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MINISTÉRIO PÚBLICO Promotoria de Justiça de Juara EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE JUARA O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, representado por seus Promotores de Justiça que esta subscrevem, no uso de suas atribuições legais, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 37, §§ 1º e 4º, 127, caput, e 129, incisos II e III, da Constituição Federal, artigo 25, inciso IV, alíneas "a" e "b", da Lei Federal nº 8.625/93, e com fundamentos nas leis nº 7.347/85 e 8.429/92, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, pelo procedimento ordinário, em face de: 1. JUARA RADIOTELEVISÃO LTDA, situada atualmente na avenida Rio Arinos, n.º 1065, centro, nesta cidade e comarca; 2. PRIMINHO ANTONIO RIVA, prefeito municipal de Juara residente e domiciliado na Prefeitura Municipal de Juara, sediada na Rua Niterói, sem número, nesta cidade, pelos seguintes fundamentos: DOS FATOS 1

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MINISTÉRIO PÚBLICOPromotoria de Justiça de Juara

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE JUARA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, representado por seus Promotores de Justiça que esta subscrevem, no uso de suas atribuições legais, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 37, §§ 1º e 4º, 127, caput, e 129, incisos II e III, da Constituição Federal, artigo 25, inciso IV, alíneas "a" e "b", da Lei Federal nº 8.625/93, e com fundamentos nas leis nº 7.347/85 e 8.429/92, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, pelo procedimento ordinário, em face de:

1. JUARA RADIOTELEVISÃO LTDA, situada atualmente na avenida Rio Arinos, n.º 1065, centro, nesta cidade e comarca;

2. PRIMINHO ANTONIO RIVA, prefeito municipal de Juara residente e domiciliado na Prefeitura Municipal de Juara, sediada na Rua Niterói, sem número, nesta cidade, pelos seguintes fundamentos:

DOS FATOS

No inquérito civil n.º 05/2003, instaurado nesta promotoria, ficou apurado uma doação de terreno da Municipalidade de Juara para a empresa Juara Radiotelevisão LTDA, em desconformidade com os ditames legais.

Segundo se apurou, a lei municipal 1.146/99 (fls. 03) autorizou o Poder Executivo Municipal a proceder com uma doação pura e simples de imóvel de propriedade da Prefeitura, medindo aproximadamente 480 m2, consistente em uma praça, denominada praça

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n.º 02, neste município de Juara, com registro no Cartório de Registro de Imóveis Juara, matrícula 2.677, à empresa Juara Radiotelevisão, inscrita no CNPJ sob o n.º 37.429.362/0001-02, sem qualquer ônus ou despesas para tal empresa.

Aprovada a referida lei autorizativa, o chefe do executivo municipal, ora réu nesta demanda, lavrou escritura pública de doação de referida área em favor da empresa Juara Radiotelevisão consoante se vê da cópia de fls. 104, a qual foi registrada no CRI local consoante fls. 12/13.

Neste procedimento administrativo restou evidenciado ainda que a empresa favorecida pela doação possui como um de seus sócios o Sr. DAURY RIVA, que inegavelmente é parente do então prefeito municipal que sancionou aquela lei autorizando a doação e que assinou a escritura de doação. Neste sentido indicam cópias do contrato social e das alterações contratuais posteriores da empresa Juara Radiotelevisão LTDA de fls. 214/229.

Verificou-se ainda que a praça está localizada em área nobre desta cidade, excepcionalmente para efeitos comerciais e que no local foi construído prédio grande que tomou quase a totalidade da praça. O terreno está avaliado em cerca de R$ 96.000,00 (noventa e seis mil reais), conforme auto de fls. 14.

DO DIREITO

Dos Efeitos Concretos Da Lei Municipalem questão e da sua Ilegalidade e/ou Inconstitucionalidade

Antes de adentrarmos propriamente na análise das escandalosas ilegalidades constantes na presente doação de uso de área pública, é preciso caracterizar a natureza da norma municipal em vigor, para que seus efeitos nefastos e ilegais não tenham validade.

É cediço que as leis têm como característica inerente, além da inovação no mundo jurídico, o caráter abstrato, geral e autônomo. Isso está ligado a idéia de perpetuação no tempo que a lei sempre visa.

Entretanto, algumas leis, justamente por lhe faltarem esses pressupostos, não são tidas como lei no sentido material ou real da expressão. São leis sob o aspecto formal porque são votadas pelo legislativo e sancionados pelo chefe do executivo, mas não gozam de abstração, generalidade e autonomia. São verdadeiros atos administrativos revestidos de formalidades e carapuça de lei, mas que produzem efeitos concretos e infralegais. Exemplo disso são as leis federais que visam aposentadoria de servidores federais pos mortem. Essas leis em mero sentido formal são úteis e até necessárias em algumas situações.

