acesso aberto à informação científica e direito autoral - ações e contradições

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55 Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, v. 17, n. esp. 2 III SBCC, p.55-64, 2012. ISSN 1518-2924. DOI:10.5007/1518- 2924.2012v17nesp2p55 ACESSO ABERTO À INFORMAÇÃO CIENTÍFICA E DIREITO AUTORAL: AÇÕES E CONTRADIÇÕES Maria Naires Alves de Souza i Denyse Maria Borges Paes ii Rafael Gomes Fernandes iii Francisco Welton Silva Rios iv Resumo: Aborda a questão do acesso aberto à informação científica, na sociedade atual, e as restrições impostas pelos ordenamentos jurídicos que defendem a propriedade intelectual. Objetiva-se, analisar a dissonância entre o Direito Autoral e o acesso aberto à informação científica com o fim de identificar suas ações e contradições. Trata de uma pesquisa bibliográfica e documental seguida de leituras e discussões em grupo. Evidenciou-se que o Direito Autoral brasileiro resguarda o autor ou titular (editoras) em prejuízo ao acesso aberto à produção científica financiada com recursos públicos. Verificou-se uma diversidade de iniciativas em vários países em prol do acesso aberto. Palavras-chave: Informação científica. Direito autoral. Acesso aberto. Universidade. Direito à informação. OPEN ACCESS TO SCIENTIFIC INFORMATION AND COPYRIGHT: ACTIONS AND CONTRADICTIONS Abstract: This article addresses the question of open access to scientific information in contemporary society and the restrictions imposed by laws that defend intellectual property. The purpose is to analyze the disagreement between the Copyright and open access to scientific information in order to identify their actions and contradictions. This is a bibliographical research and documental followed by readings and group discussions. It was evident that the Brazilian Copyright Law protects the author or owner (publishers) in damage to open access to scientific production financed with public funds. It was verified a diversity of initiatives in several countries in favor of open access. Keywords: Scientific information. Copyright. Open access. University. Right to information. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons i Universidade Federal do Ceará. [email protected] ii Secretaria de Educação do Município de Fortaleza. [email protected] iii Universidade Federal do Ceará. [email protected] iv Universidade Estadual do Ceará. [email protected]

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Aborda a questão do acesso aberto à informação científica, na sociedade atual, e as restrições impostaspelos ordenamentos jurídicos que defendem a propriedade intelectual. Objetiva-se, analisar a dissonância entre oDireito Autoral e o acesso aberto à informação científica com o fim de identificar suas ações e contradições.Trata de uma pesquisa bibliográfica e documental seguida de leituras e discussões em grupo. Evidenciou-se queo Direito Autoral brasileiro resguarda o autor ou titular (editoras) em prejuízo ao acesso aberto à produçãocientífica financiada com recursos públicos. Verificou-se uma diversidade de iniciativas em vários países emprol do acesso aberto.

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    Encontros Bibli: revista eletrnica de biblioteconomia e cincia da informao, v. 17, n.

    esp. 2 III SBCC, p.55-64, 2012. ISSN 1518-2924. DOI:10.5007/1518-2924.2012v17nesp2p55

    ACESSO ABERTO INFORMAO CIENTFICA E DIREITO AUTORAL:

    AES E CONTRADIES

    Maria Naires Alves de Souzai

    Denyse Maria Borges Paesii

    Rafael Gomes Fernandesiii

    Francisco Welton Silva Riosiv

    Resumo: Aborda a questo do acesso aberto informao cientfica, na sociedade atual, e as restries impostas

    pelos ordenamentos jurdicos que defendem a propriedade intelectual. Objetiva-se, analisar a dissonncia entre o

    Direito Autoral e o acesso aberto informao cientfica com o fim de identificar suas aes e contradies.

    Trata de uma pesquisa bibliogrfica e documental seguida de leituras e discusses em grupo. Evidenciou-se que

    o Direito Autoral brasileiro resguarda o autor ou titular (editoras) em prejuzo ao acesso aberto produo

    cientfica financiada com recursos pblicos. Verificou-se uma diversidade de iniciativas em vrios pases em

    prol do acesso aberto.

    Palavras-chave: Informao cientfica. Direito autoral. Acesso aberto. Universidade. Direito informao.

