20 534.21 534.3 534.30 534.31 534.4 534.40 534.41 534.5 534.50 534.51 534.6 534.60 534.61 534.7 534.70 534.71 534.9 534.90 534.91

Insuficiência hepática ligeira 1 571.0 571.1 571.40 571.41 571.49 571.5 571.6 571.9

Diabetes sem complicações 1 249 249.0 249.00 249.01 249.10 249.2 249.20 250.0 250.00 250.01 250.02 250.03 250.20

250.21 250.22 250.23

Diabetes com complicações 2

249.50 249.60 249.70 250.1 250.10 250.11 250.12 250.13 250.3 250.30 250.31 250.32 250.33 250.4 250.40 250.41 250.42 250.43 250.5 250.50 250.51 250.52 250.53 250.6 250.60 250.61 250.62 250.63 250.7 250.70 250.71 250.72 250.73 250.8 250.80 250.81 250.82 250.83 250.9 250.90 250.91 250.92 250.93 357.2 362.01 362.02 362.03 362.04 362.05 362.06 362.07 366.41.

Hemiplegia ou Paraplegia 2

342 342.0 342.00 342.01 342.02 342.1 342.10 342.11 342.12 342.8 342.80 342.81 342.82 342.9 342.90 342.91 342.92 344.0 344.00 344.01 344.02 344.03 344.04 344.09 344.1 344.2 344.3 344.30 344.31 344.32 344.4 344.40 344.41 344.42 344.5 438.2 438.20 438.21 438.22 438.3 438.30 438.31 438.32 438.4 438.40 438.41 438.42

Insuficiência renal moderada a grave 2

580.0 580.4 580.8 580.81 580.89 580.9 582 582.0 582.1 582.2 582.4 582.81 582.89 582.9 583 583.0 583.1 583.2 583.4 583.6 583.7 583.8 583.81 583.89 583.9 585 585.1 585.2 585.3 585.4 585.5 585.6 585.9 586 588 588.0 588.1 588.8 588.81 588.89 588.9

Tumor sólido não metastizado ou Leucemia e Linfoma

2

140 140.0 140.1 140.3 140.4 140.5 140.6 140.8 140.9 141 141.0 141.1 141.2 141.3 141.4 141.5141.6 141.8 141.9 142 142.0 142.1 142.2 142.8 142.9 143 143.0 143.1 143.8 143.9 144 144.0 144.1 144.8 144.9 145 145.0 145.1 145.2 145.3 145.4 145.5 145.6 145.8 145.9 146 146.0 146.1 146.2 146.3 146.4 146.5 146.6 146.7 146.8 146.9 147 147.0 147.1 147.2 147.3 147.8 147.9 148 148.0 148.1 148.2 148.3 148.8 148.9 149 149.0 149.1 149.8 149.9

Doença hepática moderada a grave 3 456.0 456.1 456.2 456.20 456.21 571.2 571.4 571.42 571.8 572.2 572.3 572.4 572.8 573.5

Tumor sólido metastizado 6

196 196.0 196.1 196.2 196.3 196.5 196.6 196.8 196.9 197 197.0 197.1 197.2 197.3 197.4 197.5 197.6 197.7 197.8 198 198.0 198.1 198.2 198.3 198.4 198.5 198.6 198.7 198.8 198.81 198.82 198.89 199 199.0 199.1 199.2

SIDA 6 “042”

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Para determinar a gravidade de doença através do ín-dice de Charlson identificaram-se os 15 diagnósticos nele previstos, em que a diabetes e a insuficiência hepática têm dois níveis de gravidade, aos quais se adicionaram os problemas mais prevalentes (hipertensão arterial, obesi-dade, dislipidemia, osteoartrose, osteoporose, ansiedade e depressão)11,16 perfazendo um total de 22 diagnósticos (Tabela 1). Depois de definidos os diagnósticos a analisar identificaram-se os respectivos códigos na versão 9 da Classificação Internacional das Doenças (CID 9), classifi-cação utilizada nos Grupos de Diagnósticos Homogéneos (GDH) (Tabela 1). Da base de dados GDH correspondente a episódios de internamento, durante o ano de 2015, extraíram-se para cada episódio os dados sociodemográficos (idade e sexo) e os 22 diagnósticos de acordo com os códigos CID9 (Ta-bela 1). Os dados foram exportados, para uma matriz Excel e posteriormente para a ferramenta estatística IBM SPSS versão 24.0 para o sistema operativo Mac OS a qual supor-tou a análise dos dados. Dos dados exportados retiraram-se a população pediá-trica (0 a < 18 anos) e tendo em conta que um indivíduo pode ter um ou mais episódios de internamento num ano, à população adulta (idade igual ou superior a 18 anos) re-tiraram-se os duplicados tendo sido considerado o último episódio. Os 22 diagnósticos foram dicotomizados correspon-dendo o valor 1 à presença e 0 à ausência. O número de problemas por pessoa correspondeu ao somatório das con-dições médicas em presença. A multimorbilidade foi deter-minada de acordo com as definições de coexistência de dois ou mais diagnósticos (MM2+) até oito ou mais (MM8+). Calculou-se o índice total Charlson considerando a pon-deração atribuída aos diagnósticos na escala (Tabela 1). Este índice prevê o ajuste quanto à idade através de uma ponderação: 1 para o grupo 40 a < 50 anos; 2 para o dos 50 a < 60 anos; 3 para o dos 60 a < 70 e 4 para o dos 70 e mais anos. A análise descritiva teve em conta a idade, o número de

problemas por pessoa e o índice de Charlson como variá-veis numéricas. As variáveis numéricas foram categoriza-das para facilitar a análise:1. Grupos etários: jovens adultos [18 aos 39 anos], adul-

tos [40 aos 54 anos], adultos na pré-reforma [55 aos 64 anos], 3º idade [65 aos 74 anos], 4ª idade [75 aos 84 anos] e 5ª idade [85 + anos].

2. Total de problemas por pessoa: de acordo com as defi-nições de multimorbilidade, dois ou mais problemas por pessoa (MM2+) até oito ou mais (MM8+).

3. Índice de Charlson por gravidade: calculado com ajus-tamento para a idade [cut-off 0 a < 5; cut-off 5 a < 9; cut-off ≥ 9] ou sem ajustamento para a idade [cut-off < 5; cut-off ≥ 5].

Tendo em conta a natureza binária das variáveis, a análise foi efetuada através do modelo linear generalizado (GLM) considerando-se a regressão logística binária. A análise bivariável fez-se para cada um dos diagnósti-cos e para cada definição de multimorbilidade, como variá-veis dependentes.

Requisitos éticos A base de dados GDH, com os dados de identificação pessoal encriptados, é disponibilizada aos alunos da ENSP mediante pedido de autorização superior e compromisso de confidencialidade. O protocolo do estudo foi submetido à apreciação da Comissão de Ética para a Saúde da Administração Regio-nal de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, da qual obteve pa-recer favorável.

RESULTADOS Da base de dados GDH foram exportados 1 026 317 episódios dos quais 136 574 corresponderam a episó-dios referentes à população pediátrica (0 aos < 18 anos). Corresponderam a episódios atribuíveis a adultos 800 376 após terem sido removidos 10% por duplicação, com o objectivo de a cada pessoa corresponder um episódio (o último) tal como referido na metodologia. Quanto ao sexo 42% (336 398) eram indivíduos do sexo masculino e

Tabela 2 – Ordenação por grupo etário e sexo

Grupos etários Masculino Feminino Total Total

Adulto jovem[18 aos 39 anos] 43 263 26,80% 117 971 73,20% 161 234 100,00%

Adultos[40 aos 54 anos] 58 930 41,20% 84 224 58,80% 143 154 100,00%

Adultos na pré reforma[55 aos 64 anos] 61 524 49,80% 62 018 50,20% 123 542 100,00%

3ª idade[65 aos 74 anos] 74 859 51,00% 71 783 49,00% 146 642 100,00%

4ª idade[75 aos 84 anos] 70 507 46,50% 81 210 53,50% 151 717 100,00%

5ª idade[85 + anos] 27 315 36,90% 46 772 63,10% 74 087 100,00%

Total 336 398 42,00% 463 978 58,00% 800 376 100,00%

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58% (463 978) do feminino. A média de idade da amostra foi de 59,8 anos, sendo superior nos homens (62,3 anos), e de 57,9 anos para as mulheres. De forma a melhor compreender a distribuição, por gru-po etário e sexo, dos indivíduos que tiveram pelo menos um internamento num hospital público, durante o ano de 2015, sintetizaram-se os dados na Tabela 2. Conforme se pode observar existe um predomínio do sexo feminino em todos os grupos etários à exceção do grupo designado de terceira idade (entre os 65 e os 74 anos) grupo em que 51% eram homens. O número médio de problemas por individuo foi de 1,6, superior no sexo masculino (1,8) que no sexo feminino que foi de 1,44. A gravidade de doença através do índice de Charlson foi igualmente superior no sexo masculino (1,11) enquanto no feminino foi de 0,74 e na amostra foi de 0,90. A frequência da multimorbilidade para diferentes defini-ções [entre dois ou mais problemas por pessoa (MM2+) a oito ou mais problemas por pessoa (MM8+)] revela um declínio de frequência em todos os grupos etários quando se progride de MM2+ para MM8+: 41,9% (MM2+), 28,0% (MM3+), 18,4% (MM4+), 12,4% (MM5+), 8,8% (MM6+), 5,0% (MM7+) e 3,1% (MM8+). Não se verificou uma associação estatisticamente sig-nificativa com a idade tanto para a magnitude (número de problemas), como para a gravidade (índice de Charlson) da multimorbilidade. As médias do número de problemas e a do índice de Charlson foram crescentes até ao grupo etário

entre os 85 e os 89 anos. A partir dos 90 anos verificou-se um declínio para ambas as dimensões de multimorbilidade. Atendendo a que a frequência das condições médicas decorre dos diagnósticos previstos na metodologia e dos problemas identificados na literatura como mais frequen-tes, analisou-se a sua associação ao sexo ajustado à ida-de. Os diagnósticos associados ao sexo na análise biva-riável ajustada à idade encontram-se na Tabela 3 por or-dem decrescente do valor do odds ratio (OR). Destacam-se como problemas associados ao sexo masculino o tumor sólido não metastizado ou leucemia e linfoma, a doença hepática e doença vascular periférica. Ao sexo feminino es-tiveram associadas a osteoporose, conectivite ou doença do conjuntivo e a depressão. A ansiedade (OR 2,016) e a depressão (OR 3,972), pelo OR mais elevado estiveram associadas (p < 0,001) a idades mais jovens (grupo etário – 45 a 54 anos), enquanto que a insuficiência cardíaca (OR 223,701), a insuficiência renal (OR 44,240) e a demência (OR 1864,620) às idades mais avançadas (grupo etário – 95 e mais anos), com o mesmo nível de significância (p < 0,001). A doença hepática (OR 9,929) e a doença oncológica metastizada (OR 12,629) re-velaram associação aos grupos etários intermédios (grupo etário – 55 a 64 anos). Destaca-se a hipertensão arterial e a coronariopatia isquémica como diagnósticos com OR crescente a partir dos 65 anos. Os grupos etários dos mais jovens (até aos 45 anos) foram os que revelaram menor

Tabela 3 – Ordenação dos diagnósticos associados ao sexo Diagnósticos p OR Limite LimiteSexo masculino inferior superior Tumor sólido não metastizado ou leucemia e linfoma < 0,001 5,276 4,838 5,753

Doença hepática < 0,001 2,813 2,719 2,910

Doença vascular periférica < 0,001 2,797 2,706 2,891

Coronariopatia isquémica < 0,001 2,205 2,132 2,280

DPOC < 0,001 2,175 2,124 2,227

Úlcera péptica < 0,001 1,973 1,876 2,075

Doença renal grave ou moderada < 0,001 1,483 1,457 1,510

Tumor sólido metastizado < 0,001 1,482 1,449 1,515

Diabetes < 0,001 1,311 1,295 1,327

Doença cérebro-vascular < 0,001 1,205 1,181 1,228

Dislipidemia < 0,001 1,150 1,137 1,163

Hipertensão arterial < 0,001 1,072 1,061 1,083

Insuficiência cardíaca congestiva < 0,001 1,065 1,048 1,083

Sexo feminino Osteoporose < 0,001 6,738 6,304 7,203

Conectivite ou doença do conjuntivo < 0,001 2,775 2,632 2,925

Depressão < 0,001 2,766 2,706 2,827

Osteoartrose < 0,001 1,695 1,658 1,732

Ansiedade < 0,001 1,517 1,463 1,573

Obesidade < 0,001 1,384 1,360 1,408

Demência < 0,001 1,202 1,173 1,232

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número de diagnósticos associado a risco (OR > 1). Realizou-se a análise multivariável dos diagnósticos associados a gravidade de doença (Charlson ≥ 5) como variável dependente. Ajustou-se a totalidade dos diagnós-ticos ao sexo, à idade e ao número de problemas por pes-soa. Conforme se pode observar na Tabela 4, o número de problemas por pessoa foi o maior preditor de gravidade de doença seguido da demência, diabetes, DPOC e Insufi-ciência cardíaca por ordem decrescente do valor de OR. O sexo feminino parece ter um efeito protetor [p < 0,001; OR 0,807 (0,773: 0,842)] e a idade efeito de risco [p < 0,001; OR 1,713 (1,703: 1,724)]. Os diagnósticos incluídos pela sua frequência e não previstos no índice de Charlson não surgiram associados a gravidade de doença (Charlson ≥ 5). Contudo, para a totali-dade dos diagnósticos não incluídos na escala de Charlson (osteoartrose, osteoporose, ansiedade, depressão, hiper-tensão arterial, dislipedemia e obesidade) verificou-se as-sociação significativa com o índice total (p < 0,001) (OR próximo do zero), com aparente efeito protetor. Para aferir a associação entre as medidas de multimor-bilidade e de gravidade de doença (índice de Charlson) realizou-se através do modelo GLM a análise bivariável. Quando se utilizaram as categorias de gravidade do índice

de Charlson ajustado à idade: cut-off 5 a < 9 (grave) e cut--off ≥ 9 (muito grave) o comportamento da associação entre multimorbilidade e gravidade de doença foi diferente (Tabe-la 5) verificando-se a partir das seis condições médicas as-sociação crescente com os dois cut-off de pior prognóstico, em particular com ≥ 9. Até à definição MM5+ (cinco ou mais diagnósticos por pessoa) não houve associação ao cut-off, do índice de Charlson, de maior gravidade (≥ 9) e a tendência de as-sociação com o cut-off 5 a < 9 foi inconsistente. A partir de MM6 + o OR foi consistentemente progressivo para ambos os cut-off de gravidade.

DISCUSSÃO Dos resultados deste estudo realçam-se o número mé-dio de problemas por indivíduo superior no sexo masculi-no,1,8 bem como a gravidade de doença através do índice de Charlson.1,11 Confirma-se que frequência da multimorbi-lidade varia para diferentes definições [entre dois ou mais problemas por pessoa (MM2+) a oito ou mais problemas por pessoa (MM8+)] com declínio de frequência em todos os grupos etários quando se progride de MM2+ para MM8+: 41,9% (MM2+), 28,0% (MM3+), 18,4% (MM4+), 12,4% (MM5+), 8,8% (MM6+), 5,0% (MM7+) e 3,1% (MM8+).

Tabela 4 – Ordenação dos diagnósticos associados ao índice de Charlson ≥ 5 não ajustado para a idade na análise multivariável

Diagnósticos p OR Limiteinferior

Limitesuperior

Total de problemas corrigido < 0,001 804,571 737,763 877,430

Demência < 0,001 379,468 326,066 441,617

Diabetes < 0,001 156,458 143,129 171,028

DPOC < 0,001 111,830 100,183 124,832

Insuficiência cardíaca congestiva < 0,001 103,997 94,112 114,921

Tumor sólido não metastizado ou leucemia e linfoma < 0,001 89,627 70,070 114,643

Conectivite ou doença do conjuntivo < 0,001 86,283 73,785 100,897

Úlcera péptica < 0,001 70,029 57,713 84,974

Doença cérebro-vascular < 0,001 64,745 58,290 71,915

Doença vascular periférica < 0,001 40,663 35,344 46,783

Doença renal grave ou moderada < 0,001 33,917 29,265 39,308

Enfarte do miocárdio < 0,001 25,338 22,253 28,852

Doença hepática < 0,001 24,303 20,324 29,062

Hemiplegia ou paraplegia < 0,001 13,251 11,300 15,540

Tabela 5 - Associação entre medidas de multimorbilidade e categorias de pior prognóstico do índice de Charlson ajustado à idade

Cut-off5 a < 9 ≥ 9

p OR Limiteinferior

Limitesuperior p OR Limite

inferiorLimite

superiorMM2+ < 0,001 52,641 51,697 53,602 n.s.

MM3+ < 0,001 29,495 29,099 29,896 n.s.

MM4+ < 0,001 39,407 38,690 40,137 n.s.

MM5+ < 0,001 76,959 74,325 79,687 n.s.

MM6+ < 0,001 209,546 192,851 227,685 < 0,001 53 836,701 48 424,289 59 841,703

MM7+ < 0,001 473,172 376,402 594,822 < 0,001 24 346,826 19 366,124 30 608,496

MM8+ < 0,001 1097,052 579,187 2110,751 < 0,001 79 684,008 41 448,928 153 189,513

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Estes resultados foram ligeiramente inferiores ao do estudo Australiano à exceção de MM2+9, provavelmente por se-rem relativos a dados de internamento. Nos mais idosos (≥ 90 anos) verificou-se um declínio para todas as medidas de multimorbilidade. Os diagnósticos que estiveram associados ao sexo masculino (e.g., doença hepática ou DPOC)27,28 conferem o que se designou por coerência clínica decorrente do conhecimento empírico e confirmado por dados da litera-tura.29-36 O mesmo se verificou pela associação ao sexo feminino dos diagnósticos: doença músculo-esquelética37 (osteoporose38 e conectivite) e doença mental37 (demência, ansiedade e depressão). Os problemas de saúde associa-dos às idades mais avançadas tais como como a insuficiên-cia cardíaca e a demência estão de acordo com os dados da literatura.39 A relação entre multimorbilidade e gravidade de doen-ça não se encontra claramente estabelecida pelo que se utilizou o índice de Charlson (instrumento de prognóstico) como medida de gravidade da doença.16,20 Os índices, tal como o de Charlson, agregam a realidade complexa em indicadores únicos, como uma lista de doenças, com pon-derações de acordo com o risco de morrer. Apesar da controvérsia gerada em torno da utilização de índices17 a aplicação do índice de Charlson confirmou a relevância clí-nica e reforça a sua pertinência na futura comparabilidade entre diferentes contextos.14,18,19 A associação de pior prog-nóstico ao sexo masculino, bem como dos diagnósticos de maior gravidade, parecem confirmar o ‘paradoxo de géne-ro de morbilidade-mortalidade’ sugerindo que nos homens os cuidados deveriam centrar-se em problemas de saúde fatais, como cancro, doenças cardíacas ou cerebrovascu-lares e nas mulheres, na gestão de condições de saúde relevantes para a limitação funcional (doença osteoarticular e mental).40,41

A validade dos resultados do nosso estudo poderá deri-var da robustez conferida pela dimensão amostral, pela sig-nificância dos resultados, pelo rigor dos diagnósticos e pela sua coerência clínica anteriormente referida. Assume-se como rigor diagnóstico a inclusão de diagnósticos médicos profissionalmente precisos e a utilização de registos médi-cos classificadas de acordo com a Classificação Interna-cional de Doenças (CID). A utilização de registos médicos classificados de acordo com a CID é outro dos aspectos que contribuiu para a reprodutibilidade e validação externa dos resultados e comparabilidade da morbilidade entre os diferentes países17 ou contextos. Questiona-se se a associação ao género masculino tem a ver com a fonte de dados associada a gravidade (dados de internamento), ao paradoxo de utilização de serviços relacionados com o sexo ou mesmo a características es-pecificas da população Portuguesa. Isto porque os resul-tados revelam a associação da multimorbilidade ao sexo masculino como no estudo português realizado em CSP.11 Contudo, esses resultados não são consistentes com a meta-análise de Violan C et al, onde a maioria dos estudos incluídos revelaram associação com o sexo feminino.13

Em concordância com o número mínimo de condições médicas a incluir em estudos de multimorbilidade4 de forma a assegurar menor variabilidade,6 o nosso estudo contem-plou 22 condições de saúde crónicas, incluindo as mais fre-quentemente estudadas4 como a diabetes, a osteoartrose, a hipertensão ou o cancro.4 O modelo de análise GLM e a utilização do índice de Charlson foram outras das estraté-gias metodológicas que tornam o nosso estudo reprodutí-vel, contudo não extrapolável para a população por se tra-tar de dados de internamento. O objectivo de aferir a associação entre as medidas de multimorbilidade e de gravidade de doença (índice de Charlson) através da análise bivariável no modelo GLM confirmou a associação entre qualquer medida de multi-morbilidade (de MM2+ a MM8+) e o índice de Charlson. Quando se analisou a associação entre as medidas de mul-timorbilidade (de MM2+ a MM8+) e os três cut-off do índice de Charlson ajustado à idade (< 5, 5 a < 9 e ≥ 9) o pior prognóstico esteve associado às definições de multimorbi-lidade superiores a seis e mais condições médicas. Apesar do aparente significado clínico o mesmo não foi encontrado na literatura. Questiona-se, no entanto, se não equivalerá ao conceito de multimorbilidade complexa, definida como a “co-ocorrência de três ou mais doenças crónicas afetan-do três ou mais sistemas diferentes numa pessoa”.9 Con-sideram-se necessários estudos futuros que clarifiquem o significado da definição de multimorbilidade de seis ou mais problemas (MM6+) como medida de gravidade. Há a referir que os resultados exponenciados no modelo GLM justificam a magnitude dos valores dos OR e respectivos intervalos de confiança (Tabela 5). O número de problemas por pessoa foi o maior preditor de gravidade de doença seguido da demência, diabetes, DPOC e Insuficiência cardíaca por ordem decrescente do valor de OR. O que parece ser coerente com a diminuição da esperança média de vida associada à multimorbilidade em que cada condição crónica adicional diminui 1,8 anos de vida (variando de 0,4 menos anos com a primeira condi-ção para 2,6 menos anos com a sexta condição).17 Como limitações do estudo identificam-se o desenho transversal e a natureza e a omissão de informação de natureza socioeconómica como escolaridade, rendimento ou rede social que nos dados da literatura se encontram associados a multimorbilidade de forma consistente.12,13 Ou mesmo a omissão de fatores protetores como o elevado ní-vel educacional, o estilo de vida saudável, a boa rede social e a prática de atividades de lazer, que atenuam o efeito da multimorbilidade.42 A limitação considerada major pelos autores foi ter--se utilizado as mesmas condições médicas em ambas as medidas de multimorbilidade e de gravidade (índice de Charlson). Todavia, este estudo deixa em perspectiva in-vestigações futuras como estudos de desenho longitudinal que associem número e natureza das condições médicas e índice de Charlson ao longo do tempo em diferentes contextos (internamento, cuidados de saúde primários e população geral). Outros estudos e modelos de análise são

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necessários para que se possa explorar a complexidade do fenómeno multimorbilidade (social, mental e física) e cla-rificar a definição atual de multimorbilidade simplificada e aparentemente inadequada.17 Apesar das limitações acima identificadas, existem di-versos aspetos que tornam único este estudo tais como: ▪ Os resultados serem provenientes de uma base de da-

dos robusta, como a dos GDH, onde diagnósticos são codificados segundo a CID9 que permitiu a determina-ção da gravidade através do Índice de Charlson.

