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261 Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.261-389, jul./dez.2006 ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO TRT-00129-2005-017-03-00-6-RO Publ. no “MG” de 09.08.2006 RECORRENTES: COPE - COOPERATIVA DOS PROFISSIONAIS DE ESPECIALIZAÇÃO ELETROMECÂNICA LTDA. E OUTROS RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. O Ministério Público do Trabalho tem legitimidade, na defesa de direitos e de interesses coletivos e/ou difusos violados, para ajuizar ação civil pública, à luz do inciso III do artigo 129 da Constituição do Brasil e do inciso III do artigo 83 da Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993, e a Justiça do Trabalho é competente para processá-la e julgá-la, a teor do artigo 114 da Carta Magna, com a nova redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional n. 45/ 04, vigente a partir de 31 de dezembro de 2004. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário interposto contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz do Trabalho Substituto da 17ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, em que figuram, como recorrentes, COPE - COOPERATIVA DOS PROFISSIONAIS DE ESPECIALIZAÇÃO ELETROMECÂNICA LTDA. e OUTROS e, como recorridos, MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO. RELATÓRIO O MM. Juiz do Trabalho Substituto da 17ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, Dr. Marco Túlio Machado Santos, pela r. sentença de f. 2564/2580, cujo relatório se adota e a este se incorpora, julgou parcialmente procedente o pedido inicial. Os réus e o autor opuseram embargos de declaração (f. 2583/2589 e 2591/2592, respectivamente), que foram julgados procedentes, em parte (f. 2593/2596). Aqueles e este aviaram novos embargos de declaração (f. 2598/2605 e f. 2606, respectivamente), que foram julgados procedentes, em parte (f. 2609/2613). Os réus opuseram outros embargos de declaração (f. 2619/2624), que foram julgados improcedentes (f. 2625/2627). Recorreram os réus (f. 2631/2670), argüindo as preliminares de incompetência da Justiça do Trabalho, em razão da matéria, de carência de ação, por ilegitimidade ativa para a causa e por impossibilidade jurídica do pedido, e de nulidade da r. sentença, por negativa de prestação jurisdicional. No mérito, insurgem-se contra o deferimento dos pedidos de que: a) a primeira ré se abstenha “...de intermediar mão-de-obra de trabalhadores a terceiros contratantes, quer na atividade-fim, quer na atividade- meio destes; abstenha-se de tomar a mão-de-obra, com os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT... sem o devido registro do contrato de emprego”; b) o

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Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.261-389, jul./dez.2006

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO

TRT-00129-2005-017-03-00-6-ROPubl. no “MG” de 09.08.2006

RECORRENTES: COPE - COOPERATIVADOS PROFISSIONAIS DEE S P E C I A L I Z A Ç Ã OELETROMECÂNICA LTDA. EOUTROS

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO - PROCURADORIAREGIONAL DO TRABALHO DA 3ªREGIÃO

EMENTA: AÇÃO CIVILPÚBLICA - COMPETÊNCIA DAJUSTIÇA DO TRABALHO -LEGITIMIDADE DOMINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO. O MinistérioPúblico do Trabalho temlegitimidade, na defesa dedireitos e de interessescoletivos e/ou difusosviolados, para ajuizar ação civilpública, à luz do inciso III doartigo 129 da Constituição doBrasil e do inciso III do artigo83 da Lei Complementar n. 75,de 20 de maio de 1993, e aJustiça do Trabalho écompetente para processá-la ejulgá-la, a teor do artigo 114 daCarta Magna, com a novaredação que lhe foi dada pelaEmenda Constitucional n. 45/04, vigente a partir de 31 dedezembro de 2004.

Vistos, relatados e discutidos ospresentes autos de recurso ordináriointerposto contra a r. sentença proferidapelo MM. Juiz do Trabalho Substituto da17ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte,em que figuram, como recorrentes, COPE- COOPERATIVA DOS PROFISSIONAIS

DE ESPECIALIZAÇÃO ELETROMECÂNICALTDA. e OUTROS e, como recorridos,MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO- PROCURADORIA REGIONAL DOTRABALHO DA 3ª REGIÃO.

RELATÓRIO

O MM. Juiz do TrabalhoSubstituto da 17ª Vara do Trabalho deBelo Horizonte, Dr. Marco TúlioMachado Santos, pela r. sentença de f.2564/2580, cujo relatório se adota e aeste se incorpora, julgou parcialmenteprocedente o pedido inicial.

Os réus e o autor opuseramembargos de declaração (f. 2583/2589e 2591/2592, respectivamente), queforam julgados procedentes, em parte(f. 2593/2596). Aqueles e este aviaramnovos embargos de declaração (f.2598/2605 e f. 2606, respectivamente),que foram julgados procedentes, emparte (f. 2609/2613). Os réus opuseramoutros embargos de declaração (f.2619/2624), que foram julgadosimprocedentes (f. 2625/2627).

Recorreram os réus (f. 2631/2670),argüindo as preliminares deincompetência da Justiça do Trabalho,em razão da matéria, de carência deação, por ilegitimidade ativa para acausa e por impossibilidade jurídica dopedido, e de nulidade da r. sentença,por negativa de prestação jurisdicional.No mérito, insurgem-se contra odeferimento dos pedidos de que: a) aprimeira ré se abstenha “...deintermediar mão-de-obra detrabalhadores a terceiros contratantes,quer na atividade-fim, quer na atividade-meio destes; abstenha-se de tomar amão-de-obra, com os requisitos dosarts. 2º e 3º da CLT... sem o devidoregistro do contrato de emprego”; b) o

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2º, o 3º, o 4º e 5º réus “...abstenham-sede constituir, administrar e gerenciarsociedades cooperativas que tenhampor objeto o fornecimento de mão-de-obra ou a prestação de serviçossubordinados sem o correspondenteregistro do contrato de emprego”. Nãose conformam, igualmente, com odeferimento do pedido de indenizaçãopor danos morais coletivos e sociais ecom a multa em caso de desobediência.

Contra-razões oferecidas (f.2676/2688).

É o relatório, em resumo.

VOTO

Recurso da reclamada -Primeira recorrente

1. Do juízo de admissibilidade

Próprio e tempestivo,preenchidos os demais pressupostos deadmissibilidade, conhece-se do recurso.

2. Preliminar de incompetênciada Justiça do Trabalho, em razão damatéria

Suscitam os réus a preliminar deincompetência da Justiça do Trabalhopara processar e julgar ação civilpública, “...na qual se pretende, naverdade, o encerramento de atividadeempresarial lícita e constitucionalmenteprevista”. Sustentam que a r. sentençaaplicou equivocadamente a lei esuplicam, em face de tudo isso, que seanulem todos os atos praticados atéentão e que se remetam os autos àJustiça Comum.

Desacolhe-se.É que esta Justiça Obreira, como

se verá, detém competência parainstruir e decidir a presente ação civilpública.

Rezam o artigo 129 e seu incisoIII, da Constituição da República, que:

Art. 129. São funçõesinstitucionais do MinistérioPúblico:[...]III - promover o inquérito civil eação civil pública, para proteçãodo patrimônio público e social, domeio ambiente e de outrosinteresses difusos e coletivos.

Por sua vez, preconizam o artigo83 e seu inciso III, da Lei Complementarn. 75, de 20 de maio de 1993, que:

Art. 83. Compete ao MinistérioPúblico do Trabalho o exercíciodas seguintes atribuições juntoaos órgãos da Justiça doTrabalho:[...]III - promover a ação civil públicano âmbito da Justiça doTrabalho, para defesa deinteresses coletivos, quandodesrespeitados os direitosconstitucionalmente garantidos.

Ademais, a Emenda Constitucionaln. 45/04, de 31 de dezembro de 2004,que deu nova redação ao artigo 114 daCarta Magna, ratificou os termos dasnormas acima reproduzidas.

Com a introdução do inciso IX aoartigo 114 da Lex Legum, ficaramafastadas quaisquer dúvidas - se é queexistiram - acerca da competência daJustiça do Trabalho. Eis seu teor:

Art. 114. Compete à Justiça doTrabalho processar e julgar:[...]IX - outras controvérsiasdecorrentes da relação detrabalho, na forma da lei.

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Por conseguinte, a alegação deequívoco sobre a aplicação das normasnão procede, data venia.

Finalmente, o autor pretendeapenas, com a presente ação, que aprimeira ré “...se abstenha de intermediarmão-de-obra de trabalhadores aterceiros contratantes, quer na atividade-fim, quer na atividade-meio destes;abstenha-se de tomar a mão-de-obra,com os requisitos dos arts. 2º e 3º daCLT... sem o devido registro do contratode emprego”, porquanto, no seu pensar,tal prática lhe é vedada, por lei. E comose deixou patente, o autor temlegitimidade para pleitear isso e estaJustiça Especial é dotada decompetência para dar-lhe a resposta.

Aliás, o pensamento aquiexteriorizado vem ao encontro docontido no r. acórdão da lavra doeminente Ministro Barros Levenhagen,do Colendo TST, cuja cópia foi juntadaaos autos do Processo (RO-3620/2001,TRT da 3ª Região), quando asseveraque o Ministério Público do Trabalho éparte legítima para patrocinar ação civilpública e que a Justiça do Trabalho écompetente para processá-la e julgá-la,porque

...o pedido de suspensão dasatividades da Cooperativa sereporta diretamente à relação deemprego, atraindo a aplicação doartigo 114 da Constituição, quese notabiliza por suaincontrastável prodigalidade...

Frente ao expendido, mostradaa plena competência desta Justiça, osautos, obviamente, não podem serremetidos à Justiça Comum, à vista desua total incompetência.

Justifica os argumentos aquiexpostos a jurisprudência abaixotranscrita:

AÇÃO CIVIL PÚBLICATRABALHISTA - COMPETÊNCIADA JUSTIÇA DO TRABALHO -INTERFERÊNCIA ESTATAL NOFUNCIONAMENTO DECOOPERATIVAS. O art. 114 daConstituição Federal atribuicompetência à Justiça do Trabalhopara, na forma da lei, conciliar ejulgar as controvérsiasdecorrentes da relação detrabalho, enquanto que a LeiComplementar n. 75/93 confere aoMinistério Público do Trabalho acompetência para promover aação civil pública no âmbito daJustiça do Trabalho, na defesa dosinteresses coletivos, quandodesrespeitados os direitos sociaisconstitucionalmente assegurados,sendo, portanto, desta JustiçaEspecial a competência parajulgar ação civil envolvendocontratação de trabalhadoresatravés de cooperativas, emviolação aos direitos sociais. Oprincípio constitucional que vedaa interferência e a intervenção doPoder Público na vida dasassociações civis conferiuliberdade e autonomia para essasentidades, prerrogativas salutaresque as colocam a salvo daingerência estatal, mas não àmargem da lei, não estandoimunes à fiscalização do MinistérioPúblico, instituição essencial àfunção jurisdicional do Estado.(Ac. do TRT da 3ª Região, RO-00813-2003-003-03-00-3, Rel.Juíza Maria Cristina DinizCaixeta, publ. no “Minas Gerais”de 21.08.2004)

COMPETÊNCIA - JUSTIÇA DOTRABALHO - AÇÃO CIVILPÚBLICA. A Constituição da

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República, além de fixar, em seuartigo 114, que compete à Justiçado Trabalho processar e julgar: I- as ações oriundas da relação detrabalho [...] e IX - outrascontrovérsias decorrentes darelação de trabalho, na forma dalei, estendeu o âmbito deabrangência da ação civil pública,preceituando que esta abarca aproteção do patrimônio público esocial, do meio ambiente e deoutros interesses difusos ecoletivos (artigo 129, III). No casoespecífico da Justiça do Trabalho,a matéria veio regulada pela LeiComplementar n. 75, de 20 demaio de 1993, relativa àorganização e atribuições doMinistério Público do Trabalho.Em seu artigo 83, III, há mençãoexpressa à competência destaEspecializada, no sentido de queincumbe ao parquet promover aação civil pública no âmbito daJustiça do Trabalho, para defesade interesses coletivos, quandodesrespeitados os direitos sociaisconstitucionalmente garantidos.De fato, se a matéria suscitadanos autos - fraude a direitostrabalhistas decorrente dacontratação de mão-de-obra porintermédio de cooperativa -insere-se indubitavelmente nadisciplina juslaboral, não se podeaceitar que sua análise sejasubtraída do âmbito da Justiça doTrabalho, sob pena de violaçãodo disposto no já mencionadoartigo 114 da Constituição daRepública de 1988.(Ac. do TRT da 3ª Região, RO-01288-2004-110-03-00-0, Rel.Juiz Bolívar Viégas Peixoto, publ.no “Minas Gerais” de27.07.2005)

3. Preliminar de carência deação, por ilegitimidade ativa

Eriçam os réus a prefacial decarência de ação, por ilegitimidade ativapara causa. No seu sentir,

NÃO EXISTE NO CASO EMDISCUSSÃO QUALQUERINTERESSE INDIVIDUALINDISPONÍVEL OU INTERESSESOCIAL COLETIVO QUEJUSTIFIQUE A AÇÃOPROPOSTA.

Rejeita-se.Como se salientou acima, a

Constituição do Brasil, nos seus artigos114, inciso IX e 129, incisos III e IX e aLei Complementar n. 75/93, no seuartigo 83, inciso III, dão legitimidade aoparquet para ajuizar ação civil pública,em defesa dos interesses coletivos edifusos dos trabalhadores. No casovertente, pede para que: a) a primeiraré “...se abstenha de intermediar mão-de-obra de trabalhadores a terceiroscontratantes, quer na atividade-fim, querna atividade-meio destes; abstenha-sede tomar a mão-de-obra, com osrequisitos dos arts. 2º e 3º da CLT... semo devido registro do contrato deemprego”; b) os outros réus “...seabstenham de constituir, administrar egerenciar sociedades cooperativas quetenham por objeto o fornecimento demão-de-obra ou a prestação de serviçossubordinados sem o correspondenteregistro do contrato de emprego”.

Entende-se, à semelhança da r.sentença, que o Ministério Público temlegitimidade para aforar a presente açãocivil pública e nela vindicar o que foitranscrito acima, dado que, a seu juízo,a primeira ré não pode, na condição decooperativa, intermediar mão-de-obra enem seus diretores estão autorizados a

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constituí-la para tal fim. É de bom alvitresalientar que, por ser a primeira ré umente abstrato, depende de seusdiretores para sua movimentação.

Por fim, a cultura elevada dos“cooperados” não afasta a legitimidadeativa do autor, quando atua, como nocaso presente, em defesa de interessescoletivos, em razão do desrespeito adireitos sociais constitucionalmentegarantidos.

À baila, a jurisprudência:

AÇÃO CIVIL PÚBLICATRABALHISTA - LEGITIMIDADEDO MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO. As relações detrabalho já não são vistas nosdias de hoje sob o prismaindividual; antes, despertaminteresse nos aspectos globais,que dizem respeito a todos ostrabalhadores, ou a muitos deles,pois uma única e mesmaconduta ilícita pode constituirviolação de direitos ou interessesde centenas e até milhares detrabalhadores. A orientaçãodiretora das reformasprocessuais deste final de séculoaponta para a universalização datutela jurisdicional e para aconseqüente criação deinstrumentos modernos, hábeispara solucionar os conflitosenvolvendo interesses difusos ecoletivos em suas váriasmodalidades. Um desses novosinstrumentos é a ação civilpública, cuja legitimidade ativa éatribuída ao Ministério Públicopelo art. 129, III, da Constituiçãoda República. A par dessaatribuição constitucional, a LeiComplementar n. 75/93, em seuart. 83, III, estabeleceu acompetência do Parquet no

âmbito da Justiça do Trabalho,para defesa de interessesdifusos e coletivos, quandodesrespeitados os direitossociais constitucionalmentegarantidos aos trabalhadores.Por meio da ação civil pública oParquet cumpre sua missão dedefender a própria ordem jurídicaque assegura aqueles direitos,na tutela não somente de umgrupo específico detrabalhadores, mas também dosfuturos, dos ausentes, dosminoritários, dos dissidentes edos desconhecidos, naexpressão do eminente juristaMessias Pereira Donato. É dedecisiva importância ocomprometimento do MinistérioPúblico e do Poder Judiciário naaplicação deste instrumentoprocessual relativamente novo,que é a ação civil pública, poispermitirá extrair dela todo o seupotencial de virtude e eficácia,conforme pretendeu o legislador.(Ac. do TRT da 3ª Região, RO-17507/99, Rel. Juiz SebastiãoGeraldo de Oliveira, publ. no“Minas Gerais” de 20.05.2000)

Por derradeiro, corrobora,também, o posicionamento aquiexteriorizado excerto do v. acórdãoproferido no RO-1314/02, de que foiRelator o insigne Juiz Marcus MouraFerreira, componente desta EgrégiaTurma. Diz ele que:

Ao definir a competência doMinistério Público do Trabalhopara promover, no âmbito daJustiça do Trabalho, a ação civilpública para a defesa deinteresses coletivos, quandodesrespeitados os direitos

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sociais constitucionalmentegarantidos, a LC 75/93, em seuart. 83, inciso III, fez tão-somentecomplementar o textoconstitucional e criar-lhecondições de eficácia. É que taldisposição normativa coloca emordem de relevância umaespécie de interesse geral,público e institucional de sumaimportância: a realização dosdireitos constitucionais dostrabalhadores previstos nos arts.7º e 8º da Constituição.

4. Preliminar de carência deação, por impossibilidade jurídica dopedido

Argúem os réus a preliminar decarência de ação, por impossibilidadejurídica do pedido, porquanto seuatendimento é impossível, “por absolutae indiscutível ofensa ao ordenamentojurídico vigente, e, ainda, àConstituição”.

Desacolhe-se.É juridicamente impossível o

pedido que não encontra amparo nodireito material positivo.

Todavia, não se está diante detal hipótese.

A presente ação civil públicaacha-se prevista no ordenamentojurídico, como meio constitucionalmenteassegurado para promover a defesajudicial dos interesses metaindividuais,inclusive sociais, de modo a propiciar aadequada tutela jurisdicional.

A pretensão inicial diz respeito àimposição das medidas para fazercessar a prática irregular daintermediação de mão-de-obra.

Em síntese, as pretensões,formuladas na peça de ingresso, apesardo longo inconformismo dos réus, sãojuridicamente possíveis, porque, como

se assinalou, há previsão noordenamento pátrio (possibilidade emabstrato). Noutras palavras, háviabilidade jurídica da pretensãodeduzida pelo autor em face do direitopositivo em vigor.

Pontue-se que a citação de artigode lei é despicienda, uma vez que o juiztem obrigação de conhecer o direito(jura novit curia).

5. Preliminar de nulidade da r.sentença por falta de prestaçãojurisdicional e por ausência defundamento

Suscitam os réus outra preliminar,desta feita de nulidade da r. sentença,por negativa de prestação jurisdicional epor ausência de fundamento.

Rejeita-se.Ao contrário do afirmado pelos

réus, ela é perfeita, dado que presentes,no seu corpo, as condições intrínsecas(relatório, motivação ou fundamento edispositivo ou conclusão) e formais(clareza e precisão).

Sem embargo disso, apresentou,de forma longa, fundamentada,meticulosa e lúcida, os motivos pelosquais julgou procedente em parte opleito inicial.

Um pequeno erro material nãoempana seu brilho.

É de curial sabença que, por sero decisum ato de inteligência e devontade, e levando-se em conta oprincípio da persuasão racional, pode asolução final dada à controvérsia nãoagradar às partes, como, in casu,contrariou os réus.

A propósito, no magistério doMestre Couture, eminenteprocessualista uruguaio, na sua obraIntrodução ao estudo do processo civil,Rio de Janeiro: José Konfino - Editor, 3.ed., p. 86:

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A sentença não é um pedaço delógica, nem tampouco umanorma pura. A sentença é umaobra humana, uma criação dainteligência e da vontade, isto é,uma criatura do espírito dohomem.

De qualquer maneira, à luz doartigo 515 do Código de Processo Civil,o recurso devolve ao Tribunal oconhecimento da matéria impugnada.

6. Do juízo de mérito

Intermediação de mão-de obra

Aduzem os réus, em síntese, queé regular a constituição e a gestão defuncionamento da primeira ré(Cooperativa dos Profissionais deEspecialização Eletromecânica - COPE)e que inexiste qualquer ilegalidade ouirregularidade nos atos praticados porseus dirigentes.

Querem a reforma da r.sentença.

Sem razão, data venia.De plano, ratifica-se, hic et nunc,

a asserção da r. sentença (f. 2579) deque se está diante de uma fraude.

É que, a teor do artigo 4º da Lein. 5.764/71, o objetivo social dacooperativa é prestar serviços aosassociados, ou seja, o fi l iado écooperado e ao mesmo tempo cliente(princípio da dupla qualidade). Issosignifica que não se concebe aexistência de cooperativa que coloqueà disposição de terceiros a força detrabalho de seus associados. Noutraspalavras, não se admite a existência decooperativa locadora de mão-de-obraou que a arregimenta para terceiros.

No caso em jogo, não foiobservado o princípio da duplaqualidade, já que a cooperativa não

prestou serviços aos “cooperados”. Aocontrário, estes, por meio dela,prestaram serviços, exempli gratia, paraa CEMIG. Via de conseqüência, restouconfigurada verdadeira merchandising

ou intermediação de mão-de-obra,atividade vedada à cooperativa.

Ainda sobre o princípio da duplaqualidade, vale a pena a transposição,para este subitem, da lição do eminenteProf. Mauricio Godinho Delgado, in

Curso de direito do trabalho, LTr, abrilde 2002, p. 323, que consolidasobremaneira o pensar aqui exposto:

O princípio da duplaqualidade informa que a pessoafiliada tem de ser, ao mesmotempo, em sua cooperativa,cooperado e cliente, auferindo asvantagens dessa duplicidade desituações.

Isso significa que, para talprincípio, é necessário haverefetiva prestação de serviçospela Cooperativa diretamente aoassociado - e não somente aterceiros. Essa prestação diretade serviços aos associados/cooperados é, aliás, conduta queresulta imperativamente daprópria Lei de Cooperativa (art.6º, I, Lei n. 5.764/71).

Já acerca do disposto noparágrafo único do artigo 442 da CLT, éimportante salientar que ele não podeafastar a existência de vínculo deemprego, quando este está presente,sob pena de entrar em chaça ou emtestilha com a Constituição do Brasil.Noutras palavras, não exclui da proteçãodo Direito do Trabalho o cooperado quetrabalha nas mesmas condições deoutro empregado qualquer, porque, seassim o for, estará sendo ferido oprincípio da isonomia.

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Escoliando a norma citada,ensina o ilustre Professor Rodrigo deLacerda Carell i, na sua obraCooperativas de mão-de-obra - manual

contra a fraude, LTr, 2002, p. 21, que:

...expressamente rejeita aOrganização Internacional doTrabalho a util ização dascooperativas de trabalho comosubstitutivo do trabalhosubordinado legalmenteprotegido, por meio daintermediação da mão-de-obra,devendo os Estados Nacionaisgarantir a obstaculização dafraude. Verifica-se, portanto, quenão há como se servir dacooperativa como fornecedorade trabalhadores, já que essa éa forma em que se daria a fraudeaos direitos trabalhistas. Destaforma, qualquer interpretação doparágrafo único do art. 442 daConsolidação das Leis doTrabalho que tente retirar aqualidade de empregado dequem realmente o é deverá tersido uma tentativa de fraude,impedida pelo art. 9º da mesmalei. E esta é a única interpretaçãoconstitucional possível. De fato,senão vejamos.A Constituição Cidadã de 1988,em seu art. 1º, inclui entre osprincípios fundamentais daRepública Federativa do Brasil:“IV - os valores sociais dotrabalho.” Ora, a princípio não seteria constitucional uma forma detrabalho que negasse todo ovalor social do trabalho, nãotendo garantia nenhuma dedireitos sociais. Seria a negaçãodo princípio fundamental daFederação, o que não se podeaceitar.

Além disso, no seu art. 7º damesma Constituição Federal,vem afirmando que: “São direitosdos trabalhadores urbanos erurais, além de outros que visemà melhoria de sua condiçãosocial”, em seguida listando osdireitos. Ora, não está dito“empregados”, e simtrabalhadores genericamente,que obviamente incluem oscooperados. Não se pode negara característica de trabalhadoresurbanos ou rurais aoscooperados. Assim, qualquerinterpretação que retire aoscooperados trabalhadores osdireitos previstos na Constituição,além de outros que visem àmelhoria de sua condição social,é inegavelmente inconstitucional.Desta forma, não há interpretaçãoconstitucionalmente correta queretire dos cooperadostrabalhadores os direitostrabalhistas assegurados nalegislação constitucional einfraconstitucional, por ordem daprópria lei maior.(sic)

Mais adiante (f. 168), prelecionao juslaborista que:

O cooperativismo não substitui otrabalho subordinado. E ocooperativismo só é alternativaao trabalho subordinado quandofor agregado o trabalho com aprodução. O trabalho cooperadonão é substitutivo ao trabalhosubordinado quando asubordinação permanece. Isso éfraude, precarização do trabalhohumano em benefício de ganhosindividuais de empregadores.(sic)

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Na mesma esteira, oensinamento do ilustre Prof. MauricioGodinho Delgado, obra citada, p. 424:

...não se fixa na CLT,entretanto, presunção legal decaráter absoluto mas simplespresunção relativa de ausênciade vínculo de emprego. Oobjetivo da regra teria sido o deretirar do rol empregatíciorelações próprias àscooperativas - desde que nãocomprovada a roupagem ouutilização meramente simulatóriade tal figura jurídica.

[...]Em decorrência,

comprovado que o envoltóriocooperativista não lida comprofissionais efetivamenteautônomos, desatende, ainda,às finalidades e princípiosimanentes ao cooperativismo(princípio da dupla qualidade eprincípio de retribuição pessoaldiferenciada, por exemplo),fixando, por fim, vínculocaracterizado por todos oselementos fático-jurídicos darelação de emprego, não hácomo evitar-se o reconhecimentodesta relação empregatícia,afastando-se a simulaçãoperpetrada.

Por fim, em palestra, transcrita naobra Cooperativas de trabalho, sob acoordenação dos Professores IvesGandra da Silva Martins Filho e MiguelSalaberry Filho, LTr, março de 2004, p.86, o ilustre Dr. Raimundo Simão deMello, Procurador Regional do Trabalhoda 15ª Região, discorrendo sobre oprevisto no artigo 442 da CLT, assim sepronunciou:

...logo que aprovada aquelaalteração, surgiu uma orientaçãopatronal rural, incentivando acriação de cooperativas de mão-de-obra, consubstanciada noseguinte: a) não existência deproblemas trabalhistas; b)supressão de vínculoempregatício; c) inexistência defiscalização trabalhista; d)desobrigação dasresponsabilidades trabalhistas esociais, etc.Eis, como se vê, a possibilidadeperigosa de fraudes e dedesvirtuamento das normastrabalhistas e do verdadeirocooperativismo, que com otempo foi concretizada, comocomprovam os inúmerosjulgados trabalhistas. O que namaioria dos casos se vê é acriação de cooperativas dedireito, mas não de fato, por“testas de ferro”, pagos porempresas e empreendimentos,com o objetivo de diminuir oscustos trabalhistas e baratear amão-de-obra, medianteapropriação indébita e maldosada idéia cooperativista.

Hodiernamente, prolifera-se acriação de cooperativas de trabalho,incentivada por empresas, com o fim defraudar a legislação trabalhista, já quetêm empregados a custo módico, semnecessidade de cumprir obrigaçõestrabalhistas e sem o mínimo encargosocial, repete-se. Evidentemente, nãodesempenham qualquer finalidadesocial.

Sobre o tema, ensina o ilustreProf. Jorge Luiz Souto Maior, no seutrabalho intitulado “Cooperativas detrabalho”, Revista LTr 60-08-1062/1063,que:

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As cooperativas deprodução (ou mesmo de“trabalho”), agasalhadas pornosso sistema jurídico,pressupõem que osinstrumentos da produçãoestejam na posse doscooperados, além de terem estestotal disponibilidade quanto aoproduto do seu trabalho. Ou seja,várias pessoas podem uniresforços para, com o trabalhoconjunto e sem fins lucrativos,suprirem uma necessidade quelhes era comum (construção demoradias, por exemplo). Otrabalho e o resultado dessetrabalho executado sãousufruídos pelos cooperados enão por terceiros. Não há, porassim dizer, a possibilidade decomercialização desse trabalho,pois do contrário estar-se-iadiante de uma sociedadecomercial como outra qualquer,não de uma cooperativa. Nestesentido, “cooperativas detrabalho” em que o resultado dotrabalho é utilizado por terceiro(construção de casas para umaconstrutora, colheita de laranjapara citricultores, colheita de lixopara um Município e prestaçãode serviços médicos paraempresas de saúde ou umMunicípio, por exemplo) não sãopropriamente cooperativas.(grifos adesivos)

Continua o eminente Professor:

As cooperativas,portanto, apesar de teremevidentes objetivosempresariais, pois visam àmelhoria das condições de vidados seus associados, não

podem ser constituídas com oúnico propósito de colocar mão-de-obra a serviço de outrem. Otrabalho humano, no nosso atualordenamento jurídico, éprotegido pelas regrastrabalhistas e não há métodosintermediários juridicamentepossíveis para regular o trabalhonão eventual, remunerado esubordinado de uma pessoa poroutra. A prestação de trabalhonestas condições caracteriza arelação de emprego junto aotomador de tais serviços...(os grifos não estão no original)

Da mesma maneira, pensa oinsigne Juiz do Trabalho Luiz CarlosCândido Martins Sotero da Silva emtrabalho intitulado “As cooperativas detrabalho no meio rural”, Suplemento

Trabalhista, LTr, n. 126, 1995, p. 804:

Com efei to, conformeclaramente define o artigo 4º,da Lei n. 5.764/71, a finalidadeda cooperat iva é prestarserviços aos associados ou emregime de reciprocidade. Visao bem comum dos sócios-cooperados. Nesse passo, acooperativa que deixar, porqualquer razão, de cumpriressa finalidade, simplesmentearregimentando-os para aprestação de serviços aterceiros, numa nítida locaçãoda mão-de-obra como semercadorias ou bens deserviços fossem, divorcia-seflagrantemente da sua própriarazão de existir. Haverá aí umaverdadeira intermediação ilícitade mão-de-obra entre acooperativa e o tomador deserviço, afrontando o artigo 9º,

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da Lei n. 5.764/71, comotambém o parágrafo único, doartigo 442, o artigo 9º e o artigo444, todos da CLT.

Igualmente, a jurisprudência nãodestoa da doutrina. Veja-se então:

COOPERATIVA - COOPERADO- FRAUDE. A discussão queenvolve cooperativa-cooperado,para ornar essa típica situaçãoveiculada pela legislação, seriacondizente à hipótese daCooperativa se restr ingir aaproximar seu associado dotomador dos serviços. “Odisposto no artigo 9º da Lei n.5.764/71 pressupõe relaçãojurídica de mero associado,quando a Cooperativa serestr inge a aproximar oassociado daquele tomador dosserviços, a f im de que osmesmos celebrem contrato deemprego. Não passa pelo crivodo artigo 9º da Consolidaçãodas Leis do Trabalho,procedimento da Cooperativaque implique colocar àdisposição de terceiros força detrabalho, medianteremuneração do prestador deserviços a tí tulo de merapart icipação.” (Min. MarcoAurélio). Cooperativa realmentefunciona como tal quandointermediária entre osassociados e aqueles quedesejassem contar com a forçade trabalho. Efetivandocontratos com estes últimos ecolocando a força de trabalhodaqueles que seriam osassociados à disposição dostomadores, efetuandopagamentos aos prestadores

dos serviços, essa hipótesediscrepa do ordenamentojurídico vigente, de vez queencerra locação de serviçosestranha à Lei n. 6.019/74,chegando à marchandagem queo Direito do Trabalho repudia. Oart. 7º da Lei n. 5.764/71 éincisivo: caracteriza-se acooperativa pela prestaçãodireta de serviços AOSassociados e, não, pelaprestação de serviços DOSassociados, o queconsubstancia dist inçãofundamental.(Ac. do TRT da 3ª Região, RO-1187/02, Rel. Juiz RicardoAntônio Mohallem, publ. no“Minas Gerais” de 12.04.2002)

Por conseguinte, bastava, tão-só, a intermediação de mão-de-obra aterceiros pela primeira reclamada - fatoincontrastável e proibido por lei, em facede sua condição de Cooperativa, comose frisou acima - para autorizar oajuizamento, pelo Ministério Público, dapresente ação civil pública.

A par disso, a r. sentençaapontou, com percuciência, uma a uma,as irregularidades cometidas pelos réus,indicando, através da prova documentale da prova oral, onde se encontram.

Por ser também escorreita nesteponto, ratificam-se seus termos, com oescopo de se evitar repetição.

Frente a tal realidade, é semqualquer espeque o longoinconformismo dos réus. A propósito, seé intenção dos dirigentes da primeirareclamada continuar no ramo delocação de mão-de-obra, deveriamconstituir uma sociedade, nos moldesprevistos na Lei n. 6.019, de 03 dejaneiro de 1974. Assim sendo,trabalhariam dentro da legalidade.

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Quanto ao valor da indenizaçãopor dano moral coletivo e da multa portrabalhador contratado, foi arbitrado comrazoabilidade, diante do tamanho dailicitude praticada pelos réus.

Acerca das multas aplicadaspela r. sentença de f. 2625/2627, sãomantidas, à vista da clara intenção daprimeira ré, com o aviamento deembargos de declaração, de retardar odesfecho da demanda. A propósito, trêsforam opostos por ela.

Sobre a condenação solidária, ar. sentença, também, não merecereparo. Deixou evidente que:

A 1ª requerida, através de seusdirigentes, burla a lei e mais,incentiva as urdiduras e chicanasdas empresas que deixam decontratar o trabalhador com aCTPS registrada para, em nomeda avidez dos lucros, prejudicaro trabalhador.Se estas práticas cessarem, comcerteza amanhã outra alternativanão haverá para empresas comoa CEMIG por exemplo, do quecontratar trabalhadores paraserem empregados seus, comCTPS assinada.Daí a razão pela qual está emjogo a efetividade da ordemjurídica, sendo extremamentenecessário o fim de práticas quetais.

Por fim, não se visa aqui adissolução da primeira ré. Ao reverso, oautor, com ajuizamento da presenteação, pretendeu apenas que fossecoagida a não mais intermediar mão-de-obra para terceiros, ato defeso por lei,por ser ela uma cooperativa. Basta queo objetivo desta seja alterado para outroque tenha amparo legal.

Nega-se provimento.

Isso posto, conhece-se dorecurso, rejeitam-se as preliminares deincompetência da Justiça do Trabalho,em razão da matéria, de carência deação, por ilegitimidade ativa ad causam

e por impossibilidade jurídica do pedidoe de nulidade da r. sentença, pornegativa de prestação jurisdicional e porausência de fundamento, e, no mérito,nega-se provimento ao recurso.

Fundamentos pelos quais,

ACORDAM os Juízes do TribunalRegional do Trabalho da TerceiraRegião, pela sua Primeira Turma,preliminarmente, à unanimidade, emconhecer do recurso; sem divergência,em rejeitar as preliminares deincompetência da Justiça do Trabalho,em razão da matéria, de carência deação, por ilegitimidade ativa ad causam

e por impossibilidade jurídica do pedidoe de nulidade da r. sentença, pornegativa de prestação jurisdicional e porausência de fundamento; no mérito,unanimemente, em negar provimento aorecurso.

Belo Horizonte, 31 de julho de2006.

MÁRCIO FLÁVIO SALEM VIDIGALRelator

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TRT-00415-2006-134-03-00-6-ROPubl. no “MG” de 07.10.2006

RECORRENTES: (1) ASSOCIAÇÃOSALGADO DE OLIVEIRA DEEDUCAÇÃO E CULTURA(2) MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO

RECORRIDOS: OS MESMOS

EMENTA:AÇÃO CIVIL PÚBLICA- DIREITOS INDIVIDUAISHOMOGÊNEOS -LEGITIMIDADE ATIVA DOMINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO. Insere-se nafunção jurisdicional doMinistério Público a defesa dedireitos individuaishomogêneos de naturezaindisponível, conformeinterpretação do inciso IX doart. 129 da CF/88; do inciso I doart. 82 da Lei n. 8.078/90(Código de Defesa doConsumidor); do art. 21 da Lein. 7.347/85 (Lei da Ação CivilPública) e alínea “d” do incisoVII do art. 6º do Capítulo II daLei Complementar n. 75/93.Assim, considerando-se que oMinistério Público é umainstituição una e indivisível,como exposto no § 1º do art.127 da CF/88, quando o incisoIII do art. 83 da LeiComplementar n. 75/93 dispõeque compete ao MPT“promover a ação civil públicano âmbito da Justiça doTrabalho, para defesa deinteresses coletivos, quandodesrespeitados os direitossociais constitucionalmentegarantidos”, está se referindoaos direitos coletivos emsentido amplo, que abrangem

os direitos ou interessesdifusos, coletivos stricto sensue individuais homogêneos.Quanto a estes, cumpreassinalar, no entanto, quedevem ser aqueles que digamrespeito a direitos ou garantiasconstitucionais, bem comoaqueles cujo bem jurídico a serprotegido seja relevante paraa sociedade, ou nos casos degrande dispersão dos lesados,e, ainda, quando a sua defesapelo Ministério Públicoconvenha à coletividade, porassegurar a implementaçãoefetiva e o plenofuncionamento da ordemjurídica.

Vistos, relatados e discutidos ospresentes autos de recursos ordinários,oriundos da 5ª Vara do Trabalho deUberlândia/MG, em que figuram, comorecorrentes, (1) ASSOCIAÇÃOSALGADO DE OLIVEIRA DEEDUCAÇÃO E CULTURA e (2)MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHOe, como recorridos, OS MESMOS.

RELATÓRIO

Ao relatório da sentença (f. 974/994), que adoto e a este incorporo,acrescento que a Ex.ma Juíza Tânia MaraGuimarães Pena, em exercício na 5ªVara do Trabalho de Uberlândia/MG,pela sentença de f. 974/994, extinguiusem julgamento do mérito os pedidosformulados nos itens IV e V da inicial e,no mérito, julgou procedentes, em parte,os pedidos formulados peloMINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHOem desfavor da ASSOCIAÇÃOSALGADO DE OLIVEIRA DEEDUCAÇÃO E CULTURA, paracondenar a ré ao cumprimento das

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obrigações de fazer e não-fazerrelacionadas no dispositivo de f. 993/994.

A ré interpõe o recurso ordináriode f. 995/1.017. Suscita a ilegitimidadeativa do Ministério Público do Trabalhoe, no mérito, insurge-se contra asdeterminações impostas na sentença,sob pena de multa diária, de efetuar opagamento antecipado da remuneraçãoe abono de férias; de não modificar oregistro da jornada de trabalho dosempregados e de solicitar e sugerir aredução da carga horária dosprofessores.

Comprova o recolhimento dascustas processuais à f. 1.018.

O autor maneja o recursoordinário de f. 1.029/1.048. Não seconforma com a extinção do processo,sem resolução do mérito, porilegitimidade ativa, quanto aos pedidosformulados nos itens IV e V da inicial.Pretende que a reclamada seja tambémobrigada a não coagir seus empregadosa assinar termo de redução da cargahorária e que seja deferido o pedido deindenização por dano moral coletivo.

Contra-razões pelo reclamante(f. 1.049/1.062) e pela reclamada (f.1.063/1.072).

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

Satisfeitos os pressupostosobjetivos e subjetivos deadmissibilidade, conheço dos recursos.

Registre-se que não houvecondenação em pecúnia, motivo peloqual não se exige o depósito recursal.

Juízo de mérito

Examino, em conjunto, os dois

recursos, quanto à questão dalegitimidade do Ministério Público doTrabalho para a propositura da presenteação.

Recursos ordinários daspartes

Ilegitimidade ativa

A MM. Juíza a qua acolheu,parcialmente, a preliminar deilegitimidade ativa do Ministério Públicodo Trabalho e extinguiu, sem resoluçãodo mérito, os pedidos formulados nositens IV (“a fazer o pagamento dossalários dos seus trabalhadores deacordo com a titulação para a qual foicontratado e informada ao Ministério daEducação, sob pena de multa deR$1.000,00 (um mil reais), porpagamento feito a cada trabalhador emdesacordo com esta cláusula”) e V (“apagar a todos os professores quetiveram seus contratos de trabalhoparcialmente rescindidos “a pedido” asverbas rescisórias que lhes são dedireito, por dispensa sem justa causa[...], sob pena de multa de R$100,00(cem reais) por dia de atraso, a favordo empregado”) da inicial. Afastou, noentanto, a preliminar em questão,quanto aos pedidos de condenação dareclamada a efetuar o pagamentoantecipado da remuneração e abono deférias de seus empregados (item I, f. 19);a não modificar o registro da jornada detrabalho dos empregados (item II, f. 19);a não coagir, solicitar e sugerir a reduçãoda carga horária dos professores, tudosob pena de multa diária (item III, f. 19)e a pagar indenização por dano moralcoletivo (item VI, f. 19).

A ré, inconformada com taldecisão, alega que o Ministério Públicotambém é parte ilegítima para formularos pedidos contidos nos itens I, II, III e

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VI da inicial, ante a ausência de previsãolegal para a “defesa de interesses edireitos individuais disponíveis, oumesmo à defesa, [...] de direitosindividuais indisponíveis”. Argumentaque “os direitos individuais homogêneosnão perdem, por serem homogêneos,as características da individualidade eda disponibilidade” e que o autor nãocomprovou que as supostasilegalidades a ele imputadas “tenhamviolado direito garantido por preceitoconstitucional”.

O Ministério Público do Trabalho,por sua vez, insurge-se contra oacolhimento da preliminar em relaçãoaos pleitos contidos nos itens IV e V dainicial. Afirma que “o pedido contido noitem IV não se reveste de caráterreparatório, eis que se projeta para ofuturo, cujos beneficiados são todos ostrabalhadores que trabalham ou quevenham a trabalhar para a requerida” eque sua legitimidade se estende aosdireitos individuais homogêneos,devendo ser examinado o pedidocontido no item V da exordial.

Cabe examinar, inicialmente, alegitimação do Ministério Público doTrabalho para a defesa de direitosdifusos, coletivos e individuaishomogêneos.

A questão é polêmica e aindanão há um posicionamento uníssono nadoutrina e na jurisprudência, emborahaja um direcionamento no sentido dereconhecer ao Ministério Público doTrabalho legitimação que lhe assegurea possibil idade de, efetivamente,defender os interesses sociais dostrabalhadores, o que mantém relaçãodireta com o princípio da dignidade dapessoa humana, ainda que sejamdireitos ou interesses individuaishomogêneos.

Segundo o inciso III do artigo 83da Lei Complementar n. 75/93, compete

ao Ministério Público do Trabalho“promover a ação civil pública no âmbitoda Justiça do Trabalho, para defesa deinteresses coletivos, quandodesrespeitados os direitos sociaisconstitucionalmente garantidos” (grifosacrescidos)

Tal dispositivo legal não pode serinterpretado isoladamente, sem o cotejocom as demais disposições legais econstitucionais relativas à matéria.

De acordo com o inciso III do art.129 da CF/88, dentre as funçõesinstitucionais do Ministério Públicoencontra-se a de “promover o inquéritocivil e a ação civil pública, para aproteção do patrimônio público e social,do meio ambiente e de outros interessesdifusos e coletivos” (grifos acrescidos).

De fato, a norma constitucionalnão menciona os direitos individuaishomogêneos. Contudo, não se podeolvidar de que tal expressão (“direitosindividuais homogêneos”) surgiu nodireito pátrio após a ConstituiçãoFederal de 1988, com a vigência da Lein. 8.078/90 - Código de Defesa doConsumidor - que, no art. 81, definiu oque são direitos difusos, coletivos stricto

sensu e individuais homogêneos.Além disso, segundo o inciso IX

do art. 129 da CF/88, compete aoMinistério Público “exercer outrasfunções que lhe forem conferidas, desdeque compatíveis com sua finalidade,[...]”. E, a teor do caput do art. 127 daCF/88, “O Ministério Público é instituiçãopermanente, essencial à funçãojurisdicional do Estado, incumbindo-lhea defesa da ordem jurídica, do regimedemocrático e dos interesses sociais eindividuais indisponíveis” (grifosacrescidos).

Também é importante mencionarque a Lei da Ação Civil Pública (Lei n.7.347/85), no art. 21, estabelece que seaplicam “à defesa dos direitos e

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interesses difusos, coletivos eindividuais, no que for cabível, osdispositivos do Título III da lei queinstituiu o Código de Defesa doConsumidor”.

Nesse passo, não há comoafastar a conclusão de que se insere nafunção jurisdicional do Ministério Públicoa defesa de direitos individuaishomogêneos de natureza indisponível.

Veja-se, a propósito, a doutrinade Luiz Guilherme Marinoni e SérgioCruz Arenhart, in Manual do processo

de conhecimento, 2. ed., 2001, Ed.Revista dos Tribunais, p. 761:

[...] O Ministério Público tambémé legitimado para as açõesatinentes a direitos individuaishomogêneos, por expressaprevisão do Código de Defesa doConsumidor (art. 82, I) eautorização de sua lei específica(no âmbito federal, art. 6º, XII, daLei Complementar 75/93).Poderia alguém supor comoinconstitucionais essasprevisões de lei, portransbordarem os limites fixadosna norma constitucional antesapontada (art. 129, III, da CF).Não se deve olvidar, todavia, deque a própria ConstituiçãoFederal permite a ampliação, porlei, da competência do MinistérioPúblico, ao estabelecer, em seuart. 129, IX, que também éatribuição desse órgão “exerceroutras funções que lhe foremconferidas, desde quecompatíveis com sua finalidade,sendo-lhe vedada arepresentação judicial e aconsultoria jurídica de entidadespúblicas”. Ora, indubitavelmente,a defesa de interessesindividuais homogêneos, porque

dizem com a proteção da ordemjurídica (art. 127 da CF), éatribuição harmônica com afinalidade do Ministério Público.Não há, portanto, razão paranegar-se a este órgão alegitimidade para a propositurade ações coletivas para a tutelade interesses individuaishomogêneos. A única ressalvaque merece ser feita alude àrelevância social do interesseindividual homogêneo a serdefendido pelo MinistérioPúblico. De fato, para que sejustif ique a intervenção doMinistério Público na defesa deinteresses individuais (ainda quehomogêneos), é necessário queestes se caracterizem comointeresses sociais ou individuaisindisponíveis (art. 127 da CF).Não é, assim, qualquer direitoindividual (ainda que pertencentea várias pessoas) que admite atutela por via de ação coletivaproposta pelo Ministério Público,mas apenas aquelescaracterizados por suarelevância social ou por seucaráter indisponível.

