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Índice Introdução Evasão fiscal e Planeamento fiscal abusivo Evasão fiscal individual As nossas soluções – Compulsão e Controlo Evasão fiscal por multinacionais As nossas soluções para a evasão fiscal de multinacionais Introdução Há poucas questões que necessitem tanto de intervenção internacional como a luta contra a evasão fiscal. Hoje, estima-se que 7 biliões de dólares ou 10% do PIB mundial estejam escondidos em paraísos fiscais 1 . Há mais riqueza não declarada, em termos relativos e absolutos, do que em qualquer outro momento da história. Multinacionais como a Apple, Google, McDonalds e muitas outras, bem como o 1% da população que possui maior riqueza e até organizações criminosas como a máfia e células terroristas, todos usam pa- raísos fiscais como forma de fugir aos impostos, aumentar as suas fortunas ou lavar dinheiro. Mas o problema não reside apenas nos impostos por pagar ou no crime organizado. Muitos países tentam competir entre si ao baixar a carga fiscal para empresas e capitais, levando a uma espécie de limbo fiscal e à erosão das suas respetivas bases tributárias, numa “corrida para o fundo” em que ninguém ganha, exceto as próprias multinacionais e os mais ricos entre os mais ricos. Com restrições duras no que toca ao défice e à dívida pública, devido à crise financeira ainda recente, muitos países são forçados a cortar a despesa pública ou a aumentar os impostos sobre o trabalho e o consumo, enquanto os mais ricos evitam facilmente sofrer quaisquer consequências. Maior desigualdade, concorrência desleal e uma crescente concentração da riqueza num reduzido número de pessoas são o resultado 2 . Por sua vez, a redução da receita fiscal obri- ga o Estado a fazer cortes na despesa social, na saúde, e impede-o de investir nas escolas e universidades. A evasão fiscal de poucos indivíduos muito ricos rapidamente se transforma numa perda de rendimento público e uma subsequente redução da despesa pública, que afetará todos os outros! Para recuperar a nossa soberania fiscal, financiar a saúde e educação para todos, para deixar claro que ninguém está acima da lei e que aqueles que podem pagar mais são os que, proporcionalmente, devem pagar mais – e não menos. Para combater as desigualdades entre o norte global e o sul global, é essencial enfrentar o problema da evasão fiscal! Este objetivo não será atingido com respostas a um nível meramente nacional ou regional. Os maiores opositores à ação contra a evasão fiscal são, muitas vezes, os mesmos que dizem que este combate só pode ser feito na esfera internacional. Por isso devemos agir nesse nível! Vamos mostrar que esta é uma causa internacional que une todas as regiões e todos os países. As provas e fugas de informação mais recentes mostram-nos que o problema só tende a agravar-se. Quantos mais Lux-leaks, Panama Papers ou Paradise Papers é que precisaremos até fazermos desta luta uma prioridade? Se não a resolvermos hoje, voltará para nos assombrar no futuro. Somos a juventude, porque não nós? Está na altura de acender uma luz numa sala que está escura há demasiado tempo! ACABAR COM A EVASÃO FISCAL, AGORA! 1 / 11 1 2 4 7 8 10 1) Who Owns the Wealth in Tax Havens? Macro Evidence and Implicaons for Global Inequality Annee Alstadsæter, Niels Johannesen, and Gabriel Zucman | NBER Working Paper No. 23805 | September 2017 | JEL No. E21,H26,H87 2) Pikey, Thomas. 2014. Capital in the 21st Century. Cambridge: Harvard University Press. ACABEM COM A EVASÃO FISCAL, JÁ! CAMPANHA GLOBAL PARA A JUSTIÇA FISCAL

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ÍndiceIntroduçãoEvasão fiscal e Planeamento fiscal abusivoEvasão fiscal individual As nossas soluções – Compulsão e ControloEvasão fiscal por multinacionais As nossas soluções para a evasão fiscal de multinacionais