▪ A reprodutibilidade desta metodologia poderá vir a con-tribuir para a comparação entre serviços, unidades de saúde ou níveis de cuidados em investigações futuras.

▪ A dimensão amostral e a metodologia de análise permi-tirem confirmar a associação da gravidade da doença e da multimorbilidade ao sexo masculino.

▪ A associação entre a gravidade de doença e definição de multimorbilidade de seis ou mais condições médicas num individuo que poderá vir a ser uma medida simples de severidade.

CONCLUSÃO A multimorbilidade e gravidade da doença estiveram associadas ao sexo masculino. Os resultados vêm confir-mar a necessidade de intervenções em saúde adequadas ao sexo com os homens a sofrer de doenças mais graves

(doença oncológica, hepática e vascular) e as mulheres a condições médicas associadas a funcionalidade (doença osteoarticular e mental). Através do índice de Charlson, o número de problemas logo seguido da demência e da dia-betes foram os maiores preditores de gravidade da doen-ça. A definição de multimorbilidade, seis ou mais problemas por pessoa, de forma consistente esteve associada a gravi-dade de doença.

PROTEÇÃO DE PESSOAS E ANIMAIS Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com a Declaração de Helsínquia da As-sociação Médica Mundial.

CONFIDENCIALIDADE DOS DADOS Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação de dados.

CONFLITO DE INTERESSES Os autores declaram que não há conflito de interesses na publicação deste artigo.

FONTES DE FINANCIAMENTO Os autores declaram não ter recebido subsídios ou bol-sas para a elaboração do artigo.

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ABSTRACTIntroduction: Lithium can be found naturally in drinking water. There is some evidence that natural levels of lithium in drinking water may have a protective effect on suicide mortality. The aim of this study is to evaluate if higher natural concentrations of lithium in public drinking water are associated with lower local rates of suicide in Portugal.Material and Methods: Suicide standardized mortality ratios at 54 Portuguese municipalities within the 6-year period from 2011 to 2016 was correlated with lithium concentrations in public drinking water and socioeconomic factors using Pearson’s correlation coefficients (r) with one-tailed tests. Multivariate regression models were adjusted for well-known socioeconomic factors known to influence suicide mortality in Portugal (population density, average income per capita, unemployment rates and proportion of Roman Catholics).Results: The average lithium level, as evidenced by raw values for 54 municipalities, was 10.88 μg/L (standard deviation = 27.18). There was no statistically significant correlation between lithium levels and suicide standardized mortality ratio (r = 0.001, p-value = 0.996). There was a statistically significant higher suicide standardized mortality ratio for males (p-value = 0.000). When analyzed separately for both sexes, no statistically significant correlation between suicide standardized mortality ratio and lithium levels was found (male r = 0.024, p-value = 0.862; female r = 0.000, p-value = 0.999). No association between suicide standardized mortality ratio and socioeconomic factors was found: population density (r = -0.144, p-value = 0.300), average income per capita (r = -0.112, p-value = 0.418), unemployment rates (r = -0.001, p-value = 0.994), and proportion of Roman Catholics (r =- 0.150, p-value = 0.278).Discussion: Unlike most international studies regarding natural lithium levels and suicide risk, no inverse relation was found in Portugal. Factors such as the country’s low suicide rate, confunding suicide risk variables, and unaccounted lithium intake might have influenced these findings.Conclusions: No association between lithium in public drinking water and suicide rates was found in Portugal.Keywords: Drinking Water; Lithium; Portugal; Suicide; Water Supply

RESUMOIntrodução: O lítio faz parte dos constituintes naturais da água potável. Algumas evidências referem que os níveis de lítio presentes na água potável podem ter um efeito protetor na mortalidade por suicídio. O objetivo deste estudo é avaliar se concentrações mais elevadas de lítio nas águas da rede pública estão associadas a menores taxas de suicídio em Portugal.Material e Métodos: Taxas de mortalidade padronizada por suicídio em 54 municípios portugueses, no período de seis anos de 2011 a 2016, foram correlacionadas com concentrações de lítio em água potável pública e fatores socioeconómicos usando coeficientes de correlação de Pearson (r). Foram usados modelos de regressão multivariada para ajustar a relação com factores socioeconómicos tidos como possíveis influenciadores da mortalidade por suicídio em Portugal (densidade populacional, rendimento médio per capita, taxas de desemprego e proporção de católicos).Resultados: O nível médio de lítio, dos 54 municípios analisados, foi de 10,88 μg/L (desvio padrão = 27,18). Não se verificou uma correlação estatisticamente significativa entre a taxa de mortalidade padronizada por suicídio e os níveis de lítio (r = 0,001, p-value = 0,996). Apesar de ser ter verificado uma taxa de mortalidade padronizada por suicídio estatisticamente superior no sexo masculino (p-value = 0,000), quando analisados separadamente ambos os sexos, não foi encontrada correlação estatisticamente significativa entre taxa de mortalidade padronizada por suicídio e níveis de lítio (masculino r = 0,024, p-value = 0,862; feminino r = 0,000, p-value = 0,999). Não foi encontrada associação entre taxa de mortalidade padronizada por suicídio e fatores socioeconómicos: densidade populacional (r = -0,144, p-value = 0,300), índice de poder de compra (r = -0,112, p-value = 0,418), taxas de desemprego (r = -0,001, p-value = 0,994) e proporção de católicos (r = -0,150, p-value = 0,278).Discussão: Ao invés da maioria dos estudos internacionais sobre os níveis naturais de lítio e o risco de suicídio, não se encontrou em Portugal uma associação inversa. Factores como a baixa taxa nacional de suicídio, variáveis confundentes de risco suicida e outras fontes de ingesta de lítio poderão ter influenciado estes achados. Conclusões: Não se verificou uma associação entre níveis de lítio na água potável e as taxas de suicídio.Palavras-chave: Abastecimento de Água; Água Potável; Lítio; Portugal; Suicídio

Lithium in Public Drinking Water and Suicide Mortality in Portugal: Initial Approach

Lítio nas Águas de Consumo Públicas e Mortalidade por Suicídio em Portugal: Primeira Abordagem

1. Psychiatry Department. Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Coimbra. Portugal.2. Institute of Psychological Medicine. Faculty of Medicine. University of Coimbra. Coimbra. Portugal.3. Family Health Unit “CelaSaúde”. Regional Health Administration of Central Portugal. Coimbra. Portugal.4. CERENA (Centro de Recursos Naturais e Ambiente) & DECIVIL (Department of Structural engineering, Architecture and Geo-resources). Instituto Superior Técnico. Universidade de Lisboa. Lisboa. Portugal. Autor correspondente: Pedro Oliveira. [email protected]: 01 de maio de 2018 - Aceite: 10 de setembro de 2018 | Copyright © Ordem dos Médicos 2019

Pedro OLIVEIRA1,2, Joana ZAGALO3, Nuno MADEIRA1,2, Orquídia NEVES4

Acta Med Port 2019 Jan;32(1):47-52 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.10744

INTRODUCTION Suicide is one of the largest health burdens in industrial-ized nations.1 Traditionally, Portugal is touted as a country with low standardized suicide rates, alongside other coun-

tries in Southern Europe, where rates have also been de-clining - currently at around 7.5 per 100 000 inhabitants, in contrast to an European average of 10 per 100 000.2

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Suicide is considered a multifactorial event caused by a complex interaction between biological, genetic, psychological, social and environmental factors.3 The complexity of epidemiology of suicide is amplified by considerable risk variations between nations and within countries.1 Several studies from developing and industrialized countries indicate a prevalence of mental disorders in about 90% of cases of suicide; in particular, individuals with a mood disorder have a suicide risk 10 to 20 times higher than the general population.3 Several meta-analyses of clinical trials have found that suicide risk among those with mood disorders is significantly reduced when they are treated with lithium.4 It has been proposed that lithium’s anti-suicidal properties might be independent from its mood-stabilizing effects.5 The recommended serum levels for lithium in bipolar disorder maintenance therapy range between 0.6 and 1.0 mmol/L; nonetheless, the optimal blood level at which lithium exerts its possible suicide preventive effect has not been identified.6 As a natural trace element, lithium is mobilized by rock weathering to soils and ground or surface water. In some regions drinking water sources may present high concentrations of lithium, as the Lluta river (0.33 mmol/L) in Northern Chile, reflecting a natural daily intake of lithium of up to 1.5 mmol/day.7,8 Although such daily doses of lithium are considerably lower than those used therapeutically, it is unknown to what extent the intake of natural lithium might influence mental health or suicide mortality.8 Although natural lithium intake doses are relatively low, there is growing evidence that even very low lithium levels induced by routine consumption of lithium from public drinking water may have anti-suicidal effects, both in patients with mood disorders and in general population.9 However, most studies have been criticized for omitting socioeconomic confounders such as poverty and economic issues.8 Several factors such sex, age, population density, average income per capita, unemployment rates and proportion of Roman Catholics were recently shown to influence suicide mortality in Portugal.10

To address the hypothesis that lithium levels and public drinking water are inversely associated with suicide mortality, we evaluated this correlation in Portugal while adjusting the data for relevant regional socioeconomic conditions.

MATERIAL AND METHODS An empirical analysis was conducted in Portugal using an ecological study design. Portugal is divided into 308 municipalities: 278 located in continental territory, 11 in the archipelago of Madeira and 19 in the archipelago of Azores. For this study, we evaluated 54 semi-randomly selected municipalities, considering the need for homogeneous geographic distribution, covering all regions of the country. The Portuguese National Statistics Institute (INE) was the source of data regarding mortality, population and socioeconomic conditions (www.ine.pt). INE provided the official Portuguese mortality database for suicides - according to International Classification of Diseases 10th

Revision (ICD-10)11 codes X60 - X84 - in 19 age groups and both genders for every municipality and for each year in the period 2011 – 2016. Other data of interest such as population density, average income per capita, unemployment rates and proportion of Roman Catholics were also obtained using INE database. As suicide is a rare event, the annual data were pooled over time to reduce the random fluctuations of suicides within a municipality. By taking the difference in gender and age distribution of individual municipality populations into account, the standardized mortality ratio (SMR) of suicide was calculated for each municipality taking the age composition of general Portuguese population as standard. Lithium levels were obtained from public drinking water samples that were collected from private houses in Portugal. Samples are representative of the water that is consumed by the Portuguese population for drinking or cooking every day. Public drinking water may be derived from groundwater or from surface water (e.g. lakes, rivers, artificial reservoirs) and could be mixed in the distribution system. Lithium was analyzed by inductively coupled plasma mass spectrometry (ICP-MS), with a detection limit of 1 µg/L, at a certified laboratory (Actlabs, Canada), after acidifying water (HNO3 until pH < 2) and without sample filtration after collection. The sample data were collected between 2011 and 2014. In total, 54 water supplies from 54 municipalities were analyzed. Subthreshold values (< 1 µg/L) were found in eight samples. We used Pearson’s correlation coefficients (r) with one tailed tests to study the correlation between local suicide SMR and lithium concentrations, population density, average income per capita, unemployment rates and proportion of Roman Catholics. The same was done between SMR and because of greater differences in population size across the 54 municipalities, weighted least squared (WLS) regression analyses adjusted for the size of the population per district were employed to test for the robustness of univariate and multivariate statistics. Multivariate regression models incorporated those covariates that were significantly correlated with SMR for suicide (population density, average income per capita, unemployment rates and proportion of Roman Catholics) in correlation tests. Data analysis was performed on SPSS 23.0 for Windows. The level of significance considered was 5% (p - value < 0.05).

RESULTS In 2011 - 2016, total suicide SMR mean was 1.19, standard deviation (SD) = 0.97; males 1.74 (SD = 1.05) and females 0.55 (SD = 0.63). The lowest suicide SMR was found in Santa Cruz das Flores (Azores archipelago) and Porto Santo (Madeira archipelago), both without suicide deaths. The highest suicide SMR in both sexes was found in Fronteira (Alentejo) with total SMR of 7.12; 5.94 for males and 4.67 for females (Fig. 1A). There was a higher suicide SMR for males. This difference was statistically significant (p–value = 0.000). The average lithium level, as evidenced by raw values

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Figure 1 – Spatial distribution of: (A) standardized mortality ratio (SMR) for suicide: (B) lithium levels in public drinking water

SMR, suicide

Lithium levels (µg/L)

2.5

20

1.5

10

0.5

0

2.0

15

1.0

5

0.0 No data

No data

A

B

Azores archipelago

Azores archipelago

Madeira archipelago

Madeira archipelago

Portugal

Portugal

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for 54 municipalities, was 10.88 μg/L (SD = 27.18). The highest level was found in Castelo Branco (191 μg/L) (Fig. 1B). There was no statistically significant correlation between lithium levels and suicide SMR (Fig. 2). When SMR was analyzed separately for both sexes, no statistically significant correlation was found (Male r = 0.024, p-value = 0.862; Female r = 0.000, p-value = 0.999). The average population density was 476.2 per km2 (SD = 1188.80). The highest population density was found in Lisbon (the capital of Portugal) of 6446.2 per km2 and the lowest was found in Mértola (5.6 per km2). No statistically significant correlation was found between suicide SMR and population density (Table 1). The average relative income per capita found in the analyzed municipalities was lower (96.42%; SD = 24.81) than the national average of the total income per capita. No statistically significant correlation between suicide SMR and income was identified (Table 1). The average unemployment rate was 12.69% (SD = 2.83), 11.96% (SD = 3.23) for males and 13.60% (SD = 3.19) for females. The highest unemployment rate was 20.9% in Ponte de Sor (Alentejo) and the lowest was 7.3% in São Roque (Azores). There was no statistically significant correlation between suicide SMR and unemployment rates (Table 1). The average proportion of Roman Catholics was 80.3% (SD = 9.8). The highest proportion of Roman Catholics was found in Póvoa do Lanhoso (94.7%) and the lowest in Lagos (58.7%). There was also no statistically significant

correlation between suicide SMR and the proportion of Roman Catholics (Table 1). In the final weighted (WLS) multivariate model, no statistically significant differences between lithium levels and suicide SMR remained.

DISCUSSION This is the first study in Portugal (Europe’s largest producer of lithium) investigating the association between natural lithium levels in public drinking water and suicide rates. We evaluated whether higher natural lithium levels in the public drinking water were associated with lower local suicide rates in 54 semi-randomly selected Portuguese municipalities. Overall, we found no association between public drinking water lithium levels and mortality from suicide. The natural lithium levels in drinking water have correlated inversely with suicide risk in most,8,9,12–17 but not all studies regarding the relationship between drinking water lithium levels and suicide rates1,6,18 Most of these studies did not consider variables associated with variations in suicide rates such as population density, average income per capita, unemployment rates and religiousness; an apparently negative correlation might have been interfered by these important biases. However, we hypothesize some explanations for this apparent lack of correlation between lithium levels in drinking water and suicide SMR. First, Portugal has one of the lowest suicide rates; many other studies analyzed countries with substantial higher suicide ratios. In such populations, the impact of lithium could be more effective given lithium’s anti-suicidal properties could only emerge in individuals with mental disorders and with higher risk factors for suicide.4 Second, although we have taken into account variables such as the unemployment rate and income per capita, such variables could have varying contributions in different countries. Portugal has one of the highest unemployment rates and one of the lowest incomes per capita in comparison with other studied countries. It is estimated that these factors will have a greater relative

Figure 2 – Lithium levels in public drinking water and standardizes mortality ratios (SMR) for suicide from 2011 to 2016

Lithium levels (µg/L)

SMR

, sui

cide

0 50 100 150 2000.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5

3.0

Table 1 – Correlation between municipality characteristics and standardized mortality ratios (SMR)

Suicide SMR

r p-value

Lithium level, mean (ug/L) 0.001 0.996

Purchasing power index, % -0.112 0.418

Population density (per km2) -0.144 0.300

Unemployment rate, % -0.001 0.994

Proportion of Roman Catholics, % -0.150 0.278

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interference in suicide rates, reducing the possible influence of lithium levels in drinking water.10 In addition, Portugal has recently emerged from one of the greatest contemporary economic and social crisis, a factor influencing suicide rates as demonstrated by Santana et al.10 Third, public drinking water may constitute a small fraction of lithium intake. Portugal is also a country with high bottled water and vegetable consumption.19 In 2014, the average consumption of bottled water per inhabitant was 112 L, which is one of the highest among European countries.19 There are no drinking water standards for lithium in bottled water in the European Union and there may be significant differences between different types of water. In Portuguese natural mineral and spring bottled waters lithium concentration ranges from < 1 up to 318 444 mmol/L.20 Vegetables and grains are another important dietary source of lithium and in some regions may account for two-thirds of lithium intake.21

The physiological basis for lithium’s anti-suicidal effects, even at plasma levels usually considered as therapeutic, remains largely unknown. From a clinical perspective, it has been hypothesized that lithium may exert its anti-suicidal effects by reducing relapses of mood disorders.3 From a behavioral point of view, the anti-suicidal effect of lithium might be related to its anti-aggressive effects, which have been shown in various species, populations and settings.5 Neurobiological mechanisms that may be involved in the anti-suicidal effects of lithium include decreased impulsivity and hostile or aggressive behavior. Such an effect may be mediated by enhanced functioning of the central serotoninergic system.3 Several recent studies suggest that lithium also has stimulating effects on neurogenesis22 which might relate with its clinical effects. Although national suicide prevention programs are being increasingly implemented in many countries and researchers keep seeking for effective preventive interventions, it is highly controversial whether adding lithium to public drinking water would reduce suicide mortality, as previously suggested regarding the supplementation of water with fluoride for dental caries prevention. Not only is there no clear evidence of protective effects, nor is the safety of these procedures clear. High lithium concentrations in public drinking water could have deleterious implications for human health. Additional research is needed to understand how lithium in public drinking water could affect thyroid function, pregnant women and fetuses in utero.6,8

Our study has some limitations. First, the present findings were derived from 54 municipalities of Portugal (31% of the general population), and thus only limited generalization is possible. Second, we could not factor other dietary sources of lithium uptake like bottled water,

vegetables and grains.16 We could not account people’s daily job/living area and their tap/bottled water consumption tendencies. On the other hand, lithium rich food may come from the worldwide market and different countries. Third, we did not take in account the accessibility to the health care system of different populations. Finally, the ecological nature of this study cannot determine a causal relationship between lithium levels in public drinking water and suicide mortality.

CONCLUSION In conclusion, an association between concentrations of lithium in Portuguese public drinking water and suicide rates remains uncertain. Although this study does not show an association between these two variables, given its various limitations, a cause-effect relationship can be latent. The basis of lithium’s positive effect, if it occurs, is unclear, including its apparent ability to reduce suicides in long-term treatment with clinically meaningful doses. Further studies involving increased sampling and considering other interfering factors will be required, as well as a more in-depth study of the mechanisms involved in the possible action of lithium when in naturally occurring amounts. Despite the need for future research, this study adds further insight on the relationship between natural lithium water levels and suicide mortality.

ACKNOWLEDGEMENTS We would like to thank Fundação para a Ciência e a Tecnologia for the support through UID/ECI/04028/2013 projects and to the Portuguese National Statistics Institute.

PROTECTION OF HUMANS AND ANIMALS The authors declare that the procedures were followed according to the regulations established by the Clinical Research and Ethics Committee and to the Helsinki Declaration of the World Medical Association.

DATA CONFIDENTIALITY The authors declare having followed the protocols in use at their working center regarding patients’ data publication.

CONFLICTS OF INTEREST All authors report no conflict of interest.

FUNDING SOURCES The authors were supported by Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Project UID/ECI/04028/2013) and the Portuguese National Statistics Institute.