Nesse sentido, a decisão doSuperior Tribunal de Justiça a seguirtranscrita:

Ação civil pública. Legitimidadedo Ministério Público. Locaçãopredial urbana. Inexistência derelação de consumo.1. De acordo com precedente daCorte Especial, o MinistérioPúblico está legitimado paradefender direitos individuaishomogêneos que tenhamrepercussão no interessepúblico.

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2. A Lei n. 8.078/90 - Cód. deDefesa do Consumidor - não seaplica às locações de imóveisurbanos, regidas pela Lei n.8.245/91. Jurisprudência da 5ª e6ª Turmas.3. Agravo regimental improvido.(AgRg no Ag 590802/RS; AgravoRegimental no Agravo deInstrumento 2004/0032616-1,Ministro Nilson Naves, SextaTurma, DJ de 14.08.06, p. 340)

Tal orientação também há de serseguida em relação ao MinistérioPúblico do Trabalho, mesmo porque,segundo o § 1º do art. 127 da CF/88, oMinistério Público é uma instituição unae indivisível.

Outrossim, o art. 84 da LeiComplementar n. 75/93 determina que“Incumbe ao Ministério Público doTrabalho, no âmbito das suasatribuições, exercer as funçõesinstitucionais previstas nos Capítulos I,II, III e IV do Título I, [...]” e, na alínea “d”do inciso VII do art. 6º do Capítulo IIdessa Lei, consta competir ao MinistérioPúblico da União promover o inquéritocivil e a ação civil pública para a proteçãode “outros interesses individuaisindisponíveis, homogêneos, sociais,difusos e coletivos” (grifos acrescidos).

Com efeito, quando o inciso IIIdo art. 83 da Lei Complementar n. 75/93 dispõe que compete ao MPT“promover a ação civil pública no âmbitoda Justiça do Trabalho, para defesa deinteresses coletivos, quandodesrespeitados os direitos sociaisconstitucionalmente garantidos”, está sereferindo aos direitos coletivos emsentido amplo, que abrangem os direitosou interesses difusos, coletivos stricto

sensu e individuais homogêneos.Não obstante a legitimidade do

MPT para a defesa de direitos

individuais homogêneos, cumpreassinalar, mais uma vez, que não équalquer direito, ainda que do interessede vários indivíduos, que viabiliza atutela por meio de ação civil públicaproposta pelo Ministério Público, mas,tão-somente, aqueles revestidos derelevância social ou de naturezaindisponível.

Nesse sentido, a Súmula n. 7 doConselho Superior do Ministério Públicode São Paulo:

O Ministério Público estálegitimado à defesa deinteresses ou direitos individuaishomogêneos que tenhamexpressão para a coletividade,tais como: a) os que digamrespeito a direitos ou garantiasconstitucionais, bem comoaqueles cujo bem jurídico a serprotegido seja relevante para asociedade (v.g., dignidade dapessoa humana, saúde esegurança das pessoas, acessodas crianças e adolescentes àeducação); b) nos casos degrande dispersão dos lesados(v.g., dano de massa); c) quandoa sua defesa pelo MinistérioPúblico convenha à coletividade,por assegurar a implementaçãoefetiva e o pleno funcionamentoda ordem jurídica, nas suasperspectivas econômica, social etributária.

Pontue-se que a edição daSúmula encontra suporte nos seguintesfundamentos:

Fundamento - legitimação que oCódigo do Consumidor confereao Ministério Público para adefesa de interesses e direitosindividuais homogêneos há de

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ser vista dentro da destinaçãoinstitucional do MinistérioPúblico, que sempre deve agirem defesa de interessesindisponíveis ou de interessesque, pela sua natureza ouabrangência, atinjam asociedade como um todo (PT. N.15.939/91). Em três modalidadesprincipais de interesses e direitosindividuais homogêneos mostra-se presente o pressuposto derelevância social, previsto no art.127, da Constituição Federal.Primeiro, quando a conduta doinfrator afetar direitos ougarantias constitucionais,hipótese em que a legitimaçãodecorre da natureza e relevânciajurídicas do bem jurídico afetado(dignidade da pessoa humana,saúde, segurança, educação,etc.). Neste caso, a relevânciasocial está fundada em ratio

substantiva. Segundo, quando onúmero de lesados impossibilitar,dificultar ou inviabilizar a tutelados interesses e direitosafetados (v.g., danosmassificados); aqui, estamosdiante de relevância socialdecorrente de ratio quantitativa.

Terceiro, quando, pela via dadefesa de interesses e direitosindividuais homogêneos, o quepretende o Ministério Público ézelar pelo respeito à ordemjurídica em vigor, levando aostribunais violações que, de outraparte, dificilmente a eleschegariam, o que poderia, emconseqüência, desacreditar oordenamento econômico, socialou tributário. Temos, aí,relevância social alicerçada emratio pragmatica (PT 39.727/02)- (alterada a redação anterior).

Nesse passo, não merece reparoa decisão primeva quanto aoreconhecimento da ilegitimidade doMPT em relação aos pedidos vindicadosnos itens IV e V da inicial.

Registre-se que, no item IV dopedido inicial (f. 19), requer o autor quea ré seja condenada a “fazer opagamento dos salários dos seustrabalhadores de acordo com a titulaçãopara a qual foi contratado e informadaao Ministério da Educação, sob pena demulta de R$1.000,00 (um mil reais), porpagamento feito a cada trabalhador emdesacordo com esta cláusula”.

Embora o MPT vise, com essepleito, evitar que os pagamentos futurosaos professores sejam realizados semse considerar suas titulações(graduados, mestres e doutores), opedido não se reveste de relevânciasocial, ainda que se considere o grupode professores envolvidos, na medidaem que sequer há norma expressa aregular a questão.

Quanto ao pleito contido no itemV do pedido da exordial (f. 19), decondenação da ré “a pagar a todos osprofessores que tiveram seus contratosde trabalho parcialmente rescindidos “apedido” as verbas rescisórias que lhessão de direito, por dispensa sem justacausa [...]”, também deve ser mantida asentença, que extinguiu o processo,sem resolução do mérito (inciso IV doart. 267 do CPC).

Verifica-se que os beneficiáriosdo direito são perfeitamenteindividualizáveis, e que a tutelaressarcitória pretendida está no planodos direitos disponíveis dosbeneficiários, na medida em que cabea cada um deles avaliar se, em seucaso, o pedido de redução da cargahorária é legítimo ou não. Além disso,os empregados que sofreram a lesãoencontram-se em situações

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particulares, uma vez que as horas-aulareduzidas não são em número igual paratodos.

Nesta hipótese, além de o direitonão se encontrar dentre aqueles denatureza indisponível pelos lesados,também não se pode dizer que detenhaa característica da homogeneidade. Istoporque a homogeneidade refere-se àpouca capacidade das característicaspessoais dos envolvidos influírem noresultado. Ou seja, se um fato ou atotem repercussão distinta, em função dascaracterísticas pessoais dos envolvidosna situação conflituosa, como no casoem apreço, não há homogeneidade, oque afasta a possibil idade de sepretender a reparação da lesão deledecorrente, por meio de ação civilpública.

Por outro lado, não há dúvida deque, em relação às pretensõesdeduzidas nos itens I a III da inicial, oMPT atua na defesa de interessecoletivo, sendo indubitável que sediscutem direitos sociaisconstitucionalmente garantidos eindisponíveis, haja vista que a MagnaCarta assegura o direito às férias anuaisremuneradas com, pelo menos, umterço a mais do que o salário normal(inciso XVII do artigo 7º da CF/88), aremuneração do serviço extraordináriosuperior, no mínimo, em cinqüenta porcento à do normal (inciso XVI do art. 7ºda CF/88); a irredutibilidade do salário,salvo o disposto em convenção ouacordo coletivo (inciso VI do art. 7º daCF/88), além de reconhecer o valor dasconvenções e acordos coletivos detrabalho (inciso XXVI do art. 7º daCF/88). O pleito de indenização pordanos morais coletivos (item VI dainicial), por sua vez, está relacionado àviolação de tais direitos.

É de se notar que os pedidos doMPT de que seja ordenado à ré efetuar

o pagamento antecipado daremuneração e abono de férias de seusempregados, não modificar o registro dajornada de trabalho dos empregados enão coagir, solicitar e sugerir a reduçãoda carga horária dos professores, tudosob pena de multa diária, visam,exatamente, resguardar os direitossociais acima citados, mesmo porque aação civil pública representa, também,no âmbito da Justiça do Trabalho, uminstrumento de proteção doordenamento jurídico como um todo, jáque defende, nos termos da lei, ointeresse coletivo decorrente dosdireitos constitucionais asseguradosaos trabalhadores.

Ressalve-se, aliás, que apreservação da ordem jurídica encontra-se diretamente inserida no interessesocial.

Assim, rejeito a alegação da réde ilegitimidade ativa do MinistérioPúblico do Trabalho em relação aospedidos relacionados nos itens I, II, III eVI da inicial e nego provimento ao apelodo Ministério Público quanto aoacolhimento na sentença da preliminarem questão, em relação aos pedidoscontidos nos itens IV e V da exordial.

Recurso da ré

Do pagamento antecipado daremuneração e abono de férias

Afirma a ré que há prova nosautos de que a situação ocorrida em2005, de não pagamento das fériasantes de sua fruição pelos empregados,já se regularizou, e que a inicial “sequeracusa irregularidade na antecipação dopagamento das férias de 2006”.Argumenta, ainda, que o atraso nopagamento das férias não tem adimensão que o autor pretendeu lheimprimir, prevendo a lei apenas a multa

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administrativa de que trata o art. 153 daCLT. Alega que a decisão de primeirograu negou vigência ao art. 818 da CLTe ao inciso I do art. 333 do CPC, alémde contrariar, frontalmente, o art. 153 daCLT e os incisos II e XLV do art. 5º daCF/88.

Sem razão, contudo.Como exposto no tópico anterior,

as férias são um direito social dotrabalhador (inciso XVII do art. 7º da CF/88), e visam propiciar a reposição desuas energias, mediante descanso elazer. Em razão disso, prevê a CartaMaior a remuneração das férias com,pelo menos, um terço a mais do que osalário normal, e o art. 145 da CLTestabelece que esse pagamento, assimcomo o do abono das férias, deverá serefetuado até 2 (dois) dias antes do iníciodo respectivo período.

Tal providência, determinada emlei, objetiva que o laborista tenha,realmente, condições de escolher aforma de melhor usufruir o descansoanual, para que possa retornar aotrabalho com disposição e energiasuficientes para a prestação dosserviços.

De fato, não alegou o autor, nainicial, que a ré também efetuou ematraso o pagamento das férias de 2006.Contudo, a ré não nega que esse fatoocorreu quanto às férias do ano de2005, tendo sido autuada em razão de392 (trezentos e noventa e dois)professores estarem gozando férias nomês de janeiro de 2005, sem orecebimento antecipado da respectivaremuneração, nos termos legais,conforme auto de infração de f. 58.

Observa-se, ainda, que atestemunha Marcos Vieira de Oliveira,fiscal do trabalho que investigou os fatosdenunciados à Delegacia Regional doTrabalho, afirmou que, “no dia 27.01.05,as férias ainda não tinham sido pagas”

e que “na oportunidade a reclamada sedefendeu afirmando que o nãopagamento das férias decorria dedificuldades financeiras” (f. 973).

Outrossim, cabe registrar aobservação contida na sentença de que“em diversos processos que tramitampelas Varas do Trabalho desta cidadecontra a requerida tem sido correntea denúncia do pagamento das férias+ 1/3 com atraso” (f. 986).

Com efeito, constatada airregularidade, nada obsta a intervençãoministerial, pleiteando tutela inibitória,com o fim de evitar futuras violações aoart. 145 da CLT, ainda que no ano de2006 isso não tenha ocorrido.

Além disso, o fato de a CLTprever multa por infração ao referidodispositivo legal, conforme art. 153 daCLT, também não impede a tutelapreventiva almejada pelo autor.

Ante o exposto, não há que sefalar em violação aos dispositivos legaise constitucionais invocados, devendoser mantida a decisão primeva, quantoà determinação para que a reclamada“efetue o pagamento da remuneraçãoe/ou do abono de férias, medianterecibo, até 2 (dois) dias antes do iníciodo respectivo período de gozo, nostermos do art. 145 da CLT, sob pena demulta de R$1.000,00 (um mil reais) portrabalhador que gozar as férias sem orespectivo pagamento, a cadaconstatação, reversível ao FAT ecorrigida a partir do ajuizamento destaação pelos mesmos índices aplicáveisà Justiça do Trabalho”.

Nego provimento.

Do controle da jornada detrabalho

Afirma a recorrente que osdocumentos de f. 62/67 não comprovama acusação de que os registros de ponto

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dos professores eram alterados, namedida em que “não retratam arealidade de um Centro Universitárioque, conforme consta da própria inicial,tem cerca de 430 (quatrocentos e trinta)professores”. Argumenta que aamostragem utilizada pelo autor “nãoalcançou sequer 1/10 (um décimo) dosdocentes e dos horários por elescumpridos”; que os dois depoimentostranscritos na inicial de ex-professoresexpressam situações individuais, sãounilaterais e foram colhidos emprocedimento investigatório, denatureza administrativa. Acrescenta que“o controle de freqüência dosProfessores é feito com o necessáriorigor exigido pelas atividades docentese de forma com elas compatível”.

Não lhe assiste razão.Segundo a inicial, a ré “não

efetua a consignação dos horários detrabalho efetivamente praticados pelosseus empregados”.

Tal acusação restou evidenciadapela prova coligida aos autos.

Consta no auto de infração de f.60 que “DURANTE AUDITORIATRABALHISTA EMPREENDIDA NAREFERIDA INSTITUIÇÃO FOICONSTATADO PELA FISCALIZAÇÃOQUE O CONTROLE DE JORNADA‘PONTO’ NÃO TRADUZ EM VÁRIOSCASOS A JORNADA EFETIVAMENTEPRATICADA PELOS EMPREGADOS.”Relatou-se, ainda, que “A REFERIDACONSTATAÇÃO SE DEU ATRAVÉS DEAVERIGUAÇÃO IN LOCO JUNTO AORELÓGIO DE PONTO DOSPROFESSORES DA INSTITUIÇÃO, NAOPORTUNIDADE FOI VERIFICADO OHORÁRIO DA MARCAÇÃO DE CADAEMPREGADO, SENDO TALAMOSTRAGEM MAIS TARDECONFRONTADA COM OSRELATÓRIOS ‘FOLHA DE PONTO’DISPONIBILIZADOS PELO

EMPREGADOR. ATRAVÉS DACOMPARAÇÃO FOI CONSTATADA ADIFERENÇA DE HORÁRIOS QUESOMENTE SE EXPLICA PELAMANIPULAÇÃO DOS MESMOS ANTESDA PRODUÇÃO DOS RELATÓRIOS DEPONTO”.

O fiscal do trabalho, no referidoauto de infração, relatou, ainda, o casoespecífico de seis empregados, comoo de “ELIZABETH DOS SANTOSMORAIS DE CARVALHO QUE PASSOUO CARTÃO DE PONTO DE ENTRADAÀS 12:59 HORAS, SENDOCONSIGNADO NA FOLHA DE PONTO13:15 HORA”. Juntou os documentos def. 62/67.

Registre-se que o documentolavrado pelo fiscal do trabalho possui fépública e que a ré não apresentouprovas a elidirem a presunção que lheé desfavorável. Pelo contrário. Opreposto da ré, em depoimento prestadoperante a Procuradoria do Trabalho, nainvestigação administrativa, afirmou quenão sabia “informar se o horário que osprofessores passam o cartão de pontoé o que efetivamente é registrado” (f.43).

Além disso, o fiscal do trabalhoMarcos Vieira de Oliveira, ouvido comotestemunha neste processo, esclareceu

que durante dois dias, 23.02 e24.02.05, esteve na reclamadaacompanhando o registro feitopelos professores em umscanner, por meio do crachá queporta cada um deles; que nareclamada há registro de jornadade trabalho feito de formaseparada pelo pessoaladministrativo e professores; quenas duas oportunidadesobservou e anotou o horárioregistrado pelo professor, bemcomo o nome do professor que

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fez o registro; que fez talacompanhamento nos dois diascom vários professores; queposteriormente requereu àreclamada que imprimisse oespelho do ponto dosprofessores cujos nomes haviaanotado, correspondente aosdias acima mencionados, everificou que os horáriosconstantes dos espelhos que lheforam entregues não guardavamconsonância com aquelesanotados anteriormente pelodepoente; que chegou a apurardivergência de até 15 minutos;que houve, por exemplo,situação de registro de 18:46h,conforme apurou nos dias acimamencionados, sendo que,quando da impressão doespelho, constava registro às 19horas; que presume que aalteração teria ocorrido paraconstar do controle de jornada ohorário que o professorefetivamente começaria aministrar as aulas [...]. (f. 972)

Impende ressaltar que seconsidera serviço efetivo o período emque o empregado esteja à disposiçãodo empregador (art. 4º da CLT) e que aapuração da irregularidade poramostragem não afasta o seu valorprobante, mormente não tendo a réproduzido qualquer prova em seu favor.

Assim, irrepreensível a decisãoobjurgada quanto à determinação deque a ré

consigne em registro mecânico,manual ou eletrônico os horáriosde entrada, saída e períodos dedescanso efetivamentepraticados pelos seusempregados, nos termos do art.

74, § 2º, da CLT, sob pena demulta de R$1.000,00 (um milreais) por trabalhadorprejudicado, a cada constatação,reversível ao FAT e corrigida apartir do ajuizamento desta açãopelos mesmos índices aplicáveisà Justiça do Trabalho.

Nego provimento.

Recurso das partes

Examino, em conjunto, osrecursos quanto à questão da reduçãoda carga horária.

Da redução da carga horária

A ré não se conforma com adeterminação de se abster de solicitarou sugerir, diretamente ou por meio deterceiros, que seus empregados peçamredução de carga horária, sob pena demulta. Afirma que “não estavalegalmente impedida de reduzir a cargahorária dos docentes, em decorrênciada redução do número de matrículas”,mesmo que sem o consentimento deles,pois não reduziu o valor da hora-aula,mas, sim, o número de aulaslecionadas. Sustenta que “há prova nosautos, colhida no ProcessoInvestigatório, que não permitenenhuma ilação de que a ré tenha agidoilicitamente”.

O Ministério Público do Trabalhopretende, por seu turno, que sejaincluída na condenação a obrigação daré de não coagir seus empregados aassinar pedido de redução da cargahorária.

Razão ampara o autor.Foram juntadas aos autos

dezenas de pedidos de redução decarga horária pelos professores da ré(f. 96/921).

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Não se nega que seja um direitoda empregadora a redução do númerode aulas dos docentes, em razão dedificuldades financeiras e diminuição donúmero de alunos matriculados.

Contudo, esse direito, conformenormas coletivas da categoria, estácondicionado à homologação pelosindicato e ao pagamento deindenização correspondente “àremuneração mensal que seria devidapela carga horária diminuída,multiplicada pelo número de anos quetiverem sido os de duração das aulasobjeto da redução, até o limite de quatroanos, além de férias e décimo terceirosalário proporcionais, incidentes sobrea mesma remuneração mensal, objetoda redução” (Cláusula Vinte, §§ 1º, 2º e3º, ACTs 2003/2004/2005). Com opedido de redução assinado peloprofessor essa indenização deixa de serdevida, conforme parágrafo oitavo, daCláusula Vinte, do citado acordo coletivo(f. 79).

Logo, o pedido de redução decarga horária de dezenas deprofessores deixa claro que a ré agiude forma ilícita, coagindo seusempregados a assinarem talrequerimento.

Registre-se que o própriorepresentante da empresa, emdepoimento prestado perante aProcuradoria Regional do Trabalho,afirmou que a iniciativa da redução donúmero de aulas foi da própria UNITRI(f. 43). Declarou, ainda, que “a reduçãode carga horária dos professores foi emrazão da necessidade de redução docusto e do número de professores, hajavista a redução do número de alunos”.

Cumpre assinalar que a coação,vício de consentimento, capaz deafastar a validade do negócio jurídico,conforme art. 151 do CC/02, pode sertanto física quanto moral.

Coação moral, conformedefinição de Pablo Stolze Gagliano eRodolfo Pamplona Filho, in Novo curso

de direito civil, Parte Geral, v. I, Ed.Saraiva, 3. ed., 2003, “é aquela queincute na vítima um temor constante ecapaz de perturbar seu espírito, fazendocom que ela manifeste seuconsentimento de maneira viciada”.Acrescentam, ainda, que “Nestahipótese, a vontade do coagido não estácompletamente neutralizada, mas, sim,embaraçada, turbada, viciada pelaameaça que lhe é dirigida pelo coator.”

In casu, os professores, porcerto, sentiram-se ameaçados dedesemprego, caso não acolhessem o“pedido” de assinatura do requerimentode redução de carga horária, já quemuitos foram demitidos (depoimento dopreposto, f. 43).

Portanto, reprovável a condutada ré, devendo não apenas se absterde solicitar ou sugerir a redução decarga horária de seus professores,como determinado na sentença, mastambém de coagi-los nesse sentido.

Assim, nego provimento ao recursoda ré e provejo o apelo do MPT, paraincluir na condenação a obrigação de aré se abster de coagir, diretamente oupor meio de terceiros, seus empregadosa pedirem redução de carga horária, sobpena de multa de R$10.000,00 (dez milreais) por ato que caracterizardescumprimento desta determinação, acada empregado, reversível ao FAT ecorrigida a partir do ajuizamento destaação pelos mesmos índices aplicáveisaos créditos trabalhistas.

Recurso do MPT

Indenização por dano moralcoletivo

O Ministério Público do Trabalho

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pretende a condenação da ré aopagamento de indenização por danomoral coletivo no valor deR$500.000,00, ou outro valor que seconsidere justo.

Segundo a doutrina,

a idéia e o reconhecimento dodano moral coletivo (lato sensu),bem como a necessidade de suareparação, constituem mais umaevolução nos contínuosdesdobramentos do sistema daresponsabilidade civil,significando a ampliação do danoextrapatrimonial para um conceitonão restrito ao mero sofrimentoou à dor pessoal, porém extensivoa toda modificação desvaliosa doespírito coletivo, ou seja, aqualquer ofensa aos valoresfundamentais compartilhadospela coletividade, e que refletemo alcance da dignidade dos seusmembros.(MEDEIROS NETO, Xisto Tiagode. Dano moral coletivo, LTr,2004, p. 136)

Da obra citada, extrai-se adefinição de João Carlos Teixeira aodano moral coletivo como

a injusta lesão a interessesmetaindividuais socialmenterelevantes para a coletividade(maior ou menor), e assimtutelados juridicamente, cujaofensa atinge a esfera moral dedeterminado grupo, classe oucomunidade de pessoas ou atémesmo de toda a sociedade,causando-lhes sentimento derepúdio, desagrado,insatisfação, vergonha, angústiaou outro sofrimento psicofísico.(p. 140/141)

Nessa linha de pensamento, adoutrina não tem resistido aoreconhecimento do dano moral coletivo,consolidando-se a idéia da possibilidadede violação ao patrimônio moral dasociedade que, do mesmo modo que odo indivíduo, deve ser respeitado.Porém, para a aferição respectiva,devem ser examinadas asparticularidades de cada caso.

Na hipótese em apreço, emboraconstatadas irregularidades cometidaspela ré, como o não pagamento noprazo legal das férias e abono, aalteração do horário de trabalhoregistrado pelos seus empregados e acoação para a assinatura do pedido deredução de carga horária, não se podeextrair daí a existência de um sentimentocoletivo de indignação, de desagrado ede vergonha capaz de ferir a “moral” dacoletividade inserida nesse contexto.

Para a configuração do danomoral coletivo, o ilícito e seus efeitosdevem ser de tal monta que a repulsasocial seja imediata e extrapole aquelarelativa ao descumprimento pelo agentede determinadas normas de condutatrabalhista.

Assim sendo, nego provimentoao recurso, no aspecto.

CONCLUSÃO

Conheço dos recursos ordináriosinterpostos pelas partes; no mérito, emrelação ao apelo da ré, rejeito aalegação de ilegitimidade ativa doMinistério Público do Trabalho quantoaos pedidos relacionados nos itens I, II,III e VI da inicial e nego-lhe provimento;ao recurso do autor, dou-lhe parcialprovimento para incluir na condenaçãoa obrigação de a ré se abster de coagir,diretamente ou por meio de terceiros,seus empregados a pedirem redução decarga horária, sob pena de multa de

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R$10.000,00 (dez mil reais) por ato quecaracterizar descumprimento destadeterminação, a cada empregado,reversível ao FAT e corrigida a partir doajuizamento desta ação pelos mesmosíndices aplicáveis aos créditostrabalhistas. Acresço em R$3.000,00 ovalor condenatório, com custas de maisR$60,00 (sessenta reais).

Fundamentos pelos quais,

ACORDAM os Juízes do TribunalRegional do Trabalho da TerceiraRegião, pela sua Oitava Turma, em,preliminarmente, à unanimidade, emconhecer dos recursos ordináriosinterpostos pelas partes; no mérito, semdivergência, em relação ao apelo da ré,em rejeitar a alegação de ilegitimidadeativa do Ministério Público do Trabalhoquanto aos pedidos relacionados nositens I, II, III e VI da inicial e em negar-lhe provimento; ao recurso do autor,unanimemente, em dar-lhe parcialprovimento para incluir na condenaçãoa obrigação de a ré se abster de coagir,diretamente ou por meio de terceiros,seus empregados a pedirem redução decarga horária, sob pena de multa deR$10.000,00 (dez mil reais) por ato quecaracterizar descumprimento destadeterminação, a cada empregado,reversível ao FAT e corrigida a partir doajuizamento desta ação pelos mesmosíndices aplicáveis aos créditostrabalhistas; em acrescer emR$3.000,00 (três mil reais) o valorcondenatório, com custas de maisR$60,00 (sessenta reais).

Belo Horizonte, 20 de setembrode 2006.

DENISE ALVES HORTARelatora

TRT-01287-2005-104-03-00-5-ROPubl. no “MG” de 08.12.2006

RECORRENTES: SADIA S.A. (1)MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO (2)

RECORRIDOS: OS MESMOS

EMENTA: AÇÃO CIVILTRABALHISTA PÚBLICA -SOCIEDADE DE CONSUMO -DIREITOS METAINDIVIDUAIS(DIREITOS DIFUSOS,COLETIVOS E DIREITOSINDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS) -CONFLITO EM MASSA -LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIOPÚBLICO. A sociedademoderna edificou-se sobre aliberdade, a produção, oconsumo e o lucro. A pós-modernidade luta para inserir ohomem neste quarteto, isto é,nestes quatro fios com os quaisse teceu o véu dodesenvolvimento econômicoglobal. Produção em massa,consumo em massa, trabalhoem massa, lesão em massa,tudo isso a desafiar um tipoprocesso civil para a massa,concentrando o que estápulverizado, e que, em últimaanálise, nada mais é do que umprocesso em que se procuratutelar direitos metaindividuais,também denominados decoletivos em sentido amplo,transindividuais, supra-individuais, globais, e tantosoutros epítetos, mas todos coma marca indelével da lesão emmassa, que é o seu núcleo, asua alma, a sua essência, ou oseu diferencial. O MinistérioPúblico obteve inquestionávele ampla legitimidade para

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ajuizar ação civil-trabalhistapública com o inciso III do art.129 da Constituição Federal,com o Código de Defesa doConsumidor e com a LeiComplementar n. 75/93, emboranão necessitasse de tantosdispositivos expressos. Osistema romano-germânicopossui esta característica:somente o que está positivadoclaramente, sem nenhumadúvida, sem a mínimaobscuridade é facilmenteaceito, sem grandes debates, arespeito dos quais algumasvezes se perde o verdadeiropropósito do legislador.Embora o tradicional espectroda ação civil pública tenha sido,por algum tempo, a tutelaressarcitória, a cada dia vemganhando mais foco a tutelainibitória, consubstanciada emobrigação de não fazer,cumulada com astreinte, e coma nítida vantagem de prevenirgrande número de lesões, quepoderiam gerar centenas deações individuais singulares.Inúmeras são as vantagens daação civil pública: a)concentração em uma sórelação processual de um feixede interesses metaindividuais;b) unidade de jurisdição; c)unidecisão; d) redução decustos; e) celeridade; f)prevenção de lesão coletiva; g)prevenção de lesão social; h)repressão de demandasindividuais; i) dessubjetivaçãodos empregados favorecidos; j)inibição de retaliação. Por trásdo estresse individual, próprioda sociedade informacional,existe o estresse social, no qual

estão inseridos diretamente osmembros de determinadogrupo, categoria ou mesmoclasse interligados entre si porum vínculo jurídico base, quepodem muito bem ter seusinteresses resguardados porum processo de tutela coletiva,sem nenhum prejuízoeconômico para a empresa,que vai ajustar a sua conduta adeterminado ideal de condutade seus empregados. Naperspectiva puramente jurídica,também não se vislumbra nestetipo de processo nenhumarranhão ao devido processolegal, ao contraditório, à ampladefesa, avultando, sim, emcontrapartida benefícios paratoda a sociedade.

Vistos, relatados e discutidos ospresentes autos de recurso ordinário,interposto de decisão proferida peloJuízo da 4ª Vara do Trabalho deUberlândia, em que figuram, comorecorrentes, SADIA S.A. e MINISTÉRIOPÚBLICO DO TRABALHO e, comorecorridos, OS MESMOS.

RELATÓRIO

O Juízo da 4ª Vara do Trabalhode Uberlândia, através da sentença def. 1.365-1.367, proferida pelo Ex.mo JuizSÉRGIO ALEXANDRE RESENDENUNES, julgou procedentes, em parte,os pedidos formulados na ação civilpública movida pelo MINISTÉRIOPÚBLICO DO TRABALHO em face deSADIA S.A., condenando esta a nãoexigir dos seus empregados jornadaextraordinária superior a duas horasdiárias, a não exigir trabalho dosmesmos durante o intervalo mínimo de11 horas entre duas jornadas de

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trabalho consecutivas e a concederdescanso semanal remunerado de 24horas, sob pena de multa no valor deum mil reais por empregadoprejudicado, cada vez que forconstatado o descumprimento destasdeterminações, excetuadas ashipóteses de necessidade imperiosa,devidamente comprovada.

Os embargos de declaraçãoapresentados pela reclamada (f. 1.372-1.378) foram julgados improcedentesatravés da r. decisão de f. 1.379-1.380.

Inconformada, a ré apresentourecurso ordinário (f. 1.381-1.428),argüindo a nulidade do julgado, pornegativa de prestação jurisdicional, porviolação do princípio constitucional dareserva legal, por violação ao princípiodo devido processo legal, por violaçãodo artigo 460 do CPC e por cerceamentode defesa, além da preliminar decarência da ação, por ilegitimidade ativaad causam e por impossibilidade jurídicado pedido. No mérito, atacou acondenação imposta, afirmando, emsíntese, que as irregularidadesapontadas na petição inicial ocorreramde forma esporádica, a título deexceção, sendo decorrentes de forçamaior, porque atua no ramo dealimentação, cujo objeto social é acriação, produção, abate,processamento e industrialização deprodutos de origem animal. Requer, seprevalecer o entendimento adotado naorigem, o afastamento da penalidadeprevista no julgado ou a sua redução,com delimitação temporal.

Guia de custas e do depósitorecursal às f. 1.429-1.430.

Contra-razões do autor às f.1.434-1.450.

Às f. 1.451-1.452, o demandanteapresentou embargos de declaração,que foram julgados procedentes atravésda r. decisão de f. 1.453-1.454.

O autor também apresentourecurso ordinário (f. 1.455-1.459),almejando o deferimento da indenizaçãopor danos morais coletivos, aoargumento de que a conduta empresáriaé lesiva aos trabalhadores, produzindodanos à saúde e segurança, afetandotoda coletividade de trabalhadores,assim como a própria sociedade, namedida em que violada a ordem social.

Às f. 1.464-1.471, a ré aditou orecurso ordinário, requerendo amodificação da r. decisão que julgou osembargos de declaração apresentadospelo autor, a fim de que, havendonecessidade imperiosa prevista noartigo 61 da CLT, seja permitido otrabalho nas três situações previstas nar. sentença de primeiro grau.

Contra-razões ao recurso doautor às f. 1.479-1.491 e do aditamentodo recurso da reclamada às f. 1.493-1.496.

Dispensada a manifestação da d.Procuradoria Regional do Trabalho,conforme Ato Regimental n. 13/2000 eProvimento n. 1/2005, da CorregedoriaGeral da Justiça do Trabalho.

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

Conheço de ambos os recursos,inclusive do aditamento realizado pelaré, porque preenchidos os requisitoslegais de admissibilidade.

Juízo de mérito

Recurso da reclamada

Analiso em conjunto o recursoordinário interposto pela reclamada eseu aditamento.

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Preliminar de nulidade

Por diversos fundamentos, areclamada argúi a nulidade da r.sentença de primeiro grau, mas nenhumdeles se presta ao fim almejado.

Não houve a alegada negativa deprestação jurisdicional, pois a v. sentençade f. 1.365/1.367 e as decisões dosembargos de declaração de f. 1.379/1.380estão devidamente fundamentadas,preenchendo os requisitos do inciso IXdo artigo 93 da Constituição Federal edo artigo 832 da CLT.

Ainda que o julgado recorridonão tivesse enfrentado todas asquestões formuladas pela recorrente, oque não é o caso, falta fundamento paraa decretação de nulidade, pois o recursointerposto permite o reexame de todamatéria afeta à lide, ceifando qualquerpossibilidade de prejuízo, sem o quenão se anulam os atos processuais, nostermos do artigo 795 da CLT.

De outro lado, também nãoocorreu violação do princípioconstitucional da reserva legal, pelo fatode não haver previsão legal para a multaespecificada na decisão, porque ainexistência de suporte legal para acondenação não acarreta a nulidade dadecisão, mas, se for o caso, a suareforma.

Ademais, o Direito não se esgotana lei.

Outras, inúmeras e incontáveissão as fontes formais de Direito àdisposição do intérprete.

Descabe, outrossim, cogitar deofensa ao princípio do devido processolegal, pois a r. decisão de primeiro graué exeqüível e não viola os artigos 460 e461 do CPC, não tendo muito menosinvadido a esfera de competência doMinistério do Trabalho ou cerceado olivre acesso da recorrente às viasadministrativas e judiciais.

Não há ilegalidade na multaprevista no julgado, não sendo o casode se fixar prazo para o cumprimentoda obrigação imposta, porque a condutaimposta é omissiva, ou seja, obrigaçãode não fazer, incidindo a punição apenasse a ré descumprir as determinaçõesprevistas na r. sentença de primeirograu.

A multa tem efeito de garantia deeficácia do comando judicial, daí por queinaplicáveis as regras previstas na CLTpara a autuação por parte do Ministériodo Trabalho.

A tutela inibitória vem sendoutilizada em larga escala, não estandomais a jurisdição presa à acanhadatutela reparatória, nem sempre hábil àefetividade das decisões judiciais.

O fato de a r. decisão recorridaressalvar a aplicação do artigo 61 daCLT não torna o provimento inexeqüível,sendo irrelevante que preveja obrigaçãoperpétua ou enquanto vigorar asdisposições que prevêem o limitemáximo de horas extras diárias, ointervalo entre jornada de 11 horas e odescanso semanal, pois o fimperseguido pelo autor através dapresente ação civil pública é aefetividade do ordenamento jurídico,nos aspectos mencionados,satisfazendo essa pretensão o julgadorecorrido.

De igual modo, também nãohouve cerceamento de defesa, por faltade oitiva do autor e da provatestemunhal destinadas a demonstrarque as irregularidades decorreram denecessidade imperiosa, força maior eserviços inadiáveis.

A prova requerida é inútil, porquehouve prova documental bastante, sendocerto, ainda, que todos os fatosmencionados pela reclamada em suadefesa e no recurso são previsíveis e nãojustificam a extensão reiterada da jornada

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de trabalho, além dos limites legais, como sacrifício dos intervalos para descanso,conforme devidamente demonstrado nosdocumentos de f. 779-788.

Além do mais, a v. sentençaressalva a aplicação do artigo 61 daCLT, quando houver prova da situaçãoprevista neste dispositivo, o que permiteà ré, caso o autor demande a incidênciada multa por descumprimento dojulgado, provar, em cada caso concreto,que, a partir do trânsito em julgado, estáatuando de acordo com os preceitoslegais.

Rejeito.

Preliminar de carência de ação- Ilegitimidade ativa ad causam eimpossibilidade jurídica do pedido

A recorrente sustenta, emsíntese, que o autor não temlegitimidade para propor a presenteação, ainda mais pleiteandoindenização por dano coletivo e multa afavor da União. Sustenta que deve seraplicado o inciso IV do artigo 129 daConstituição Federal. Afirma quetambém não há o pressuposto dointeresse social relevante ou interessecoletivo, não incidindo a regra previstano inciso III do artigo 83 da LC n. 75/93.

Acrescenta que não háinteresses indivisíveis e homogêneos,o que acarreta a impossibilidade jurídicado pedido, pois a tutela buscada peloautor é de direitos nitidamenteindividuais e heterogêneos, abrangendoum pequeno número de pessoas e nãouma coletividade.

Rejeita-se.As disposições do inciso III do

artigo 83 da Lei Complementar n. 75/93conferem legitimidade ativa ad causam

ao autor, não havendo tambémimpossibilidade jurídica do pedidoformulado.

A ação interposta visa adequaro comportamento da ré ao ordenamentojurídico, cuja efetividade é de interessepúblico, ou seja, de toda sociedade,porque, no Estado Democrático deDireito, a lei representa o interessepúblico, sendo certo, ainda, que asnormas pretensamente infringidas pelaré acarretam conseqüências para todasociedade, não apenas para ostrabalhadores envolvidos, bastandolembrar que foram instituídas embenefício dos trabalhadores, visando,precipuamente, a proteção à saúde,cujo Estado tem o dever de zelar.

Portanto, a ação visa tutelarinteresse coletivo, indivisível ehomogêneo, não havendo carência deação pelos fundamentos alegados, semnenhuma violação ao artigo 81 da Lein. 8.078/90.

De resto, a impossibil idadejurídica do pedido é verificada à luz deregra expressa proibitória, o que não édefinitivamente o caso dos autos.

Rejeito.

Da condenação imposta

A recorrente insiste que asirregularidades apontadas pelo autorestão justificadas pelo artigo 61 da CLT.Afirma, em síntese, que os fatosocorreram de forma esporádica, a títulode exceção, sendo decorrentes de forçamaior, porque atua no ramo dealimentação, cujo objeto social é acriação, produção, abate,processamento e industrialização deprodutos de origem animal.

Acrescenta que sua produção éde grande escala, contando comestrutura modernizada, algumas até comimplementações mecanizadas que, sepor algum motivo for avariada, necessitade imediata intervenção de mão-de-obraespecializada, como mecânicos,

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soldadores, pedreiros, e outros, cujaconvocação se deu, portanto, em caráterexcepcional e extraordinário, para seevitar a perda dos alimentos perecíveis,o que levaria a prejuízo de grande monta.

Assevera que tais equipamentosnão permitem o funcionamento deoutros em caráter de reserva e que,apesar de haver manutenção constante,é possível a ocorrência de defeitos, taiscomo excesso de frio ou calor pelaparada de ventiladores ou do sistemade aquecimento; vendaval comdestelhamento; incêndios, falta de águaou de energia, etc.

Afirma que foram esporádicas asinfrações, tanto que encontradas foramonze ocorrências de excesso à jornadasuplementar máxima, em 100 cartõesde ponto analisados.

No que concerne ao intervalo de11 horas entre jornadas, foramapontadas oito ocorrências, inexistindoirregularidade quanto aos repousossemanais, porque os empregadostrabalham em regime de escalaautorizada em acordo coletivo, de seisdias de trabalho, com dois dias de folga,sendo o primeiro dia folga compensadae o segundo, o dia de repouso.

Requer, caso prevaleçaentendimento diverso, que a multa sejaafastada ou reduzida, devendo seraplicado o artigo 61, para todas asdeterminações constantes no julgado elimitada a condenação ao prazo de doisanos.

Razão não lhe assiste.Os fatos delineados pela

recorrente não constituem força maior,de modo a atrair a aplicação do artigo61 da CLT e permitir, de forma reiteradae constante, o labor além do limitemáximo de dez horas diárias, sem ointervalo de 11 horas entre jornadas esem o descanso semanal remunerado,a cada seis dias trabalhados.

Saliento que o artigo 61 da CLTaplica-se, apenas, em relação ao limitemáximo de horas extras diárias, porexpressa previsão desta norma.

Os problemas operacionaismencionados pela recorrente nãoamparam o inconformismo lançado norecurso, pois ela deve providenciarmedidas que evitem a sobrecargaindividual de seus trabalhadores,mantendo, por exemplo, equipe plantão,com empregados suficientes, para darcabo aos consertos que se fizeremnecessários durante o processoprodutivo.

O demonstrativo apresentadopelo autor às f. 783-794, referente aoperíodo de 16.04.04 a 15.01.2005,revela que houve trabalho, em todosesses meses, por mais de duas horasextras diárias, muitas vezes superior a5 horas, assinalando, ainda, odesrespeito ao intervalo de 11 horasentre jornadas.

Portanto, fica patente que osfatos que ensejaram a sobrejornadaexcessiva eram comuns ou pelo menosprevisíveis.

Assim, apesar de a reclamadaatuar com produtos perecíveis, isto nãobasta para legitimar as infraçõespraticadas.

Quanto ao repouso semanalremunerado, o autor demonstrou quehavia empregados que trabalhavammais de seis dias consecutivos sem aconcessão do descanso semanal,conforme análise das f. 779-782.

As normas coletivas nãoamparam a conduta da ré nesteaspecto, pois prevêem a compensaçãode jornada dentro da semana, sendocerto que o labor no regime de escalaexige dois dias de folga, a cada seis diastrabalhados (f. 1.237 e 1.250).

Relativamente à multa aplicada,não é cabível o seu afastamento ou a sua

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redução, sendo certo que a mesma visaa resguardar a eficácia do provimentojudicial deferido, somente incidindo se aré descumprir as obrigações impostas.

Desta forma, não se aplica o artigo75 da CLT ou a Portaria n. 290/97 doMinistério do Trabalho para a sua fixação,não havendo cogitar em ofensa ao incisoII do artigo 5º da Constituição Federal, ateor do § 4º do artigo 461 do CPC.

Também não é cabível alimitação temporal da condenação, poisa reclamada em momento algum podeser autorizada a atuar contra oordenamento jurídico.

Nego provimento.

Recurso do Ministério Públicodo Trabalho

Recorre o autor para que sejadeferido seu pedido de indenização pordano coletivo, alegando, em síntese,que a conduta da recorrida foi lesiva aostrabalhadores, produzindo danos àsaúde e segurança, produzindo danomoral coletivo. Requer o deferimento deindenização correspondente aR$500.000,00.

Sem razão.Embora a conduta da ré seja

contrária ao ordenamento jurídico,atentando contra normas que visam aresguardar a saúde do trabalhador e seubem-estar social, não foi provado odenominado “dano moral coletivo”.

O desrespeito à norma que vedao trabalho extra além do limite de duashoras diárias, ao intervalo de 11 horasentre duas jornadas de trabalho e dodescanso semanal, por si só, nãoconfigura o alegado dano moral coletivo.

Uma coisa é o comportamentocontrário ao Direito, outra é o resultadoque dele emerge.

Se houve resultado danoso àcoletividade, o autor não cuidou de

demonstrá-lo, cabendo-lhe estes ônus.Data venia, e com o todo o respeito

ao douto Ministério Público Federal doTrabalho, cujas atuações nesta esferadevem ser louvadas, não há como sepresumir a ocorrência do dano.

Nego provimento.

Isto posto, conheço do recursoordinário e do aditamento apresentadopela reclamada, rejeito as preliminaresde nulidade e de carência de ação, porilegitimidade ativa ad causam e porimpossibilidade jurídica do pedido e, nomérito, nego-lhe provimento.

Conheço do recurso interpostopelo autor e, no mérito, nego-lheprovimento.

Mantenho o valor atribuído àcondenação.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, pela sua QuartaTurma, à unanimidade, conheceu dorecurso ordinário e do aditamentoapresentado pela reclamada; semdivergência, rejeitou as preliminares denulidade e de carência de ação, porilegitimidade ativa ad causam e porimpossibilidade jurídica do pedido; nomérito, por maioria de votos, negou-lheprovimento, vencido, parcialmente, oEx.mo Juiz Revisor, que limitava aaplicação da multa no limite temporal de5 anos; sem divergência, conheceu dorecurso do autor; no mérito,unanimemente, negou-lhe provimento.Mantido o valor atribuído à condenação.

Belo Horizonte, 22 de novembrode 2006.

LUIZ OTÁVIO LINHARES RENAULTRelator

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TRT-00328-2006-145-03-00-2-ROPubl. no “MG” de 21.09.2006

RECORRENTE: NAEL PEREIRA DOSSANTOS

RECORRIDO: MUNICÍPIO DE BOTUMIRIM

EMENTA: ADMINISTRAÇÃOPÚBLICA - CONTRATO NULO -ACIDENTE - ILÍCITO CIVIL -DANOS MORAIS. O escopo daSúmula n. 363 do TST éresguardar a moralidadeadministrativa, impondo àAdministração o dever deremunerar os serviços que,ainda que de forma irregular,beneficiaram-na diretamente.Contudo, não se pode perderde vista que o referido verbetetraz limites às obrigações decunho especificamentetrabalhista, diante de eventualnulidade da contratação, nãocomportando uma leitura tãorestritiva a ponto de alijarinclusive obrigações oriundasde ilícito civil praticado pelocontratante no curso daprestação laboral. Assim, secomprovados os requisitos doartigo 186 do Código Civil,impõe-se a reparação pelosdanos morais e materiaiscausados ao obreiro.

Vistos, relatados e discutidos ospresentes autos de recurso ordinário,decide-se:

RELATÓRIO

O juízo da 3ª Vara do Trabalhode Montes Claros, pela decisão de f. 33/39, julgou improcedente o pedido deindenização por danos materiais emorais decorrentes de acidente sofrido.

