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DÁRCIO TADEU MENDES ACOLHIMENTO EM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL: PERCEPÇÃO DE PROFISSIONAIS QUE VIVENCIAM A PRÁTICA CAMPINAS 2014 i

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DRCIO TADEU MENDES

ACOLHIMENTO EM CENTRO DE ATENO PSICOSSOCIAL: PERCEPO DE

PROFISSIONAIS QUE VIVENCIAM A PRTICA

CAMPINAS 2014

i

ii

iii

iv

v

vi

RESUMO: O acolhimento nos diversos nveis da assistncia em sade constitui-se numa das bases para o cuidado, pautado nos princpios doutrinrios do SUS- Sistema nico de Sade -

integralidade, universalidade e equidade. No campo da sade mental, os CAPS- Centro de

Ateno Psicossocial, servios de ateno diria substitutivos ao antigo modelo de internao

em hospital psiquitrico, atendem clientes portadores de transtornos mentais severos e

persistentes e o acolhimento a abordagem inicial a quem procura estes servios. A demanda

que surge diversificada, o que exige do profissional uma versatilidade para lidar com cada

situao. Foram objetivos deste estudo conhecer os significados deste acolhimento na tica de

profissionais de um CAPS de um municpio do interior do Estado de So Paulo e identificar

fatores que, porventura, interfiram nesta abordagem. Para a coleta de dados foram utilizados

um roteiro de entrevista semiestruturada e a observao participante. A amostra foi composta

de modo intencional e delimitada pelo critrio de exausto e contou com 12 profissionais de

sade que realizavam o atendimento do acolhimento no servio durante o perodo de coleta de

dados. Para a discusso dos dados foi utilizada a anlise de contedo temtica luz do

referencial terico de Carl Rogers da abordagem centrada na pessoa. Foram encontradas cinco

categorias: o acolhimento como ferramenta de escuta, o acolhimento facilitando a formao do

vnculo, o acolhimento visto como uma ajuda, a carncia de uma rede de servios articulada

interferindo no acolhimento e a organizao interna do servio interferindo no acolhimento.

Concluiu- se que esses sujeitos percebem o acolhimento como um processo que transcende

uma triagem, apontando percepes que vo ao encontro da teoria centrada na pessoa de

Rogers - escuta, ajuda e vnculo. No entanto, sinalizam que seu desenvolvimento fica

prejudicado no servio onde atuam devido a fatores institucionais e carncia de outros

servios que tambm articulam uma rede em sade mental. Sugere- se o investimento na

implantao de outros servios que articulam a rede de sade mental, assim como a definio

de protocolos e fluxos conjuntamente com outros servios de sade.

Linha de Pesquisa: Processo de Cuidar em Sade e Enfermagem Palavras-chave: Acolhimento. Sade mental. Servios de sade mental.

vii

ABSTRACT The reception on the many levels of the health assistance is built around one of the bases for

the care, lined on the doctrinal principles of the SUS integrality, universality and equity. On the

mental health field, the CAPS Psychosocial Attention Centers, daily attention services

replacing the old model of psychiatric hospital admission, serve the most severe and persistent

mental troubled patients, and the reception is the initial approach to anyone who is looking for

these services. The request rate that arises is diversified, demanding the professional a

versatility to deal with each one of the situations. The targets of this study were to know the

meanings of this reception from the perspective of a So Paulo states country town CAPS

professional and identify factors that, perhaps, interfere with this approach. For the data

gathering, it was used a semi-structured interview script and the partakers observation. The

sample was composed by the exhaustion criteria and featured 12 health professionals that

performed the welcoming treatment in the service during the data collection period. For the data

discussion, it was used Carl Rogers thematic content analysis subject to the person-centered

approachs technical reference. Five categories were found: the reception as a listening tool, the

reception easing the bond creation, the reception seen as an aid, an articulated service network

interfering with the welcoming and the services internal organization interfering with the

welcoming. It has been concluded that these subjects notice the reception as a process that

transcends a triage, pointing out insights that reach out to Rogers person-centered theory

listening, aid and bond. However, they indicate that its development is harmed at the service

where they operate due to institutional elements and due to the lack of other services, which

also associates a mental health network. It is suggested that an investment should be made at

other services deployment that associates the mental healths network, as well as protocols and

flows joint establishment along with other healths services.

Research line: Caring process at Health and Nursing

Keywords: User Embracement, Mental health, Mental health services

viii

SUMRIO

1 INTRODUO.................................................................................................. 21

1.1 A trajetria do pesquisador e as motivaes para o estudo........................... 21

1.2 A estratgia do acolhimento nos servios de sade...................................... 24

1.3 Reviso da literatura....................................................................................... 29

1.3.1 Evoluo da assistncia psiquitrica brasileira: algumas consideraes.... 29

1.3.2 Entendendo a dinmica de um CAPS......................................................... 31

1.3.3 O acolhimento em CAPS............................................................................. 35

1.4 Modelos tericos que norteiam o estudo........................................................ 36

2 JUSTIFICATIVA................................................................................................ 40

3 PRESSUPOSTOS.......................................................................................... 41

4 OBJETIVOS...................................................................................................... 42

5 PERCURSO METODOLGICO....................................................................... 43

5.1 Tipo de estudo................................................................................................ 43

5.2 O campo de estudo........................................................................................ 44

5.2.1 A escolha do campo de estudo................................................................... 44

5.3 Sujeitos da pesquisa....................................................................................... 46

5.4 Tamanho da populao.................................................................................. 46

5.5 Tcnica de coleta dos dados.......................................................................... 47

5.6 Procedimentos associados validao do instrumento e

anlise dos dados.................................................................................................

47

5.7 Tcnica de anlise dos dados........................................................................ 49

5.8 Aspectos ticos............................................................................................... 51

6 RESULTADOS E DISCUSSO....................................................................... 52

6.2 Categorias...................................................................................................... 58

ix

6.2.1 Categorias relacionadas aos significados do acolhimento.......................... 59

6.2.1.1 O acolhimento como ferramenta de escuta.............................................. 59

6.2.1.2 O acolhimento facilitando a formao do vnculo..................................... 64

6.2.1.3 O acolhimento visto como uma ajuda....................................................... 66

6.2.2 Categorias relacionadas aos fatores que interferem no acolhimento.......... 69

6.2.2.1 A carncia de uma rede de servios articulada interferindo no acolhimento..........................................................................................................

69

6.2.2.2 A organizao interna do servio interferindo no acolhimento................. 72

7 CONCLUSO.................................................................................................. 76

8 CONSIDERAES FINAIS............................................................................. 77

9 REFERNCIAS................................................................................................ 78

10 APNDICES... 85

ANEXO A.. 91

ANEXO B............................................................................................................. 92 ANEXO C..

93

x

DEDICATRIA

Agradeo com muita fora no corao aos meus pais , Cacilda e Vanir, pelo amor e carinho

incondicional, por acreditarem em mim sempre e estarem ao meu lado diante de qualquer

circunstncia, boa ou adversa. Vocs so e sempre sero exemplos para mim. com vocs

que aprendo a cada dia os valores mais importantes da minha vida.

xi

xii

AGRADECIMENTO Agradeo a Deus e luz do Esprito Santo que me iluminou em cada passo desta linda

trajetria; porm, rdua.

Agradeo imensamente ao meu orientador, Prof. Dr. Claudinei Jos Gomes Campos pela

grandiosa oportunidade, por seus preciosos ensinamentos e orientaes.

Agradeo a todos os amigos e colegas de trabalho do CAPS III de Jundia que participaram e

colaboraram para que esta pesquisa acontecesse. Agradeo s profissionais do CAPS II de Itu, Haya, Maria Alice e Lorraine, que gentilmente

participaram de uma das etapas desta pesquisa. Agradeo especialmente amiga e colega da ps ,Fernanda Ribeiro Sobral, pelo apoio e pelas

preciosas consideraes que fazia no decorrerda construo deste trabalho, sempre de forma

muito sutil e generosa. Agradeo imensamente amiga e colega da ps, Fernanda Freire Jannuzi, por seu incentivo e

colaborao para que eu iniciasse os meus estudos na ps- graduao. Agradeo a Nivaldo Vicente pelo apoio e incentivo constante.

Agradeo aos membros do Ncleo de Pesquisa e Estudos Qualitativos em Sade e do

Laboratrio de Pesquisa Clnico- Qualitativa pelas sugestes e contribuies.

xiii

xiv

EPGRAFE O ser humano um organismo digno de confiana, capaz de avaliar a situao externa e

interna, compreendendo a si mesmo no seu contexto, fazendo escolhas quanto aos passos na

vida e agindo a partir dessas escolhas.

(ROGERS, 2001 p. 16-17)

xv

xvi

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Caracterizao dos profissionais segundo caractersticas scio-demogrficas........................................................................................... Pg. 53. Tabela 2. Caracterizao dos profissionais segundo as caractersticas relacionadas formao.....Pg. 55. Tabela 3. Caracterizao dos profissionais segundo as caractersticas relacionadas formao em sade mental e tempo de trabalho no CAPS...............................................................................Pg. 57.

xvii

xviii

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

UTI Unidade de Terapia Intensiva CAPS Centro de Ateno Psicossocial CAPS AD Centro de Ateno Psicossocial de lcool e outras drogas UBS Unidade Bsica de Sade SUS Sistema nico de Sade PNH Poltica Nacional de Humanizao PTI Projeto Teraputico Individual FCM Faculdade de Cincias Mdicas UNICAMP Universidade Estadual de Campinas TR Terapeuta de Referncia ACP Abordagem Centrada na Pessoa NUPEQS Ncleo de Pesquisa e Estudos Qualitativos em Sade LPCQ Laboratrio de Pesquisa Clnico- Qualitativa UPA Unidade de Pronto Atendimento SAMU Servio de Atendimento Mvel de Urgncia

xix

xx

1 INTRODUO 1.1 A trajetria do pesquisador e as motivaes para o estudo

Durante o curso de graduao em enfermagem, em especial nos primeiros semestres, eu

fazia uma autocobrana em relao s tcnicas e procedimentos que eram inerentes

profisso, como se isto e apenas isto fizesse parte do fulcro de atuao. claro que este tipo

de sentimento talvez fosse despertado porque ns, enquanto alunos, ramos constantemente

cobrados e supervisionados e tnhamos que ter quase que de imediato habilidades especficas,

quando no natas. Por vezes, isto me inquietava muito, beirando apreenso j que vrios

questionamentos internos surgiam: Ser que estas habilidades tambm podem ser

construdas? Nascemos com estas habilidades? E se no adquirirmos tais habilidades?