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RESUMOIntrodução: O consentimento informado é um processo ativo na relação médico-doente, assente em valores éticos e legais. O ato anestésico tem riscos inerentes, que devem ser alvo de consentimento específico. O objetivo deste estudo foi avaliar o grau de implementação do consentimento informado escrito para o ato anestésico no contexto de cirurgia eletiva.Material e Métodos: Estudo observacional prospetivo, num hospital terciário e universitário, em 230 doentes com idade igual ou superior a 60 anos submetidos a cirurgia eletiva entre maio e julho de 2017. Aos doentes elegíveis que consentiram participar, foi realizada entrevista clínica no dia prévio à cirurgia. No pós-operatório, foi averiguada a técnica anestésica realizada, e a existência do consentimento informado por escrito para o ato anestésico e cirúrgico. Doentes incapazes de dar consentimento informado ou admitidos na unidade de cuidados intensivos após cirurgia foram excluídos.Resultados: Em 225 (97,8%) dos doentes, verificou-se a obtenção, por escrito, do consentimento informado para o ato cirúrgico, mas apenas em 96 (41,7%) verificou-se a obtenção por escrito do consentimento informado para o ato anestésico. De entre os doentes sem registo de consentimento informado para o ato anestésico, foram mais prevalentes antecedentes de acidente vascular cerebral, anemia e scores de Charlson e de estado físico conforme à Sociedade Americana de Anestesiologia mais elevados.Discussão: Identificámos uma baixa implementação do consentimento informado escrito para o ato anestésico. Esta situação pode ter importantes implicações em contexto de responsabilidade disciplinar, civil ou penal.Conclusão: Apesar da sua importância, a prática do consentimento informado escrito para o ato anestésico nesta instituição não está implementada regularmente.Palavras-chave: Anestesia; Consentimento Informado/ética; Consentimento Informado/legislação e jurisprudência; Procedimentos Cirúrgicos Eletivos; Responsabilidade Legal; Termos de Consentimento

Obtenção de Consentimento Informado para Anestesia em Cirurgia Eletiva num Hospital Terciário: Práticas e Contexto Ético-Legal

Obtaining Informed Consent for Anesthesia in Elective Surgery at a Tertiary-Care Hospital: Practices and Ethical-Legal Context

1. Serviço de Anestesiologia. Centro Hospitalar São João. Porto. Portugal.2. Departamento de Anestesiologia. Faculdade de Medicina. Universidade do Porto. Porto. Portugal.3. Departamento de Investigação e Ação Penal. Ministério Público. Porto. Portugal. Autor correspondente: Luís Guilherme Casimiro. [email protected]: 01 de abril de 2018 - Aceite: 24 de setembro de 2018 | Copyright © Ordem dos Médicos 2019

Luís Guilherme CASIMIRO1, Sara PEREIRA2, Sofia PIRES3, Joana MOURÃO1,2

Acta Med Port 2019 Jan;32(1):53-60 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.10592

ABSTRACTIntroduction: Informed consent is an active process of the doctor-patient relationship, based on ethical and legal principles. The anesthetic act has inherent risks, which should be subject of specific consent. The aim of this study was to evaluate the degree of implementation of written specific informed consent for anesthesia in the context of elective surgery.Material and Methods: An observational prospective study, at a tertiary university hospital, in 230 patients aged 60 years or older, undergoing elective surgery between May and July 2017. Eligible patients who consented to participate were interviewed clinically on the day before surgery. In the postoperative period, the anesthetic technique and the existence of the written informed consent for the anesthetic and surgical procedures were assessed. Patients who were unable to give informed consent or those admitted in the Intensive Care Unit after surgery were excluded. Results: Written informed consent for the surgical procedure was obtained for 225 (97.8%), while it was obtained in just 96 (41.7%) patients for the anesthetic act. There was a higher prevalence of stroke, anemia, and higher Charlson and physical American Society of Anesthesiologists scores in patients without written informed consent for the anesthetic act.Discussion: We identified a low implementation of written informed consent for anesthesia. This situation may have important implications in the context of disciplinary, civil or criminal liability.Conclusion: Despite its importance, the practice of written informed consent for anesthesia in this institution is not yet implemented on a regular basis.Keywords: Anesthesia; Consent Forms; Elective Surgical Procedures; Informed Consent/ethics; Informed Consent/legislation & jurisprudence; Liability, Legal

INTRODUÇÃO A obtenção do consentimento informado (CI) pressupõe o esclarecimento do doente acerca da proposta terapêu-tica, médica ou cirúrgica, e, com base no seu sistema de valores, este decide aceitá-la ou não.1 Para ser válido e cumprir o seu propósito, deve constituir um processo ativo

de diálogo participado nas decisões sobre saúde do doen-te.2 O doente deve ser esclarecido sobre todos os riscos inerentes ao procedimento de forma clara e objetiva, sem discrepância de informação face ao profissional de saú-de. A decisão do doente, deve ser reconhecida como uma

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manifestação legítima de autonomia, desde que livre e es-clarecida.3

O CI é valorizado sob dois pontos de vista: o ético, como peça fundamental da relação médico-doente e da autono-mia do doente; o legal, enquanto instituto que permite a au-todeterminação sobre os riscos assumidos, delimitando a responsabilidade que recai sobre o médico.4 O CI, particu-larmente se registado por escrito, constitui um instrumen-to documental e prova de defesa num eventual processo judicial de responsabilidade médica. Está consagrado em várias normas legais e deontológicas, como a Convenção de Oviedo,5 a Lei de Bases da Saúde,6 o Estatuto7 e Código Deontológico da Ordem dos Médicos,8 a Norma 015/2013 da Direção-Geral da Saúde,3 o Código Civil9 e o Código Penal.10 O consentimento para atos anestésicos foi durante muito tempo considerado implícito no caso de intervenções cirúr-gicas eletivas. O cirurgião dominava quase exclusivamente o bloco operatório, não existindo autonomia ou responsa-bilidade dos restantes intervenientes, independentemente da sua diferenciação. Assim, ficava a seu cargo apresentar a proposta anestésica ao doente. Gradualmente, a Aneste-siologia afirmou-se como especialidade diferenciada, com campos de intervenção próprios e autónoma em múltiplas competências, que superam o ato de anestesiar. A relação entre cirurgião e anestesiologista tornou-se horizontal, e o contacto direto entre o doente e o anestesiologista convoca a sua responsabilidade pessoal e civil em regime cumu-lativo, vinculando-o à obrigação de meios11 e à obtenção de consentimento livre e esclarecido para as técnicas que propõe. A autonomia do anestesiologista em relação à restante equipa está consagrada no Código Deontológico da Ordem dos Médicos8: “o médico, no exercício da sua profissão, é técnica e deontologicamente independente e responsável pelos seus atos”. Porém, os trabalhos de Tait et al e Zar-negar et al mostram que os doentes continuam a atribuir maior importância ao consentimento para o ato cirúrgico do que para o ato anestésico, recordando-se melhor da infor-mação discutida acerca da intervenção cirúrgica propria-mente dita.12,13

O ato anestésico tem natureza, propósito, benefícios, alternativas e riscos próprios, que devem ser alvo de dis-cussão e consentimento específicos. Apenas o anestesio-logista tem as competências e conhecimentos necessários à formulação e discussão de um plano anestésico e suas particularidades. Por esse motivo, a discussão e obtenção do consentimento para o ato anestésico deve ser uma obri-gação ética e legal do anestesiologista, e não de outros profissionais de saúde. Vários autores verificaram que a obtenção de CI próprio para o ato anestésico melhora a compreensão acerca dos procedimentos anestésicos, seus benefícios e efeitos laterais, assim como do papel do anes-tesiologista na intervenção.14,15

A Direção-Geral de Saúde preconiza as práticas de transmissão de informação adequada e documentação do CI sugeridas pela literatura atual.3,16,17 Sugere que seja

obtido CI por escrito, em formulário próprio, para a cirur-gia eletiva com recurso a qualquer técnica anestésica. A existência deste formulário constitui uma forma prática de documentar a decisão do doente. O objetivo deste estudo foi avaliar a obtenção do CI es-crito para o ato anestésico no contexto de procedimentos cirúrgicos eletivos em doentes com idade igual ou superior a 60 anos, num hospital terciário universitário.

MATERIAL E MÉTODOS Após aprovação pela comissão de ética institucional, realizámos um estudo observacional prospetivo no serviço de Anestesiologia de um hospital terciário universitário. O estudo foi desenhado com o intuito de estudar a população idosa submetida a cirurgia eletiva, dada a sua prevalência crescente, as suas comorbilidades, qualidade de vida e outcome cirúrgico. Foram incluídos neste estudo doentes com idade igual ou superior a 60 anos, submeti-dos a cirurgia eletiva das especialidades de Cirurgia Geral, Urologia, Ginecologia, Cirurgia Plástica, Cirurgia Vascular, Ortopedia ou Cirurgia Maxilo-Facial. Foram selecionados os doentes intervencionados entre maio e julho de 2017. Os doentes admitidos em Unidade de Cuidados Intensi-vos no pós-operatório, com incapacidade de compreender a língua portuguesa, ou com incapacidade de dar CI para participação neste estudo foram excluídos. Foi realizada uma entrevista clínica no dia prévio à ci-rurgia onde recolhemos os seguintes dados: procedimen-to cirúrgico proposto, dados demográficos, antecedentes patológicos, medicação habitual, classificação do estado físico de acordo com a Sociedade Americana de Anestesio-logia (ASA), índice de Charlson, escala de fragilidade clíni-ca e capacidade cognitiva avaliada pelo Montreal Cognitive Assessment (MoCA). O índice de Charlson é um indicador com valor prognóstico, que classifica e valoriza as comor-bilidades do doente de modo a estimar a sua mortalida-de a 10 anos.18,19 A escala de fragilidade clínica estratifica os doentes de acordo com o seu nível de vulnerabilidade, constituindo um forte preditor de eventos adversos pós--cirúrgicos.20,21 O Montreal Cognitive Assessment (MoCA) constitui um método de deteção precoce de disfunção cog-nitiva, que se encontra adaptado à população portugue-sa.22–24 Foi considerado um cut-off clínico de 26,25 abaixo do qual se considerou existir défice cognitivo do doente. No período pós-operatório, foram obtidos do processo clínico do doente os dados referentes à técnica anestési-ca e à obtenção de CI por escrito para o ato anestésico e para o ato cirúrgico. Apesar de desaconselhado, ainda é frequente o primeiro contacto do anestesiologista com o doente ser no pré-operatório imediato, momento no qual deverá obter o CI escrito. Deste modo, a existência do CI escrito para o ato anestésico foi apenas averiguada após o procedimento cirúrgico. Os doentes foram agrupados de acordo com a existên-cia ou não de CI por escrito para o ato anestésico, permitin-do averiguar a existência, ou não, de condições do doente ou do procedimento anestésico, associadas à ausência de

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CI por escrito. Para análise estatística, utilizámos os testes de Mann--Whitney para variáveis contínuas. Para as variáveis cate-góricas, aplicámos o teste de qui-quadrado de Pearson, o teste de associação linear por linear e o teste exato de Fi-sher. As diferenças foram consideradas significativas quan-do p < 0,05. A análise foi realizada com recurso ao IBM Sta-tistical Package for Social Sciences (SPSS Inc. Chicago, IL), versão 24.0.

RESULTADOS Estudámos 230 doentes, dos quais 124 (53,9%) eram do sexo feminino e 106 (46,1%) do sexo masculino. A mé-dia de idades foi 70,92 anos. Em 225 doentes (97,8%), verificámos registo de CI por escrito para o ato cirúrgico, enquanto o mesmo foi verifica-do em apenas 96 (41,7%) para o ato anestésico. Nenhum dos casos de consentimento escrito ausente para o ato anestésico se deveu ao não consentimento por parte do doente. Em cinco doentes (2,2%) verificámos a inexistência de CI documentado por escrito, para ambos os procedimentos (cirúrgico e anestésico). A ausência de CI escrito para o ato anestésico associou--se a uma maior prevalência de antecedentes de acidente vascular cerebral (p = 0,021) e de anemia (p = 0,028), bem como scores de Charlson19 (0,017) e classificação de esta-do físico ASA (p = 0,046) mais elevados. Não identificámos associação significativa com as restantes variáveis estuda-das, antecedentes de patologia neurológica, psiquiátrica, cardiovascular, ou maior índice de fragilidade. Os resulta-dos obtidos encontram-se discriminados na Tabela 1. A distribuição dos doentes pelos serviços cirúrgicos encontra-se descrita na Tabela 2. Não foram encontradas diferenças significativas na distribuição dos doentes pelos diferentes serviços cirúrgicos.

DISCUSSÃO Apenas 96 (41,7%) doentes tiveram registo do CI por escrito para o ato anestésico, enquanto 225 (97,8%) o tive-ram para o ato cirúrgico. Estes resultados são concordan-tes com trabalhos anteriores, que mostraram uma maior implementação do consentimento para atos cirúrgicos do que para atos anestésicos.12,26 A ausência de consentimen-to escrito para o ato anestésico, neste caso, não traduz a ausência de autonomia do doente, uma vez que este con-sente o ato cirúrgico, mas possivelmente a falta de sensibi-lização do anestesiologista para esse facto. De entre o grupo de doentes com ausência de CI para o ato anestésico, verificámos uma maior prevalência de doentes com antecedentes de anemia, acidente vascular cerebral, estado físico ASA e Charlson mais elevados. O risco aumentado de complicações particulares, devem ser adequadamente discutidas aquando da obtenção de CI para o ato anestésico. Os doentes com antecedentes de acidente vascular ce-rebral apresentam a priori territórios vasculares cerebrais

debilitados, encontrando-se particularmente suscetíveis às possíveis complicações decorrentes de eventuais episó-dios intraoperatórios de hipoperfusão cerebral, nomeada-mente novo episódio isquémico, e disfunção cognitiva pós--anestésica.27–29

A anemia pré-operatória constitui um fator de risco in-dependente de outcomes peri-operatórios adversos30–32 e necessidade de transfusão no decurso da intervenção ci-rúrgica.33,34 Estas consequências podem ser potenciadas pela própria anemia iatrogénica decorrente da hemodilui-ção durante o procedimento, e pela depressão simpática e cardíaca induzida pela anestesia.32,35 A proposta anestésica deverá ter em conta fatores específicos que podem contri-buir pela opção de uma determinada técnica anestésica: a severidade e tipo de anemia, o nível de compensação fisio-lógica e a perda hemática esperada. A possível indicação para transfusão sanguínea durante o procedimento deverá ser discutida com o doente, respeitando e registando ade-quadamente a sua vontade. Os doentes com pontuação mais elevada nos scores de Charlson19 e no estado físico ASA apresentam, global-mente, pior condição física e mais comorbilidades, consti-tuindo um grupo mais suscetível à ocorrência de compli-cações peri-operatórias, necessidade de intervenções não planeadas e sequelas de severidade variável. Como tal, é importante que estes doentes sejam adequadamente infor-mados acerca da sua condição, riscos e alternativas. Esta abordagem deve ser sistematizada no sentido de ajustar a informação às capacidades cognitivas do doente ou, se indicado, informando adequadamente o seu representante legal e obtendo consentimento deste. Para cinco dos 230 doentes incluídos no estudo (2,2%) não foi documentada a obtenção de CI por escrito para a intervenção cirúrgica ou anestésica, revelando o incum-primento, por parte da equipa de médicos e enfermeiros do bloco operatório, das indicações para a cirurgia segu-ra segundo a Organização Mundial de Saúde e a Norma 002/2013 da DGS.36,37 Esta situação pode criar sérias di-ficuldades no esclarecimento da licitude das intervenções realizadas, porque apenas o CI livre e esclarecido permite transferir para o doente os riscos, de outro modo suporta-dos pelo médico.4

Atualmente, o CI é um pré-requisito legal em qualquer intervenção médica e fulcral na legitimidade desta, consa-grado em várias normas legais e deontológicas, de entre as quais o Código Deontológico da Ordem dos Médicos,8 o Código Civil9 e o Código Penal.10 Permite delimitar a res-ponsabilidade que recai sobre o médico ou sobre o doen-te,38,39 pois este, ao consentir, apropria-se conscientemente dos riscos de que foi informado.40 O dever de informar está preconizado a nível disciplinar e jurídico. O anestesiologis-ta tem áreas bem delimitadas de responsabilidade perante o doente, e, portanto, responde direta e pessoalmente por eventual atuação negligente.11

Em Portugal, a responsabilidade disciplinar médica é regulada pelo Estatuto Disciplinar Médico41 e Código Deon-tológico da Ordem dos Médicos;8 estes instrumentos de

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Tabela 1 - Características demográficas e clínicas dos doentes observados (n = 230)

Variável,n (%) ou mediana (P25 - P75)

Totaln = 230

Com CI por escrito para ato anestésico

n = 96 (41,7)

Sem CI por escrito para ato anestésico

n = 134 (58,3)Valor p

SexoFemininoMasculino

124106

54 (43,5)42 (39,6)

70 (56,5)64 (60,4)

p = 0,547Ɨ

Idade 230 69,0 (65,0 – 77,0) 70,0 (65,0 – 77,0) p = 0,863ǂ

ASA1234

101258510

6 (60,0)56 (44,8)32 (37,6)2 (20,0)

4 (40,0)69 (55,2)53 (62,4)8 (80,0)

p = 0,046¶*

Score Charlson 230 5,0 (3,0 – 9,0) 7,0 (4,0 – 10,0) p = 0,017ǂ*

MoCA 230 22,0 (18,0 – 26,0) 22,0 (18,0 – 26,0) p = 0,976ǂ

Fragilidade clínicaRobustoBem/saudávelControladoVulnerávelFragilidade leveFragilidade moderadaFragilidade severa

24467139162113

11 (45,8)21 (45,7)27 (38,0)14 (35,9)9 (56,2)9 (42,9)5 (38,5)

13 (54,2)25 (54,3)44 (62,0)25 (64,1)7 (43,8)12 (57,1)8 (61,5)

p = 0,844¶

Antecedentes de EAMSimNão

16214

6 (37,5)90 (42,1)

10 (62,5)124 (57,9)

p = 0,721Ɨ

Antecedentes de AVCSimNão

15215

2 (13,3)94 (43,7)

13 (86,7)121 (56,3)

p = 0,021Ɨ*

Antecedentes de demênciaSimNão

6224

2 (33,3)94 (42,0)

4 (66,7)130 (58,0)

p = 0,508ǁ

Antecedentes de patologia neurológica

SimNão

17213

8 (47,1)88 (41,3)

9 (52,9)125 (58,7)

p = 0,644Ɨ

Antecedentes de patologia psiquiátrica

SimNão

33197

15 (45,5)81 (41,1)

18 (54,5)116 (58,9)

p = 0,640Ɨ

Antecedentes de anemiaSimNão

47183

13 (27,7)83 (45,4)

34 (72,3)100 (54,6) p = 0,028Ɨ*

Insuficiência cardíaca congestiva

SimNão

18212

7 (38,9)89 (42,0)

11 (61,1)123 (58,0)

p = 0,798Ɨ

Doença cardíaca isquémicaSimNão

19211

8 (42,1)88 (41,7)

11 (57,9)123 (58,3) p = 0,973Ɨ

DPOCSimNão

11219

4 (36,4)92 (42,0)

7 (63,6)127 (58,0) p = 0,484ǁ

SAOSSimNão

10220

4 (40,0)92 (41,8)

6 (60,0)128 (58,2) p = 0,590ǁ

Insuficiência renal crónica,SimNão

20210

6 (30,0)90 (42,9)

14 (70,0)120 (57,1) p = 0,265Ɨ

DiabetesSimNão

57173

19 (33,3)77 (44,5)

38 (66,7)96 (55,5) p = 0,138Ɨ

Patologia tiroideiaSimNão

25205

10 (40,0)86 (42,0)

15 (60,0)119 (58,0)

p = 0,852Ɨ

Técnica anestésicaGeralCombinadaRegionalSedação

137503211

55 (40,1)23 (46,0)13 (40,6)5 (45,5)

82 (59,9)27 (54,0)19 (59,4)6 (54,5)

p = 0,898¥

P25 - P75: intervalo entre percentis; CI: consentimento informado; ASA: classificação de estado físico de acordo com a classificação da Sociedade Americana de Anestesiologistas; MoCA: capacidade cognitiva avaliada pelo Montreal Cognitive Assessment; EAM: enfarte agudo do miocárdio; AVC: acidente vascular cerebral; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crónica; SAOS: síndrome da apneia obstrutiva do sono.* Estatisticamente significativo, p < 0,05; Ɨ Teste do χ2 de Pearson; ǂ Teste de Mann-Whitney; ¶ Teste linear-by-linear association; ǁ Teste exato de Fisher; ¥ Teste qui-quadrado

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regulação são vinculativos para todos os médicos inscritos na Ordem dos Médicos e visam garantir a adequação da prática médica aos parâmetros de qualidade exigidos. A obrigatoriedade do CI está preconizada no Estatuto7 (art. 135º) e no Código Deontológico da Ordem dos Médicos8 (art. 19º e 20º). A responsabilidade disciplinar é invocada aquando da violação (por ação ou omissão) dos deveres e regras de conduta específicas da classe médica, cabendo exclusivamente à Ordem dos Médicos o exercício da ação disciplinar.42

Quanto à responsabilidade civil, as ações por respon-sabilidade médica podem ser sobretudo de dois tipos: por má prática ou erro técnico; ou por violação dos direitos dos doentes, nomeadamente os direitos à autodeterminação e liberdade do doente, intimamente relacionados com o con-ceito de CI.4 No âmbito da responsabilidade civil (contratual ou extracontratual) é necessário que exista uma conduta voluntária da qual resulte ilicitamente um dano no doente, um nexo de causalidade adequada entre o facto praticado pelo médico e o dano e, seja demonstrado, que o médico atuou com culpa.11 O Código Civil9 visa proteger os bens jurídicos de direito à autodeterminação, integridade física e integridade moral da pessoa humana. As intervenções cirúrgicas não são isentas de riscos que podem condicionar um agravamen-to do estado de saúde do doente, pelo que é fundamental que este esteja esclarecido acerca dessas possíveis com-plicações. O consentimento esclarecido tem importância fulcral no estabelecimento da licitude da intervenção médi-co-cirúrgica (artigo 340º do Código Civil).9 A sua ausência pode estar implicada em processos litigiosos por danos não patrimoniais (por violação do direito à autodeterminação e liberdade) ou patrimoniais (por agravamento do estado de saúde no contexto de intervenções médico-cirúrgicas ar-bitrárias). O médico terá, então, o dever de indemnizar o doente pelos danos sofridos com a sua atuação.43