O reclamante recorre às f. 45/48,pugnando pela reforma da decisãooriginária com base, sobretudo, narevelia do reclamado.

Contra-razões às f. 53/54.Parecer ministerial à f. 58, pela

retificação da autuação, conhecimentoe desprovimento do recurso, com basena Súmula n. 363 do TST.

Procurações às f. 07 e 55.É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

Satisfeitos os pressupostos deadmissibilidade, conheço do recurso.

Preliminarmente

Determino a retif icação daautuação para constar como recursoordinário, e não agravo de petição, oapelo interposto pelo reclamante.

Mérito

Pretende o reclamante areforma da sentença para que lhe sejadeferida a indenização deR$123.800,00, a título de danos moraise materiais, pelo acidente retratado àf. 08. Suscita a responsabil idadeobjetiva do Município (f. 04) e suarevelia, argumentando que a ignorânciada lei (contratação irregular) não elidea ilicitude do fato.

Cediço que a contratação nulapela Administração não enseja aformação do vínculo de emprego e seuscorolários legais. Ocorre que, paraimpedir o enriquecimento sem causados entes públicos que se beneficiamdessa modalidade de prestação deserviços, a Súmula n. 363 do TSTimpingiu-lhe conseqüências

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específicas, quais sejam, o pagamentodos salários e o recolhimento do FGTS.

Contudo, o referido verbete traçalimites às obrigações de cunhoespecificamente trabalhista, nãocomportando uma interpretação tãorestritiva a ponto de alijar até mesmoas obrigações oriundas de ilícito civilpraticado pelo contratante no curso daprestação laboral, como é o caso dareparação por danos morais e materiais.Mesmo porque seu escopo é justamenteresguardar a moralidade administrativa.

Tanto é assim que o TSTgarantiu, inclusive, o recolhimento dacontribuição previdenciária defuncionário não concursado que teve ocontrato anulado (RR 61172/2002).

Neste diapasão, não há negar aresponsabilidade do tomador deserviços pelos danos oriundos deacidente ocorrido em razão daprestação laboral. Neste sentido vem sefirmando a jurisprudência desteRegional, confira-se:

Ao contrário do alegado, acondenação ao pagamento deindenização por danos morais emateriais, no caso decomprovada a culpa da empresareclamada, não vai de encontroà Súmula 363 do TST. [...] Asúmula, como já ressaltadoanteriormente, visa resguardar amoralidade administrativa emsua inteireza. O administrador, éclaro, não pode se locupletar desua própria torpeza, pretendendoque os contratos por elerealizados fora da formaestabelecida o isentassem dodever de proceder ao pagamentocorrespondente ao tempotrabalhado e da obrigação dezelar pela segurança dotrabalhador que se encontra a

seu serviço. O princípio damoralidade administrativa requerque o administrador, ainda quenão tenha observado osprocedimentos devidos àcontratação válida, não sejaincentivado a abusar da práticaconstitucionalmente vedada,buscando ver-se livre de suasobrigações salariais ou degarantir a segurança mínimaàquele que lhe presta serviços.Nessa esteira, não há razão parase negar ao trabalhador o direitoa ser indenizado pelo ato ilícitopraticado pelo beneficiário dosserviços, no curso do contrato.(01703-2005-011-03-00-5-RO,publicado em 28.04.2006, Rel.Juiz Marcus Moura Ferreira)

Vale esclarecer que não se tratada responsabilidade contratual previstano inciso XXVIII do art. 7º da CR/88. Atéporque inexiste, in casu, um contrato deemprego válido. Mas não se pode negarque há uma relação fática em que umadas partes se beneficiou dos serviçosprestados pela outra, não lhegarantindo, sequer, condições desegurança ao labor, o que restouincontroverso ante a confissão fictaaplicada à reclamada. Veja-se,inclusive, que a definição legal de“acidente do trabalho” (art. 19 da Lei n.8.213/91) não se restringe aosinfortúnios decorrentes da relação deemprego, considerando-o todo aqueleque “ocorre pelo exercício do trabalho”.

Assim, não obstante a nulidadeda contratação, remanesce aresponsabilidade extracontratual daAdministração Pública, nos termos doart. 927 c/c art. 186, ambos do CódigoCivil brasileiro. Logo, para amparar opedido indenizatório nesse caso, bastaa comprovação dos requisitos

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essenciais dessa forma de obrigação,quais sejam: o erro de conduta doagente, revelado por umcomportamento contrário ao direito, aofensa a um bem jurídico específico dopostulante e, por fim, a relação decausalidade entre a conduta antijurídicae o dano causado.

O fundamento da pretendidareparação é a prática do ato ilícito - nãofornecimento e treinamento adequadoacerca dos EPIs e demais condições desegurança à prestação de serviços doobreiro. Aliás, a ilicitude surgiu já no atoda contratação ao arrepio da normaconstitucional.

Neste diapasão e considerandoos danos comprovados na CAT de f. 08,bem como a confissão ficta quanto àculpa e à responsabilidade do entepúblico, que não contestou a alegaçãode que “o requerente não recebeunenhum treinamento especial para fazero serviço que fazia e as condições detrabalho eram precárias, semsegurança, sem EPI e sem nenhumconhecimento técnico ou orientador emexplosivos” (f. 02), impõe-se oprovimento do apelo obreiro.

Todavia, é bom esclarecer que apena de confissão ficta não é aplicadade forma absoluta, suplantando adistribuição do onus probandi entre aspartes. Assim, permaneceu com oreclamante o encargo de comprovar agravidade dos danos alegados e aredução da incapacidade laborativa (f.04), para efeitos de arbitramento doquantum reparatório. E o único elementocarreado aos autos com esta finalidadeé a CAT de f. 08. Logo, o provimento háde ser proporcional aos danos alidocumentados (ferimentos na face,perda de dentes e amputação do quintodedo esquerdo), bem como àremuneração informada às f. 09/10(entre R$237,64 e R$318,17).

Neste contexto, provejo orecurso para condenar o reclamado aopagamento de indenização por danosmorais e materiais, que fixo emR$15.000,00.

CONCLUSÃO

Conheço do recurso interpostopelo reclamante.

Preliminarmente, determino aretificação da autuação para constarcomo recurso ordinário, e não agravode petição, o apelo.

No mérito, dou-lhe provimentopara condenar o reclamado aopagamento de indenização por danosmorais e materiais, ora fixada emR$15.000,00 (quinze mil reais).

Custas pelo reclamado, noimporte de R$300,00 (trezentos reais).

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, pela sua OitavaTurma, preliminarmente, determinou aretificação da autuação para constarcomo recurso ordinário, e não agravode petição, o apelo; à unanimidade,conheceu do recurso interposto peloreclamante; no mérito, sem divergência,deu-lhe provimento para condenar oreclamado ao pagamento deindenização por danos morais emateriais, ora fixada em R$15.000,00(quinze mil reais); custas peloreclamado, no importe de R$300,00(trezentos reais).

Belo Horizonte, 25 de outubro de2006.

HERIBERTO DE CASTRORelator

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TRT-00365-2005-068-03-00-5-ROPubl. no “MG” de 18.11.2006

RECORRENTES:TRANSTASSI LTDA. (1)ELIZEU DA SILVEIRARODRIGUES (2)SHELL BRASIL LTDA. (3)TRANSCARDOSO LTDA. (4)MANDEL TRANSPORTESLTDA. (5)

RECORRIDOS: OS MESMOS

EMENTA: ACIDENTE DOTRABALHO - DANOS MORAISE MATERIAIS - MOTORISTA DECAMINHÃO-TANQUE -COMBUSTÍVEL AQUECIDO A150 GRAUS CENTÍGRADOS -VAZAMENTO SOBRE OCORPO DO TRABALHADOR -RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIADAS TRANSPORTADORAS E DAPRODUTORA E DISTRIBUIDORADE DERIVADOS DE PETRÓLEO- LEI DO PETRÓLEO -REGULAMENTO DOTRANSPORTE DE PRODUTOSPERIGOSOS - DECRETO N.96.044/88 - FUNÇÃO SOCIALDO CONTRATO. Empresa queexplora petróleo nas baciassedimentares brasileiras edistribui seus derivadosresponde solidariamente comas respectivas transportadorase com os destinatários, sejapela rigorosa legislação querege a espécie, seja pela funçãosocial do contrato. Pelaconcreção que lhe têm dado osdoutos, observa-se que afunção social do contrato tematé maior aplicação no Direitodo Trabalho do que no próprioDireito Civil. Demonstra-se issopela história de ambos osramos do direito. Aquele se

desprendeu deste, à medidaque normas sociais específicastornaram-se necessárias. Odireito do trabalho é, assim,originariamente, a parte socialdo direito civil. Se assim é,somando-se a isso a gamacontratual moderna tendente aprejudicar os direitos dostrabalhadores, comterceirizações, quarteirizações,cooperativismos meramenteformais, fugas da tipologia docontrato de emprego, o direitodo trabalho é o terreno maisfértil para a frutificação dafunção social do contrato.Na espécie dos autos, assucessivas contratações esubcontratações detransportadoras, com aparticipação da fornecedora,para a consecução do trabalhode apenas uma pessoa, omotorista, não sofrem qualquercisão para fins de exclusão daresponsabilidade de qualquerdos partícipes da cadeiacontratual iniciada nadistribuidora de derivados depetróleo. Ao trabalho uno, àsresponsabilidades unas domotorista corresponde aresponsabilidade também unade todos os beneficiários deseu labor, mormente astransportadoras e adistribuidora, em relação àsquais as normas legais nãodeixam qualquer dúvida acercada responsabilidade solidária.

Vistos, relatados e discutidosestes autos de recurso ordinário em quefiguram, como recorrentes,TRANSTASSI LTDA. (1), ELIZEU DASILVEIRA RODRIGUES (2), SHELL

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BRASIL LTDA. (3), TRANSCARDOSOLTDA. (4) E MANDEL TRANSPORTESLTDA. (5) e, como recorridos, ASMESMAS PARTES.

I - RELATÓRIO

O Juízo da Vara do Trabalho deMuriaé-MG, em sentença da lavra doEx.mo Juiz Marcelo Paes Menezes,julgou procedente em parte a pretensãodeduzida em juízo (f. 1264/1273, 7ºvolume dos autos).

Recurso ordinário da reclamadaTranstassi em que argúi a suailegitimidade passiva ad causam; nomérito, requer o reconhecimento de quea responsabilidade por dano moral ésomente objetiva, não se aplicando oartigo 927 do CCb no particular, mas,sim, o inciso XXVIII do artigo 7º da CF;inaplicabilidade do artigo 2º da CLT, nocaso concreto; exclusão de suaresponsabilidade solidária e da pensãomensal (f. 1274/1288).

Embargos de declaraçãoopostos pelas reclamadas Shell BrasilLtda. (por fax, f. 1290/1295, com osoriginais juntados às f. 1301/1306) eTranscardoso (f. 1296/1299), julgadosparcialmente procedentes às f. 1318/1320.

Recurso ordinário do reclamantepostulando a majoração da indenizaçãopor danos morais; que o índice de 15%(quinze por cento) relativo à pensãomensal seja apurado sobre o valor totalda remuneração; que as despesasmédicas sejam apuradas por estimativa/arbitramento; inclusão na condenaçãodo custeio dos banhos de mar;honorários advocatícios (f. 1307/1316).

Recurso ordinário da Shell BrasilLtda. em que argúi a preliminar deincompetência da Justiça do Trabalhoem razão da matéria; preliminar deilegitimidade passiva ad causam ;

preliminar de nulidade da sentençarecorrida por extra petita; preliminar denulidade do julgamento recorrido emface de cerceio de defesa e de negativade tutela jurisdicional; no mérito, requerseja a pretensão de auferimento deindenização por dano moral apurada deforma subjetiva (inciso XXVIII do artigo7º da Carta Magna); reconhecimento daausência de nexo causal; despesas cominternação e cirurgias podem sersuportadas pela Previdência Social;fixação do valor da indenização emsalários mínimos ofende o inciso IV doartigo 7º da Constituição da República(f. 1325/1365).

Recurso ordinário da reclamadaTranscardoso em que suscita apreliminar de ilegitimidade passiva ad

causam; no mérito, postula seja aindenização por dano moral apuradasegundo a teoria subjetiva (inciso XXVIIIdo artigo 7º da Carta Federal; exclusãode sua responsabilidade solidária;abatimento do quantum arbitrado a títulode condenação dos valores auferidospelo autor (duas indenizações pagaspelas empresas); não houvecomprovação de despesas hospitalares;o plano de saúde e cirurgias podem sersuportados pelo SUS; apuração daindenização por dano moral nos termosdo artigo 477 da CLT; exclusão do índicede 15% (quinze por cento) incidentesobre o valor da pensão mensal (f. 1369/1390).

Recurso ordinário da reclamadaMandel em que argúi, em sede depreliminar, a nulidade da sentençarecorrida por cerceio de defesa; nãocabe apuração da indenização por danomoral na forma da teoria objetiva;exclusão da pensão mensal ou, nahipótese de sua confirmação, sejaadmitido o decote do valor a sersuportado pelo autor, a ser recolhido àPrevidência Social; não há necessidade

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de tratamento cirúrgico; não foicolacionada prova acerca da realizaçãode despesas com internaçõeshospitalares; à míngua de dolo ou culpa,pugna pela exclusão da indenização pordano moral ou a sua apuração nostermos do artigo 477 da CLT;deferimento do abatimento do valor jálevantado a título de seguro de vida;alteração da data de incidência dos jurosde mora (f. 1394/1434).

Razões de contrariedaderecíprocas às f. 1441/1458, peloreclamante; f. 1460/1463, pela réTranstassi; f. 1464/1480, pelareclamada Mandel; f. 1481/1489, pelaShell (onde argúi a preliminar dedeserção) e f. 1508/1512, pela réTranscardoso.

Os autos permaneceramguardados em uma gaveta da secretariada vara trabalhista de origem nointerstício compreendido entre20.04.2006 e 12.06.2006 (certidão, f.1504).

O MPT não emitiu parecer nestesautos.

É o relatório.

II - VOTO

1 - Admissibilidade

As partes estavam cientes dadata da publicação da sentença, nostermos da Súmula n. 197 do ColendoTST, qual seja, o dia 16.12.2005, sexta-feira (termo de audiência de f. 1250 c/csentença, f. 1273), data em que se deuefetivamente a juntada do julgamentoaos autos (vejam-se f. 1263-verso e1264).

O recurso ordinário da empresaTranstassi, f. 1274/1288, foi protocoladona data de 12.01.2006, quinta-feira (f.1274). Portanto, antes do início dorecesso forense, transcorreu

unicamente um dia do prazo legal paraa interposição de recurso ordinário,especificamente o dia 19.12.2005,segunda-feira.

Outrossim, o recesso forensevigorou de 20.12.2005, terça-feira, a06.01.2006, sexta-feira (Lei n. 5.010/66,conforme Resolução Administrativa n.130, de 21.10.2005, DJMG de26.10.2005) e, em seguida, foiprorrogado a pedido da OAB/MG de07.01.2006 a 13.01.2006, período emque a prática de atos processuais seencontrava suspensa (ResoluçãoAdministrativa n. 126 de 21.10.2005,DJMG de 26.10.2005). Desse modo, épróprio e tempestivo o recurso ordináriomanejado pela ré Transtassi. Sem falartambém, em reforço ao raciocínio aquiexposto, que a sua interposiçãoantecedeu à interposição e aojulgamento dos embargos declaratóriosopostos pelas reclamadas Shell eTranscardoso. O comprovante dequitação das custas processuais e dorecolhimento do depósito recursalencontram-se às f. 1275 e 1289 dosautos, respectivamente.

O recurso ordinário doreclamante é próprio e tempestivo(considerando, tal como exposto emrelação ao recurso da Transtassi, a datada publicação da sentença, cientes aspartes nos termos da Súmula n. 197 doTST; o recesso forense; a interposiçãodo apelo em 19.01.2006, quinta-feira, f.1307, que antecedeu o julgamento dosembargos de declaração opostos pelasempresas Transcardoso e Shell).Rejeito a preliminar de deserção eriçadapela ré Shell Brasil Ltda. (contra-razões,f. 1482). Irrelevante o indeferimento dopedido de assistência judiciária gratuita(Lei n. 1.060/50, formulado na petiçãoinicial, f. 31) na sentença (f. 1272),porquanto o autor não é sucumbente.Não está, assim, obrigado ao

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recolhimento de custas processuaiscomo pressuposto de admissibilidadede seu recurso.

O recurso ordinário da empresaShell Brasil Ltda. é próprio e tempestivo(ciente da data da publicação dadecisão dos embargos de declaração naimprensa oficial, 31.01.2006, terça-feira,certidão de f. 1320-verso c/c recurso,protocolo datado de 06.02.2006,segunda-feira, f. 1325). As guias DARFe GFIP foram colacionadas às f. 1366/1367.

O recurso ordinário dareclamada Transcardoso é próprio etempestivo (ciente da data dapublicação da decisão dos embargos dedeclaração na imprensa oficial,31.01.2006, terça-feira, certidão de f.1320-verso c/c recurso, protocolodatado de 07.02.2006, terça-feira, f.1369). As guias DARF e GFIP foramcolacionadas às f. 1391/1393.

O recurso ordinário dareclamada Mandel é próprio etempestivo (ciente da data dapublicação da decisão dos embargos dedeclaração na imprensa oficial,31.01.2006, terça-feira, certidão de f.1320-verso c/c recurso, protocolodatado de 08.02.2006, quarta-feira, f.1394). As guias DARF e GFIP foramcolacionadas às f. 1435/1437.

Não conheço das contra-razõesda empresa Transcardoso, porqueintempestivas. Pelo despacho de f. 1504dos autos, restou determinado ocumprimento imediato do despachoanterior de f. 1495 (abertura de prazoem favor da empresa Transcardoso paraa apresentação de razões decontrariedade), com a publicação naimprensa oficial do dia 22.06.2006,quinta-feira, certidão de f. 1504-verso,infra. A petição, contudo, só foiprotocolada em 04.07.2006, terça-feira,f. 1508.

As partes encontram-seregularmente representadas nestesautos (procuração de f. 240 esubstabelecimento de f. 241 peloreclamante; instrumento de mandatode f. 900 e 900-verso;substabelecimento de f. 901, 901-versoe 902 pela reclamada Shell;procurações de f. 903/905 pela réMandel; instrumento de mandato de f.906 pela empresa Transcardoso;procuração de f. 907 esubstabelecimento de f. 1503 pelareclamada Transtassi).

A atual denominação social dareclamada Shell é Shell Brasil Ltda. enão Shell Brasil S.A. como consta dacapa dos autos (vejam-se recursoordinário, f. 1325; carta de preposição,f. 899; instrumento de mandato esubstabelecimentos de f. 900, 900-verso, 901, 901-verso e 902; e,sobretudo, defesa, f. 255).

Determino à DSCPDF de 2ªInstância (Subsec. de Dist. de Feitos de2ª Instância), assim como à Secretariada Egrégia 4ª Turma que procedam àretificação do nome da reclamada Shellna capa dos autos, fazendo constarShell Brasil Ltda.

Em face da simetria dos temastratados nos recursos, o exame dosapelos se dará de forma conjunta.

2 - Preliminares

2.1 - Preliminar deincompetência da Justiça doTrabalho em razão da matéria -Rejeição

Argúi a empresa Shell apreliminar em epígrafe ao argumento denão ser empregadora do autor, não setratando, portanto, de hipótese de açãomovida pelo empregado em face doempregador (recurso, f. 1336/1338).

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Ora, de acordo com o inciso VIdo artigo 114 da CF/88 (redação dadapela Emenda Constitucional n. 45, de31.12.2004), compete à Justiça doTrabalho processar e julgar: “VI - asações de indenização por dano moralou patrimonial, decorrentes da relaçãode trabalho.”

O Pleno do Excelso STF,alterando o entendimento adotadoanteriormente no julgamento do RE438.639-9, ocorrido em 09.03.2005,decidiu, de forma unânime, no conflitonegativo de competência n. 7.204-1/MG,Rel. Min. Carlos Ayres Britto, suscitadopelo Colendo TST em face do extintoTribunal de Alçada do Estado de MinasGerais, na data de 29.06.2005, pondoum ponto final à controvérsia, que cabea esta Especializada julgar as causasrelativas a acidentes do trabalho,quando o empregado pretende areparação do dano em face doempregador.

O autor, ex-empregado daempresa Mandel Transportes Ltda.,postula o pagamento da indenização pordano moral em face de sua ex-empregadora e também em face dasdemais pessoas jurídicas mencionadasna inicial, em decorrência de suascondutas culposas no sinistro (vejam-se f. 02/05 e 09/10).

A controvérsia envolveempregado e empregador, decorre darelação de trabalho, emergindo daí acompetência da Justiça do Trabalho parao exame e desate da questão, na esteirado inciso VI do art. 114 da CF/88 e dasupracitada decisão do Excelso STF c/cSúmula n. 392 do Colendo TST.

Se a argüente tem ou nãolegitimidade para figurar no pólo passivoda demanda, é outra situação jurídica,que será apreciada como meritum

causae.Rejeito.

2.2 - Preliminar deilegitimidade passiva ad causam

As reclamadas reiteram em seusapelos a prefacial de ilegitimidade parafigurar no pólo passivo da demanda(empresa Transtassi, apelo, f. 1285/1287; empresa Shell Brasil Ltda.,recurso, f. 1339/1340 e 1363; reclamadaTranscardoso, apelo, f. 1369/1371).

Malgrado as alegaçõesdesenvolvidas em grau recursal, o únicomeio pelo qual o autor poderia vir a obtera devida tutela jurisdicional seria atravésdo ajuizamento da presente ação. Seas empresas reclamadas têmresponsabilidade solidária, subsidiáriaou nenhuma obrigação no casoconcreto, quanto às pleiteadasindenizações dos danos morais emateriais, tal questão será apreciada emsede própria, o meritum causae.

Portanto, como decidido emprimeiro grau, f. 1266, configura-se apertinência subjetiva das rés em relaçãoà lide veiculada na petição inicial.

Rejeito.

2.3 - Preliminar de nulidade dadecisão recorrida por cerceio dedefesa cumulada com negativa detutela jurisdicional

A reclamada Shell argúi apreliminar em epígrafe (recurso, f. 1351/1355) em razão dos argumentos emseguida expostos em apertada síntese.

O juiz, em ofensa ao inciso LVdo artigo 5º da CF, indeferiu orequerimento de realização de períciatécnica de engenharia mecânica,essencial ao desate da questão, com oescopo de apurar se a viaturaacidentada atendia ou não às normasde segurança (inclusive para fins detransporte de óleo combustível). Noentanto, na sentença (f. 1266) concluíra

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pela inexistência de prova denegligência por parte do reclamante noque diz respeito ao travamento da tampada carreta.

Segundo a recorrente, teriatambém havido ofensa ao inciso LV doartigo 5º da CF, com o indeferimento darealização de perícia técnica de trânsito,que tinha por objetivo apurar a eventualresponsabilidade/culpa do reclamanteno acidente (por exemplo, se oreclamante utilizava ou não o cinto desegurança no momento do sinistro,etc.).

Na mesma linha de raciocínio, aempresa Mandel (vide preliminar decerceio de defesa, f. 1396/1401).

Na audiência inaugural (termo, f.253), determinou-se a realizaçãoapenas de perícia médica. O exame daoportunidade/conveniência derealização de outras perícias técnicasseria decidido após a juntada do laudomédico aos autos.

Na audiência de instrução(termo, f. 1247), diante da reiteração dosrequerimentos de novas perícias, o d.juízo a quo indeferiu a dilação probatóriapretendida, de forma fundamentada,nos seguintes termos:

A 1ª ré e 2ª reiteraram os termosde requerimentos anteriores, nosentido de realização de períciapara averiguar se o autorutilizava cinto de segurançaquando da ocorrência doacidente, bem assim outrasquestões relacionadas aomesmo fato. Indefiro a períciareferenciada acima. Com efeito,após muitos meses do acidente,é óbvio que é impossívelaveriguar se o autor utilizava ounão cinto de segurança, de modoque tem incidência, no casopresente, o artigo 420, inciso III,

CPC, ou seja, a verificação éimpraticável. Ademais,provavelmente o veículoacidentado sofreu reparosnecessários à continuidade daoperação, o que também tornaimpraticável a verificaçãosolicitada.

Em primeiro lugar, fique claroque, ao revés do aludido pela reclamadaShell no seu apelo, a decisão queindeferiu o pedido de prova pericialrestou devidamente fundamentada.Ademais, o magistrado, conforme osarts. 765 da CLT e 130 do CPC, tem odever de indeferir a produção de provadesnecessária ao deslinde dacontrovérsia. Ao contrário dosargumentos das rés, o d. juízo a quo deuconcreção ao inciso III do parágrafoúnico do art. 420 do CPC, verbis:

Art. 420. [...]Parágrafo único. O juiz indeferiráa perícia quando:[...]III - a verificação for impraticável.

Do exame da petição inicial (f. 07,n. 6) extrai-se como data do acidente odia 08.07.2003. No mesmo sentido osembargos declaratórios (f. 1318). Asfotos do sinistro constam de f. 569/570(3º volume dos autos). A audiênciainaugural ocorreu na data de 27.07.2005(termo, f. 252) quando se deduziu pelaprimeira vez o pedido de realização deperícia técnica.

Com efeito, passados mais dedois anos do acidente, mostrava-serealmente impraticável apurar-se, viaperícia, se o autor utilizava ou não o cintode segurança no momento do acidente.Destarte, a decisão que indeferiu arealização de prova pericial para tal fimreveste-se de legalidade, razoabilidade

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e proporcionalidade. Inocorrência deofensa ao inciso LV do artigo 5º daCarta Magna. Tal matéria já havia sidoenfrentada nos embargos dedeclaração (f. 1319), igualmente deforma motivada.

Ressalte-se que em nenhumponto dos recursos desconstituíram asrés o raciocínio desenvolvido na r.sentença, que se baseia também no fatode que o veículo acidentado já teria sidosubmetido ao necessário consertomecânico e devolvido à atividade, o quecorrobora a inutilidade da prova técnicae a impraticabilidade da verificaçãopretendida. A certeza da correção dessaargumentação alberga-se na provaemprestada (depoimento prestado pelatestemunha Gilson Cesar Nogueira,termo de f. 1253, afeto aos autos 00312-2004-068-03-00-3, juntado aospresentes autos a pedido dasreclamadas Shell e Mandel, termo, f.1248), a saber:

...o depoente já trabalhou com acarreta mencionada, inclusiverecentemente, considerando quehouve a recuperação da carreta.

Cumpre acrescentar que a provaemprestada produzida pelas própriasreclamadas Shell e Mandel tornoucompletamente desnecessária arealização de perícia para se aferiremas condições de segurança da carretadirigida pelo autor. Dentre ascontundentes declarações contidas naprova emprestada, produzida, repita-se,pelas próprias rés supracitadas,observa-se, além de outras tambémimportantes e excludentes danecessidade de prova pericial, aseguinte: “...o tanque de combustívelnão era dotado de válvula desegurança...” (f. 1253). Quanto ao usoou não do cinto de segurança, além da

impossibilidade de apuração pela provapericial, cumpre não se olvidar de umfato que afasta o eventual não-uso docinto do iter, do nexo entre o acidente eas lesões no autor, que as sofreuexatamente pela entrada de óleo nacabine. Portanto, o uso do cinto,mantendo-o preso na cabine, não olivraria das lesões.

Evidencia-se, pois, o acerto dadecisão diante da inutil idade dadiligência, constatada a partir doraciocínio preciso acerca daimpossibil idade de apuração, viaperícia, tanto da utilização ou não docinto segurança quanto das condiçõesdo veículo, já reparado e emfuncionamento. Mesmo porque umaperícia no veículo dois anos após oacidente não teria o condão de afastaralteração no estado de fato. Não haveriacerteza alguma do que eventualmentefosse apurado na pretendida perícia.

Rejeito.

2.4 - Preliminar de nulidade dadecisão recorrida em razão depronunciamento judicial extra petita

No recurso, item n. 4.3.1 (f. 1342/1344), argumenta a recorrente Shell queo órgão judicante teria criado uma novacausa de pedir (a recorrente seriaresponsável pelo adimplemento dosdireitos reconhecidos em prol do autorpor ser a fornecedora do produtotransportado quando do acidente). Narealidade, prossegue a recorrente,como denota a inicial (f. 23, n. II, causade pedir), a causa de pedir apontadapelo autor consiste na responsabilidadederivada da contratação de empresasinadequadas ao transporte de óleocombustível. Alega lesão aos artigos128 e 460 do CPC. A presente prefacialtem consonância com a tese defendidana defesa (f. 264/265).

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No escólio de Délio Maranhão eJoão de Lima Teixeira Filho:

A sentença deve ser proferidadentro dos limites do pedido e dacontestação. Se não o fizer, ojulgamento será ultra, extra oucitra petita, isto é, além, fora ouaquém do pedido. Em tais casos,a decisão será nula, sendo que,se houver julgado ultra petita,naquilo em que exceder dopedido.(SÜSSEKIND, Arnaldo;MARANHÃO, Délio; VIANNA,Segadas e TEIXEIRA FILHO,João de Lima. Instituições de

direito do trabalho, LTr, v. 2, p.1374)

In casu, na análise da inicial,observa-se a dedução de pedido deresponsabilização solidária dasreclamadas (no caso específico daShell, em razão de sua imprudência enegligência, f. 10, n. 11) com supedâneono artigo 186 do Código Civil (f. 17, n.II, 19), pelo transporte de carga perigosaem veículo inadequado (f. 23). Aocontrário das alegações da recorrente,o fato “fornecimento pela Shell dosprodutos transportados” consta dapetição inicial e é incontroverso nosautos.

Se a responsabilidade daargüente, quanto aos direitosreconhecidos em favor do autor, podeou não ser fixada com apoio no artigo12 do Código de Defesa do Consumidorou em outro diploma legal, é matéria demérito e será oportunamenteenfrentada.

Por ora, cumpre asseverar quea sentença guerreada não se fundaexclusivamente no fato de ser a Shell aprodutora/fornecedora do óleocombustível, mas também no fato da

preponderante participação dela notransporte do combustível, ditandoinstruções e regras, manifestando a suaaprovação para o transporte (inclusive,quanto ao veículo acidentado, o queteria configurado, segundo o autor,conduta negligente ou imprudente).Acrescente-se que a petição inicialperfilha a tese da responsabilidadesolidária, ainda que por dispositivo legaldiferente, o que é irrelevante, bastando-lhe dar os fatos, que não se invalidampela equivocada capitulação legal.

Logo, não há que se falar emsentença fora do pedido.

Em arremate, impõe-se dizerque, se o julgador, quando da entregada tutela jurisdicional, entendeu não sero caso de responsabilidade solidária dasrés com supedâneo no artigo 186 doCCb, mas no artigo 942 do mesmoDiploma Legal (sentença, f. 1269/1270),tal raciocínio, além de lógico, nada temde ilegal ou de antijurídico. Como écediço, cabe à parte narrar o fato e aojuiz dizer o direito: narra mihi factum,

dabo tibi jus.Mais à frente, no item n. 4.7.1 (f.

1360), assevera a recorrente ter oreclamante deduzido na inicial (f. 24, “a”)o pleito de auferimento de umaindenização compensatória decorrentede uma eventual perda de renda mensal(considerando os valores percebidos daPrevidência Social). No entanto, semque providenciasse a juntada de provadocumental hábil a atestar a alegadaperda de renda, foi deferida em primeirograu uma indenização por dano materialjamais requerida (qual seja, umapensão mensal de um salário mínimo,com o acréscimo anual de 15%). Alega,portanto, ofensa aos artigos 128 e 460do CPC, bem como ao inciso IV do artigo7º da Constituição da República tambémno tocante a essa indenizaçãocompensatória.

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Na inicial (f. 24, “a” e “b”) alegouo reclamante ter sofrido em razão doacidente um achatamento salarial (naativa, auferia R$908,56 mensais; como benefício previdenciário auxílio-doença, passou a receber a importânciade R$656,00 por mês). A aludidaredução se projetará em relação aoautor e sua família por mais quarenta ecinco anos (considerando o tempo devida provável do reclamante, conformeas estatísticas do IBGE). E, prossegueo autor na petição inicial, em razão doacidente, não terá meios de progressãofuncional, o que refletirá em sua rendaanual à base de 15% (quinze por cento).Portanto, resta induvidosa a formulaçãode pedido da indenização material oravergastada. Veja-se inicial, f. 27, n. 23.

Como se vê, ao contrário dosargumentos da recorrente, a indenizaçãodeferida na origem, de natureza material,guarda relação direta com a causa depedir e pedido (sentença, f. 1270,antepenúltimo parágrafo) mesmo que,equivocadamente, em sede de decisãode embargos de declaração, tenha-seafirmado o contrário (f. 1318, in fine c/c f.1319, primeiro parágrafo).

Outrossim, ainda que não tenhasido alegada extrapolação do pedidoquanto à idade-limite de auferimento dapensão mensal pelo autor, diga-se, en

passant, que a limitação adotada nasentença foi até favorável. O reclamantenasceu em 20.07.1972 (vejam-se osdocumentos de f. 44). Hoje, no Brasil,em algumas regiões, v.g., o Sul e oSudeste do país, a expectativa de vidaaté ultrapassa o limite de sessenta ecinco anos de idade, adotado comoparâmetro na inicial, chegando a 69/70anos.

Houve produção, por outro lado,de prova da alegada redução salarial(veja-se o laudo pericial médico, f. 1008,resposta ao quesito n. 06 - formulado

pela própria argüente Shell, f. 1007). Omontante percebido a título deaposentadoria por invalidez é até inferioràquele percebido como auxílio-doença,que embasa a inicial, qual seja,R$564,14. A sua aposentadoria porinvalidez foi concedida pelo INSS nadata de 22.10.2004 (documento de f.1047). Descabe, assim, falar emjulgamento fora do pedido no presentetópico.

Finalmente, nos itens n. 4.7.3 (f.1361) e 4.7.4 (f. 1362), ao argumentode que o autor teria pedido um plano desaúde adequado (f. 24/25, letra “d”),argumenta a ré Shell ter o julgamento aquo ofendido os artigos 128, 459 e 460do CPC, ao deferir o custeio pelasreclamadas de todas as despesas comtratamentos médicos, internações,laboratórios e remédios, exclusivamenteem instituições particulares, com aexclusão do SUS, tratando-se decondenação ilíquida. E se não bastasse,prossegue a recorrente, o custeio decirurgias (não recomendadas pelopróprio perito nomeado pelo juiz esequer mencionadas na inicial, onde sebuscou a sua apuração em liquidaçãode sentença) configura tambémhipótese de condenação ilíquida.

Com efeito, a pretensãodeduzida na inicial não é líquida: f. 24 e25, “d”, “e” e “f”. Os gastos e asdespesas não se encontram limitados.

Na sentença (f. 1270/1271),devidamente complementada em sedede decisão de embargos declaratórios(f. 1320), embora tenha sido deferida apretensão, houve uma limitação, no quese refere às despesas hospitalares, aomontante de R$160,00, nos trêsprimeiros meses seguidos ao acidentee ao valor de R$600,00 nossubseqüentes até a data de ajuizamentoda presente ação. E, quanto às demaisdespesas, limitou-se o ressarcimento

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àquelas que guardassem relação como acidente sofrido.

Ainda que o pleito inicial não sejalíquido, tal fato pouca importância temno caso concreto. A uma, porque nãose trata de ação sujeita ao ritosumaríssimo e, a duas, a sentença temde ser clara, ainda que ilíquida, uma vezque o quantum a ser pago em favor doautor da causa pode ser perfeitamenteapurado em sede de liquidação desentença.

Mantenho a sentença, pois seestá diante de uma situação de fatocontinuativa. Não se pode exigir que aparte ajuíze nova ação em todomomento que comprar ummedicamento.

O parágrafo único do artigo 459do CPC giza:

Artigo 459 [...]Parágrafo único. Quando o autortiver formulado pedido certo, évedado ao juiz proferir sentençailíquida.

A sentença deferiu tão-somenteo que foi postulado na inicial, nada mais(vide f. 24/25, “c” a “e”). Nesse sentido,sentença, f. 1270, dois últimosparágrafos c/c f. 1271, dois primeirosparágrafos, devidamentecomplementada pela decisão dosembargos de declaração (f. 1320). Nãohouve sentença fora do pedido, porém,ilíquida. O quantum debeatur seráapurado oportunamente, em liquidaçãode sentença, como igualmenterequerido na petição inicial (f. 27, n. 23).Além do mais, no pertinente aoparágrafo único do artigo 459 do CPC,a iniciativa de alegação de seu eventualdesrespeito tem que partir doreclamante e não da reclamada, comona espécie, faltando à última interesseprocessual para tanto.

A jurisprudência emanada doColendo STJ corrobora o entendimentoora sufragado, in verbis:

Não se deve decretar nulidadeda sentença na hipótesecontemplada no CPC 459,parágrafo único, haja vista quetal pronunciamento contribuiriapara retardar a prestaçãojurisdicional, contrariando oprincípio da celeridade, principalobjetivo da norma. Ademais,somente o autor poderia argüireventual nulidade, de conteúdorelativo.(JSTJ 52/184 - No mesmosentido: STJ, 4ª Turma, REsp145246-SP, Rel. Min. Sálvio deFigueiredo Teixeira, j. 18.08.1998,v.u., DJU 03.11.1998, p. 149 inNERY JUNIOR, Nelson e NERY,Rosa Maria de Andrade. Código

de processo civil comentado e

legislação extravagante, EditoraRevista dos Tribunais, 9ª edição,atualizada até 01.03.2006, p.583, item n. 4, casuística)

Segundo a jurisprudência destaCorte, não estando o juizconvencido da procedência daextensão do pedido certoformulado pelo autor, podereconhecer-lhe o direito,remetendo as partes para aliquidação. Interesse recursal emargüir a nulidade da decisãorestrito ao demandante.(STJ, 4ª Turma, REsp 162.194-SP, Rel. Min. Barros Monteiro, j.07.12.99, não conheceram, v.u.,DJU 20.03.00, p. 76) ... in

NEGRÃO, Theotonio eGOUVÊA, José Roberto Ferreira.Código de processo civil e

legislação processual em vigor,

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Editora Saraiva, 35. edição, p.473, nota n. 12.

Nas ações de indenização porato ilícito, quando não seconhece o quantum debeatur,admite-se o pedido genérico (v.art. 286-II, especialmente nota6ª). Todavia, ainda que o autorformule pedido certo, pode o juizproferir sentença ilíquida: “Nasações de indenização por atoilícito, o valor estipulado nainicial, como estimativa daindenização pleiteada,necessariamente, não constituicerteza do quantum a ressarcir,vez que a obrigação do réu,causador do dano, é de valorabstrato, que depende, quasesempre, de estimativas e dearbitramento judicial. Montanteda indenização há de serapurado mediante liquidação desentença.”(STJ, 3ª Turma, REsp 136.588-RJ, Rel. Min. Waldemar Zveiter,... DJU 01.06.98, p. 85)... in

NEGRÃO, Theotonio eGOUVÊA, José Roberto Ferreira.Código de processo civil e

legislação processual em vigor,Editora Saraiva, 35. edição, p.473, nota n. 10, o destaque estáno original.

Rejeito.

3 - Mérito

3.1 - Do acidente - Daindenização por dano moral e pordano material - Responsabilidades

Antes de se adentrarpropriamente o exame da controvérsiadevolvida a esta Corte revisora,

impõem-se alguns esclarecimentos.Em primeiro lugar, o acidente. Na

leitura da inicial (f. 04, n. 01 c/c f. 07, n.06), toma-se ciência da data do sinistro:08.07.2003, enquanto o boletim deocorrência da Polícia Rodoviária (f. 50/51) aponta o dia 07.07.2003. Pequenadiscrepância, insuficiente para alterar asdecorrentes conclusões jurídicas. Nareferida data conduzia o reclamante umveículo tipo carreta, transportando óleocombustível 7A, à temperatura de 150graus centígrados. Em determinadomomento da viagem, ao tentar desviarde dois veículos que vinham em sentidocontrário da pista, um tentandoultrapassar o outro, com o intuito deevitar um choque frontal, direcionou oautor o seu caminhão para oacostamento da pista. Todavia, emrazão da existência de defeitos naestrada (não especificados na inicial),o caminhão veio a tombar, acarretandoo rompimento da tampa da válvula decarregamento do tanque reboque e, emconseqüência, o derramamento do óleoque, ao invadir a cabine onde seencontrava o motorista, causou-lhe aslesões que culminaram com suaaposentadoria por invalidez.

O boletim de ocorrência daPolícia Rodoviária Federal (f. 50/51)segue na mesma toada, indicandotambém, como sobredito, ter o acidenteocorrido em 07.07.2003 e não em08.07.2003. Foram igualmenteidentificados a marca e o modelo docaminhão conduzido pelo reclamante,qual seja, um caminhão da marcaScania, modelo T124, como consta doboletim de ocorrência. Ou um Scaniamodelo T34, conforme depoimento datestemunha Márcio Soares Macedo,termo, f. 1249. A rodovia onde ocorreuo sinistro é a BR-116, no município deSapucaia-RJ. Nenhuma testemunhapresenciou o acidente.

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As fotos relativas ao acidentepodem ser vistas às f. 569/570 (3ºvolume dos autos).

Em segundo lugar, o dano. Daanálise do documento de número 10,trazido às f. 236/239, infere-se, peloexame das fotografias, a extensão daslesões mencionadas, inclusive, no laudopericial (f. 1004). Tanto é verdade que odano existe, com o acarretamento daincapacidade laborativa, que o autorveio a ser aposentado pela PrevidênciaSocial. Nesse sentido: laudo pericialmédico, f. 1008, resposta ao quesito n.06; documento de f. 1047. Quanto àextensão do dano, reporto-me à r.sentença recorrida.

Em terceiro lugar, o nexo decausalidade.

Em que pese a afirmação dolouvado, contrariamente à do INSS, nosentido de não se encontrar oreclamante incapacitado para otrabalho, não obstante a constatação deseqüelas (laudo, f. 1005, resposta aosquesitos n. 1 e 2, formulados pela réMandel; laudo, f. 1008, resposta aoquesito n. 07, apresentado pela ré Shell;laudo, f. 1010, respostas aos quesitosns. 1 a 5 apresentados pelo autor; laudo,f. 1013, resposta ao quesito n. 09,formulado pela reclamadaTranscardoso), a concessão pelaPrevidência Social da aposentadoriapor invalidez na data de 22.10.2004 (f.1047), em data anterior à entrega dolaudo em juízo (f. 1003, protocolodatado de 17.10.2005), constitui forteelemento probatório quanto àincapacidade do autor. Se a períciamédica do INSS constatou a existênciade nexo causal, ponto final. Nada maishá a ser discutido a esse aspecto nosautos. Essa é a linha de entendimentoque prevalece na Egrégia 4ª Turmadeste Tribunal. Ressalva-se oentendimento deste Relator. É que, a

meu ver, data venia, tanto o laudopericial negativo do INSS quanto oposit ivo podem ser amplamentediscutidos em ação trabalhista, na qualo juiz pode, nas razões de decidir,desconsiderar a presunção relativadecorrente do laudo da autarquia eadotar aquela que deflui do laudopericial produzido em juízo.Precedentes da Egrégia 4ª Turma:

EMENTA: DANO MORAL -PERÍCIA MÉDICA DO INSS -NEXO CAUSAL. Se oempregado foi aposentado porinvalidez em decorrência dedoença ocupacional (acidente dotrabalho), a questão não podemais ser discutida na Justiça doTrabalho, sendo inaceitável aconclusão do laudo pericial quenega o nexo causal entre adoença e prestação de serviços.Sem a verificação desse, nãoteria sido possível ao autor seaposentar junto à PrevidênciaSocial.(TRT-RO-0293-2005-056-03-00-6-RO, Juiz Relator: JúlioBernardo do Carmo; JuizRevisor: Caio Luiz de AlmeidaVieira de Mello; DJMG18.03.2006)

EMENTA: DANO MORALDECORRENTE DE DOENÇAPROFISSIONAL. Independe deprova a existência do dano moraldecorrente de acidente dotrabalho ou de doençaprofissional que acarreta aaposentadoria do empregadopor invalidez. Quanto àverificação da existência do nexoentre a doença e a atividadeexercida pelo empregado naempresa, a perícia médica

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realizada pelo INSS deveprevalecer sobre aquelarealizada por perito nomeadopelo juiz. Provando-se atoculposo praticado peloempregador que contribuiu,efetivamente, para que oempregado viesse a seracometido pela doençaocupacional, deve ele pagar-lheindenização pelo dano moralverificado.(TRT-RO-19705/00; Juiz Relator:Luiz Otávio Linhares Renault;Juiz Revisor: Júlio Bernardo doCarmo, MG. 27.01.01, p. 17)

Na mesma toada: TRT-RO-7315/00,Relator Juiz Luiz Otávio LinharesRenault, 4ª Turma., MG. 21.10.00; TRT-RO-13985/02, 4ª Turma, Rel. JuizFernando Luiz Gonçalves Rios Neto,etc.

De qualquer sorte, os demaiselementos dos autos confirmam o laudodo INSS. Os danos acarretados ao autorsão muito graves, como se vê na síntesea que procedeu o d. julgador de primeirograu. O nexo causal é evidente, pelovazamento sobre o autor do óleo a 150graus centígrados, por não ter o tanquea válvula de segurança, conforme aprova emprestada produzida pelaspróprias rés Shell e Mandel (f. 1253).De outro lado, com a invalidez decretadapelo INSS, o reclamante encontra-seexcluído do mercado de trabalho. Setrabalhar, perde a aposentadoria. Ainvalidez decretada o exclui do mercadode trabalho. Destarte, resta configuradoo dano material, independentemente dolaudo judicial contrário quanto àincapacidade.

O dano moral decorre dasterríveis dores suportadas pelo autor edas deformidades físicas, conformecorretamente apontado na r. sentença.

Em quarto lugar, a impertinênciada apuração da culpa exclusiva ouconcorrente do reclamante no acidente(como, por exemplo, a superadaquestão do uso ou não do cinto desegurança pelo autor quando doacidente), assim como do exame doveículo para saber se ele era adequadoou não ao transporte do óleocombustível, nos termos com que seapreciou a preliminar n. 2.2, onde aquestão foi esgotada, em face daaplicabilidade do inciso III do artigo 420do CPC. Era impossível a apuração emprova pericial, e a prova oral não socorreas reclamadas. Esta, aliás, demonstracabalmente que o tanque eradesprovido de válvula de segurança eexatamente por ali, pelo local da tampa,onde devia ser instalada a válvula,vazou o óleo, que atingiu o corpo doautor.