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Pois bem. A lei municipal 1.146/99 é justamente umas dessas leis, uma vez que tem mais a "fisionomia" de um ato administrativo do que um texto legal, já que não apresenta nenhuma das características de norma jurídica a não ser sua devida promulgação por órgão competente e as devidas etapas legislativas. Isso porque ela possui objeto e destinatário certo, que é perfeitamente individuado e definido, além de possuir eficácia temporal esgotada. Portanto, não possui o caráter de generalidade e de abstração comum à maior parte das leis existentes.

Além disso, toda lei, justamente pelo seu caráter genérico, deve ter um decreto administrativo que lhe dê eficácia e regularize em que termos a norma legal será aplicada. Neste caso não há qualquer decreto promulgado pela Prefeitura que venha dar-lhe fluidez. Ora, o próprio texto legal carrega em si a sua eficácia; trata-se assim, do que a doutrina denomina de lei de efeito concreto e, portanto, é passível de invalidação judicial. Este tema foi magistralmente discorrido por Hely Lopes Meirelles, que pedimos permissão para citar:

"Não se confunda lei auto executável com lei de efeito concreto, aquela é normativa e independente de regulamento, mas depende de ato executivo para sua atuação; esta não depende nem de ato executivo para a produção de seus efeitos, pois atua desde sua vigência, consumindo o resultado de seu mandamento. Por isso, a lei auto-executável só pode ser atacada judicialmente quando for aplicada e ensejar algum ato administrativo, ao passo que a lei de efeito concreto é passível de invalidação judicial desde sua entrada em vigência, pois já trás em si o resultado concreto de seu objetivo. Exemplificando: uma lei autorizativa é auto executável, mas não é de efeito concreto, diversamente, uma lei proibitiva de atividade individual é de efeito concreto, porque ela, por si só, impede o exercício da atividade proibida."1

Ora, no caso dos autos foi justamente isso o que ocorreu. Consoante se observa na absurda escritura de doação lavrada pela Municipalidade ré em favor da co-ré, houve apenas o diploma legal supra comentado, sem que qualquer ato administrativo fosse produzido a partir dessa lei municipal. Não resta dúvidas de que estamos diante de uma lei de efeito concreto passível de impugnação judicial, como lecionado pelo eminente jurista Hely Lopes Meirelles.

Mesmo que assim não fosse, a inconstitucionalidade da lei municipal nº. 1.146/99 salta aos olhos e como tal, merece assim ser declarada incidentalmente por meio de controle difuso de constitucionalidade, previsto em nosso ordenamento jurídico. Acerca de tal controle difuso, leciona com maestria o eminente Prof. José Afonso da Silva:

"De acordo com o controle de exceção, qualquer interessado poderá suscitar a questão de inconstitucionalidade, em

1 Direito Administrativo Brasileiro, 22ª ed., Malheiros, p. 163. 3

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qualquer processo, seja de que natureza for, qualquer que seja o juízo."2

Ademais, "Dentre os atos ilegais e lesivos ao patrimônio público pode estar até mesmo a lei de efeitos concretos, isto é, aquela que traz em si as conseqüências imediatas de sua atuação, a que desapropria bens, a que concede isenções, a que desmembra ou cria municípios, a que fixa limites territoriais e outras dessas espécies. Tais leis só o são em sentido formal, visto que materialmente se equiparam aos atos administrativos e por isso mesmo são atacáveis por ação popular ou por mandado de segurança, conforme o direito ou interesse por elas lesado"3.

Uma vez superada qualquer dúvida acerca da possibilidade do controle judicial de referida lei municipal, resta analisarmos os diplomas legais aviltados.

Da doação do bem público em desacordo com os ditames legais

Inicialmente há que se salientar que o bem público doado pela administração pública de Juara é uma praça e consubstancia-se em bem de uso comum do povo, isto é, destinado ao uso indistinto de todos, nos termos do artigo 99, inciso I, do Código Civil.

É do magistério de Orlando Gomes que doação "é contrato pelo qual uma das partes se obriga a transferir gratuitamente um bem de sua propriedade para o patrimônio da outra, que se enriquece na medida em que aquela empobrece". No mesmo sentido é a lição de Caio Mário da Silva Pereira: "doação é o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere de seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra que os aceita (CC, art. 1. 165)".

Coloca-se então a questão essencial para o debate desta causa: pode o administrador do patrimônio da coletividade, ainda que autorizado por lei, transferir a particular um bem público?

A resposta, a princípio, seria positiva, desde que houvesse autorização legal para tanto. Entretanto, em âmbito estadual a restrição a esta liberalidade se mostra mais rigorosa. É que no Estado de Mato Grosso vigora a vedação de doação de bens públicos a pessoas privadas, consoante se extrai do artigo 185 da Constituição Estadual, in verbis:

“art. 185. Os bens imóveis do Município não podem ser objeto de doação, nem de utilização gratuita por terceiros, salvo, e mediante ato do Prefeito autorizado pela Câmara Municipal, se o beneficiário for pessoa jurídica de Direito Público interno, entidade componente de sua

2 Curso de Direito Constitucional Positivo, 8ª ed., Malheiros, p. 52.3 HELY LOPES MEIRELLES, in Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e ": Habeas Data", pág. 95, Ed. RT, 14ª ed., 1991. 4

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Administração Pública indireta ou sociedade civil sem fins lucrativos”.