    OPEN ACCESS TO SCIENTIFIC INFORMATION AND COPYRIGHT: ACTIONS AND

    CONTRADICTIONS

    Abstract: This article addresses the question of open access to scientific information in contemporary society

    and the restrictions imposed by laws that defend intellectual property. The purpose is to analyze the

    disagreement between the Copyright and open access to scientific information in order to identify their actions

    and contradictions. This is a bibliographical research and documental followed by readings and group

    discussions. It was evident that the Brazilian Copyright Law protects the author or owner (publishers) in

    damage to open access to scientific production financed with public funds. It was verified a diversity of

    initiatives in several countries in favor of open access.

    Keywords: Scientific information. Copyright. Open access. University. Right to information.

    Esta obra est licenciada sob uma Licena Creative Commons

    i Universidade Federal do Cear. [email protected]

    ii Secretaria de Educao do Municpio de Fortaleza. [email protected]

    iii Universidade Federal do Cear. [email protected]

    iv Universidade Estadual do Cear. [email protected]

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    Enc. Bibli: R. Eletr. Bib. Ci. Inf., ISSN 1518-2924, Florianpolis, v. 17, n. esp.2 III SBBC, p.55-64, 2012.

    1 INTRODUO

    O conhecimento cientfico o tipo de conhecimento produzido pela investigao

    cientfica, mediante mtodos, alm de ser passvel de verificao; gerado com a finalidade

    de promover solues para as questes do homem e do meio em que este habita, como

    tambm para oferecer explicaes sistemticas que possam ser testadas e verificadas. Para que

    esse conhecimento cause transformaes em ambientes tcnico-cientficos e sociais

    imprescindvel que ele seja acessvel comunidade cientfica e para aqueles que se interessam

    em estud-lo.

    Entretanto, quando esse conhecimento gerado dentro das universidades pblicas e,

    portanto, com recursos pblicos, ele deveria tambm ter o carter pblico para seu acesso.

    Idealmente, a informao cientfica deveria ser acessvel a qualquer indivduo (pesquisador,

    estudioso, estudante, leigo), contudo, sua disponibilizao vem se deparando com os limites

    colocados pelos direitos dos autores, que impem condies monetrias, entre outras,

    dificultando seu uso e acesso. Frente a essa problemtica, buscou-se informaes a respeito do

    tema e percebeu-se o prejuzo que a falta de acesso aberto produo cientfica tem

    provocado na produo do conhecimento cientfico e impactado nos estudos e nas pesquisas

    realizadas e, consequentemente, nos acervos disponveis para pesquisas nas bibliotecas

    universitrias pblicas.

    Ante os problemas abordados, este artigo tem como objetivo analisar a dissonncia

    entre o Direito Autoral e o acesso produo cientfica com o fim de identificar suas aes e

    contradies.

    2 MATERIAIS E MTODOS

    Esta uma pesquisa do tipo bibliogrfica e documental, que segundo Polit, Beck

    e Hungler (2008), desenvolve-se a partir de materiais j elaborados, pelos quais o

    pesquisador pode fazer uma cobertura mais ampla dos fenmenos investigados. A

    finalidade do estudo colocar o investigador em contato direto com publicaes

    produzidas e debatidas acerca de um determinado contedo, ressaltando que estas no se

    tratam de uma repetio do que j foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas do exame

    de um tema com um novo enfoque (LAKATOS; MARCONI, 2008).

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    Enc. Bibli: R. Eletr. Bib. Ci. Inf., ISSN 1518-2924, Florianpolis, v. 17, n. esp.2 III SBBC, p. 55-64, 2012.

    Para obteno dos dados e informaes, realizou-se um levantamento

    bibliogrfico e documental em livros e portais de acesso aberto: Scientific Electronic

    Library Online (Scielo), Portal de Peridicos da Coordenao de Aperfeioamento de

    Pessoal de Ensino Superior (CAPES) e Biblioteca Digital Jurdica (BDJur). A partir do

    levantamento das informaes, encontrou-se artigos cientficos, documentos legais,

    folhetos, trabalhos apresentados em eventos, dos quais se procedeu leituras e anlise,

    seguidas de discusses em grupo para definio e construo dos argumentos.

    3 UNIVERSIDADE

    A informao um instrumento inerente a nossa vida. Desde muito cedo somos

    induzidos a utiliz-la, mesmo quando no conseguimos reconhecer o seu significado, por

    vezes, subjetivo. Atualmente, na sociedade caracterizada como do conhecimento, a

    informao torna-se fator de fundamental importncia. Segundo Takahashi (2000, p. 5),

    A informao representa uma profunda mudana na organizao da sociedade e da

    economia, havendo quem considere um novo paradigma tcnico-cientfico. um

    fenmeno global com elevado potencial transformando as atividades sociais e

    econmicas [...].