Com o passar do tempo, vrios estgios das diversas disciplinas aconteceram e aos

poucos pude perceber que a proclamada habilidade para esta ou aquela tcnica era passvel de

ser construda e realizada com segurana, que era tudo uma questo de tempo, mas muito

mais do que isto, de compreenso e por que no de acolhimento por parte de todos os

envolvidos nos processo de ensino da enfermagem e de todas as cincias da sade? Afinal

antes de estarmos ali ramos simplesmente humanos e, passveis de medo, insegurana, que

so sensaes experimentadas e naturalmente esperadas diante do novo.

Em contato com o estgio da disciplina de enfermagem em sade mental e psiquiatria na

enfermaria de um hospital geral no ltimo ano de graduao, pude perceber uma nova

contextualizao do fazer enfermagem para alm do custodial, onde o meti era a escuta do

indivduo em sofrimento. Os diversos tipos de transtornos mentais, dos mais leves aos mais

severos, em especial estes ltimos, de alguma forma me chamavam muito a ateno, eu queria

estar prximo destes pacientes, escut-los, pois sabia que independente da doena cada um

trazia em sua trajetria de vida havia uma histria (pela qual eu sempre me interessava), queria

entender um pouco do incio de tudo, o porqu daquele contedo delirante, presente em muitos

dos discursos que eu ouvia.

Esta forma de assistir o doente, mostrando que eu estava ali do seu lado, disponvel, me

despertou um interesse e, de certa forma me causou um alvio, uma vez que enquanto

profissional minha atuao no seria meramente tcnica- procedimental; um novo horizonte

surgia na profisso onde a psiqu era o foco.

21

Findado o estgio na disciplina em questo e j no ltimo ano da graduao, muitas

expectativas afloraram acerca do rumo a ser seguido, do trabalho que surgiria, mas naquele

momento tive a certeza de que possua afinidade na rea de sade mental e psiquiatria.

Assim que conclu a graduao, muito rapidamente surgiu a oportunidade de trabalho e

comecei a atuar como enfermeiro; todavia, inicialmente, na rea de clnica mdica e Unidade

de Terapia Intensiva (UTI), onde tambm era possvel atuar na sade mental, de escuta de

pacientes e familiares, pois ali tambm estavam presentes a dor e o sofrimento resultantes de

quadros graves, terminais. claro que o tempo despendido era muito menor do que aquele que

eu realmente gostaria de oferecer, uma vez que outras atividades burocrticas e assistenciais

tambm eram importantes, quando no at mais importantes na viso do gestor e teriam que

ser feitas.

Neste cenrio fiquei cerca de seis meses e no ano subsequente atuei na ateno bsica e,

ficou muito claro que muitas das doenas clnicas resistentes ao tratamento convencional

tinham uma base no sofrimento mental, resultante da precariedade social e ambientes de

privaes.

Pouco tempo depois, realizei concurso pblico em uma prefeitura e fui admitido para

trabalhar em um Centro de Ateno Psicossocial (CAPS). Outros servios no momento da

admisso tambm foram ofertados, contudo era exatamente este o que eu esperava h tanto

tempo. Estava ali diante de mim uma oportunidade mpar.

Eis ento que iniciei minhas atividades no CAPS. Ao adentrar no servio, percebi harmonia

no ambiente - todo arborizado, amplo; a equipe, composta de profissionais de diversas reas

me recepcionou muito bem, assim como alguns dos pacientes que por ali estavam em oficinas

e grupos.

Aos poucos fui me interando da rotina de atendimento, de grupos, de oficinas, visitas e, em

to pouco tempo j me sentia um funcionrio que estava l h muito tempo, tendo em vista a

vontade e o interesse que o trabalho havia me despertado.

Fazia parte desta rotina de atendimentos o acolhimento, com demanda espontnea, o qual

logo de incio fui previamente escalonado para faz-lo.

No meu entendimento, acolhimento realmente era acolher, se preocupar, estar disponvel e,

seguindo esta lgica procurei inicialmente desenvolver esta atividade, sem perder de vista,

claro, a tcnica e, por conseguinte, o objetivo, o desfecho daquele atendimento, que era dar

alguma resolutividade ao problema inicial.

No campo da sade, a idia de acolhimento tem sido identificada como uma dimenso

espacial, que se traduz em recepo administrativa e ambiente confortvel ou uma ao de

22

triagem administrativa e repasse de encaminhamentos. Todavia, quando tomadas isoladamente

dos processos de trabalho em sade, se restringem a uma ao pontual, isolada e

descomprometida com os processos de responsabilizao e produo de vnculos

especializados, uma vez que o acolhimento na porta de entrada s ganha sentido se for

entendido como uma passagem para o acolhimento nos processos de produo de sade, onde

permeia um trabalho coletivo e cooperativo entre sujeitos, numa rede de relaes que exige

interao e dilogo permanentes (1).

No entanto, o acolhimento tinha uma alta demanda, pois o municpio em questo de

grande porte; a equipe assistencial era reduzida e vrias eram as atividades nas quais um

mesmo profissional estava inserido. Por vezes, os clientes chegavam espontaneamente para

atendimento e/ou outro servio da rede fazia contato telefnico solicitando o acolhimento e o

nico profissional que estava escalonado naquele determinado dia e horrio quem dava

conduo aos casos.

O acolhimento na sade mental implica na abordagem do indivduo como um todo para se

pensar em uma conduta especfica e no simplesmente o binmio queixa-conduta, presente em

muitos servios de sade. Demanda tempo e discusso com outros profissionais. Em minha

experincia, a depender do caso, at cerca de uma hora.

Alm disso, havia uma problemtica em relao especificidade do atendimento no

acolhimento, pois o servio em questo presta atendimento a transtornos psicticos severos e

persistentes e isto na rede de servios sempre gerou confuso, j que quem estava do outro

lado quase sempre achava que tnhamos que atender para alm disso, encaminhando- nos

casos que poderiam ser tratados e/ou direcionados nos servios de origem e at mesmo

aqueles que no tnhamos suporte para dar a devida conduo. Entre as quais, posso citar as

inmeras demandas sociais e transtornos desencadeados pelo uso de lcool e outras drogas,

respectivamente.

Adicione-se a isso a ausncia de outros equipamentos sociais e de sade para a

consolidao de uma rede de cuidados em sade mental, tais como: os centros de convivncia,

equipes de matriciamento, Centro de Ateno Psicossocial de lcool e outras drogas (CAPS

AD) pblico, leitos psiquitricos no hospital geral, entre outros. Dessa forma, o CAPS acaba por

assumir em grande parte uma demanda de casos leves e moderados que poderia ser atendida

em servios como estes e o resultado que o cliente passa pelo acolhimento e o profissional

que o atende se v diante desta rede ainda no estruturada.

23

Pelo fato de ter que dar uma resposta ao cliente, muitas vezes, o profissional acaba por

inseri- lo em atividades do prprio CAPS, onde a lgica preconizada seria o atendimento de

casos mais graves e persistentes.

Tendo em vista esta realidade aqui apresentada e a responsabilidade do profissional em

conduzir os casos surgiram alguns questionamentos: O sentido literal de acolhimento

preservado diante desta demanda? Como o profissional se sente na realizao deste

acolhimento? Quais sensaes experimenta?

Neste enfoque, pretendi apreender os significados do acolhimento na viso da equipe

multidisciplinar deste CAPS, assim como fatores de interferncia no desenvolvimento do

mesmo, esperando uma diversidade de saberes e interpretaes que poderiam se aproximar ou

se distanciar entre si.

1.2 A estratgia do acolhimento nos servios de sade

Nos diversos nveis de assistncia na rea da sade, o acolhimento se configura como o

ponto inicial do atendimento bem sucedido ao usurio. O ato de acolher representa uma

responsabilidade de todos os profissionais de sade, independentemente da funo e/ou

formao profissional, e se d por meio da escuta qualificada do discurso.

A escuta qualificada pode ser definida como a ferramenta essencial para que o usurio seja

atendido na perspectiva do cuidado como ao integral, tornando possvel a construo de

vnculos, a produo de relaes de acolhimento e o respeito diversidade e singularidade no

encontro entre quem cuida e quem recebe o cuidado (2).

A estratgia est alinhada aos princpios atuais de humanizao, na tentativa de criar uma

relao de aproximao, respeito, compromisso e responsabilidade entre paciente e

profissional.

No campo da sade, a humanizao diz respeito atitude de usurios, gestores e

trabalhadores comprometidos e corresponsveis para produzir um processo criativo e sensvel

de produo da sade e de subjetividades. Diz respeito ainda organizao social e

institucional das prticas de ateno e gesto na rede do Sistema nico de Sade (SUS) (3).

A idia de acolhimento nos servios de sade j acumula uma farta experincia no SUS e

reconhecer essa longa trajetria, significa por um lado reconhecer que grande parte do que se

sabe hoje se deve a esse acmulo prtico. (1).

24

A proposta de acolhimento constante da Poltica Nacional de Humanizao (PNH) visa

atender s demandas do coletivo e do individual com enfoque na resolutividade da assistncia

prestada aos usurios. A PNH se prope a ser instrumento frente aos desafios presentes na

rede de ateno bsica do SUS, cuja meta suprir as reais necessidades da populao

brasileira, de forma que as aes de ateno bsica devem ser baseadas no binmio demanda-

oferta e no mais oferta-demanda atualmente vigente (4).

A estratgia de acolher tem sua origem na necessidade de mudana no modelo de ateno

que, ainda hoje, distancia o profissional do usurio. Logo, o modelo de sade integral que se

deseja enfoca sujeito, coletividade e territrio atrelados aos processos relacionais, tcnicos e

cientficos no atendimento em sade (4).