Simile modo, no que se refere àapuração de eventual responsabilidadedo Estado ou da concessionária darodovia na ocorrência do sinistro, emrazão do “péssimo estado deconservação da rodovia BR-116”.Somente as pessoas físicas e jurídicasque gravitam em torno do contrato detrabalho ou celebram contratos dosquais decorre o contrato de trabalhosujeitam-se à jurisdição da Justiça doTrabalho. Não é o caso do Estado, queé estranho ao contrato de trabalhosubjacente. Não que o Estado sejaadrede excluído de qualquerresponsabilidade e sim que essacontrovérsia residual estaria à margemdo âmbito de competência da Justiça doTrabalho, como se infere do exame doartigo 114 da CF. Destarte, é possívelação regressiva em face do ente estatale/ou da concessionária, no caso aConcer (f. 1416, penúltimo parágrafo).Porém, em outro ramo do PoderJudiciário, conforme acórdãos citados

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pela ré Mandel (apelo, f. 1416).Ademais, a conduta ilícitaimediatamente causadora do dano, otransporte em tanque inadequado deóleo a 150 graus centígrados sãoestranhos ao Estado e à concessão darodovia.

Passo agora ao exame dasquestões devolvidas à instância ad

quem. É de bom alvitre apurar desdelogo qual a responsabilidade a serimputada a cada uma das reclamadasno caso concreto.

Na inicial (f. 04, n. 01) narrou oautor ter a reclamada Shell contratadoa reclamada Transtassi para realizar otransporte do óleo combustível por elafornecido. Referida empresa, por suavez, subcontratou a empresaTranscardoso para tal mister que, logoapós, subcontratou a empregadora doreclamante, a ré Mandel.

A CTPS aponta a data daadmissão na empresa Mandel comosendo o dia 01.06.2003 (f. 37).

O documento de número 08 dosautos (comunicação datada de16.01.1998, remetida pela empresaINPA - Indústria de EmbalagensSantana S/A à Shell Brasil, f. 381/382)comunica a contratação pela INPA daempresa transportadora decombustíveis Transrenato Ltda., para otransporte dos combustíveis fornecidospela distribuidora Shell. Conforme itemn. 02 do referido documento, aresponsabilidade da Shell termina nomomento em que o caminhão datransportadora deixar as suasdependências. Outrossim, aTransrenato, como emerge do item n.03, tinha ciência de que devia manteros seus veículos sempre dentro dospadrões de segurança exigidos pelasleis, normas e regulamentos, podendoa Shell se recusar a carregar o veículona hipótese de risco à segurança.

Do exame do protocolo decompromisso para a prestação deserviços de transporte de derivados depetróleo (documento n. 09, datado de21.01.1998, f. 384/389) celebrado pelaINPA com a empresa transportadoraTransrenato, extrai-se que o transportedos derivados de petróleo seriarealizado na conformidade dasinstruções e regulamentos emanadosda Shell (item n. 01) e eram retiradosnos locais onde a produtora Shell definiaou autorizava (item n. 03). O item n. 02,“d”, f. 390, deixa claro que era a Shellquem indicava a transportadora a serescolhida.

Note-se o documento de f. 402/404, elaborado pela empresa Shell eremetido ao Ministério Público doEstado do Rio de Janeiro-RJ, datado de01.08.2003 (relativo ao inquérito civilpúblico que visava à apuração deeventual dano ambiental relativo aoacidente noticiado na inicial, no KM 34da rodovia Rio-Bahia, no município deSapucaia, f. 397). Tal documento,subscrito pela Shell, noticia ter a INPAcontratado para o transporte do óleocombustível a empresa Transrenato,que, por sua vez, subcontratou atransportadora Transcardoso,proprietária do veículo acidentado (econduzido pelo reclamante).

A Shell celebrou com a empresaTranstassi, na data de 25.09.1987 (f.464), um contrato de prestação deserviços de transporte rodoviário, agranel, de derivados líquidos de petróleoe álcool (f. 452, cláusula primeira). Peloque reza esse contrato, a Shell tinha opoder de determinar a substituição doscarros-tanques incompatíveis ouimpróprios para a execução do serviço(f. 454, “i”). Era a Shell quem igualmenteestabelecia as regras para ocarregamento, transporte e descarga deprodutos (f. 454, “d”). Definia também

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os critérios dos exames clínicos epsicológicos a que seriam submetidosos motoristas a serem contratados pelasempresas transportadoras. Ainda,segundo o contrato citado, podia,imiscuindo-se nos contratos de trabalhode empregados das transportadoras,impor a imediata suspensão dosmotoristas destas (f. 455, “o” e “s”).Embora a Transtassi não se inclua nopool entre as transportadoras e aempregadora do reclamante, seucontrato com a Shell evidencia as regrasvigentes para os demais contratos daShell com as outras transportadoras.

O documento de f. 446/449,datado de 07.10.2003, trata de termo deajuste ao contrato de prestação deserviços de transporte firmado pelas résTranstassi e Shell, tendo ocorrido aresilição contratual em 15.01.2004, f.450, o que é reforçado pelacomunicação enviada pela Shell àTranstassi em 16.12.2003, f. 450.

Como se vê, a Shell comanda ascadeias contratuais cujo objeto é otransporte de combustível no territórionacional. As cadeias contratuais variam.No caso dos autos, a cadeia contratualera a seguinte: Shell, Transrenato,Transcardoso, Mandel e INPA. Esta e aTransrenato não constam no pólopassivo da ação. Em se tratando depretensão de responsabilidadesolidária, não há necessidade de todosos responsáveis constarem como réus,podendo o credor cobrar de todos, deum ou de parte dos devedores.

Passemos à análise das provase das normas aplicáveis para aferiçãoda responsabilidade das rés.

A prova oral trouxe à baila o fatode que o Sr. Adir, sócio da Transcardoso(que contratou a Mandel, empregadorado reclamante, e integrante do mesmogrupo econômico; o Sr. Adir era tambémsócio da empresa Mandel, conforme

prova testemunhal), prestava serviçosà empresa Transtassi (depoimento datestemunha Márcio Soares Macedo,termo, f. 1249, ouvida a rogo das rés).Vale dizer, a empregadora doreclamante prestava serviços para aTranscardoso, que prestava serviçospara a Transtassi, que prestava serviçospara a Shell. Essa cadeia de serviçoscorrespondia ao trabalho de cadamotorista. O serviço era um só:transportar o combustível doestabelecimento da Shell até oadquirente. Todas essas empresascelebravam contratos entre si, os quaisversavam sobre o trabalho do motorista-empregado da última contratada.Todavia, deixe-se bem claro desde logoque, no acidente que vitimou o autor, aempresa Transtassi não teve nenhumaculpa nem participação no evento.Quem comprou o inflamável da Shell foia empresa INPA que, para fins detransporte, contratou a empresaTransrenato que, por sua vez,subcontratou as reclamadasTranscardoso e Mandel. Veja-se odepoimento da testemunhaapresentada pelas rés:

que o depoente trabalha paraTranstassi desde 1978; referidaempresa explora o transporterodoviário de cargas; a rétransporta inclusive combustíveispara uso industrial; Adir, sócio daMandel, prestava serviços àTranstassi; ... a Transcardosonão prestou serviços àTranstassi; o depoente ouviudizer que a Shell rompeucontrato com a Transrenato, emvirtude do acidente noticiado nainicial, esclarecendo que Adir,sócio da Mandel, prestou(...omissis) à Transrenato;Transtassi começou a

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transportar combustíveis para aINPA após o acidente descrito nainicial...(testemunha empresária AmirXavier Martins, termo, f. 1249)

A testemunha empresária RafaelRibeiro Campos (prova emprestada,termo, f. 1254/1255) declarou que

Transcardoso e Mandelapanharam em subcontratação otransporte de combustível daTransrenato; o depoente achaque Mandel e Transcardoso sãodo mesmo grupo econômico oua mesma empresa, mas não temcerteza...

Esclarecedor o depoimento datestemunha Gilson Cesar Nogueira(prova emprestada, termo, f. 1253,carreada aos autos a pedido dasreclamadas Shell e Mandel, termo, f.1248). Veja-se que o aproveitamento daprova emprestada se deu arequerimento das reclamadas Shell eMandel. Se as reclamadas requererama juntada de cópia do depoimento,obviamente anuíram com o seu inteiroteor. Digna de nota a firme declaraçãode que o tanque não era dotado deválvula de segurança. Porque oportuno,transcrevo o depoimento, verbis:

...o depoente já trabalhou com acarreta mencionada, inclusiverecentemente, considerando quehouve a recuperação da carreta;...o tanque de combustível nãoera dotado de válvula desegurança; ... o depoente temquase certeza que a carreta queo autor trabalhava no dia doacidente contém seis parafusosno lacre de entrada docombustível; normalmente a

carreta para transporte decombustível tem um dispositivoque não permite a violação datampa do reservatório em casode tombamento, dispositivo quea carreta com a qual trabalhavao autor não tinha; a carreta hojecontinua sem o dispositivo anti-tombamento, embora tendopassado pelo check-list da Shell;embora seja exigido o dispositivoantes mencionado paratransporte de combustível paraa Samarco, a carreta, como disseantes, continua sem o referidodispositivo...

A testemunha Rafael RibeiroCampos, ouvida a rogo da Shell,empregado desta e ocupante do cargode Consultor de Negócios Industriaisdesde o mês de julho de 2002, malgradosua declaração final de que a suaempregadora não permitiria o transportede combustível em veículo nãoapropriado, não se pode olvidar de queafirmou também o seguinte, verbis:“...não tem certeza, mas acha que oveículo no qual houve o acidente com oautor fora vistoriado pela Shell” (termo,f. 1254/1255).

Portanto, emerge do conjuntoprobatório o seguinte: a contratação daempresa Transrenato (e não daempresa Transtassi) pela empresa INPAde Pirapetinga-MG, visando aotransporte dos produtos fabricados pelaempresa Shell. No desempenho de seumister, a Transrenato subcontratou asempresas Mandel (empregadora doautor) e Transcardoso (proprietária doveículo acidentado), integrantes, asduas últimas empresas, do mesmogrupo econômico (§ 2º do artigo 2º daCLT) como emergiu da provatestemunhal. Tal fato foi confessado pelaré Shell (comunicação remetida ao

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parquet do Estado do Rio de Janeiro, f.402/404) e pela empresa INPA(comunicação enviada à Shell, f. 405/406) que não integra a lide. Após oacidente com o reclamante, a empresaINPA rompeu o contrato com aTransrenato (que também não seencontra incluída no pólo passivo dademanda) e celebrou contrato com areclamada Transtassi, com o mesmoobjeto daquele pactuadoantecedentemente com a réTransrenato.

O controle da Shell sobre astransportadoras, seus empregados,veículos é total, a exemplo do quedemonstra o contrato com a Transtassi.Como visto em linhas transatas acercada cadeia de contratos comumentecelebrados a partir da Shell, esta exerceo comando sobre todos os contratoscelebrados para a entrega final de seuproduto.

O papel da empresa Transtassineste feito, conforme inicial (f. 05, n. 03)foi o da realização do treinamento doreclamante para o transporte deinflamáveis (v.g., óleo combustível), apedido da empregadora Mandel e, emseguida, de efetuar o seucredenciamento junto à reclamadaShell. Daí a existência da carteira de f.44 dos autos (que deve ser analisadafrente-e-verso, isto é, de um lado constao nome da Transtassi, de outro, o motivopelo qual ela ali figura, qual seja, a suaparticipação no treinamento do autorpara o transporte rodoviário de produtosperigosos, o que deu origem à emissãodo certificado de participação). O autornão prestou serviços em seu favor nemela foi contratada pela empresa INPApara o transporte do óleo, mas, sim, aempresa Transrenato, que, por sua vez,subcontratou as reclamadasTranscardoso e Mandel. Sabe-se, ainda,que, na época do acidente, a empresa

Transtassi não fazia a rota que o autorcumpria (depoimento testemunhaempresária Amir Xavier Martins, termo,f. 1249/1250). É incontroverso que oreclamante, no dia do acidente, fazia otransporte de combustível da Shell paraa INPA de Pirapetinga-MG (depoimentoda testemunha Gilson Cesar Nogueira,primo do reclamante e que já dirigiu,antes e após o sinistro, o veículo Scania,prova emprestada, termo, f. 1253).Lembre-se de que o depoimento doprimo do reclamante fora aproveitado apedido das rés Mandel e Shell(conforme termo de audiência de f.1248). Logo, irrefutável por elas.

A culpa da empregadora, aempresa Mandel, emerge cristalina.Conforme as declarações datestemunha Gilson Cesar Nogueira,prova apresentada pelas mencionadasrés (f. 1253), a empregadora permitiuque o autor conduzisse veículodesprovido do dispositivo que impediriao vazamento do óleo quente (150 grauscentígrados). A falta desse dispositivo(válvula de segurança) restoudemonstrada pela prova produzidapelas rés Shell e Mandel. A inexistênciade tal válvula no tanque acarretou ovazamento do óleo e sua penetração nacabine, atingindo o autor gravemente.E, o que é pior, mesmo após o graveacidente e os reparos posteriores, ocaminhão continua em operação sem aválvula de segurança, conforme a provaproduzida pelas próprias résmencionadas. Outra conduta culposa daempregadora consistiu na falta detreinamento específico, ao argumentode o autor ter participado de treinamentona empresa Transtassi (depoimento doseu representante legal, Sr. Adir, provaemprestada, termo de f. 1251 c/csentença, f. 1267, quarto parágrafo).

O treinamento da Transtassivisava ao transporte de outro tipo de

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combustível (o do óleo combustível 7A,que a Shell vendia para uma outracliente, a empresa Samarco Mineração,com sede em Anchieta-ES, ao passoque o autor transportava óleocombustível quente, elevado àtemperatura de 150ºC, denominado A4,mais grosso que o anterior, usado pelaempresa INPA, como emerge do recursoordinário da Transtassi, f. 1282;comunicação remetida pela Shell aoMinistério Público do Estado do Rio deJaneiro, f. 403. É clarividente que otransporte de combustível a taltemperatura exige treinamentoespecífico.

O autor admitiu já ter realizado otransporte dos dois tipos de óleocombustível (inicial, f. 05, n. 02) que,evidentemente, exigia treinamentoespecífico. De qualquer sorte, otreinamento específico pressupõe aadoção dos mecanismos de segurança,inclusive a citada válvula. Não instaladano veículo, tornar-se-ia inócuo qualquercuidado técnico do motorista. E aquivale ressaltar que, mesmo que o autornão usasse o cinto de segurança, nãose excluiria a culpa exclusiva das rés,pois o não-uso do cinto (não provadopelas rés) não tem pertinência com osdanos por ele sofridos, causados pelofato de o óleo quente ter vazado eatingido o autor na cabine. Vejam-se asfotos do acidente e das lesões sofridaspelo reclamante (f. 569/570 e 236/239,respectivamente). Configurada, pois, aculpa in vigilando da empregadora.

Do mesmo modo, tem-se porcaracterizada a culpa in vigilando daempresa Transcardoso, integrante domesmo grupo da empregadora do autor,a empresa Mandel, e proprietária doveículo acidentado, fatosincontroversos.

Quanto à Shell, na execução doscontratos de venda e transporte dos

combustíveis, mostrava-se ciente desuas responsabilidades, pois não bastavender óleo combustível aquecido a150º centígrados e colocar em qualquercaminhão que estacione em seu pátio.Tanto é assim que assumia a obrigaçãode fiscalizar os caminhões e até puniros empregados das transportadoras. (f.381/382, item n. 03; f. 384/390, itens ns.01, 02 e 03; f. 454/455, letras “d”, “i”, “o”e “s”).

Com efeito, a Shell exercia,exerce e deve exercer mesmo o controleabsoluto sobre as empresastransportadoras e seus empregados, notocante ao transporte de seus produtos.Não se concebe atualmente que aempresa se limite a cumprirformalmente a sua parte nos contratosque celebra. É mister que se monitoremos reflexos dos seus contratos nasociedade, mormente aquelesincidentes sobre os contratosinterligados às suas atividades. É nessecontexto que a Shell, nos limites dasnormas legais vigentes, fiscaliza e ditaas regras para a segurança notransporte dos produtos que distribui.Afinal, após a fase de exploração, adistribuidora de combustíveis é agênese da cadeia distribuidora,passando pelas transportadoras, pelocomércio varejista, até o consumidorfinal.

In casu, a Shell temresponsabilidade direta, na medida emque deixou de cumprir a sua funçãosocial nos contratos de exploração depetróleo e distribuição de seusderivados. A empresa que recebe doEstado a concessão para exploração depetróleo tem como uma de suas funçõessociais velar pela segurança notransporte dos respectivos produtos. AShell, na hipótese vertente, mostrou-senegligente, na medida em que agiu demodo irresponsável ao acondicionar

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óleo combustível com temperatura de150ºC em veículo cujo tanque eradesprovido de válvula de segurança,conforme a prova emprestadaproduzida, inclusive, a seu pedido (f.1253).

É fato público e notório que aShell é uma das empresas privadas queexploram petróleo nas baciassedimentares brasileiras, procedendo,inclusive, à distribuição de seusderivados. Os contratos de concessãocelebrados entre a União e a Shellseguem, evidentemente, as normasinscritas no art. 177 da ConstituiçãoFederal e na Lei do Petróleo (Lei n.9.478/97). Como é cediço, procede-sea uma licitação seguida da outorga daconcessão à empresa vencedora,mediante contrato administrativo. O teordo contrato é conhecido pelos licitantes,pois todo edital contém a sua minuta.As cláusulas do contrato de exploraçãode petróleo devem observar osprincípios e as cláusulas essenciaisestabelecidos pela lei. A Lei do Petróleo,além das cláusulas essenciaiselencadas nos incisos do art. 43,prescreve o seguinte no art. 44, I e V,verbis:

Art. 44. O contrato estabeleceráque o concessionário estaráobrigado a:I - adotar, em todas as suasoperações, as medidasnecessárias para a conservaçãodos reservatórios e de outrosrecursos naturais, para asegurança das pessoas e dosequipamentos e para a proteçãodo meio ambiente;[...]V - responsabilizar-se civilmentepelos atos de seus prepostos eindenizar todos e quaisquerdanos decorrentes das atividades

de exploração, desenvolvimentoe produção contratadas, devendoressarcir à ANP ou à União osônus que venham a suportar emconseqüência de eventuaisdemandas motivadas por atos deresponsabilidade doconcessionário.(grifei)

A Shell não é apenasdistribuidora de derivados de petróleo,mas uma concessionária de atividadesque constituem monopólio da União (art.176 da CF). Suas responsabilidades sãomuito grandes, independentemente dafunção social exigível na generalidadedos contratos. Vale dizer, além dafunção social geral, a empresa à qualse outorga a exploração de petróleodeve velar pela otimização de seustrabalhos, sem se descurar jamais dosfundamentos e princípios da RepúblicaFederativa do Brasil. Seus misteresdevem guiar-se pela tábua de valoresesculpida na Constituição. Pelo que,além de implementar a função social nacelebração e execução de seuscontratos, deve, ao lado de seusobjetivos econômicos, cumprir oprincípio da função social dapropriedade e o fundamento dadignidade da pessoa humana (inciso IIIdo art. 170 e inciso III do art. 1º daConstituição, respectivamente).

Como decorrência do contrato deexploração, o petróleo extraído passa aser de propriedade da concessionária.É o que dispõe o art. 26 da citada Leido Petróleo, verbis:

Art. 26. A concessão implica,para o concessionário, aobrigação de explorar, por suaconta e risco e, em caso de êxito,produzir petróleo ou gás naturalem determinado bloco,

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conferindo-lhe a propriedadedesses bens, após extraídos,com os encargos relativos aopagamento dos tributosincidentes e das participaçõeslegais ou contratuaiscorrespondentes.(grifei)

Nesse contexto, é inaceitávelque uma empresa particular, exercendoatividade de monopólio estatal eobtendo bens próprios do Estado,utilize-os de maneira irresponsável.Afasta-se da função social dapropriedade e do contrato, bem comodo fundamento republicano dadignidade da pessoa humana aempresa concessionária que, de modoirresponsável, extrai o petróleo edistribui seus derivados, carregandocaminhões-tanques desprovidos dedispositivos de segurança. Na hipótesevertente, o descaso foi maior ainda, poisse tratava de óleo combustível quente(150ºC) acondicionado em tanqueinadequado, que, diante do vazamento,invadiu a cabine e atingiu gravementeo motorista, levando-o à invalidezdecretada pelo INSS.

Na perspectiva daresponsabilização da concessionáriadas atividades de exploração depetróleo, diante da função social quedeve permear as situações jurídicas deproprietários e contratantes, vê-se quea Shell falhou. Negligenciou. Malgradosuas intenções de f iscalizar ascondições de cada veículotransportador de seus perigososprodutos, sua conduta omissiva, in

casu, ensejou graves danos físicos aoautor. Veja-se que, na cadeiadistribuidora, permitiu, desencadeouuma série de contratações esubcontratações para o fim de levarderivado do petróleo ao consumidor

f inal, deixando de verif icar ascondições do tanque em que despejouseu produto. Aqui se deve lembrar que,se a Constituição permite a concessãodaquelas atividades estatais, tambémimputa responsabil idades aosconcessionários. Além dasmencionadas acima, destaco, ainda, ado inciso I do § 2º do art. 177 da CartaMagna, verbis:

A lei a que se refere o § 1ºdisporá sobre:I - a garantia do fornecimento dosderivados de petróleo em todo oterritório nacional.

Não basta, pois, enchercaminhões-tanques em sua porta edeixá-los trafegar pelo país afora, comprodutos inflamáveis, perigosos, semum mínimo de segurança. Aliás,independentemente dasresponsabilidades inerentes àconcessão, na engendrada cadeia detransportadores desencadeada pela (ouna) Shell, não há possibilidade de cisãodas responsabilidades. Nessediapasão, sobreleva o Decreto n.96.044/88, que trata do transporte deprodutos perigosos. Note-se que esseDecreto, que regulamenta uma parte doDecreto-lei n. 2.063/83, diante dasimbiose entre o fornecedor de produtosperigosos e o respectivo transportador,trata da unicidade de suasresponsabilidades:

Art. 32. O contratante dotransporte deverá exigir dotransportador o uso de veículo eequipamento em boas condiçõesoperacionais e adequados paraa carga a ser transportada,cabendo ao expedidor, antes decada viagem, avaliar ascondições de segurança.

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Art. 33. Quando o transportadornão os possuir, deverá ocontratante fornecer osequipamentos necessários àssituações de emergência,acidente ou avaria, com asdevidas instruções do expedidorpara sua utilização.

Art. 34. O expedidor éresponsável peloacondicionamento do produto aser transportado, de acordo comas especificações do fabricante.

Art. 35. No carregamento deprodutos perigosos o expedidoradotará todas as precauçõesrelativas à preservação dosmesmos, especialmente quantoà compatibilidade entre si (Art.7º).

Art. 36. O expedidor exigirá dotransportador o emprego dosrótulos de risco e painéis desegurança correspondentes aosprodutos a serem transportados,conforme disposto no Art. 2º.Parágrafo único. O expedidorentregará ao transportador osprodutos perigosos fracionadosdevidamente rotulados,etiquetados e marcados, bemassim os rótulos de risco e ospainéis de segurança para usonos veículos, informando aocondutor as características dosprodutos a serem transportados.

Art. 37. São de responsabilidade:I - do expedidor, as operações decarga;II - do destinatário, as operaçõesde descarga.§ 1º Ao expedidor e aodestinatário cumpre orientar e

treinar o pessoal empregado nasatividades referidas neste artigo.§ 2º Nas operações de carga edescarga, cuidados especiaisserão adotados, especialmentequanto à amarração da carga, afim de evitar danos, avarias ouacidentes.

SEÇÃO III - Do Transportador(artigos 38 a 40)

Art. 38. Constituem deveres eobrigações do transportador:I - dar adequada manutenção eutil ização aos veículos eequipamentos;II - fazer vistoriar as condiçõesde funcionamento e segurançado veículo e equipamento, deacordo com a natureza da cargaa ser transportada, naperiodicidade regulamentar;III - fazer acompanhar, pararessalva das responsabilidadespelo transporte, as operaçõesexecutadas pelo expedidor oudestinatário de carga, descargae transbordo, adotando ascautelas necessárias paraprevenir riscos à saúde eintegridade física de seusprepostos e ao meio ambiente;IV - transportar produtos a granelde acordo com o especificado no“Certificado de Capacitação parao Transporte de ProdutosPerigosos a Granel” (art. 22, I);V - requerer o “Certificado deCapacitação para o Transportede Produtos Perigosos a Granel”,quando for o caso, e exigir doexpedidor os documentos de quetratam os itens II e III do art. 22;VI - providenciar para que oveículo porte o conjunto deequipamentos necessários às

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situações de emergência,acidente ou avaria (art. 35),assegurando-se do seu bomfuncionamento;VII - instruir o pessoal envolvidona operação de transportequanto à correta utilização dosequipamentos necessários àssituações de emergência,acidente ou avaria, conforme asinstruções do expedidor;VIII - zelar pela adequadaqualif icação profissional dopessoal envolvido na operaçãode transporte, proporcionando-lhe treinamento específico,exames de saúde periódicos econdições de trabalho conformepreceitos de higiene, medicina esegurança do trabalho;IX - fornecer a seus prepostos ostrajes e equipamentos desegurança no trabalho, deacordo com as normasexpedidas pelo Ministério doTrabalho, zelando para quesejam utilizados nas operaçõesde transporte, carga, descarga etransbordo;X - providenciar a corretautil ização, nos veículos eequipamentos, dos rótulos derisco e painéis de segurançaadequados aos produtostransportados;XI - realizar as operações detransbordo observando osprocedimentos e utilizando osequipamentos recomendadospelo expedidor ou fabricante doproduto;XII - assegurar-se de que oserviço de acompanhamentotécnico especializado preencheos requisitos deste Regulamentoe das instruções específicasexistentes (art. 23);

XIII - dar orientação quanto àcorreta estivagem da carga noveículo, sempre que, por acordocom o expedidor, seja co-responsável pelas operações decarregamento edescarregamento.Parágrafo único. Se otransportador receber a cargalacrada ou for impedido, peloexpedidor ou destinatário, deacompanhar carga e descarga,ficará desonerado daresponsabilidade por acidente ouavaria decorrentes do mauacondicionamento da carga.

Art. 39. Quando o transporte forrealizado por transportadorcomercial autônomo, os deverese obrigações a que se referemos itens VI a IX do artigo anteriorconstituem responsabilidade dequem o tiver contratado.

Art. 40. O transportador ésolidariamente responsável como expedidor na hipótese dereceber, para transporte,produtos cuja embalagemapresente sinais de violação,deterioração, mau estado deconservação ou de qualquerforma infrinja o preceituado nesteRegulamento e demais normasou instruções aplicáveis.

Diante da redação de taisdispositivos do Regulamento dotransporte de produtos perigosos, nãohá nem mesmo dispositivos que sepossam sublinhar. Todos os dispositivostranscritos revelam o grau deresponsabilidade do fornecedor, ou seja,do expedidor, do remetente, da cargaperigosa. As responsabilidades dofornecedor e do transportador

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amalgamam-se solidariamente. Cadaartigo, cada inciso, cada parágrafo doRegulamento evidencia que o transportede produtos perigosos é atividade una,pela qual se responsabilizam todos ossujeitos envolvidos.

O Decreto mencionado nãodeixa dúvida quanto ao fato e àresponsabilidade tanto do transportadorquanto do remetente. Poder-se-iaargumentar que decreto não podeestabelecer responsabilidades. Masnão se pode negar que o Decreto n.96.044/98 regulamenta o transporte deprodutos perigosos previsto no Decreto-lei n. 2.063/83. Mesmo que seargumentasse pela absorção da matériatratada no Decreto-lei por leissubseqüentes, o Decreto-lei em questãorestou inteiramente recepcionado peloCódigo Nacional de Trânsito,harmonizando-se plenamente com anova ordem jurídica do trânsito. Aindaque assim não fosse, seria misterconcluir que o Decreto n. 96.044/98 vaiao encontro do então recém-editadoCódigo, à medida que visa a maiorsegurança para as pessoas,responsabilizando solidariamenteaqueles que se beneficiam direta eindiretamente com o transporte deprodutos perigosos. Não se trata, pois,de regulamento autônomo. Portanto, notocante às obrigações do transportadore do expedidor, as exigências sãoválidas, ou seja, as empresastransportadora e expedidora têm mesmoque cumprir aqueles deveres legaisimpostos pelo Regulamento do Decreto-lei n. 2.063/83. Se a expedidora, a Shell,acondicionou seu perigoso produto emcaminhão-tanque desprovido da válvulade segurança, sem o mínimo depreocupação exigido; se, emdecorrência da condição insegura doveículo, demonstrada em provaemprestada produzida pela Shell e outra

ré, o autor veio a sofrer gravesferimentos ocasionados pela invasão doóleo quente na cabine, configura-se aresponsabilidade solidária entre astransportadoras e a reclamada Shell, porforça do disposto no art. 942 do CódigoCivil:

Art. 942. Os bens do responsávelpela ofensa ou violação do direitode outrem ficam sujeitos àreparação do dano causado; e,se a ofensa tiver mais de umautor, todos responderãosolidariamente pela reparação.Parágrafo único. Sãosolidariamente responsáveiscom os autores os co-autores eas pessoas designadas no art.932.(grifei)

Por todos os ângulos pelos quaisse analisa a questão, pelos diversosdispositivos legais e constitucionaiscitados, a responsabilidade da Shell seagiganta a cada momento em que selêem as normas aplicáveis à espécie.Nosso direito positivo não deixa dúvidaquanto a isso. É interessante que taisnormas, mesmo anteriores ao CódigoCivil de 2002, positivam, no particular,o princípio da função social do contrato,que só veio a ser instituído legalmentepelo novo Código. Como dito alhures,independentemente das normaspositivadas em nosso sistema, acláusula geral aberta da função socialdo contrato é plenamente aplicável aodireito e ao contrato de trabalho, bemassim aos contratos que geram reflexosnas relações de trabalho e que em tornodelas gravitam.

Na concepção moderna doDireito Civil-Constitucional, capitaneadaentre nós por GUSTAVO TEPEDINO,dentre outros renomados civilistas, a

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função social do contrato deve ser assimentendida, segundo o citado jurista emA PARTE GERAL DO CÓDIGO CIVIL,2. ed., p. XXII:

o dever imposto aos contratantesde atender - ao lado dos própriosinteresses individuaisperseguidos pelo regulamentocontratual - a interessesextracontratuais socialmenterelevantes, dignos de tutelajurídica, que se relacionam como contrato ou são por elesatingidos. Tais interesses dizemrespeito, dentre outros, aosconsumidores, à l ivreconcorrência, ao meio ambiente,às relações de trabalho...(grifei)

CAIO MÁRIO DA SILVAPEREIRA, em uma de suasmanifestações sobre a função social docontrato, nas suas INSTITUIÇÕES DEDIREITO CIVIL, v. III, 3. ed., p. 16,assevera:

...é um princípio moderno quevem a se agregar aos princípiosclássicos do contrato, que são osda autonomia da vontade, daforça obrigatória, daintangibilidade do seu conteúdoe da relatividade dos seusefeitos. Como princípio novo elenão se limita a se justapor aosdemais, antes pelo contrário vemdesafiá-los e em certas situaçõesimpedir que prevaleçam diantedo interesse social maior.

Pela concreção que lhe têm dadoos doutos, observa-se que a funçãosocial do contrato tem até maioraplicação no Direito do Trabalho do queno próprio Direito Civil. Demonstra-se

isso pela história de ambos os ramosdo direito. Aquele se desprendeu deste,à medida que normas sociaisespecíficas tornaram-se necessárias. ODireito do Trabalho é, assim,originariamente, a parte social do direitocivil. Se assim é, somando-se a isso agama contratual moderna tendente aprejudicar os direitos dos trabalhadores,com terceirizações, quarteirizações,cooperativismos meramente formais,fugas da tipologia do contrato deemprego, o direito do trabalho é oterreno mais fértil para a frutificação dafunção social do contrato.

Na espécie dos autos, assucessivas contratações esubcontratações de transportadoras,com a participação da fornecedora, paraa consecução do trabalho de apenasuma pessoa, o motorista, não sofremqualquer cisão para fins de exclusão daresponsabilidade de qualquer dospartícipes da cadeia contratual iniciadana Shell. Ao trabalho uno, àsresponsabilidades unas do motorista,corresponde a responsabilidadetambém una de todos os beneficiáriosde seu labor, mormente astransportadoras e a Shell, em relaçãoàs quais as normas legais acimatranscritas não deixam qualquer dúvida.

Neste ponto da apreciação domeritum causae, confirma-se o acertoda rejeição da preliminar deincompetência da Justiça do Trabalho.Diante da responsabilidade solidáriaentre a concessionária/distribuidoraShell e as transportadoras participantesda cadeia contratual tendente a levar oderivado de petróleo até a empresaconsumidora, é intuitivo que a mesmaJustiça, o mesmo juiz, decida a questão.O fato de a Shell não ser empregadoraou não ter contratado os serviços doautor não exclui sua responsabilizaçãoneste feito. Se as normas positivas e o

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princípio da função social do contratoamalgamam responsabilidades, criandoa responsabilidade solidária, seriainviável, irracional que se julgasse aresponsabilidade solidária em Justiçasdiferentes, sem prejuízo de o credorpoder optar entre um e outro devedorou por todos. Lembremos aqui ashipóteses de terceirização,quarteirização, subempreitadas, donosde obra, em que os tomadores não sãoempregadores, mas respondem peloscréditos dos trabalhadores na Justiça doTrabalho no mesmo processo, ao ladodo empregador, solidária ousubsidiariamente.

A Shell responde não comoempregadora, mas em decorrência dasnormas e princípios que a tornamresponsável solidária com astransportadoras. E essas normasaplicáveis não se adstringem àquelasprevistas em típicas leis trabalhistas,mesmo porque a matéria veiculada nalitiscontestação não se insere entreaquelas originariamente trabalhistas. Amatéria passou a ser trabalhista e acompetência da Justiça do Trabalho foiampliada, mas as pessoasresponsáveis solidariamente podemresponder tanto com base em uma leitrabalhista quanto com base emqualquer outra lei do nosso vasto direitopositivo. In casu, o art. 942 do CódigoCivil, o Decreto n. 96.044/98, as normase princípios constitucionais, bem assimo princípio da função social do contrato.Aliás, a CLT, artigo 8º, com força atrativa,integra ao Direito do Trabalho as normasdo direito comum. Não poderia serdiferente, pois, como é curial, o direitonão se constitui de um amontoado decompartimentos estanques.

Em relação à empresaTranstassi, do exame dos autos emergea certeza de que ela não teve nenhumaparticipação no acidente e muito menos

culpa. Como a análise das referidasquestões se deu em sede de mérito,impõe-se a extinção do processo comresolução de mérito em relação àempresa Transtassi (inciso I do artigo269 do CPC) julgando improcedente apretensão inicial, razão pela qual ficaexcluída da sentença a sua condenaçãosolidária quanto ao pagamento dosdireitos reconhecidos em favor do autor.

No tocante às transportadoras eà Shell, ainda que não houvesse culpa,a responsabilidade das résremanescentes não haveria de serexcluída. Comungo do entendimentosufragado na r. sentença (f. 1267) nosentido de que a responsabilidade dasempresas Mandel, Transcardoso e Shellno acidente decorre do imanente perigodos serviços a que se submeteu o autor,qual seja, o perigosíssimo transporte deinflamáveis aquecidos a 150 grauscentígrados. Incidência do parágrafoúnico do artigo 927 do Código Civil, inverbis:

Haverá obrigação de reparar odano, independentemente deculpa, nos casos especificadosem lei, ou quando a atividadenormalmente desenvolvida peloautor do dano implicar, por suanatureza, risco para os direitosde outrem.

A jurisprudência deste EgrégioTribunal corrobora o raciocínio supra:

ATIVIDADE DE RISCO -R E S P O N S A B I L I D A D EOBJETIVA. O parágrafo único doartigo 927 do CCb adota a teoriado risco pelo exercício deatividade periculosa,consagrando o princípio daresponsabilidade objetiva. Nestahipótese, a obrigação de reparar

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o dano surge do simplesexercício da atividade que oagente desenvolve no interessee sob o controle do empregador,não havendo que se verificar aexistência de culpa, bastando aocorrência daquele e o nexo decausalidade com a atividade derisco. Cumpre observar que oartigo 2º da CLT estabelece queo empregador assume os riscosda sua atividade econômica.Logo, a ele incumbe resguardara integridade física e moral dosseus empregados, garantindo-lhes segurança no exercício dotrabalho, sob pena de responderpelos danos morais e materiaissofridos. Tem-se que a função degerente comercial de agênciabancária é atividade de risco,enquadrando-se no disposto noparágrafo único do artigo 927 doCCb. Isto, porque os serviçosbancários são intrinsecamentepericulosos, uma vez que osprofissionais que laboram nestaárea estão, constantemente, emcontato com vultosas quantias dedinheiro, o que os torna alvo debandidos, com freqüência.(TRT 3ª R Terceira Turma 00942-2005-089-03-00-0 RO - Rel. JuizBolívar Viégas Peixoto - DJMG01.07.2006, p. 4)

Outrossim, não merece reparo ofundamento exposto na r. sentençarelativo à incidência do art. 12 do Códigode Defesa do Consumidor. É cediço queo direito não é um amontoado decompartimentos estanques. Nadaimpede que se aplique o CDC na searatrabalhista. Incidência dos arts. 8º e 769da CLT. Aliás, isso tem sido feito comfreqüência, como no caso daresponsabilização dos sócios e outros

institutos do CDC. É verdade que, nahipótese vertente, não há necessidadede se aplicar a responsabilidadeobjetiva, porque configuradatranqüilamente a culpa. Todavia, não setrata de julgamento de relação deconsumo e sim de mera aplicaçãosubsidiária do Código de Defesa doConsumidor, seja por analogia, seja pelasubsunção da norma ao caso concretopor força dos arts. 8º e 769 da CLT. Éque não há relação de consumo entre oautor e a Shell. Pode haver tal relaçãojurídica entre a adquirente do produto(INPA) e a fornecedora (Shell). Mas essarelação não é objeto de julgamentoneste feito. O que aqui se julga é o litígiodecorrente do acidente do trabalho,aplicando-se ao caso concreto asnormas e princípios acerca dasresponsabilidades, que, por acaso,alcançam também a fornecedora doproduto, porque integrante da cadeiacontratual geradora do contrato detrabalho do reclamante e porque alegislação a coloca como responsávelsolidária.

Já se viu linhas atrás que aresponsabilidade é objetiva emdecorrência do trabalho perigosoinerente às atividades das empresas,mas, ainda que assim não fosse, asconclusões seriam as mesmas, pois aculpa é manifesta. Nesse contexto, oartigo 12 do CDC é apenas mais umdispositivo legal que se soma ao artigo927 do Código Civil, pelo que suaincidência ou não seria indiferente.Entretanto, o CDC também se aplica àhipótese dos autos, exatamente pelafunção social do contrato, cláusula geralnão excluída das relações de consumo.

Com efeito, os contratos deconsumo e suas cláusulas mínimas,inclusive a responsabilidade dofornecedor do produto e do serviço (nocaso, o acondicionamento e transporte

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em tanque inadequado) não se limitamàs partes formais do contrato, irradiandoseus efeitos aos terceiros envolvidos nofornecimento do produto e na prestaçãodo serviço. Seria ilógico e antijurídico,diante da quebra do relativismocontratual decorrente da função sociale da solidariedade, que apenas oconsumidor se beneficiasse daresponsabilidade do produto ou doserviço, excluindo-se aqueles queparticipassem efetivamente dofornecimento ou da prestação. A funçãosocial do contrato não se coaduna comsaltos de responsabilidade na cadeia doproduto e do serviço. Vale dizer, doestabelecimento do fornecedor até oconsumidor, o produto, dentro darelação de consumo, percorre um longocaminho; aos danos que o produtoacarreta no seio da relação de consumo,ou seja, no trajeto e no consumopropriamente dito, aplicam-se asnormas protetivas do CDC tanto aoconsumidor quanto a terceiros. É afunção social também do contrato deconsumo. Repito, todavia, que,independentemente do CDC, aresponsabilidade da Shell é inafastávelpelos outros fundamentos já expostos.

Já em relação à indenização pelaimpossibilidade de progressão naprofissão, tal impossibilidade reflete nasua remuneração total e não apenas napensão mensal deferida na r. sentença.Neste ponto, peço vênia ao eminenteprolator da r. sentença para deferir 15%de indenização sobre a soma dobenefício previdenciário deaposentadoria por invalidez e da pensãomensal deferida, observando-se omesmo período adotado na r. sentença.

Quanto ao dano moral,configurado no caso concreto, comobem exposto na sentença (f. 1271),entendo ter razão o autor ao buscar amajoração do quantum arbitrado a esse

título. Mas não no montante estimadono recurso (f. 1310), R$4.000.000,00(quatro milhões de reais).

A prova emprestada (juntada aosautos pelas empresas Shell e Mandel)deixa claro que a empregadora, aproprietária do veículo e a produtora dacarga continuam praticando a mesmaconduta ilícita. Prosseguem com odesrespeito às leis, mormente aoRegulamento do transporte de produtosperigosos, à medida que ainda usam amesma carreta sem a instalação domecanismo que impede o vazamento doóleo transportado. Destarte, continuamas rés negando valor ao maior bemjurídico tutelado, a vida humana, àsvidas humanas por onde trafega omulticitado caminhão-tanque.

O cr i tér io de f ixação daindenização em questão, ao revés doperseguido pelas recorrentes, nãoguarda relação com a multa previstano artigo 477 da CLT. O valor devemit igar a dor sofr ida. Dar algumconforto ao lesado em contraposiçãoà lesão de sua integridade psicofísica.É de se considerar que a indenizaçãopor danos morais deve ter tambémcaráter pedagógico e deve levar emconta o porte dos réus e a condiçãosocial do autor, de molde a nãoconstituir fonte desproporcional deenriquecimento da parte autora e deempobrecimento da parte ré. Comesse desiderato, à luz dos princípiosda razoabi l idade e daproporcionalidade, considerando aculpa grave das rés e as graves lesõesocasionadas no autor, conformedocumentos já mencionados, queculminaram com sua inval idezdecretada pelo INSS, majoro o valorda indenização por danos morais paraR$200.000,00 (duzentos mil reais).Julgo razoável esse valor, na esteirados princípios da razoabilidade e da

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proporcionalidade, à vista das graveslesões sofridas, das terríveis doresacarretadas pelo óleo a 150 grauscentígrados no corpo do autor, dadeformidade no braço (bem descritano laudo), da culpa grave das rés, docaráter pedagógico, que seria nulodiante do grande porte da Shell, maiorresponsável pelos danos, e diante docomando que exercia e deveriaexercer no transporte de seusprodutos, como restou sobejamentedemonstrado.

Mantenho também a sentençano ponto em que condenou asreclamadas ao pagamento dasdespesas de internação hospitalar eaquelas decorrentes de tratamentomédico, gastos com medicamentos einternações hospitalares, assim comoexames clínicos e laboratoriais e cirurgianos exatos termos da decisão recorrida(sentença, f. 1270/1271 c/c embargosde declaração, f. 1320),independentemente de possibilidade decusteio pela Previdência Social ou SUS,porque a condenação imposta fezmenção a tratamentos particulares enão pela rede pública (f. 1319) até oefetivo restabelecimento, conforme seapurar em execução.

Não obstante as graves lesõessofridas, mantenho a sentença no quese refere ao indeferimento do pleito decusteio de banhos de mar pelasreclamadas em favor do autor, nostermos da fundamentação esposada àf. 1271. Pelas graves lesões sofridasdefer i ram-se pensão mensal eindenização por danos morais, alémde indenização pelas despesasmédicas. Julgo objet ivamentesuficiente. Há de se compreender que,quanto aos danos e às dores sofridas,não há valor em dinheiro que osapague. Dentro dos pr incípiosjurídicos regentes da espécie, a

questão restou bem solucionada coma ampliação da indenização por danosmorais para R$200.000,00 (duzentosmil reais).

Incabível o pedido decompensação do valor recebido a títulode seguro de vida (vejam-sedocumentos de f. 539, 560/568; laudo,f. 1008, n. 06) com o da condenaçãoimposta na origem e ora majorada,porque distintos e inconfundíveis, naesteira do decidido em primeiro grau (f.1271/1272).

O pedido de honorár iosadvocatíc ios formulado peloreclamante em seu apelo (f. 1315/1316) representa inovação em graurecursal, não podendo ser apreciadopor esta Casa Revisora, sob pena desupressão de instância. Al iás,observando-se os limites da lide, àmíngua de pedido na inicial, não tinhamesmo o órgão judicante de origemcomo enfrentar e dirimir a questão.Como se observa na inicial (f. 31),houve dedução de pedido dedeferimento de assistência judiciáriagratuita, nada mais. E essa matéria foiobjeto de decisão (f. 1272). Tendo emvista que a matéria é polêmica naJustiça do Trabalho, os honoráriosadvocatícios devem ser pleiteados,não podendo ser deferidos de ofício,para que não se suprima suaapreciação em primeira instância.

III - CONCLUSÃO

Conheço do recurso ordináriodas reclamadas. Rejeito as preliminaresde incompetência da Justiça doTrabalho em razão da matéria; denulidade da decisão recorrida porcerceio de defesa e por negativa detutela jurisdicional; de nulidade dadecisão recorrida por julgamento extra

petita; de ilegitimidade passiva ad

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causam das reclamadas e de deserçãodo recurso ordinário do autor. No mérito,dou provimento parcial apenas aorecurso da reclamada Transtassi para,em relação a ela, julgar improcedente opedido, negando provimento aosrecursos das reclamadas Shell,Transcardoso e Mandel.

Conheço do recurso ordinário doreclamante. No mérito, dou-lheprovimento parcial para majorar o valorda condenação pela indenização pordanos morais para R$200.000,00(duzentos mil reais); determinar aincidência da indenização de 15%(quinze por cento) sobre o valor total desua remuneração, ou seja, sobre obenefício previdenciário somado àpensão mensal deferida. Mantenho,quanto ao mais, os comandos dasentença de primeiro grau.