    Evidencia-se, portanto, a necessidade de tornar pblica a informao gerada, uma vez

    que esta poder servir de subsdio para criao de novos conhecimentos. Nesse contexto,

    destaca-se um novo cenrio, onde as tecnologias da informao e da comunicao

    potencializam o processo de produo e comunicao, permitindo maior interao entre o

    produtor e consumidor.

    Assim, as universidades podem ser entendidas como facilitadoras da comunicao

    entre seus estudantes, professores e a sociedade, validando seu trip ensino, pesquisa e

    extenso ao promover a disseminao do conhecimento cientfico e das pesquisas em

    andamento ou concludas, assegurando ao pblico o direito de acesso s informaes.

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    Enc. Bibli: R. Eletr. Bib. Ci. Inf., ISSN 1518-2924, Florianpolis, v. 17, n. esp.2 III SBBC, p.55-64, 2012.

    4 BIBLIOTECA UNIVERSITRIA

    O conhecimento gerado na universidade possui seus prprios meios de

    divulgao formais e informais, bem como agentes que permitem a ratificao deste

    como conhecimento cientfico.

    Toda a produo cientfica registrada e difundida por meio de documentos.

    Nesse sentido, a biblioteca universitria emerge enquanto mediadora desse processo,

    pois armazena e organiza o conhecimento visando otimizar a recuperao e sobretudo o

    acesso a este, j que a exigncia de informao transcende o valor, o lugar e a forma e

    necessita de acesso. Por isso devemos pensar no s em fornecer a informao, mas

    possibilitar o acesso simultneo de todos (FUJITA, 2005, p. 4).

    Nos dias atuais, os sistemas de informao, contextualizados no fenmeno da

    globalizao, vm se modificando. So disponibilizados documentos no somente no

    formato impresso, mas tambm digital, j que este propicia o acesso rpido e

    multiusurio.

    Conforme Cunha (2008), a biblioteca universitria, no momento em que

    disponibiliza, alm de seu acervo fsico, um acervo digital, permite maior eficcia na

    busca, acesso e recuperao da informao, quesitos que tem atrado cada vez mais

    usurios a essas bibliotecas.

    A informao, principal insumo da universidade, estar mais acessvel aos

    docentes e pesquisadores atravs da biblioteca digital, j que esta transpe as barreiras

    fsicas e permite que muitos usurios consultem um ou vrios trabalhos simultaneamente

    (FUJITA, 2005).

    5 DIREITO AUTORAL E UNIVERSIDADE PBLICA

    Passaremos agora, a uma rpida reconstruo e anlise do surgimento do Direito

    Autoral e do impacto deste sobre a produo de conhecimento nas Universidades Pblicas.

    Cabe-nos, de incio, alguma introduo sobre o fenmeno da autoria que deve ser

    analisado levando-se em conta os vrios macrofatores que sobre ele exercem influncia, sejam

    estes sociais, econmicos, polticos, ou tcnicos. Para Chartier (1999), tal fenmeno teve

    incio na Europa, durante a Idade Mdia, quando, sob acusao de heresia, inmeros

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    Enc. Bibli: R. Eletr. Bib. Ci. Inf., ISSN 1518-2924, Florianpolis, v. 17, n. esp.2 III SBBC, p. 55-64, 2012.

    documentos foram destrudos pelas autoridades religiosas e polticas que, com o intuito de

    punir os transgressores, tinham antes que design-los como autores das obras censuradas.

    Foucault (1992, p. 47) complementa, argumentando que a autoria surgiu na medida em que o

    autor se tornou passvel de ser punido, isto , na medida em que os discursos se tornaram

    transgressores. A regra, no entanto, era o anonimato das obras.

    A partir do sculo XIV, o Renascimento, com valores forjados no antropocentrismo e

    individualismo, induziu a valorizao da produo intelectual humana, como a arte e a

    cincia. Foi o momento histrico propcio para o reconhecimento da autoria, o qual foi

    intensificado pela inveno da tecnologia de impresso por Johann Gutenberg (1398 1468).

    Os materiais escritos passaram a ser produzidos em ritmo crescente e os autores tiveram a

    oportunidade de assinarem suas obras, ganhando, a partir da, personalidade ligada

    produo. No demorou at o surgimento do mercado grfico e dos editores, proprietrios do

    maquinrio de imprensa e responsveis pela distribuio da nova mercadoria, os quais, em

    1557, obtiveram do governo ingls o direito exclusivo e eterno sobre as obras (ARAYA;

    VIDOTTI, 2009).