O acolhimento como ato ou efeito de acolher expressa, em suas vrias definies, uma

ao de aproximao, um estar com e um estar perto de, ou seja, uma atitude de incluso.

Essa atitude implica, por sua vez, estar em relao com algo ou algum (5).

Segundo o Aurlio, acolher dar agasalho, receber, tomar em considerao (5), ou seja,

uma relao de bondade genuna.

Com a criao do SUS em 1988, a sade passou a ser direito de todos e dever do Estado,

tendo como princpios doutrinrios universalidade e equidade do acesso sade e a viso da

integralidade da assistncia ao usurio. Na mesma direo de propostas de mudana de

trabalho e gesto na rea da sade, o acolhimento surge como um recurso importante na

humanizao.

No campo das polticas de sade, humanizar as prticas de ateno e de gesto assumir

o desafio da construo de uma poltica que se faa pblica e coletiva. Esta prtica de operar

os processos de trabalho em sade, orientada para um bom relacionamento entre todos os que

participam do processo de promoo da sade indispensvel, devendo-se sempre adotar uma

postura tica, de compartilhamento de saberes e de comunicao adequada entre os diferentes

atores (6).

O acesso com equidade deve ser uma preocupao constante no acolhimento demanda

espontnea. A equidade, como um princpio de justia, se fundamenta na ideia de que preciso

tratar de forma diferente os desiguais (diferenciao positiva) ou cada um de acordo com a sua

necessidade, corrigindo diferenciaes injustas e negativas e evitando iatrogenias devido a no

observao das diferentes necessidades (7).

A experincia do acolhimento heterognea como o prprio SUS e tem acmulos positivos

e negativos. Dessa forma possvel visualizar as formas cotidianas de apropriao e

reinveno das polticas por meio do acolhimento (8).

25

Identifica-se nos servios de sade uma dificuldade em relao ao acesso e como o usurio

acolhido na sua chegada e durante o desenvolvimento do cuidado. Tal fato pode ser

constatado pela presena de filas, agendamento de consultas com dia e hora preestabelecidos,

a precria relao entre o usurio e o profissional, a baixa resolutividade dos problemas

apresentados e acompanhamento dos encaminhamentos dos usurios, a partir dos fatos

relatados em ouvidorias, pesquisas de satisfao, depoimento de gestores, trabalhadores da

sade e usurios (9).

A PNH enfatiza a importncia da articulao da proposta de acolhimento com mudanas no

prprio processo de trabalho e gesto dos servios , englobando entre outros, ambincia,

clnica ampliada, programa de formao em sade do trabalhador, direito dos usurios e aes

coletivas (9).

O acolhimento deve ser incorporado aos procedimentos das Unidades Bsicas de Sade

(UBSs), ao mesmo tempo, em que necessita transcender o carter de rotina do cotidiano, o que

implica apontar a relao de ajuda que permeia todas as situaes de atendimento em que

profissional e clientela se encontram. Para tanto faz- se necessria uma ao contnua de

formao, superviso e estmulo para que se torne eficaz (10).

Alm disso, o acolhimento precisa ser considerado um instrumento de trabalho no qual

estejam presentes relaes humanas apropriadas por parte de todos os trabalhadores de

sade, em todos os setores, em cada sequncia de atos e modos que compem o processo de

trabalho. Nessa lgica, convm ressaltar que h um espao aberto de possibilidades na

construo do sistema de sade, sendo essencial que os atores sociais sintam-se no direito de

desejar a mudana e que visualizem a concretude da proposta. O usurio deve ser sujeito da

situao, na qual a responsabilizao e corresponsabilizao devem estar presentes para que

se tenha resolutividade (11).

Na inteno de resolver os problemas de sade das pessoas que procuram uma unidade

de sade possvel pressupor que todas as que procuram a unidade, por demanda

espontnea, devero ser acolhidas por profissional da equipe tcnica que deve escutar a

queixa, os medos e as expectativas, identificar os riscos e a vulnerabilidade, acolhendo tambm

a avaliao do prprio usurio, e se responsabilizar para dar uma resposta ao problema (1).

Quando se escuta a avaliao que os usurios fazem da sua prpria situao, uma

maneira do profissional mostrar respeito e apoio construo de mais autonomia, ou seja, a

avaliao de risco e vulnerabilidade deve ser, preferencialmente, um processo dialgico, no

unilateral, contribuindo para o autocuidado, assim como para a solidariedade entre os usurios

(7).

26

Neste sentido, h a compreenso de que o acolhimento no uma prtica isolada, mas sim

um conjunto de prticas que traduzem as atitudes tomadas tanto por profissionais como pelos

usurios e nas interaes que estabelecem no ambiente dos servios de sade (12).

Na suas diversas configuraes, o acolhimento destaca-se como um processo em

construo no SUS, o qual deve ser capaz de incluir os usurios nos servios e, ao mesmo

tempo, potencializar os profissionais de sade e gestores na criao de espaos democrticos,

ticos e reflexivos para a produo de um novo modelo assistencial que seja capaz de produzir

sujeitos, cuidado e sade (13).

No acolhimento, o vnculo entre profissionais e usurios favorece o dilogo, refora as

relaes de confiana, agiliza o atendimento, facilita a adeso ao tratamento e melhora o

desfecho clnico dos pacientes/ usurios (12).

preciso que o conceito de acolhimento no se restrinja ao problema da recepo da

demanda espontnea, tratando-o como prprio a um regime de afetabilidade (aberto a

alteraes), como algo que qualifica uma relao e , portanto, passvel de ser apreendido e

trabalhado em todo e qualquer encontro e no apenas numa condio particular de encontro,

que aquele que se d na recepo. Sendo assim, o acolhimento na porta de entrada s ganha

sentido se o entendemos como uma passagem para o acolhimento nos processos de produo

de sade (1).

Em minha vivncia no CAPS, posso dizer que o caminho aponta para essa magnitude , pois

percebo no acolhimento um direcionamento promoo da sade mental, na medida em que

considera o indivduo para alm de sua queixa, vislumbrando as possibilidades de

acompanhamento e construo do vnculo para aquele que sofre mentalmente, minimizando

inclusive suas vulnerabilidades.

O acolhimento motiva reflexes sobre os comportamentos dos diferentes atores em seus

contextos, ultrapassando a teoria e se consolidando nas aes. Alm disso, fortalece e ajuda a

efetivar o SUS e precisa estar introjetado no somente no campo do saber, mas tambm em

nossos comportamentos e condutas (14).

Em um estudo realizado sobre acolhimento em servios de sade da ateno bsica,

verificou- se que este ainda baseava- se num outro processo de trabalho, representante do

modelo centrado sobre a figura do mdico e de seus procedimentos, o qual se denominou

triagem (15).

Na contrapartida da idia anterior, Merhy (16) ressalta que o acolhimento prope inverter a

lgica de organizao e funcionamento do servio de sade, partindo dos seguintes princpios:

atender a todas as pessoas que procuram os servios de sade, garantindo a acessibilidade

27

universal, de maneira que o servio de sade assuma a sua funo precpua de acolher,

escutar e dar uma resposta positiva que seja capaz de resolver os problemas de sade da

populao. O mesmo autor enfatiza ainda a necessidade de se reorganizar o processo de

trabalho, a fim de que seja deslocado o eixo central do mdico para uma equipe

multiprofissional que se encarrega da escuta do usurio e se compromete a resolver seu

problema de sade.

Assim, o acolhimento assume a condio de reorganizador do processo de trabalho, pois

identifica demandas dos usurios e (re) planeja o atendimento dos mesmos; no obstante,

amplia e qualifica o acesso dos usurios, humanizando tambm o atendimento. Desse modo, o

acolhimento pode ser considerado para alm de uma triagem qualificada ou uma escuta

interessada, visto que pressupe um conjunto formado por atividades de escuta, identificao

de problemas e intervenes resolutivas de enfrentamento, que podem possibilitar a ampliao

da capacidade da equipe de sade em responder s demandas dos usurios, reduzir a

centralidade das consultas mdicas e otimizar o potencial dos demais trabalhadores de sade

(17).

Quando o acolhimento tomado como um pronto atendimento, em que o foco uma

triagem a ser realizada na porta do servio, pode perpetuar a excluso dos usurios e das

comunidades ao SUS, o que dificulta a adeso ao projeto teraputico, o vnculo e a

corresponsabilizao. Alm disto, esta prtica restrita de acolhimento tem sido percebida pelos

profissionais de sade, como mais uma tarefa a ser realizada, entre tantas outras, causando

sobrecarga de trabalho, cansao, estresse e conflitos nas equipes, dificultando a qualificao do

SUS (13).

Cabe aqui frisar que em muitas ocasies o usurio faz associao entre resolutividade e

satisfao pessoal, quando na verdade, acolher a necessidade do outro no deve estar

associado satisfao, j que tanto os profissionais quanto os servios de sade tambm

apresentam inmeras limitaes (18).

Nos diversos espaos de sade em que o acolhimento acontece, merecem destaque os

servios de sade mental, por caracterizarem-se como ambientes de recepo de demandas

psquicas originadas do prprio paciente, de suas famlias, comunidade e outros servios de

sade. O trabalho desencadeado a partir da demanda levantada objetiva aliviar o sofrimento,

minimizar riscos e manter ou reestabelecer a incluso.

Nesse sentido, o acolhimento pode constituir-se na interface entre a reforma psiquitrica e a

poltica nacional de humanizao (8).

28

Em minha vivncia de acolhimento no CAPS , so inmeras as demandas que surgem,

sendo na sua maioria de indivduos que experimentam intenso sofrimento ou desagregados

psiquicamente num quadro delirante- alucinatrio. Quase sempre esto presentes prejuzos na

sua vida social e produtiva, alm de intenso sofrimento para os familiares que convivem com a

situao e, muitas vezes no sabem como enfrent- la. nessa hora que me coloco a

disposio para ouvi- los e posteriormente ajuda- los a equacionar a problemtica.