De acordo com o artigo 150º do Código Penal,10 as in-tervenções médico-cirúrgicas realizadas por médicos ou outros profissionais devidamente qualificados, com finalida-de terapêutica e de acordo com as leges artis não são con-sideradas ofensas à integridade física/corporal. Se, por sua vez, uma intervenção for realizada de acordo com as leges

artis, de forma tecnicamente correta, porém sem consenti-mento adequado (e válido de acordo com os pressupostos do artigo 157º), constitui uma intervenção médico-cirúrgica arbitrária e crime contra a liberdade pessoal, punível até três anos de prisão ou com pena de multa. Quando o médi-co atua possibilitando um risco não consentido pelo doen-te e este se concretiza, pode enfrentar processo penal por ofensa à integridade física por negligência (art. 148º) ou homicídio por negligência (art. 137º).44 O consentimento permite apenas afastar violações da autodeterminação do doente, não de outros bens jurídicos.45

Apesar da importância do formulário de CI, são conhe-cidas decisões de tribunais estrangeiros, nomeadamente o australiano e o britânico,46,47 que recusaram o valor destes documentos com o argumento de que haviam sido reduzi-dos a formalidades desprovidas de informação apropriada (em alguns estudos, menos de metade dos doentes foram informados acerca das alternativas terapêuticas)48 ou com-preensão pelo doente da situação a consentir (uma per-centagem significativa de doentes assina o consentimento sem ter compreendido o seu direito legal ao mesmo).48 Em Portugal, existe ainda pouco contacto com processos de responsabilidade médica relacionados com o CI (Acórdãos de 09/10/2014 e 7/03/2017 do Supremo Tribunal de Justi-ça),49,50 e nenhum processo por ausência de CI por escrito para o ato anestésico. A mera assinatura de um formulário não é, portanto, su-ficiente para garantir a validade do consentimento enquan-to vontade devidamente esclarecida e livre, algo que está claramente estabelecido na Norma 015/2013 da Direção--Geral da Saúde, atualizada a 04/11/20153: “o processo de obtenção do CI não se esgota no procedimento administra-tivo de obter a anuência escrita ou verbal do doente para o ato proposto, devendo ser uma atitude sistemática e contí-nua do exercício dos profissionais de saúde”. Muitos doentes desconhecem termos médicos e têm no-ções erradas acerca do procedimento anestésico,13,51 que devem ser esclarecidas. A prática do CI para o ato anes-tésico melhora a compreensão acerca dos procedimentos anestésicos, seus benefícios e efeitos laterais por parte dos doentes.13,14 Apesar da inexistência de um consenso acerca da informação a discutir sistematicamente com os doentes,

Tabela 2 - Distribuição dos doentes observados por serviço cirúrgico (n = 230)

Serviço n (%)

Totaln = 230

Com CI por escrito para ato anestésico

n = 96 (41,7)

Sem CI por escrito para ato anestésico

n = 134 (58,3)Valor p

Cirurgia Geral 92 37 (40,2) 55 (59,8)

p = 0,584ǁ

Cirurgia Vascular 21 8 (38,1) 13 (61,9)

Ginecologia 11 6 (54,5) 5 (45,5)

Ortopedia 32 18 (56,3) 14 (43,8)

Cirurgia Plástica 14 5 (35,7) 9 (64,3)

Urologia 53 19 (35,8) 34 (64,2)

Cirurgia Maxilo-Facial 7 3 (42,9) 4 (57,1)

Total, n (%) 230 96 (41,7) 134 (58,3)ǁ Teste exato de Fisher; CI: consentimento informado

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é sempre sensato discutir: qual o procedimento proposto e porquê; benefícios e resultados esperados; riscos, compli-cações e consequências; alternativas à proposta. O critério de adequação e suficiência da informação partilhada para fins de autodeterminação passa pelo padrão do doente concreto.42 Deve procurar-se transformar a obrigação legal em incentivo ao diálogo com troca de informação adequada a cada situação particular e adequação do plano às preo-cupações, características individuais e probabilidade de cada outcome no doente concreto.38 Estes fatores podem influenciar a proposta anestésica, nomeadamente na deci-são por anestesia geral ou regional pelas suas caracterís-ticas e riscos distintos.52 Devem ser evitados formulários demasiado complexos ou sobrecarregados de informação, assim como linguagem demasiado técnica, que possam di-ficultar a compreensão pelo doente. As falhas na informação e compreensão dos atos anes-tésicos podem causar insatisfação do doente ou seu re-presentante face aos cuidados médicos e, assim, constituir fatores de risco para litígio.53 Efetivamente, a literatura exis-tente confirma a insatisfação face à informação transmiti-da acerca de diferentes alternativas anestésicas, riscos e benefícios do procedimento.12 Verificou-se, também, pouca consistência entre a informação partilhada por diferentes anestesiologistas de uma mesma instituição.13 Alguns au-tores afirmaram já que, em determinados contextos, a ina-dequada comunicação entre médico e doente pode ser a principal causa de litígio,54 daí ser fundamental a avaliação pré-anestésica em consulta própria para o efeito, tal como preconizado pela norma nº 029/2013 da Direção Geral de Saúde, “Avaliação Pré-Anestésica Para Procedimentos Eletivos”.17

Para além de devidamente informado, o processo de CI deve ser documentado adequadamente. A manutenção de registos esclarecedores, nomeadamente no processo clínico do doente, é uma prática fundamental na aborda-gem médica, contribuindo para o esclarecimento da vali-dade do consentimento e prestação de cuidados médicos adequados. No entanto, outros autores verificaram que apenas uma proporção insatisfatória dos médicos o faz por rotina.26,55 Esta omissão pode dificultar o esclarecimento acerca da validade do CI. Os anestesiologistas referem várias dificuldades na ob-tenção do CI para o ato anestésico - a atual sobrecarga do sistema nacional de saúde predispõe a que muitas vezes o anestesiologista se encontre com o doente apenas minutos antes da cirurgia, sem tempo nem condições apropriadas a uma discussão esclarecedora e livre de pressões externas. Em trabalhos anteriores, uma grande parte dos anestesio-logistas referiu sentir dificuldades na seleção da informa-ção a partilhar,26 ou devido a barreiras de comunicação e escassez de tempo.55 Apesar de constituírem uma realida-de, estas dificuldades não podem justificar a ausência do CI enquanto imperativo ético-legal. Neste estudo verificámos não existirem diferenças en-tre a obtenção de CI por escrito para o ato anestésico entre

as diferentes intervenções cirúrgicas, o que permite inferir que a insuficiente implementação do CI para o ato anesté-sico é transversal a toda a instituição. Foi utilizado um for-mulário de CI previamente criado pela Comissão de Ética Institucional. Este apresenta linguagem simples e acessí-vel, e informação sucinta de forma a incentivar a discussão oral, sendo prático para o uso sistemático na prática clínica. Quanto às limitações deste estudo, foi estudado ape-nas a população idosa e um pequeno número de doentes, um número limitado de serviços hospitalares, e somente as práticas de um único hospital.

CONCLUSÃO Tendo em conta as limitações inerentes do presente trabalho, previamente inumeradas, foi-nos possível identi-ficar uma diminuta implementação do CI por escrito para o ato anestésico. Existe a necessidade de generalização e uniformização do processo de obtenção do CI para os atos anestésicos. A avaliação pré-operatória, a prática de CI específico para o ato anestésico e o seu registo são fundamentais para o esclarecimento do doente acerca do status da Anestesiologia enquanto especialidade distinta e complementar na intervenção médico-cirúrgica. O CI é um dever ético, disciplinar e legal em qualquer intervenção, que visa proteger a autodeterminação do doente, reconhecido nas várias normas legais e deontológi-cas. A autonomia do anestesiologista e ato anestésico está consagrada e este tem, portanto, a obrigação de obter o CI para esse procedimento. Para ser válido, o consentimento deve ser adequadamente informado e documentado, con-tribuindo para a prevenção e esclarecimento de eventual processo litigioso. A ausência de CI válido constitui uma violação das boas práticas médicas e do bem jurídico de liberdade, podendo ser invocada a responsabilidade disci-plinar, civil ou penal do médico responsável. Apesar das dificuldades na sua implementação regular, a obtenção de CI escrito para o ato anestésico é de grande importância e não deve ser negligenciada. Seria também pertinente estudar a prática do CI por escrito numa popula-ção mais jovem, de modo a obter comparações e estudar uma possível subvalorização da discussão com doentes mais idosos e sua capacidade de autodeterminação. Seria igualmente pertinente, verificar se esta realidade é trans-versal a outros Centros Hospitalares Portugueses, mesmo não universitários, e quais as razões para a não implemen-tação do consentimento anestésico de uma forma sistemá-tica.

PROTEÇÃO DE PESSOAS E ANIMAIS Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com a Declaração de Helsínquia da As-sociação Médica Mundial.

CONFIDENCIALIDADE DOS DADOS Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação de dados.

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CONFLITO DE INTERESSES Os autores declaram que não há conflito de interesses na publicação deste artigo.

FONTES DE FINANCIAMENTO Os autores declaram não ter recebido subsídios ou bol-sas para a elaboração do artigo.

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RESUMOIntrodução: A Convenção sobre os Direitos das Crianças e normas nacionais da Direção Geral da Saúde conferem aos adolescentes o direito às decisões sobre a sua saúde. O objectivo deste estudo foi identificar as dinâmicas de implementação do assentimento e do consentimento informado, em ambiente hospitalar.Material e Métodos: Estudo transversal e multicêntrico realizado a partir de inquéritos. Incluídos adolescentes dos 14 aos 18 anos e pais respectivos. Foram ainda entrevistados os diretores de serviço e assistentes hospitalares.Resultados: Obtiveram-se 194 respostas de adolescentes e pais e efetuaram-se 46 entrevistas a médicos e diretores dos serviços. Adolescentes e pais consideram importante a participação no processo de decisão mas os pais valorizam de forma significativamente superior a sua participação (91,7% vs 47,8%, p < 0,001 no grupo 14 - 15 anos; 91,8% vs 53,1%, p = 0,001, no grupo 16 - 17 anos), bem como a do médico (89,6% vs 69,6%, p = 0,016 no grupo 14 - 15 anos; 91,8% vs 69,4%, p = 0,005 no grupo 16 - 17 anos). Os folhetos informativos são pouco perceptíveis pelos adolescentes. Os oito diretores consideraram que os médicos estão sensibilizados para comunicar com os adolescentes mas têm pouco tempo disponível. Dos 38 assistentes, 36 afirma ter aprendido com os colegas mais velhos e confirmam lacunas na formação pós graduada.Discussão: Este estudo pioneiro em Portugal permitiu a identificação de áreas passíveis de otimização, através de programas da educação para a saúde para pais e adolescentes, informação escrita adequada à idade e formação no ensino pré graduado para estudantes de Medicina e educação nas instituições de saúde para os profissionais.Conclusão: Os adolescentes e pais desconhecem as normas legais e éticas quanto ao consentimento e assentimento. Não fica demonstrada a implementação do direito dos adolescentes ao assentimento informado / consentimento informado. Propõem-se pro-gramas locais de sensibilização para adolescentes e pais.Palavras-chave: Adolescente; Consentimento Informado; Pais; Pessoal de Saúde; Portugal; Tomada de Decisões

Consentimento Informado - Visão e Perspetivas de Adolescentes, Pais e Profissionais: Estudo Multicêntrico em Seis Hospitais

Informed Consent - Vision and Perspectives of Adolescents, Parents and Professionals: Multicentric Study in Six Hospitals

1. Departamento de Pediatria. Faculdade de Medicina de Lisboa. Lisboa. Portugal.2. Serviço de Pediatria. Hospital Beatriz Ângelo. Loures. Portugal.3. Serviço de Pediatria Médica. Hospital Santa Maria. Lisboa. Portugal.4. Departamento de Pediatria. Hospital Pediátrico de Coimbra. Coimbra. Portugal.5. Serviço de Pediatria. Hospital de Faro. Faro. Portugal.6. Serviço de Pediatria. Hospital do Espírito Santo. Évora. Portugal.7. Serviço de Pediatria Médica. Hospital de S João. Porto. Portugal.8. Consultora Independente para os Direitos da Criança. Portugal. Autor correspondente: Maria do Céu Machado. [email protected]: 22 de maio de 2018 - Aceite: 20 de dezembro de 2018 | Copyright © Ordem dos Médicos 2019

Maria do Céu MACHADO1, Rodrigo SOUSA2, Rosário STONE1,3, Maria Inês BARRETO4, Filipa GARCÊS5, Carla CRUZ6, Susana GOMES6, Mariana RODRIGUES7, Ana Isabel GUERREIRO8

Acta Med Port 2019 Jan;32(1):61-69 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.10826

ABSTRACTIntroduction: According to the Convention on the Rights of Children and the national standards of the Portuguese Directorate-General for Health, adolescents have the right to make decisions about their own health. The aim of this study was to identify the dynamics of the implementation of assent and informed consent in hospital settings.Material and Methods: Cross-sectional and multicentre study based on surveys, which included adolescents from 14 to 18 years and their parents. Heads of departments of Pediatrics and attending physicians were also interviewed.Results: 194 responses from adolescents and parents were collected, and 46 interviews were conducted with physicians and heads of department. Adolescents and parents consider participation in decision making important, but parents value their own participation significantly higher (91.7% vs 47.8%, p < 0.001 in the 14 - 15 year group, 91.8% vs 53, (89.6% vs 69.6%, p = 0.016 in the 14 - 15 year group, 91.8% vs 69.4%, p = 0.005 in the 16 - 17 years group). Information leaflets are difficult to understand by teenagers. The eight heads of department felt that doctors have awareness towards communication with teenagers but have little time available. Of the 38 attending physicians, 36 said they had learned from their older colleagues and confirmed gaps in postgraduate training.Discussion: This pioneering study in Portugal enabled the identification of areas that can be optimized, through health education programs for parents and adolescents, written information that is adequate to the different age groups, training in undergraduate education for medical students and also education in health institutions for professionals.Conclusion: Adolescents and parents, are unaware of legal and ethical standards for consent and assent. The implementation of the adolescents’ right to informed assent / informed consent was not observed. Our proposal is to implement local programs for adolescents and parents.Keywords: Adolescent; Decision Making; Health Personnel; Informed Consent; Parents; Portugal

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INTRODUÇÃO Em 2015, comemorou-se o 25º aniversário da ratifica-ção da Convenção sobre os Direitos da Criança pela As-sembleia da República Portuguesa. Importa reflectir sobre as implicações que a Convenção tem em Portugal, nomea-damente na implementação do direito da criança a exprimir a sua opinião em questões que lhe digam respeito e de que essa opinião seja considerada.1,2 O direito ao consentimento informado (CI) a partir dos 16 anos está aprovado em vários países europeus como Portugal, Espanha, Países Baixos, Polónia e Noruega.3 O artigo 38º, n.º 3 do Código Penal português garante aos menores que tenham 16 anos de idade e discernimento para avaliar o sentido e alcance do consentimento no mo-mento em que o presta, a capacidade para consentir uma intervenção médica.4 A norma 15/2013 da DGS considera que qualquer me-nor com 16 ou mais anos de idade e com o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do ato diagnós-tico ou terapêutico que lhe é proposto, pode consentir ou dissentir.5

A utilização da idade para definir se o adolescente pode consentir é mensurável e objectiva mas não considera a variabilidade individual de cada criança. Investigação empí-rica permitiu elaborar ferramentas padronizadas para aferir a capacidade da criança expressar o consentimento, das quais é exemplo a MacArthur Competence Assessment Tool for Clinical Research modificada para pesquisa clí-nica. A aplicação desta escala mostrou que, a partir dos 11,2 anos, a criança será provavelmente competente para consentir6 pelo que Heins propõe que nos ensaios clínicos, o consentimento substitua o assentimento informado (AI) acima dos 12 anos.7

De acordo com as recomendações do Comité sobre os Direitos da Criança8 e da Convenção Europeia sobre os Di-reitos do Homem e a Biomedicina,9 há uma tendência para a autonomia progressiva dos menores em matéria de saú-de e não apenas a partir de uma idade pré-estabelecida.10 Em Inglaterra, o caso Gillick contra West Norfolk e Wisbech (1986) introduziu a prática do consentimento baseado na capacidade do menor. A ‘competência de Gillick’ determina que a criança que possui maturidade e inteligência sufi-cientes para compreender plenamente a índole e as conse-quências da intervenção, tem também a capacidade para consentir a mesma intervenção,11 o que tem sido progressi-vamente aplicado na Irlanda, Inglaterra, Escócia e País de Gales.3 Embora o direito ao CI esteja consagrado em legisla-ção nacional e internacional, os estudos existentes sobre as práticas hospitalares demonstram que a experiência dos jovens varia entre hospitais e dentro do mesmo hospital.12,13 Vários estudos demonstram uma falha ao nível da comuni-cação com as crianças hospitalizadas.4,15-17

Entre os factores que podem influenciar o processo de obtenção de AI ou de CI incluem-se a educação e cultura da criança, a atitude e o papel dos pais, a capacidade de comunicação, o tempo disponível e o próprio conhecimento

e sensibilidade dos médicos.13, 17-19 Com o objectivo de perceber as dinâmicas existentes na implementação do direito dos adolescentes de 14 e 15 anos e de 16 e 17 anos respectivamente ao AI e ao CI em ambiente hospitalar, os autores conduziram um estudo prospectivo em adolescentes portugueses e aos seus pais, complementado por entrevista aos médicos dos respetivos serviços.

MATERIAL E MÉTODOS Estudo transversal e multicêntrico efectuado a partir de inquéritos ad hoc, baseado em ferramentas de avaliação em contexto hospitalar, aplicadas previamente em estudos internacionais.20

Decorreu em Unidades de Internamento, Consulta ou Técnicas de seis Departamentos/Serviços de Pediatria dos Hospitais de Santa Maria, São João, Pediátrico de Coim-bra, Espírito Santo de Évora, Faro e Instituto Português de Oncologia de Lisboa, entre julho de 2015 e agosto de 2016. Em cada centro, incluíram-se adolescentes dos 14 aos 18 anos assim como os seus pais. Paralelamente, foram entrevistados com base em questionário próprio os Direto-res de Serviço e assistentes hospitalares de Pediatria Mé-dica ou de outras especialidades pediátricas. Os adolescentes dos 14 aos 15 anos e 364 dias (re-feridos como G14 - 15) responderam a inquérito sobre assentimento informado e dos 16 aos 17 anos e 364 dias (referidos como G16 - 17) responderam a inquérito próprio sobre consentimento informado. Pretendia-se conhecer a sua vivência quanto à informação obtida e à comunicação com o profissional de saúde. O mesmo foi pedido aos pais, de forma autónoma e independente. Os dados foram analisados através do software SPSS (versão 20.0; SPSS Inc., Chicago, IL). A significância esta-tística das associações foi avaliada através da aplicação do teste de qui-quadrado e teste exato de Fisher, quando apropriados. Foram considerados estatisticamente signifi-cativos valores de p < 0,05. A equipa de investigação foi coordenada pelo Departa-mento de Pediatria do Hospital de Santa Maria e o projecto de investigação foi submetido à Comissão de Ética do Cen-tro Académico de Medicina de Lisboa (que integra o HSM e a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa) e aceite em Fevereiro de 2015.

RESULTADOSGlobais Obtiveram-se 194 respostas aos inquéritos a adoles-centes e seus pais e efetuaram-se 46 entrevistas a médi-cos e diretores dos serviços pediátricos referidos. Os dados da amostra global de 240 participantes en-contram-se na Tabela 1. As Tabelas 2, 3, 4 e 5 referem-se aos resultados positivos. Apesar da distribuição não homogénea, obtiveram--se respostas de todos os centros e dos vários grupos propostos.

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Adolescentes dos 14 aos 18 anos Foram distribuídos inquéritos a 97 adolescentes, 48 dos quais (49,5%) com idade entre 14 e 15 anos e 364 dias e 49 (50,5%) com idade entre 16 e 17 anos e 364 dias (Tabela 2). A maioria dos adolescentes refere ter tido informações úteis sobre a sua saúde, na escola ou em casa, com maior peso no grupo mais jovem. No hospital, cerca de 1/3 recebeu informação escrita sobre os seus direitos e mais de 90% refere que o médico se apresentou e explicou, de forma que consideraram com-preensiva, a situação clínica e a intervenção necessária, sem diferenças significativas entre os dois grupos. Mais de metade dos adolescentes do G14-15 (59,6%) e cerca de 2/3 do G16 - 17 (67,3%) sentiram que tiveram oportunidade de dar opinião sobre o tratamento, embora a percepção de que tinham sido ouvidos e respeitado o seu assentimento (grupo mais jovem) e o consentimento (mais velhos) tenha sido diferente (78,6% vs 81,8% pelos pais e 64,3% vs 66,7% pelos médicos), sem significância estatís-tica. Quanto à partilha da responsabilidade nas decisões so-bre a sua saúde, cerca de metade dos adolescentes acre-ditam que os pais devem participar no processo e cerca de

2/3 valoriza a inclusão dos médicos, sem diferenças signi-ficativas entre os grupos. Quanto à participação do próprio adolescente, os entrevistados de 16 - 17 anos valorizaram de forma superior a sua inclusão quando comparados com os seus pares de 14 - 15 anos (65,3% vs 52,2%), sem di-ferenças estatisticamente significativas. Na prática apenas 20,8% dos adolescentes mais novos e 25,5% dos mais velhos participaram na decisão durante a sua estadia no hospital.