    Em 1710, a primeira lei formal sobre o Direito Autoral foi promulgada na Inglaterra, o

    Statute of Anne, que tirou o direito sobre a obra dos editores passando-os aos autores. Em

    1790 foi instituda, nos Estados Unidos, a primeira lei copyright (ARAYA; VIDOTTI, 2009).

    No Brasil, em 11 de agosto de 1827, surgiu a primeira lei sobre o direito do autor que,

    alm de criar os cursos jurdicos nas cidades de Olinda e So Paulo, determinou privilgio

    exclusivo pelo perodo de 10 anos produo acadmica dos professores sob determinadas

    condies relacionadas na prpria lei. A Constituio Brasileira, porm, apenas em 1891

    discorreu sobre o tema, em seu Ttulo IV Dos cidados brasileiros, Seo II Declarao de

    direitos, art. 72, 26, a qual declarava que Aos autores de obras literrias e artsticas

    garantido o direito exclusivo de reproduzi-las, pela imprensa ou por qualquer outro processo

    mecnico. Os herdeiros dos autores gozaro desse direito pelo tempo que a lei determinar.

    (BRASIL, 1891). A atual Constituio Brasileira, de 1988, mantm, quase nos mesmos

    termos da Constituio de 1891, a proteo aos direitos do autor. Atualmente, a Lei 9.610 de

    19 de fevereiro de 1998 (BRASIL, 1998) disciplina o tema.

    A lei autoral brasileira, com suas inmeras limitaes e restries ao uso da

    propriedade intelectual, tida como uma das mais rgidas do mundo, impondo slidas

    barreiras ao acesso a diversos tipos de informaes cientfico-culturais (LIMA; SANTINI,

    2008; PARANAGU; BRANCO, 2009). De acordo com a legislao, cabe exclusivamente

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    Enc. Bibli: R. Eletr. Bib. Ci. Inf., ISSN 1518-2924, Florianpolis, v. 17, n. esp.2 III SBBC, p.55-64, 2012.

    ao autor o direito de utilizar, fruir e dispor da obra, o qual tem a prerrogativa de ceder

    totalmente ou parcialmente seus direitos a terceiros (BRASIL, 1998).

    Sem nos atermos demasiadamente a tecnicismos e exegeses jurdicas, visto no ser o

    objetivo do presente estudo, passaremos a analisar alguns impactos do Direito Autoral na

    produo e disseminao do conhecimento cientfico produzido em Universidades Pblicas

    brasileiras. Cabe-nos levantar a discusso em torno do acesso ao conhecimento produzido

    com recursos pblicos.

    No Brasil, atualmente, os recursos pblicos so os principais responsveis pelo

    financiamento da pesquisa cientfica. Tal financiamento realiza-se por meio do pagamento de

    funcionrios docentes e no docentes, da infraestrutura universitria, da proviso de

    equipamentos laboratoriais e recursos diretos para projetos e bolsas de estudos (CRAVEIRO;

    MACHADO; ORTELLADO, 2010).

    A CAPES a agncia governamental brasileira responsvel pela avaliao da ps-

    graduao nacional stricto sensu e pelo acesso e divulgao da produo cientfica, entre

    outras incumbncias5. Ela, ao avaliar os Programas de Ps-Graduaes nacionais, utiliza

    como principal ndice de avaliao a quantidade de publicaes de artigos em revistas

    qualificadas. Atualmente, os artigos cientficos so o meio mais eficiente de divulgao do

    conhecimento cientfico, deixando a comunidade cientfica rapidamente a par de mtodos,

    referenciais tericos e resultados (BARBA, 2012). No entanto, aps a produo e publicao

    de pesquisas financiadas com verba pblica, surgem diversas barreiras para o acesso a estas

    por parte da comunidade acadmica.

    Ao publicar em peridicos cientficos, o autor do artigo/pesquisa cede seus direitos

    autorais ao editor que, geralmente, condiciona o acesso informao assinatura do peridico

    ou ao pagamento direto de certa quantia que pode variar de acordo com a excelncia da

    informao solicitada. Somada a essa equao, conforme apontam Craveiro, Machado e

    Ortellado (2010), ocorre ao oligoplica de conglomerados editoriais que, ao se

    apropriarem de editoras menores, buscam o controle da informao cientfica. Os autores

    apontam sobre as editoras: Para se ter uma ideia da concentrao, a Reed Elsevier, por

    exemplo, afirma possuir 12.500 peridicos cientficos em seu catlogo, a Thomson outras

    8.500 e a Springer Verlag, 1.800. (CRAVEIRO; MACHADO; ORTELLADO, 2010, p. 15).