Arbitro a condenação nestainstância em R$400.000,00, com custasadicionais de R$8.000,00, pelasreclamadas.

Determino à DSCPDF de 2ªInstância (Subsec. de Dist. de Feitos de2ª Instância) assim como à Secretariada Egrégia 4ª Turma que procedam àretificação do nome da reclamada Shellna capa dos autos, fazendo constarShell Brasil Ltda.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, pela sua QuartaTurma, primeiramente, determinou àDSCPDF de 2ª Instância (Subsec. deDist. de Feitos de 2ª Instância) assimcomo à Secretaria da Egrégia 4ª Turmaque procedam à retificação do nome dareclamada Shell na capa dos autos,fazendo constar Shell Brasil Ltda.;unanimemente, conheceu do recursodas reclamadas; sem divergência,rejeitou as preliminares de

incompetência da Justiça do Trabalhoem razão da matéria; de nulidade dadecisão recorrida por cerceio de defesae por negativa de tutela jurisdicional; denulidade da decisão recorrida porjulgamento extra petita; de ilegitimidadepassiva ad causam das reclamadas ede deserção do recurso ordinário doautor; no mérito, unanimemente, deuprovimento parcial apenas ao recursoda reclamada Transtassi para, emrelação a ela, julgar improcedente opedido, negando provimento aosrecursos das reclamadas Shell,Transcardoso e Mandel; semdivergência, conheceu do recursoordinário do reclamante; no mérito,unanimemente, deu-lhe provimentoparcial para majorar o valor dacondenação pela indenização por danosmorais para R$200.000,00 (duzentosmil reais); determinar a incidência daindenização de 15% (quinze por cento)sobre o valor total de sua remuneração,ou seja, sobre o benefício previdenciáriosomado à pensão mensal deferida.Mantidos, quanto ao mais, os comandosda sentença de primeiro grau. A Eg.Turma arbitrou a condenação nestainstância em R$400.000,00, com custasadicionais de R$8.000,00, pelasreclamadas.

Belo Horizonte, 08 de novembrode 2006.

JÚLIO BERNARDO DO CARMORelator

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TRT-00166-2005-135-03-00-4-ROPubl. no “MG” de 14.12.2006

RECORRENTE: UNIÃO FEDERALRECORRIDOS: EDMAR CARLOS DA

COSTA (1)USIVAL - USINA SIDERÚRGICAVALADARES LTDA. (2)MARCUS VINÍCIUS GONZAGASILVA (3)

EMENTA: ASSISTÊNCIAJUDICIÁRIA NA JUSTIÇA DOTRABALHO - LEI N. 5.584, DE1970 - SEM QUE SEJAPRESTADA PELO SINDICATO,APENAS ISENÇÃO DECUSTAS. Quando o legisladortrabalhista endereça àorganização sindical dacorrespondente categoriaprofissional a prestação daassistência judiciária,propiciando-lhe arrecadarvalores, ao tempo em que a elacomina solidariedade quanto adespesas processuais, noexercício do direito de escolhapela parte, quanto a patrocínioparticular de defesa de seusinteresses, em sede de justiçagratuita, apenas cabe odeferimento de isenção decustas, não a alforria quanto ahonorários periciais, atéporque o técnico que atuecomo auxiliar do juízo prestaserviços, que necessariamentedevem ser retribuídos, dondenão se inserir no ideal dejustiça a concessão degratuidade a um trabalhador,exigindo, com isto, que outrotrabalhador preste serviçosgratuitos. A previsão do incisoLXXIV do art. 5º da Constituiçãoda República não revoga a

legislação ordinária quedisponha acerca da assistênciajudiciária gratuita, o queimplica a recepção da Lei n.5.584/1970 e a exaustivaexigência dela ser prestadapelo sindicato profissional.

Vistos, relatados e discutidos ospresentes autos de recurso ordinário,interpostos contra decisão proferidapelo MM. Juiz da 3ª Vara do Trabalhode Governador Valadares em quefiguram, como recorrente, União Federale, como recorridos, Edmar Carlos daCosta, USIVAL - Usina SiderúrgicaValadares Ltda. e Marcus ViníciusGonzaga Silva, como a seguir se expõe:

RELATÓRIO

O MM. Juiz da 3ª Vara doTrabalho de Governador Valadares, pelar. sentença de f. 134/137, acrescida dadecisão de embargos de declaração def. 143/144, cujos relatórios adoto e aeste incorporo, julgou improcedentes ospedidos iniciais, condenando a UniãoFederal no pagamento dos honoráriospericiais.

Tardiamente intimada dadecisão, depois de julgado o recursointerposto pelo reclamante, a UniãoFederal opõe recurso ordinário às f. 179/218, insurgindo-se contra a condenaçãono pagamento dos honorários periciais,invocando o Provimento n. 04/2006deste Regional e sustentando queinexiste responsabilidade da Uniãoquanto aos honorários periciais.

Pede provimento.Contra-razões às f. 225/228.Parecer da douta Procuradoria

do Trabalho às f. 231/232 peloconhecimento e desprovimento doapelo.

É o relatório.

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VOTO

1. Admissibilidade

Conheço do recurso ordinário,eis que a União Federal não foi intimadada decisão de primeiro grau, conformedespacho de f. 176. Sanado o defeitocom a competente intimação, foi aviadoo recurso a tempo e modo comrepresentação regular.

2. Mérito

O que sobe ao exame desteTribunal diz respeito com a imputaçãoà União Federal para responder peloshonorários da perícia médica realizada,arbitrados em R$800,00 (f. 136),condenação fundada naresponsabilidade dela diante dodeferimento da justiça gratuita.

O i. juiz sentenciante entendeuque, pelo benefício de gratuidadedeferido ao reclamante, devem oshonorários periciais ser suportados pelaUnião Federal.

É certo que a Constituição daRepública de 1988, em seu art. 5º,incluiu o inciso LXXIV, estatuindo que:

o Estado prestará assistênciajurídica integral e gratuita aosque comprovarem insuficiênciade recursos.

Acerca deste dispositivo, oSupremo Tribunal Federal, com aautoridade que lhe é dada pelo art. 102da Carta Magna, a de CorteConstitucional a quem cabe o jus dicere

na Norma Fundamental e do nelacontido, tem proclamado que tal norma

não revogou a de assistênciajudiciária gratuita da Lei n. 1.060,de 1950, aos necessitados, certo

que, para obtenção desta, bastaa declaração, feita pelo própriointeressado, de que a suasituação econômica não permitevir a juízo sem prejuízo da suamanutenção ou de sua família.(RE 205.746 - 1 - RS, 2ª Turma,RT 740/233 - no mesmo sentidoRE 207.382 - 2 - RS, RE 204.305- 2, RE 205.00 - RS, da 1ª Turma)

No RE 205.029 - 6 - RS, a Eg. 2ªTurma da Corte Suprema, voltando areafirmar o entendimento de que aprevisão do art. 5º da CF não revoga ada assistência judiciária gratuita da Lein. 1.060/1950, ementou:

Essa norma infraconstitucionalpõe-se, ademais, dentro doespírito da CF, que deseja queseja facilitado o acesso de todosà Justiça (CF, art. 5º, XXXV).

Alia-se a isto a afirmaçãodaquele Tribunal de que:

O dever de assistência judiciáriapelo Estado não se exaure com oprevisto no art. 5º, LXXIV, daConstituição, razão por que oreconhecimento, no caso, daresponsabilidade dele pelopagamento à recorrida peloexercício da curadoria especial,a que alude o art. 9º, II, do CPC,não viola o disposto no referidodispositivo constitucional, por nãose estar exigindo do Estado maisque a Carta Magna lhe impõe.(RE 223.043 - 1 - SP, RT 789/161)

Importa reter que “o dever deassistência judiciária pelo Estado nãose exaure com o previsto no art. 5º,LXXIV, da Constituição”. Portanto, não

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há revogação de normas ordináriasacerca de justiça gratuita e assistênciajudiciária pelo inciso LXXIV do art. 5º daCarta Magna. Significa que estedispositivo não é absoluto, e não implicaque apenas o Estado deva prestar aassistência gratuita.

Significa dizer que o Estadopode, validamente, delegar aassistência judiciária gratuita, eexatamente isto está subsistentementefeito pela Lei n. 5.584/1970 no âmbitoda Justiça do Trabalho.

O art. 14 da Lei n. 5.584/1970estatui:

Na Justiça do Trabalho, aassistência judiciária a que serefere a Lei n. 1.060, de 5 defevereiro de 1950, será prestadapelo Sindicato da categoriaprofissional a que pertencer otrabalhador.

O legislador ordinário cuidou deainda incluir na Lei n. 5.584/1970 o art.17, prevendo:

Quando, nas respectivascomarcas, não houver Juntas deConciliação e Julgamento (leia-se Varas do Trabalho) ou nãoexistir Sindicato da categoriaprofissional do trabalhador, éatribuído aos PromotoresPúblicos ou Defensores Públicoso encargo de prestar aassistência judiciária previstanesta Lei”, não sem dispor que“A assistência judiciária, nostermos da presente lei, seráprestada ao trabalhador aindaque não seja associado dorespectivo Sindicato. (art. 18)

Deve-se anotar que a normalegal em referência ainda estabeleceu

a fonte de recursos para o custeio daassistência judiciária, cometendohonorários pagos pelo vencido emproveito do Sindicato assistente (art.16), e na hipótese dela ser prestada porPromotores ou Defensores Públicos, averba destina-se ao Tesouro dorespectivo Estado (parágrafo único doart. 17).

Assim, até que outra norma legaldisponha diferentemente, a assistênciajudiciária na Justiça do Trabalho há deser prestada apenas pela organizaçãosindical da categoria profissional.

Aliás, acerca da recepção pelaConstituição da República docometimento da assistência judiciária,na Justiça do Trabalho, pautado pela Lein. 5.584/1970, a 2ª Turma desteRegional já a afirmou, quando dojulgamento do RO-21.513/99 (DJ11.10.2000), secundando a seguintetese:

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA PELOSINDICATO PROFISSIONAL. AConstituição Federal de 1988recepcionou a assistênciajudiciária cometida à EntidadeSindical Profissional pela Lei5.584/70, não havendo qualquerincompatibilidade com a previsãodo inciso LXXIV do art. 5º da CartaMagna, à concorrenteinstrumentação de ser prestada(art. 22, XIII) e de caber àorganização sindical a defesa dosdireitos e interesses individuais ecoletivos da Categoria (art. 8º, III).

Permito-me reproduzir oscorrespondentes fundamentos queapresentei, como razão decisória docaso vertente:

Com o advento da Lei5.584/70, a assistência judiciária,

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no processo do trabalho,alcançou a Entidade SindicalProfissional como a habilitada àsua prestação, dando-lhe olegislador fonte de recursos parabancá-la.

A superveniência daConstituição Federal de 1988,dispondo ser atribuição doEstado prestar a assistênciajudiciária, d.v., não trouxe arevogação daquela normainfraconstitucional, pois que temo quilate de consentir, a partir doEstado, a atribuição concorrentee ou suplementar de serefetivada dita assistênciajudiciária.

A cláusula contida noinciso LXXIV do art. 5º da CartaMagna (o Estado prestaráassistência jurídica integral egratuita aos que comprovareminsuficiência de recursos) nãotem o sentido de restritaatribuição funcional, mas decometer dar cumprimento àefetividade da assistênciajurídica.

Trata-se de “Estado”, navisão do conjunto dos poderespolíticos de uma nação, o quemais se faz agudo com o art. 22,inciso XIII, da mesmaConstituição, prevendo acompetência concorrente daUnião, Estados e Distrito Federalpara legislar sobre “assistênciajurídica e defensoria pública”.

Isto significa que aquelesdois primeiros Entes em apreçosão talhados às providências dedar efetividade aquele cânon daprestação da assistência jurídica,certo que ao Primeiro incumbe aDefensoria Pública do DistritoFederal (art. 21, XIV).

No âmbito de suacompetência a União editou a Lei5.584/70, atribuindo ao SindicatoProfissional da Categoria dointeressado prestar-lhe aassistência judiciária,conferindo-lhe fonte de custeio.

Como se constata, estanorma em nada seincompatibiliza com a novelordem constitucional, pelo querecepcionada pela Constituiçãosuperveniente, na medida emque é esta a que comanda, sematuação funcional privativa, arealização daquela assistência,o que se comporta ao figurino decometimento da legislaçãoordinária.

Aliás, não se deve perderde vista a previsão do inciso IIIdo art. 8º da ConstituiçãoFederal, no sentido de atribuir àEntidade Sindical a defesa dosdireitos e interesses individuaise coletivos da Categoria, o queinduvidosamente alcança,apreendendo a máximarecepção da Lei 5.584/70, noaspecto do que se aprecia.

No caso dos autos o reclamantenão é assistido pelo Sindicato, estandoo patrocínio da sua defesa atribuído aadvogado particular, nos termos doinstrumento de mandato outorgado peloora recorrido (f. 14).

Dessa forma, o que se tem é,data venia, a inviabilidade de se isentaro pagamento de honorários periciaiscometendo o respectivo pagamento àUnião Federal.

Nesse tema a Egrégia 2ª Turmajá adotou tal entendimento, sendoexemplo a decisão proferida na sessãode 13.03.2001, no julgamento do ROPS-670/01 (DJ 20.03.2001), pelo que

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apresento, transcrevendo, a pertinentefundamentação, que aplicodecisoriamente à espécie:

Tenho sustentado que aassistência judiciária na Justiçado Trabalho é cometida ao EnteSindical Profissional, e quandonão é este o caso concreto -como nesta espécie -, a isençãodirige-se exclusivamente àscustas.

Há que se ter em menteque assistência judiciária égênero, e justiça gratuita,espécie, esta última comsignificado de isenção depagamento de preparonecessário do processo.

Àquela corresponde opróprio patrocínio da causa, comalcance desta que é isencional.

Diante da Lei 5.584/70 tercomandado a assistênciajudiciária ao Sindicato daCategoria Profissional, propósitoque me leva a reiterar quequando tal é concretizado emautos de processo a parteassistida não responde porencargo algum, pois por este sefaz responsável o Assistente, queem nível de custas é comandadocomo solidário. Quando opatrocínio da causa é deadvogado particular, não se devefalar em assistência judiciária,mas, com a prova danecessidade, conferir-se aisenção do recolhimento dascustas - como entendo, esustento, para o que me permitobem delinear a distinção quefaço com a transcrição de igualentendimento que se contém comotese jurídica no ED-5.532/98,alusivo ao RO-24.781/97:

“ A S S I S T Ê N C I AJUDICIÁRIA SINDICAL EGRATUIDADE DEDESPESA PROCESSUAL- INVIABILIDADE DESTA- O Sindicato Profissionalque presta assistênciajudiciária é responsávelpelas despesasprocessuais a cargodaquele que é seuassistido, exegesefulcrada na interpretaçãosistemática do sistemajurídico pátrio.

A exegese do § 7ºdo art. 789 da CLT conduzao entendimento de quea assistência do EnteSindical capta aresponsabilidade solidáriadeste em face dasdespesas processuais, oque é óbice ao acolhimentodaquela. Aliás, não teriaoutro sentido a norma queimpõe a responsabilidadesolidária da EntidadeSindical que presta aassistência no feito, comoaqui ocorre, o que captaa lembrança do princípiode que a lei não tem e nãoutil iza palavras ouexpressões estéreis ouinúteis.

É dizer que odeferimento da gratuidadetem o suposto de a partenão ter como arrecadarvalor pecuniário parapagar uma despesa doprocesso, que é da suaresponsabilidade.

Diferente disto é aparte estar judiciariamente

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assistida e, por isto, nãose poder conferir aisenção do pagamentodos honorários periciais.A distinção se avulta naverificação de que já nãose cuida de presumirincapacidade financeirado demandante porqueseu assistente judiciáriorecebe o comando legalde, além do patrocínio dacausa, o de respondersolidariamente pelasdespesas processuaisque caibam ao assistido,de modo que lhecorresponde acapacitação de responderpelo custo do trabalho deprofissional, prestado emfunção de um pedidodeduzido no feitopatrocinado.

Em situações quetais, aludir-se àgratuidade de justiça ésofismar com aprincipiologia em que seassenta a moldura daisenção de encargoprocessual pormiserabilidade. É subtraira ordem de solidariedadeque a lei prescrevee x p r e s s a m e n t e ,importando em arrostar-se a interpretaçãosistemática que conduz aque se aprecie uminstituto jurídico segundoas variáveis dispostasnas diversas normas,formando um todointelectivo que não pode,mínimo que seja, serdesviado.

Como a leiconsolidada prescreve asolidariedade do SindicatoProfissional que presta aassistência judiciária, équestão de intelecção daquadra normativainfraconstitucional aconclusiva de estarafastada a gratuidade dedespesas processuaistrabalhistas a empregadonecessitado porqueaquele que o assiste é oque deve suportar comestas. A finalidade doconteúdo daquelaassistência é excluir aincapacidade financeiracomo frustradora dodireito de agir pelo temordo necessitado ainda terde arcar com as despesasconseqüentes da suasucumbência, e a partir danormação atributiva aoEnte Sindical Profissionaldaquele munus, sendo-lhepropiciado recursos, nãose concede a isençãoàquele porque é encargodeste, sob a veste dasolidariedade, suportá-las.

É juridicamenteimpossível abandonar-sea sistematização doDireito Positivo para, comolvido dessa e alegaçãoexcludente daquela outranorma, enveredar-se emcaminho de busca deresultado favorável aointeresse do litigante,porque a premissa de talprocedimento é tisnadana sua própria máculabasilar. O conjunto de leis

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é harmônico eabrangente, de sorte quea interpretação que sepossa dar a uma, ou aalgumas, jamais podelevar à desautorização ouinfirmação de outra(s), àirmanação delas àquelatessitura e fonteautorizativa de todas asnormas, a Constituição.

Credenciado oEnte Sindical Profissionala prestar assistênciajudiciária a membro darespectiva Categoria,diante do que a normalegal autoriza a atribuiçãode honorários advocatíciospor tal assistência, vendo-se que também a leicomete a responsabilidadesolidária do mesmo EnteSindical por despesasprocessuais em processoem que ele seja oassistente judiciário, ainteireza do SISTEMAJURÍDICO, pautada pelainterpretação sistemática,importa em que não sedeve conceder agratuidade ao Reclamantejudiciariamente assistidopelo seu SindicatoProfissional, porque este éque tem de responderpelos encargosprocessuais dasucumbência.

Assim não fosse,estar-se-ia diante def o r m i d á v e li r responsab i l i zação ,credenciando patrocíniosinconseqüentes, despidosde qualquer risco, quando

os riscos da demanda nãopodem ser alforriados.Gratuidade de justiça, emcasos assim, comportama responsabilidade daEntidade Sindicalassistente, precisamenteporque, ainda assim, onecessitado estarádesobrigado de despesasque comprometam suasobrevivência.

Ininteligível seria oinstituto que resguarda oacesso ao Judiciário aosnecessitados, quando aindividualidade ésuperada para aportar-seem Entidade que a próprialei atribui, validamente, aresponsabilidade pelasdespesas processuais, ateor do § 7º do art. 789 daCLT, e em face de quem,em havendo sucesso nademanda, a mesma lei -leia-se, direito positivo -credencia outorga deverba honorária.”

Em vista disto, estaria em serpossível o deferimento da justiçagratuita quanto às custas.

Na realidade, quando olegislador trabalhista endereça àorganização sindical da categoriaprofissional correspondente aprestação da assistência judiciária,propiciando-lhe arrecadar valores, aotempo em que a ela cominasolidariedade quanto a despesasprocessuais, o exercício do direito deescolha pela parte, quanto a patrocínioparticular de defesa de seus interesses,em sede de justiça gratuita, apenascabe o deferimento de isenção de

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custas. Não a alforria quanto ahonorários periciais, até porque otécnico que atue como auxiliar do juízopresta serviços, que necessariamentedevem ser retribuídos, donde não seinserir no ideal de justiça a concessãode gratuidade a um trabalhador,exigindo, com isto, que outrotrabalhador preste serviços gratuitos.

A previsão do inciso LXXIV doart. 5º da Constituição da República nãorevogou a legislação ordinária quedispõe acerca da assistência judiciáriagratuita, o que implica a recepção daLei n. 5.584/1970 e a exaustivaexigência dela ser prestada pelosindicato profissional.

Acresço a todos estesfundamentos um outro mais.

A Lei n. 11.100, de 25 de janeirode 2005, publicada no DOU de 26 dejaneiro de 2005, que aprovou oOrçamento da União para aqueleexercício, destinou recursos para contaprópria, denominada “Programa deTrabalho Assistência Jurídica a PessoasCarentes”, justamente para cobrirdespesas de honorários periciais, paraas situações em que comprovado queo assistido, pobre, não pode atender nocurso do processo, ainda queparcialmente, os honorários fixados pelojuiz.

Entendo, portanto, que a UniãoFederal já arca com os valores, dentrodas possibil idades dos recursosdestinados a esta conta, que secomporta dentro do orçamento público,aprovado anualmente, lembre-se, peloque sua condenação afigura-seabsolutamente desnecessária.

Neste sentido foi editado oProvimento n. 01/2005, substituído peloProvimento n. 04, de 25 de maio de2006, aprovado pela ResoluçãoAdministrativa n. 84/2006 (DJMG de01.06.06).

Se o montante ordenado para aConta Programa é insuficiente paraquitação da integralidade dos valoresestipulados em sentença, a questãoultrapassa a atuação judicial domagistrado, impelindo a atuação políticadas entidades da sociedade civildiretamente interessadas no assunto,no sentido de instar a ampliação dosrecursos inscritos no Orçamento daUnião para a Conta Programa. Atuaçãoprivativa do Poder Legislativo que nãoa delegou ao Poder Judiciário.

Nestes termos, dou provimentoao apelo, para excluir da sentença acominação imposta à União Federalquanto ao pagamento de honoráriospericiais, que devem ser debitados àConta Programa na forma discriminadano Provimento n. 04/2006 desteRegional.

3. Conclusão

Ante o exposto, conheço dorecurso ordinário, e, no mérito, douprovimento ao apelo da União Federalpara excluir da sentença a cominaçãoque lhe foi imposta quanto aopagamento de honorários periciais, quedevem ser debitados à Conta Programana forma discriminada no Provimento n.04/2006 deste Regional.

Motivos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, em sessão da suaSexta Turma, hoje realizada, analisou opresente processo e preliminarmente, àunanimidade, conheceu do recurso; nomérito, sem divergência, deuprovimento ao apelo da União Federalpara excluir da sentença a cominaçãoque lhe foi imposta quanto aopagamento de honorários periciais, quedevem ser debitados à Conta Programa

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na forma discriminada no Provimento n.04/2006 deste Regional.

Belo Horizonte, 04 de dezembrode 2006.

ANTÔNIO FERNANDO GUIMARÃESRelator

TRT- 00391-2006-105-03-00-0-ROPubl. no “MG” de 21.09.2006

RECORRENTES: 1 - FEDERAÇÃO DOCOMÉRCIO DO ESTADO DEMINAS GERAIS2 - JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVACOMÉRCIO, PARTICIPAÇÕESE EMPREENDIMENTOS S.A.

RECORRIDOS: OS MESMOS E SINDICATODAS EMPRESAS DE CONSULTORIA,ASSESSORAMENTO, PERÍCIAS,INFORMAÇÕES, PESQUISAS EEMPRESAS DE SERVIÇOSCONTÁBEIS NO ESTADO DEMINAS GERAIS - SESCON/MG ESINDICATO DO COMÉRCIOATACADISTA DE TECIDOS,VESTUÁRIO E ARMARINHO DEBELO HORIZONTE

EMENTA: CONTRIBUIÇÃOSINDICAL - ENQUADRAMENTO.Ao sindicato cumpre protrairrepresentatividade às empresasque realmente nela secontenham, cuidando para nãoinvadir representação de outrossindicatos, como coroláriotambém do enquadramentonaturalmente decorrente. O atoconstitutivo do sindicato autornão inclui representatividade dacategoria econômica dasholdings. Estas não compõemcategoria econômica dasempresas e organizações

individuais de serviçoscontábeis, consultoria,assessoramento, perícias,informações e pesquisas noEstado de Minas Gerais.Expressa previsão no quadro deatividades e profissões a quealude o artigo 577 da CLT.Legislação infraconstitucionalrecepcionada pela Carta Políticavigente. Segmento patronal queé refratário à contribuiçãosindical perquirida por defecçãoatribuída à representação.

Vistos, relatados e discutidosestes autos de recurso ordinário,oriundos da 26ª Vara do Trabalho deBelo Horizonte, MG, em que figuram,como recorrentes, Federação doComércio do Estado de Minas Gerais eJosé Alencar Gomes da Silva Comércio,Participações e Empreendimentos S.A.,e, como recorridos, os mesmos eSindicato das Empresas de Consultoria,Assessoramento, Perícias,Informações, Pesquisas e Empresas deServiços Contábeis no Estado de MinasGerais - SESCON/MG e Sindicato doComércio Atacadista de Tecidos,Vestuário e Armarinho de BeloHorizonte, como a seguir se expõe:

RELATÓRIO

O MM. Juízo da 26ª Vara doTrabalho de Belo Horizonte, através dar. sentença de f. 608-620, rejeitou aspreliminares de incompetência em razãoda matéria, de não cabimento dadenunciação da lide, de inépcia dapetição inicial e prevenção de outro juízopor conexão, e julgou os pedidosformulados procedentes, para condenarJosé Alencar Gomes da Silva Comércio,Participações e Empreendimentos S.A.a pagar contribuições sindicais

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referentes ao ano de 1995, com a multaprevista no artigo 600 da CLT, bem comoas dos anos de 1998 a 2001, nos termosdo artigo 76 do CPC, ao Sindicato dasEmpresas de Consultoria,Assessoramento, Perícias,Informações, Pesquisas e Empresas deServiços Contábeis no Estado de MinasGerais - SESCON/MG. Apreciando adenunciação da lide, condenou aFederação do Comércio do Estado deMinas Gerais juntamente com oSindicato do Comércio Atacadista deTecidos, Vestuário e Armarinho de BeloHorizonte a ressarcir à denunciante,José Alencar Gomes da Silva Comércio,Participações e Empreendimentos S.A.,as contribuições sindicaisindevidamente recebidas, cabendo àFederação devolver aquelas atinentesao ano de 1995 e ao sindicato aquelasreferentes aos anos de 1998 a 2001. Aempresa reclamada foi instada a arcarcom os honorários advocatícios em proldo sindicato autor, no percentual de 15%sobre o valor da condenação, e tambémcom as custas processuais deR$1.600,00, calculadas sobreR$80.000,00, valor arbitrado àcondenação. Os denunciados da lidereembolsarão à denunciante parte dovalor das custas processuais,calculadas à base de 2% sobre osvalores que deverão ressarcir à mesma,a título de contribuições sindicaisindevidamente recebidas, definidas emR$100,00 pela Federação, arbitrado emR$5.000,00 o valor da condenação a elaimposta e em R$400,00 pelo sindicato,arbitrado em R$20.000,00 o valor dacondenação a ele imposta.

Opostos embargos dedeclaração pela empresa José AlencarGomes da Silva Comércio,Participações e Empreendimentos S.A.(f. 623-626), que foram conhecidos ejulgados improcedentes (f. 627-629).

Recurso ordinário pelaFederação do Comércio do Estado deMinas Gerais às f. 630-634, alegandoviolação dos incisos I e IV do artigo 8ºda Constituição da República aodesconsiderar o enquadramentosindical pela Confederação Nacional doComércio - CNC em relação aoSESCON/MG, no que promoveuinterferência direta na mesma estruturasindical. Ressaltou que o estatuto daFederação prevê, de forma clara etextual, a representação das empresasholding. A consultoria e oassessoramento mencionados noestatuto do SESCON/MG limitam-se àárea contábil.

Comprovado o preparo dascustas processuais e depósito recursal(f. 635-636).

Contra-razões às f. 639-652.Recorreu igualmente José

Alencar Gomes da Silva Comércio,Participações e Empreendimentos S.A.(f. 653-637). Suscitou nulidades dojulgado lacunoso e insuficientementefundamentado, homiziando-se oenfrento da questão prescricional deeventual débito no exercício 1995 (artigo174 do CTN), tampouco das provaspostuladas com vistas à demonstraçãopor laudo técnico, evidenciando cerceiodo direito de defesa, e da absurda multaque revela verdadeiro confisco. Nomérito, em síntese, ressalta seu objetosocial, que é comércio, importação eexportação de fios e tecidos e aparticipação em outras sociedadescomo acionista, cotista ou associada. Aempresa holding não pertence àcategoria econômica representada pelosindicato recorrido, pois constituído parafins de estudo, coordenação erepresentação legal da categoriaeconômica das empresas eorganizações individuais de serviçoscontábeis, consultoria, assessoramento,

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perícias, informações e pesquisas noEstado de Minas Gerais. Nadarelacionado com o comércio, aimportação e a exportação de fios etecidos e a participação em outrassociedades ou mesmo holding departicipações societárias, ainda porquenão está adstrita apenas à participaçãoem outras empresas, essa participaçãoé apenas um de seus objetivos, mas nãohá exclusividade quanto a esse tema,além do que não possui a administraçãodas sociedades de que participa comoacionista ou como cotista, devendo sertomado do artigo 579 da CLT. Reitera oreconhecimento da ilegitimidade dacobrança proposta. Eventualmente,retoma a questão da multa excessivaconfigurando confisco, propondo ocancelamento ou arbitramento empatamar razoável, em razão de ter feitoos recolhimentos dos exercícios 1995/2001 às entidades sindicais, por forçade regular enquadramento, feito porquem de direito. Quanto à absolviçãodas denunciadas à lide no pagamentode honorários advocatícios, alentou queo pedido foi expresso na defesa. Adenunciação da lide da federação e dosindicato pela cobrança e recebimentodas contribuições sindicais só foideferida depois da apresentação dadefesa e somente formalizada após ojulgamento definitivo do agravo deinstrumento manifestado pelo SESCONpelo Egrégio Tribunal de Justiça - TJMG,podendo mesmo ser aplicada a Súmulan. 256 do STF.

Depósito recursal e pagamentodas custas processuais comprovados (f.674-675).

Contra-razões do SESCON/MGàs f. 676-692.

Dispensado o parecerconsubstanciado do Ministério Públicodo Trabalho.

É o relatório.

VOTO

1. Admissibilidade

Preenchidos os pressupostosintrínsecos (cabimento, legitimação pararecorrer, interesse em recorrer einexistência de fato impeditivo ouextintivo ao poder de recorrer), e osdemais extrínsecos (tempestividade,preparo das custas processuais,depósito recursal e regularidade formal),conheço dos recursos.

2. Mérito

2.1. Nulidades da sentença -Argüição pela empresa demandada

2.1.1. Paga inexata daprestação jurisdicional -Cerceamento de defesa

Alegou a empresa recorrente ter-se aviado na sede declaratória com ofim de aclarar pontos essenciais da lide,com isso, obtendo prestaçãojurisdicional completa. Tais pontospodem ser arrolados em suma:cobrança de contribuições (tributos emsentido amplo) desapercebida deinscrição e lançamento em desatençãoao CTN; prescrição do crédito tributáriorelativo ao exercício de 1995; nãoidentificação dos valores cobrados atítulo de contribuição sindical relativa acada exercício, tampouco asnecessárias indicações quanto aocálculo dos juros moratórios e aoabsurdo da multa aplicada, revelandoconfisco; julgamento sem permitir-lhe aprova dos fatos através de períciatécnica em evidente cerceio do direitode defesa; reconhecimento dasucumbência dos denunciados à lide adevolver importâncias recebidasindevidamente a título de contribuições

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sindicais patronais sem a condenaçãodelas na verba de patrocínio àconsideração de julgamento extra petita.

Primeiramente, o art. 136 doCPC permite a passagem dos autos aosubstituto na eventualidade de umsimples afastamento do titular. Não há,portanto, razão para o retrocessorepresentado pela tese de que oprincípio da identidade física do juiz, emespecial se a cronologia já não nosdeixa ver o concurso da atuação darepresentação classista naperfectibilização do julgado, após aentrada em vigor da EmendaConstitucional n. 24/99, que a extinguiu.

Conseqüentemente, aplico asSúmulas n. 136 do TST e n. 222 doExcelso STF.

Encerrada a instruçãoprocessual com aquiescência daspartes (f. 606), que declararam nãoterem mais provas a produzir, nãoprospera a argüição de cerceio dodireito de defesa.

Os motivos que deram azo àconvicção foram expostos compercuciência pelo MM. Juízo a quo,como revela a r. sentença de f. 608-620,que não acolheu as teses deduzidaspela empresa, condenando-a, devendoser lembrado que o juiz não está adstritoa julgar a questão de acordo com opleiteado, mas com o seu livreconvencimento (art. 131 do CPC),util izando-se dos fatos, provas,jurisprudência, aspectos pertinentes aotema e da legislação que entenderaplicável ao caso.

Os embargos de declaração def. 627-629 não admitiram ao mérito oitem terceiro dos declaratórios opostos,ou a constituição de crédito tributário,muito menos a questão prescricional eexame da verba de patrocínio (itemsétimo), eis que não apontada qualqueromissão, desafiando o meio conducente

de pronto. Portanto, não conhecidos dosdeclaratórios quanto aos itens 3, 4 e 7.O mérito deles não constatouomissividades (valores exigidos a títulode contribuição sindical e de multa,caracterizando confisco - item quintodos embargos). Houve condenação nopagamento dos valores do espelho def. 62, tendo sido apontados, portanto.

Importa, contudo, que o d. juízode origem não deixou de oferecer suaprestação; apenas refutou algumaspretensões da defesa com base noselementos dos autos, concluindo deforma diversa da pretendida.

A partir daí, trago à lembrança queo juízo não está adstrito aos fundamentosdas partes para decidir o tema trazido àapreciação, podendo ter as suaspróprias razões que, uma vez expostas,solvem a controvérsia. Não importa queas partes entendam diversamente dodecidido, porque, se isto lhes é possíveladuzir, hão de fazê-lo em recursopróprio, não no leito da via estreita dosembargos de declaração.

Os embargos introduziramdiscussão incompatível com a ratio

decisória, em alguns pontos novidadeira.Assim, os questionamentos não

poderiam mesmo obter resposta,mormente em sede dos declaratórios,que têm a finalidade específica deesclarecer o julgado, afastandoeventuais obscuridades oucontradições, ou complementá-lo, casoomisso em algum ponto sobre o qualdevesse se pronunciar. É a dicção doartigo 535 do CPC.

Quer isso significar a inaptidãodos embargos para que a empresapudesse fazer valer a sua pretensão,frontalmente contrastante com oentendimento declinado, não sefirmando a alegada violação depostulados constitucionais ou dedispositivos de lei.

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Ademais, incide, em taishipóteses, a regra insculpida no art. 515,do Código de Processo Civil, segundoa qual o recurso devolve ao Tribunal oconhecimento da matéria impugnada,sendo objeto de apreciação ejulgamento todas as questões noprocesso, ainda que a sentença não astenha julgado por inteiro.

Reverenciados os artigos 93,inciso XI, e 5º, inciso LV, da CartaMagna, 832 e 794 da CLT, mais 458 e535 do CPC.

Argüição injustificada.

2.2. Contribuições assistenciais

A partir desta epígrafe,examinarei em conjunto ambos osrecursos.

2.2.1. A quem se devem pagaras contribuições sindicais?

A suma dos recursos convergepara violação dos incisos I e IV do artigo8º da Constituição da República, poisque abolida interferência do Estado naestrutura sindical e a r. sentença a quo,desconsiderando o enquadramentosindical determinado pela CNC emrelação ao SESCON/MG, negouvigência ao Texto Constitucional. Aquadra sindical deve ser feita pelaatividade preponderante da empresa. Oenvolvimento da holding, comparticipação em outras sociedades, nãose assemelha às atividadesdesenvolvidas pelas empresas deassessoramento. Caso de ilegitimidaderepresentativa pelo sindicato autor parao recebimento das contribuiçõesalmejadas.

“O Direito é uma ciênciaespeculativa quanto ao modo de saber,e prática quanto ao fim, porque o Direitoé para ser aplicado aos fatos

particulares e contingentes da vida”,ensinara João Mendes, citado porCândido de Oliveira Filho, in Direito

teórico e direito prático.Os princípios da Carta, sobre os

quais repousam essência e parâmetrosfundantes, que direcionam o sistemaordenado, verdadeiro sistema denormas fundamentais positivadas,exalta Canotilho: os princípiosconstitucionais são, assim, o cerne daConstituição, onde reside a suaidentidade, a sua alma (Fundamentosda Constituição).

Acerca do valor dos princípiosconstitucionais, preleciona a e.Professora Cármen Lúcia AntunesRocha (in Princípios constitucionais da

administração pública):

Os princípios constitucionaissão predeterminantes doregramento jurídico. As decisõespolíticas e jurídicas contidas noordenamento constitucionalobedecem a diretrizescompreendidas na principiologiainformadora do sistema deDireito estabelecido pelasociedade organizada emEstado.

Os princípiosconstitucionais têm uma funçãopositiva e outra negativa. A suafunção positiva consiste emafirmar a diretriz e o conteúdo dossubprincípios e do regramentojurídico que se põe à observânciados membros da sociedadeestatal. Conteúdo de todas asregulações jurídicas, os princípiosconstitucionais consistem emponto de partida e ponto dechegada de todas asinterpretações das normas, metado sistema posto. Então, oconteúdo de toda norma que o

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forma deve com eles se identificar,afirmando-se a sua validade pelasua coerência e compatibilidadecom eles. A função negativa dosprincípios constitucionais consisteem rejeitar a introdução nosistema normativo de qualquerconteúdo que se contraponha ouse incompatibilize com o quantoneles é estabelecido. No primeirocaso, tem-se a imperiosidade dainclusão, expressa ou implícita,na ordem normativa do conteúdoprincipiológico constitucional, detal modo que se lhe assegureconcretude e ampliação douniverso ao qual se aplique e selhe dê cumprimento. Na segundafunção, tem-se a imposição daexclusão, no sistema jurídico, deconteúdo que se contraponhaaos princípios acolhidosconstitucionalmente.

A hoje Ministra do SupremoTribunal Federal ainda leciona aobjetividade dos princípiosconstitucionais que impede que sejapermitida a seus aplicadores a opçãolivre de sentidos a serem deles extraídosnum determinado momento da vigênciado sistema jurídico. A dinâmica doentendimento sobre o seu postuladonão se embaraça ou se confunde comindefinição de significados que sepretenda ver nele. Até porque, se oDireito como sistema posto à vigênciaem determinada sociedade estatal nãofor uno, perde a possibilidade de serimpositivo e sancionatório; perde-se asua coercibilidade. A possibilidade deobjetivar o seu conteúdo e assegurar asua concretização é que garante aeficiência e a efetividade social e jurídicado sistema normativo. A objetividadenão afasta também a existência deconteúdos próprios plasmados

constitucionalmente em conceitosindeterminados em sua expressão, poisa objetividade dos princípiosconstitucionais exclui, por evidente,qualquer traço de subjetividade, porterem eles conteúdo próprio eidentidade singular revelados nainterpretação e na aplicação que aprática constitucional impõe.

Daí, pontificar que os princípiospositivam, de conseguinte, as diretrizessegundo as quais se interpreta todo oTexto Constitucional e se busca oentendimento do contexto no qual aConstituição vive e para a solução dosconflitos na qual ela se impõe, para,incensuravelmente, destacar:

...o predicado da aderência quecaracteriza os princípiosconstitucionais impossibilita quequalquer regulamentação jurídicaou qualquer comportamentoinstitucional do Estado ouindividual dos membros dasociedade política excepcionem-se das diretrizes vinculantesneles traçadas. OS PRINCÍPIOSCONSTITUCIONAIS MARCAM OSISTEMA JURÍDICO DE UMESTADO, demonstram-se emcada norma que nele seintroduza, apresentam-seesclarecendo o modelo básicoadotado como Direito e ostentamo ideário social e a ideologiajurídica a realçar o conteúdo e aforma de Justiça concretamentebuscada.

Com isto, permitindo-me oaforismo - “Saber as leis é conhecer-lhes, não as palavras, mas a força e opoder”, ou sentido e alcancerespectivos, volto a mostrar a maior dasessências, enfatizando que se defrontacom ESTADO FEDERATIVO, e este é

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conformação básica à apreciação dedisposição infraconstitucional.

Interpretar a lei édeterminar-lhe o verdadeirosentido. Interpretar é apreendera mens legis, o conteúdoespiritual da norma, seja parafixar-lhe corretamente o sentido,seja para determinar-lhe orespectivo campo de incidência.(MONTEIRO, Washington deBarros. Da interpretação das leis.Rev. Faculdade de Direito da

USP, v. 57)

Interpretar a lei é revelaro pensamento que anima suaspalavras.(BEVILÁQUA, Clóvis. Theoria

geral do direito civil)

Auxilia-me nessa buscainterpretativa a conclusão do preclaroCarlos Maximiliano, em sua obra clássica(Hermenêutica e aplicação do direito):

Não se encontra umprincípio isolado, em ciênciaalguma; acha-se cada um emconexão íntima com outros. ODireito objetivo não é umconglomerado caótico depreceitos; constitui vasta unidade,organismo regular, sistema,conjunto harmônico de normascoordenadas, eminterdependência metódica,embora fixada cada uma no seulugar próprio. De princípiosjurídicos mais ou menos geraisdeduzem corolários; uns e outrosse condicionam e restringemreciprocamente, embora sedesenvolvam de modo queconstituem elementos autônomosoperando em campos diversos.

Cada preceito, portanto, émembro de um grande todo; porisso do exame em conjuntoresulta bastante luz para o casoem apreço.

Confronta-se a prescriçãopositiva com outra de que proveio,ou que da mesma dimanaram;verifica-se o nexo entre a regrae a exceção, entre o geral e oparticular, e deste modo se obtêmesclarecimentos preciosos. Opreceito, assim submetido aexame, longe de perder a própriaindividualidade, adquire realcemaior, talvez inesperado. Comesse trabalho de síntese émelhor compreendido.

O hermeneuta eleva oolhar, dos casos especiais paraos princípios dirigentes a queeles se acham submetidos;indaga se, obedecendo a uma,não viola outra; inquire dasconseqüências possíveis decada exegese isolada.

Lembra-me também: “já não seadmitia em Roma que o juiz decidissetendo em mira apenas uma parte da lei;cumpria examinar a norma emconjunto”, apresentando o brocardo: “écontra Direito julgar ou emitir parecer,tendo diante dos olhos, ao invés da leiem conjunto, só uma parte da mesma”.

Por isto, a ratio legis tem acertomemorável, porque efetivamente oDireito que circula o caso também pedeauxílio ao e. Süssekind, ao doutrinarconsagrada pela Excelsa SupremaCorte, acerca da recepção dos artigos511 e 570 da CLT pela ConstituiçãoFederal de 1988: “são, não somentecompatíveis com o EstatutoFundamental, mas necessárias aofuncionamento do sistema sindical porele adotado”.

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Estando asseguradas pelo art. 8ºda Constituição da República aliberdade sindical e a constituição denovos sindicatos, independem de préviopronunciamento estatal a criação e oenquadramento sindical, podendo ascategorias profissionais ou econômicascriar entidade que, pelo princípio daespecificidade, atenda aos interessescoletivos, em face do qual, dentro deuma interpretação lógico-sistemática, éinadmissível a utilização de regramentode base para definir quem deve receberas contribuições sindicais, advindo dadoutrina da permanência ou princípio darecepção, que inúmeros artigos da CLT,dentre os quais os que se referem àorganização sindical, foramrecepcionados pela Lei Maior, no quetange aos dispositivos que não se lheoponham.

Assim, e agora com o dispostono inciso II do art. 8º da Carta Magna, jáposso assentir o recolhimento dacontribuição assistencial volvido àentidade de representação sindical dacategoria econômica em que a empresase enquadrar e, mesmo se endereçadaa entidade errônea, tal circunstância nãoconstitui motivo, juridicamente válido,para eximir-se da ação pelo sindicatorepresentativo ex lege, tendo em vistaque, no presente estágio do direitobrasileiro, são de ordem pública asnormas que regem o enquadramentosindical, em face do modelo.

O Direito Coletivo do Trabalhodispõe que a organização dostrabalhadores e a respectivarepresentação sindical são feitas porcategorias. Não pode o empregadordeterminar o enquadramentoprofissional e sindical, eis que não secuida de ato voluntário, mas legal.

Em termos de liberdade sindical,Bueno Magano (Direito coletivo do

trabalho, São Paulo: LTr) define “o direito

dos trabalhadores e empregadores denão sofrerem interferências nem dospoderes públicos nem uns em relaçãoaos outros, no processo de seorganizarem, bem como o depromoverem interesses próprios ou dosgrupos a que pertençam”, tendopresente aquele direito à organizaçãosem interferências já vertido,assinalando na seqüência ser aliberdade sindical vista em duas faces,a positiva (constituição, adesão,participação), e a negativa (direito denão-adesão e o de desligamento), eMascaro Nascimento (Direito sindical,São Paulo: Saraiva) envolve a formaconceitual destinada “a determinar oconteúdo da liberdade sindical e as suasmanifestações, bem como as garantiasque devem ser estabelecidas para que,sem limitações que resultem em suaaniquilação, os sindicatos possamcumprir os seus objetivos maiores.”

Dentre isso sobressai amagnitude da deliberação daassembléia para fortalecer a própriapessoa jurídica categoria, que é osindicato, para atingir seu fim, no queninguém pode validamente interferir, oude alguma forma contrapor-se ouarrostar, menos ainda pretender terdireito de alcançar ou de frustrar,aspecto que traz a potencialidade daprática anti-sindical que o Direito pátrionão admite, e este, em linhas gerais,tem a ver com abuso de direito, figuraque exalta antijuridicidade como veículoincapaz de surtir os próprios resultados,infirmando os objetivados.

Diversos são os aspectos queenvolvem a liberdade sindical (e aquinovo princípio: o da liberdade sindical).Entre eles, podem ser citados osatinentes à liberdade de associação, àliberdade de organização, à liberdadede administração, à l iberdade deexercício de funções e à liberdade de

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filiação e desfiliação. Contudo, diante daamplitude do tema, à luz da Convençãon. 87 da OIT, vem-me detido olhar àscontrovertidas questões centradas naliberdade de associação sindical noordenamento jurídico brasileiro, isto é,a fundação de organismos sindicais, apluralidade e a unicidade sindical, acategoria representada, oenquadramento sindical prévio, a baseterritorial e o sistema confederativo.