Pais dos adolescentes dos 14 aos 18 anos Foram distribuídos inquéritos a 97 pais, 48 dos quais de adolescentes entre os 14 anos e os 15 anos e 364 dias e 49 de adolescentes entre os 16 anos e os 17 anos e 364 dias. (Tabela 3). Dos 97, 74 eram mães (76,3%): 37 (77,1%) no G14-15 e 37 (75,5%) no G16 - 17. A maioria dos pais de ambos os grupos considerou que o médico forneceu explicações relativas à condição clí-nica do filho e que estas foram compreensíveis. De igual modo, a maioria considerou que o médico explicou a situa-ção ao adolescente de forma adequada à sua compreen-são. Durante a sua estadia e relativamente à obtenção de informação escrita sobre os seus direitos, afirmaram-no po-sitivamente cerca de 60% dos pais dos mais novos e 50%

Tabela 1 - Distribuição da amostra por centro e por subgrupo (n = 240)

Hospital CidadeDiretores

(n = 8)Médicos (n = 38)

Adolescentes + pais

14 - 15(n = 48+48)

16 - 17(n = 49+49)

HSM Lisboa 3 9 4 6

IPO Lisboa 1 6 4 0

HSJ Porto 1 5 12 10

HPC Coimbra 1 6 9 16

HES Évora 1 6 11 11

HF Faro 1 6 8 6

Total 8 38 96 98

Tabela 2 - Resultados do inquérito aos adolescentes

Questões fechadas 14 - 15 anos(n = 48)

16 - 17 anos(n = 49) p

Recebeste informações úteis sobre a tua saúde na escola, em casa ou outro local? 36/48 (75,0%) 34/49 (69,4%) NS

Enquanto estiveste no hospital, recebeste informação escrita sobre os teus direitos? 18/47 (38,3%) 16/45 (35,6%) NS

O/a médico(a) que tratou de ti, apresentou-se? 45/48 (93,8%) 45/49 (91,8%) NS

O/a médico(a) explicou-te a tua doença, tratamento, consequências, etc ? 46/48 (95,8%) 46/47 (97,9%) NS

Percebeste tudo o que te foi explicado? 45/48 (93,8%) 47/49 (95,9%) NS

Tiveste a oportunidade de dar a tua opinião sobre o tratamento ? 28/47 (59,6%) 33/49 (67,3%) NS

Os teus pais ouviram a tua opinião sobre o tratamento? 22/28 (78,6%) 27/33 (81,8%) NS

O(A) teu(tua) médico(a) ouviu a tua opinião sobre o tratamento ? 18/28 (64,3%) 22/33 (66,7%) NS

Na tua opinião, quem deve participar nas decisões sobre a tua saúde?

O próprio adolescente 24/46 (52,2%) 32/49 (65,3%) NS

Os pais 22/46 (47,8%) 26/49 (53,1%) NS

O médico 32/46 (69,6%) 34/49 (69,4%) NS

Tiveste que tomar alguma decisão durante esta permanência no hospital? 10/48 (20,8%) 12/47 (25,5%) NS

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dos mais velhos. Aproximadamente 2/3 dos pais de ambos os grupos relataram que o adolescente teve oportunidade para dar a sua opinião sobre o tratamento. Segundo os pais, esta opinião foi por si tomada em consideração em 80% e 75% das situações, respectivamente no G14 - 15 e no G16 - 17. De igual modo, consideraram que os mé dicos levaram em conta aquela opinião em pouco mais de 60%. Aproximada-mente 40% dos pais de ambos os grupos descreveram ter sido necessário tomar alguma decisão oral ou por escrito relativamente ao tratamento do seu filho. No que diz respeito à partilha de responsabilidades na tomada de decisões sobre a saúde dos adolescentes de 14 - 15 anos, aproximadamente 90% dos pais de ambos os grupos valorizaram o papel do médico, bem como o seu próprio papel. A inclusão do adolescente na decisão foi considerada importante por pouco mais de 55% dos pais de ambos os grupos. Quando questionados sobre as decisões relativas a adolescentes de 16 - 17 anos, enquanto os valores relati-

vos ao papel dos pais e do médico permaneceram seme-lhantes (cerca de 90%), verificou-se um aumento da valo-rização da participação do próprio adolescente (68,1% nos pais de adolescentes de 14 - 15 anos e 75,5% nos pais de adolescentes de 16 - 17 anos).

Médicos Diretores de serviço Foram entrevistados oito diretores de serviço, incluindo serviços de Pediatria (5), Neonatologia (1), Cirurgia Pediá-trica (1) e Genética Médica (1) (Tabela 4). Destes, sete referiram existir orientações sobre CI e AI, sendo realizada a respetiva monitorização em seis. Em quatro serviços houve ações de sensibilização e em cinco ações sobre o envolvimento do adolescente no processo de decisão. Todos os diretores consideraram que os pro-fissionais de saúde têm formação e sensibilização adequa-da para comunicar com adolescentes, ainda que 3 destes refiram que o tempo disponível não é adequado.

Tabela 3 - Resultados do inquérito aos pais

Questão fechadas 14 - 15 anos(n = 48)

16 - 17 anos(n = 49) p

Recebeu informação escrita/ou útil sobre os direitos enquanto pai/mãe ? 29/47 (61,7%) 25/49 (51%) NS

O/a médico(a) que tratou o seu/sua filho(a) explicou-lhe a doença, tratamento, consequências, etc? 47/48 (97,9%) 44/47 (93,6%) NS

Percebeu tudo o que lhe foi explicado? 46/46 (100%) 48/49 (98%) NS

O/a médico(a) explicou ao seu/sua filho(a) a doença, tratamento, consequências, etc? 48/48 (100%) 48/49 (98%) NS

Na sua opinião, o/a médico(a) conseguiu falar com o(a) seu/sua filho(a) de modo que ele/ela percebesse? 47/47 (100%) 45/47 (95,7%) NS

O(a) seu/sua filho(a) teve a oportunidade de dar a sua opinião sobre o tratamento? 31/48 (64,6%) 32/47 (68,1%) NS

Tomou em consideração a opinião do(a) seu/sua filho(a)? 22/31 (80,0%) 24/32 (75,0%) NS

A opinião do(a) seu/sua filho(a) foi tomada em consideração pelo médico(a)? 19/31 (61,3%) 20/32 (62,5%) NS

Foi necessário tomar alguma decisão oral ou escrita em relação ao tratamento do(a) seu/sua filho(a)? 20/48 (41,7%) 20/48 (41,7%) NS

Na sua opinião, quem deverá participar na decisão sobre a saúde dos adolescentes dos 14 aos 15 anos e 364 dias?

O próprio adolescente 28/48 (58,3%) 27/49 (55,1%) NS

Os pais 44/48 (91,7%) 46/49 (93,9%) NS

O médico 43/48 (89,6%) 45/49 (91,8%) NS

Na sua opinião, quem deverá participar na decisão sobre a saúde dos adolescentes dos 16 aos 17 anos e 364 dias?

O próprio adolescente 32/47 (68,1%) 37/49 (75,5%) NS

Os pais 43/47 (91,5%) 45/49 (91,8%) NS

O médico 42/47 (89,4%) 45/49 (91,8%) NS

Considera importante os adolescentes dos 14 aos 15 anos e 364 dias participarem nas decisões que afetam a sua saúde? 40/46 (87%) 31/48 (64,6%) NS

Considera importante os adolescentes dos 16 aos 17 anos e 364 dias participarem nas decisões que afetam a sua saúde? 44/47 (93,6%) 40/49 (81,6%) NS

O(a) seu/sua filho(a) costuma participar nas decisões familiares (tempos livres, destino de férias, tipo de refeições, etc)? 45/47 (95,7%) 46/49 (93,9%) NS

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Assistentes hospitalares Foram entrevistados 38 assistentes hospitalares: 31 pe-diatras, 2 neonatologistas e 5 cirurgiões pediátricos (Tabela 5). Todos os entrevistados consideraram importante a in-formação do adolescente, o seu envolvimento no proces-so de decisão e a obtenção do CI escrito e do AI oral. A maioria referiu ter tido formação pré graduada e adquirido experiência prática sobre CI escrito e AI oral durante a sua especialização e/ou formação pós graduada. Apenas 30% referiu ter participado em ações de sensi-bilização sobre CI e AI e 36 dos 38 (94,7%) consideraram

ter lacunas na sua formação sobre esta temática. A maioria referiu ter conhecimento das orientações do serviço sobre CI escrito (84,2%) e AI oral (76,3%). Quanto à sua atividade diária, aproximadamente ¾ referiu promo-ver a informação, o envolvimento no processo de decisão e obtenção do CI e AI. Apenas 7,9% dos médicos participou em investigação.

Partilha de decisões de saúde: Adolescentes e pais Uma sub-análise das respostas dos adolescentes de 14 - 15 anos e dos pais demonstrou que valorizam de forma semelhante a participação do adolescente no processo de

Tabela 4 - Resultados do questionário aos diretores de serviço

Orientações e monitorização n = 8Existe uma orientação do serviço sobre o CI escrito e AI oral? 7

O serviço monitoriza a implementação efetiva do CI? 6

Formação e prática n = 8As orientações sobre o CI escrito foram divulgadas aos médicos nos últimos 5 anos? 8

As orientações sobre o AI oral foram divulgadas aos médicos nos últimos 5 anos? 7

Nos últimos cinco anos, foi organizada alguma ação de sensibilização sobre a informação aos adolescentes? 4

E sobre o envolvimento no processo de decisão ou o direito ao CI escrito? 5

E sobre o direito ao AI oral? 5

Considera que os profissionais de saúde têm formação e sensibilização adequada para comunicar com adolescentes? 8

Considera que os profissionais de saúde têm tempo disponível adequado para comunicar com adolescentes? 5

Tabela 5 - Resultados do questionário aos assistentes hospitalares

Opinião n = 38Considera que a informação do adolescente, o envolvimento na decisão ou a obtenção do CI escrito é importante? 38 (100%)

E do assentimento informado? 38 (100%)

Formação n = 38

Durante a sua formação, teve alguma disciplina que incluísse a informação às crianças, o seu envolvimento na decisão ou o direito ao CI escrito? 33 (86,8%)

E ao assentimento informado oral? 34 (89,5%)

Durante a sua formação, teve alguma prática sobre como informar as crianças, envolve-las na decisão ou obter o CI escrito? 32 (84,2%)

E o assentimento informado? 34 (89,5%)

Durante a sua vida profissional, alguma vez participou numa ação de sensibilização, formação ou outra sobre informação às crianças, envolvimento na decisão ou o direito ao CI escrito? 14 (36,8%)

E ao assentimento informado oral? 13 (34,2%)

Considera ter havido alguma lacuna na sua formação geral ou continuada na informação às crianças, envolvimento na decisão e direito ao CI escrito? 36 (94,7%)

E ao assentimento informado oral? 36 (94,7%)

Prática n = 38Conhece as orientações do serviço sobre o CI escrito? 32 (84,2%)

E sobre o assentimento informado oral? 29 (76,3%)

Promove sempre a informação do adolescente, envolvimento na decisão e a obtenção do CI escrito? 30 (78,9%)

E do assentimento informado em menores? 27 (71,1%)

Alguma vez participou ou promoveu investigação sobre a informação dos adolescentes, o seu envolvimento na decisão ou a obtenção do CI escrito? 3 (7,9%)

E do assentimento informado? 3 (7,9%)

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decisão acerca da sua saúde (Tabela 6). No entanto, verificou-se que os pais valorizam de for-ma significativamente superior a sua participação (91,7% vs 47,8%; p < 0,001), bem como a do médico (89,6% vs 69,6%; p = 0,016). Achados semelhantes foram verificados no G16 - 17, com os pais a valorizarem de forma significativamente su-perior a sua participação (91,8% vs 53,1%; p < 0,001) e a do médico (91,8% vs 69,4%; p = 0,005) (Tabela 7).

DISCUSSÃO O consentimento informado e a sua aplicação à popu-lação pediátrica constitui o maior desafio ético das últimas décadas. Este estudo sobre CI na visão e perspetivas de ado-lescentes, pais e profissionais foi pioneiro em Portugal e preenche uma importante lacuna na investigação nacional. Os resultados obtidos, nomeadamente discrepância entre as políticas existentes, o conhecimento e a prática dos pro-fissionais, bem como as experiências dos adolescentes e dos seus pais vêm confirmar a informação de estudos de avaliação mais genéricos sobre os direitos da criança em hospital.21-24 De acordo com as obrigações do governo português face à ratificação da Convenção sobre os Direitos das Crianças e a Convenção de Oviedo, todas as crianças de-verão ter acesso aos mesmos direitos. Assim, a aplicação do direito da criança a ser ouvida implica não só a exis-tência de legislação como também a criação de normas, a adopção de políticas hospitalares, a formação adequada dos profissionais envolvidos, e a informação dos adoles-centes e pais sobre os seus direitos.1 Os nossos resultados vêm demonstrar a necessidade de quadros de implementação das convenções assinadas e da legislação em vigor. A Organização Mundial de Saú-de (OMS) propõe a criação de comités nacionais interins-titucionais, com representação dos Ministérios da Saúde e da Ciência e do Provedor da Justiça entre outros, para

implementação dos direitos das crianças. A missão deve-rá ser cumprida através da formação pré e pós graduada de profissionais, monitorização e avaliação da qualidade dos cuidados de saúde prestados, incluindo os direitos das crianças e criação de parcerias entre redes de colaboração e supervisão entre hospitais e centros de saúde.24 Os re-sultados desta investigação podem integrar o relatório pe-riódico do governo português ao Comité sobre os Direitos da Criança, sobre a realização dos direitos das crianças em Portugal.25 A Convenção sobre os Direitos da Criança define crian-ça como o grupo etário dos 0 aos 18 anos, porém já em 2009, recomendava a introdução de critérios de idade para o CI,1 e, ainda antes, em 1997, o Conselho da Europa suge-ria uma tendência para a prática da autonomia progressiva dos menores em matérias de saúde e não apenas a partir de uma idade pré-estabelecida.10 O direito de liberdade e auto-determinação do doente é constitucionalmente pro-tegido (artigo 26º da Constituição da República Portugue-sa) e é o princípio ético, segundo Beauchamp e Childress (1993), que determinou a exigência de obtenção de CI para a prática médica. Enquanto em Portugal, o código penal estabelece os 16 anos como limite para a imputabilidade, noutros países essa idade bem como outros critérios para CI são variáveis e reflectem a opinião de que o médico pode avaliar a ma-turidade da criança e dar-lhe autonomia da sua decisão a partir dos 12 anos.26

Belter e Grisso (1984) demonstraram que a capacidade de um adolescente compreender e proteger os seus pró-prios direitos não era significativamente diferente entre os 15 e os 21 anos. Isto sugere que aos 15 anos, o adolescen-te tem plena capacidade de compreensão e exercício dos seus direitos.27

Alderson, referenciada por Runeson et al, argumenta ainda que a competência nas crianças é desenvolvida em resposta à experiência e expectativas das mesmas, e não mera e gradualmente, por fases ou idades.17

Tabela 6 - Partilha de decisões de saúde: 14 - 15 anos

Questão Adolescentes(n = 48)

Pais(n = 49) p

Na sua opinião, quem deverá participar nas decisões sobre a saúde dos adolescentes dos 14 aos 15 anos e 364 dias?

O próprio adolescente 24/46 (52,2%) 28/48 (58,3%) NS

Os pais 22/46 (47,8%) 44/48 (91,7%) < 0,001

O médico 32/46 (69,6%) 43/48 (89,6%) 0,016

Tabela 7 - Partilha de decisões de saúde: 16 - 17 anos

Questão Adolescentes(n = 48)

Pais(n = 49) p

Na sua opinião, quem deverá participar na decisão sobre saúde dos adolescentes dos 16 aos 17 anos e 364 dias,?

O próprio adolescente 32/49 (65,3%) 37/49 (75,5%) NS

Os pais 26/49 (53,1%) 45/49 (91,8%) < 0,001

O médico 34/49 (69,4%) 45/49 (91,8%) 0,005

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Em muitos países da Europa, estabeleceu-se um con-senso de que a partir dos 16 anos deve ser pedido CI à criança devidamente esclarecida e entre os 14 e os 16 anos, deverá ser pedido assentimento informado após ex-plicação apropriada à idade a juntar ao consentimento dos pais.28-30

Porém, como já foi dito anteriormente, existem outros critérios, tais como o critério de Gillick, baseado na ma-turidade e competência das crianças no reino Unido. No Estado de Nova Gales do Sul na Austrália, a legislação es-tabelece que ‘a criança a partir dos 14 anos pode consentir sobre o seu tratamento desde que compreenda adequa-damente e aprecie a natureza e consequências da opera-ção, intervenção ou tratamento’. Porém é prudente, caso a criança tenha 14 ou 15 anos, que os profissionais obte-nham também o consentimento dos pais ou tutor, a não ser que o paciente se oponha.3 O objectivo do nosso estudo foi perceber se, nos ser-viços de pediatria portugueses, a lei e os principios éticos eram aceites e cumpridos e se os médicos tinham sensibi-lidade e conhecimentos nesta área. A amostra envolveu 240 testemunhos, das quais 194 inquéritos a adolescentes e pais e 46 entrevistas com ques-tionário a médicos, distribuidos em seis centros ainda que de forma irregular. Este estudo multicêntrico demonstra que, em Portugal, é possível trabalhar em conjunto de for-ma a obter uma massa crítica suficiente para que a investi-gação seja internacionalmente aceite. Globalmente, percebe-se que não há grandes diferen-ças entre os dois grupos etários embora quando se cruzam os resultados de adolescentes, médicos e pais, se verifique que os adolescentes têm uma visão diferente e que é esta-ticamente significativa. No que respeita às informações sobre a saúde, os dois grupos apontaram a escola como fonte principal, no âmbito da educação para a saúde ou na disciplina de Ciências, o que é de salientar. No entanto, parece haver pouca in-formação nas instituições de saúde e unicamente sobre a doença em causa. Numa filosofia como a defendida pela OMS, de uma medicina compreensiva, de proximidade e de oportunidade, as instituições de saúde deveriam adop-tar uma estratégia para melhorar a literacia em saúde dos jovens e pais. Reconheceu-se haver pouca informação organizada sobre direitos nos hospitais, restrita quase aos serviços acreditados. É utilizada a carta da criança hospitalizada em folheto ou brochura mas percebe-se que esta informação é mais direccionada aos pais do que aos adolescentes. De louvar a assertividade e proactividade dos médicos pois foi referido que mais de 90% se apresentaram e que a explicação sobre a situação clínica foi tida como satisfa-tória. Uma vez mais, não se registaram diferenças entre os grupos. No entanto, dos que perceberam a informação ministra-da, apenas cerca de 60% puderam dar opinião e nesta área há diferenças, embora sem significância, entre o papel do próprio adolescente na sua visão, aos 14 e aos 16 anos.

Apenas 20% a 25% dos adolescentes referiram ter to-mado decisão, o que parece refletir que na prática, tal como no estudo de Coyne e Gallagher,12 não são dadas verda-deiramente oportunidades ao adolescente para interferir na decisão, com uma maior preocupação para o grupo dos 16 - 17 anos. Também o estudo de observação de Runeson et al de-monstra que os pais nem sempre apoiam seus filhos em situações difíceis e que a equipa de saúde geralmente in-forma as crianças sobre o que irá acontecer sem apresen-tar alternativas ou sem pedir as suas opiniões.13

Os adolescentes e os pais referem que o envolvimento e a capacidade de decisão são factores dependentes do nível de maturidade, proporcionando maior responsabiliza-ção e melhor adesão terapêutica, o que é importante na doença crónica. O cumprimento das recomendações médicas é funda-mental em todos os aspectos da pediatria, especificamente para um tratamento bem sucedido, na prevenção de doen-ças e para a promoção da saúde. Neste sentido, Winnick e outros argumentam que a comunicação entre o médico e o doente é um elemento crucial.31

A maioria dos pais recebeu informação orientada para si ao invés de ser para os adolescentes (30% - 40% vs 50 - 60%), sendo a percepção positiva relativamente à satisfa-ção com a qualidade da informação recebida, semelhante à dos filhos. Segundo os pais, os seus filhos opinaram mais do que estes próprios consideram. Em menos de metade da amostra, as decisões foram tomadas oralmente ou por es-crito. Tal como no grupo dos adolescentes, também para os pais, não há evolução dos 14 para os 16 anos na efectiva tomada de decisão. Curiosamente, os pais dos mais novos consideraram que, aos 16 anos, os filhos já devem deci-dir, o que teve representatividade mais baixa nos pais dos mais velhos. Parece que a saúde e a doença são áreas de infantilização do adolescente com sucessivo adiamento da responsabilização pelos pais. Sobre a partilha de decisão, os adolescentes valorizam mais o papel dos médicos e dos próprios e os pais são os menos referidos. Salienta-se que 30% dos adolescentes não inclui o médico nas decisões sobre a sua saúde. Os oito directores descrevem as orientações dos servi-ços como existentes, divulgadas e monitorizadas mas reco-nhecem que o tempo é escasso para o trabalho médico e uma possível barreira à implementação. Os 38 médicos têm a convicção da importância do as-sunto e a maioria afirmou ter tido formação específica pré graduada mas não pós graduada e ter aprendido com a prática clínica e com os colegas mais experientes. Alguns assumem que falam o menos possível e, apenas se estrita-mente necessário para um CI. Demonstra-se ainda que, embora o envolvimento do adolescente seja transversal ao grupo de pais e médicos, a decisão final deve ser deles sendo estas diferenças per-ceptíveis nas respostas abertas e fechadas.

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Limitações do estudo O presente estudo foi efectuado em hospitais terciários, com predomínio de doença crónica, com maior contacto com os serviços de saúde e submetida a procedimentos mais invasivos, pelo que até poderá ter melhores resulta-dos e não extrapoláveis a nível nacional. Não se identificaram raparigas e rapazes e seria inte-ressante, dada a variável maturidade, ver as diferenças li-gadas ao género. O inquérito não abordava o nível educacional dos pais, o que pode ser um factor de enviesamento.

CONCLUSÃO Os adolescentes, pais e médicos desconhecem as nor-mas legais e éticas aos 14 - 15 e aos 16 - 17 anos quanto ao consentimento e assentimento, respectivamente, pelo que se propõe a alteração da norma com explicação fun-damentada e desenvolver programas nas escolas secun-dárias no âmbito da educação para a saúde e informação aos pais nas instituições de saúde e formação pré e pós graduada para profissionais de modo a melhorar o conheci-mento sobre a implementação do direito dos adolescentes ao AI/CI. Não fica demonstrada a implementação do direito dos adolescentes ao AI/CI e será necessário completar com estudo retrospectivo sobre o ano de 2017 nos serviços en-volvidos e monitorizar as práticas de CI/AI com inclusão de novos centros. As brochuras/folhetos não são perceptíveis pelos ado-lescentes pelo que se propõe a elaboração de folhetos apropriados ao grupo etário, envolvendo jovens com doen-ça crónica. A formação e a sensibilização de médicos e profissio-nais de saúde pode ser melhorada através de programa de formação para alunos de medicina e profissionais de saúde com apoio da Sociedade Portuguesa de Pediatria e do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Os adolescentes e os pais não têm informação suficien-

te e é urgente desenvolver programas locais de sensibiliza-ção de adolescentes e pais pelas equipas hospitalares. Colaborar com entidades nacionais para uma maior harmonia entre legislação, formação de profissionais, po-líticas hospitalares e a monitorização, avaliação e melhoria da realização dos direitos das crianças.