    No existe, no Brasil, polticas que limitem a apropriao pelas editoras dos

    conhecimentos cientficos gerados com financiamento pblico. Mesmo aps todos os recursos

    5 Dados disponveis no site da CAPES: http://www.periodicos.capes.gov.br

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    Enc. Bibli: R. Eletr. Bib. Ci. Inf., ISSN 1518-2924, Florianpolis, v. 17, n. esp.2 III SBBC, p. 55-64, 2012.

    investidos na produo do conhecimento, o Estado acaba por pagar novamente pelo seu

    acesso. No ano de 2010, a Unio investiu na aquisio de peridicos o valor aproximado, em

    dlar, de US$ 61.180.065,006.

    6 CONSIDERAES FINAIS

    Acompanhando o tratamento das informaes arquivsticas referentes ao registro

    e s alteraes de projetos lanadas no SIE e, tambm, com base nos depoimentos dos

    entrevistados, constatou-se uma situao bastante atpica em relao aos requisitos que

    viabilizam e sustentam a autenticidade e a fidedignidade dos documentos, deduzindo-se

    que o sistema pode estar comprometido em relao a essas duas caractersticas.

    Corroboram essa afirmao as seguintes constataes: 1) h debilidade/falta de controle

    oficial de grupos, categorias e/ou nveis de acesso ao sistema; 2) h indisponibilidade

    do registro do histrico das intervenes ou alteraes de informaes arquivsticas no

    sistema, ausncia de trilha de auditoria. Para haver conformidade com esse aspecto,

    teriam que ser observados estudos do ICA16 (2005) e aplicada a norma ISO 15489-25,

    bem como os seguintes requisitos descritos no e-ARQ Brasil:

    O rastreamento dos documentos em trilhas de auditoria uma medida de segurana

    que tem por objetivo verificar a ocorrncia de acesso e uso indevidos aos

    documentos. O grau de controle de acesso e o detalhamento do registro na trilha de

    auditoria dependem da natureza do rgo ou entidade e dos documentos produzidos

    (CONArq, 2006, p.36).

    Portanto, quanto aos critrios que asseguram idoneidade aos documentos,

    segundo Rondinelli (2005), Rocha (2007) e tambm Ferreira (2006), acredita-se que o

    SIE apresenta-se seriamente comprometido.

    Atravs do acompanhamento do gerenciamento das autorizaes de acesso ao

    sistema, observou-se que esse gerenciamento realizado de maneira informal pelo

    servio de auxlio ao usurio, denominado CAU, que operado por bolsistas e que, na

    operao desse sistema, no existe nenhum tipo de protocolo ou registro de solicitao

    de ativao ou desativao de autorizaes de senhas para acesso ao mesmo. Tambm,

    conforme depoimento dos entrevistados, a fragilidade e as deficincias do

    gerenciamento de senhas so percebidas e referem-se a situaes em que as pessoas j

    6 Dados disponveis no site da CAPES: http://www.periodicos.capes.gov.br

    5 http://www.tavanir.org.ir/tech-doc/nezam/iso_15489-2.pdf

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    Enc. Bibli: R. Eletr. Bib. Ci. Inf., ISSN 1518-2924, Florianpolis, v. 17, n. esp.2 III SBBC, p.55-64, 2012.

    no ocupam cargos de chefia e, apesar disso, continuam com a sua senha autorizada para

    tramitar documentos na condio de responsveis pela subunidade.

    Outra situao citada pelos entrevistados a falta de normatizao na definio

    de grupos de usurios e suas respectivas funes hierrquicas no sistema, ou seja, maior

    clareza sobre os tipos de funes e autorizaes que lhes so pertinentes. Considerando

    o que afirmam Santos (2005), Innarelli (2009) e CONArq (2006) quando se trata de

    normas de segurana para o controle do acesso ao sistema:

    Um sistema de gesto arquivstica de documentos deve garantir que os usurios no

    autorizados no tenham acesso aos documentos classificados, isto , submetidos s

    categorias de sigilo previstas em lei, bem como aqueles que so originalmente

    sigilosos. O acesso aos metadados dos documentos sigilosos depende de

    regulamentao interna do rgo ou entidade. (CONArq, 2006, p.35)

    Em relao s autorizaes de acesso ao sistema, pode-se afirmar que, pelo fato

    de as portarias serem gerenciadas por essa ferramenta de gesto, elas respaldariam

    automaticamente os acessos ao sistema.