A lucidez do artigo dispensa maiores comentários. No estado de Mato Grosso a doação de bens públicos pelos Municípios para pessoas jurídicas de direito privado é vedada.

Ainda que inexistisse este dispositivo da Constituição matogrossense, a doação apurada neste caso seria equivocada. Isso porque, na anomia constitucional, regularia o caso o artigo 17 da lei 8.666/93 que prevê que “a alienação de bens da Administração Pública, subordinada è existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá as seguintes normas:

I – quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da Administração direta e entidades autárquicas e fundacionais e para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

(...)b) doação, permitida exclusivamente para outro

órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo”.

Pelo exposto, e especial pelo que se extrai da Constituição Estadual, verifica-se que a doação era impossível. Todavia, ainda que se admita, por inesgotável amor aos debates, a possibilidade que tal imoralidade ocorra, é evidente que no momento de doação da área deveria haver uma concorrência pública, que foi indevidamente dispensada.

Ora, é de se notar que nenhum desses regramentos foi obedecido no caso em tela.

A área objeto desta lide é, como dito, originalmente uma praça municipal, bem de uso comum do povo, e tem sua utilização reconhecida à coletividade, sem discriminação de seus usuários ou ordem especial para sua fruição. Estes bens são inalienáveis e não estão disponíveis para autorização, permissão ou concessão de uso. Para tanto, é preciso que a área seja convertida para bem dominial.

Possui aplicação "in casu" a Lei Federal 6.766/79 que também impede a alteração ou modificação da área objeto da doação. De fato, o Decreto-Lei 58, de 10.12.1937 (anterior lei do loteamento, cujos dispositivos regeram o loteamento em questão) dispõe taxativamente:

"Art. 3º. A inscrição torna inalienáveis, por qualquer título, as vias de comunicação e os espaços livres constantes do memorial e da planta".

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O art. 22 da Lei Federal 6.766/79, que atualmente rege os loteamentos urbanos, por sua vez assim deixa estatuído:

"art. 22. Desde a data do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo"

Assim, se o loteador não podia modificar essa destinação, já que no momento em que o loteamento é registrado tais bens passam a ser bem público de uso comum do povo, a Municipalidade, por igual, também não pode fazê-lo, já que a população tem direito à sua fruição. Aliás, o titular dos direitos de uso do bem público de uso comum do povo é a comunidade, cabendo ao Poder público Municipal apenas sua guarda, administração e fiscalização. Para que se comprove tal assertiva, socorremo-nos novamente do magistério do saudoso Professor Hely Lopes Meirelles:

"Enfim, todos os locais abertos à utilização pública adquirem esse caráter de comunidade, de uso coletivo, de fruição própria do povo. Sob esse aspecto – acentua Rui Cenre Lima – pode o domínio público definir-se como a forma mais completa de participação de um bem na atividade de administração pública. São os bens de uso comum, ou do domínio público, o serviço mesmo prestado ao público pela administração, assim como as estradas, ruas e praças4".

O eminente Paulo Affonso Leme Machado, um dos juristas brasileiros que mais se debruçou sobre o Direito Ambiental, assim deixou estatuído:

"Retirou-se de modo expresso o poder dispositivo do loteador sobre as praças, as vias e outros espaços livres de uso comum (art. 17 da Lei 6.766/79), mas, de modo implícito, vedou-se a livre disposição desses bens pelo município. Este só teria a liberdade de escolha, isto é, só poderia agir discricionariamente nas áreas do loteamento que desapropriasse e naquelas que recebeu a título gratuito. Do contrário, estaria o município se transformando em município-loteador através de verdadeiro confisco de áreas, pois receberia as áreas para uma finalidade e, depois, a seu talante as destinaria para outros fins5.".

Nem mesmo através da desafetação legal (o que não ocorre no caso vertente) poderia um empreendimento privado ser erigido em praça pública, como ensina o jurista Toshio Mukai:

“Enquanto tal destinação de fato se mantiver, não pode a lei efetivar a desafetação sob pena de cometer lesão ao

4 Op. Cit., p. 418.5 Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, RT, 1989, p. 244. 6

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patrimônio público da comunidade (...) se a simples desafetação legal fosse suficiente para a alienação dos bens de uso comum do povo, seria possível, em tese, a transformação em bens dominicais de todas as ruas, praças, vielas, áreas verdes, etc. de um município e, portanto, de seu território público todo, com a conseqüente alienação (possível) do mesmo, o que, evidentemente, seria contra toda a lógica jurídica, sendo mesmo um disparate que ninguém, em sã consciência, poderia admitir6".