IntroduçãoHá poucas questões que necessitem tanto de intervenção internacional como a luta contra a evasão fiscal. Hoje, estima-se que 7 biliões de dólares ou 10% do PIB mundial estejam escondidos em paraísos fiscais1. Há mais riqueza não declarada, em termos relativos e absolutos, do que em qualquer outro momento da história. Multinacionais como a Apple, Google, McDonalds e muitas outras, bem como o 1% da população que possui maior riqueza e até organizações criminosas como a máfia e células terroristas, todos usam pa-raísos fiscais como forma de fugir aos impostos, aumentar as suas fortunas ou lavar dinheiro. Mas o problema não reside apenas nos impostos por pagar ou no crime organizado. Muitos países tentam competir entre si ao baixar a carga fiscal para empresas e capitais, levando a uma espécie de limbo fiscal e à erosão das suas respetivas bases tributárias, numa “corrida para o fundo” em que ninguém ganha, exceto as próprias multinacionais e os mais ricos entre os mais ricos. Com restrições duras no que toca ao défice e à dívida pública, devido à crise financeira ainda recente, muitos países são forçados a cortar a despesa pública ou a aumentar os impostos sobre o trabalho e o consumo, enquanto os mais ricos evitam facilmente sofrer quaisquer consequências. Maior desigualdade, concorrência desleal e uma crescente concentração da riqueza num reduzido número de pessoas são o resultado2. Por sua vez, a redução da receita fiscal obri-ga o Estado a fazer cortes na despesa social, na saúde, e impede-o de investir nas escolas e universidades. A evasão fiscal de poucos indivíduos muito ricos rapidamente se transforma numa perda de rendimento público e uma subsequente redução da despesa pública, que afetará todos os outros! Para recuperar a nossa soberania fiscal, financiar a saúde e educação para todos, para deixar claro que ninguém está acima da lei e que aqueles que podem pagar mais são os que, proporcionalmente, devem pagar mais – e não menos. Para combater as desigualdades entre o norte global e o sul global, é essencial enfrentar o problema da evasão fiscal!Este objetivo não será atingido com respostas a um nível meramente nacional ou regional. Os maiores opositores à ação contra a evasão fiscal são, muitas vezes, os mesmos que dizem que este combate só pode ser feito na esfera internacional. Por isso devemos agir nesse nível! Vamos mostrar que esta é uma causa internacional que une todas as regiões e todos os países.As provas e fugas de informação mais recentes mostram-nos que o problema só tende a agravar-se. Quantos mais Lux-leaks, Panama Papers ou Paradise Papers é que precisaremos até fazermos desta luta uma prioridade? Se não a resolvermos hoje, voltará para nos assombrar no futuro. Somos a juventude, porque não nós? Está na altura de acender uma luz numa sala que está escura há demasiado tempo!ACABAR COM A EVASÃO FISCAL, AGORA!

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1) Who Owns the Wealth in Tax Havens? Macro Evidence and Implications for Global Inequality Annette Alstadsæter, Niels Johannesen, and Gabriel Zucman | NBER Working Paper No. 23805 | September 2017 | JEL No. E21,H26,H872) Piketty, Thomas. 2014. Capital in the 21st Century. Cambridge: Harvard University Press.

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Evasão fiscal e Planeamento fiscal abusivoEmbora a distinção entre evasão fiscal e planeamento fiscal abusivo seja frequente, referindo-se a primei-ra à evasão fiscal através de fraude e a segunda à utilização de lacunas ou “áreas cinzentas” da lei, consi-deramos que estes dois problemas estão extremamente relacionados. Em primeiro lugar, é frequente que sejam praticados conjuntamente: um indivíduo evita pagar ao fisco onde pode e pratica a fraude quando não o pode evitar, em qualquer lugar. Frequentemente, o surgimento das lacunas que permitem estas práticas não é propositado, pelo menos não pela população em geral. É, em boa verdade, um sintoma da falta de equilíbrio entre o poder negocial das multinacionais e dos Governos, particularmente dos países em desenvolvimento. Enquanto o planeamento fiscal abusivo é a forma predominante que empresas en-contram para não pagarem impostos, a evasão fiscal é mais comum entre indivíduos.Todos têm de pagar os seus impostos independentemente do país onde vivem – o que se define como o país onde passam mais de metade do ano. A não declaração de rendimentos tributáveis, quer estes advenham de trabalho ou de investimento é uma fraude e, por conseguinte, um crime. Claro que há também muitas formas de o 1% mais rico da população evitar pagar impostos. Afinal, o poder que detêm não se resume apenas à escala internacional. Contudo, a evasão fiscal e o planeamento fiscal abusivo, ao nível nacional, pode ser limitado pelas autoridades públicas, que podem investigar e legislar sobre estas matérias. Estas ações são muito mais compl-exas à escala internacional, mesmo que todos os países estivessem dispostos a colaborar e a partilhar informação sobre quem utiliza este género de técnicas. Porém, existem alguns países que se dedicam à criação de legislação que impossibilita a prossecução de uma investigação deste tipo, ou que simplesmente se recusam a cooperar.E porque é que não vemos diferenças substanciais entre evasão fiscal e planeamento fiscal abusivo? Por-que se tratam, sobretudo, de formas ligeiramente diferentes de estabelecer relações de poder entre os 1%, ou na realidade os 0,1%3 e o resto.Parte do problema está expresso na legislação, ainda que não seja do conhecimento público – por exem-plo, a taxa de imposto legal aplicada às empresas e aquilo que elas realmente pagam.A outra parte está escondida em alçapões legais, conhecidos, pelo menos, pelos legisladores. Assim o foi, por exemplo, com a norma proposta pela União Europeia em 2005, que estabelecia a partilha automática de infor-mação acerca de contribuintes estrangeiros, mas que apenas dizia respeito a pessoas naturais. Em apenas um ano, a percentagem de empresas fictícias que representavam 50% da riqueza detida por estrangeiros na Suíça, passou a ter um peso de 60%, contrastando com um decréscimo de 10% na riqueza detida pelas pessoas naturais daquele país4. Nalguns casos, bastam alguns cliques para criar uma empresa fictícia e transferir o dinheiro.Algumas das exigências dos mais ricos estão, no entanto, para além do que qualquer político possa dizer ou legislar. Todos os trabalhadores devem pagar impostos sobre os seus rendimentos do trabalho, sobre os seus seguros, assim como devem pagar o IVA quando consomem bens essenciais à sua existência. Simultaneamente, alguns que não precisam de trabalhar, mas que ganharam (principalmente através de heranças) a sua riqueza, vêem-na multiplicar-se nas suas contas bancárias. É suposto que estes rendimentos, tal como o trabalho, sejam tributados, mas sempre a níveis mais baixos do que o trabalho, devido ao medo que os Governos têm de que taxas de imposto mais altas conduzam a fugas de capital. A verdade é que com 1 milhão ou, porventura, com 10 milhões, um indivíduo pode pagar por serviços de agência e serviços bancários que não estão ao alcance do cidadão comum (os outros 99%). É extremamente simples, hoje em dia, criar uma empresa fictícia numa deter-minada jurisdição, o que impossibilita as autoridades nacionais de rastrearem o contribuinte e a respetiva quan-tia de dinheiro. Hoje não são necessárias infames contas bancárias na Suíça – livrámo-nos delas para combater a lavagem de dinheiro. Nós estamos no século XXI e a evasão fiscal não escapa ao fenómeno da globalização. Já não é necessário atravessar a fronteira com malas de dinheiro. As transferências são tão difíceis de seguir com a velocidade que impera no mercado atual, que o desafio se assemelha a encontrar uma agulha num palheiro.