    No tocante ao processo de interao dos usurios com o sistema, inicialmente

    considerou-se a questo do manual de registro e alteraes de projetos. Quanto a esse

    aspecto, a situao mostra-se inslita, uma vez que, segundo informaes fornecidas

    pelos entrevistados responsveis pelo gerenciamento do sistema e acesso pgina da

    UFSM, o manual de registro de projetos no disponibilizado aos usurios no sistema

    (SIE), e sim no site da instituio, que est desatualizado. Isso ocorre em razo das

    frequentes modificaes/alteraes nas rotinas de tela e a outras questes congneres

    que so feitas pelo CPD para atender situaes especficas, de forma a sanar

    dificuldades encontradas por parte de um determinado usurio. Nesse sentido, cita -se o

    Manual de Certificao para Sistemas de Registro de Eletrnico em Sade, que

    estabelece regras rgidas em relao a manuais. O problema verificado est na falta de

    divulgao dessas alteraes para os demais usurios, os quais encontram as mesmas

    dificuldades na operacionalizao do sistema. Em relao a esse problema, recorre-se,

    mais uma vez, aos estudos do ICA16 (2005) ao afirmar que:

    Ao mesmo tempo devem ter em conta as actualizaes da documentao do sistema

    porque muitas das correes nele realizadas podem ter sido feitas em situaes de

    emergncia, altura em que no sobre tempo para elaborar documentao apropriada

    sobre as alteraes introduzidas (ICA 16, 2005 p.37).

    Quando se refere ao desafio de se manter um banco de dados ntegro em relao

    aos quesitos que dizem respeito s normas e legislao arquivsticas vigente, cita-se

    Rocha e Silva (2007, p. 116): O grande desafio apresentado pelos documentos digitais

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    Enc. Bibli: R. Eletr. Bib. Ci. Inf., ISSN 1518-2924, Florianpolis, v. 17, n. esp.2 III SBBC, p. 55-64, 2012.

    a garantia da produo de documentos confiveis e a manuteno de sua autenticidade

    e acesso de longo prazo.

    Portanto, faz-se necessrio que sejam mantidas adequadamente as informaes

    arquivsticas constantes dos registros dos projetos e armazenadas no banco de dados da

    UFSM, o qual se constitui como patrimnio documental da instituio, j que a prtica

    institucional registrar projetos. Tal prtica acontece h aproximadamente 25 anos

    atravs do sistema, e estimulada pela administrao Central, que considera o

    compromisso institucional que envolve o Ensino, a Pesquisa e a Extenso. Essa

    manuteno adequada tambm necessria devido s implicaes oramentrias e

    administrativas na instituio, assim como no mbito do MEC. O registro do que do foi,

    do que e do est planejado para ser desenvolvido na instituio no que se refere ao

    Ensino, Pesquisa e Extenso est nesse sistema. Por esses motivos que os

    dirigentes da instituio e seus usurios devem zelar para que esse sistema seja dotado

    de garantias que viabilizem a fidedignidade e a autenticidade das informaes

    arquivsticas armazenadas no sistema, e garantam acessibilidade sociedade e ao meio

    acadmico, ressaltando-se que o banco de projetos da instituio tambm considerado

    como patrimnio documental, amparando-se no que diz a Constituio Federal de 1988,

    em seu artigo 216:

    Constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,

    tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade,

    ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais

    se incluem: I -as formas de expresso; II -os modos de criar, fazer e viver; III -as

    criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas; IV - as obras, objetos, documentos,

    edificaes e demais espaos destinados s manifestaes artstico culturais; V -os

    conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico,

    paleontolgico, ecolgico e cientfico (CONSTITUIO DA REPBLICA

    FEDERATIVA DO BRASIL, 1988).

    Desse modo, espera-se que as consideraes aqui apresentadas possam servir de

    subsdio para que os administradores do sistema possam proceder a algumas

    modificaes que julgarem necessrias para torn-lo mais eficiente.

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    Enc. Bibli: R. Eletr. Bib. Ci. Inf., ISSN 1518-2924, Florianpolis, v. 17, n. esp.2 III SBBC, p.55-64, 2012.

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