A eminente Profa. Lúcia Valle Figueiredo também possui contundente magistério no mesmo sentido7:

"Assim sendo, é dever do Município o respeito a essa destinação, não lhe cabendo dar às áreas que, por força da inscrição do loteamento no Registro de Imóveis, passaram a integrar o patrimônio municipal qualquer outra utilidade. Não se insere, pois, na competência discricionária da Administração resolver qual a melhor finalidade a ser dada a estas ruas, praças, etc. A destinação já foi previamente determinada".

Finalmente, vale citar o magistério do eminente Prof. José Afonso da Silva, pioneiro no estudo de direito urbanístico em nosso país:

"O que é certo é que a via urbana pública, assim como as praças, como tal, será inalienável, impenhorável e imprescritível. Tornar-se-á alienável se deixar de ser via urbana ou praça, pela desqualificação jurídica ou desafetação, com o que a área respectiva passará à qualificação de bem patrimonial e sujeitar-se-á ao seu regime jurídico, tornando-se alienável nos termos da legislação que regula a alienação de bens públicos, que, no mínimo, exige autorização legislativa, prévia avaliação e concorrência, salvo as exceções quanto a esta. É claro que, assim mesmo, há que levar-se em consideração o interesse dos usuários moradores ou não da rua. Vale dizer, a rua só pode ser desafetada de sua qualificação de bem de uso comum do povo mediante lei municipal, que somente será legítima se a rua perder, de fato, sua utilização pública, por ter-se tornado desabitada e perdido seu sentido de via de circulação pública. Sem esses pressupostos de fato, qualquer pessoa do povo pode impugnar a desafetação, porque lhe ocorre o direito subjetivo de transitar pela via e, conseqüentemente, o direito de exigir da Municipalidade que se abstenha de perturbar-lhe ou impedir-lhe o livre trânsito por via que venha sendo usada regularmente pelo povo, pois a livre circulação em via existente é manifestação do direito fundamental de ir, vir e ficar, em situação mais rigorosa ainda do que aquela que já

6 Toshio Mukai, Impossibilidade jurídica de desafetação legal dos bens de uso comum do povo na ausência de desafetação de fato, in RDP 75/246-249.7 Disciplina Urbanística da Propriedade, editora Revista dos Tribunais, 1980, p. 41. 7

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referimos antes em relação à estrada pública, dada a vocação urbanística da via urbana, sempre predisposta ao interesse do povo e, particularmente, de seus moradores, tema que examinaremos depois8"

Não é diferente a orientação jurisprudencial, consignada em diversos V. Acórdãos. Já em 1961 o Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo firmou a seguinte tese (RT 318/285):

"Aprovada a planta do loteamento, e inscrito este, tornam-se inalienáveis por qualquer título as vias de comunicação, praças e espaços livres. Não pode, portanto, a Municipalidade transformar uma praça, destinada ao uso comum do povo, em propriedade sua para doá-la a uma entidade particular".

O citado Prof. José Afonso da Silva comenta esse V. Acórdão:

"A forma, como a situação se apresentara, realmente tornava ilegítima a conduta da Municipalidade, pois, mal o loteamento fora inscrito, já pretendeu transformar a área em bem patrimonial para, em seguida, doá-la a uma entidade desportiva particular. Parece que, no caso, muito sinteticamente apresentado no acórdão, ocorrera verdadeiro desvia de finalidade, além da falta de motivo de interesse público que justificasse a medida, e não está indicado se a medida fora feita por prescrição de lei.9"

Ora, no caso dos autos, igualmente, que interesse público pode justificar a medida? Qual a motivação para a transformação da área em bem patrimonial público e posterior entrega a um particular? Evidente que no caso dos autos, assim como no caso comentado pelo Prof. José Afonso, está configurada hipótese clássica, acadêmica, de desvio de poder.

O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo já teve oportunidade de assim deixar consignado em demanda semelhante à presente (JTJ 161/130):

"MINISTÉRIO PÚBLICO – Legitimidade de parte ativa – Ação Civil Pública – Preservação do patrimônio público – artigo 129, inciso III da Constituição da República – Preliminar RejeitadaBENS PÚBLICOS – Desafetação de área – Doação para posterior loteamento – Inadmissibilidade – Destinação prevista em lei – Ofensa à Lei Federal nº 6.766 de 1979 – Ação procedente – Recurso não providoMUNICÍPIO – Obrigação de não fazer – Pena de preceito – Imposição – Desnecessidade – Fixação que só penalizaria os contribuintes – Recurso provido para esse fim. (Apelação Cível

8 Direito Urbanístico Brasileiro, Malheiros, 2ª ed, p. 184/185.9 Direito Urbanístico Brasileiro, Malheiros, 2ª ed, p. 184. 8

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nº 205.577-1 – Presidente Venceslau – Recorrente: Juízo Ex Officio – Apelante: Municipalidade – Apelado: Ministério Público).