3) 80% of all wealth held offshore belongs to the 0,1%. 50% to the richest 0,01%. 4) Zucman, Gabriel. 2015. The Hidden Wealth of Nations: The Scourge of Tax Havens, Chicago: University of Chicago Press.

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De facto, um indivíduo apenas tem de pagar à sua empresa fictícia por um serviço, que seja difícil de men-surar, como uma estratégia de marketing ou um serviço de consultoria, o qual será pago no montante que gostaria de ocultar. Desta forma, não transfere apenas o dinheiro de forma segura para a sua empresa, como também diminui os seus próprios rendimentos tributáveis no país de origem. Objetivamente, nem há a necessidade de se ser esperto quando se é rico, basta pagar a um grupo de peritos que se especia-lizam apenas e só em explorar as lacunas jurídicas em vários pontos do globo, ocultar identidades, lavar dinheiro e investi-lo em fundos com taxas de rentabilidade bem acima de 8%5.Muitos destes indivíduos são advogados, cuja identidade está particularmente protegida em muitos países. Um recente e famoso exemplo é o da Mossack Fonseca, a sociedade de advogados do Panamá que se especializava em estabelecer empresas fictícias para os mais ricos e poderosos, incluindo criminosos responsáveis pelo tráfico humano e narcotráfico. Não são apenas os mais ricos que usam as sociedades offshore para fugir ao fisco. Todas as organizações que não podem declarar os seus rendimentos ou explicar a sua proveniência precisam de o “la-var”. O mundo offshore, o lugar onde as identidades desaparecem e onde mesmo os Governos mais poderosos não conseguem agir, é um local paradisíaco para todas as organizações terroristas, para a máfia e para todas as outras organizações criminosas. E é também para combater estas organizações que precisamos de agir.Mas não é apenas a questão da legalidade ou a distinção entre evasão fiscal e planeamento fiscal abusivo que devem ser o nosso foco. As leis são feitas e podem ser mudadas. Mas, acima de tudo, as leis expres-sam as relações de poder dentro dos Estados. São estas relações que precisamos de mudar. Não apenas devido à evasão fiscal, mas também para garantir uma vida melhor a todos os cidadãos.

A evasão fiscal tem um impacto substancial na distribuição da riqueza, na despesa pública e na composição da economia. Desde os anos 70 que a desigualdade económica tem aumentado, com uma crescente concen-tração de riqueza nos 1% mais ricos e nos 0,1% mais ricos. Isto está diretamente relacionado com a estagnação dos salários reais na base da pirâmide, com a desregulação, a crise, e em última análise, com a austeridade. Pode não ser possível medir o impacto que a evasão fiscal, isoladamente, teve no crescimento da desigualda-de, quando comparada com outros fatores como a desregulação financeira e o declínio do poder dos trabal-hadores e sindicatos. Mas também aqui importa perceber não apenas as diferenças superficiais, mas as causas que estão na origem: uma crescente desigualdade de poder entre os super-ricos e todos os outros.

5) Zucman, Gabriel. 2015. The Hidden Wealth of Nations: The Scourge of Tax Havens, Chicago: University of Chicago Press.