AGRADECIMENTOS Membros da equipa de investigação nos vários Servi-ços de Pediatria dos Hospitais Portugueses: Rodrigo Sou-sa, Maria do Céu Machado, Rosário Stone, Sara Azevedo, Francisca Palha (Hospital Santa Maria), Filipa Garcês e Noémia Silva (Hospital de Faro), Carla Cruz e Susana Go-mes (Hospital de Évora), Paulo Fonseca, Maria João Dallot e Maria Inês Barreto (Hospital Pediátrico de Coimbra), An-tónio Caldas Afonso e Mariana Rodrigues (Hospital de S João), Cristina Mendes (IPO de Lisboa), Ana Isabel Guer-reiro (consultora independente em direitos das crianças).

PROTECÇÃO DE PESSOAS E ANIMAIS Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

CONFIDENCIALIDADE DOS DADOS Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação de dados.

CONFLITOS DE INTERESSE Os autores declaram não terem qualquer conflito de in-teresse relativamente ao presente artigo.

FONTES DE FINANCIAMENTO Os autores declaram não ter recebido subsídios ou bol-sas para a elaboração do artigo.

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RESUMOA esquizofrenia é uma doença mental grave e incapacitante que afeta todas as classes sociais e raças, em todas as partes do mundo sendo mais frequente no sexo masculino. Manifesta-se habitualmente na parte final da adolescência ou início da vida adulta e é importante a sua deteção precoce por todos os clínicos para correto encaminhamento para consulta especializada de psiquiatria. Pretende-se com este artigo atualizar conhecimentos em relação ao diagnóstico, tratamento e prognóstico da esquizofrenia e enfatizando os sinais de alerta para uma referenciação atempada a consulta de psiquiatria. Foi efetuada uma pesquisa bibliográfica através de artigos disponíveis em bases de dados de artigos científicos e também em livros científicos e técnicos especializados na área da esquizofrenia. A apresentação clínica desta doença é heterogénea e complexa, com uma evolução típica normalmente pautada por vários episódios de descompensação aguda com necessidade de internamento. O diagnóstico de esquizofrenia assenta em alguns sintomas-chave, sendo que os vários critérios de diagnóstico internacionais variam entre eles relativamente à janela temporal com sintomatologia produtiva necessária para efetuar um diagnóstico. O prognóstico é muito variável, nem sempre cursa de forma deteriorante e é tanto melhor quando mais precoce for o início do tratamento. O tratamento exige uma abordagem multidisciplinar e assenta primariamente em fármacos antipsicóticos. Esta medicação apesar de muito eficaz para a sintomatologia típica da doença acarreta efeitos adversos cujas consequências médicas são importantes na prática clínica de todos os médicos de outras especialidades.Palavras-chave: Antipsicóticos; Esquizofrenia/diagnóstico; Esquizofrenia/tratamento; Perturbações Psicóticas

Esquizofrenia: O Que o Médico Não Psiquiatra Precisa de Saber

Schizophrenia: What Non-Psychiatrist Physicians Need to Know

1. Serviço de Psiquiatria. Hospital de Santa Maria. Centro Hospitalar Lisboa Norte. Lisboa. Portugal.2. Departamento de Psiquiatria. Faculdade de Medicina. Universidade de Lisboa. Lisboa. Portugal. Autor correspondente: Tiago Queirós. [email protected]: 09 de maio de 2018 - Aceite: 29 de outubro de 2018 | Copyright © Ordem dos Médicos 2019

Tiago QUEIRÓS1, Filipa COELHO1, Ludgero LINHARES1, Diogo TELLES-CORREIA1,2 Acta Med Port 2019 Jan;32(1):70-77 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.10768

ABSTRACTSchizophrenia is a disabling and severe mental illness that affects all social classes and racial and ethnic groups, spreading across every part of the world. It’s more frequent in males and it usually manifests itself in late adolescence or early adulthood and its early detection by all clinicians is important so that there is a proper referral to specialized psychiatric care. This article intends to update the knowledge regarding the diagnosis, treatment and prognosis of schizophrenia, with an emphasis on the warning signs for a timely referral to psychiatric evaluation. We conducted a literature search across through articles available in databases of scientific articles but also in scientific and technical books specialized in the field of schizophrenia. The clinical presentation of this illness is heterogeneous and complex, with a typical evolution based on several episodes of acute decompensation requiring hospitalization. The diagnosis of schizophrenia relies on some key symptoms, and the various international diagnostic criteria vary in relation to the temporal window with productive symptomatology required to establish a diagnosis. The prognosis is variable, not always deteriorating and is all the better when the treatment is started as early as possible. Treatment requires a multidisciplinary approach and is based primarily on antipsychotic drugs. This medication although very effective for the typical symptoms of this illness, entails some adverse effects with medical consequences that are important in the clinical practice of all doctors of other specialties.Keywords: Antipsychotic Agents; Psychotic Disorders; Schizophrenia/diagnosis; Schizophrenia/therapy

INTRODUÇÃO A esquizofrenia é uma das doenças mentais graves mais frequentes e tem sido identificada como uma priori-dade em termos de políticas de saúde devido ao défice de funcionamento inerente e à mortalidade precoce.1

Esta entidade nosológica engloba, provavelmente, um grupo de doenças de etiologias diversas, cuja apresenta-ção clínica, resposta ao tratamento e evolução podem va-riar.2 Identificada em todas as partes do mundo, em todas as classes sociais e etnias, as taxas de incidência diferem entre 7,7 e 43,0 por 100 000 habitantes, sendo esta maior em meios urbanos e em classes sociais mais desfavore-cidas. A incidência parece, ainda, ser significativamente maior em indivíduos do sexo masculino, com um rácio de 1,4 em relação ao sexo feminino.3 Na maioria dos estudos, a prevalência ronda os 2,1 - 7,0 em cada 1000 habitantes.4

Tanto os doentes e suas famílias, como a sociedade so-frem um impacto económico importante. As hospitalizações representam o custo direto mais substancial da esquizofre-nia, do ponto de vista dos cuidados de saúde.5

As primeiras manifestações da doença surgem, habi-tualmente, na parte final da adolescência ou no início da vida adulta. Em doentes do sexo masculino ocorrem geral-mente entre os 15 e os 25 anos e, no caso do sexo femi-nino, observa-se uma distribuição etária bimodal, com um primeiro pico entre os 25 e 30 anos e um segundo pico mais tarde na idade adulta (entre 3% a 10% das mulheres têm o início da doença após os 40 anos de idade).6

A taxa de mortalidade por acidente e doença natural é mais elevada nesta população. Estudos recentes mostram que estes doentes morrem, em média, 15 a 20 anos mais

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cedo do que a população geral, com maior prevalência de doença cardiovascular e neoplásica e diabetes mellitus. Os efeitos adversos da medicação antipsicótica, a escassez de atividade física, a dieta e os hábitos tabágicos importan-tes são fatores que contribuem para o aparecimento de co-morbilidades.7 Condicionantes como o estigma associado às doenças psiquiátricas, o desafio clínico que pode moldar o seu diagnóstico e o tratamento das patologias médicas têm sido considerados relevantes.2

Dada a importância da sua deteção e tratamento pre-coces torna-se crucial a intervenção dos médicos de outras especialidades, com particular relevo os médicos de famí-lia, na deteção e encaminhamento a consulta de psiquia-tria. Por outro lado, o seu papel é também fundamental na promoção da qualidade de vida, no apoio familiar e social, e no diagnóstico e acompanhamento de possíveis comor-bilidades, algumas associadas ao próprio tratamento psico-farmacológico da doença.1

QUAL A ETIOPATOGENIA DA ESQUIZOFRENIA? Face às investigações das últimas décadas, considera--se, atualmente, uma etiologia multifatorial, com a contri-buição de fatores psicossociais e biológicos. Fatores here-ditários parecem contribuir de forma importante no apare-cimento da doença, existindo um grande número de genes envolvidos. Quanto à transmissão, a investigação avança como mais provável um modelo poligénico, com alelos co-muns e raros, cada um com efeito muito pequeno no risco global. Estes podem interferir na migração e plasticidade neuronal, na sinaptogénese e na atividade da dopamina, do glutamato e da acetilcolina.4

Vários fatores ambientais têm sido associados à doen-ça, nomeadamente complicações obstétricas e perinatais, infeções e malnutrição materna, nascimentos nos meses de inverno, urbanidade, migração e consumo de substân-cias. Este último, em particular o consumo de canabinói-des, pode constituir um fator precipitante em indivíduos predispostos ou surgir como um fator secundário ao início dos sintomas, para além de conferir pior prognóstico.4

Várias hipóteses associadas a neurotransmissores têm sido propostas, implicando o papel da dopamina, serotoni-na, glutamato e ácido gama-aminobutírico. Recentemente, observou-se um aumento na concentração sérica de várias citocinas pró-inflamatórias associado ao stress oxidativo. A hipótese do neurodesenvolvimento contempla a possibili-dade da origem da doença numa perturbação do desenvol-vimento ou maturação do cérebro no período perinatal.6

A partir da década de 40, surgiram teorias psicológicas tentando explicar a esquizofrenia a partir de relacionamen-tos familiares patológicos e padrões de comunicação inter-pessoal aberrantes, como a ideia da ‘mãe esquizofrenizan-te’ que assume padrões de comportamento de hostilidade e rejeição e a teoria de double bind, que pressupõe uma sequência de experiências insolúveis, e que é responsável pela produção de conflitos internos de classificação lógi-ca.8,9 Têm sido feitos esforços no sentido de integrar os vá-rios modelos etiopatogénicos.

DE QUE FORMA SE APRESENTA A ESQUIZOFRENIA? O quadro clínico é bastante heterogéneo, complexo e nem sempre facilmente percetível – nenhum sinal ou sinto-ma é por si só patognomónico e estes variam ao longo do curso da doença. É importante salientar que todos os sin-tomas e sinais da esquizofrenia são também encontrados frequentemente noutras patologias psiquiátricas e neuroló-gicas.2,4,6,10

De forma típica, no decurso da fase pré-mórbida variável de um doente com esquizofrenia podem ser encontrados tra-ços de personalidade esquizoide ou esquizotípica (calados, introvertidos, pouco comunicativos, passivos). Na infância e na adolescência podem ter poucos amigos e excluir-se de atividades sociais ou relações afetivas. Pelo contrário pre-ferem atividades mais solitárias como ver televisão, ouvir música ou jogar jogos de computador. Nesta fase o doente pode desenvolver um interesse em ideias abstratas, por fi-losofia, oculto pelo oculto, por religião ou até desenvolver sintomatologia obsessiva. Todos estes fatores deverão ser avaliados em consultas relativas ao Programa Nacional de Intervenção em Saúde Infantil e Juvenil, pelo médico de me-dicina geral e familiar.2,4,6,11 Classicamente podemos dividir os sintomas da esquizofrenia em sintomas positivos, negati-vos e em outros sintomas (cognitivos e afetivos).

QUAIS SÃO OS SINTOMAS POSITIVOS E NEGATIVOS? Os sintomas positivos (também designados por sinto-mas produtivos) são os sintomas presentes de forma mais visível nas fases de descompensação aguda da doença e incluem classicamente os delírios e as alucinações. São também incluídas neste conjunto outras alterações do pen-samento, discurso ou comportamento.2,4,6,12 Genericamente os delírios são definidos como uma crença individual falsa que é irredutível perante argumentação lógica, não parti-lhada por um grupo de pessoas da mesma cultura e de conteúdo implausível. Este último fator é controverso (visto poderem existir delírios próximos da plausibilidade, como na perturbação delirante) e é substituído por alguns auto-res por incompreensibilidade psicológica.13 Os delírios mais comuns nos doentes com esquizofrenia são o delírio perse-cutório (o doente tem ideias de prejuízo contra si, sente-se ameaçado, perseguido, espiado ou vítima de uma conspi-ração) e o delírio de autorrelacionação (o doente acredita que as experiências são dirigidas a si, que falam sobre si, frequentemente em tom depreciativo ou que por exemplo mensagens em programas de televisão são para si).4,6,14,15

Uma alucinação frequentemente é definida por “uma per-ceção sem objeto” e será melhor definida como uma falsa perceção que ocorre ao mesmo tempo que as perceções reais, mantendo a consistência sensorial, localizando-se no espaço exterior e objetivo, tendo todo o detalhe e clareza, sendo constante ao longo do tempo e não sendo alterada pela vontade.13 As alucinações são muito frequentes na es-quizofrenia e podem ser de qualquer modalidade sensorial.6 As mais comuns são as auditivo-verbais e tomam a forma de vozes que são frequentemente desagradáveis, críticas, ameaçadoras, obscenas ou insultuosas. Podem ser ape-

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nas uma voz ou mais, a conversar entre si, a comentar o comportamento do doente e o que se passa à sua volta, ou com carácter de comando, dando ordens. A presença de alucinações visuais, olfativas ou gustativas é incomum, devendo alertar o clínico para a possibilidade de um quadro orgânico como causa subjacente da síndrome.2,4,6,14-16

Outras alterações do pensamento são também comuns na esquizofrenia. Podem ser estabelecidas associações sem qualquer nexo ou uma paragem súbita na linha de pen-samento (bloqueio do pensamento) criando uma verdadei-ra dificuldade em manter uma conversa, que pode ser per-cecionada numa consulta médica. Os doentes podem rela-tar experiências de alienação do seu próprio pensamento por agentes externos sendo sintomas-chave no diagnóstico de esquizofrenia (nomeadamente controlo, inserção, roubo ou difusão do pensamento). As alterações do pensamento podem ser um sinal de alerta para o clínico e podem ser facilmente detetadas pela sua estranheza.2,4,6,14,15

O discurso pode tornar-se estranho, incompreensível e sem lógica. O doente pode exprimir-se de forma desor-ganizada através de uma série de palavras isoladas sem qualquer sentido (salada de palavras), de novas palavras inventadas pelo doente (neologismos) ou através de res-postas ao lado.2,4,6,14,15

Existem também frequentemente alterações no com-portamento manifestando-se através de auto ou hétero--agressividade, agitação e inquietude motoras, atitudes bi-zarras ou isolamento. Contrariamente, há casos em que a atividade motora é praticamente nula (estupor catatónico). O doente também pode apresentar uma postura ou atitude contrárias às solicitadas pelo interlocutor (negativismo) ou repetir movimentos imitando o interlocutor (ecopraxia).2,6

Os doentes com esquizofrenia de longa evolução po-dem perder a noção de regras sociais e de higiene. Podem ser encontrados a falar sozinhos (solilóquios), a utilizar uma linguagem obscena (coprolalia) ou com risos imotivados (o doente ri-se daquilo que as vozes lhe dizem).2,6

Classicamente os sintomas negativos são um conjunto de sintomas que representam a perda ou diminuição das funções normais. Este grupo de sintomas acompanha a evolução da doença e refletem um estado deficitário ao nível da motivação, das emoções, do discurso, do pensa-mento e das relações interpessoais.4,17-19

Os sintomas negativos podem ser primários (resultan-tes da própria evolução da esquizofrenia) ou secundários (aos próprios sintomas positivos, à desorganização, à de-pressão, ao isolamento social ou aos efeitos da medicação antipsicótica).2,4,6,17 O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, 5ª edição (DSM-5) definiu como sintomas negativos os seguintes: aplanamento e embo-tamento afetivos (redução da amplitude e intensidade da expressão emocional), alogia (pobreza no discurso com respostas lacónicas, sem conteúdo), avolição (redução da motivação, falta de vontade e de iniciativa), anedonia (perda da habilidade em sentir prazer em atividades ou re-lacionamentos interpessoais) e isolamento social. A Classi-ficação Estatística Internacional de Doenças e Problemas

Relacionados com a Saúde, 10ª edição (CID-10) define os sintomas negativos como marcada apatia, escassez de dis-curso e aplanamento ou incongruência das respostas emo-cionais.4,17-19

A gravidade dos sintomas negativos vai influenciar o funcionamento global do indivíduo, a autonomia, o prog-nóstico e a evolução da doença. Compreender e tratar melhor estes sintomas irá aumentar a qualidade de vida e participação na sociedade destes indivíduos.2,4,6,17

QUE OUTROS SINTOMAS PODEM EXISTIR NA ESQUI-ZOFRENIA? Existem outros sintomas que não fazem parte dos cri-térios formais do diagnóstico de esquizofrenia e que vão além dos sintomas positivos e negativos. Alterações cog-nitivas encontram-se habitualmente presentes na altura da manifestação da doença (ou mesmo numa fase prodrómi-ca) e parecem ser os principais determinantes do funciona-mento e reabilitação psicossociais. São encontrados défi-ces mais marcados a nível da memória verbal, da vigilância e atenção, da memória de trabalho, do quociente intelec-tual, da linguagem e das funções executivas. As alterações cognitivas são relativamente independentes dos restantes sintomas da doença, sendo mais comuns nos doentes com predomínio de sintomatologia negativa.4,6,20 (Tabela 1) Sintomatologia afetiva também é comum nos doentes com esquizofrenia ao longo da sua vida, nomeadamen-te sintomatologia depressiva (em cerca de 40% dos ca-sos).6,21,22

COMO É FEITO O DIAGNÓSTICO DE ESQUIZOFRENIA? O diagnóstico de esquizofrenia é, muitas vezes, difícil, já que para além de ser longitudinal assenta principalmente na história clínica e na observação psicopatológica. Atual-mente, não dispomos de exames laboratoriais ou imagioló-gicos que possibilitem per se o diagnóstico. Contudo, têm sido encontradas algumas alterações neuroanatómicas e certos biomarcadores na esquizofrenia, embora não sejam específicos da doença e a sua validade seja controver-sa.2,4,6,23,24

Tabela 1 – Sintomas-chave no diagnóstico da esquizofrenia

Sintomas-chave da esquizofrenia

Sintomas Positivos:• Delírios (principalmente persecutório e de autorrelacionação);• Alucinações (principalmente auditivo-verbais);• Alterações do curso, posse e forma do pensamento;• Alterações comportamentais.

Sintomas Negativos:• Aplanamento e embotamento afetivos;• Alogia;• Avolição;• Anedonia;• Apatia;• Isolamento social.

Outros Sintomas:• Sintomas cognitivos;• Sintomas afetivos.

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Os dois sistemas de classificação internacional mais utilizados atualmente como apoio ao diagnóstico de esqui-zofrenia são o CID-10 e o DSM-5. Apesar de coinciden-tes em alguns aspetos, os critérios de ambos apresentam importantes diferenças que são resumidas na Tabela 2. Torna-se assim importante a adequada referenciação ao médico psiquiatra na presença de sintomatologia suspeita já que este complexo diagnóstico acarreta consigo um es-tigma social. A interpretação incorreta e precoce de vários sintomas psiquiátricos como esquizofrenia poderá suscitar angústia e revolta contra os técnicos de saúde, levando a um abandono do plano terapêutico.4,18,19

Dos critérios de diagnóstico de esquizofrenia segundo o DSM-5 foram eliminados os subtipos de esquizofrenia an-teriormente presentes na 4ª edição do manual (paranóide, hebefrénica, catatónica, indiferenciada, residual e simples). Estes subtipos têm limitada estabilidade de diagnóstico,

baixa confiabilidade, fraca validade e pouca utilidade clíni-ca. No entanto, a CID-10 mantém a divisão do diagnóstico em subtipos.18,19,25,26

Por fim, é importante referir que relativamente ao diag-nóstico diferencial devemos considerar três grandes gru-pos: 1) perturbações do ‘espectro da esquizofrenia’ tais como a perturbação esquizotípica, perturbação delirante, perturbação esquizoafetiva, perturbação psicótica aguda e transitória; 2) perturbações nosograficamente distintas da esquizofrenia tais como quadros afetivos que cursam com sintomas psicóticos, perturbações da personalidade, etc; 3) quadros orgânicos com manifestações psicóticas.2,4 Deste último grupo salientam-se as lesões ocupantes de espaço, epilepsia, encefalites auto-imunes, endocrinopatias ou um quadro infecioso. 4

Relativamente à utilização de anticorpos onconeuro-nais em doentes com sintomas psiquiátricos, a prevalência

Tabela 2 – Critérios de diagnóstico de esquizofrenia, apresentados esquematicamente, segundo o CID-10† e DSM-5*4,19

CID-10 † DSM-5 *Categoria F20 295.90

Sintomas Característicos:- Um ou mais dos seguintes sintomas:

Ou

- Dois ou mais dos seguintes sintomas:

• Eco, inserção, roubo ou difusão do pensamento;• Delírios de controlo, influência ou passividade;• Delírios persistentes de outros tipos;• Alucinações auditivo-verbais sob a forma de vo-zes que podem comentar ou discutir os compor-tamentos do doente ou provenientes de qualquer parte do corpo;

• Alucinações persistentes de qualquer modalida-de;• Interrupções no curso do pensamento resultando em incoerência no discurso ou neologismos;• Comportamento catatónico tal como excitação, posturas inadequadas ou flexibilidade cérea, nega-tivismo, mutismo e estupor;• Sintomas negativos tais como apatia marcada, escassez de discurso e embotamento ou incon-gruência de respostas emocionais, com compro-misso social (deve estar claro que estes não são devidos a depressão ou medicação neuroléptica);• Alterações significativas na sua personalidade (manifestando-se com falta de interesse, falta de propósito, ociosidade e compromisso social).

• Delírios;• Alucinações;• Discurso desorganizado (por exemplo descar-rilamento ou incoerência frequentes);• Comportamento grosseiramente desorgani-zado ou catatónico;• Sintomas negativos (por exemplo embota-mento afetivo, alogia, avolição).

Nota: Pelo menos um dos três primeiros deve estar presente.