No corpo desse V. Acórdão notamos que a hipótese versada é muito semelhante à dos presentes autos. Transcreve-se:

"A exordial dirige-se contra a pretensão da apelante no sentido de desafetar três áreas devidamente descritas na inicial, com base em lei municipal, para promover o loteamento das áreas doando-as para famílias reconhecidamente pobres. Sustenta o Ministério Público que tratando-se de áreas destinadas à implantação de equipamentos comunitários, destinado ao sistema de lazer, de modo algum podem ser objeto de alienação, nem tampouco serem dadas em comodato, resultando, portanto, ser irregular sua desafetação".

Note-se que o caso destes autos é mais grave ainda do que a hipótese enfocada na decisão supra mencionada, pois nesta a área destinava-se a uma finalidade nobre, ou seja, prover a moradia de famílias carentes, e mesmo assim a desafetação das áreas para esse fim foi considerada ilegal pelo Egrégio TJSP. No caso dos autos, doou-se a área pública para uma empresa privada instalar sua sede de funcionamento.

Em outra hipótese, que se encaixa como uma luva ao caso "sub examine", decidiu novamente o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, aclarando, inclusive, a inconstitucionalidade de lei municipal semelhante a objeto dessa demanda, conforme aduzido na presente inicial no tópico anterior (JTJ 184/78):

"INCONSTITUCIONALIDADE – Lei Municipal – Declaração incidental em ação civil pública – Pedido formulado pelo Ministério Público, por seu órgão de Primeiro Grau – Legitimidade ativa – Preliminar Rejeitada.INCONSTITUCIONALIDADE – Lei Municipal – Declaração incidental em ação civil pública – Competência do Juízo de Primeira Instância para apreciar e julgar – Preliminar rejeitada.AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Ato impugnado – Doação de bem público de uso comum do povo pela Municipalidade – Interesse de agir do Ministério Público – Artigo 81, inciso I, da Lei Federal n. 8.078, de 1990 – Preliminar rejeitada.AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Ato Impugnado – Imóvel destinado à praça pública doado pela Municipalidade a sindicato para construção de sua sede – Inadmissibilidade – Constitucionalidade do artigo 180, inciso VII da Constituição Estadual – Interpretação, ademais, do artigo 24, inciso I, da Constituição da República – Ação Procedente – Sentença confirmada.LOTEAMENTO – Praça Pública – Área destinada pelo loteador para tal finalidade – Doação pela Municipalidade a sindicato –

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Inadmissibilidade . Bem de uso comum do povo e não apenas dos proprietários dos lotes – Artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual e Lei Federal nº 6.766 de 1979 – Ação Civil Pública procedente – Sentença confirmada. Apelação Cível nº 273460-1 – Pedreira – Apelantes: Municipalidade de Jaguariúna e outro – Apelado: Ministério Público.

Em suma, não resta dúvida que a pretendida doação da área em questão, viola as Leis 6.766/76, 8.666/93, e de forma especial a Constituição Estadual em seu art. 185, além de ferir o próprio bom senso.

Da Afronta à Constituição da República

A lei de efeitos concretos suso citada e doação efetivada afrontou ainda o artigo 37 da Constituição Federal, violando princípios básicos da Administração, motivo pelo qual é inválida e como tal a que ser declarada.

Com efeito, o artigo 37 da Constituição Federal estabelece que "A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também...".

Observa-se, no caso em tela, que o Poder Executivo Municipal, embora tenha doado o imóvel com base em lei, o fez sem qualquer justificativa fulcrada no interesse público, tampouco se embasou em avaliação prévia.

Assim agindo, feriu o Administrador os Princípios norteadores da Administração Pública.

Trata-se de questão de alta indagação e que demanda a prévia lembrança de alguns princípios que norteiam a Administração Pública, entendida esta como "a gestão de bens e interesses qualificados da comunidade do âmbito federal, estadual ou municipal, segundo os preceitos do Direito e da moral, visando o bem comum".

Pelo princípio da legalidade o administrador fica adstrito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, deles não podendo se afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal. Mas não se trata apenas de mera sujeição à lei formal, haja vista que esta, para revestir-se de validade, tem, necessariamente, que se subsumir ao Direito, ao ordenamento jurídico e às normas e princípios constitucionais, inclusive à moralidade e à finalidade administrativa.

Inegável que a doação da referida área à empresa co-ré afrontou a legalidade, pois, de uma só vez desafiou a Constituição Estadual de Mato Grosso e a lei de licitação.

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E nem se argumento no sentido de que há lei autorizando a doação, afinal como dito, aquela lei é inválida. A lei que formalmente permite a prática de ato ilegítimo, contrário ao interesse público, imoral, inoportuno, que venha apenas ao encontro dos interesses individuais, não cumpre, nem de longe, o princípio da legalidade e enseja vicio que deve ser combatido.

O princípio da moralidade administrativa, com assento constitucional, obriga o gestor da coisa pública, como ensina Hauriou, a distinguir entre o bem e o mal, entre o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno e, sobretudo, entre o honesto e o desonesto. O ato administrativo, assim, não deve obediência apenas à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição.