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Evasão fiscal individualTal como foi supramencionado, salvo determinadas exceções, toda a gente tem que pagar os respetivos im-postos nos países onde vivem, isto é onde residem em mais de metade do ano. Os países têm sistemas fiscais distintos, onde são definidas diferentes taxas de imposto, mas a estrutura principal é muito semelhante entre todos, já que a maioria se rege pela lógica capitalista. Existem impostos sobre o trabalho e sobre o consumo, como o IVA, assim como existem impostos sobre o capital. Os impostos sobre o capital mais importantes são os que incidem sobre os ganhos de capital, os quais tributam o rendimento gerado a partir do capital, como dividendos e juros. Este tipo de rendimento não tem grande relevância para a maioria das pessoas. Todavia, configura uma das principais fontes de rendimento para o 1% que possui maior riqueza. Em alguns países, existe um imposto de capital sobre a riqueza dos cidadãos, o qual abrange indivíduos que têm um nível de riqueza superior a um determinado patamar (por exemplo, 1 milhão de dólares). Por último, existe ainda o imposto sucessório, pago pelo beneficiário da herança no momento em que a herda, caso o seu nível de riqueza seja superior a um determinado patamar. Todos estes impostos afetam os contribuintes muito ricos de forma desproporcional e mesmo tendo em conta as sucessivas descidas que se verificaram nos níveis de imposto ao longo dos últimos 40 anos, ainda representam receitas avultadas para o erário público.

Desde o momento em que estes impostos foram criados, a sua eficácia tem sido condicionada pela evasão fiscal. Porque é que alguém pagaria impostos, quando pode decidir não fazê-lo? Como é que isto acontece? Deixem-nos explicar-vos com a ajuda do senhor Notax.O Sr. Notax habita num determinado país, por exemplo a Alemanha, no qual tem a obrigação de pagar impostos sobre a riqueza que declara possuir, seja titular de uma conta bancária na Alemanha ou em Hong Kong. O Sr. Notax é considerado rico, já que é detentor de um património financeiro e imobiliário avaliado em 10 milhões de dólares. No seu entender, o património que possui é fruto de trabalho árduo que realizou e o nível de impostos a que este é sujeito é excessivo. Contudo, as autoridades fiscais alemãs não são da mesma opinião. Assim, o Sr. Notax fala com o seu gestor de conta, ou o seu gestor de conta é que decide falar com ele, sobre a possibilidade de fazerem um acordo que poderá ser mutuamente benéfico, já que resultará em lucros para ambos que não serão alvo de tributação. A estratégia passa então pela criação de uma empresa fictícia nas Ilhas Caimão, ou noutro país onde existam juristas especializados em impossibilitar a identificação do beneficiário efetivo do fundo ou da empresa. Caso se conheça a pessoa certa, este processo pode demorar uma dúzia de minutos. Esta empresa fictícia abre posteriormente uma conta bancária noutro paraíso fiscal: muito provavelmente na Suíça, um paraíso fiscal esti-

Origem: Piketty and Zucman, ‘Capital is back: wealth-income ratios in rich countries 1700-2010’ (2014)