Curso • Um mês. • Seis meses (incluindo um mês em fase aguda e períodos prodrómicos ou com sintomatologia residual);• Com impacto no funcionamento global;

Exclusão • Sintomatologia depressiva/maniforme predomi-nante ou com diagnóstico de perturbação esqui-zoafetiva;• Intoxicação ou abstinência de substâncias;• Condição médica.

• Perturbação esquizoafetiva;• Perturbação depressiva ou bipolar com sinto-mas psicóticos;• Perturbação não atribuível a efeitos fisiológi-cos de substâncias ou a condição médica.

† Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, 10ª edição. * Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, 5ª edição.

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destes em doentes com patologia psiquiátrica é relativa-mente baixa; no entanto, esta é uma área em expansão e que poderá alterar a maneira como abordamos estes doen-tes.27

COMO É A EVOLUÇÃO E O PROGNÓSTICO? Caracteristicamente, os sintomas pré-mórbidos come-çam na adolescência e são reconhecidos de forma retros-petiva. Mudanças no ambiente externo (entrar na faculda-de, mudar de cidade, uso de substâncias, morte de familiar, etc.) podem precipitar estes sintomas que podem persistir durante anos antes da instalação da sintomatologia psi-cótica. Desta forma é importante que o médico de família esteja alerta para estes sintomas, acompanhe a evolução e eventualmente sinalize estes jovens para consulta de psi-quiatria.2,4,6,28

A evolução clássica da esquizofrenia é pautada por re-petidas exacerbações da doença (geralmente por sintomas positivos) com remissões e recaídas com vários interna-mentos. A maioria dos doentes responde favoravelmente ao tratamento com antipsicóticos, contudo aproximada-mente 80% recaem nos primeiros cinco anos após o epi-sódio inaugural, o que é parcialmente explicado pela des-continuação da terapêutica. Cada recaída da doença repre-senta uma deterioração no nível funcional prévio do doente e esta é a característica que separa a esquizofrenia das perturbações do humor (ex: perturbação afetiva bipolar). Os sintomas positivos tendem a ser menos intensos com o tempo e passa a haver um predomínio da sintomatologia negativa e cognitiva, causando um grande impacto na vida pessoal, social e laboral do indivíduo.2,4,6,28

A visão clínica e social tradicional da esquizofrenia é de uma doença deteriorante e debilitante com mau prognós-tico. Vários estudos mostraram que no período de 5 a 10 anos após o primeiro internamento em psiquiatria, apenas 10% - 20% dos doentes mostraram ter bom prognóstico. Mais de 50% apresentaram mau prognóstico com interna-mentos repetidos, exacerbações dos sintomas e tentativas de suicídio. Estima-se que apenas 20% a 30% dos doentes consigam viver uma vida normal. 2,4,6,29

Desta forma, o prognóstico da esquizofrenia é caracte-rizado por uma grande heterogeneidade e a doença nem sempre cursa de forma deteriorante já que alguns fatores foram associados com bom prognóstico (Tabela 3). É im-portante para os clínicos a compreensão destes dados e a sua transmissão de forma empática ao doente e à família, pela importância em derrubar estereótipos, já que existe, à partida, uma errada suposição de que será sempre de mau prognóstico.2,4,6,29

COMO SE TRATA? O tratamento da esquizofrenia assenta numa aborda-gem multidisciplinar e visão longitudinal, considerando as diferentes fases da doença. Devem ser considerados os domínios biológico, psicológico e social do indivíduo, na procura do seu melhor funcionamento e na prevenção do declínio cognitivo.4,6,31,32

O tratamento psicofarmacológico, mais concretamente a medicação antipsicótica, revolucionou os cuidados pres-tados a pessoas com esquizofrenia e continuam a ser a abordagem de primeira linha nesta doença. Não obstante, estes medicamentos acarretam vários efeitos adversos in-desejados expectáveis que podem limitar a adesão à te-rapêutica, tornando-se vital conhecer os grupos de antip-sicóticos existentes. De uma forma geral, os fármacos an-tipsicóticos podem ser divididos em dois grupos distintos, os de primeira geração (típicos) e os de segunda geração (atípicos), tal como listado na Tabela 4.4,6,31,32

COMO ATUAM OS ANTIPSICÓTICOS E QUAIS OS SIN-TOMAS ADVERSOS A TER EM ATENÇÃO? A característica universal dos antipsicóticos, tal como o próprio nome indica, é o tratamento da psicose (via meso-límbica), atuando por antagonismo ou agonismo parcial dos recetores da dopamina, sobretudo dos recetores do subti-po D2. No entanto, a variedade de afinidade para outros

Tabela 3 – Fatores de bom e mau prognóstico na esquizofrenia2,4,30

Fatores de prognóstico na esquizofrenia

Fatores de bom prognóstico:• Sexo feminino;• Casado;• Idade de início tardia;• Fatores precipitantes óbvios;• Funcionamento pré-mórbido (social, sexual, laboral) ajustado;• Boa rede de suporte familiar e social;• Família com baixo nível de emotividade expressa;• Início agudo;• Tratamento precoce;• Episódio breve;• Reduzido número de recaídas;• História familiar de perturbações do humor;• Predomínio de sintomas positivos;• Predomínio de sintomas afetivos (especialmente depressivos);• Boa adesão à terapêutica;• Boa resposta à terapêutica;• Sem sinais e sintomas neurológicos;• Sem história de trauma perinatal;• Sem consumo de substâncias.

Fatores de mau prognóstico:• Sexo masculino;• Solteiro, divorciado ou viúvo;• Idade de início precoce;• Sem fatores precipitantes óbvios;• Funcionamento pré-mórbido (social, sexual, laboral) pobre;• Fraca rede de suporte familiar e social;• Família com alto nível de emotividade expressa;• Início insidioso;• Tratamento tardio;• Episódio de longa duração;• Elevado número de recaídas;• História familiar de esquizofrenia;• Predomínio de sintomas negativos;• Má adesão à terapêutica;• Má resposta à terapêutica;• Com sinais e sintomas neurológicos;• Com história de trauma perinatal;• Com consumo de substâncias.

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recetores (serotoninérgicos, colinérgicos M1, α1 adrenérgi-cos, histamina H1) confere a cada antipsicótico uma ação singular que deve ser considerada na prescrição.4,6,31,32,34

Os antipsicóticos de primeira geração (APG) atuam, so-bretudo no bloqueio dos recetores D2 que, para além do efeito antipsicótico pretendido (obtido sobretudo pela sua ação na via dopaminérgica mesolímbica). Este mecanis-mo pode levar ao surgimento de sintomas extrapiramidais (acatísia, distonia aguda, parkinsonismo, discinesia tardia) e hiperprolactinemia que por vezes traduz-se clinicamente em amenorreia, galactorreia e disfunção sexual. 4,6,31,32,34

Os antipsicóticos de segunda geração (ASG), para além do bloqueio de recetores D2, bloqueiam também os recetores serotoninérgicos 5-HT2A. A estimulação destes recetores inibe a libertação de dopamina, logo o bloqueio dos mesmos conduzirá inversamente a aumento da liber-tação de dopamina. Este aumento de dopamina terá uma funcionalidade particular na via mesocortical ao levar uma melhoria dos sintomas negativos, o que corresponde a uma vantagem dos ASG face aos APG. 4,6,31,32,34

Dependendo do antipsicótico, pode existir ainda blo-queio de outros recetores. Este bloqueio será responsável por outros efeitos secundários podendo, no entanto ter al-guma utilidade clínica como o caso da sedação (utilizados em caso de agitação psicomotora). O bloqueio dos rece-tores α1 adrenérgicos pode estar associado a hipotensão postural, tonturas e taquicardia e o bloqueio dos recetores muscarínicos M1 associado a visão turva, xerostomia, obs-tipação, retenção urinária, agravamento de glaucoma de ângulo fechado e défices cognitivos. Os recetores H1 quan-do bloqueados conduzem a sedação e aumento do apetite. Outros efeitos secundários devem ser considerados como alterações eletrocardiográficas (prolongamento do interva-lo QT) e alterações metabólicas como aumento de peso, dislipidemia e desenvolvimento de resistência à insulina, aumentando o risco de síndrome metabólica.4,6,31,32,34

De modo geral, considerando a dicotomia entre APG e ASG, podemos resumir que, no que concerne a efeitos adversos, os primeiros estão mais associados a sinto-mas extrapiramidais e os segundos a efeitos metabólicos.

Tabela 4 – Classificação dos antipsicóticos para o tratamento da esquizofrenia, separados por primeira e segunda geração2,30,33

Antipsicóticos de primeira geração Antipsicóticos de segunda geração

• Cloropromazina;• Flufenazina;• Flupentixol;• Haloperidol;• Levomepromazina;• Pimozida;• Sulpirida;• Zuclopentixol.

• Amilsuprida;• Aripiprazol;• Asenapina;• Clozapina;• Lusaridona;• Olanzapina;• Paliperidona;• Quetiapina;• Risperidona;• Ziprasidona;• Zotepina.

Tabela 5 – Resumo dos principais efeitos adversos da terapêutica antipsicótica

Principais efeitos adversos da terapêutica antipsicótica

Extrapiramidais (mais associados aos APG †): • Acatísia; • Distonia aguda; • Parkinsonismo; • Discinesia tardia.

Metabólicos (mais associados aos ASG *): • Aumento do apetite; • Aumento de peso; • Dislipidemia; • Resistência à insulina; • Elevado risco de desenvolver síndrome metabólica.

Outros: • Hiperprolactinemia (causando amenorreia, galactorreia e disfunção sexual); • Cardiovasculares (hipotensão postural, taquicardia e ECG com prolongamento do intervalo QT); • Sedação; • Tonturas; • Visão turva; • Xerostomia; • Obstipação; • Retenção urinária; • Agravamento do glaucoma de ângulo fechado; • Défices cognitivos.

† APG: antipsicóticos primeira geração; * ASG: antipsicóticos segunda geração

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Os sinais e sintomas adversos mais importantes são apre-sentados de forma resumida na Tabela 5 e deverão ser cuidadosamente monitorizados em consultas de rotina pelo médico psiquiatra assistente (com eventual apoio do mé-dico de família). Assim, análises sanguíneas e o eletrocar-diograma (ECG) deverão ser realizados periodicamente, tal como medição de parâmetros vitais.4,6,31-33

QUE FATORES DEVERÃO SER TIDOS EM CONTA NA ESCOLHA DA MEDICAÇÃO ANTIPSICÓTICA? Existem antipsicóticos disponíveis em formulações inje-táveis utilizados em situações de urgência como em casos de agitação psicomotora. Os antipsicóticos injetáveis de longa ação (formulações depôt), com duração de semanas a meses, podem ter utilidade em doentes com baixa ade-são à terapêutica oral. 4,6,31,32

A escolha do fármaco dependerá de vários fatores, entre os quais a clínica do quadro atual, os antecedentes pessoais do doente, tolerabilidade e as respostas prévias a outros antipsicóticos eventualmente realizados no pas-sado. Os casos refratários à terapêutica antipsicótica po-dem beneficiar de electroconvulsivoterapia. Em qualquer dos casos, é importante salientar que a introdução de me-dicação antipsicótica provavelmente implica um encami-nhamento para consulta com um médico especialista em psiquiatria.4,6,31,32

QUAIS SÃO AS ABORDAGENS TERAPÊUTICAS NÃO FARMACOLÓGICAS E DE REABILITAÇÃO COGNITIVA? Relativamente ao tratamento não farmacológico, exis-tem várias terapias psicológicas que podem desempenhar um papel importante na vida das pessoas com esquizofre-nia. Alguns tratamentos específicos focados na adesão à terapêutica, na ansiedade social, no treino de competên-cias sociais e na abordagem do uso de drogas têm eficácia comprovada nesta população. A criação de unidades de dia hospitalares, bem como associações na comunidade de apoio a esta população de doentes, contribuiu consi-deravelmente para o fortalecimento da sua reintegração social.2,4,6,31,32

CONCLUSÃO A esquizofrenia é uma das doenças psiquiátricas mais comuns, mas também mais graves, e é vista como o ex--líbris da psiquiatria. Os conhecimentos acerca desta doen-

ça multifatorial têm evoluído ao longo do tempo sendo que ainda hoje não é compreendida na sua totalidade. Os sintomas podem ser variados, o diagnóstico complexo, e a evolução heterogénea, o que origina muitas vezes, nos médicos não especialistas em psiquiatria, dúvidas e ques-tões acerca desta doença limitante. Embora existam tratamentos farmacológicos eficazes, o grande desafio na esquizofrenia reside não só na adesão dos doentes à medicação mas também na deteção preco-ce desta doença. Por outro lado, a medicação antipsicótica acarreta uma série de possíveis efeitos adversos que po-dem por si só limitar a qualidade de vida das pessoas com esquizofrenia. Este é um dos motivos que leva a que estes doentes padeçam de várias comorbilidades médicas e que naturalmente necessitem de frequentes cuidados de saú-de. Assim, é quase certo que qualquer médico especialista irá ter contacto com doentes com esquizofrenia ao longo da sua carreira, sendo de especial importância o papel do especialista em medicina geral e familiar. A complexidade no diagnóstico da esquizofrenia e no seu tratamento torna o acompanhamento especializado por um médico psiquiatra imprescindível. Nesse sentido, todos os clínicos deverão estar atentos para fatores de risco ou sintomas-chave desta doença e ter um papel ativo no enca-minhamento adequado para consulta de psiquiatria, já que o prognóstico da doença é tanto melhor quanto mais cedo for o início do tratamento psicofarmacológico.

PROTEÇÃO DE PESSOAS E ANIMAIS Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com a Declaração de Helsínquia da As-sociação Médica Mundial.

CONFIDENCIALIDADE DOS DADOS Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação de dados.

CONFLITO DE INTERESSES Os autores declaram que não há conflito de interesses na publicação deste artigo.

FONTES DE FINANCIAMENTO Os autores declaram não ter recebido subsídios ou bol-sas para a elaboração do artigo.

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RESUMOA linfohistiocitose hemofagocítica é uma entidade clínica rara, agressiva e que pode colocar em risco a vida do doente, caraterizada por uma ativação imune excessiva. É desencadeada por vários estímulos, em que as infeções desempenham um papel importante. O estímulo infecioso mais comum é a infeção viral, especialmente por Epstein-Barr. As alterações da coagulação são comuns na linfohistiocitose hemofagocítica e a coagulação intravascular disseminada pode estar presente nos casos graves. Apresentamos um caso clínico de linfohistiocitose hemofagocítica secundária a infeção por Epstein-Barr, complicada com coagulação intravascular dis-seminada, que evoluiu favoravelmente apenas com tratamento de suporte e sem necessidade de tratamento específico.Palavras-chave: Choque Séptico; Coagulação Intravascular Disseminada; Hospedeiro Imunocomprometido; Infecções por Vírus Epstein-Barr; Linfohistiocitose Hemofagocítica

Linfohistiocitose Hemofagocítica Secundária a Infeção por Epstein-Barr: Raridade e Gravidade num Adulto Imunocompetente

Epstein-Barr Virus-Associated Hemophagocytic Lymphohistiocytosis: Rarity and Severity in an Immunocompetent Adult

1. Serviço de Medicina Interna. Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro. Vila Real. Portugal.2. Serviço de Medicina Intensiva. Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro. Vila Real. Portugal. Autor correspondente: Andreia Costa. [email protected]: 22 de julho de 2017 - Aceite: 20 de setembro de 2018 | Copyright © Ordem dos Médicos 2019

Andreia COSTA1, Anusca PAIXÃO1, Henrique SANTOS2, Fernando SALVADOR1

Acta Med Port 2019 Jan;32(1):78-80 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.9474

ABSTRACTHemophagocytic lymphohistiocytosis is a rare, aggressive and life-threatening syndrome, characterized by an excessive immune activation. It is triggered by multiple stimuli, with infections having an important role. The most common infectious trigger is viral infection, particularly by Epstein-Barr virus. Coagulation disorders are common in hemophagocytic lymphohistiocytosis and disseminated intravascular coagulation can be present in severe cases. We report a clinical case of Epstein-Barr virus-associated hemophagocytic lymphohistiocytosis, complicated with disseminated intravascular coagulation which evolved favorably with only supportive therapy and without specific treatment. Keywords: Disseminated Intravascular Coagulation; Epstein-Barr Virus Infections; Immunocompromised Host; Lymphohistiocytosis, Hemophagocytic; Shock, Septic

INTRODUÇÃO A linfohistiocitose hemofagocítica (HLH) é uma entida-de clínica rara, mas potencialmente fatal, caraterizada por uma ativação imune excessiva. Pode ser primária, associa-da a anomalias genéticas, ou secundária a vários estímu-los (HLH adquirida), em que as infeções desempenham um papel importante, a par das doenças autoimunes e neoplá-sicas, sobretudo hematológicas. O diagnóstico baseia-se em achados clínicos e laboratoriais: febre, esplenomegalia, citopenias, hipertrigliceridémia, hiperferritinémia, hemofa-gocitose, atividade diminuída das células natural killer (NK), aumento dos CD25 solúveis.1-3

A apresentação clínica variada e a inespecificidade dos achados clínicos e laboratoriais conduzem a um atraso no diagnóstico, sendo essencial um alto grau de suspeição.2,3

O vírus Epstein-Barr (EBV) é o vírus mais consisten-temente associado à HLH, como uma infeção de novo ou reativação de infeção latente.3,4

A coagulação intravascular disseminada (CID) carate-riza-se por uma ativação sistémica da coagulação, resul-tando em trombose de vasos de pequeno e médio calibre, disfunção multiorgânica e eventos hemorrágicos graves.

Pode resultar de várias condições, destacando-se as infe-ções graves e as neoplasias. O diagnóstico e tratamento devem ter em conta a etiologia subjacente.5,6

CASO CLÍNICO Apresenta-se o caso de uma doente do sexo feminino, 54 anos, que recorreu ao serviço de urgência por descon-forto no hipocôndrio direito, icterícia, colúria e febre com uma semana de evolução. Não apresentava dados epi-demiológicos de relevo, mas havia referência a sintomas sugestivos de infeção vírica, com odinofagia e mialgias, cerca de 3 - 4 semanas antes, tendo-se automedicado com analgésico e anti-inflamatório, com melhoria clínica apenas parcial. Objetivamente, apresentava-se hipotensa (pressão ar-terial 74/51 mmHg), taquicárdica (frequência cardíaca 115 bpm) e febril (temperatura auricular 39ºC), com abdómen doloroso de forma difusa à palpação, mais evidente no hi-pocôndrio direito. No estudo analítico, havia a salientar pancitopenia, ele-vação dos parâmetros inflamatórios, lesão renal aguda,

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Costa A, et al. Linfohistiocitose hemofagocítica secundária a Epstein-Barr, Acta Med Port 2019 Jan;32(1):78-80

citocolestase hepática com hiperbilirrubinémia direta e lac-tato desidrogenase 3803 U/L. (Tabela 1). Perante a gravidade da situação clínica, com disfunção multiorgânica, nomeadamente renal, hematológica, hepá-tica e cardiovascular, com instabilidade hemodinâmica e necessidade de suporte aminérgico, foi admitida em uni-dade de cuidados intensivos, considerando-se nesta fase a hipótese de um choque séptico com provável ponto de partida abdominal, nomeadamente numa colangite/colecis-tite/hepatite, para o qual iniciou antibioterapia empírica.No primeiro dia de internamento evoluiu com edema agudo do pulmão e insuficiência respiratória, com necessidade de suporte ventilatório não invasivo, ao qual respondeu favo-ravelmente. O estudo analítico realizado revelou haptoglobina di-minuída, esfregaço de sangue periférico sem alterações, prova de Coombs e pesquisa de esquizócitos negativos, e alteração da coagulação (aumento do tempo de protrombi-

na e de tromboplastina parcial ativado, d-dímeros aumen-tados, fibrinogénio diminuído), tendo-se assumido coagu-lação intravascular disseminada secundária a sépsis, sem diátese hemorrágica. Assistiu-se a uma evolução favorável, de forma gradual, a partir do segundo dia de internamento, com melhoria sin-tomática, apirexia sustentada e progressivo desmame ven-tilatório e aminérgico. Concomitantemente foi constatada hiperferritinémia (72010 ng/mL) e hipertrigliceridémia (432 mg/dL). Perante a suspeita de linfohistiocitose hemofagocítica (HLH), reali-zou mielograma que revelou aumento dos macrófagos com hemofagocitose (Fig. 1). O estudo autoimune foi negativo, assim como as serolo-gias (vírus hepatite B, C e E, imunodeficiência humana 1 e 2, herpes simplex, herpes vírus humano 6, parvovírus, cito-megalovírus, adenovírus, echovírus, Wright, rosa bengala, leptospira, toxoplasma) com exceção do teste Paul Bunnel

Figura 1 – Hemofagocitose na medula óssea (mielograma)

Tabela 1 – Resultados analíticos ao longo do internamento e no seguimento em consulta externa

Resultados de testes laboratoriais

À admissão (30/01/17)

Serviço Medicina(03/02/17)

À data de alta (08/02/17)

Consulta Externa

(13/03/17)

Consulta Externa

(15/05/17)Hemoglobina (g/dL) 11,46 9,3 9,06 11,53 12,93

Leucócitos (cél/uL) 2100 2900 3000 2200 4100

Plaquetas (cél/uL) 22 000 111 000 421 000 234 000 201 000

Proteína C reativa (mg/dL) 16,9 3,2 0,6 0,1 0,1

Ureia (mg/dL) 84 31 17 30 37

Creatinina (mg/dL) 2,2 0,5 0,3 0,4 0,5

Aspartato aminotransferase (U/L) 457 282 55 39 33

Alanina aminotransferase (U/L) 182 201 62 44 29

Gama glutamiltransferase (U/L) 268 748 561 68 30

Fosfatase alcalina (U/L) 252 481 330 86 97

Bilirrubina total (mg/dL) 4,8 3,4 1,4 0,6 0.3

Bilirrubina direta (mg/dL) 3,6 3,1 1,0 0,3 0.1

Lactato desidrogenase (U/L) 3530 1670 534 175 171

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que foi positivo, confirmado posteriormente com a quantifi-cação da carga vírica no valor de 11500 UI/mL. A pesquisa de influenza foi negativa. Na citometria de fluxo constatou-se diminuição da sub-população linfocitária NK e na imunofenotipagem altera-ções reativas provavelmente secundárias ao EBV. O estudo genético para linfohistiocitose hemofagocítica primária, que incluiu um painel de 10 genes (AP3B2, BLOC1S6, LYST, PRF1, RAB27A, SH2D1A, STX11, STXBP2, UNC13D e XIAP) foi negativo. Cumpriam-se assim seis em oito critérios HLH 2004 para HLH secundária a EBV. Após discussão em reunião multidisciplinar e dada a evolução favorável, optou-se por tratamento de suporte, protelando-se a introdução de terapêutica específica (no-meadamente, imunoglobulina humana ou rituximabe). Durante o internamento, evoluiu favoravelmente, com desmame progressivo de oxigenoterapia e melhoria das al-terações analíticas. Teve alta, clínica e laboratorialmente melhorada, orien-tada para a consulta externa, onde se mantém ao fim de quatro meses assintomática e sem alterações analíticas de relevo (Tabela 1).