O acolhimento e a escuta so ferramentas essenciais no trabalho em sade,

particularmente em sade mental, quando se d voz ao sofrimento do outro, propondo-se a

auxili-lo na busca da resoluo de seu problema. Dessa forma, uma escuta qualificada faz

diferena na deciso da conduta adequada, em especial na rea de sade mental, pois

minimiza o problema, fazendo com que a pessoa tenha condies de refletir melhor sobre sua

situao e tomar a melhor deciso (19).

1.3 Reviso da literatura 1.3.1 Evoluo da assistncia psiquitrica brasileira: algumas consideraes

Ressalto brevemente neste tpico algumas consideraes acerca da trajetria da

assistncia em sade mental no Brasil para que possamos entender a evoluo da assistncia

nesta rea at o surgimento do CAPS e contextualizarmos a proposta do acolhimento nestes

servios.

Os transtornos psiquitricos trazem consigo preconceito e desvalorizao que acabam

atingindo a todos. Assim, durante muito tempo optou-se pelo enclausuramento do portador de

transtorno mental em manicmios, onde eram privados de sua prpria identidade, do convvio

familiar, e de seus direitos sociais e civis juntamente com o direito de expressar suas

necessidades e desejos, sendo expostos a formas de cuidados e tratamentos sobre os quais

cabiam a outros a formulao e a deciso (20).

Durante muitos anos, a psiquiatria desempenhou o papel de controle dos sujeitos

considerados socialmente desviantes. Os pacientes psiquitricos eram segregados e, junto com

deficientes mentais e miserveis, eram excludos da sociedade e desprovidos de sua autonomia

e independncia. Para abrig- los e mant- los distantes do meio, foram construdos grandes

manicmios na periferia das cidades . Logo, a psiquiatria no considerava o paciente como

sujeito ativo do seu tratamento, no envolvia a sua famlia e no valorizava a sua histria, sua

cultura, sua vida cotidiana e sua qualidade de vida. O principal foco de ateno era a doena

(21).

29

A assistncia psiquitrica tambm ficou marcada pela excluso em espaos de internaes

, pois a figura do louco era associada uma periculosidade social, j que este era visto em

meio pobreza e a marginalidade, e os manicmios constituam formas de preservar a ordem

social e evitar que os efeitos da desordem se irradiassem para a sociedade (22).

No Brasil, a institucionalizao da psiquiatria iniciou- se com o surgimento das Santas

Casas, onde os doentes mentais eram recolhidos e sem que nenhum tratamento lhes fosse

oferecido. Os espaos destinados a eles eram os pores, sendo comum o uso de castigos

fsicos como forma de conteno de comportamentos inapropriados (23).

Com a criao da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, as queixas de maus-tratos

sofridos por essa populao aumentaram consideravelmente e, em virtude da solicitao de

alguns de seus mdicos higienistas, pleiteou- se a criao de um hospital para esse fim: o

Hospcio Pedro II (23).

No incio do sculo XX, a assistncia psiquitrica do Brasil cumpria um modelo asilar,

abrindo sua fase cientfica com Juliano Moreira, que props fundamentos tericos, prticos e

institucionais para um sistema psiquitrico coerente. A psiquiatria tornou-se especialidade

mdica em 1912, contudo seu ensino j havia iniciado em 1883, quando ocorreu um aumento

no nmero de estabelecimentos destinados aos doentes mentais, no s no Rio de Janeiro,

mas em todo o Brasil (24).

No incio da segunda metade do sculo XX, inicia-se a mudana do olhar da psiquiatria

sobre o louco, com o surgimento dos psicofrmacos, que permitiram aos pacientes um alvio

dos sintomas, sendo possvel, por exemplo, identificar que sintomas como apatia e

embotamento no se referiam unicamente doena, mas tambm situao de internao.

Portanto, pode-se considerar que a ineficcia do hospital para tratamento no se dava apenas

pela qualidade das terapias, mas tambm pela prpria institucionalizao (25).

Na sua dimenso poltica, a reforma psiquitrica brasileira surge no final dos anos 70,

inserida no momento mais amplo da reforma sanitria e dos movimentos sociais que estavam

ligados luta contra a ditadura. Por esta razo que o movimento da reforma psiquitrica se

caracterizou como uma militncia, tanto em termos da politizao da questo da loucura e de

crtica s instituies psiquitricas quanto da transformao social num sentido mais amplo (26).

Entre os anos de 1975 a 1980 o Movimento da Reforma Psiquitrica Brasileira recebia da

Europa a participao de insumos importantes para abastecer seus ideais reformistas, com a

presena de Franco Basaglia e Michel Foucault em Congressos e Seminrios nas

Universidades, trazendo informaes, testemunhando e reconhecendo grupos de resistncia,

instigando jovens inquietos para movimentos sociais, defendendo os direitos dos enfermos

30

mentais e contribuindo terico e criticamente em diferentes cenrios acadmicos, associativos,

sindicais, estudantis (27).

Com o movimento da reforma Psiquitrica no Brasil, lutou- se tambm para transformar o

modo como a psiquiatria iria tratar a loucura no que se referia articulao e inveno de

possibilidades de insero social para as pessoas que sofriam com transtornos mentais (28).

Foi a partir da Reforma que critrios de regulamentao das internaes passaram a ser

considerados, alm do que tais intervenes comearam a ser percebidas como ltimo recurso

teraputico em sade mental, o que acarretou em uma diminuio de leitos disponveis nos

hospitais psiquitricos. Em contrapartida, foram criados servios substitutivos que oferecem

uma abordagem teraputica fortemente atrelada convivncia comunitria, trabalhando a

(re)insero social dos sujeitos em sofrimento psquico (29).

Com a criao da Lei 10216/01, que dispe sobre a proteo e os direitos das pessoas

portadoras de transtorno mental e redireciona o modelo da ateno na sade no pas (30), a

criao dos CAPS ganhou propulso.

A reorientao do modelo da assistncia possibilitou que novos servios fossem criados e

no somente de natureza extra-hospitalar, mas tambm que tivessem uma complexidade de

funes, envolvendo sobretudo um carter de produzir novas intervenes sociais e

concepes culturais da loucura (31).

Nesta concepo, concordo com Oliveira, Silva e Silva (22) quando colocam que o

tratamento de pessoas com transtornos mentais e/ou sofrimento psquico deve dar nfase no

sentido de produo de vida, do aumento da capacidade do usurio de estabelecer trocas

sociais, com vistas a conquistar maior autonomia As mesmas autoras ressaltam ainda que este

ganho social j est representado pela melhoria da qualidade de vida proporcionada s

pessoas com transtornos mentais que antes se encontravam excludas do meio social e

familiar, e hoje, com a diminuio de seus sofrimentos, estudam, passeiam e interagem .

1.3.2 Entendendo a dinmica de um CAPS

O primeiro CAPS do Brasil, Centro de Ateno Psicossocial Professor Luiz da Rocha

Cerqueira, conhecido como CAPS da Rua Itapeva foi inaugurado em maro de 1986, na cidade

de So Paulo. Sua criao e a de tantos outros, com outros nomes e lugares, fez parte de um

intenso movimento social, inicialmente de trabalhadores de sade mental, que buscavam a

31

melhoria da assistncia no Brasil e denunciavam a situao precria dos hospitais psiquitricos,

que ainda eram o nico recurso destinado aos usurios portadores de transtornos mentais (32).

O CAPS foi o "marco inaugural" de um modo de cuidar que considera o sujeito em

sofrimento como estruturante de uma "clnica ampliada" que o articula no seu territrio e no o

enclausura para trat-lo. O seu trip de funcionamento tem base na psicanlise, no uso racional

dos psicofrmacos e nas prticas de incluso social. Tornou-se o exemplo de um novo modelo

de cuidado em Sade Mental, construindo um modo de cuidar, sobretudo de pessoas

psicticas, mas tambm de no psicticas, das suas famlias, de suas moradias, de suas artes,

do seu trabalho, da sua renda no territrio (27).

A criao do CAPS beneficiou o modo de tratar a pessoa com transtorno mental, visto que

estas pessoas podem ser tratadas em ambientes abertos, humanizados, prximos de seus

familiares e com modos no coercitivos e prejudiciais como tradicionalmente ocorria em

hospitais psiquitricos, nico modo de tratamento disponvel a essas pessoas at h poucas

dcadas, que contribua para sua excluso social (33).

Os CAPS so servios de ateno diria em sade mental substitutivos ao antigo modelo

de internao em hospital psiquitrico vigente no pas, que tem a responsabilidade de atender

pessoas com transtornos mentais severos e persistentes. Trabalham sob a tica da

territorialidade, sendo regulados pela portaria ministerial GM n 336, de 19 de fevereiro de 2002

(34).

No CAPS trabalha uma equipe multiprofissional, que atua de forma interdisciplinar e

desenvolve atendimentos individuais, em grupo, oficinas teraputicas, atividades ldicas e

atividades fsicas, alm claro da medicalizao que at ento era considerada a nica forma

de tratamento. A famlia tambm considerada parte integrante no tratamento, sendo muito

comum as reunies de familiares e o livre acesso destes no servio.

Outra estratgia importante que o CAPS utiliza o estabelecimento de parcerias

intersetoriais com diversos rgos da sociedade, como forma de oferecer um atendimento

integral aos sujeitos em sofrimento psquico (34). Podem ser citadas as parcerias com outros

servios de sade, assim como as ONGs, centros comunitrios ou de convivncia, entre outras.

Os CAPS so classificados da seguinte forma: CAPS I municpios com populao entre

20.000 e 70.000 habitantes, funcionando das 8 s 18h, de segunda a sexta; CAPS II

municpios com populao entre 70.000 e 200.000 habitantes, funcionando das 8 s 18h, de

segunda a sexta, com opo de um terceiro turno at 21h; CAPS III municpios com

populao acima de 200.000 habitantes, funcionando 24h, diariamente, incluindo feriados e fins

de semana; CAPSi (Centro de Ateno Psicossocial infantil) municpios com populao acima

32

de 200.000 habitantes, funcionando das 8 s 18h, de segunda a sexta, com opo de um

terceiro turno at 21h; CAPSad (Centro de Ateno Psicossocial de lcool e outras drogas)

municpios com populao acima de 100.000 habitantes, funcionando das 8 s 18h, de segunda

a sexta, com opo de um terceiro turno at 21h (32).