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mado em 2,4 biliões de dólares, que representa 30% de toda a riqueza escondida em paraísos fiscais. A Suíça é assim um agente-chave na evasão fiscal global, tendo este paraíso sido erigido ao longo de um século de grande sucesso, se se considerar a forma como facilitou a evasão fiscal6. Depois da criação da empresa nas Ilhas Caimão e da abertura da conta bancária na Suíça, o Sr. Notax precisa de assegurar que o seu dinheiro é depositado na conta bancária da empresa fictícia. A simples transferência do dinheiro pode não ser a melhor solução, já que as autori-dades fiscais alemãs vão investigar o seu paradeiro e, consequentemente, suspeitar de fraude fiscal. Por outro lado, atravessar a fronteira com malas repletas de dinheiro acarreta riscos específicos. Assim, há que recorrer a outras técnicas, as quais podem até ser mais elegantes. O Sr. Notax nem precisa de se preocupar em pensar sobre as mes-mas, já que há gente brilhante que pode fazer esse trabalho por si. Basta criar outra empresa na Alemanha, a qual pagará à empresa das Ilhas Caimão uma determinada quantia de difícil mensuração, pela prestação de um dado serviço. Mas há outras formas de esconder a realização de um pagamento, como por exemplo a resolução de uma ação judicial. O seu dinheiro, agora seguramente depositado numa conta bancária suíça, irá entrar, tal como havia acontecido quando estava numa conta bancária alemã, no mundo dos mercados financeiros, onde competirá por taxas de rentabilidade cada vez mais elevadas. E como é que o Sr. Notax pode aceder novamente ao seu dinheiro? Para pequenas quantias, utilizando um cartão de crédito. Para somas maiores, pode obter um crédito numa agência do banço suíço, localizada na Alemanha. A utilização da conta bancária suíça como garantia permitir-lhe-á levantar os montantes que desejar. E no decorrer deste processo, qual o valor dos impostos pagos na Alemanha, Suíça e nas Ilhas Caimão? Nulo. A Alemanha, onde os impostos deveriam ter sido pagos, não tem conhecimento do paradeiro do dinheiro. As autoridades suíças identificam a empresa sediada nas Ilhas Caimão como proprietária da quantia e não lhe cobram impostos. O mesmo acontece nas Ilhas Caimão, onde a atividade das empresas não é tributada: esta é uma das principais razões para que este circuito tenha começado naquele país.Há diferentes estimativas quanto à dimensão da economia offshore e quanto ao valor do rendimento público que se perde com a sua existência. O valor máximo apresentado nestas estimativas é de 21 biliões de dólares, tal como sugere a Tax Justice Network7. Na nossa opinião, as estimativas de Gabriel Zucman, embora sejam mais conserva-doras, apresentam-se como mais realistas. O economista francês aponta para que 10% do PIB mundial, ou seja 8% da riqueza privada global, que corresponde a 8 biliões de dólares, esteja escondida em paraísos fiscais8. O mon-tante da riqueza escondida em paraísos fiscais difere substancialmente de país para país. Ainda que não existam estimativas para todos os países, é plausível assumir que a evasão fiscal afeta mais significativamente os países em desenvolvimento. Tal deve-se, em primeiro lugar, à escassez de capital existente nestas economias. Em segundo lugar, o facto do impacto ser mais significativo nos países em desenvolvimento deve-se a uma base de tributação fiscal de pequena dimensão, e à debilidade da infraestrutura pública, caracterizada pela relevância da economia informal e da desigualdade, o que resulta no facto de maior parte da riqueza dos países ser detida pelos 0,1% ou 0,01% mais ricos, os quais conseguem aceder mais facilmente ao mundo das offshores. Zucman estima que 30% da riqueza financeira de África esteja guardada em paraísos fiscais, comparativamente a 10% da riqueza financeira europeia9. O valor da riqueza produzida nos países em desenvolvimento que se encontra escondida em paraísos fiscais é superior ao montante agregado que estes recebem de ajuda ao desenvolvimento. Esse valor é igualmente maior do que o somatório dos montantes de dívida pública contraída por todos os países em desenvolvimento10.Diversas tentativas, por parte de países e instituições internacionais, de resolução do problema da evasão fiscal têm surgido, na medida em que este é considerado um fenómeno crescente. O facto da evasão fiscal ser um processo dinâmico que se adapta às alterações legislativas e regulamentares é uma das razões que permite com-preender o insucesso de políticas implementas e de acordos celebrados com este intuito. No entanto, importa também acrescentar que a maioria das propostas apresentam lacunas estruturais, o que torna muito pouco pro-6) Zucman, Gabriel. 2015. The Hidden Wealth of Nations: The Scourge of Tax Havens, Chicago: University of Chicago Press. 7) Henry, James S. 2012. “The Price of Offshore Revisited: New Estimates for Missing Global Private Wealth, Income, Inequality, and Lost Taxes”, Tax Justice Network working paper. 8) Zucman, Gabriel. 2015. The Hidden Wealth of Nations: The Scourge of Tax Havens, Chicago: University of Chicago Press. And Who Owns the Wealth in Tax Havens? Macro Evidence and Implications for Global Inequality Annette Alstadsæter, Niels Johannesen, and Gabriel ZucmanNBER Working Paper No. 23805 | September 2017 | JEL No. E21,H26,H879) Zucman, Gabriel, ‘Taxing across borders: tracking personal wealth and corporate profits, Journal of Economic Perspectives, 28(4), 201410) Henry, James S. 2012. “The Price of Offshore Revisited: New Estimates for Missing Global Private Wealth, Income, Inequality, and Lost Taxes”, Tax Justice Network working paper.

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vável que a sua adoção se traduza em mudança significativa. Algumas destas propostas necessitariam de ter um carácter coercivo, de haver maior controlo na sua implementação, ou do cumprimento de ambas as condições.Por outro lado, um país que se torne especialista em facilitar a evasão fiscal passa a ter uma parte da sua eco-nomia – embora seja uma parte diminuta (por exemplo, na Suíça o peso é de aproximadamente 3% do PIB) – interessada em manter este modelo de negócio, sem que haja qualquer interferência externa. Ainda assim, um paraíso fiscal nunca beneficia tanto da evasão fiscal quanto perde o país que sofre com a diminuição da receita fiscal, já que são, essencialmente, as pessoas que a praticam, os bancos e as agências que retiram maior proveito. É, no entanto, muito pouco provável que um país abdique deste modelo de negócio, caso não tenha nada a ganhar com a adoção de medidas deste género, ou a perder caso se recuse a aplicá-las.Todas as tentativas anteriores que foram feitas e que se basearam na boa vontade e na honestidade dos paraísos fiscais acabaram por falhar.