Sem dúvida alguma a alienação da praça se mostrou contrária a ética que se espera de um administrador que deveria se preocupar com o bem estar da comunidade, garantindo-lhes o lazer próprio de área de recreação urbanística.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro observa, com prioridade: "não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conceito de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige a proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos ‘a coletividade e os benefícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos á maioria dos cidadãos". E arremata: "a partir do momento em que a CF, no art. 37, inseriu o princípio da moralidade entre os de observância obrigatória pela Administração Pública e, no art. 5º, inc. LXXIII colocou a lesão à moralidade administrativa como um dos fundamentos da ação popular, ela veio permitir duas conclusões: a primeira é a de que o ato administrativo imoral é tão inválido quanto o ato administrativo ilegal; a segunda é uma conseqüência da primeira, ou seja, a de que, sendo inválido, o ato administrativo imoral pode ser apreciado pelo Poder Judiciário, para fins de decretação de sua invalidade. Ora, pode perfeitamente ocorrer que a solução escolhida pela autoridade, embora permitida por lei, em sentido formal, contrarie valores éticos não protegidos diretamente pela regra jurídica, mas passíveis de proteção por estarem subjacente em determinada coletividade".

Assim, é certos que o Legislativo pode aprovar e o Executivo sancionar projetos que ditem, sob o seu manto, o interesse público. Mas não podem, certamente, encobrir sob a roupagem diáfana desse conceito à edição de leis imorais, que favoreçam determinadas pessoas e indivíduos, com desprezo aos interesses maiores da comunidade, pondo à margem normas e regras superiores, que devem balizar a conduta de todo legislador e administrador público.

O princípio da impessoalidade, referido na Constituição de 1.988 nada mais é do que o clássico princípio da finalidade,

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o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal, entendido este, unicamente, como aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objeto do ato, de forma impessoal.

A finalidade há de ter sempre um objetivo certo e inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público. Todo ato que se apartar desse objetivo sujeitar-se-á à invalidação por desvio de finalidade que a nossa lei de ação popular conceituou como "o fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência" do agente (art. 2º, parágrafo único, letra "e", da lei 4.717/65).

In casu, o princípio da impessoalidade foi atropelado pela clara intenção de favorecer pessoa específica, com completo esquecimento daquilo que deveria ser a única finalidade válida do ato: promover o interesse público. A violação a este princípio ganha maiores contornos no caso aqui versado uma vez que segundo se extrai da cópia do contrato, mais precisamente de sua terceira alteração (fls. 225/228), consta que um dos sócios da empresa co-ré é parente do então alcaide subscritor da lei municipal 1.146/99 e da escritura de doação de fls. 104.

E mais. Segundo se evola da cláusula sétima de referido documento (fls. 227), referido parente, o Sr. Daury Riva, se tornou seu sócio administrador. Ora, esta alteração contratual se deu em 20 de maio de 1999 e a guerreada lei municipal n.º 1.146/99 foi aprovada no dia 16 de dezembro de 1999, sendo a escritura de fls. 104 lavrada em 28 de dezembro de 1999.

Logo, percebe-se que somente após o ingresso formal de familiar do prefeito Municipal de Juara no corpo social da empresa co-ré é que se ventilou toda operação de doação.

Ora, a possibilidade da doação de imóveis públicos a particulares não resiste a qualquer dos princípios invocados, por isso, retomemos a questão. Doar bem público a empresa privada é ato legítimo, embora possa ser formalmente legal? É moral? É ato impessoal? É ato razoável do gestor do patrimônio público? É ato economicamente interessante para o Município?

Ora, se todo e qualquer ato emanado do Poder Público deve buscar sempre e unicamente o interesse público (que não é o interesse de um, de alguns, de um grupo ou de uma parcela da sociedade, nem mesmo só do Estado, enquanto pessoa jurídica empenhada na consecução de seus fins, mas o interesse de todos, abrangente e abstrato – "Justitia" n.º 137/51, 1987) evidente é que a doação em tela não pode subsistir posto que beneficiou de forma direta, pessoa física.

Trata-se de um caso típico de desvio de finalidade, pois que não se justifica a doação de imóvel para particular, para que este utilize o terreno para fins meramente privados.

Outrossim, trata-se de ato imoral, que não atende ao bem-comum da sociedade, contrariando as regras da boa administração, o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio e justiça.

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Inegável, ainda, que houve malversação do dinheiro público posto que foi ele gasto para atender ao interesse particular.

A doação na forma cogitada, porque fere os princípios que regem a administração, não pode prevalecer e, por conseguinte, a Lei 1.146/99, que é imoral e inconstitucional, merece ser anulada pelo Poder Judiciário. E por se tratar de norma de efeitos concretos, prescinde-se de ação direta de inconstitucionalidade. A jurisprudência reconhece que, em tais situações, é cabível a ação popular. Destarte, se existe a possibilidade de se propor ação popular para invalidar uma lei de efeitos concretos, é certo que na defesa do patrimônio público o Ministério Público também tem legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública, para o mesmo desiderato, nos termos dos já citados artigos 129, III, da CF e 25, da Lei Federal nº 8.625/93.