Todo o trabalho que desenvolvido no CAPS dever ser realizado em um meio

teraputico, isto quer dizer que tanto as sesses individuais ou grupais e a convivncia no

servio tero que possuir finalidade teraputica. Isso obtido por meio da construo

permanente de um ambiente facilitador, estruturado e acolhedor que abranja vrias

modalidades de tratamento. Ao iniciar o acompanhamento no CAPS se traa um projeto

teraputico com o usurio e, em geral, o profissional que o acolheu no servio passar a ser

uma referncia para ele. Esse profissional poder seguir sendo o que chamamos de Terapeuta

de Referncia (TR), mas no necessariamente, pois preciso levar em conta que o vnculo que

o usurio estabelece com o terapeuta fundamental em seu processo de tratamento (32).

No CAPS onde foi realizado este estudo, tal realidade se faz presente sendo, na maioria

das vezes, o profissional que realizou o acolhimento o suposto tcnico de referncia ao

paciente. Eventualmente pode no ocorrer, pois o tcnico j possui um nmero de referncias

que superior a um outro e a se faz a diviso de forma que cada profissional tenha o mesmo

nmero de pacientes sob sua responsabilidade. Nesta lgica, posso inferir que em algumas

ocasies a frequncia do usurio no servio pode ficar prejudicada, pois o que a determina num

primeiro momento o vnculo que ele firmou com o profissional durante o acolhimento,

conforme encontrado na anlise dos dados.

O termo Profissional de Referncia refere-se, em geral, quele profissional que tem uma

relao de maior proximidade com o usurio e que, baseado nessa proximidade contingencial,

potencializa sua ao teraputica. Em um CAPS, o profissional de referncia passa a ser

aquele com quem o usurio mais se identifica, independentemente, inclusive, da formao

desse profissionaL. Em um CAPS, o profissional de referncia aquele que inclusive avalia as

condies para o usurio receber alta do tratamento. No caso do usurio precisar novamente

da assistncia do CAPS, poder procurar esse profissional (36).

Cada usurio de CAPS deve ter um projeto teraputico individual (PTI), isto , um conjunto

de atendimentos em que se respeite a sua particularidade, personalizando assim o atendimento

de cada pessoa dentro da unidade e fora dela. Devem ser propostas atividades durante toda a

sua permanncia no servio, segundo suas necessidades (32) .

O termo PTI um conceito procedente do contexto da reforma psiquitrica, colocado como

dispositivo para a superao dos tratamentos tradicionais, que em sua maioria se constitua de

33

intervenes medicamentosas aplicadas massivamente, ignorando a singularidade dos sujeitos

e suas necessidades especficas no s de medicaes, mas tambm de outras formas

teraputicas (36).

Em conformidade ao projeto teraputico do usurio do servio, o CAPS poder oferecer,

conforme as determinaes da Portaria GM 336/02 (34):

Atendimento Intensivo: o atendimento dirio que oferecido quando a pessoa se

encontra em grave sofrimento psquico, situao de crise ou dificuldades intensas no convvio

social e familiar, e necessita de ateno contnua. Esse atendimento pode inclusive ser

domiciliar, se necessrio;

Atendimento Semi-Intensivo: nessa modalidade de atendimento, o usurio pode ser

atendido at 12 dias no ms. oferecida quando o sofrimento e a desestruturao psquica da

pessoa diminuram, melhorando as possibilidades de relacionamento, contudo a pessoa ainda

necessita de ateno direta da equipe para se estruturar e recuperar sua autonomia. Esse

atendimento tambm pode ser domiciliar, se necessrio;

Atendimento No-Intensivo: oferecido quando a pessoa j no precisa de suporte

contnuo da equipe para viver em seu territrio e realizar suas atividades na famlia e/ou no

trabalho, podendo ser atendido at trs dias no ms. Esse atendimento tambm pode ser

domiciliar.

Os profissionais dos CAPS planejam o tratamento do indivduo levando-se em conta o seu

contexto sociocultural, proporcionando-lhe um cuidado integral e contribuindo para a sua

reinsero na sociedade e na prpria famlia (37).

Em se tratando de servios de sade mental, conhecer o CAPS na sua organizao torna-

se importante, pois traz um novo carter de assistncia: envolve, alm de intervenes

medicamentosas e teraputicas, uma interveno social que visa a reinsero do portador de

sofrimento psquico na famlia e na sociedade (38).

Dos objetivos do dispositivo de sade mental CAPS, a reinsero social dos usurios um

dos principais. Isso significa que um dia houve excluso social e, portanto, faz-se necessrio

devolver o usurio ao meio social, atravs do convvio com seus familiares, pares, amigos e

demais membros da sociedade, por meio da circulao e ocupao dos espaos sociais (25)

Enquanto servio substitutivo, o CAPS tem a tarefa de acreditar no desacreditado e imprimir

no dia a dia do servio formas de reabilitar os sujeitos, de maneira a resgatar a autonomia, a

subjetividade e a autoconfiana de um pblico que historicamente foi excludo de todos os

ambientes e destitudo de seus papis sociais (25).

34

1.3.3 O acolhimento em CAPS

Nos CAPS, assim como em outros servios de sade, o acolhimento a abordagem inicial

a quem procura o servio. Cabem a esses servios o acolhimento e a ateno s pessoas com

transtornos mentais graves e persistentes, procurando preservar e fortalecer os laos sociais do

usurio em seu territrio e apoi-lo em suas iniciativas na busca de autonomia.

O momento do acolhimento de extrema importncia no tratamento do usurio e na

participao do familiar no CAPS, pois o primeiro contato que estes tm com o servio. A

preparao da equipe fundamental para a vinculao do usurio e da sua famlia no servio,

sendo preciso agir com receptividade e empatia (39). O acolhimento em CAPS realizado por uma equipe multiprofissional, com profissionais de

diversas reas atuando numa modalidade coletiva de trabalho, e reciprocidade entre as

diversas intervenes, flexibilidade na diviso do trabalho e nas discusses, uma vez que pode

haver divergncias de opinies (32).

A interdisciplinaridade surge de uma necessidade de reestruturar as formas de produo do

conhecimento, onde a concretude do carter positivista vem deixando de ser suficiente para

explicar fenmenos que separados de seu todo perdem totalmente seu sentido (40).

Souza e Ribeiro (40) enfatizam que em equipe interdisciplinar os profissionais buscam

contribuir com os conhecimentos tcnico-cientficos de sua disciplina, estudo e superao de

determinadas situaes. As mesmas autoras ressaltam que os profissionais envolvidos

precisam estar abertos s mudanas e dotados de uma vontade de descoberta e curiosidade,

almejando enriquecer-se com novos enfoques, estando cheios de gosto pelas combinaes de

perspectivas e, principalmente, desejosos de superar os caminhos j trilhados, o que requer por

parte deles uma nova atitude, capaz de articular conhecimentos especficos com toda a rede de

saberes que envolve o sistema de cuidado (39).

Esse acolhimento pode se dar de diversas formas, de acordo com a organizao do

servio, sendo que o objetivo nesse primeiro contato compreender a situao, de forma mais

abrangente possvel, da pessoa que procura o servio e iniciar um vnculo teraputico e de

confiana com os profissionais que l trabalham. Neste momento, estabelecer um diagnstico

importante, mas no dever ser o nico nem o principal alvo desse momento de encontro do

usurio com o servio. A partir da que se constri conjuntamente, uma estratgia ou um

projeto teraputico para cada usurio. Se uma pessoa est isolada, sem condies de acesso

ao servio, ela poder ser atendida por um profissional da equipe do CAPS em casa, de forma

35

articulada com as equipes de sade da famlia do local, mediante a solicitao de um familiar ou

vizinho (32).

Posso dizer que essa realidade realmente ocorre no CAPS estudado, uma vez que no

acolhimento procuramos entender inicialmente quais as reais necessidades do paciente por

meio do discurso que deixamos imergir livremente do usurio . Num primeiro momento, falamos

em hipteses diagnsticas que vo ou no se consolidando a partir da observao do usurio

pelos diversos profissionais quando este j est inserido no servio em algum projeto

teraputico.

Em inmeras ocasies, presenciei solicitaes de familiares ou at mesmo da prpria

comunidade para que algum profissional do CAPS visitasse usurios que se encontravam em

crise ou surto, pois se recusavam a vir unidade. Nessas situaes, frequentemente fazemos a

abordagem do acolhimento conjuntamente com um profissional do territrio, em especial que

atua na UBS local, e traamos intervenes possveis aps a discusso do caso.

No acolhimento surge o momento de deciso para qual interveno teraputica o usurio

ser encaminhado, e onde est sendo construdo o vnculo entre o usurio e o servio. Neste

momento, o acolhimento transcende a recepo do usurio. Cada profissional tem

caractersticas assistenciais prprias, tem sua subjetividade, o que transforma a prtica do

acolhimento, diferente para cada profissional (31).

1.4 Modelos tericos que norteiam o estudo Na busca de um referencial terico que pudesse nortear a magnitude do estudo com toda a

sua subjetividade, foram realizadas vrias reunies com o orientador para se discutir a

adequao das possibilidades .

Nas indas e vindas das discusses, amadurecemos a ideia de utilizar a Abordagem

Centrada na Pessoa (ACP) de Carl Ransom Rogers para a compreenso da subjetividade dos

possveis significados do acolhimento, uma vez que na essncia desta abordagem esto

presentes as relaes que se estabelecem entre profissional e paciente na terapia. Aqui

adaptamos esta realidade a um setting de acolhimento.