Origem: Alstadsæter, Johannesen & Zucman, ‘Who owns the wealth in tax havens’ (2017)

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As nossas soluções – Compulsão e ControloÉ por estas razões que exigimos que todos os países partilhem toda a informação sobre a riqueza neles detida por estrangeiros. Para os convencer, propomos duas estratégias principais.Para os pequenos paraísos fiscais que se recusarem a colaborar, propomos uma taxa de retenção na fonte de 100% para todo o tipo de pagamentos (por exemplo, dividendos, juros, etc). Isto já tem vindo a ser posto em prática por países como os EUA, no seu programa FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act). Não será necessário que todos os países apliquem um imposto deste género, bastaria que as grandes economi-as, a dos EUA e da União Europeia, o façam. Nenhum paraíso fiscal sobrevive se não obtiver qualquer lucro nos investimentos que faz em mercados financeiros, que correspondem a cerca de 50% do PIB mundial.No entanto, seis dos mais relevantes paraísos fiscais – Suíça, Luxemburgo, Hong Kong, Singapura, Bahamas e Ilhas Caimão – são centros financeiros da maior importância. Uma retenção na fonte de 100% nestes casos teria um efeito enorme nos mercados financeiros. É por isso que tem que ser seguida uma estratégia diferente. Estes países não são apenas centros financeiros, têm também economias altamente dependentes do comércio exter-no. As exportações constituem 50% do PIB da Suíça e cerca de 200% do PIB de Hong Kong, do Luxemburgo e de Singapura. No caso destes países, um imposto sobre as exportações, ou se necessário sobre as importações no montante correspondente à evasão fiscal, poderão ser instrumentos determinantes. Reforçamos que não seria necessário que todos os países participassem neste esforço. Estes países auxiliam a evasão fiscal de uma forma que segue padrões geográficos, tal como o seu comércio externo. Poderiam estar disponíveis para entrar numa guerra comercial com um país, mas certamente não o estariam contra uma aliança dos seus principais parceiros económicos. Para que esta abordagem funcione é necessário que existam estimativas precisas sobre o montante de riqueza escondida em cada paraíso fiscal, assim como informação sobre onde é que essa riqueza deveria ser tributada e quais os impostos que seriam aplicáveis. Gabriel Zucman, utilizando informação extraída de relatórios oficiais de Bancos Centrais e discrepâncias encontradas em diversos balanços, a qual contrasta com dados recol-hidos nos Panama Papers e no Lux-Leaks, obtém uma estimativa credível para estes valores.O Luxemburgo é um caso especial dentro deste grupo, uma vez que sendo um Estado-membro da União Europeia está protegido de eventuais aumentos de tarifas alfandegárias por tratados da EU que só po-dem ser alterados com o voto unânime dos Estados-membro. Deste modo, teriam que ser adotadas estratégias diferentes para convencer o Governo do Luxemburgo a cooperar.No cenário mais otimista as ameaças seriam suficientes e nenhuma teria, forçosamente, que ser aplicada. No entanto, não devesse ser feita qualquer ameaça que depois não pudesse ser concretizada. Estas ame-aças deveriam ser acompanhadas por linhas de financiamento generosas a ser aplicadas na economia real, cobrindo o buraco deixado pela perda de receita que poderia advir da aplicação das medidas pro-postas, caso o país em questão decidisse colaborar.Ainda que todos os países decidam colaborar, tudo será inútil se não houver maneira de reunir toda a in-formação necessária e garantir que esta seja completa. Existem inúmeras maneiras de os paraísos fiscais, tal como os seus bancos ou serviços, alegarem que não escondem qualquer riqueza proveniente de outros paí-ses ou que não conseguem detetar quem será o proprietário efetivo de determinada riqueza. Enquanto não houver fiscalização efetiva é muito pouco provável que sejam feitos avanços na luta contra a evasão fiscal.É por isso que exigimos um registo financeiro global, onde toda a riqueza e o seu verdadeiro detentor estejam registados. Alguns países já utilizam registos desta natureza a nível nacional (por exemplo, a Sué-cia). Todos os títulos e obrigações já estão registados por instituições como a Clearstream e a Euroclear. Estes registos têm que ser expandidos para incluir toda a riqueza que atualmente não está registada. Em segundo lugar, têm que ser identificados todos os verdadeiros detentores dessa riqueza. O registo tem que ser cruzado com todas as outras fontes de riqueza. Em particular, todas as discrepâncias nos balanços a nível mundial, que são usadas para estimar a dimensão da economia informal, deveriam desparecer.

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Um registo desta natureza poderia ser criado e coordenado por instituições como o FMI, sendo custeado no início por todos os países que aderissem à proposta. Assim que fosse criada, o FMI manteria um im-posto anual sobre o capital, de valor superior ao nível de imposto sobre o capital mais elevado à escala global, o qual poderia ser de 2%, até que toda a riqueza fosse declarada. Assim que o proprietário da riqueza se denunciasse e houvesse luz verde das autoridades fiscais do país onde reside durante mais de metade do ano, esse valor ser-lhe-ia devolvido. Com esta solução, a economia informal, com todos os seus esquemas tortuosos inteligentemente engendrados, tornar-se-ia inútil.Existirão sempre aqueles que não se poderão denunciar, uma vez para eles a evasão fiscal é apenas um pro-duto da sua atividade criminosa. Este dinheiro da máfia, de organizações terroristas e todos os outros crimi-nosos que tal como muitos ricos e poderosos escondem a sua riqueza nas sombras da economia offshore, poderá ser distribuído a nível mundial para combater essas práticas criminosas e investir em educação e saúde pública de qualidade, combater as alterações climáticas e as verdadeiras causas da crise migratória.As soluções que propomos para acabar com a evasão fiscal individual são difíceis de concretizar, sabe-mos que as pessoas dirão primeiro que são impossíveis de implementar, e que posteriormente haverá resistência. Talvez existam soluções que parecem ser mais exequíveis. Não deveremos apontar no sentido do que é fácil, mas sim no sentido do que é realista. Só o controlo e a compulsão permitirão acabar com a evasão fiscal a nível internacional!