Confira-se algumas decisões a respeito:" Ação popular – Requisitos – Lesividade ao patrimônio público e à moralidade administrativa – Ocorrência – Pedido de Inconstitucionalidade de lei – Via própria – Preliminar rejeitada."

Consta no texto do v. acórdão, citando o parecer do Ministério Público:

"É evidente que a possibilidade de representação por inconstitucionalidade de lei não exclui o cabimento de ação popular. Neste sentido, já decidiu o Pretório Excelso no Recurso Extraordinário nº 100.354-5-SC." (TJSP, Ap. nº 193.482-1, 7ª C., Rel. Des. LEITE CINTRA, j. 9.12.93, JTJ 154/11-16).

E ainda:"Objeto do controle normativo abstrato, perante a Suprema Corte, são, em nosso sistema de direito positivo, exclusivamente, os atos normativos federais ou estaduais. Refogem a essa jurisdição excepcional de controle os atos materialmente administrativos, ainda que incorporados ao texto de lei formal.Os atos estatais de efeitos concretos – porque despojados de qualquer coeficiente de normatividade ou de generalidade abstrata – não são passíveis de fiscalização jurisdicional, em tese, quanto a sua compatibilidade vertical com o texto da Constituição.- Lei Estadual, cujo conteúdo veicule ato materialmente (doação de bens públicos a entidade privada), não se expõe à jurisdição constitucional concentrada do Supremo Tribunal Federal, em sede de ação direta" (STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 643, Sessão Plenária, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 19.12.91).

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Da Improbidade Administrativa

Como já se viu até aqui, foi irregular a doação praticada pelo Prefeito Municipal de Juara, com o apoio em lei aprovada pelos vereadores, tendo-se constatado a ocorrência de prejuízo aos cofres públicos. Destaca-se que os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos (art. 37, § 4º, da CF).

O corolário da prevenção e repressão à improbidade administrativa é a Lei 8.429/92, que veio a complementar o mencionado artigo da Lei maior, regulamentando as penas e a aplicabilidade das mesmas às diversas espécies de atos ímprobos. Tal diploma prescreve em seu artigo 2º que "reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior", sendo que entre estas últimas incluem-se os Poderes da União, dos Estados, do distrito Federal e dos Municípios, como trata o caso narrado.

Destarte, a Constituição Federal preceitua que os "atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos públicos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em leis, sem prejuízo da ação penal cabível" (art. 37).

Constituem atos de improbidade administrativa, dentre outros relacionados pelo legislador ordinário, na Lei 8.429/92, e que foram praticados pelos réus: a) doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistenciais, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio público, sem a observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie (artigo 10, III); b) agir negligentemente no que diz respeito à conservação do patrimônio público (art. 10, X); c) liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular (art. 10, XI); d) permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente (artigo 10, XII);

No caso dos autos o Prefeito Municipal e os Vereadores citados, que aprovaram a lei municipal de efeitos concretos devem ser punidos severamente, nos termos do artigo 12, inciso II, da Lei nº 8.429/82, independentemente da responsabilidade civil de reparação de danos, das sanções penais ou administrativas.

Quanto à reparação do dano, os mencionados agentes são responsáveis solidários, porque contribuíram para que os atos lesivos ao patrimônio público fossem praticados.

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Aliás, o artigo 5º, do diploma legal em exame, é expresso no sentido de que "ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano", sendo que a ação principal, competirá ao Ministério Público (artigo 17).

De qualquer forma, mesmo que não houvesse dano ao erário público, os atos de improbidade praticados pelos agentes públicos devem ser punidos, na conformidade do que estabelece o artigo 21 da lei 8.429/92.

Do pedido

Como já afirmado, a beneficiada edificou sobre a quase totalidade da área recebida, o que implicou em situação de difícil solução, daí porque optamos por apresentar, inicialmente, séries de pedidos alternativos:

1.º série de pedidos

A primeira série de pedidos e seus corolários têm por base a decretação de nulidade do ato e a recomposição do status quo ante, vez que inadmissível a preservação de qualquer dos efeitos do ato nulo. Pede-se, portanto:

a) seja decretada, a nulidade dos atos praticados em decorrência da lei municipal 1.146, de 16 de dezembro de 1.999 (em especial a escritura de doação lavrada em 28 de dezembro de 1.999), determinando-se a reversão das posses direta e indireta, bem como do domínio da área acima referida em favor do Município, nas condições anteriores à doação, voltando o imóvel a integrar a categoria de bens de uso comum e, portanto, inalienáveis;

b) em conseqüência, seja o donatário condenado à obrigação de fazer consistente no dever de demolir o prédio por sua conta, sem qualquer ônus ao Município e sem direito a retenção por benfeitorias. Deverá fazê-lo de modo a remover das referidas áreas todas as obras e benfeitorias que construiu, deixando-as livres e desembaraçadas de coisa e pessoas, de modo a possibilitar a utilização dos imóveis na sua finalidade originária;

bl) seja fixado o prazo de noventa dias para a demolição, independentemente de prévia indenização por benfeitorias, estipulando-se, para o caso de inadimplemento, multa diária no valor de quinze salários mínimos, nos quarenta e cinco dias que se seguirem após o prazo estipulado, sem prejuízo da municipalidade mandar executar a demolição à custa do devedor, havendo recusa ou mora, ou ainda dar ao prédio outra destinação que melhor venha a atender aos seus interesses;