Do preâmbulo da Constituição daOIT colho existirem “...condições detrabalho que envolvem tamanho grau deinjustiça, miséria e privações ... que odescontentamento causado constitui umaameaça à paz e à harmonia universais...;urge que se melhorem essas condições,por exemplo, no que concerne ... aoreconhecimento ... do princípio deliberdade sindical...”. A Declaração deFiladélfia de 1944 assentou que aliberdade de expressão e de associaçãoé essencial à continuidade do progresso.

A Declaração Universal dosDireitos do Homem (1948) proclamou quetodo homem tem direito a organizarsindicatos e a neles ingressar paraproteção de seus interesses (art. 23, n. 4).

O Pacto Internacional dos DireitosEconômicos, Sociais e Culturais de 1966e a Declaração Sociolaboral doMERCOSUL (BRITO FILHO, José CláudioMonteiro. Direito sindical - análise domodelo brasileiro de relações coletivas detrabalho à luz do direito comparado e dadoutrina da OIT: proposta de inserção dacomissão de empresa. São Paulo: LTr,2000) preconizam a adoção da liberdadesindical, especialmente quanto àliberdade de trabalhadores eempregadores fundarem os sindicatossegundo os próprios interesses.

No direito brasileiro, mais épróxima e adstrita ao acaso aConstituição da República de 1988 (art.8º), estabelecendo ser livre a associação

profissional ou sindical. Aostrabalhadores interessados se confere odireito ilimitado de instituir um regime depluralidade de associações profissionais,ainda que na mesma base territorial derepresentação, como, aliás, já se admitiana legislação anterior à vigente Carta(CLT, art. 519), quando se conferia ainvestidura sindical à associaçãoprofissional mais representativa.

Idêntico direito não se atribui aostrabalhadores e empregadores, naconstituição de associações sindicais,visto que a Constituição em vigor,afastando a perniciosa exigência deautorização do Estado para a fundaçãode sindicato e proibindo a interferência ea intervenção do poder público naorganização sindical (inciso I do art. 8º),inegavelmente impôs limites à liberdadesindical (inciso II do art. 8º), entre os quais,a unicidade, a sindicalização por categoriae, ainda, a base territorial mínima.

Unicidade sindical “é a proibição,por lei, da existência de mais de umsindicato na mesma base de atuação”e a Constituição vigorante, emboraconsagre a livre associação, impõe-lhea unicidade sindical (inciso II do art. 8º),quando prescreve ser vedada a criaçãode mais de uma organização sindical,em qualquer grau, representativa decategoria profissional ou econômica, namesma base territorial.

Viável, pois, a voluntária criaçãode múltiplas associações,representativas da mesma profissão,ainda que na mesma base de atuação,porque a regra da unicidade está restritaaos organismos sindicais.

No entanto, o art. 8º da Lex

Legum não estabelece uma liberdadeabsoluta como disposição limitadora, jáque impõe a unicidade sindical, asindicalização por categoria e aobservância da base territorial mínimano seu inciso II, não se podendo olvidar

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da recepção do conceito de categoria edos critérios informadores do seureconhecimento (identidade,similaridade e conexidade) lançados naCLT (artigo 511, §§ 1º, 2º, 3º e 4º).

O interesse individual segeneraliza entre os exercentes damesma profissão ou atividadeeconômica, de modo a criar-se, entreeles, um vínculo de solidariedade. Essevínculo forma a categoria e, assim,formalmente, a categoria existe quandoexistem, entre seus integrantes,interesses idênticos, similares ouconexos, pois, em verdade, essesinteresses, embora se somem,constituem algo diverso deles mesmos:o interesse coletivo, ou seja, o “interessecategorial”, que, esse sim, como diziaCarnelutti, “não é soma, mas série, sérieinfinita e fonte da solidariedade que estáno fundo da categoria, sem a qual estanão poderia existir”.

Inspirado no conceito decategoria encontra-se o enquadramentosindical estabelecido previamente pelaCLT (artigos 570 e 577), sobre o qualsurgiram, após a promulgação daConstituição da República de 1988,vários posicionamentos doutrinários ejurisprudenciais: a) insubsistência doenquadramento sindical; b) recepção doenquadramento apenas comoenumeração facultativa ouexemplificativa, ou apenas como modelo;c) implícita recepção do enquadramentopela Constituição incoativa, ao manter asindicalização por categoria.

Livre a constituição desindicatos, princípio mater igualmenteinsculpido na Constituição, respeitadasa unicidade, a sindicalização porcategoria e a base territorial, não sepode admitir a subsistência de normasinfraconstitucionais que instituamdelineamentos que, de fato, negam aliberdade assegurada superiormente.

Entretanto, o Plenário do STF, aoapreciar o RMS 21.305/DF, tendo comoRelator o Ministro Marco Aurélio, DJ de29.11.1991, p. 17.326, considerourecepcionados os dispositivos da CLTque cuidam do enquadramento sindical.

Aliás, no MS 21.305, o Plenáriodessa Colenda Corte bem precisou amatéria constitucional que se encerra noart. 8º da Carta, afirmando que a escolhapossível de ser feita é unicamente da baseterritorial. Não, e nunca, de categoria,porque esta é una e indivisa, do queadvém que não cabe aos particulares,segundo os seus próprios interesses,pretender restringi-la ou ampliá-la.

E ementou o STF que “aorganização sindical pressupõe arepresentação de categoria econômica ouprofissional”, e que “a definição atribuídaaos trabalhadores e empregadores dizrespeito à base territorial do sindicato -artigo 8º, inciso II, da Constituição Federale não à categoria em si”.

Vinculação sindical, reafirmo,não é alvo de vontade ou escolha e, sim,decorrência de enquadramento, que éautomático: a atividade da empresa/empregadora retrata sua inserção numadada categoria econômica esubstantifica sua vinculação à entidadesindical que a representa.

Quadra que é apreendida peloart. 577 da CLT e seu quadro anexo.

O enquadramento a que aludeessa norma era feito pela Comissão deEnquadramento Sindical, órgão ligado aoMinistério do Trabalho. Dessa forma,foram criadas várias categoriaseconômicas e profissionais deprestadores de serviços dentro daConfederação Nacional de Comércio. Emvirtude das modificações introduzidas pelaCarta Magna, essa Comissão foi extinta.Entretanto, o enquadramento sobrevive.O art. 577 da CLT e seu quadro anexodevem ser interpretados conforme os

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novos princípios constitucionais. O quadrodas confederações ainda é usado parafins de estipulação das categoriasprofissional e econômica, podendo servisualizados às f. 76-78 destaques naquadra sindical proposta na exordial,conforme Resoluções do Ministério doTrabalho publicadas no DOU, ou mesmoatravés das Resoluções de f. 82-83.

Entrementes, a norma debatidanão prejudica o sistema sindicalbrasileiro. Antes, auxilia-o. Não está,portanto, em confronto com os princípiossindicais insculpidos na Constituição de1988 (autonomia, liberdade e unicidadesindical), restando, portanto,recepcionada.

Ao sindicato cumpre protrair suarepresentatividade às empresas querealmente nela se contenham, cuidandopara não invadir representação de outrossindicatos, como corolário também doenquadramento naturalmente decorrentee é tranqüilo que a empresa demandadaoriginalmente faz expressa menção aocontrole e participação. Todavia, dianteda prova disponibilizada neste processo,o sindicato autor não tem incluso em seuato constitutivo representatividade dacategoria econômica das holdings. Estasnão compõem categoria econômica dasempresas e organizações individuais deserviços contábeis, consultoria,assessoramento, perícias, informaçõese pesquisas no Estado de Minas Gerais.Cumpre-lhe, a propósito, arepresentação da categoria econômicadas empresas e organizações individuaisde serviços contábeis, consultoria,assessoramento, perícias, informaçõese pesquisas (v. f. 22).

Já o estatuto do Sindicato doComércio Atacadista de Tecidos,Vestuário e Armarinho de Belo Horizonteabrange as categorias econômicasatuantes no comércio atacadista detecidos, vestuário e armarinho (f. 466).

Subsumindo o fato à normaagora definida, o estatuto social daempresa recorrente define objetosocietário de comércio, importação eexportação de fios e tecidos e aparticipação em outras sociedadescomo acionista, cotista ou associada(artigo 3º - f. 120 c/c o espelho de f. 66).

A agregação de holding é o pontomáximo da vexata quaestio.

Retomo o ideário, mantido, daquadra sindical definida e defluida noquadrante econômico preponderante daempresa, para onde migramcontribuições obrigatórias recolhidas àentidade sindical patronal na forma dosartigos 511 e seu § 1º, 570, 577 e 581da CLT, fazendo valer a atuação sindicalem sua compleição mais pura gremial.

As Resoluções supradestacadas,oriundas da extinta Comissão deEnquadramento Sindical do Ministério doTrabalho, não me convencem de que arepresentatividade das holdings é afeitaao sindicato autor, eis que não vislumbroidentidade, similaridade ou conexidadeda categoria econômica entre ambos.Então, o SESCON/MG não teria comorepresentar as duas categoriaseconômicas distintas da empresarecorrente, já que se volta às empresasde serviços contábeis e empresas deassessoramento, perícias, informaçõese pesquisas, inconfundíveis, pelomenos, com empresas controladoras.

São as empresas decontabilidade que se encontram sob arepresentação do sindicato dasempresas de assessoramento, perícias,informações e pesquisas e empresasque têm como escopo prestação deserviços de contabilidade e escritório emgeral (assessoramento).

Equívoco conceber, portanto,que administradores de empresasvoltadas à administração de outrasempresas - clara menção à designação

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de holdings ou desenvolvimento deorientação e coordenação de váriasempresas - acomodam-se confortável eunicamente no âmbito legitimanterepresentativo do sindicato autor.

Justo nessa dicotomia se centraa clara assunção de objeto socialcomplexo da empresa recorrente decomércio atacadista de tecidos econtrole de participações societárias.Distintas, como se nota nos elementosdos autos, atividades que não seimbricam a despontar o objetivo final decada qual (§ 1º do artigo 581 da CLT),onde não se recomenda apreponderância sobre a atividade.

Caso de união circunstancial aocomando de uma só empresa. Assim,somente na hipótese de inexistência desindicato que responda à categoria emfoco, permite-se a destinação creditíciaà federação correspondente (artigo 591ibidem). Explico melhor: houverecebimento de contribuição sindicalsobre a atividade de comércioatacadista de tecidos destinada aocorrelato sindicato (denunciado); sobrea atividade de gestão de participaçõessocietárias, no que envolve a holding, acontribuição fora, antes, ofertada àFederação do Comércio, estandoperfeitamente preparadas contribuições,conforme informam as peças de f. 110-113.

Não se envolve aqui a correlataconclusão de atividade típica de períciae assessoramento contábil eadministrador de empresas holding nãose acopla nem ao primeiro, tampoucoao terceiro grupo da CNC (quadro anexoao artigo 577 da CLT), pondo-se àmargem da representação do sindicatoautor, sendo certo que as empresas deassessoramento referidas no estatutodo SESCON/MG são outras, mas nãoas atuantes na atividade de controleacionário, político e de coordenação de

outras empresas, isto sem se descurara ampla conjunção com o viés contábil.

Esse o punctum saliens, lugaronde a lide toma relevância a identificare pontificar a entidade representativaoriginal para o destaque da atividadeeconômica holding, com grêmio próprioa que dá cobro as peças de f. 304-376.

Representando, ainda, já quesobrestado o pedido, inclusão derepresentatividade às empresas holding

requerido pelo SESCON/MG, categoriaseconômicas de empresas de serviçoscontábeis, assessoramento, perícias,informações e pesquisas, não detémlegitimidade para receber contribuiçõessindicais cuja origem seja nas empresasque centralizam controle das empresassubsidiárias sem produção de bens,porque, como fiz certo na primeira partedos fundamentos supra, somente sepode cobrar de categorias querepresenta, sendo defeso, à cogênciadessa contribuição, enquadramento porsimilitude.

A documentação de aporte a queme referi ao real destinatário do importearrecadado, objeto desta ação,referenda a maturidade do processopara o provimento de fundo sem a maismínima deficiência pejorativa aquaisquer das partes, rematando devez, se é que ficou pendente, a intençãonulificante do provimento a quo.

Posto isso, provejo, paraabsolver as recorrentes da condenaçãoimposta na Instância a qua. Ônusprocessuais revertidos.

2.2.2. Questões prejudicadascom o provimento dado

A substituição do julgado a quo,

com o decreto da improcedência dopedido inicial, fez prejudicar oprosseguimento do estado das seguintesquestões: constituição irregular do

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crédito tributário com possibilidade deprojeção de ausência de pressupostoprocessual e de uma das condições daação, prescrição do artigo 174 do CTNquanto à alegada dívida no exercício de1995, identificação dos valores cobradosa título de contribuição sindical relativosa cada exercício, necessárias indicaçõesnos cálculos dos juros moratórios eabusiva multa, revelando confisco.

2.2.3. Denunciação da lide

A improcedência mantidaneutraliza a necessidade-utilidade dalitisdenunciação, na lente do inciso IIIdo artigo 70 do CPC, pelo resultadodado à ação principal.

Na denunciação da lide,descaracterizada a resistência dasdenunciadas pela denunciação,aceitando-a e se colocando comolitisconsorte da empresa reclamada,inclusive auxiliando-a, descabe acondenação em honorários advocatíciospela lide secundária, prejudicando oexame das razões recursais de f. 672-673.

Das custas processuais seencarregará a denunciante.

3. Conclusão

Conheço dos recursos; rejeito asargüições de nulidades da sentença; nomérito, dou-lhes provimento parcial,para absolver as recorrentes dacondenação imposta na origem,invertidos os ônus da sucumbência,restando prejudicado o exame dasseguintes questões: constituiçãoirregular do crédito tributário compossibilidade de projeção de ausênciade pressuposto processual e de umadas condições da ação, prescrição doartigo 174 do CTN quanto à alegadadívida no exercício de 1995,identificação dos valores cobrados a

título de contribuição sindical relativosa cada exercício, necessáriasindicações nos cálculos dos jurosmoratórios e abusiva multa, revelandoconfisco. A lit isdenunciação foineutralizada e a questão dosrespectivos honorários advocatícios,assumindo a denunciante as custasprocessuais dela decorrentes.

Motivos pelos quais,

ACORDAM os Juízes do TribunalRegional do Trabalho da TerceiraRegião, pela sua Sexta Turma,preliminarmente, à unanimidade, emconhecer dos recursos; semdivergência, em rejeitar as argüições denulidades da sentença e, no mérito, emdar-lhes provimento parcial, paraabsolver as recorrentes da condenaçãoimposta na origem, invertidos os ônusda sucumbência, restando prejudicadoo exame das seguintes questões:constituição irregular do créditotributário com possibilidade de projeçãode ausência de pressuposto processuale de uma das condições da ação,prescrição do artigo 174 do CTN quantoà alegada dívida no exercício de 1995,identificação dos valores cobrados atítulo de contribuição sindical relativosa cada exercício, necessáriasindicações nos cálculos dos jurosmoratórios e abusiva multa, revelandoconfisco. A lit isdenunciação foineutralizada e a questão dosrespectivos honorários advocatícios,assumindo a denunciante as custasprocessuais dela decorrentes.

Belo Horizonte, 11 de setembrode 2006.

EMÍLIA FACCHINIRelatora

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TRT-01459-2005-134-03-00-2-ROPubl. no “MG” de 15.12.2006

RECORRENTES: COOPERBRÁS -COOPERATIVA BRASILEIRAMULTIPROFISSIONAL LTDA. (1)DANIELA LEIBNITZ RESENDE(2)BANCO TRIÂNGULO S.A. (3)LM CONSULTORIA EM CALLCENTER ED E S E N V O L V I M E N T OCOMERCIAL LTDA. (4)

RECORRIDOS: OS MESMOS E (1)PERTENÇA COOPERATIVA DESERVIÇOS LTDA. (2)

EMENTA: COOPERATIVA DETRABALHO - VEDAÇÃOINSERTA NO PARÁGRAFOÚNICO DO ART. 442 DA CLT -RELAÇÃO DE EMPREGO. Oparágrafo único do artigo 442consolidado veda a formaçãode vínculo de emprego entre acooperativa de qualquer ramode atividade e seu associado.Este dispositivo, no entanto,só é aplicável se identificadasas características inerentes aocooperativismo previstas nosartigos 3º e 4º da Lei n. 5.764/71,in verbis: “Art. 3º Celebramcontrato de sociedadecooperativa as pessoas quereciprocamente se obrigam acontribuir com bens ouserviços para o exercício deuma atividade econômica, deproveito comum, sem objetivode lucro”; “Art. 4º Ascooperativas são sociedadesde pessoas, com forma enatureza jurídica próprias, denatureza civil, não sujeitas afalência, constituídas paraprestar serviços aos

associados...” (grifoinexistente na Lei). Se, aorevés, encontram-se presentesos pressupostos dos arts. 2º e3º da CLT, a saber, prestaçãode serviços com onerosidade,pessoalidade, não-eventualidade e subordinaçãojurídica, está-se diante de umvínculo empregatício.

Vistos, relatados e discutidos ospresentes autos de recurso ordinário,DECIDE-SE:

RELATÓRIO

O MM. Juiz Fernando SolleroCaiaffa, através da r. sentença de f. 541/549, complementada na decisão deembargos declaratórios de f. 564/565,reconheceu o vínculo empregatícionarrado na inicial, determinando ospagamentos que entendeuconsectários.

A cooperativa reclamada recorreàs f. 567/577, pedindo, em preliminar,pelo aproveitamento do preparo recursalda reclamada LM Consultoria em CallCenter e Desenvolvimento ComercialLtda. No mérito, insiste na validade daprestação de serviços da reclamante naqualidade de cooperada.

A reclamante recorre às f. 578/588, rogando por: justiça gratuita;diferenças salariais por isonomia aosbancários; multas normativas;reembolso por descontos efetuados atítulo de faltas em licenças médicas equota-parte de subsídio da cooperativa.

O banco reclamado recorre às f.592/606, argüindo, em preliminar,inépcia da inicial, considerando-se quea autora narra a existência do vínculoempregatício com mais de umareclamada. No mérito, nega aterceirização de atividade-fim, buscando

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pela manutenção da prestaçãolaborativa nos moldes estabelecidospelas partes. A seguir, afirma a condiçãode demissionária da reclamante esustenta serem indevidas as parcelasde: multa do art. 477 da CLT, horasextras e reflexos, ticket-refeição, auxílio-cesta-alimentação, vale-transporte, eparticipação nos lucros e resultados.

A reclamada LM Consultoria emCall Center e DesenvolvimentoComercial Ltda. recorre às f. 609/624,também insistindo na validade dacooperativa de trabalho, e contestandoa condenação ao pagamento da multado art. 477 da CLT e das horas extras.

Contra-razões pelo BancoTriângulo S/A e pela reclamante, às f.626/630 e 631/646, com argüição, poresta, da deserção dos recursos daCOOPERBRÁS e LM Consultoria Ltda.;por aquela, de litigância de má-fé pelaautora.

Dispensado o parecer escrito dod. Ministério Público do Trabalho, a teordo art. 82 do Regimento Interno desteRegional.

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade - Preliminarde deserção dos recursos dasreclamadas, argüida pela reclamanteem contra-razões

O banco reclamado providenciouo regular recolhimento das custasprocessuais, f. 607, o que é o bastanteuma única vez, já que o valor reverterá,como devido, aos cofres estatais. Logo,não há que se cogitar de deserção doapelo interposto pela Consultoria emCall Center e DesenvolvimentoComercial Ltda., que se “aproveitou”apenas do depósito das custasprocessuais feito por outro reclamado

(v. f. 609). O depósito recursal por sidevido encontra-se retratado à f. 625.

A situação da COOPERBRÁS,contudo, é outra. A ré busca pelo“aproveitamento” também do depósitorecursal efetuado pela Consultoria emCall Center e DesenvolvimentoComercial Ltda. Mas, conforme se extraidas razões recursais de f. 610/621, estareclamada pugna pela sua absolvição,“decretando-se a inexistência de vínculoempregatício desta com a recorrente” (f.619), o que impede o compartilhamentorequerido, exatamente nos termos doitem III da Súmula n. 128 do TST,invocada pela cooperativa em seuapelo; veja-se: “Havendo condenaçãosolidária de duas ou mais empresas, odepósito recursal efetuado por umadelas aproveita as demais, quando aempresa que efetuou o depósito nãopleiteia sua exclusão da lide” (grifei).

Nesse sentido já julgou esta Eg.Primeira Turma, nos autos dareclamatória 00495-2006-043-03-00-2RO, tendo como relator o Ex.mo JuizManuel Cândido Rodrigues, quanto aomesmo pedido da cooperativareclamada:

Acolho a preliminar argüida pelareclamante recorrida, em contra-razões, e não conheço dorecurso interposto pela primeirareclamada, por deserto.A obrigatoriedade do depósito daquantia da condenação, impostopelo § 1º do artigo 899 da CLT,visa a assegurar a satisfação dafutura execução da sentençacondenatória, ainda que deforma parcial.Tratando-se de litisconsórciopassivo simples, o princípio daindependência dos litisconsortesimpõe que cada um dos réusefetue o depósito, sob pena de

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ser frustrada a garantia daexecução, caso permaneça narelação processual apenas a réque não o efetivou.Ou seja, opostos os interessesdos lit isconsortes, como sedessume das respectivas peçascontestatórias, cada qual deveefetuar o depósito para fins derecurso.No caso em tela, a segundareclamada pretende a suaabsolvição, quanto aoreconhecimento do vínculoempregatício reconhecido com areclamante, formulando oseguinte requerimento:“[...] requer seja dado provimentoao presente recurso, paramodificar a r. sentença e absolvera recorrente da condenaçãoimposta pelo MM. Juízo a quo,quanto ao reconhecimento dovínculo empregatício entre aspartes, no período em que arecorrida prestava serviços comocooperativada, e, emconseqüência, determinando aexclusão de todas as parcelasadvindas da presentecondenação” grifos nossos (f.440).Portanto, como se percebe, asegunda reclamada pretende, naverdade, sua exclusão da lide,com a absolvição relativamenteàs parcelas deferidas à obreira.Nos termos do item III da Súmulan. 128 do C. TST,“III - Havendo condenaçãosolidária de duas ou maisempresas, o depósito recursalefetuado por uma delasaproveita as demais, quando aempresa que efetuou o depósitonão pleiteia sua exclusão dalide.”

O referido verbete restainaplicável, in casu, por não setratar de condenação solidária -já que a primeira reclamadaresponde apenas de formasubsidiária -, bem como pelapretensão da segundareclamada, em se ver absolvidada condenação imposta. Dessemodo, em caso de eventualsucesso na sua pretensão, odepósito recursal lhe serádevolvido, restando ausentequalquer garantia do juízo,beneficiando a primeirareclamada, que não efetuou odepósito exigido por lei.Nesse sentido, traz-se à colaçãoo seguinte aresto:“Sendo opostos e distintos osinteresses dos litisconsortespassivos, não há como dispensara exigência do depósito recursale custas processuais de cada umdos recorrentes, eis que orecolhimento constituipressuposto objetivo noprocesso do trabalho. Essa é aexegese que se extrai dos artigos48 e 509 do CPC e 899 da CLT”(TRT 15ª R - Proc. 2376/00 - Ac.32700/01 - Rel. Juiz Luiz AntônioLazarim - DOESP 06.08.2001).A regra impõe que, não sendoconvergentes os objetivos doslitisconsortes, cada qual deveráefetuar o depósito da condenação.Desse modo, não conheço dorecurso interposto pela primeirareclamada, por deserto.

A COOPERBRÁS tampoucopode aproveitar-se do depósito recursalefetuado pelo Banco Triângulo S/A, f.607, porque também este reclamadopugna pela sua absolvição, nos termosexarados à f. 602:

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nos exatos termos do contratohavido entre o terceiro e quartoreclamados todas as eventuaisobrigações trabalhistas são deresponsabilidade exclusivadesta, não havendo como recairsobre o terceiro qualquereventual responsabilidade.

Assim sendo, encontra-sedeserto e não merece ser conhecido orecurso interposto às f. 567/577.

Os outros três apelos ordináriosforam subscritos por advogadosdevidamente constituídos nos autos(procurações às f. 80, 86, e 99);observou-se o prazo legal (v. f. 565-verso, 578, 592, e 609); e, como dito,há recolhimento de custas e depósitorecursal, aproveitando às duasreclamadas recorrentes queremanesceram (f. 607 e 625).

Presentes os pressupostos delei, estes recursos merecemconhecimento.

Inverto a ordem de apreciação,pela boa processualística,considerando-se que as reclamadas,em seus recursos, contestamexatamente a existência de vínculoempregatício entre as partes. Aprecio-os conjuntamente em sede de mérito,pela identidade de matéria.

Preliminar de inépcia - Pedidode reconhecimento simultâneo devínculo empregatício com mais deuma reclamada - Argüição do BancoTriângulo S/A

De fato, a reclamante não seguiou pela melhor técnica ao declinarsua pretensão, aventando um vínculoempregatício “múltiplo”:

Diante desta realidade seconstata a existência de relação

de emprego, nos termosdispostos nos artigos 2º e 3º daCLT, entre a reclamante e asreclamadas, em especial atomadora do serviço,comumente denominadabeneficiária da fraude cometida(f. 09, com destaque acrescido).

Todavia, uma leitura de toda suainicial permite concluir que o foco de suapretensão é o Banco Triângulo,conforme se extrai dos seguintestrechos:

ininterruptamente, no período dejunho/04 a junho/05, trabalhouexclusivamente prestandoserviços para o Banco TriânguloS/A (quarta reclamada), comooperadora de telemarketing, sobas ordens e subordinação deseus funcionários (f. 04); areclamante, na realidade,estavam [sic] subordinadasdiretamente ao Banco TriânguloS/A (quarta reclamada) (f. 09);exercia atividade-fim da empresa,ou seja, era operadora detelemarketing/habilitadora deserviços do Banco Triângulo S/A,vendendo serviços bancários(Multi-fácil), auxiliando os clientesdesta instituição bancária quantoàs dúvidas no manuseio dossistemas implantados nosestabelecimentos conveniados,bem como atendimento em gerala clientes (receptivo), da quartareclamada (f. 10).

E, ao construir seu rol depedidos, a autora pôs fim a dúvidas:

seja o vínculo de empregoreconhecido diretamente com aquarta reclamada e em qualquer

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caso a condenação solidária detodas as reclamadas; requer,desde já, o reconhecimento dafraude cometida por todas asreclamadas, em conjunto,independentemente de suasdenominações, nos termos quedispõe o artigo 9º da CLT, paraser reconhecido o vínculoempregatício de todo o períodocontratual diretamente com oBanco Triângulo S/A, ora quartareclamada, uma vez quetrabalhou somente para ela,sendo a beneficiada direta doserviço prestado pelareclamante, com as devidasanotações em CTPS,respondendo as demaisreclamadas solidariamente pelopagamento dos direitostrabalhistas da reclamante,requerendo-se, também, anulidade dos contratos detrabalho mantidos com as outrasreclamadas (f. 25).

O banco recorrente defendeu-seclaramente desta busca decaracterização do vínculo empregatícioconsigo, nos termos de f. 426/452,rechaçando, a todo tempo, a narradaterceirização de atividades-fim.

Portanto, não se há cogitar deinépcia; seja porque a reclamanteacabou por externar sua real pretensão,seja porque o banco reclamado logroudecifrá-la (lançando por terra a tese deafronta ao contraditório).

Rejeito.

MÉRITO

Exame conjunto dos recursosdo Banco Triângulo S/A e da LMConsultoria em Call Center eDesenvolvimento Comercial Ltda.

Do vínculo empregatício -Cooperativa de trabalho

A cooperativa constitui umasociedade civil, destinada aodesenvolvimento de determinadaatividade econômica, caracterizando-sepela total autonomia de seus membros,tendo por meta principal a melhoria dascondições financeiras e profissionais deseus participantes. Também não visalucro e os ganhos são igualmenterepartidos de forma proporcional aosesforços despendidos, sendo as tarefasigualmente distribuídas entre seusassociados (Lei n. 5.764/71). Comomodalidade anômala de exercício deatividade econômica, atua mediantemaior l iberdade de negociação,valorização do trabalho e autonomia dotrabalhador. Portanto, não se presta aatender interesses de terceiros,tampouco tem por objetivo únicofornecer mão-de-obra para fins deterceirização, sob pena dedesvirtuamento das suas atividades.

A propósito, a oferta da força detrabalho constitui mero instrumento paraviabilizar o fundamento essencial dacooperativa: a prestação direta deserviços a seus próprios integrantes.Esta circunstância traduz o princípio dadupla qualidade: a pessoa filiada seencontra, simultaneamente, comocooperado e cliente, auferindovantagens dessa duplicidade desituações. Nesta perspectiva, atua deforma mais organizada e eficaz,objetivando o aprimoramentoprofissional e a ampliação do mercadode trabalho. Assim sendo, o cooperadotorna-se o beneficiário central dosserviços prestados pela cooperativa,potencializando, assim, o labor. Ao ladodeste princípio, há o da retribuiçãopessoal diferenciada, segundo o qual,ainda que somente em termos de

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potencial, o cooperado deve perceberretribuição pessoal ou vantagenssuperiores a serem auferidas casoatuassem isoladamente no mercado detrabalho, sem o sistema de cooperativa.

Por isto mesmo, o parágrafoúnico do artigo 442 consolidado veda aformação de vínculo de emprego entrea cooperativa de qualquer ramo deatividade e seu associado. Estedispositivo, no entanto, só é aplicávelse identificadas as característicasinerentes ao cooperativismo previstasnos artigos 3º e 4º da Lei n. 5.764/71, inverbis:

Art. 3º Celebram contrato desociedade cooperativa aspessoas que reciprocamente seobrigam a contribuir com bens ouserviços para o exercício de umaatividade econômica, de proveitocomum, sem objetivo de lucro;

Art. 4º As cooperativas sãosociedades de pessoas, comforma e natureza jurídicapróprias, de natureza civil, nãosujeitas a falência, constituídaspara prestar serviços aosassociados... (grifo inexistentena Lei).

Se, ao revés, encontram-sepresentes os pressupostos dos arts. 2ºe 3º da CLT, a saber, prestação deserviços com onerosidade,pessoalidade, não-eventualidade esubordinação jurídica, está-se diante deum vínculo empregatício.

Este posicionamento visaimpedir que a terceirização de serviços(permitida na legislação reguladora daorganização das cooperativas)possibilite fraude à lei trabalhista,simulando autêntico contrato detrabalho.

Tanto é assim, que a própria OIT,na Recomendação 193, sobre aPromoção das Cooperativas, manifestaesta preocupação, ao dispor ser papeldos governos, em suas políticasnacionais, zelar

para que não se possam criar ouutil izar cooperativas paraescapar da legislação dotrabalho ou que sirvam paraestabelecer relações de trabalhoencobertas, e lutar contra aspseudocooperativas, que violamos direitos dos trabalhadores,velando para que a legislação dotrabalho se aplique em todas asempresas.

No presente feito, éincontroverso que a reclamante,conforme contrato de prestação deserviço acostado às f. 414/422 e 453/461, dedicou-se à

prestação de serviços detelemarketing ativo e passivopela contratada, para acontratante, consistente noatendimento e relacionamentocom clientes (reclamações,sugestões, elogios, críticas,informações, etc.), venda ativa ereceptiva de produtos e serviçosda contratante, reativação declientes, prospecção de novosclientes e pesquisas de mercado,através de Central Telefônicacomposta de equipe qualificada(f. 414 e 453).

Ora, tais serviços inserem-se,sem sombra de dúvidas, na dinâmicaempresarial do Banco Triângulo,resultando na famigerada terceirizaçãode atividades-fim, vedada pela Súmulan. 331 do TST, seu item I.

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Não se trata de meros serviçosde telemarketing. O foco era a clientelado banco, com esclarecimentos a seusproblemas e oferta de outros serviçosda instituição bancária.

Salta aos olhos, portanto, que setratou de terceirização de atividade-fim.

Pior: a terceirização foiarregimentada junto à empresaprestadora de serviços, LM Consultoriaem Call Center e DesenvolvimentoComercial Ltda., que, por sua vez, foibuscar nas cooperativas-reclamadas omanancial de mão-de-obra de quenecessitava para atender à demanda dotomador dos serviços.

Mas, como dito, as cooperativasde trabalho não se prestam a este papel.

A autora prestou serviços embenefício do Banco Triângulo, inseridano seu processo produtivo, de formaininterrupta, durante todo o período emque permaneceu “associada” àcooperativa, sem modificação no modus

faciendi do trabalho, tampoucosubstituída em suas funções. Além domais, sujeitava-se à fiscalização diretado seu trabalho durante a prestação deserviços como “cooperada”, recebendoordens e sendo fiscalizada pela gestorada cooperativa, instruída, obviamente,por prepostas da empresa LMConsultoria e do Banco Triângulo (aquem interessava os resultados daprestação de serviços).

É o que emana da prova oral:

que o depoente trabalhoucomo cooperado das duasprimeiras reclamadas; queprestou serviços para a terceirareclamada; que esta prestavaserviços para o quartoreclamado; que o depoentetrabalhava dentro doestabelecimento da terceirareclamada; que o local de

trabalho foi em Uberlândia; quenão houve solução decontinuidade na prestação deserviços quando o depoente saiuda primeira reclamada e passoupara a segunda reclamada; queconhece a reclamante; que odepoente fazia funções degestão e coordenação naterceira reclamada; que areclamante era operadora detelemarketing; [...] que os únicosclientes da terceira reclamadaeram o quarto reclamado e outraempresa do seu grupoeconômico - Maurício MartinsPedrosa Júnior, f. 536.

que trabalhou para LMConsultoria, prestando serviçosao Banco Triângulo, no períodode outubro de 2003 a fevereirode 2006; que a reclamanteentrou para o banco em junho de2004, na função de atendimentode clientes; que nessa funçãoatendia os clientes, analisava aconta, fazia transferência devalores, verificava a aplicaçãofinanceira, indicava paraempréstimo; que ficavasubordinada a uma gestora daCOOPERBRÁS, de nomeMárcia, também da LM napessoa de Maurício, de quemrecebia orientação e Abadia doTribanco que também passavaalguma orientação, que tambémia lá de vez em quando; quetambém recebia e-mails deAbadia e de Marcos Soavino,ambos do Tribanco; quetrabalhava na Rua Prata, em umprédio da LM, onde tinha projetodo Tribanco e da CTBC; quedepoente e reclamantetrabalhavam só no Projeto

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Tribanco; que tinha acesso àconta corrente do clienteTribanco, através do sistema,inclusive fazia operações para osclientes; [...] que recebiamsalário fixo e no caso de faltasera descontado, inclusive emtreinamentos; que recebiamatravés de depósito noUNIBANCO; que reclamante edepoente recebiam salário fixo;[...] que recebia em média 03 a04 e-mails por dia do Tribanco;que não recebia nada além desalário fixo; [...] que a fiscalizaçãoda jornada era feita através dagestora; [...] que no 1º mês quetrabalhou foi dentro do Tribanco,que depois foi transferida para oprédio da Rua Prata; [...] que areclamante fez um treinamentodentro do banco por uns 30 dias;[...] que Multifácil é um sistemaque transforma oestabelecimento comocorrespondente bancário; que areclamante também trabalhavacom esse sistema - ThaisCandida Vasconcelos, f. 538/539.

que a reclamante primeirotrabalhou na Central deAtendimento da LM, prestandoserviços para o Tribanco; quedepois para a central deatendimento Multifácil - IvyCristina Sousa Oliveira, f. 539.

que trabalhou naPertença e COOPERBRÁS ematendimento de telemarketing;que trabalhou na Rua Prata naempresa LM Consultoria; que oserviço era atendimento aclientes Tribanco; que ajudava asolucionar problemas dos

clientes através do “0800”; quenão tinha acesso à contacorrente do cliente; que areclamante também eraatendente de telemarketing; [...]que recebia e-mails da gestoraMárcia, apenas; que recebiaordens e era orientada pelagestora; que o pessoal da LMpassava a orientação para agestora e esta para a depoente;que na época trabalhavam nolocal umas 40 pessoas; quetodas eram atendentes etrabalhavam atendendo o clientedo Tribanco; que se tivessealguma dúvida no trabalhorecorria à gestora; que era agestora quem controlava ohorário da depoente; [...] que oproblema que se referiu paraajudar os clientes era como, porexemplo, uti l izar cartão“Supercompra”, informar arespeito de repasse (maquinetade boletos de concessionário) -Cynthia Xavier Carneiro, f. 539/540.

Excetuado o pagamento pelosserviços prestados, plano de saúde eodontológico, e seguro de vida (v. f. 298/342), não há qualquer retribuiçãomaterial ou de outra natureza quedemonstre ter sido a obreira destinatáriados serviços da cooperativa. Tampoucoatendido ao princípio da retribuiçãopessoal diferenciada, pois configuradoque a associação à cooperativa nãoproporcionou à autora nada mais do queum lugar para prestação de serviços.

Via de conseqüência, presentesos pressupostos fático-jurídicos dapessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e subordinação,caracterizada está a relação deemprego. Afastada, portanto, a

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aplicação à hipótese vertente da regraexceptiva do parágrafo único do artigo442 da CLT, atraindo, por sua vez, aincidência do preceito contido no artigo9º da CLT, em virtude da contrataçãofraudulenta. Assim, nula aintermediação efetivada, em face daevidente lesão a direitos básicos datrabalhadora, que ficou impedida de teracesso às verbas decorrentes dovínculo de emprego, como férias, 13ºsalário, aviso prévio, FGTS, direitosprevidenciários, dentre outros.

Vislumbra-se que o contrato deprestação de serviços celebrado pelasreclamadas teve por objetivo adquirirmão-de-obra barata, não-cumprir alegislação trabalhista e previdenciária,prejudicar a autora economicamente. Oprincípio do contrato realidadefundamenta o reconhecimento darelação de emprego mantida entre obanco e a reclamante, comresponsabilidade solidária das demaisreclamadas, tendo em vista o aspectomeramente formal desenvolvido pelacooperativa interposta, estandopresentes todos os elementos fáticosdefinidos nos artigos 2º e 3º da CLT.

Até novembro deste ano, estaEg. Primeira Turma teve oportunidadede apreciar a situação daCOOPERBRÁS nada menos que 10vezes. Em todas sobrepujou aexistência de vínculo empregatício soba falsa roupagem do cooperativismo.

Trazem-se à colação os doisúltimos julgamentos proferidos por esteColegiado, ambos tendo como Relatoro Ex.mo Juiz Manuel Cândido Rodrigues(RO-00495-2006-043-03-00-2 e RO-01278-2005-043-03-00-9):

A recorrente sustenta quea reclamante era associada decooperativa regularmenteconstituída, atendendo aos

princípios do cooperativismo,assim como não se encontrempreenchidos os requisitos doartigo 3º da CLT, invocando oartigo 442, parágrafo único, daCLT.

Afirma não exercerqualquer subordinação em faceda autora, a quem não procediapagamentos, estando, assim,ausente o requisito daonerosidade.

Não lhe assiste razão,data venia.

O cooperativismo -surgido no século passado,como meio de organização,produção e trabalho alternativoaos existentes à época -, funda-se na idéia do esforço comum eda ajuda mútua. Logo, acooperativa é a união, sem oobjetivo do lucro, de esforçoscoordenados destinados a umfim econômico em benefício deseus integrantes.

Nos termos do artigo 3ºda Lei n. 5.764/71,

“Celebram contrato de sociedadecooperativa as pessoas quereciprocamente se obrigam acontribuir com bens ou serviçospara o exercício de umaatividade econômica, de proveitocomum, sem objetivo de lucro.”

A cooperativa pressupõeo princípio da dupla qualidade: oassociado é simultaneamentesócio e usuário da organização,exigindo-se, ainda, algunselementos norteadores, taiscomo: adesão voluntária;autonomia do cooperado, sujeitoapenas às orientações gerais doestatuto e aquelas específicas

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dos diretores; objetivo comumligado pela solidariedade;autogestão; continuidade eintegralidade da cooperativa e deseu capital social.

Há, portanto, uma razãoplausível para a redação doartigo 442, parágrafo único, daCLT: na cooperativa típica, nãoé possível existir relação deemprego entre os sócios, já queessas duas relações se excluem.

Enquanto a cooperativabaseia-se na affectio societatis,com mútua colaboração entre osassociados, na relação deemprego prevalece asubordinação jurídica o que éincompatível com ocooperativismo, já que, nessecaso, os sócios são os própriosdonos do negócio.

Assim, o parágrafo únicodo artigo 442 da CLT, de formaredundante, estabelece aausência de relação de empregoentre a sociedade e seusassociados, qualquer que seja aespécie de sociedadecooperativada. A norma jurídicacria, portanto, presunção relativada ausência de uma relação deemprego, em face dascaracterísticas próprias de umasociedade cooperativa.

“Na verdade, não se trata de umaexcludente legal absoluta, masde simples presunção relativa deausência de vínculo de emprego,caso exista efetiva relaçãocooperativista envolvendo otrabalhador lato sensu.”(DELGADO, Mauricio Godinho.Curso de direito do trabalho. SãoPaulo: LTr, 2006, p. 329)

Em julgado proferido pela5ª Turma deste Egrégio TribunalRegional, o Ex.mo Juiz JoséRoberto Freire Pimenta assimafirma:

“Bem por isso é que sedeve cuidar para que aterceirização de serviçospermitida na legislação queorienta a organização dascooperativas não venha fraudara lei trabalhista, acobertandosimulação de um autênticocontrato de trabalho. Tanto éassim que a OIT, em suaRecomendação de n. 193,dispôs ser papel dos governos,em suas políticas nacionais,‘velar para que não se possamcriar ou utilizar cooperativas paraescapar da legislação dotrabalho ou que sirvam paraestabelecer relações de trabalhoencobertas, e lutar contra aspseudocooperativas, que violamos direitos dos trabalhadores,velando para que a legislação dotrabalho se aplique em todas asempresas’.

Dessa forma, cumpre aojulgador investigar se acontratação teve por objeto oserviço ou a pessoa docooperado, perquirindo acercada existência de um contrato detrabalho, tendo sempre em contaque a simples contratação doserviço implicaria,necessariamente, a variabilidadedos seus prestadores, de modoa afastar o elemento fático-jurídico da pessoalidadeexistente no contrato deemprego.” (RO-00942-2005-110-03-00-0, Publ. MG. 13.12.2005,p. 20).

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Portanto, torna-seimperiosa a análise da formapela qual se deu a prestação deserviços, afastando-se aaplicação da presunçãoestabelecida no artigo 442,parágrafo único, da CLT, aoscasos em que a terceirização deserviços se dá de forma abusivaou fraudulenta.

[...]Conforme se verifica da

prova produzida, a autora estavasubmetida a controle de horário,obedecendo às ordensemanadas de prepostos darecorrente, em cuja sederealizava suas atividades. Restaevidenciada a perpetração defraude à legislação trabalhista,reputando-se nula a pactuação,nos termos do artigo 9º da CLT.

Por oportuno, traz-se àcolação o ensinamentodoutrinário:

“Ou seja: a lei favoreceu ocooperativismo, ofertando-lhe apresunção de ausência devínculo empregatício; mas nãolhe conferiu um instrumental paraobrar fraudes trabalhistas. Porisso, comprovado que oenvoltório cooperativista nãoatende às finalidades e princípiosinerentes ao cooperativismo(princípio da dupla qualidade eprincípio da retribuição pessoaldiferenciada, por exemplo),fixando, ao revés, vínculocaracterizado por todos oselementos fático-jurídicos darelação de emprego, esta deveráser reconhecida, afastando-se asimulação perpetrada.”(DELGADO, Mauricio Godinho.Op. cit., p. 329)

Neste mesmo sentido, vem àbaila o seguinte entendimentojurisprudencial:

“Cooperativa. Relação deEmprego. Ao usar a expressão:‘qualquer que seja o ramo deatividade da sociedadecooperativa’, a lei não estáafirmando: ‘qualquer que seja omodo pelo qual o trabalho éexecutado’. O que a lei quer dizeré exatamente o que está nelaescrito, ou seja, que não importao ramo da cooperativa. Mas épreciso que se trate, realmente,de cooperativa não só no planoformal, mas especialmente nomundo real. Ou seja: que ocontrato se execute na linhahorizontal, como acontece emtoda sociedade, e não na linhavertical, como no contrato detrabalho. Em outras palavras, épreciso que haja obra em comum(co-operari) e não trabalho soba dependência do outro (sub-

ordinare).” (TRT - 3ª R - RO19.675/95 - 4ª T. - Rel. JuizMárcio Túlio Viana - Publ. “MG”08.05.1996)

“EMENTA: COOPERATIVA.INTERMEDIAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA. VÍNCULO DE EMPREGOCOM A TOMADORA DOSSERVIÇOS. Em razão doprincípio da dupla qualidade, nãose concebe a existência decooperativa que coloque àdisposição de terceiros a forçade trabalho de seus associados.Significa que não pode serlocadora de mão-de-obra, ou nãopode intermediar mão-de-obra.Diante dessa impossibilidade, ovínculo de emprego forma-se

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com a tomadora dos serviços, ateor da Súmula n. 331, item I, doColendo TST.”

[...]

Não se resigna a terceirareclamada com a r. sentença quereconheceu, como de emprego,a relação jurídica que existiuentre ela e a reclamante. Alegaque jamais foi sua empregada.Ao contrário, era ela, de fato,associada de cooperativasidôneas, com as quais firmoucontratos de prestação deserviços.

Clama pela sua reforma.Não lhe assiste razão,

data venia.De plano, ratifica-se, hic

et nunc, a asserção da r.sentença de que se está diantede uma fraude.

É que, a teor do artigo 4ºda Lei n. 5.764/71, o objetivosocial da cooperativa é prestarserviços aos associados, ouseja, o filiado é cooperado e aomesmo tempo cliente (princípioda dupla qualidade). Issosignifica que não se concebe aexistência de cooperativa quecoloque à disposição de terceirosa força de trabalho de seusassociados. Noutras palavras,não se admite a existência decooperativa locadora de mão-de-obra ou que a arregimenta paraterceiros.

No caso em jogo, não foiobservado o princípio da duplaqualidade, já que ascooperativas não prestaramserviços à reclamante. Aocontrário, esta, por meio delas,prestou serviços para a terceira

reclamada. Via de conseqüência,restou configurada verdadeiramerchandising ou intermediaçãode mão-de-obra, atividadevedada à cooperativa.