Evasão fiscal por multinacionaisA evasão fiscal praticada por multinacionais é diferente daquela que é feita por indivíduos, o que não quer dizer que não partilhem algumas características. Afinal, é bastante frequente que os mesmos mili-onários que fogem aos impostos sejam aqueles que detêm participações nas multinacionais que praticam a evasão fiscal. Assim, como existem impostos que são desenhados à medida para indivíduos, também os há para multinacionais. Os mais importantes são os impostos sobre o rendimento das empresas, que inci-dem sobre os lucros das empresas. Normalmente é uma taxa de imposto fixa, que não varia com o avolu-mar dos lucros. O segundo tipo de impostos utilizados são os impostos sobre o valor acrescentado, que são aplicados em cada transação. Estes impostos, em principio, são iguais tanto para pequenas e médias empresas como para multinacionais que desenvolvam a sua atividade num mesmo país. Com o objetivo de não criarem situações de dupla tributação para empresas que operam em mais do que um país, os Estados acabam por chegar a acordos que por vezes resultam na completa ausência de tributação.Quanta receita pública é perdida fruto da utilização legal e ilegal das lacunas da lei e da economia offsho-re? Mais uma vez, apenas existem estimativas. É importante distinguir entre as estimativas que apenas incluem as práticas ilegais e as que a estas acrescentam o planeamento fiscal abusivo.Richard Murphy, num estudo frequentemente citado, estima o valor que resultado do planeamento fiscal abusivo, comparando os impostos que são efetivamente pagos com aqueles que previsivelmente dever-iam ser pagos pelas 700 maiores empresas da UE. Murphy assume que essa diferença é o valor perdido anualmente devido ao planeamento fiscal abusivo praticado por multinacionais. Em 2012, o valor que identificou foi de 150 mil milhões de dólares perdidos por ano na UE11. Infelizmente, a informação dispo-nibilizada pelos países em desenvolvimento torna muito difícil fazer estimativas credíveis. No entanto, isto parece ser ainda mais grave nestes países do que nos países desenvolvidos, uma vez que os países em desenvolvimento têm menor poder negocial perante estas multinacionais. Cobham e Janski estimam que o planeamento fiscal abusivo provoca uma perda de 500 mil milhões de dólares de receita a nível mundial, sendo que este efeito faz-se sentir de forma desproporcional nos países em desenvolvimento12.

11) Closing the European Tax Gap by Richard Murphy FCA12) Alex Cobham and Petr Jansky, Global distribution of revenue loss from tax avoidance, UNU-WIDER Working Paper 2017/55

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Mas não se trata apenas de uma questão dos impostos que não são pagos a cada ano. Muitos países co-meçaram a baixar os seus impostos sobre os rendimentos das empresas para atrair multinacionais, numa autêntica “corrida para o fundo” que erode a sua base tributária. Acabam por ser envolvidos numa arma-dilha fiscal, num jogo onde não há vencedores porque todos perdem. Menos visíveis, mas talvez mais gravosas, são as exigências que as multinacionais fazem quando pensam em mudar a sua produção para um novo local: cortes de impostos especiais e benefícios fiscais feitos à medida. É através destas lacunas propositadamente deixadas na legislação que a Apple, em 2014, não pagou um imposto de 12,5% sobre os seus lucros na Europa, surpreendentemente todos obtidos na Irlanda, mas sim de 0,005%.Para compreender melhor como é que a evasão fiscal feita pelas multinacionais funciona, vamos tentar explicá-la através do caso de uma empresa fictícia, a Elppa. A Elppa produz computadores num país onde a produção é muito barata, para que o exemplo seja mais claro vamos assumir que todas as fases de pro-dução do computador acontecem no mesmo país, na China, pelo preço de 100 dólares. O computador é então vendido por 100 dólares a uma sucursal da Elppa num país onde a legislação é muito favorável para grandes empresas. Alguns deles, como o Luxemburgo, até deixam as multinacionais escreverem as suas próprias leis. A filial do Luxemburgo presta um qualquer serviço à Elppa e aos seus computadores, como por exemplo consultoria ou a elaboração de uma nova estratégia de marketing, alguma coisa difícil de quantificar. Vende então o computador a uma terceira sucursal da Elppa, num país onde as pessoas compram muitos computadores, os Estados Unidos, pelos mesmos 1000 dólares.Quem teve lucro e onde e como deverá este ser tributado? Os lucros da sucursal da Elppa na China são nulos, uma vez que os custos e as receitas se equivalem. Uma vez que são os lucros que são tributados nenhum imposto será pago na China. Os lucros da sucursal nos Estados Unidos também são nulos, já que se registam 1000 dólares de custos e também de receitas, o que leva a que não seja pago qualquer imposto. No Luxemburgo, o computador é comprado por 100 dólares e vendido por 1000, o que equi-vale a 900 dólares de lucro. Mas não existem impostos no Luxemburgo para tributar esses lucros. A Elppa acabou por ter 900 dólares de lucro e não pagar qualquer imposto. Chama-se a esta habilidade “profit shifting”, ou desvio artificial de lucros.Este desvio artificial de lucros é o principal mecanismo utilizado pelas multinacionais para evitar pagar impostos. Pode haver alguma simplificação neste exemplo, mas os resultados estão muito próximos da-