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b2) eventual multa deverá ser recolhida em favor do fundo estadual de reparação dos interesses difusos lesados a que se refere o art. 13 da lei 7.347/95, sem prejuízo da indenização a que poderá fazer jus o Município, caso venha a executar a demolição por recusa ou mora do obrigado;

c) seja declarado que o Município não será responsável por qualquer tipo de indenização ao donatário, o qual deverá se valer das vias adequadas e ação própria para, querendo pleiteá-la do co-réu;

d) seja comunicado o Serviço de Registro de Imóveis da Comarca para que proceda ao cancelamento do registro da escritura de doação, sem ônus para o Município.

2.ª série de pedidos

A segunda série de pedidos, afastando-se do rigor técnico, leva em conta as particularidades do caso, sobretudo a situação fática hoje existente. Pede-se, portanto:

a) seja decretada, a nulidade dos atos praticados em decorrência da lei municipal 1.146, de 16 de dezembro de 1.999 (em especial a escritura de doação lavrada em 28 de dezembro de 1.999), determinando-se a reversão das posses direta e indireta, bem como do domínio da área acima referida em favor do Município, inclusive com o prédio sobre o terreno edificado, voltando o imóvel a integrar a categoria de bens de uso comum e, portanto, inalienáveis;

b) seja declarado que o Município não será responsável por qualquer tipo de indenização ao donatário, o qual deverá se valer das vias adequadas e ação própria para, querendo pleiteá-la do co-réu;

c) seja comunicado o Serviço de Registro de Imóveis da Comarca para que proceda ao cancelamento do registro da escritura de doação, sem ônus para o Município.

3ª série de pedidos

Diante de eventual impossibilidade de retorno do bem ao patrimônio público, requeiro sejam os réus solidariamente condenados a indenizar o erário municipal no valor total das áreas, devidamente corrigido até a data do pagamento, valor este hoje estimado em R$ 96.000,00 (noventa e seis mil reais) (cfr. Avaliação de fls. 136/156). Nesta hipótese, dada a natureza da obrigação, o valor total poderá ser exigido de um, alguns ou todos os condenados.

Em qualquer hipótese o autor requer, cumulativamente:

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a) seja o Município de Juara citado, na pessoa do Prefeito Municipal, para que, querendo, venha a integrar um dos pólos da relação processual, conforme lhe faculta o art. 5º, § 2º, da lei 7.347/85 e art. 6º, § 3º, da lei 4.717/65;

b) a notificação pessoal de todos os réus a fim de que, querendo, venham apresentar defesas preliminares (art. 17, § 7º, Lei 8.429/92) e após seu regular recebimento, a citação deles para contestar a presente ação, no prazo legal, com a expressa advertência de que não sendo contestada a ação ficarão sujeitos aos efeitos da revelia;

c) sejam os réus condenados ao pagamento de honorários advocatícios, fixados nos termos do art. 20, parágrafo único, do Código de Processo Civil, em favor do Fundo Estadual de Reparação de Interesses difusos lesados a que se refere o art. 13 da lei 7.347/85, valendo lembrar que tal condenação nada mais é do que um ônus da sucumbência atinente à parte vencida, não importando que o autor da ação tenha serviço jurídico de caráter permanente (RTJ 62/455), mesmo que seja o Ministério Público (RTJ 84/141 e 71/861); sejam condenados também ao pagamento das custas processuais, honorários periciais e similares;

Com relação ao réu PRIMINHO ANTONIO RIVA:d) Suspender os direitos políticos do mesmo;e) Condená-lo ao pagamento de multa civil de

até duas vezes o valor do dano;f) Proibí-lo de contratar com o Poder Público ou

receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

g) Dispensar o autor do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, inclusive eventuais honorários e sucumbência, em face do disposto no artigo 18 da Lei 7.347/85.

Requer provar o alegado através de todos os meios de prova admitidos, sem exceção, em especial pela juntada de outros documentos, depoimento pessoal dos réus (sob pena de confesso) ou de seus representantes legais, oitiva de testemunhas e realização de perícias.

Embora se trate de ação que tem por objetivo a defesa de interesses difusos (inestimáveis, de regra), considerando que a lide possui conteúdo econômico dá-se-lhe o valor de R$ 96.000,00, para efeitos fiscais.

Juara, 12 de agosto de 2004.

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Renee do Ó SouzaPromotor de Justiça

José Mariano de Almeida NetoPromotor de Justiça

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