Na lgica do acolhimento que se vive em um CAPS, invariavelmente existe um usurio que

chega em sofrimento sozinho ou acompanhado da famlia devido s mltiplas situaes

desencadeantes de crise ou at mesmo em surto psictico. A sua espera, haver um

profissional que inicialmente vai ouvi- lo na tentativa de entender todo o contexto envolvido no

desenvolvimento da situao adversa, sem julgamentos ou interpretaes mostrando interesse

36

e que compreende a situao, ou seja, mostrando aceitao. Quando o usurio percebe tais

elementos presentes simultaneamente no momento do atendimento, se estabelece um vnculo

e a partir da uma relao teraputica promissora para ambos os envolvidos. Ou seja, o usurio

sente-se acolhido e o profissional, por sua vez, mostra-se satisfeito, j que entende que teve

uma atitude teraputica. Rogers em sua teoria da ACP faz meno a essas relaes as quais

surgiro na discusso dos dados deste estudo.

Rogers considerado um dos mais importantes expoentes da psicologia humanista desde

a dcada de 1940. Sua forma de praticar psicoterapia criou um novo sentido de valorizao do

cliente, aboliu o termo paciente para evitar a conotao de doena e passividade quanto da

prpria relao teraputica, sobre a qual pesava uma hierarquizao rgida de papis (41).

A ACP, inicialmente conhecida como Psicoterapia Centrada no Cliente ou Aconselhamento

No-Diretivo, teve um papel de destaque na histria da psicologia, pois abriu o trabalho

psicoteraputico aos psiclogos, antes uma atividade exclusivamente mdica (42). Rompeu

definitivamente com os mtodos e tcnicas usados pelo behaviorismo (condicionamento,

controle e manipulao) que considerava o homem um ser mecnico, bem como com os

mtodos da psicanlise, que fazia a anlise e interpretao do passado (43).

Teve incio com o trabalho de Carl Rogers nos EUA, na dcada de 1940. A teoria

caracteriza-se pela crena nas potencialidades de desenvolvimento e crescimento psicolgico

em condies comunicativo-relacionais realistas, sensveis e compreensivas (42).

Neste mtodo, o indivduo e no o problema que colocado em foco, sendo que o

objetivo no resolver um problema particular, mas sim ajudar o indivduo a desenvolver-se de

forma que possa enfrentar o problema presente e os futuros de uma maneira mais

perfeitamente integrada. O prprio contato teraputico uma experincia de desenvolvimento.

H uma confiana muito profunda no indivduo em orientar-se para a maturidade, sade e

adaptao, acentuando mais fortemente os elementos emotivos e os aspectos afetivos da

situao, bem como a situao imediata do que o passado do indivduo (44).

Rogers e Rosenberg (45) enfatizaram que o homem possui uma tendncia inerente para

que sejam desenvolvidas todas as suas capacidades, de forma que sirvam para preservar ou

enriquecer seu organismo.

Neste sentido, as habilidades que o terapeuta rogeriano utiliza so a empatia, onde o

terapeuta capta o mundo particular do cliente como se fosse o seu prprio mundo e a

considerao positiva incondicional em que o terapeuta sente uma calorosa preocupao pelo

seu cliente, preocupao esta que no possessiva. simplesmente uma atmosfera que

demonstra: Eu me preocupo(46).

37

Pode- se perfeitamente traduzir este enfoque para o acolhimento, pensando que o

profissional deve demonstrar empatia e interesse pelo que trazido pelo cliente, apropriando-

se da situao, de tal forma que o cliente perceba e sinta no profissional que algum est ali

para ajud- lo, iniciando-se assim uma relao teraputica eficaz.

No entanto, a abordagem de Rogers no seria suficiente para compreender a subjetividade

das falas que se referiam aos fatores que possivelmente pudessem interferir no acolhimento, j

que quase todo o contedo depreendido dizia respeito a uma problemtica de organizao da

prpria unidade ou de gesto dos rgos competentes.

Neste sentido, optamos pela utilizao das publicaes em livros e peridicos de Rosana

Teresa Onocko Campos, docente e pesquisadora da Faculdade de Cincias Mdicas da

Universidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP), com experincia na rea de sade

coletiva, com enfoque em gesto e planejamento em sade e polticas pblicas, entre elas as

de sade mental. Alm disso, trabalha com pesquisas avaliativas de servios, onde na

atualidade responsvel pela "Pesquisa Avaliativa de Sade Mental: indicadores para

avaliao e monitoramento dos CAPS III do estado de So Paulo".

Logo, me pareceu muito pertinente enfocar as discusses em alguns aspectos que a autora

citada traz em seus estudos, na sua grande maioria avaliativos.

Figueiredo e Campos (47) reconhecem o acolhimento numa concepo de clnica ampliada

que se estrutura por meio de equipes de referncia inseridas no territrio. Campos e Furtado

(48) ressaltam que a clnica, por um lado, diz respeito ao caso visto na sua singularidade e que

a sade mental, por outro, diz respeito s aes polticas e eticamente orientadas, contudo

referida a uma singularidade no individual, mas sim singularidade de um certo grupo.

Partindo desta premissa, o acolhimento que parte estruturante da clnica em sade mental,

pode ser entendido neste contexto de coletividade, com todas as questes que envolvem o

desenvolvimento de seu processo em um determinado servio de sade. Aqui neste caso, um

CAPS.

Os CAPS, enquanto servios estratgicos no interior da reforma psiquitrica brasileira,

passam constantemente por reflexes sobre sua estruturao no que diz respeito aos saberes e

prticas (49) e, neste contexto, o acolhimento nesses servios pode ser considerado uma

prtica inovadora, considerando sua dinmica de recepo e atendimento, bem como na forma

de dar respostas ao cliente, quase sempre voltados a um projeto teraputico que valoriza suas

habilidades e desejos, desconstruindo os paradigmas do enclausuramento e centralizao do

poder de deciso do profissional da sade que perduraram por muito tempo na sade mental.

38

Para corroborar mais uma vez a escolha do referencial em questo, vale a pena destacar

que na medida que o acolhimento regula tambm a porta de entrada dos clientes no servio,

quando se leva em conta critrios diagnsticos que vo de encontro especificidade do servio,

pode ser considerada tambm uma ferramenta de gesto do servio, contemplando mais uma

das facetas da dimenso dos estudos da autora.

39

2 JUSTIFICATIVA

A realizao do estudo em questo intencionou conhecer os significados que o profissional

de sade atribuia prtica do acolhimento realizado em um equipamento de sade mental. Em

se tratando deste estudo, um CAPS.

Acreditou-se que, por ser uma unidade composta por uma equipe multiprofissional, onde

esto inseridos profissionais com formao e saberes diversos, o acolhimento poderia ser

entendido e conduzido sob diversas nuances, de acordo com a especificidade de cada

profisso e que conhec-las e analis-las seria muito pertinente, uma vez que o que est

envolvido a assistncia inicial prestada ao usurio que chega a um servio de sade mental,

que se pauta em especial no entendimento do outro pela escuta.

Desta forma, no entendimento do pesquisador essa diversidade poderia gerar

aproximaes e distanciamentos acerca desta temtica, e certamente fomentar na equipe o

hbito da discusso, na tentativa de se unificar e aprimorar a atuao interdisciplinar, tendo

como nico foco o usurio.

Alm disso, a demanda que surge no acolhimento do servio estudado amplamente

diversificada e, em muitos casos, resultante da falta de outros equipamentos sociais e de sade

no territrio onde o usurio est inserido.

Desta forma, o profissional que est realizando o acolhimento frequentemente se v diante

de situaes que vo para alm da especificidade e possibilidade de seu servio, o que lhe

exige uma versatilidade para lidar com cada situao.

Espera-se que os resultados deste estudo possam contribuir para a experincia do

acolhimento em sade mental, oferecendo subsdios para a discusso e compreenso dessa

prtica a partir do olhar do profissional que efetivamente o vivencia.

No obstante, o aprofundamento deste tema certamente ser fundamental para as prticas

em sade mental, instrumentalizao dos gestores e no auxlio construo permanente de

perspectivas consistentes para o cuidado ao usurio que sofre de transtorno mental.

40

3 PRESSUPOSTOS Foram pressupostos deste estudo:

No h uma rede de atendimento consolidada, com outros equipamentos que possam

dar suporte efetivo s diversas necessidades apresentadas pelo sujeitos adoecidos na

rea de sade mental;

Os profissionais, em muitos casos, prestam atendimento a uma clientela que vai para

alm da sua especificidade, exigindo-lhes uma versatilidade para lidar com ela;

O campo do estudo destaca-se por possuir uma equipe onde atuam profissionais com

formaes diversas podendo ocorrer aproximaes e/ou distanciamentos sobre a lgica

de acolhimento.

41

4 OBJETIVOS O estudo teve como objetivos:

Compreender os significados do acolhimento na tica de profissionais de um Centro de

Ateno Psicossocial (CAPS) de um municpio do interior de So Paulo e;

Identificar, na percepo destes profissionais, fatores que porventura possam interferir

no desenvolvimento do processo de acolhimento.

42

5 PERCURSO METODOLGICO

5.1 Tipo de estudo

A pesquisa em questo um estudo de caso, de natureza qualitativa.

No estudo de caso o objeto da pesquisa uma unidade que se analisa profundamente e

uma de suas caractersticas dada por duas circunstncias principais, que so a natureza e a

abrangncia da unidade. Favorece o conhecimento de uma realidade delimitada e seus

resultados podem permitir e formular hipteses para o encaminhamento de outras pesquisas

(50).

O estudo de caso o estudo de um caso, seja ele simples e especfico, ou complexo e

abstrato. O caso sempre bem delimitado, devendo ter seus contornos claramente definidos no

desenrolar do estudo. O caso pode ser similar a outros, mas ao mesmo tempo distinto, pois

tem um interesse prprio, singular. Quando queremos estudar algo singular, que tenha um valor

em si mesmo, devemos escolher o estudo de caso (51).

Enquanto mtodo de pesquisa, o estudo de caso usado para contribuir ao nosso

conhecimento dos fenmenos individuais, grupais, organizacionais, sociais, polticos e

relacionados. Surge do desejo de entender fenmenos sociais complexos, permitindo que os

investigadores retenham as caractersticas holsticas e significativas dos eventos da vida real,

entre os quais o comportamento dos pequenos grupos (52).