Revenue Losses from multinational tax avoidance per region. Source: Cobham and Jansky

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queles que se verificam na realidade. Em 2014, a Apple pagou uma imposto de 0,005% sobre os lucros conseguidos na Europa. As pessoas que desenvolvem estas estratégias através de lacunas e jurisdições têm muito mais tempo e recursos do que as autoridades fiscais e os políticos que as tentam apanhar. Mas os Estados têm outro tipo de poderes. Podem, literalmente, alterar as regras do jogo.

As nossas soluções para a evasão fiscal de multinacionaisInformação por país Atualmente as multinacionais apenas são compelidas a revelar as suas receitas, os seus custos e os seus lucros a nível regional. Isto permite-lhes argumentar que todos os seus lucros numa região provêm de apenas um país, surpreendentemente é sempre um pequeno país onde os impostos sobre os lucros das empresas são quase nulos. São os países que tributam as empresas, não as regiões. Esta é a razão pela qual exigimos às multinacionais relatórios detalhados e completos país a país. Todas as empresas devem dispo-nibilizar informação completa sobre as suas receitas, custos e lucros em cada país em que estão presentes.Taxar os lucros a nível global A regulação que temos hoje em vigor sobre a tributação de multinacionais foi feita num tempo em que a economia global era muito diferente daquilo que é hoje. Parte importante do comércio internacional ocorre dentro das multinacionais, entre as suas diversas sucursais. Acaba por ser fácil desviar os lucros por forma a que estes nunca sejam tributados, desde que os lucros de cada sucursal sejam considerados de forma autónoma. Nesse sentido, pedimos uma nova regulação para a tributação de empresas, que acabe com a prática de tratar diversas sucursais da mesma empresa como se fossem entidades diferentes: tributando os seus lucros globais de uma forma que inclua as receitas e o trabalho, ao mesmo tempo que se limitam os bens imateriais a uma percentagem máxima de 5% dos lucros globais. Os lucros globais seriam então divididos por todos os países onde a produção é feita e a receita arrecadada.Tributação minima sobre empresas a nível globalA concorrência fiscal tem tido consequências devastadoras para os orçamentos dos Estados, particularmen-te nos países em desenvolvimento. Neste limbo fiscal todos perdem, a não ser as multinacionais e os seus acionistas. É por isso que exigimos um imposto mínimo de 25% na tributação dos rendimentos das empre-sas a aplicar em todos os países do mundo. Poder-se-á aplicar um imposto mais alto, mais baixo nunca. Os impostos sobre as empresas têm que voltar a ser transparentes, os países têm que preencher as lacunas na sua legislação fiscal. Tal como os paraísos fiscais que se especializam em tornar possível a evasão fiscal individual, também os países que permitem e auxiliam a evasão fiscal das multinacionais acabam por retirar alguns benefícios a curto prazo. No entanto, estes benefícios acabam por ser contrabalançados pelos pre-juízos infligidos a outros países e pelo facto de se tornarem vulneráveis a que outros países ofereçam ainda melhores condições a essas mesmas multinacionais. As estratégias económicas destes países ficam depen-dentes desse “pacto faustiano”, que passa por ajudar as multinacionais a viciar o sistema para prejuízo de todos, em vez de procurarem outras alternativas mais duradouras e confiáveis. Assim, como com os paraísos fiscais para indivíduos, se os países em questão não reconhecerem a insustentabilidade e a destrutibilida-de da sua conduta, outros países poderão agir de forma a encorajá-los a adotar as reformas desejadas. A tributação alfandegária punitiva poderia, mais uma vez, ser adotada. Para Estados-membro da UE, como o Luxemburgo e a Irlanda, acordos sobre novos regimes de tributação de empresas poderiam significar que estes continuaríam a beneficiar de algumas das vantagens inerentes ao facto de serem Estados- membro. Entre estas vantagens poderão estar o acesso a fundos comunitários, os procedimentos da UE que bene-ficiam de forma desproporcional países pequenos, a localização do Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira, no caso do Luxemburgo, e no caso da Irlanda ajudas para fazer face ao Brexit.

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INTERNATIONAL UNIONOF SOCIALIST YOUTH

Inicialmente estas medidas podem parecer de difícil aplicação, mas é nossa profunda convicção que a maior divisão existente não é entre países, é entre os milionários e cada um de nós em todos os países do mundo, que todo o ser humano merece uma vida decente, sustentada pelo justo contributo de todos. A solidariedade internacional é o nosso maior tesouro e a nossa maior força!

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