Sobre o aludido princípio,vale a pena a transposição, paraeste subitem, da lição doeminente Prof. Mauricio GodinhoDelgado, in Curso de direito do

trabalho, LTr, abril de 2002, p.323, que consolidasobremaneira o pensar aquiexposto:

O princípio da duplaqualidade informa que a pessoafiliada tem de ser, ao mesmotempo, em sua cooperativa,cooperado e cliente, auferindo asvantagens dessa duplicidade desituações.

Isso significa que, para talprincípio, é necessário haverefetiva prestação de serviçospela Cooperativa diretamente aoassociado e não somente aterceiros. Essa prestação diretade serviços aos associados/cooperados é, aliás, conduta queresulta imperativamente daprópria Lei de Cooperativa (art.6º, I, Lei n. 5.764/71).

Já acerca do disposto noparágrafo único do artigo 442 daCLT, é importante salientar queele não pode afastar a existênciade vínculo de emprego, quandoeste está presente, sob pena deentrar em chaça ou em testilhacom a Constituição do Brasil.Noutras palavras, não exclui daproteção do Direito do Trabalhoo cooperado que trabalha nasmesmas condições de outroempregado qualquer, porque, se

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assim o for, estará sendo feridoo princípio da isonomia.

Escoliando a normacitada, ensina o ilustre ProfessorRodrigo de Lacerda Carelli, nasua obra Cooperativas de mão-

de-obra - Manual contra a fraude,LTr, 2002, p. 21, que:

...expressamente rejeita aOrganização Internacional doTrabalho a util ização dascooperativas de trabalho comosubstitutivo do trabalhosubordinado legalmenteprotegido, por meio daintermediação da mão-de-obra,devendo os Estados Nacionaisgarantir a obstaculização dafraude. Verifica-se, portanto, quenão há como se servir dacooperativa como fornecedorade trabalhadores, já que essa éa forma em que se daria a fraudeaos direitos trabalhistas. Destaforma, qualquer interpretação doparágrafo único do art. 442 daConsolidação das Leis doTrabalho que tente retirar aqualidade de empregado dequem realmente o é deverá tersido uma tentativa de fraude,impedida pelo art. 9º da mesmalei.

E esta é a únicainterpretação constitucionalpossível. De fato, senãovejamos.

A Constituição Cidadã de1988, em seu art. 1º, inclui entreos princípios fundamentais daRepública Federativa do Brasil:“IV. os valores sociais dotrabalho”. Ora, a princípio não seteria constitucional uma forma detrabalho que negasse todo ovalor social do trabalho, não

tendo garantia nenhuma dedireitos sociais. Seria a negaçãodo princípio fundamental daFederação, o que não se podeaceitar.

Além disso, no seu art. 7ºda mesma Constituição Federal,vem afirmando que: “São direitosdos trabalhadores urbanos erurais, além de outros que visemà melhoria de sua condiçãosocial”, em seguida, listando osdireitos.

Ora, não está dito“empregados”, e simtrabalhadores genericamente,que obviamente incluem oscooperados. Não se pode negara característica de trabalhadoresurbanos ou rurais aoscooperados. Assim, qualquerinterpretação que retire aoscooperados trabalhadores osdireitos previstos naConstituição, além de outros quevisem à melhoria de suacondição social, é inegavelmenteinconstitucional.

Desta forma, não háinterpretação constitucionalmentecorreta que retire dos cooperadostrabalhadores os direitostrabalhistas assegurados nalegislação constitucional einfraconstitucional, por ordem daprópria lei maior. (sic)

Mais adiante (f. 168),preleciona o juslaborista que:

O cooperativismo nãosubstitui o trabalho subordinado.E o cooperativismo só éalternativa ao trabalhosubordinado quando foragregado o trabalho com aprodução. O trabalho cooperado

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não é substitutivo ao trabalhosubordinado quando asubordinação permanece. Isso éfraude, precarização do trabalhohumano em benefício de ganhosindividuais de empregadores.(sic)

Na mesma esteira, oensinamento do ilustre Prof.Mauricio Godinho Delgado, obracitada, p. 424:

[...] não se fixa na CLT,entretanto, presunção legal decaráter absoluto mas simplespresunção relativa de ausênciade vínculo de emprego. Oobjetivo da regra teria sido o deretirar do rol empregatíciorelações próprias àscooperativas - desde que nãocomprovada a roupagem ouutilização meramente simulatóriade tal figura jurídica.

[...]Em decorrência,

comprovado que o envoltóriocooperativista não lida comprofissionais efetivamenteautônomos, desatende, ainda,às finalidades e princípiosimanentes ao cooperativismo(princípio da dupla qualidade eprincípio da retribuição pessoaldiferenciada, por exemplo),fixando, por fim, vínculocaracterizado por todos oselementos fático-jurídicos darelação de emprego, não hácomo evitar-se o reconhecimentodesta relação empregatícia,afastando-se a simulaçãoperpetrada.

Por fim, em palestra,transcrita na obra Cooperativas

de trabalho, sob a coordenaçãodos insignes Professores IvesGandra da Silva Martins Filho eMiguel Salaberry Filho, LTr,março de 2004, p. 86, o ilustreDr. Raimundo Simão de Mello,Procurador Regional do Trabalhoda 15ª Região, discorrendosobre o previsto no artigo 442 daCLT, assim se pronunciou:

...logo que aprovadaaquela alteração, surgiu umaorientação patronal rural,incentivando a criação decooperativas de mão-de-obra,consubstanciada no seguinte: a)não existência de problemastrabalhistas; b) supressão devínculo empregatício; c)inexistência de fiscalizaçãotrabalhista; d) desobrigação dasresponsabilidades trabalhistas esociais, etc.

Eis, como se vê, apossibil idade perigosa defraudes e de desvirtuamento dasnormas trabalhistas e doverdadeiro cooperativismo, quecom o tempo foi concretizada,como comprovam os inúmerosjulgados trabalhistas. O que namaioria dos casos se vê é acriação de cooperativas dedireito, mas não de fato, por“testas de ferro”, pagos porempresas e empreendimentos,com o objetivo de diminuir oscustos trabalhistas e baratear amão-de-obra, medianteapropriação indébita e maldosada idéia cooperativista.

Por conseguinte, acelebração de contratos deprestação de serviços com ascooperativas teve por escopo,

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sem sombra de dúvida, adquirirmão-de-obra barata, fugir documprimento da legislaçãotrabalhista e previdenciária e darprejuízo econômico à autora,data venia. Tudo isso faz atrair aincidência do artigo 9º da CLT.

Assinale-se que aexistência do indigitado pactonão torna legítima a contrataçãoda mão-de-obra, se a realidadefática traz à tona a presença dasimulação, data venia. Segundoo ensinamento do Mestre PláRodriguez, o contrato de trabalhoé contrato realidade. Os fatospreponderam sobre osdocumentos, ou seja, vale o queocorre no mundo fático,independentemente davestimenta formal do ajustecelebrado.

Hodiernamente, prolifera-se a criação de cooperativas detrabalho, incentivada porempresas, com o fim de fraudara legislação trabalhista, já quetêm empregados a custo módico,sem necessidade de cumprirobrigações trabalhistas e sem omínimo encargo social, repete-se. Evidentemente, nãodesempenham qualquerfinalidade social.

Sobre o tema, ensina oilustre Prof. Jorge Luiz SoutoMaior, no seu trabalho intituladoCooperativas de trabalho,Revista LTr 60-08-1062/1063,que:

As cooperativas deprodução (ou mesmo de“trabalho”), agasalhadas pornosso sistema jurídico,pressupõem que osinstrumentos da produção

estejam na posse doscooperados, além de terem estestotal disponibilidade quanto aoproduto do seu trabalho. Ou seja,várias pessoas podem uniresforços para, com o trabalhoconjunto e sem fins lucrativos,suprirem uma necessidade quelhes era comum (construção demoradias, por exemplo). Otrabalho e o resultado dessetrabalho executado sãousufruídos pelos cooperados enão por terceiros. Não há, porassim dizer, a possibilidade decomercialização desse trabalho,pois do contrário estar-se-iadiante de uma sociedadecomercial como outra qualquer,não de uma cooperativa. Nestesentido, “cooperativas detrabalho” em que o resultado dotrabalho é utilizado por terceiro(construção de casas para umaconstrutora, colheita de laranjapara citricultores, colheita de lixopara um Município e prestaçãode serviços médicos paraempresas de saúde ou umMunicípio, por exemplo) não sãopropriamente cooperativas.(grifos adesivos)

[...]As cooperativas,

portanto, apesar de teremevidentes objetivosempresariais, pois visam àmelhoria das condições de vidados seus associados, nãopodem ser constituídas com oúnico propósito de colocar mão-de-obra a serviço de outrem. Otrabalho humano, no nosso atualordenamento jurídico, éprotegido pelas regrastrabalhistas e não há métodosintermediários juridicamente

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possíveis para regular o trabalhonão eventual, remunerado esubordinado de uma pessoa poroutra. A prestação de trabalhonestas condições caracteriza arelação de emprego junto aotomador de tais serviços... (osgrifos não estão no original)

Da mesma maneira,pensa o insigne Juiz do TrabalhoLuiz Carlos Cândido MartinsSotero da Silva em trabalhointitulado As cooperativas detrabalho no meio rural,Suplemento Trabalhista, LTr, n.126, 1995, p. 804:

Com efeito, conformeclaramente define o artigo 4º daLei n. 5.764/71, a finalidade dacooperativa é prestar serviços aosassociados ou em regime dereciprocidade. Visa o bem comumdos sócios-cooperados. Nessepasso, a cooperativa que deixar,por qualquer razão, de cumpriressa finalidade, simplesmentearregimentando-os para aprestação de serviços a terceiros,numa nítida locação da mão-de-obra como se mercadorias oubens de serviços fossem,divorcia-se flagrantemente da suaprópria razão de existir. Haverá aíuma verdadeira intermediaçãoilícita de mão-de-obra entre acooperativa e o tomador deserviço, afrontando o artigo 9º, daLei n. 5.764/71, como também oparágrafo único, do artigo 442, oartigo 9º e o artigo 444, todos daCLT.

Igualmente, ajurisprudência não destoa dadoutrina. Veja-se, então:

COOPERATIVA. COOPERADO.FRAUDE. A discussão queenvolve cooperativa-cooperado,para ornar essa típica situaçãoveiculada pela legislação, seriacondizente à hipótese daCooperativa se restringir aaproximar seu associado dotomador dos serviços.”O dispostono artigo 9º da Lei n. 5.764/71pressupõe relação jurídica demero associado, quando aCooperativa se restringe aaproximar o associado daqueletomador dos serviços, a fim deque os mesmos celebremcontrato de emprego. Não passapelo crivo do artigo 9º daConsolidação das Leis doTrabalho procedimento daCooperativa que implique colocarà disposição de terceiros força detrabalho, mediante remuneraçãodo prestador de serviços a títulode mera participação” (Min. MarcoAurélio).Cooperativa realmente funcionacomo tal quando intermediáriaentre os associados e aquelesque desejassem contar com aforça de trabalho. Efetivandocontratos com estes últimos ecolocando a força de trabalhodaqueles que seriam osassociados à disposição dostomadores, efetuandopagamentos aos prestadores dosserviços, essa hipótese discrepado ordenamento jurídico vigente,de vez que encerra locação deserviços estranha à Lei n. 6.019/74, chegando à marchandagemque o Direito do Trabalho repudia.O art. 7º da Lei n. 5.764/71 éincisivo: caracteriza-se acooperativa pela prestação diretade serviços aos associados e,

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não, pela prestação de serviçosdos associados, o queconsubstancia distinçãofundamental.(Ac. do TRT da 3ª Região, RO-1187/02, Rel. Juiz RicardoAntônio Mohallem, publ. no“Minas Gerais” de 12.04.2002)

Nota-se que a reclamantenunca foi cooperada, mascooperou, isto sim, com oaumento do lucro dascooperativas e da terceirareclamada, data venia.Igualmente, jamais foitrabalhadora autônoma.

Diante desse longoarrazoado, é incontrastável quea reclamante era empregada daterceira reclamada, máxime,porque esta se beneficiou, comexclusividade, da força de seutrabalho.

Isto posto, mantenho a sentença.

Da rescisão contratual

Aqui assiste inteira razão aosrecorrentes, d.v.

O documento de f. 38, redigidopela própria reclamante e por elajuntado com a inicial, revela que foi suaa iniciativa pela rescisão contratual.

Logo, não lhe são devidas asparcelas de aviso prévio e multafundiária, tampouco os benefícios delevantamento do Fundo de Garantia doTempo de Serviço e seguro-desemprego.

Provido, nesses termos.

Da multa do art. 477 da CLT

O reconhecimento do vínculoempregatício somente em juízo não

serve de escusa à retenção das verbasfinais do trabalhador. Afinal, o ajustesobrevivia no plano fático sob a égideceletista.

É devida, portanto, a multa do art.477 da CLT, nos termos da Súmula n.12 deste Regional, que acato pordisciplina judiciária:

RELAÇÃO DE EMPREGOC O N T R O V E R T I D A .APLICAÇÃO DA MULTAPREVISTA NO ART. 477, § 8º DACLT. Mesmo havendo sériacontrovérsia sobre a existênciade vínculo empregatício e sendoeste reconhecido apenas emjuízo, aplica-se ao empregador amulta por atraso no pagamentodas verbas rescisórias.

Desprovido.

Das horas extras e reflexos

A prova testemunhal avaliza porcompleto a condenação, narrando adobra de turnos e o trabalho aossábados fora do contexto ordinário; veja-se:

que trabalhavam de 08 as14 horas e, às vezes, estendiamde 14 as 20 horas, no caso defaltas de operadores; que istoocorria em média duas vezes porsemana; que uma ou duas vezespor mês tinha um treinamentoaos sábados no horário de 08 as14 horas; que o treinamento àsvezes era de pessoas do banco(Abadia e Marcos Soavino) -Thais Candida Vasconcelos, f.538.

Pouco importa tratar-se dedepoimento único. O encargo

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processual da prova encontra-seplenamente atendido, nos termos do art.818 da CLT e inciso I do art. 333 do CPC.

Não há que se cogitar delimitação da condenação ao que sobejardas 44 horas semanais, uma vez que ajornada ordinária, incontroversa (v.recurso, f. 604), é de seis horas diárias.O que a tal extrapola é extraordinário emerece a respectiva contraprestação.

Por fim, fica rechaçada a alegadaacessoriedade do pedido de pagamentopelo trabalho prestado aos sábados aoreconhecimento da isonomia funcionalcom os bancários. Este pedidocondicional refere-se apenas aosreflexos da condenação de horas extras,sobre os sábados, conforme se infereda inicial à f. 17.

Nada há a prover, portanto.

Dos benefícios previstos nasnormas coletivas dos bancários

Reconhecido o vínculoempregatício diretamente com o BancoTriângulo, a reclamante tem inequívocodireito aos benefícios previstos nas normascoletivas que passam a albergá-la.

Desprovido.

Recurso da reclamante

Da justiça gratuita

O § 1º do art. 14 da Lei n.5.584/70 diz que a assistência judiciáriaé assegurada ao trabalhador quedemonstra que sua situação econômicanão lhe permite demandar sem prejuízodo sustento próprio e de sua família. Nostermos da Lei n. 7.115/83 a declaraçãodestinada a fazer prova de pobreza,quando firmada pelo própriointeressado, presume-se verdadeira.Esta documentação consta dos autos àf. 25.

Assim sendo, muito embora defato inócua a concessão do benefício,uma vez que a sucumbência é dasreclamadas, defiro o pedido.

Provido.

Da isonomia/equiparaçãosalarial

Na inicial, a reclamante rogoupela isonomia salarial com o quadrofuncional do Banco Triângulo,genericamente (v. f. 14/17).

Mas aditou seu pedido naaudiência inaugural, consoante se infereà f. 105:

a reclamante requer oaditamento da inicial para indicarcomo paradigma ao pedido deequiparação a funcionária daquarta reclamada de nomeLarissa de Cássia Medeiros.

Assim se estabeleceram oslimites da lide: equiparação salarial amodelo indicada.

O pedido, então, sucumbiu à faltade prova, já que não há nos autos umelemento sequer apontando para aidentidade funcional com a paradigma,ônus que cabia à reclamante, nostermos do art. 818 da CLT, inciso I doart. 333 do CPC.

O retorno à inicial, feito emrazões de recurso, com invocação a umsuposto PCS do Banco Triângulo etambém aos pisos salariaisestabelecidos em CCT, agora fogem àsfronteiras da reclamatória,estabelecidas pela própria reclamanteao reformular sua pretensão.

Nego provimento.

Das multas normativas

O julgador a quo indeferiu o

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pedido porque a submissão aonormativo coletivo dos bancários foideterminada somente em juízo (f. 548).

Discordo, d.v.

O mesmo raciocínio que servede amparo à condenação ao pagamentoda multa do art. 477 da CLT deve aquivir à baila: o ajuste sobrevivia no planofático, como relação de emprego juntoao banco reclamado. A displicência doempregador de fato não é escusa válidaà inobservância dos preceitosnormativos que regulamentam asrelações de emprego que se firmam sobsua égide.

Provimento que se dá, paraacrescer à condenação multasnormativas, uma por cada instrumentoviolado, em conformidade com o item Ida Súmula n. 384 do TST:

MULTA PREVISTA EM VÁRIOSI N S T R U M E N T O SNORMATIVOS. CUMULAÇÃODE AÇÕES. O descumprimentode qualquer cláusula constantede instrumentos normativosdiversos não submete oempregado a ajuizar váriasações, pleiteando em cada umao pagamento da multa referenteao descumprimento deobrigações previstas nascláusulas respectivas.

Do reembolso por descontosindevidos

D.v., novamente assiste razão àreclamante.

Os recibos salariais de f. 36/37demonstram os narrados descontos,sob as rubricas “Capital” e “Desc.Diversos”. Aquela se refere à quota-parte do “associado cooperado”,condição descaracterizada à autora emjuízo.

Esta, “Desc. Diversos”, foiefetuada no mês de março/05 (f. 36), ea autora correlacionou-a aos atestadosmédicos de f. 38/39, emitidos pelo SUS,que de fato referem-se a afastamentosocorridos no mês de março/05. Nostermos do § 3º do art. 60 da Lei n. 8.213/91, “Durante os primeiros quinze diasconsecutivos ao do afastamento daatividade por motivo de doença,incumbirá à empresa pagar ao seguradoempregado o seu salário integral.” Osreclamados não contestam a lidimidadedos afastamentos, é bom ressaltar.

Assim sendo, dá-se provimentopara acrescer à condenação reembolsopor descontos indevidos, realizados sobas rubricas “Capital” e “Desc. Diversos”,apuráveis junto aos recibos depagamento acostados às f. 36/37.

Da litigância de má-fé, argüidaem contra-razões pelo BancoTriângulo S/A

Não se extrai das razõesrecursais da reclamante qualquer teseinovadora. Os argumentos por elatrazidos foram, em algum momento,levantados nos autos. Assim sendo, nãohá que se cogitar de litigância de má-fé.

Rejeito.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, pela sua PrimeiraTurma, à unanimidade, acolheu apreliminar argüida de ofício pela Ex.ma

Juíza Relatora e não conheceu dorecurso da Cooperativa BrasileiraMultiprofissisonal Ltda. COOPERBRÁS,por deserto, mas conheceu dosrecursos do Banco Triângulo S/A, da LMConsultoria em Call Center eDesenvolvimento Comercial Ltda., e da

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reclamante; sem divergência, rejeitou apreliminar de inépcia da inicial, argüidapelo Banco Triângulo S/A; no mérito, pormaioria de votos, deu provimento parcialao recurso das reclamadas para excluirda condenação as parcelas de avisoprévio e multa fundiária, e os benefíciosde levantamento do Fundo de Garantiado Tempo de Serviço e seguro-desemprego, vencido parcialmente oEx.mo Juiz Revisor; sem divergência, deuprovimento parcial ao recurso dareclamante para deferir-lhe o benefícioda justiça gratuita e para acrescer àcondenação multas normativas, umapor cada instrumento violado, emconformidade com o item I da Súmulan. 384 do TST, e reembolso pordescontos indevidos, realizados sob asrubricas “Capital” e “Desc. Diversos”,apuráveis junto aos recibos depagamento acostados às f. 36/37.Mantido o valor arbitrado à condenação,porque compatível.

Belo Horizonte, 11 de dezembrode 2006.

DEOCLECIA AMORELLI DIASRelatora

TRT-00227-2005-129-03-00-1-ROPubl. no “MG” de 08.07.2006

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICODO TRABALHO

RECORRIDOS: MARCOS MOREIRAMAGLIONI E OUTRO

EMENTA: TRABALHO EMCONDIÇÕES ANÁLOGAS À DEESCRAVO - DANO MORALCOLETIVO. Dadas ascondições degradantes emque se encontravam ostrabalhadores, restaram

violados os direitos humanos,violação essa que o Brasilcomprometeu-se a reprimir emdecorrência de tratadosinternacionais.

RELATÓRIO

Ao relatório de f. 242/243,acrescento que a sentença da 2ª Varado Trabalho de Pouso Alegre, proferidapelo Ex.mo Juiz Edmar Souza Salgado,julgou procedentes, em parte, ospedidos formulados na presente açãocivil pública, condenando os réussolidariamente a pagarem a quantia deR$200.000,00, a título de indenizaçãopor danos morais, devidamentecorrigida monetariamente até o efetivorecolhimento em favor do Fundo deAmparo ao Trabalhador; pagarem atodos os seus empregados aremuneração pactuada, respeitado osalário mínimo legal e a porcentagemsalarial mínima a ser paga em pecúnia,bem assim o percentual máximoprevisto para o salário in natura;

promoverem a efetiva anotação naCTPS dos empregados, devendo contertodos os registros previstos no art. 29,caput e § 1º, da CLT; respeitarem ajornada máxima previstaconstitucionalmente de 8 horas diárias,bem como o intervalo intrajornada de 1hora para descanso e refeição, ointervalo interjornada de no mínimo 11horas consecutivas e o repousosemanal remunerado de 24 horasconsecutivas; absterem-se de forneceraos empregados bebidas alcoólicas,como contraprestação laboral, esubstâncias entorpecentes, a qualquertítulo; absterem-se de reter os pertencesdos empregados. Mantida a liminar (f.72), reduzindo o seu valor paraR$500,00. Juros e correção monetáriana forma da lei e em harmonia com as

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Súmulas n. 200 e 381 do TST.Determinada a expedição de ofício àDRT e ao INSS.

O Ministério Público do Trabalhorecorre (f. 264/275), aduzindo querestou plenamente demonstrada nosautos a existência de trabalho emcondições análogas à de escravo.Sustenta, ainda, que não deveria tersido reduzida a multa pordescumprimento das obrigações deR$1.000,00 para R$500,00, comoentendeu o d. juízo a quo. Requer, pois,seja restabelecido o valor anteriormentefixado.

FUNDAMENTOS

Admissibilidade

Conheço do recurso, porpresentes os pressupostos deadmissibilidade.

Mérito

O Ministério Público do Trabalhoajuizou a presente ação civil públicabuscando a defesa coletiva deinteresses individuais homogêneos.Alegou, para tanto, que as condições detrabalho na Fazenda “Água Preta”, depropriedade dos reclamados, eramanálogas à de escravo. Requereu acondenação dos reclamados aocumprimento das obrigações de fazer enão fazer elencadas às f. 21/22, sobpena de aplicação de multa por infraçãoe por trabalhador, bem como acondenação do demandado aopagamento de R$500.000,00, a título dereparação por dano moral coletivo aosdireitos difusos dos trabalhadores.

Os reclamados contestaram ofeito, negando a existência de trabalhoem condições análogas à de escravo.Requereram, ainda, a suspensão da

presente ação até o julgamento da açãocriminal versando sobre o mesmoassunto.

O juízo a quo, embora tenhaentendido que não houve acaracterização de trabalho escravo,reconheceu a situação degradante aque foram submetidos os empregadosdos reclamados, condenando-os àindenização por danos morais noimporte de R$200.000,00, corrigidosmonetariamente até o efetivorecolhimento em favor do FAT (Fundode Amparo ao Trabalhador). Entendeu,ainda, por reduzir o valor da multa diáriafixada na concessão da liminar (f. 72)para R$500,00.

Contra tal decisão, insurge-se oMinistério Público do Trabalho,asseverando haver restado provado otrabalho em condições degradantes,análogas à de escravo, requerendo,assim, a majoração da indenização pordanos morais, bem como a multa diáriade R$1.000,00 fixada na concessão daliminar.

Passo, pois, ao exame do apelo.Primeiramente, cumpre registrar

que o “trabalho escravo” foi banido destePaís há mais de um século, pela ediçãoda Lei Áurea em 13.05.1888. Entretanto,hoje ainda permanece o aviltamento dascondições de trabalho, em que oempregado é submetido a situaçõesdegradantes de labor, em ofensa àordem social consagrada no TextoConstitucional e aos direitosassegurados pela Legislação doTrabalho.

Essa situação degradante detrabalho é modernamente concebidacomo “trabalho em condições análogasà de escravo”, em violação à organizaçãodo trabalho, e configura-se infração penaldescrita nos tipos legais dos arts. 149,132, parágrafo único, 203 e 207 doCódigo Penal. Para a sua caracterização

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não é necessário o cerceio da liberdadede locomoção do trabalhador, medianteo aprisionamento deste no local detrabalho. Basta a configuração da faltade condução, da dependênciaeconômica, da carência de alimentaçãoe de instalações hidrosanitáriasadequadas, do aliciamento de mão-de-obra, dentre outros.

Em segundo prisma, osreclamados em sua contestaçãorefutam de forma genérica a existênciade trabalho em condições análogas àde escravo, enfatizando que, por tratar-se de pequena propriedade, não havianecessidade de muitos empregados,mas apenas dos que efetivamenteforam registrados (apenas 4empregados, segundo informaçõesprestadas em depoimento pessoal do 2ºreclamado, à f. 180. Informou, ainda,que, em época de safra, havia apenasa contratação de meeiros e, portanto,sem necessidade de registro).Sustentou que não havia qualquerconstrangimento ao direito delocomoção dos trabalhadores.

Há que se ressaltar que osreclamados não lograram êxito emdemonstrar os fatos alegados, sendoforçoso concluir pela existência dovínculo empregatício entre osreclamados e os substituídos.

Quanto ao trabalho emcondições análogas à de escravo, daanálise do conjunto probatório dosautos, ao contrário do entendimentoadotado na origem, constata-se aexistência dos seus elementoscaracterizadores. Consta dosdocumentos colacionados com a inicial(f. 23/48) a denúncia sobre possívelexistência de trabalho escravo naFazenda “Água Preta”, de propriedadedos Srs. José Pedro Maglioni Ribeiro eMarcos Moreira Maglioni, tendo sidorelatado que,

mediante ameaças, violência,engano, era suprimido aosempregados o pagamento dosalário prometido, quando dacontratação, a qual era feitaapenas verbalmente, semnenhuma regularização ouanotação em CTPS. O “salário”era fornecido na forma degêneros al imentícios eaguardente. Mais ainda, se osempregados se lesionassem,tinham de trabalhar, sob pena denão receberem a comida, tendoo administrador pago emdinheiro apenas a importânciade R$5,00 ou R$10,00, porsemana, quantia que nãorespeita o mínimo legal de 30%do salário mínimo, que deve serpago em pecúnia. Na ocasiãoem que os empregadoschegavam a cobrar aremuneração prometida, osdenunciados os ameaçavam deviolência e morte, situação quedemonstra o total estado desujeição. De servidão, em quese encontravam os empregadosda fazenda em relação aosdenunciados, dependendodestes quanto à alimentação emoradia, diante da retenção deseus salários, e ameaçados aocobrar deles seus direitos.Diante da insatisfação dosempregados em não recebersuas remunerações comregularidade, e do desejo deabandono do emprego, odenunciado Marcos tambémameaçava de morte seusempregados e de se apropriardos bens daqueles quedeixassem a fazenda. (denúnciado Ministério Público estadual,à f. 47)

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Tais fatos descritos na denúnciado parquet estadual foramcorroborados, no meu entender, pelosdepoimentos prestados nestaEspecializada (f. 181/182), notadamenteo depoimento de Alessandra SilvérioMartins, in verbis:

que viveu maritalmente com o 1ºrecdo. por cerca de um ano e 3meses, tendo se separado hácerca de 1 ano e pouco; que o 1ºrecdo. chegou a agredir umfuncionário de nome Lázaro quetinha ido “pedir pinga”; que haviafuncionários que trabalhavampraticamente em troca decomida, como o Sr. Juliano,sendo que o 1º recdo. davaapenas R$45,00 nos finais desemana; sendo que o dinheiroera util izado para “comprarcachaça nos bares próximos”;que já presenciou o 1º recdo.dando maconha para o Sr.Juliano, Mauro Lúcio de Oliveira;que presenciava os funcionáriosindo solicitar dinheiro; que o 1ºrecdo. lhes dava, muitas vezes,a pedido da depoente, pequenosvalores como R$5,00; quesomente presencioupagamentos picados; que o 1ºrecdo. fornecia alimento empequena quantidade, sendo queos funcionários vinham pedindopor mais e muitas vezes o 1ºrecdo. negava... (depoimento àf. 181, destaques acrescidos aooriginal).

As testemunhas trazidas pelosreclamados não lograram desconstituiras provas documentais, dentre elas osdepoimentos prestados perante aautoridade policial (cópias, f. 23/35) e,tampouco, anularam o depoimento da

testemunha do autor. Isso porque, emque pese ambas as testemunhaspatronais haverem afirmado que osreclamados forneciam adequadascondições de trabalho a seustrabalhadores, foram unânimes emafirmar que não havia o registro de seucontrato em CTPS e sequer souberaminformar acerca do salário efetivamentepercebido. Assim, percebe-se dasprovas testemunhais e documentais dosautos que, de fato, foram apuradasirregularidades na fazenda dosreclamados. Irregularidades estas queainda não foram sanadas, diga-se depassagem.

Em julgamento de casosemelhante (Processo 00245-2004-811-10-00-3-RO, publicado no DOU em18.03.2005), a Juíza Heloisa PintoMarques, da 2ª Turma do TRT da 10ªRegião, destacou a brilhanteexplanação da conferencista doutoraRaquel Elias Ferreira da Dodge, na 1ªJornada de Debates sobre TrabalhoEscravo, em 24 e 25 de setembro de2002, in verbis:

“...a escravidão não foi eliminada,foi mascarada por novos nomes,métodos e experiências. Se aescravidão não mais existisse outivesse presença episódica nomundo, a Assembléia Geral daONU não teria reafirmado, noúltimo dia 2 de dezembro, o diainternacional para a abolição daescravidão...” “...O Brasil temordem social definida pelaliberdade e dignidade da pessoahumana e tem ordem econômicafundada em utilização de mão-de-obra remunerada. A prática deformas contemporâneas deescravidão atenta contra todos osprincípios formadores da naçãobrasileira. Malgrados os esforços

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já feitos, ainda existe escravidãono Brasil. O assunto exigetratamento prioritário e ênfaseconstante. A prática édisseminada no território nacionalem região urbana e em regiãorural. Ela nos desonra, nosindigna e exige atuaçãopermanente que previna suaocorrência, puna seuspraticantes, liberte os exploradose sobretudo esclareça apopulação, fortalecendo umacultura de respeito à dignidade dapessoa humana...” “...oscompromissos internacionais queo Brasil assumiu e oscompromissos constitucionaisestão fundados na igualdade, naliberdade e na dignidade dapessoa humana e fundamentama ordem social como na defesados direitos sociais, dentre osquais a remuneração digna dotrabalho e o livre exercício ouprofissão. A escravidão, em todasas suas formas, ofende valoresconstitucionais e avilta ahumanidade. Não atinge apenasdireitos sociais, mas todos osdireitos humanos; por isso, aUnião não pode concentrar suaatuação ao restrito âmbito dasrelações de trabalho e emprego,mas deve abranger todas asformas de escravidão e sobretudopromover o resgate de todos osdireitos e da dignidade da pessoavitimada...” (f. 125/142).

Podemos destacar, ainda, o votodo Juiz José Ribamar O. Lima Júnior,por meio do RO 00073/2002, 10ªRegião, 2ª Turma, processo provenientetambém da Vara de Araguaína/TO, que,ao se manifestar sobre o trabalhoanálogo ao trabalho escravo, consigna:

DANO MORAL. TRABALHO EMCONDIÇÕES ANÁLOGAS À DEESCRAVO. Além da justareparação do dano moralrequerida, bem como daprocedência das verbasrescisórias trabalhistasreivindicadas em conseqüênciado aludido dano, tambémjustificador da extinção dasrelações empregatícias, torna-seimpostergável um indispensávele inadiável “Basta” à intolerávele nefasta ofensa social e retornourgente à decência das relaçõeshumanas de trabalho. Torna-se,portanto, urgente a extirpaçãodesse cancro do trabalho forçadoanálogo à de escravo queinfeccionou as relações normaisde trabalho, sob condiçõesrepulsivas da prestação deserviços tão à reputação docidadão brasileiro com negativaimagem do país, perante omundo civilizado.

Assim, dadas as situaçõesdegradantes em que se encontravam ostrabalhadores da Fazenda “Água Preta”,restaram violados os direitos humanos,violação esta que o Brasil comprometeu-se a reprimir em decorrência de tratadosinternacionais, restando evidenciadas aaliciação de trabalhadores e a reduçãodestes a condições análogas à deescravo, mediante a dependênciaeconômica detalhada acima (nãopagamento de salários, mas labor emtroca de casa e comida apenas).

Reconhece-se, portanto, aexistência de dano moral coletivo porviolação a direitos metaindividuais,motivo pelo qual se mantém acondenação dos reclamados,majorando, todavia, o valor daindenização para R$400.000,00 a ser

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revertida ao Fundo de Amparo aoTrabalhador nos termos do art. 13 daLei n. 7.347/85 e parágrafo único do art.100 do CDC, Lei n. 8.078/90.

Quanto às demais obrigações defazer e não fazer impostas pelo juízo deorigem, mantém-se a r. sentençarecorrida (f. 250). O não cumprimentodessas obrigações de fazer e não fazerpelo reclamado importará emcominação de multa por infração e portrabalhador, no valor de R$1.000,00, aser revertido em favor do FAT.

Esclareça-se, por oportuno, quenão há bis in idem na cominação damulta acima exposta com aquelaseventualmente aplicadas peloprocedimento administrativo doMinistério Público do Trabalho,justamente porque esta primeira sançãodecorreu de ato já praticado, enquantoa cominação da multa em debate dar-se-á pelo descumprimento dasobrigações detalhadas nestes autos, asquais os recorridos deverão observar.

Provimento conferido nestestermos.

CONCLUSÃO

O TRIBUNAL REGIONAL DOTRABALHO, por sua Terceira Turma, àunanimidade, conheceu do recurso e,no mérito, sem divergência, deu-lheprovimento para, declarando aexistência de trabalho em condiçõesanálogas à de escravos, majorar o valorda indenização por danos morais,fixando-a em R$400.000,00 a serrevertida ao Fundo de Amparo aoTrabalhador nos termos do art. 13 daLei n. 7.347/85 e parágrafo único do art.100 do CDC, Lei n. 8.078/90 e, ainda,estabelecer o valor da multa por infraçãoe por trabalhador, no valor deR$1.000,00, a ser revertido em favor doFAT; em conseqüência, condeno os

reclamados ao pagamento de custas novalor de R$8.000,00, calculadas sobreR$400.0000,00, valor dado à causa eora utilizado para os devidos fins.

Belo Horizonte, 28 de junho de2006.

MARIA LÚCIA CARDOSO DEMAGALHÃES

Relatora

TRT-00741-2006-109-03-00-3-ROPubl. no “MG” de 16.12.2006

RECORRENTES: (1) CARREFOURCOMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA.(2) ADRIANO GOMES SOARESDA SILVA

RECORRIDOS: (1) OS MESMOS

EMENTA: DANOS MORAIS -ACUSAÇÃO DE PROPAGANDAENGANOSA DESUPERMERCADO IMPUTADAAO EMPREGADO - OMISSÃODO EMPREGADOR. Deveresponder por reparação dedanos morais sofridos pelotrabalhador o supermercadoque se omite diante do fato deser esse seu empregadoprocessado e condenadocriminalmente pela prática decrime tipificado no caput doartigo 67 da Lei n. 8.078/90(“Fazer ou promoverpublicidade que sabe oudeveria saber ser enganosa ouabusiva”) que deveria seratribuído à empresa,fornecedora do produto. Aconduta omissiva da empresadeixou recair sobre o seuempregado os riscos doempreendimento econômico,

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violando o comando legalincurso no artigo 2º da CLT,estando aí demonstrado o atoilícito, pronto a ensejar areparação pretendida.

Vistos, relatados e discutidos ospresentes autos de recursos ordinários,decide-se:

RELATÓRIO

A MM. Juíza do Trabalho SileneCunha de Oliveira, em exercício na 30ªVara do Trabalho de Belo Horizonte/MG,pela r. decisão de f. 86/90, cujo relatórioadoto e a este incorporo, julgouprocedentes, em parte, os pedidosformulados na reclamação ajuizada porADRIANO GOMES SOARES DA SILVAcontra CARREFOUR COMÉRCIO EINDÚSTRIA LTDA., condenando esta apagar àquele indenização por danosmorais fixada no valor de R$3.000,00.

Inconformada, a reclamadainterpôs recurso ordinário às f. 91/98,invocando, como prejudicial de mérito,a eficácia liberatória autorizada naSúmula n. 330 do Colendo TST, aoargumento de que inexiste qualquerressalva no instrumento de rescisãofirmado pelo reclamante. No méritopropriamente dito, insurge-se contra acondenação de reparar danos moraisalegados pelo reclamante, sustentandoa inexistência dos próprios danos e, naeventualidade, de qualquer culpa sua noevento denunciado.

Depósito prévio e preparo dascustas do recurso foram juntados às f.99/100.

O reclamante interpôs recursoordinário adesivo às f. 105/108,pretendendo a majoração do valor dareparação dos danos morais arbitradoem primeiro grau, dizendo-omanifestamente irrisório, insuficiente

para atender à finalidade da reparação,além de não ter considerado a gravidadeda lesão, o grau de culpa da reclamada,o prejuízo que lhe foi impingido e ocaráter punitivo e pedagógico dareparação, pugnando pela reforma dar. sentença a fim de se fixar como termoinicial da incidência de juros e correçãomonetária a data da distribuição dareclamatória.

Contra-razões reciprocamenteapresentadas às f. 102/104 e 109/115.

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade dosrecursos

Conheço do recurso ordinário dareclamada e do recurso ordinárioadesivo do reclamante, porqueatendidos todos os pressupostosobjetivos e subjetivos para suaadmissibilidade.

Juízo de mérito dos recursos

Eficácia liberatória da Súmulan. 330 do TST argüida no recurso dareclamada

A reclamada pretende veraplicada à hipótese deste processo aeficácia liberatória que entende contidana Súmula n. 330 do Colendo TST.

Sem razão.Isso porque continua

inadmissível a renúncia genérica eindiscriminada de direitos trabalhistasquando da rescisão do contrato detrabalho, nos claros termos da parte finaldo § 2º do artigo 477 da CLT.

E a Súmula n. 330 do TST nãoalterou este princípio básico. Nela seproclama que a quitação dada pelotrabalhador ao receber suas verbas

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rescisórias, desde que devidamenteassistido por sua entidade sindical,libera o empregador da obrigação emrelação às parcelas expressamenteconsignadas no recibo, salvo se opostaressalva expressa e específica ao valordado à parcela ou parcelas impugnadas,não abrangendo a quitação de verbasnão consignadas no recibo de quitação,sendo que, em relação aos direitos quedeveriam ter sido satisfeitos durante avigência do contrato de trabalho, aquitação só é válida em relação aoperíodo expressamente consignado norecibo de quitação.

É o que deflui do item I dessaSúmula de jurisprudência, verbis:

I - A quitação não abrangeparcelas não consignadas norecibo de quitação e,conseqüentemente, seus reflexosem outras parcelas, ainda queestas constem desse recibo.

Assim, os direitos trabalhistasnão discriminados no recibo rescisórionão são alcançados por pretensaquitação, apenas porque naquele ato oreclamante nada ressalvou a respeito.

Este o entendimento adotado poreste Egrégio Regional, conformeementa a seguir:

SÚMULA 330/TST - QUITAÇÃO.Nos termos da Súmula 330 doTST, a quitação passada peloempregado ao empregador, comassistência de entidade sindicalda categoria profissional, temeficácia liberatória apenas emrelação às parcelasexpressamente consignadas nosrecibos, dentro do limite dosvalores efetivamente pagos.Dessa forma, a eficácialiberatória se refere apenas aos

valores consignados no TRCT,não havendo impedimento paraque o reclamante pleiteie valoresrestantes que entender devidos,ainda que em complemento dostítulos discriminados no TRCT.(00936-2005-013-03-00-3- RO, 1ªT., Rel. Juiz Mauricio José GodinhoDelgado, DJMG de 07.04.06)

Rejeito.

Matéria comum a ambos osrecursos

Reparação de danos morais

A pretensão veio calcada emreparação de danos morais impingidospela reclamada ao reclamante emdecorrência do contrato de trabalho,sendo incontroversos os seguintes fatosque dão origem ao pedido:

O reclamante era coordenadorde operações da loja CHAMPION,unidade de Santa Luzia/MG dareclamada. Não exercia funções degerente da loja ou mesmo dedepartamento, não tendo sido tampoucodesignado pela reclamada para, emnome da empresa, tratar com os seusclientes, já que havia “coordenadoresplantonistas” especialmente designadospara essa finalidade.

No dia 08.10.2004, um clientedessa loja, ao adquirir produtos dosupermercado, exigiu do caixa, no atoda compra, um desconto que teria sidoanunciado em propaganda veiculadapela ré. Na ausência dos gerentes oudos coordenadores plantonistas, oreclamante foi chamado para resolvero impasse, e informou ao cliente,apresentando-lhe a propagandaquestionada, que os produtos nãoestavam incluídos na promoção, semlograr convencer este último, contudo.

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A polícia militar foi então acionadapelo consumidor, tendo-se lavrado oboletim de ocorrência de f. 55/56.

Remetido o expediente para aJustiça Criminal, o Ministério PúblicoEstadual, atuando no Juizado EspecialCriminal de Santa Luzia/MG, resolveuoferecer denúncia contra o reclamante,acusando-o de ter sido ele, no episódioacontecido no dia 08.10.2004, o autordo crime tipificado no caput do artigo 67da Lei n. 8.078/90 (sic, f.11/13), qualseja, o de “Fazer ou promoverpublicidade que sabe ou deveria saberser enganosa ou abusiva”.

O reclamante foi então citadocomo acusado da prática de crime (f. 10)e passou a responder por processocriminal, figurando como autor do crimede propaganda enganosa.Comparecendo em juízo, acompanhadode advogado patrocinado pela reclamada,aceitou proposta de transação penalapresentada pelo Promotor de Justiça, e,devidamente assistido por esse advogadoda ré, assumiu a condição de autor dofato delituoso, sofrendo, emconseqüência, a aplicação imediata depena restritiva de direito consistente emprestação pecuniária, mediante doaçãode duas cestas básicas que deveriam serentregues em local designado pelo i.Promotor de Justiça.

Realizada a transação penal, oreclamante, figurando como autor docrime, reitere-se, foi advertido pelo MM.Juiz de Direito que a transação nãoimportaria reincidência e inscrição no roldos culpados, mas era registrada“apenas para impedir novamente omesmo benefício no prazo de cincoanos” (f. 13).

Estes fatos narrados são tãoabsurdos que desafiam qualquercompreensão menos razoável do queseja direito e justo no contexto da nossaordem jurídica, social e econômica.

Um simples passar de olhos pelalei, sem exigir nenhum esforçoexegético, induz que o tipo penal inscritono artigo 67 do Código de Defesa doConsumidor, no qual o autor foi incurso,incrimina por “Fazer ou promoverpublicidade que sabe ou deveria saberser enganosa ou abusiva” o fornecedordo produto, o veículo de publicidade ouo publicitário responsável, mas nunca,jamais, um empregado daquelefornecedor que estivesse no estritocumprimento de ordens de seu patrão,em benefício de cuja atividadeeconômica, aliás, entrega sua força detrabalho para receber um salário que lhevai garantir o sustento próprio e de suafamília.

Se a reclamada, benevolente,designou advogado seu para defenderos interesses de seu empregado (quena verdade também lhe servia ali comoum “testa-de-ferro”), não se podeaceitar, razoavelmente, que nenhumaprovidência processual haja sidorequerida para se colocar no pólopassivo da ação criminal aquela quedeveria figurar ali como ré, que é areclamada, de forma que ela pudesseformular perante aquele Juízo Criminalos argumentos de defesa que em vãoforam deduzidos nesta reclamaçãotrabalhista, de que um ou outro produtoera vendido na padaria ou nasalsicharia, ou que o produto que ocliente pretendia comprar não estavaanunciado em promoção no cartaz daloja ... e discutir lá a questão levantadaaqui conforme a qual não se teriacometido o crime denunciado.

Mas a ré preferiu omitir-se, nadaobstante se considerasse culpada, jáque assentiu em “patrocinar” oadvogado para defender o reclamantee as cestas básicas que couberam aeste último como pena restrit iva,permitindo que um seu simples

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empregado suportasse os riscos do seugigantesco empreendimentoeconômico, contrariando o comandolegal incurso no artigo 2º da CLT.

E foi essa omissão da reclamadaque fez desencadear toda a seqüênciade enganos cometidos na lamentávelação criminal promovida contra oreclamante, na medida em que, tivessea ré assumido a sua responsabilidade,decerto que o autor não teriaexperimentado o sentimento deindignação e de injustiça, os dissaborese o constrangimento de comparecerperante um Juízo Criminal pararesponder pela prática de um crime queseguramente não foi cometido por ele.

Está aí demonstrado, portanto, oato ilícito praticado pela reclamada,pronto a ensejar a reparação pelosevidentes e inegáveis prejuízossuportados pelo reclamante.

A existência do ilícitodemonstrado, às escâncaras, já setraduziria, por si só, em suporte para abusca indenizatória do dano moral, dadaa subversão de valores aceitos pelohomem comum como o trabalho, ahonestidade e o caráter que compõema sua dignidade pessoal. E essa lesãose projeta objetivamente em forma deum sentimento de angústia, sofrimento,indignação.