Os estudos de caso estimulam novas descobertas, em funo da flexibilidade do seu

planejamento; enfatizam a multiplicidade de dimenses de um problema, focalizando-o como

um todo e apresentam simplicidade nos procedimentos, alm de permitir uma anlise em

profundidade dos processos e das relaes entre eles (53).

Na pesquisa qualitativa, h uma relao dinmica entre o mundo real e o sujeito, isto , um

vnculo indissocivel entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que no pode ser

traduzido em nmeros, a interpretao dos fenmenos e a atribuio de significados so

bsicas. O carter descritivo refere-se s caractersticas de determinada populao ou

fenmeno ou o estabelecimento de relaes entre variveis. Envolve o uso de tcnicas

padronizadas de coleta de dados: questionrio e observao sistemtica. Assume, em geral, a

forma de levantamento (54) .

A pesquisa exploratria proporciona maior familiaridade com o problema, tendo como

objetivo principal o aprimoramento das idias, a descrio das caractersticas de determinada

populao em fenmeno ou estabelecimento de relaes entre variveis. So inmeros os

43

estudos que podem ser classificados sobre este ttulo, e uma de suas caractersticas est no

uso de tcnicas padronizadas de coleta de dados (54).

5.2 O campo de estudo

O estudo foi desenvolvido em um CAPS III de um municpio do interior de So Paulo com

uma populao de aproximadamente 400 mil habitantes

O servio em questo foi cadastrado como estabelecimento de sade no municpio em

2002. Realiza atendimento dirio 24 horas incluindo domingos e feriados atendendo adultos

com transtornos psicticos, depressivos e ansiosos graves. Conta com equipe tcnica

multiprofissional composta por quatro enfermeiros, uma terapeuta ocupacional, uma assistente

social , uma mdica psiquiatra e quatro psiclogas. Alm disso, possui equipe de nvel mdio

composta por oito tcnicos de enfermagem e dois agentes de suporte administrativo.

O servio atende nas modalidades intensiva, semi- intensiva e no intensiva, com

atendimentos em grupo e individual, oficinas, grupos com famlias e acolhimento pernoite com

05 leitos de atendimento crise e surto. Ressalta- se que no perodo noturno, o servio conta

apenas com a equipe de enfermagem, composta por dois tcnicos de enfermagem e um

enfermeiro para cada planto.

Possui atualmente cerca de 2700 pacientes cadastrados. Os pacientes inseridos no servio

so encaminhados via unidade bsica de sade, unidades ambulatoriais e hospital geral aps

remisso dos quadros agudos. 5.2.1 A escolha do campo de estudo

O campo de estudo, como j descrevi inicialmente em minha trajetria, meu local de

trabalho, onde atuo h 06 anos como enfermeiro.

A ideia de se fazer um estudo sobre acolhimento partiu da vivncia que eu possua no

campo especificamente nesta atividade.

Inicialmente eu visualizava o acolhimento como uma interveno que teria de ser

embasada muito mais numa formao tcnica- cientfica, talvez pela prpria formao em

enfermagem com vasto enfoque biologicista.

Com o passar do tempo, pude perceber que a necessidade da maior parte dos usurios

que procuravam o servio ia muito alm desse enfoque. claro que esta tambm uma faceta

muito importante a ser considerada, mas no o todo.

44

Vi ento que eu precisava considerar outras facetas at ento latentes nos atendimentos

para ser mais resolutivo. E, neste sentido, iniciei uma prtica que considerava o indivduo numa

viso mais ampla, dentro de um contexto que transcendia a doena e alcanava o social. E

quando falo do social, posso exemplificar de maneira especial uma direo que comecei a

adotar o atendimento da famlia da qual ele integrante. Nela, como se estabeleciam as

relaes? Onde o indivduo se inseria? Qual era o entendimento desta famlia sobre sua

doena? E, por fim, compreender em um contexto, o que ele representava para a famlia?

Quando isto foi se tornando incipiente na prtica, fui dismitificando conflitos existentes

agindo com o simples ato de escutar, considerando o usurio e a famlia.

Com o acolhimento da famlia, comecei a traar intervenes que realmente se

aproximavam da necessidade do usurio no contexto onde ele estava inserido.

Ocorre que este acolhimento realizado por uma equipe multiprofissional e, por esta

caracterstica, eu poderia tambm entend- lo e execut-lo de formas diferentes, considerando

ou no uma nica dimenso dentre as citadas, ainda que o objetivo fosse o mesmo : definir

uma interveno para aquele momento.

Nesse sentido, comecei ento a me inquietar com a situao e, ao mesmo tempo a me

questionar e a refletir sobre o que seria este acolhimento no entendimento de cada um desses

profissionais envolvidos.

Em muitas situaes, as intervenes elaboradas a partir do acolhimento, em especial

quando se considera a possibilidade do usurio retornar a sua comunidade com vistas

ressocializao e ao estabelecimento de uma vida mais produtiva, outros locais tambm

deveriam estar disponveis, contudo ainda so uma lacuna dentro de uma rede assistencial,

como os centros de convivncia, os servios de residncia teraputica, os leitos em hospital

geral; afinal, mesmo em situaes de crise e/ou surto, o usurio teria de estar em um hospital

em meio aos outros que esto l tambm por outras necessidades e no segreg-lo em um

hospital psiquitrico.

Alm disso vale aqui destacar um outro fator que sempre foi motivo de uma ansiedade

interna que a multiplicidade de situaes de usurios que compareciam ao acolhimento.

Realizava- se a sua escuta, porm sua necessidade transcendia a especificidade de um CAPS,

talvez pela falta de compreenso de profissionais encaminhantes da rede bsica , no obstante

a isso , a inexistncia de outros servios citados anteriormente que compem a rede de

assistncia. Esse sentimento ocorreu comigo, pois me via diante da necessidade do usurio,

porm sem ter para onde destin- lo.

45

Foi elaborado um roteiro especfico para este acolhimento, do qual eu tambm participei, no

entanto, talvez por esta diversificao da compreenso do acolhimento, em muitas ocasies,

este acaba por nem ser utilizado por alguns profissionais. Ou seja, o produto final no

uniforme e nem passa perto de ser. Talvez o desafio de se trabalhar em uma equipe assim

constituda seja justamente este : estar disponvel para entender a diversidade do saber e do

fazer do outro e, a partir da, construir uma assistncia que comtemple o usurio em todas as

suas facetas.

Nesse sentido, senti- me atrado em realizar um estudo sobre esse processo na unidade

onde atuo, pois entendo que um espao com um significado nico e particular - com aqueles

profissionais, com seus entendimentos, com a situao que se apresentava no cotidiano.

Destaca- se, porm, que a aproximao dos profissionais para a realizao do estudo

somente se deu aps a aprovao do projeto pelo Comit de tica em Pesquisa da

FCM/UNICAMP via Plataforma Brasil e aps as autorizaes da gerente do CAPS e do

secretrio de sade do municpio.

5.3 Sujeitos da Pesquisa

A escolha dos participantes da pesquisa ocorreu de modo intencional, sendo entrevistados

todos os profissionais de nvel superior e mdio que realizam o acolhimento no servio e que

aceitaram participar da pesquisa, sendo na sua totalidade doze sujeitos. So eles trs

enfermeiras, uma mdica psiquiatra, uma terapeuta ocupacional, trs psiclogas e quatro

tcnicas de enfermagem.

Os critrios de incluso estabelecidos foram: ter no mnimo 06 meses de atuao

profissional no CAPS e que aceitassem participar da pesquisa mediante a assinatura do TCLE-

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APNDICE A). 5.4 Tamanho da populao

O tamanho da populao foi delimitado por meio do critrio de exausto, onde os

participantes foram todos os que faziam parte do universo do pesquisador (55). Ou seja, so

abordados todos os sujeitos elegveis (56).

Alguns autores ressaltam que possvel que uma amostra fechada por exausto seja

suficiente para saturar algumas ou todas as categorias formuladas pelo pesquisador, tratando-

se de uma constatao de saturao no decorrente do prprio processo de pesquisa (55).

46

5.5 Tcnica de coleta dos dados A coleta de dados se deu por meio de entrevista semiestruturada e da observao participante.

Os dados foram coletados no perodo de quatro de junho a nove de julho do mesmo ano,

sendo que a observao participante ocorreu na medida em que surgiam os acolhimentos na

unidade e, neste sentido no ocorreram concomitantemente s entrevistas.

As anotaes das observaes de campo ocorriam no mesmo dia em que estas eram

realizadas na tentativa de preservar as impresses apreendidas.

Segundo Minayo (57), a entrevista semiestruturada combina perguntas abertas e fechadas

que possibilitam discorrer sobre o tema proposto, sem respostas ou condies pr-

estabelecidas pelo pesquisador.

As entrevistas foram realizadas em ambiente privativo, utilizando instrumento de respostas

livres e conduzidas e gravadas pelo pesquisador.

O instrumento para a realizao da entrevista contemplou dados

sociodemogrficos e questionamentos inerentes aos objetivos do estudo (APNDICE B).

A observao participante foi realizada utilizando-se de roteiro especfico (APNDICE C).

Esta tcnica foi escolhida uma vez que o envolvimento prvio do pesquisador com o servio e

os sujeitos a serem entrevistados poderiam beneficiar a coleta, anlise e interpretao dos

dados (58).

A tcnica da observao participante tem grande valor no meio acadmico-cientfico,

principalmente quando se trata de aplicao de pesquisas qualitativas na rea da sade, pois

contribui com as investigaes, proporcionando uma viso ampla e detalhada de uma realidade,

resultante da interao do pesquisador com o meio, podendo servir de base no planejamento

de estratgias para o desenvolvimento sustentvel da comunidade em estudo (59).

O observador como participante um papel em que a identidade do pesquisador e os

objetivos do estudo so revelados ao grupo pesquisado desde o incio. Nessa posio, o

pesquisador pode ter acesso a uma vasta amplitude de informaes, at mesmo confidenciais,

pedindo cooperao ao grupo. Contudo, em geral, ter que aceitar o controle do grupo sobre o

que ser ou no tornado pblico pela pesquisa (51).