DISCUSSÃO O diagnóstico de HLH pode passar despercebido dado a inespecificidade dos achados clínicos e laboratoriais. Pe-rante uma sépsis com disfunção multiorgânica, sem etio-logia clara, esta hipótese deve ser levantada, dado que a patofisiologia da resposta inflamatória sistémica é similar à da HLH e é necessário um alto grau de suspeição para os diferenciar. A elevação marcada da ferritina pode ser um dos achados laboratoriais mais precoces e sugerir esta pa-tologia.1-4

Quando não tratada, é frequentemente fatal. No sentido de melhorar a sobrevida, é essencial um diagnóstico preco-ce e tratamento adequado.3,4

Existem vários casos publicados de HLH a EBV. Nos doentes instáveis ou com deterioração progressiva é re-comendado o início precoce de tratamento específico, no-meadamente dexametasona e etoposídeo ou rituximabe, concomitantemente ao tratamento da etiologia subjacente. A literatura sugere que a introdução precoce (primeiras quatro semanas) de etoposídeo aumenta a sobrevida a lon-

go prazo. O transplante de células hematopoiéticas pode ser necessário nos casos refratários.3,7,8

A decisão de atrasar ou mesmo de não iniciar este tipo de tratamento aos pacientes que estão a melhorar clinica-mente, acaba por ser difícil e nem sempre linear. Por outro lado, existem casos relatados de evolução favorável sem necessidade de recorrer a estes tratamentos específicos que apresentam efeitos tóxicos importantes.7,8

As alterações da coagulação são comuns na HLH, ocor-rendo em mais de metade dos casos, podendo associar-se a pior prognóstico devido às complicações hemorrágicas. A coagulação intravascular disseminada ocorre nos casos mais graves.9

Neste caso em particular, para além da citocolestase secundária a infeção por EBV, destaca-se a gravidade e a raridade da HLH num adulto imunocompetente. A asso-ciação ao vírus EBV é mais frequentemente observada em crianças/adolescentes e adultos jovens. Destaca-se, neste caso, a evolução favorável apenas com tratamento de suporte, sem necessidade de trata-mento específico ou etiológico, e a associação concomitan-te a coagulação intravascular disseminada.

PROTEÇÃO DE PESSOAS E ANIMAIS Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

CONFIDENCIALIDADE DOS DADOS Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação de dados.

CONSENTIMENTO DO DOENTE Obtido.

CONFLITOS DE INTERESSE Os autores declaram não terem qualquer conflito de in-teresse relativamente ao presente artigo.

FONTES DE FINANCIAMENTO Não existiram subsídios ou bolsas que tenham contri-buído para a realização do trabalho.

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RESUMOA encefalomielite aguda disseminada é uma rara doença inflamatória desmielinizante multifocal do sistema nervoso central, tipicamen-te pediátrica, que ocorre após vacinação ou após infeções virais exantemáticas, com elevado potencial de sequelas neurológicas se não for identificada e tratada precocemente. Apresentamos um caso de encefalomielite aguda disseminada num adulto após vacina-ção contra sarampo, papeira e rubéola, que se apresentou com febre sem focalização e défices neurológicos progressivos, com reso-lução clínica sob corticoterapia sistémica. No contexto da polémica contemporânea em torno da vacinação universal e ressurgimento de surtos de doenças previamente controladas, pretendemos com este caso ilustrar a necessidade de caracterização epidemiológica rigorosa da segurança vacinal em adultos de forma a evitar a desinformação da população geral, e sensibilizar os clínicos para o reconhecimento precoce da encefalomielite aguda disseminada nesta faixa etária, cuja incidência prevemos que possa aumentar.Palavras-chave: Adulto; Encefalomielite Aguda Disseminada/induzida quimicamente; Vacina contra Sarampo-Papeira-Rubéola/efei-tos adversos

Controvérsias da Vacinação: A Propósito de Um Caso de Encefalomielite Aguda Disseminada em Adulto

Vaccination Controversies: An Adult Case of Post-Vaccinal Acute Disseminated Encephalomyelitis

1. Unidade de Urgência Médica. Hospital de São José. Centro Hospitalar e Universitário Lisboa Central. Lisboa. Portugal.2. Departamento de Neurologia. Hospital da Luz. Lisboa. Portugal. Autor correspondente: João Melo Alves. [email protected]: 17 de outubro de 2017 - Aceite: 14 de junho de 2018 | Copyright © Ordem dos Médicos 2019

João Melo ALVES1, Inês Brás MARQUES2, Raquel GIL-GOUVEIA2

Acta Med Port 2019 Jan;32(1):81-85 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.9809

ABSTRACTAcute disseminated encephalomyelitis is a rare inflammatory demyelinating multifocal disease of the central nervous system that typically occurs in children following vaccination or exanthematous viral infections and conveys an elevated risk of neurological sequelae unless promptly recognized and treated. We describe an adult case of acute disseminated encephalomyelitis following vaccination against Mumps, Measles and Rubella, presenting with fever and progressive neurological deficits which improved under systemic corticosteroid therapy. Considering the ongoing public debate regarding universal vaccination and the surge of previously controlled infectious diseases, we aim not only to underline the need for a rigorous assessment of vaccination safety on adult patients in order to prevent misguidance of public opinion, but also to alert clinicians for an early diagnosis of acute disseminated encephalomyelitis in these patients, the incidence of which we speculate may be rising. Keywords: Adult; Encephalomyelitis, Acute Disseminated/chemically induced; Measles-Mumps-Rubella Vaccine/adverse effects

INTRODUÇÃO A encefalomielite aguda disseminada (acute dissemina-ted encephalomyelitis, ‘ADEM’) é uma rara doença inflama-tória desmielinizante multifocal do sistema nervoso central, tipicamente pediátrica, com 0,6 – 0,8 casos/100 000/ano.1–3 Foi primeiro descrita em 1724 num doente com varíola,4 identificando-se o seu correlativo patológico em 1928.5 Surge em três quartos dos casos após vacinação ou após infeções virais precedentes ou concomitantes,6 associação comentada por Ricardo Jorge na Lancet em 1932.7 Estão descritos casos isolados após transplantação de órgão sólido ou como síndrome paraneoplásica em neoplasias hematológicas.6 Os sintomas surgem uma a três semanas após a administração da vacina ou uma semana após o exantema de uma infeção viral, progredindo em horas a dias.6 A apresentação é altamente variável, dependente da distribuição multifocal das lesões no sistema nervoso cen-tral, podendo incluir, entre outros, sinais piramidais, cerebe-losos, neuropatias cranianas e disfunção medular, sendo a presença de encefalopatia essencial ao diagnóstico.2,3,6

CASO CLÍNICO Apresentamos o caso clínico de um doente do sexo

masculino de 39 anos, previamente saudável, sem medi-cação habitual ou alergias conhecidas, que recorreu ao Serviço de Urgência por quadro com dois dias de evolução de dor hipogástrica e perceção de febre. Negava sintomas acompanhantes, especificamente disúria, poliaquiúria, ur-gência miccional, dor lombar, alterações do trânsito gas-trointestinal ou outros sintomas constitucionais. Apurámos que realizara vacinação contra sarampo, papeira e rubéola (VASPR; M-M-RVAXPRO®) cerca de três semanas antes do início dos sintomas por indicação do médico assistente, atendendo a que o doente não fora imunizado na infância e estava à data um surto de sarampo em curso na Europa com 46 casos identificados em Portugal.8,9

Na admissão o doente estava febril (temperatura tim-pânica 39,4ºC), com tremor em repouso interpretado como calafrio, taquicárdia sinusal de 110 bpm, pressão arterial 120/80 mmHg, saturação periférica de oxigénio de 90% em ar ambiente, auscultação cardiopulmonar sem alterações, identificando-se globo vesical na palpação do abdómen. Foi algaliado, com saída de 800 mL de urina clara, cujo exame citoquímico não mostrou alterações. A avaliação laboratorial revelou discreta neutrofilia relativa, proteína C

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reativa e velocidade de sedimentação normais e ausência de alteração dos parâmetros de função renal ou enzimas hepáticas. O doente realizou tomografia axial computoriza-da toraco-abdomino-pélvica que não mostrou alterações.

Após colheita de sangue e urina para exame microbiológi-co, iniciou antibioterapia empírica de largo espetro com pi-peracilina/ tazobactam por febre de origem indeterminada. No primeiro dia de internamento verificámos que em

Tabela 1 – Investigação realizada não detalhada no texto

Análises clínicas Produto Método ResultadoAnticorpos anti-gangliósidos (GM1, GM2, GM3, GM4, GD1a, GD1b, GD2, GD3, GT1a, GT1b, GQ1b, sulfatido)

Soro Imunoblot Negativos

Anticorpo IgG* anti-aquaporina 4 Soro IFI† Negativo

Anticorpo anti-recetores NMDA‡ Soro IFI† Normal

Imunofixação do líquido cefalorraquidiano LCR§ Focagem isoelétrica Sem bandas oligoclonais

Anticorpos anti-nucleares Soro IFI† (células Hep2) Negativos

Fator reumatóide Soro Neflometria Negativo

Eletroforese das proteínas séricas Soro Eletroforese capilar Padrão normal

Antigénio específico da próstata (PSA) Soro CLIA|| 0,39 ng/mL (normal)

Marcadores de inflamação sistémica (valores máximos)Proteína C reativa Soro Imunoturbidimetria 1,02 mg/dL

Velocidade de sedimentação eritrocitária Sangue Westerngren modificado 28 mm/h

Procalcitonina Soro Neflometria 0,19 ng/mL

Doenças infeciosasExames direto (Gram, Ziehl-Neelsen) e cultural (42 dias de incubação)

Sangue, urina e LCR§ Negativos

Borrelia burgdorferi

Anticorpo IgM¶ Soro CLIA|| Índice 0,38 (negativo)

Anticorpo IgG* Soro CLIA|| 7,8 UA/mL (negativo)

Anticorpo IgM¶ LCR§ IFI† Negativo

Anticorpo IgG* LCR§ EIA** Amostra insuficiente

Herpes simplex 1 e 2

Anticorpos IgM¶ e IgG* Soro EIA** Negativos

DNA†† LCR§ PCR‡‡ Não detetável

Brucella melitensis

Anticorpos Soro Aglutinação Negativos

Reação de Huddleson Soro Aglutinação Negativa

Listeria monocytogenes

Anticorpos IgM¶ e IgG* Soro IFI† Negativo

DNA†† LCR§ PCR‡‡ Não detetável

Vírus da imunodeficiência humana

Anticorpos anti-HIV 1 e 2; antigénio p24 Soro CLIA|| 4ª geração Negativos

Enterovírus RNA§§ LCR§ PCR‡‡ Não detetável

Herpes zoster DNA†† LCR§ PCR‡‡ Não detetável

Vírus da rubéola RNA§§ LCR§ PCR‡‡ Amostra insuficienteSarampo, IgG* – n.b. pós vacinal; ao 10º dia de internamento Soro CLIA|| Positivo > 300 UA/mL

Exames de imagemEcografia abdominal superior

Sem alterações relevantesEcografia vesical

Ecografia prostática transrectal*imunoglobulina G; † imunofluorescência indireta; ‡ N-metil-D-aspartato; § líquido cefalo-raquidiano; || método quimioluminescência; ¶ imunoglobulina M; ** método imunoenzimático; †† ácido desoxirribonucleico; ‡‡ polymerase chain reaction; §§ ácido ribonucleico

Alves JM, et al. Controvérsias da vacinação: um caso de encefalomielite aguda disseminada em adulto, Acta Med Port 2019 Jan;32(1):81-85

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Alves JM, et al. Controvérsias da vacinação: um caso de encefalomielite aguda disseminada em adulto, Acta Med Port 2019 Jan;32(1):81-85

repouso mantinha tremor de alta frequência do tronco e membros superiores sem relação com a febre, e hiperre-flexia generalizada simétrica; adicionalmente assinalámos uma perturbação marcada da vigília com hipersonolência (e.g. adormecia durante uma conversa), mantendo-se fa-cilmente despertável. Não encontrámos movimentos clóni-cos/mioclónicos, défices motores ou sensitivos, alterações dos pares cranianos, sinais de disfunção cerebelosa, sinais meníngeos ou alterações das funções superiores. O ele-troencefalograma revelou atividade lenta bifrontal inespe-cífica, sem atividade epileptiforme, registando-se duran-te o exame vários períodos breves de sono com padrão eletroencefalográfico normal. O doente mantinha-se febril, embora com picos progressivamente menos frequentes e que resolveram em 48 horas. Ao segundo dia de internamento, o doente evoluiu com instalação de paraparésia de predomínio proximal e nos músculos flexores (grau 2/5), reflexos osteotendinosos pa-tológicos (inesgotáveis, com área reflexogénica aumenta-da), dismetria dos membros superiores (sem défice de for-ça), diplopia horizontal (sem oftalmoparésias evidentes) e retenção urinária com necessidade de algaliação. Realizá-mos punção lombar, com aumento da pressão de abertura (29,5 cmH2O) e saída de líquor límpido com proteinorráquia 99 mg/dL, pleocitose 32 leucócitos/μL (sem predomínio), glucose 55 mg/dL; pedimos estudos imunológicos (Tabe-la 1), e iniciámos aciclovir endovenoso 10 mg/kg q8h pela hipótese diagnóstica de encefalite viral. Realizou ressonân-cia magnética (RM) encefálica e medular (3 Tesla; com ga-dolínio) que documentou alterações de hipersinal em T2 e flair envolvendo bilateral e simetricamente corpo estriado, hipotálamo, amígdalas temporais, substância cinzenta peri--aquedutal (Fig.s 1-3), e a vertente central da medula na sua totalidade (Fig. 4), achados compatíveis com ADEM.

Suspendemos a antibioterapia empírica e o aciclovir e ini-ciámos metilprednisolona EV 1 g qd durante cinco dias. Assistimos então à progressiva recuperação dos défices neurológicos a partir do segundo dia de terapêutica dirigida (quarto dia de internamento). O doente teve alta ao 11º dia de internamento, capaz de marcha autónoma com ataxia residual, sob corticoterapia sistémica com prednisolona 40 mg qd. Na consulta de rea-valiação, um mês após a alta, verificou-se resolução total dos défices neurológicos. Notificámos o evento adverso e lote da vacina.

DISCUSSÃO A vacinação é uma das grandes conquistas da medi-cina, responsável pela erradicação ou controlo de várias doenças outrora prevalentes, com grande impacto em mortalidade e morbilidade na humanidade.10 O seu desen-volvimento acompanhou-se ab initio de movimentos anti--vacinação que prejudicam a universalização necessária à imunidade de grupo11,12 e estão na base do ressurgimento de surtos de doenças previamente controladas.13 A defesa contra estes movimentos implica o estabelecimento cientí-fico da segurança vacinal com a adequada caracterização epidemiológica dos efeitos adversos. O resumo das carac-terísticas da VASPR14 descreve várias contraindicações para a administração, particularmente em indivíduos com defeitos da imunidade primários ou adquiridos, cujo cum-primento diminui o risco de complicações iatrogénicas. As-sinalamos que o doente descrito não reunia qualquer das contraindicações descritas. A ADEM é referida na literatura médica como uma enti-dade tipicamente pediátrica,2,3 conceito que sugerimos ser indissociável do facto de que é essa mesma faixa etária o alvo simultâneo da imunização universal e das infeções

Figura 1 – Caudado e putamina (axial T2) Figura 2 – Hipotálamo (axial T2)

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Figura 3 – Substância cinzenta periaqueductal (axial T2)

Figura 4 – Medula (sagital T2)

virais exantemáticas. Porém, a maior coorte publicada à data ilustra a importância da incidência na idade adulta: um estudo retrospetivo de todos os casos diagnosticados em quatro centros universitários americanos identificou 228 doentes, 106 (46%) dos quais adultos.1

Por cada dez casos de sarampo um complica-se com ADEM,15 em contraste com a raridade dos casos pós vaci-nais (0,1 – 0,2/100 000).2 Especulamos que, havendo mais indivíduos a atingir a idade adulta não vacinados, a incidên-cia da ADEM poderá aumentar: primeiro, o prejuízo da imu-nidade de grupo correlacionar-se-á presumivelmente com surtos mais frequentes e de maiores dimensões; segundo, a população de indivíduos adultos não-imunes (ergo em risco de ADEM pós-viral) será correspondentemente mais numerosa; por último, durante surtos infeciosos existirão iniciativas de vacinação tardia, propiciando casos de ADEM pós-vacinal em adultos. Pretendemos com este artigo dois propósitos: assinalar a necessidade da caracterização epidemiológica da segu-rança vacinal em adultos evitando que casos como este sir-vam de argumento para desinformar a opinião pública; aler-tar os clínicos para o reconhecimento precoce da ADEM, dado o bom prognóstico expectável em 70% dos doentes se instituída terapêutica precocemente.1

AGRADECIMENTOS Agradecemos a Carla Conceição (Neuroimagiologia, Hospital da Luz Lisboa) pela seleção e legenda das ima-gens de ressonância magnética.

PROTEÇÃO DE PESSOAS E ANIMAIS Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica

e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

CONFIDENCIALIDADE DOS DADOS Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação de dados.

CONSENTIMENTO DO DOENTE Obtido.

CONFLITOS DE INTERESSE Os autores declaram não terem qualquer conflito de in-teresse relativamente ao presente artigo.

FONTES DE FINANCIAMENTO Não existiram subsídios ou bolsas que tenham contri-buído para a realização do trabalho.

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Despite wound care, antibiotics, daily dialysis, cina-calcet, sodium thiosulfate, warfarin’ replacement and sub-sequently total parathyroidectomy and hyperbaric oxygen therapy, infection worsened and the patient died following a stroke during hemodialysis. Calciphylaxis is a rare1 ESRD’ complication with high mortality,2 and a possible etiology of benign breast masses.3 It is characterized by calcifications of dermal vessels and diffuse dermal thrombi4 causing skin ischemia. Due to impaired wound healing,5 invasive procedures should be considered carefully.

Bilateral Mastodynia: An Unusual Presentation of Calciphylaxis

Mastodinia Bilateral: Uma Apresentação Invulgar de Calcifilaxia

1. Senology Unit. Department of Gynecology and Obstetrics. Setúbal Medical Centre. Setúbal. Portugal.2. Department of General Surgery. Setúbal Medical Centre. Setúbal. Portugal. Autor correspondente: Margarida da Silva Cunha. [email protected]: 06 de março de 2018 - Aceite: 12 de junho de 2018 | Copyright © Ordem dos Médicos 2019

Margarida da Silva CUNHA1, Xavier de SOUSA1,2, Jorge SIMÕES1

Acta Med Port 2019 Jan;32(1):86-86 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.10495

A 62-year-old female with end-stage renal disease (ESRD) on hemodialysis and atrial fibrillation under war-farin presented with strong bilateral mastodynia without palpable masses. Her mammography showed stromal and vascular calcifications (Fig. 1). Within three months, mul-tiple painful subcutaneous nodules appeared sequentially in the breasts (Fig. 2) and abdomen whose histological re-sults were inconclusive. An infected ulcer at the abdominal biopsy site led to the patient’s hospitalization. Investigation revealed elevated phosphorus (4.9 mg/dL) and PTH (2284 pg/mL). Another skin biopsy confirmed calciphylaxis.

Keywords: Calciphylaxis; Kidney Failure, Chronic; Mastodynia; Renal DialysisPalavras-chave: Calcifilaxia; Diálise Renal; Insuficiência Renal Crónica; Mastodinia

REFERENCES1. Brandenburg VM, Kramann R, Rothe H, Kaesler N, Korbiel J, Specht P, et al. Calcific uraemic arteriolopathy (calciphylaxis): data from a large nationwide

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2017;39:795–802.5. Buscher K, Gabriëls G, Barth P, Pavenstädt H. Breast pain in a patient on dialysis: a rare manifestation of calcific uraemic arteriolopathy. BMJ Case Rep.

2015;2015.

ACKNOWLEDGEMENTS: Authors are thankful to M Gonçalves, (Pathology Department, Setúbal Medical Centre).OBSERVATIONS: The described case was presented, partially and before it was concluded, at the XVI Jornadas de Senologia, which took place at Braga on October 15, 2016.PROTECTION OF HUMANS AND ANIMALS: The authors declare that the procedures were followed according to the regulations established by the Clinical Research and Ethics Committee and to the Helsinki Declaration of the World Medical Association.

DATA CONFIDENTIALITY: The authors declare having followed the protocols in use at their working center regarding patients’ data publication. INFORMED CONSENT: Obtained. CONFLICTS OF INTEREST: All authors report no conflict of interest. FUNDING SOURCES: This research received no specific grant from any funding agency in the public, commercial, or not-for-profit sectors.

Figure 1 – Bilateral mammography showing stromal and vascular calcifications (arrows). No masses or microcalcifications were noted

Figure 2 – Bulging of the skin corresponding to stony and painful subcutaneous nodules in left breast (arrows)