Já se sabe que a proteção àhonra assegurada na ConstituiçãoFederal não consiste apenas no direitoda pessoa de não ser lesada na suaconsideração social. A proteçãoalcança, também, o direito da pessoade não ser ofendida na sua dignidade,considerada esta em si mesma,estando, portanto, jungida à agressãode um valor subjetivo que vai redundarem sofrimento para a vítima, seja emfunção do que vai abstrair do ato elamesma ou do que haverão de pensaros outros dela.

O dano moral, entendido comoo sofrimento físico e mental, osentimento de dor e desânimo, angústia,indignação e de menos-valia, conquantointangível, não-mensurável por critériosobjetivos, enseja uma reparação que dêà vítima o conforto e a esperança de vermitigado o sofrimento, a humilhação quelhe é impingida e o sentimento dedescrença, consistindo em justa medidaque funcionará como lenitivo daangústia e da indignação suportadaspela vítima.

Os danos sofridos peloreclamante foram muitos: não bastassea lesão à sua honra, a omissão dareclamada em permitir que ele, emnome da empresa, sofresse uma penapor crime que não cometeu, atingiu-lheos valores subjetivos protegidos pela lei.Por isso, exige uma reparação maisjusta do que a arbitrada em primeirograu, data venia da MM. Juíza prolatorada sentença.

A propósito desse tema, adoutrina do eminente juristaSEBASTIÃO GERALDO DE OLIVEIRA:

Onde houver dano ou prejuízo,a responsabilidade civil échamada para fundamentar apretensão de ressarcimento porparte daquele que sofreu asconseqüências do infortúnio. É,por isso, instrumento demanutenção da harmonia social,na medida em que socorre o quefoi lesado, utilizando o patrimôniodo causador do dano pararestauração do equilíbriorompido. Com isso, além decorrigir o desvio de conduta,amparando a vítima do prejuízo,serve para desestimular oviolador potencial, o qual podeantever e até mensurar o pesoda reposição que seu ato ou

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omissão poderá acarretar.(in Proteção jurídica à saúde do

trabalhador, LTr, 4. ed., p. 233)

Quanto ao valor da indenização,JOÃO DE LIMA TEIXEIRA FILHO (inRevista LTr, v. 60, n. 09, setembro/1996,p. 1.171) estabelece parâmetros quedevem ser observados pelo magistrado,quais sejam: a extensão do fatoinquinado (número de pessoasatingidas, de assistentes ou deconhecedoras para efeito derepercussão); permanência temporal(se o sofrimento é efêmero, pode seratenuado ou tende a se prolongar notempo por razão plausível); intensidade(o ato ilícito foi venial ou grave, dolosoou culposo); antecedentes do agente (areincidência do infrator deve agravar areparação a ser prestada ao ofendido);situação econômica do ofensor erazoabilidade do valor.

Isso colocado, penso que aconduta omissiva da reclamada develhe custar mais caro, redobrada vêniado r. entendimento de origem, ainda quecom isso se pretenda impedir que aempresa reincida na prática de condutatal e a fim de que o peso da suainjustificável omissão seja mensuradona mesma proporção em que se avaliaa extensão dos danos causados aoreclamante.

Considerando, portanto, osparâmetros acima transcritos, o poderioeconômico da reclamada, querepresenta uma das maiores redes desupermercados do país, e o seu graude culpa, bem assim a gravidade dalesão, com a subversão dos valoressubjetivos do reclamante, elevo o valorda indenização por danos morais, queestá a cargo da reclamada, paraR$30.000,00, nos limites do pedido, eisque reputo esse quantum mais razoávelpara a finalidade pretendida.

Nego provimento ao recurso dareclamada e dou provimento ao recursoadesivo do reclamante.

Atualização monetária doquantum indenizatório pretendida norecurso do autor

O d. juízo de origem determinoua incidência de juros e correçãomonetária a partir do quinto dia útilsubseqüente ao trânsito em julgado dadecisão (fundamentos de f. 89).

Todavia, os juros moratóriossão devidos a partir do ajuizamentoda ação, nos termos da Súmula n. 200do Colendo TST, também em setratando de reparação de danosmorais verificados no contrato detrabalho.

A correção monetária é devida apartir da data do evento danoso, data

maxima venia. Mas, nos limites dopedido do autor, incidirá sobre oquantum deferido apenas a partir doajuizamento da ação.

Provejo o recurso, tambémnesse particular aspecto.

CONCLUSÃO

Conheço do recurso ordinário dareclamada e do recurso ordinárioadesivo do reclamante. No mérito, negoprovimento ao recurso ordinário eprovejo, em parte, o recurso adesivo,para elevar o valor da indenização pelosdanos morais, que está a cargo dareclamada, para R$30.000,00,atualizáveis com juros de moraincidentes a partir do ajuizamento daação sobre o capital corrigido a partirdesta data.

Elevo para R$30.000,00 o valorda condenação, com custas arbitradasem R$600,00, pela reclamada.

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Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.261-389, jul./dez.2006

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, pela sua QuintaTurma, preliminarmente, àunanimidade, conheceu do recursoordinário da reclamada e do recursoordinário adesivo do reclamante; nomérito, sem divergência, negouprovimento ao recurso ordinário e deuprovimento, em parte, ao recursoadesivo, para elevar o valor daindenização pelos danos morais queestá a cargo da reclamada paraR$30.000,00, atualizáveis com juros demora incidentes a partir do ajuizamentoda ação sobre o capital corrigido a partirdesta data. Elevou para R$30.000,00 ovalor da condenação, com custasarbitradas em R$600,00, pelareclamada.

Belo Horizonte, 12 de dezembrode 2006.

FERNANDO LUIZ GONÇALVES RIOSNETORelator

TRT-00483-2005-000-03-00-9-ARPubl. no “MG” de 28.07.2006

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO

RÉUS: CARLOS ROBERTO ALVES (1)DORLINA RAMOS DOSSANTOS (2)LUIZ ANTÔNIO COSTA (3)

EMENTA: COLUSÃO DASPARTES - FRAUDE ÀEXECUÇÃO FISCAL -SIMULAÇÃO DE LIDETRABALHISTA - RESCISÃODAS SENTENÇASHOMOLOGATÓRIAS DE

ACORDO - LITIGAÇÃO DE MÁ-FÉ. Tendo o executado fiscal,com seu irmão e pessoasimples de sua confiança, emconluio, simulado a ocorrênciade relação empregatícia eforjado transações queensejaram a homologação deacordos cujas execuçõesalcançaram exatamente o valorde garantia oferecida noprocesso tributário, rescindem-se as sentençashomologatórias com fulcro nodisposto no inciso III do art. 485do CPC. O uso de artimanhas ealteração da verdade dos fatoscaracteriza a má-fé processuale atrai seus consectárioslegais, porquanto não se podepermitir que o princípio do livreacesso ao Judiciário sejamanejado para viabilizar oabuso do direito, pois essa éuma idéia antagônica ao deverde probidade que se impõe àobservância das partes.

Vistos os autos, relatada ediscutida a presente ação rescisória,DECIDE-SE:

RELATÓRIO

Trata-se de ação rescisóriaajuizada pelo Ministério Público doTrabalho em face de Carlos RobertoAlves, Dorlina Ramos dos Santos e LuizAntônio Costa, requerendo adesconstituição dos acordos firmadosnos autos dos processos n. 02/02672/98 e 02/02819/98, que tramitam perantea 2ª Vara do Trabalho de Uberaba,colacionados aos presentes autosrespectivamente às f. 40 e 88, sob ofundamento de terem sido celebradoscom o intuito de fraudar a lei.

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Narrando os fatos, sustenta oautor ser parte legítima para ajuizar apresente ação rescisória, com amparono artigo 487 do CPC.

Aponta que recebeu ofício daProcuradoria Seccional da Fazenda,cientificando sobre acordo firmado entreos réus, em ações trabalhistas ajuizadaspelo primeiro e pelo segundo emdesfavor do terceiro.

Os acordos não foram cumpridos,acarretando uma elevação substancial emseu valor, visto que as partes previrammulta de 100% por seu inadimplemento.

A intenção das partes com areferida conduta era livrar uma fazendado terceiro réu da execução fiscal a queestava vinculada. A ação foi proposta pelaFazenda Nacional, tendo recebido o n.92.02.00229-0. Em 14 de maio de 1996,o terceiro réu requereu a substituiçãoda fazenda por R$152.145,69 emdinheiro, o que lhe foi deferido.

Em 15 de março de 1999, a 2ªVara do Trabalho de Uberaba solicitoua reserva do valor de R$150.000,00para a satisfação do crédito do segundoe terceiro réus em relação ao primeiro.

Nos autos da execução fiscal, aFazenda Nacional relatou inúmeraspráticas fraudulentas adotadas peloterceiro réu na condição de empresário,além da relação das ações propostas emseu desfavor perante a Justiça Federal.

Neste contexto, o autor alicerçaseu pleito desconstitutivo na 2ª parte doinciso III do artigo 485 do CPC, alínea“b” do inciso III do artigo 487 do CPC,parágrafo único do artigo 831 da CLT,artigo 836 da CLT e Súmula n. 259 doTST, requerendo, ainda, seja proferidanova decisão reconhecendo aimprocedência dos pedidos formuladospelo primeiro e segundo réus ou,sucessivamente, sejam os processosextintos sem o julgamento de mérito, porfalta de interesse processual.

Requer, ainda, a condenaçãodos réus ao pagamento de multa de 1%sobre o valor das ações trabalhistas emquestão, por serem temerárias, além dopagamento de indenização fundada nautil ização descabida do PoderJudiciário, em valor equivalente a 10%do valor mencionado.

Atribuiu à causa o valor deR$150.000,00.

Com a inicial vieram as certidõesde trânsito em julgado das decisões quese pretende rescindir (f. 28/29) e osdocumentos (f. 31/424).

Admitido o processamento daação (f. 428).

A segunda e o terceiro réus,apesar de citados (f. 436 e 514),deixaram transcorrer in albis o prazopara resposta. O primeiro réu, citado poroficial de justiça, apresentou a respostade f. 456/476, acompanhada deprocuração e declaração de pobreza.

Impugnação do autor (f. 521/528).

Sem outras provas a produzir,encerrou-se a instrução processual (f.534).

O autor apresentou razões finais.Dispensado o parecer do

Ministério Público do Trabalho, na formaRegimental, por ser parte no feito.

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

A pretensão desconstitutiva sedirige a dois acordos celebrados entreos réus, o primeiro em 18.11.98 (f. 88) eo segundo em 09.12.98 (f. 40).

Conforme previsto no artigo 495do CPC, dispõe a parte de 02 anos,contados do trânsito em julgado dadecisão, para propor ação que vise àsua desconstituição.

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O Ministério Público do Trabalho,autor da ação, sustenta ter sidocientificado em 25 de agosto de 2004,por meio de ofício enviado pelaProcuradoria Seccional da FazendaNacional em Uberaba, acerca dapossível colusão entre as partesintegrantes do acordo judicial.

Aponta que o marco inicial doprazo de dois anos para o ajuizamentoda ação rescisória em caso de colusãoé o conhecimento da existência dasuposta fraude, o que somente ocorreuna data mencionada.

Quanto à ausência do exercíciodo contraditório pela segunda e terceiroréus, dispõe a Súmula n. 398 do TSTque tal fato, em sede de ação rescisória,não resulta nos efeitos da revelia, tendoem vista não se admitir o desfazimentoda coisa julgada por presunção deveracidade.

Assim sendo, o silêncio dasegunda e do terceiro réus em relação àsalegações contidas na peça de ingresso,não obstante caracterizá-los como revéis,não acarreta as conseqüênciaspertinentes ao referido instituto.

Admitida a ação rescisória (f.428).

Preliminarmente

Inépcia da peça de ingresso

Alega o primeiro réu que a peçaexordial é inepta, uma vez que dos fatosnarrados não decorre logicamente aconclusão.

Argumenta que o ordenamentojurídico não veda a prestação de serviçoentre parentes, sendo tal fatoimprestável à aferição de fraude oucolusão para lesar terceiros.

Sem razão.A narrativa constante da petição

inicial é clara e se relaciona diretamente

com a conseqüência dela decorrente,conforme sustentado pelo autor.

O fato de o réu não concordarque as assertivas apresentadas sejamsuficientes para a caracterização dacolusão não significa que tenha havidodefeito na elaboração da petição inicial.

Mister observar que o exercíciodo contraditório foi regular e não sofreunenhuma restrição em razão dadescrição dos fatos pelo autor, ou daconclusão que obteve.

Rejeito.

Prejudicial de mérito

Decadência

A defesa (f. 458/462) se atém àthese de que o dies a quo do prazodecadencial seria o das realizações dosacordos trabalhistas que constituíramcoisa julgada, na forma do art. 495 doCPC. Olvida-se, entretanto, de que épacífica a questão na jurisprudência,consolidada no item VI da Súmula n. 100do Col. TST:

Na hipótese de colusão daspartes, o prazo decadencial daação rescisória somente começaa fluir para o Ministério Público,que não interveio no processoprincipal, a partir do momento emque tem ciência da fraude.

Ainda que se possa afirmar quenão está o réu da ação rescisória sob ocrivo do ônus da defesa especificada(art. 302 do CPC), dado o caráter públicoda pretensão desconstitutiva da coisajulgada (art. 491, in fine, do CPC), emréplica à defesa, ratifica o autor ainformação de que, por meio do referidoofício da Procuradoria da FazendaPública Nacional em Uberaba, recebeua notitia criminis (f. 521/524).

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Cumpre lembrar que atua o MPTcomo órgão público guardião da ordemjurídica (art. 127 da CR/88), daídecorrendo o fato de que o agentepúblico que subscreve a exordial afirmacom fé pública. Disso decorre aoficialidade da informação, que inclusiveprocede de outro órgão público, aProcuradoria da Fazenda Nacional.Tanto assim que a negativa deveracidade do documento implicariaincursão do agente nas penas do art.299 do CP: falsidade ideológica dedocumento, tipificada pela inserção dedeclaração falsa com o fim de alterar averdade sobre fato juridicamenterelevante.

Entendo, portanto,suficientemente segura a informaçãoacerca da data da ciência dos fatosfraudulentos pelo Ministério Público doTrabalho.

Proposta a presente ação em22.04.2005, afasto a decadênciaalegada.

Conluio - Fraude à execuçãofiscal

A exordial da ação proposta porCARLOS ROBERTO ALVES contra seuirmão de criação LUIZ ANTÔNIOCOSTA, em 15.10.98, noticia osseguintes fatos, inverossímeis à luz detodo o contexto probatório: que oprimeiro teria sido empregado dosegundo, tendo sido contratado parafilmar animais, produzir e programarvídeos para exibições, mas “acaboufazendo mais toda e qualquer função nafazenda, sendo que ora era motoristade veículos para passear com visitantes,ora tratava de animais ou cuidava dachocadeira, sendo que chegou atémesmo a dirigir tratores para cultivo delavoura” (f. 31/32). Recebiamensalmente 10 salários mínimos,

trabalhava de segunda a segunda, semfruição de feriados ou dias santos, de6h as 18h, com uma hora de intervalo,sem férias, sem recolhimento de FGTS,com 13º salários atrasados e semrecebimento de parcelas rescisórias.Atribui à causa o valor de R$210.872,16.

Foi homologado acordo no valorde R$60.000,00, com previsão de multacontratual de 100% (cem por cento) nocaso de inadimplência (f. 40), o queocorreu (f. 44/45), elevando o valor daexecução para R$120.000,00. Intimadopara indicar bens passíveis de penhora,informa o exeqüente a existência de“ativos financeiros de titularidade doreclamado, no valor de R$152.145,69,em 14.05.96, penhorados nos autos n.92.02.00229-0, Vara da Justiça Federallocal...” (f. 49). O MM. Juiz da execuçãooficiou o referido órgão da JustiçaFederal para que reservasse o valor daexecução, tendo em vista o privilégio docrédito (f. 51).

Os advogados do empresáriorenunciaram ao mandato em maio de1999, f. 59, data em que houve apenhora no rosto dos autos da execuçãofiscal (f. 64). No mês seguinte, o patronodo autor da reclamatória renunciou aomandato (f. 74/75). Frustrada novatentativa de conciliação em face do nãocomparecimento do executado àaudiência (f. 76).

Concomitantemente, em05.11.98, DORLINA RAMOS DOSSANTOS também propôs açãotrabalhista contra LUIZ ANTÔNIOCOSTA, narrando ter trabalhado namesma fazenda “Reserva ZebuEcológica” desde 1990, na função decozinheira, com salário mensalcorrespondente a três vezes o mínimo,com registro de doméstica, a despeitoda atividade econômica desenvolvida nafazenda, com labor de segunda asegunda, sem folgas em dias santos e

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feriados, jornada de 6h30min as 18h,com uma hora de intervalo, nunca gozouférias, não houve recolhimento deFGTS, não houve pagamento nosúltimos cinco anos de 13º salário, nemtampouco de verbas rescisórias. Atribuiuà causa o valor de R$52.137,19 (f. 82/84).

Segue-se acordo no valor deR$15.000,00, com previsão de multa de100% no caso de inadimplência (f. 88),o que elevou a execução paraR$30.000,00 (f. 93/94). Seguiu-seidêntico procedimento ao da açãotrabalhista anteriormente narrado, compenhora do respectivo valor nos autosda execução fiscal (Processo n.92.02.00229-0, f. 100 e 112), infrutíferatentativa de conciliação e renúncia dosmandatos (f. 106/107 e 123).

Não bastasse toda a“coincidência” de iter procedimental dasduas execuções, contra um mesmoexecutado que não parece ter interesseem se defender (sequer alegouprescrição ou embargou a execução) enão responde aos chamados do juízo,a fragilidade dos acordos homologadosjudicialmente se torna definitiva dianteda prova produzida nos embargos àexecução opostos pela União Federalnos autos da execução fiscal, de ondese extrai do depoimento da própriaDorlina Ramos “que nunca prestouserviços na Zebu Ecológica emUberaba” (f. 148). A 2ª testemunhaouvida naquela assentada, porteiro daZebu Ecológica de 1991 a 1998, informaque “na época em que trabalhou para afábrica de botinas a empresa era ZebuEcológica; [...] que chegou a conhecerempresas Zebu Promoções, ZCalçados, Zebu Jeans, sabendo quesempre o sócio de fato era o 7ºembargado (1º réu na rescisória); queao que sabe o 1º embargado é irmãode criação do 7º embargado; [...] que

nunca viu o 1º embargado efetivamentetrabalhando na fábrica, embora às vezesele ali se encontrasse; que o 1ºembargado não exercia qualqueratividade; que o 1º embargado hojetrabalha cuidando da loja da fábrica; queacredita que esta loja seja do 7ºembargado” (f. 150).

O conluio e a fraude perpetradosficam escancarados à luz da petição def. 384/385, datada de maio de 1996, pelaqual o executado das ações trabalhistasrequer nos autos da execução fiscal asubstituição da penhora sobre a fazendapor dinheiro, comprovando o depósitode R$152.145,69 (f. 186),posteriormente reservados para oscompanheiros de fraude, obviamente“testas de ferro” seus.

Não restam dúvidas de que nãomerecem subsistência jurídica osacordos homologados judicialmente, osquais perdem a eficácia de títuloexecutivo judicial por força do dispostono inciso III do art. 485 do CPC, aplicadonos termos do art. 836 da CLT.

Pelo exposto, torno definitivos osefeitos da liminar que suspendeu aexecução trabalhista, ante a presençade fumus boni iuris e periculum in mora

já reconhecidos pela Ex.ma Juíza LucildeD’Ajuda Lyra de Almeida no ProcessoCautelar n. 00484-2005-000-03-00-3-AC (f. 386/387), julgando procedente opedido, para rescindir os acordostrabalhistas realizados nos processos n.02/02672/98 (f. 40) e 02/02819/98 (f. 88)da então 2ª Junta de Conciliação eJulgamento de Uberaba.

Em face do pedido constante naalínea “d” da f. 25 da exordial, em juízorescisório, em face da comprovação dainexistência de vínculo empregatício,julgo improcedentes os pedidosformulados nas ações trabalhistassusomencionadas, isentando seusautores do pagamento das respectivas

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custas, fixadas respectivamente emR$4.217,00 e R$1.000,00, beneficiáriosque são da gratuidade da justiça.

Litigação de má-fé

Pleiteia o autor a condenaçãodos requeridos, solidariamente, aopagamento de multa de 1% sobre valordas reclamações trabalhistas, além deindenização de 10%, fundada nautilização indevida do aparato judicial.

Com razão.Restou fartamente comprovado

o ânimo doloso do terceiro réu emfrustrar a execução fiscal mediante afraude trabalhista, para o queconquistou o apoio dos dois primeirosréus, que compareceram a juízo ederam contornos à simulação da lide,usando de artimanhas e alteração daverdade dos fatos, buscando oinduzimento do juízo a erro.

Não se pode permitir que oprincípio do livre acesso ao Judiciárioseja manejado para viabilizar o abusodo direito, pois essa é uma idéiaantagônica ao dever de probidade quese impõe à observância das partes.

O executado fiscal, com seuirmão e pessoa simples de suaconfiança, em conluio, simularam aocorrência de relação empregatícia eforjaram as transações que ensejaramos acordos, não quitadospropositalmente para que o valor dasexecuções fosse dobrado e alcançasseexatamente o valor do depósitorealizado perante a Justiça Federal emsubstituição de penhora sobre bemimóvel, valendo-se do privilégio docrédito trabalhista. Provocaram aconstituição de título executivo judicialantijurídico, devendo todos ter suascondutas sumariamente repelidas pelaatuação jurisdicional dos juízes e dostribunais, que não podem tolerar o

abuso processual como práticadescaracterizadora da essência ética doprocesso.

Caracterizada sobremaneira alitigação de má-fé na forma dos incisosII, III e V do art. 17 do CPC, condenosolidariamente os réus ao pagamentode multa de 1% sobre o valor dascausas apresentadas em juízo,R$3.772,00 (processos n. 02/02672/98e 02/02819/98/2ª JCJ/Uberaba -R$210.872,16 e R$50.000,00respectivamente, f. 34 e 84), além dapretendida indenização por utilizaçãoindevida do aparato jurisdicional,arbitrada em 10% (dez por cento) sobrea mesma base de cálculo, R$26.087,00,ambas com supedâneo no art. 18 doCPC.

CONCLUSÃO

Admito a ação rescisória e rejeitoa alegação de inépcia da exordial. Nomérito, rejeito a decadência e julgoprocedente o pedido, para rescindir,com fulcro no inciso III do art. 485 doCPC, os acordos homologados pela 2ªJCJ de Uberaba nos processos n. 02/02672/98 e 02/02819/98 e, em juízorescisório, julgar improcedentes osrespectivos pedidos, isentando osautores do pagamento das custas,beneficiários da gratuidade da justiça.Por litigação de má-fé, condeno os réus,solidariamente, ao pagamento de multae indenização, na forma do art. 18 doCPC, no valor total de R$29.859,00(vinte e nove mil e oitocentos ecinqüenta e nove reais), valor que orase atribui à condenação.

Custas da presente demandafixadas em R$600,00, pelos réus, isentoo primeiro, a quem ficam concedidos osbenefícios da gratuidade da justiça(declaração de miserabilidade jurídica,f. 478).

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Fundamentos pelos quais,

ACORDAM os Juízes do TribunalRegional do Trabalho da TerceiraRegião, em julgamento proferido pela2ª SESSÃO ESPECIALIZADA DEDISSÍDIOS INDIVIDUAIS (2ª SDI), nestadata, por unanimidade, em admitir aação rescisória, em rejeitar a preliminarde inépcia da petição inicial; no mérito,por maioria de votos, vencidos os Ex.mos

Juízes Relator, Júlio Bernardo doCarmo, Emerson José Alves Lage eMilton Vasques Thibau de Almeida, emrejeitar a decadência e julgarprocedente o pedido, para rescindir,com fulcro no inciso III do art. 485 doCPC, os acordos homologados pela 2ªVara do Trabalho de Uberaba nosprocessos n. 02/02672/98 e 02/02819/98 e, em juízo rescisório, julgarimprocedentes os respectivos pedidos,isentando os autores do pagamentodas custas, beneficiários da gratuidadeda justiça. Ainda, por maioria, porlitigação de má-fé, em condenar osréus, solidariamente, ao pagamento demulta e indenização, na forma do artigo18 do CPC, no valor total deR$29.859,00 (vinte e nove mil eoitocentos e cinqüenta e nove reais),valor que ora se atribui à condenação,vencido o Ex.mo Juiz José Eduardo deResende Chaves Júnior. Custas dapresente demanda f ixadas emR$600,00, pelos réus, isento o primeiro,a quem ficam concedidos os benefíciosda gratuidade da justiça (declaração demiserabilidade jurídica, f. 478).

Belo Horizonte, 13 de julho de2006.

JOSÉ MIGUEL DE CAMPOSPresidente e Redator

TRT-00081-2006-029-03-00-7-ROPubl. no “MG” de 18.10.2006

RECORRENTE: MANOEL LEÔNCIO DASILVA

RECORRIDA: ARMAFERRO LTDA.

EMENTA: PRESCRIÇÃO -PRONÚNCIA DE OFÍCIO -INAPLICABILIDADE NOPROCESSO DO TRABALHO. Aproteção ao hipossuficiente -princípio basilar do Direito doTrabalho - tem por escopoatenuar, na esfera jurídica, adesigualdade socioeconômica ede poder existente, no planofático da relação de emprego.Diante disso, pode-se afirmarque a norma do § 5º do artigo 219do CPC é incompatível com talprincípio protetivo, visto que apronúncia da prescrição, deofício, pelo juiz do trabalhobeneficiará, apenas, um dossujeitos da relação empregatícia- no caso, o empregadorinadimplente. Conclui-se,portanto, pela inaplicabilidade,no processo trabalhista, da novaregra do processo comum, emface de sua incompatibilidadecom os princípios queinformam o Direito do Trabalho- sob pena de comprometer-sea própria essência da funçãoteleológica desse ramojurídico especializado.

Vistos, relatados e discutidos ospresentes autos de recurso ordináriointerposto contra a r. sentença proferidapela MM. Juíza do Trabalho da 1ª Varado Trabalho de Contagem, em quefiguram, como recorrente, MANOELLEÔNCIO DA SILVA; e, como recorrida,ARMAFERRO LTDA.

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RELATÓRIO

A MM. Juíza do Trabalho da 1ªVara do Trabalho de Contagem, Drª JúniaMárcia Marra Turra, pela r. sentença def. 80/84, cujo relatório adoto e a esteincorporo, com fundamento no § 5º doartigo 219 do CPC (alterado pela Lei n.11.280/06) reconheceu, de ofício, aprescrição, nos termos do inciso XXIX doartigo 7º da Constituição da República eextinguiu o processo com resolução domérito (CPC, artigo 269, IV).

Recurso ordinário (f. 88/91), peloreclamante, pleiteando o afastamentoda prescrição pronunciada de ofício.

A reclamada não apresentoucontra-razões (certidão de f. 95).

É o relatório, em síntese.

VOTO

1. Juízo de admissibilidade

Próprio e tempestivo,preenchidos os demais pressupostos deadmissibilidade, conheço do recurso.

2. Juízo de mérito

2.1. Prescrição - Dano moral

O reclamante não se conformacom a extinção do processo, com examedo mérito, em face da prescrição totaldeclarada.

Argumenta, para tanto, que éinaplicável a prescrição trabalhista, jáque a responsabilidade civil por danomoral é instituto conceitualmentecivilista.

Data venia, entende-seequivocado o entendimento da d.julgadora de primeiro grau, quereconheceu, de ofício, a prescrição total,com amparo no § 5º do artigo 219 doCPC (com a nova redação dada pela Lei

n. 11.280/06) e extinguiu o processo,com julgamento do mérito, com suporteno inciso IV do artigo 269 do CPC.

Inicialmente, cumpre ressaltarque este relator entende que a novanorma do direito processual comum,que dispõe que o juiz pronunciará, deofício, a prescrição, não se aplica aodireito processual do trabalho.

Com efeito, a aplicaçãosubsidiária do processo civil aoprocesso do trabalho, autorizada peloartigo 769 da CLT, deve observar osrequisitos nele elencados, isto é, aexistência de lacuna na legislaçãotrabalhista e a compatibilidade com asnormas trabalhistas.

Considerando que o direitoprocessual do trabalho é omisso quantoà matéria, resta caracterizada a lacuna- cabendo, desse modo, perquirir sobrea compatibilidade do pronunciamento,ex officio, da prescrição com o Direitodo Trabalho.

A prescrição, como se sabe,embora incida sobre o processo, éinstituto de direito material. Outrossim,a proteção ao hipossuficiente - princípiobasilar do Direito do Trabalho - tem porescopo atenuar, na esfera jurídica, adesigualdade socioeconômica e depoder existente, no plano fático darelação de emprego.

Diante disso, pode-se afirmarque a norma do § 5º do artigo 219 doCPC é incompatível com tal princípioprotetivo, visto que a pronúncia daprescrição, de ofício, pelo juiz dotrabalho, beneficiará, apenas, um dossujeitos da relação empregatícia - nocaso, o empregador inadimplente.

Conclui-se, portanto, pelainaplicabilidade, no processotrabalhista, da nova regra do processocomum, em face da incompatibilidadecom os princípios que informam o Direitodo Trabalho - sob pena de comprometer-

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se a própria essência da funçãoteleológica desse ramo jurídicoespecializado.

Corroborando a tese, aquidefendida, transcreve-se a lição do i.Professor Arion Sayão Romita:

...no processo dotrabalho, em regra geral, asações são propostas porempregados contraempregadores, ou seja, porpessoas que se situam naposição de credor e devedorrespectivamente.

A pronúncia daprescrição, no processo dotrabalho, aproveita apenas aoempregador inadimplente. Noconfronto com a relação dedireito civil, a relação trabalhistaapresenta esta peculiaridade: aprescrição não beneficia umdevedor de qualquer espécie,mas apenas um único tipo dedevedor: o empregador. Nãoafeta o interesse de um sujeitode direito qualquer, mas deapenas um único sujeito dedireito: o empregado.

De acordo com o dispostono art. 7º da Constituição daRepública, os dispositivos alielencados visam à melhoria dacondição social dostrabalhadores.

A pronúncia da prescriçãode ofício pelo juiz do trabalho nãose compatibiliza com o preceitoacima invocado.

Não se cogita deexaminar a constitucionalidadedo § 5º do art. 219 do Código deProcesso Civil - é óbvio - mesmoporque tal preceito não temnatureza trabalhista. O de que setrata é de fixar a sua

compatibilidade, ou não, com anorma constitucional.

[...]Parece extreme de dúvida

que a pronúncia de ofício daprescrição pelo juiz do trabalhonão se insere entre as medidastendentes a melhorar a posiçãosocial dos trabalhadores. Talpronúncia, se ocorrente,beneficiará exclusivamente oempregador, no caso, devedorinadimplente, afetando direito dotrabalhador em detrimento de suacondição social.

Por incompatível comnorma expressa de naturezatrabalhista (Constituição, art. 7º,na parte que alude à melhoria decondição social dostrabalhadores), o art. 219, § 5º,do Código de Processo Civil nãopode ser aplicado ao processotrabalhista, já que, por força dasubsidiariedade, tal aplicação sópoderia verificar-se em caso decompatibilidade.(LTr Suplemento Trabalhista 100/

06 - p. 421/423)

Quanto ao prazo prescricionaladotado pelo juízo sentenciante, parapronunciar, de ofício, a prescrição, cabetecer as seguintes observações:

Apesar da competência destaJustiça, para apreciar e julgar demandaque tem por objeto ressarcimento dedano moral e material, decorrente darelação jurídica de emprego (artigo 114da Constituição da República), o direitomaterial que se busca é de naturezacivil. Portanto, obviamente, não sepleiteia crédito trabalhista - até porquea reparação é decorrente deresponsabilidade extracontratual,jamais contratual (pois que encontra, noilícito, sua causa geradora).

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Destarte, a reparação de danos,decorrentes de ato ilícito, portanto,apenas, é conexa ao contrato detrabalho - até porque é afeta aos direitosda personalidade, de natureza nãopatrimonial (enquanto que os direitosdecorrentes do contrato de trabalho são,exclusivamente, de naturezapatrimonial).

Por conseguinte, data venia, nãose pode falar em prescrição do direitode ação, em virtude do pacto laboral tersido extinto há mais de dois anos.

De fato, considerando-se que aindenização pleiteada tem natureza civil(reparação por danos morais emateriais), não há como se afastar asregras gerais da prescrição, previstas noCódigo Civil brasileiro.

É princípio multissecular que ex

facto oritur jus.Nesse aspecto, adota-se,

integralmente, o entendimento esposadopelo Procurador do Trabalho RaimundoSimão de Mello, que assevera:

Não obstante o brilho das tesesque defendem a aplicação daprescrição trabalhista, comoantes elencado, com o devidorespeito, não nos convencemosda argumentação oferecida,baseada, fundamentalmente, noreconhecimento da competênciada Justiça do Trabalho paraapreciar e julgar os pedidosrespectivos de reparação. É quea prescrição do direito de ação,com relação a algum direito,jamais pode ser fixada levando-se em conta a competência dojuízo para conhecer do pedido.Esta decorre, sim, da naturezada matéria discutida,independentemente do ramo doJudiciário que deva apreciar olitígio. [...] É certo que a

Constituição Federal, ao tratar daprescrição, fala em créditosresultantes da relação detrabalho. Porém, como é pordemais evidente, a reparação dodano moral, mesmo praticadoem face da relação de emprego,não constitui crédito trabalhistastricto sensu, mas sim denatureza civil, decorrente de atoilícito que atinge apersonalidade, a honra, aintimidade etc. da pessoa,ensejando, portanto, uma açãode natureza pessoal. Naverdade, nem de créditopropriamente se trata, quantomais de crédito trabalhista;quando a Constituição tratou daprescrição no inciso XXIX doartigo 7º, cuidou, na verdade, dedireito de crédito, destinado aorestabelecimento de um estadoanterior, o que não ocorre com areparação do dano moral, cujanatureza jurídica não éindenizatória no sentido derestauração do statu quo, masreparatória/compensatória parao ofendido e punitiva/exemplarpara o ofensor, para que este nãovolte mais a praticar atosmolestadores dos direitos dapersonalidade.(Revista LTr 64-11/1372)

Para reforçar esseentendimento, faz-se necessáriotranscrever a recente manifestaçãojurisprudencial:

PRESCRIÇÃO. DANO MORAL.TRABALHISTA.1. O prazo de prescrição dodireito de ação de reparação pordano moral trabalhista é oprevisto no Código Civil.

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2. À Justiça do Trabalho não seantepõe qualquer obstáculo paraque aplique prazos prescricionaisdiversos dos previstos nas leistrabalhistas, podendo valer-sedas normas do Código Civil e dalegislação esparsa.3. De outro lado, embora o danomoral trabalhista encontre matizesespecíficos no Direito do Trabalho,a indenização propriamente ditaresulta de normas de Direito Civil,ostentando, portanto, natureza decrédito não-trabalhista.4. Por fim, a prescrição é uminstituto de direito material e,portanto, não há como olvidar ainarredável vinculação entre asede normativa da pretensão dedireito material e as normas queregem o respectivo prazoprescricional.[...](TST-RR-1261-2003-202-04-40-0, 1ª Turma - Ministro RelatorJoão Oreste Dalazen, publ. noDOU em 24.03.2006)

Assim, deve prevalecer aprescrição estipulada, pela norma civil,de vez que é a correta, para a soluçãoda questão em exame, pois, não sepode atrair a disposição legal, referenteao tema em litígio, apenas, em parte.

Dispõe o artigo 769 da CLT in

verbis:

Nos casos omissos, o direitoprocessual comum será fontesubsidiária do direito processualdo trabalho, exceto naquilo emque for incompatível com asnormas deste Título.

Não existe compatibilidade entrea norma processual comum e aquela aque se submete esta Especializada.

A reparação de danos, sejamestes materiais ou morais, não constituicrédito trabalhista, ainda quedecorrentes da relação de emprego. Aocontrário, tem natureza civil, decorrendodo ato ilícito perpetrado por alguém - nocaso, o empregador -, atingindo opatrimônio ou a personalidade, a honra,a intimidade, etc. de uma outra pessoa(ensejando, portanto, uma ação denatureza pessoal).

Não se trata de crédito,propriamente dito, muito menos decrédito trabalhista, não se aplicando anorma prescricional afeta a este último.Tanto que a reparação do dano moralpode dar-se de modo diverso dopagamento em pecúnia, como, porexemplo, com a publicação de nota dedesagravo - que, indiscutivelmente, temnatureza reparatória.

O direito de crédito surge quandohá a existência de dois fatores: a) aincidência de norma jurídica; b) aobrigação de prestar a outrem. Nocontrato de trabalho, em razão daexistência de uma relação jurídica, aspartes estão obrigadas, por força docontrato, às prestações correspondentes.

Os direitos à inviolabilidade dahonra e à imagem não têm origem naesfera trabalhista, embora possam serviolados, em razão do contrato detrabalho. Tais direitos, emboraimanentes às partes do contrato detrabalho, não se fundam no negóciojurídico que mantêm, mas na garantiaindividual elevada ao TextoConstitucional - ultrapassando, atémesmo, os limites do Código Civil.

A norma contida no inciso XXIXdo artigo 7º da Constituição daRepública não pode ser aplicada àhipótese dos autos. A prescrição não ématéria de direito processual etampouco se define pela competênciado órgão jurisdicional. Trata-se, na

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verdade, de direito material, de modoque os prazos prescricionais sãodefinidos de acordo com a natureza dodireito pleiteado.

A prescrição, para o caso, verifica-se a partir do momento em que nasce odireito de vindicar a reparação, quandosurge o interesse de agir, em respeito aoprincípio da actio nata. E este, como sesabe, é o da própria lesão do direito.

No caso em tela, o acidente dotrabalho ocorreu em 28.12.1995, e a açãofoi ajuizada em 10.08.04, na JustiçaComum - que, declinando dacompetência, remeteu os presentes autosà Justiça do Trabalho em 23.06.2006.

Constatado que, entre o atodanoso e a entrada em vigor do atualCódigo Civil, não havia transcorrido maisda metade do prazo estabelecido noCódigo revogado, o prazo prescricionala ser aplicado é aquele previsto noEstatuto Civil vigente, isto é, três anos.

In casu, não há que se falar emprescrição, uma vez que a presenteação foi ajuizada em 10.08.04 - portanto,antes do triênio do inciso V do § 3º doartigo 206 do Código Civil (contado dasua entrada em vigor - janeiro/2003).

Pelo exposto, dá-se provimentoao recurso para, afastando a prescriçãototal (decadência) pronunciada, deofício, determinar o retorno dos autos àorigem, para julgamento do restante domérito, como se entender de direito.

3. Conclusão

Isso posto, conheço do recurso.No mérito, dou-lhe provimento para,afastando a prescrição totalpronunciada, de ofício (decadência),determinar o retorno dos autos à origem,para julgamento do restante do mérito,como se entender de direito. Inverte-seo ônus da sucumbência.

Fundamentos pelos quais,

ACORDAM os Juízes do TribunalRegional do Trabalho da TerceiraRegião, pela sua Primeira Turma,preliminarmente, à unanimidade, emconhecer do recurso; no mérito, semdivergência, em dar-lhe provimentopara, afastando a prescrição totalpronunciada, de ofício (decadência), emdeterminar o retorno dos autos à origem,para julgamento do restante do mérito,como se entender de direito. Invertido oônus da sucumbência.

Belo Horizonte, 09 de outubro de2006.

MANUEL CÂNDIDO RODRIGUESRelator

TRT-00314-2006-129-03-00-0 - RECURSOORDINÁRIO P. SUMARÍSSIMOPubl. no “MG” de 13.07.2006

RECORRENTE: MS METAISINDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA.

RECORRIDO: RAIMUNDO MISSIE DASILVA

Vistos, etc.Trata-se de recurso ordinário

interposto em reclamação sujeita ao ritosumaríssimo, dispensado, pois, orelatório.

VOTO

1. Admissibilidade

Preenchidos os pressupostosintrínsecos (cabimento, legitimação pararecorrer, interesse em recorrer, einexistência de fato impeditivo ouextintivo ao poder de recorrer) eextrínsecos (tempestividade,

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regularidade formal, e quitação dascustas e depósito recursal), conheço dorecurso.

2. Mérito

2.1. Proposta de emprego

A sentença condenou areclamada a pagar ao reclamanteindenização equivalente ao valor de 12salários mensais que lhe seria devidode acordo com a proposta de empregonão honrada.

Inconformada, a reclamadaalega que o reclamante não comprovouque se desligou do emprego anterior emrazão da proposta que lhe fez; que elepróprio, após fazer exigências demelhores condições para aceitar aproposta, acabou por preferir trabalharautonomamente; e que, de todo modo,não ficaram demonstrados os supostosprejuízos sofridos.

Dispõe o Código Civil:

Art. 427. A proposta de contratoobriga o proponente, se ocontrário não resultar dos termosdela, da natureza do negócio, oudas circunstâncias do caso.Art. 428. Deixa de ser obrigatóriaa proposta:I - se, feita sem prazo a pessoapresente, não foi imediatamenteaceita. Considera-se tambémpresente a pessoa que contratapor telefone ou por meio decomunicação semelhante;II - se, feita sem prazo a pessoaausente, tiver decorrido temposuficiente para chegar a respostaao conhecimento do proponente;III - se, feita a pessoa ausente,não tiver sido expedida aresposta dentro do prazo dado;IV - se, antes dela, ou

simultaneamente, chegar aoconhecimento da outra parte aretratação do proponente.

A reclamada não desmente aproposta (f. 17), assim como o preposto,em audiência, também não negou terrecebido a resposta do reclamante (f.19/20), colocando-se à disposição parainiciar o trabalho (f. 37).

A proposta foi enviada por e-mail

à empresa em que o reclamante entãotrabalhava em 19.maio.2005. Trata-se,portanto, de proposta feita a pessoaausente, sendo de se esperar um temporazoável para que o reclamante aanalisasse e se desligasse do empregoanterior. A anotação em sua CTPSmostra que o contrato de trabalho, entãomantido, se rescindiu em 01.jun.2005 (f.15) e a comunicação da aceitação donovo emprego foi em 03.jun.2005,sendo entregue à reclamada em09.jun.2005 (f. 19/20).

De 19.maio.2005 a 03.jun.2005tem-se um tempo normal e razoávelpara que o reclamante aceitasse aproposta, ainda mais se for consideradaa existência de feriado nesse ínterim.Não se pode ter como excessivo o prazotomado pelo reclamante, nem imputar-lhe a delonga por exigências demelhores condições, porque nada arespeito disso foi provado.

Veja-se, outrossim, que o CódigoCivil também dispõe:

Art. 430. Se a aceitação, porcircunstância imprevista, chegartarde ao conhecimento doproponente, este comunicá-lo-áimediatamente ao aceitante, sobpena de responder por perdas edanos.

Isso quer dizer que, mesmo quese supusesse serôdia a aceitação do

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emprego pelo reclamante, incumbia àreclamada avisá-lo imediatamente dainsubsistência da proposta, do quenão há prova de ter ocorrido. Aocontrário, há evidência de que otrabalho do reclamante foi aceito nareclamada, embora sem aformalização da relação de emprego,conforme se depreende do que disseaquele (f. 05 e 37) e a testemunhadesta (f. 38).

A obrigação decorrente daformulação da proposta, nos termos dalei, independe de ter ou não oreclamante se desligado do empregoanterior. E, além de as circunstânciasautorizarem a presunção de que isso sedeu em função da nova proposta deemprego, essa conclusão foi tambémexpressamente respaldada pelatestemunha do reclamante:

[...] que ficou sabendo pelo autor,que seu desligamento daempresa decorreu da propostada ré; [...] que o autor deixou aempresa Clayh para trabalharcomo empregado da ré. (f. 38)

A última parte desse depoimentotambém afasta a alegação de que oreclamante desejava trabalhar comoautônomo.

Mesmo considerando que elechegou a prestar serviços à reclamadasem a formalização de um contrato detrabalho, não há clareza sobre comoisso ocorreu. É possível que apenasenquanto aguardava a concretização daproposta, como explicou em depoimento(f. 37).

Nem pelo depoimento de suatestemunha a reclamada conseguiuconvencer que o reclamante recusou oumodificou a proposta originalmente feita.Disse o depoente:

[...] que sabe que houvenegociação entre o autor e a répara trabalho; que não sabe omotivo pelo qual não vingou; quea empresa contratou serviçosterceirizados e por esse motivonão precisou mais dos serviçosdo recte. [...] (f. 38).

Enfim, sendo incontroversa aproposta, caberia à reclamada provarque ela apenas não se concretizou porculpa do reclamante, porém, essa provanão foi feita.

Mantenho a sentença.

2.2. Valor da indenização

Sucessivamente, a reclamadapede que se reduza a indenizaçãofixada em R$10.800,00, ressaltando queo reclamante não permaneceudesempregado, e que o arbitramentodeve ser feito com moderação, evitandoo enriquecimento sem causa.

As ponderações são razoáveis.Tanto mais porque a sentença deferiuindenização por danos morais emateriais (f. 74), enquanto o objeto dopedido contempla apenas os primeiros(f. 12). Outrossim, a meu ver, é maiscorreto avaliar a pretensão à luz daobrigação originalmente assumida pelareclamada, mediante a formalização daproposta, conforme o citado art. 427 doCCb.

Não há como aquilatar comprecisão o prejuízo sofrido peloreclamante, embora seja inegável aperda decorrente da troca de umemprego por outro que não chegou ase concretizar.

Por outro lado, a proposta nãocontinha garantia de tempo mínimo deemprego, não sendo possível saberquanto tempo duraria o contrato detrabalho se tivesse sido celebrado entre

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as partes. Nessas circunstâncias, tenhopor razoável tomar-se por parâmetro otempo máximo garantido em lei aodesempregado, mediante o pagamentodo seguro-desemprego, isto é, cincomeses.

Em razão do exposto, reduzo acondenação ao correspondente a cincovezes o valor do salário que foraprometido ao reclamante, resultando nototal de R$4.500,00.

Dou provimento parcial, nessestermos.

3. CONCLUSÃO

Em razão do exposto, conheçodo recurso, e, no mérito, dou-lheprovimento parcial para reduzir aindenização a R$4.500,00; reduzo ovalor arbitrado à condenação para essemontante, com custas de R$90,00, pelareclamada.

RICARDO ANTÔNIO MOHALLEMRelator