5.6 Procedimentos associados validao do instrumento e anlise dos dados

Em pesquisas qualitativas, a concepo de validade assume variadas formas pois a

discusso sobre escalas de medio no se aplica a elas, sendo necessria a compreenso da

47

validade em outra perspectiva. Para alm de questes de formulao, naquilo que pode ser

compreendido como validade prvia, a validade busca indicar o que constitui uma pesquisa

bem feita, confivel e merecedora de ganhar destaque pblico ou, conforme a prpria definio

do termo- que tem valor, eficaz. Nessa lgica, adaptando o conceito de pesquisas quantitativas

para pesquisas qualitativas, verificar a validade de uma pesquisa seria determinar se ela de fato

mede verdadeiramente o que o pesquisador props-se a medir, se conta com processos

metodolgicos coerentes e se seus resultados so consistentes (60).

Ressalta-se que para o ajustamento do instrumento de coleta de dados utilizado na

entrevista foi aplicado um pr-teste em uma amostra constituda de dois profissionais de um

outro servio com a mesma especificidade do local de estudo. Estes, por sua vez, no

compuseram a amostra do estudo.

Aps a realizao das entrevistas do pr- teste, estas foram discutidas com o orientador e

no houve a necessidade de mudanas do roteiro de coleta de dados.

Na tentativa de manter o rigor metodolgico da pesquisa quanto validade, foram adotados

alguns procedimentos comumente utilizados em pesquisas qualitativas e que puderam ser

aplicados neste estudo.

So tcnicas que maximizam a validade do instrumento, pois facilitam a expresso da

subjetividade dos entrevistados (61). So elas:

A garantia da manuteno do anonimato Antes que os entrevistados respondessem aos questionamentos das entrevistas, ficou

garantido o anonimato. Alm disso, foram fornecidas as orientaes pertinentes aos aspectos

ticos envolvidos.

Conforto fsico durante a entrevista Para que os entrevistados se sentissem vontade e confortveis, as entrevistas foram

realizadas em consultrios da prpria unidade, sendo que estes permaneceram sentados

durante toda a sua realizao em cadeiras apropriadas e em ambiente ventilado, privativo e

sem rudos.

48

Disponibilidade da dupla para estender, se necessrio, o tempo previsto do procedimento

As entrevistas ocorreram de acordo com a disponibilidade do entrevistado, respeitando- se

o momento em que o entrevistado se sentia tranquilo para participar, com a rotina de trabalho j

organizada e/ou sob controle, o que possibilitava estender o tempo se fosse necessrio.

Setting familiar da entrevista para o entrevistado O local onde aconteceram todas as entrevistas bem familiar, uma vez que meu local de

trabalho, possibilitando uma condio agradvel e ao mesmo tempo favorvel para uma maior

descontrao com os entrevistados.

Avaliao pelos pares No que se refere a este quesito, foi solicitada a avaliao e a opinio de pessoas ligadas

pesquisa qualitativa. Este processo aconteceu com a participao dos membros do Laboratrio

de Pesquisa Clnico (LPCQ) e do Ncleo de Pesquisa e Estudos Qualitativos em Sade

(NUPEQS), sendo que o orientador do estudo atuou como juiz.

5.7 Tcnica de anlise dos dados As entrevistas foram transcritas na ntegra pelo pesquisador e submetidas anlise de

contedo temtica, segundo Minayo (57).

A anlise de contedo diz respeito a tcnicas de pesquisa que permitem tornar replicveis

e vlidas inferncias sobre dados de um determinado contexto, por meio de procedimentos

especializados e cientficos. Operacionalmente, parte de uma leitura de primeiro plano das

falas, depoimentos e documentos e, posteriormente atinge um nvel mais profundo,

ultrapassando os sentidos manifestos do material, relacionando estruturas semnticas

(significantes) com estruturas sociolgicas (significados) dos enunciados dos textos com os

fatores que determinam suas caractersticas: variveis psicossociais, contexto cultural e

processo de produo da mensagem, visando consistncia interna s operaes (57) .

Segundo Campos (62) a anlise de contedo um mtodo muito utilizado na anlise de

dados qualitativos, sendo compreendida como um conjunto de tcnicas de pesquisa que tem

por objetivo buscar o(s) sentido(s) de um documento.

A inteno da anlise de contedo inferir os conhecimentos relativos s condies de

produo (ou, eventualmente, de recepo), referentes a indicadores (quantitativos ou no). As

inferncias (ou dedues lgicas) podem responder a dois tipos de problemas: o que que

49

levou a determinado enunciado? e quais as conseqncias que determinado enunciado vai

provavelmente provocar? (63).

Nessa concepo, Campos e Turato (64) destacam que produzir inferncias em anlise de

contedo significa, principalmente, produzir conhecimentos implcitos a determinada

mensagem, e aport- las a um quadro de referenciais tericos, situando- as num paradigma

acadmico e visualizadas segundo o contexto histrico e social de suas produes.

Foi utilizada neste estudo a anlise categorial temtica, tendo em vista a diversidade de

temas possveis de serem abordados a partir das falas dos sujeitos.

O mtodo de categorizao permite a classificao dos elementos de significao

constitutivos da mensagem, sendo um mtodo taxonmico bem concebido para satisfazer os

colecionadores preocupados em introduzir uma ordem, segundo certos critrios, na desordem

aparente (63).

Minayo (57) ressalta que a noo de tema est ligada a uma afirmao a respeito de

determinado assunto, comportando um feixe de relaes representado graficamente por meio

de uma palavra, de uma frase, de um resumo. Segundo a autora, a anlise temtica desdobra-

se em trs etapas, a saber 1) Pr- Anlise- consiste na escolha dos documentos a serem

analisados e na retomada das hipteses e dos objetivos iniciais da pesquisa; 2) Explorao do

Material - consiste essencialmente numa operao classificatria que visa alcanar o ncleo de

compreenso do texto, de forma que o investigador encontre categorias que so expresses

ou palavras significativas em funo das quais o contedo de uma fala ser organizado; 3)

Tratamento dos Resultados Obtidos e Interpretao- o analista prope inferncias, realiza

interpretaes e inter- relaes com o quadro terico adotado inicialmente.

A princpio foram realizadas leituras e releituras do material apreendido nas entrevistas, na

tentativa de pouco a pouco identificar o que os informantes traziam em seus discursos, sendo

possvel ento perceber o que era comum entre os elementos, assim como suas contradies.

Para lidar com a riqueza do material Campos e Tutato (63) sugerem que o pesquisador

tangencie tudo o que se escuta ou se l do material com uniforme ateno, poupando assim

esforos para manter uma ateno aguda, o que seria desgastante e improdutivo para se

chegar ao oculto da fala dos sujeitos.

No seguimento destas recomendaes, emergiram temticas que subsidiaram a construo

das diversas categorias.

50

5.8 Aspectos ticos O projeto foi submetido ao sistema on line da Plataforma Brasil e teve aprovao pelo

Comit de tica em Pesquisa da FCM/ UNICAMP sob o parecer de n 217.677 (ANEXO C).

Os sujeitos foram informados sobre o anonimato e a liberdade em desistir a qualquer

momento da pesquisa ao assinarem o TCLE conforme Resoluo 196/96 do Conselho Nacional

de Sade (65).

51

6 RESULTADOS E DISCUSSO

Para a apresentao dos resultados e posterior discusso, foram elencados

primeiramenente os dados scio-demogrficos distribudos em tabelas e sequencialmente a

categorizao, onde os participantes so identificados pela letra E, que designa entrevistado,

acompanhada de um nmero que representa a ordem na qual a entrevista foi realizada.

Destaca- se que no houve recusa de nenhum dos 12 participantes selecionados.

No que se refere ao sexo, os doze participantes so do sexo feminino, seguindo uma

tendncia j observada em outros estudos (66). Em relao faixa etria, a que predominou foi

de 31-40 anos. Quanto escolaridade, a maior parte possui ensino superior completo. Estes

dados podem ser visualizados na tabela 1 que segue:

52

Tabela 1: Caracterizao dos profissionais segundo caractersticas scio-demogrficas (n=12).

Variveis

Total

F

Sexo

Masculino 0

Feminino 12

Total 12

Faixa Etria

20-30 3

31-40 5

41-50 1

51-60 3

Total 12

Escolaridade Ens. Mdio Completo 4

Ens. Superior Completo 8

Total 12

Fonte: Dados da pesquisa,2013

53

Quanto formao, quatro so tcnicas de enfermagem, trs so enfermeiras, trs so

psiclogas e apenas uma terapeuta ocupacional e uma mdica. Logo, a equipe possui uma

diversidade de formao entre seus profissionais, corroborando com a lgica multidisciplinar do

trabalho de um CAPS. No entanto, cabe ressaltar que a equipe de enfermagem que composta

pelos enfermeiros e tcnicos de enfermagem perfaz a maior parte da populao do estudo,

totalizando sete dos doze entrevistados.

O tempo de formao variou muito entre os participantes, sendo que aproximadamente

metade da populao possui entre 5 a 10 anos de formado. Estes dados podem ser

visualizados na tabela 2 que segue:

54

Tabela 2: Caracterizao dos profissionais segundo as caractersticas relacionadas formao (n=12).

Fonte: Dados da pesquisa, 2013

Variveis

Total

F

Formao

Enfermeiro 3

Psiclogo 3

Terapeuta Ocupacional

1

Tcnico de Enfermagem

4

Mdico 1

Total 12

Tempo de Formao

30 anos 2

Total 12

55

Quanto formao especfica em sade mental, oito no a possuem, perfazendo a maior

parte da populao para esta varivel.

Verificou- se ainda que a maior parte da populao (sete dos doze entrevistados) no teve

nenhum contato com a prtica de acolhimento na formao.

Em se tratando do tempo de trabalho no CAPS, percebeu- se tambm que h uma

considervel diversificao entre os entrevistados, onde metade da populao possui de 1 a 5

anos de trabalho, trs de 11 a 14 anos, dois esto h menos de um 1 ano e apenas um possui

tempo de trabalho entre 6 a 10 anos.

Estes dados podem ser visualizados na tabela 3 que segue.

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Tabela 3: Caracterizao dos profissionais segundo as caractersticas relacionadas formao em sade mental e tempo d