abuso sexual infantil e a vulnerabilidade para o desenvolvimento de transtornos mentais

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UNIVERSIDADE PAULISTA RAQUEL KÊNIA DE MEDEIROS DIAS ABUSO SEXUAL INFANTIL E A VULNERABILIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DE TRANSTORNOS MENTAIS SÃO PAULO 2013

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Trabalho de Conclusão de Curso de Aluna Raquel Kênia Dias - Pós-Graduação em Saúde Mental para Equipes Multiprofissionais - UNIP - São Paulo - Paraíso - Vida Mental Saúde Mental e Nutricional.

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Page 1: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

UNIVERSIDADE PAULISTA

RAQUEL KÊNIA DE MEDEIROS DIAS

ABUSO SEXUAL INFANTIL E A VULNERABILIDADE PARA O

DESENVOLVIMENTO DE TRANSTORNOS MENTAIS

SÃO PAULO

2013

Page 2: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

Dias, Raquel Kênia de Medeiros

Abuso sexual infantil e a vulnerabilidade para o

desenvolvimento de transtornos mentais./ Raquel Kênia de

Medeiros Dias. – São Paulo, 2013. 27 f. : il. color. , tabelas + 1 CD Trabalho de conclusão de curso (especialização) – apresentado à pós-graduação lato sensu da Universidade Paulista, São Paulo, 2013. Área de concentração: Saúde. “Orientação: Profª. Ana Carolina Schmidt” “Orientação: Prof. Hewdy Lobo” 1. Infantil. 2. Abuso sexual. 3. Transtornos. 4. Multiprofissionais. Universidade Paulista - UNIP. II. Título. III. Dias, Raquel Kênia de Medeiros. . . . . .

Page 3: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

RAQUEL KÊNIA DE MEDEIROS DIAS

ABUSO SEXUAL INFANTIL E A VULNERABILIDADE PARA O

DESENVOLVIMENTO DE TRANSTORNOS MENTAIS

SÃO PAULO

2013

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de Especialista em Saúde Mental para Equipes Multiprofissionais apresentado à Universidade Paulista - UNIP. Orientadores: Ana Carolina Schmidt de Oliveira e Hewdy Lobo Ribeiro.

Page 4: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

RAQUEL KÊNIA DE MEDEIROS DIAS

ABUSO SEXUAL INFANTIL E A VULNERABILIDADE PARA O

DESENVOLVIMENTO DE TRANSTORNOS MENTAIS

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

____________________/__/____

Professor Dr. Hewdy Lobo Ribeiro

Universidade Paulista UNIP

___________________/__/___

Ana Carolina Schmidt de Oliveira

Universidade Paulista UNIP

___________________/__/___

Dr. Mário de Souza Costa

Instituto Sedes Sapientiae

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de Especialista em Saúde Mental para Equipes Multiprofissionais apresentado à Universidade Paulista - UNIP. Orientadores: Ana Carolina Schmidt de Oliveira e Hewdy Lobo Ribeiro

Page 5: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

DEDICATÓRIA

Ofereço este trabalho à minha cunhada Hannah Hussein El

Saifi, a qual mesmo distante fisicamente me inspirou forças para

concretizar este trabalho e me fez acreditar que podemos

contribuir para o tratamento de vítimas de abuso sexual.

Page 6: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por me conceder a vida e as condições

físicas para poder pensar, falar, escrever e auxiliar de forma

profissional as pessoas que, assim como eu, precisam de apoio em

algum momento de suas vidas.

Aos meus pais, Iranilda de Medeiros Dias e Wagner Dias,

pessoas tão valiosas, que me ensinaram a persistir sempre e

caminhar para o bem comum. Por acreditarem em mim e

compreenderem o tempo que dedico aos meus estudos e trabalho.

Ao meu namorado Hélcio Martinho, com amor, presente em

mais uma formação e etapa de minha vida. Por compreender,

admirar e incentivar meus estudos. Por me aceitar como sou e

entender que a ciência faz parte de mim como mulher.

Ao querido Dr. Hewdy Lobo Ribeiro, pelas suas aulas

fantásticas, didáticas e cheias de humor. Por ensinar fazendo a

diferença no meu aprendizado.

À Ana Carolina Schmidt de oliveira pela calma, sapiência e

incentivo no decorrer deste trabalho.

À Claudia Rosa Queiroz, com carinho, pela credibilidade e

pelas situações vivenciadas no trabalho, as quais me inspiraram

a escrever sobre a violência, especificamente a sexual, tão presente

em nosso cotidiano de trabalho.

Ao meu querido e sempre Professor Mário de Souza Costa,

sempre atencioso e incentivador, guardo sua amizade em meu

coração.

E finalmente, a todas as mulheres vitimas de violência, as

quais caminham para uma vida mais justa em sociedade e me

animam para participar de suas conquistam.

Page 7: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

“A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta,

é sempre uma derrota”.

(Jean-Paul Sartre)

Page 8: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

RESUMO

Contexto: A correlação entre transtornos mentais em vitimas de abuso sexual

infantil é frequentemente observada na literatura cientifica que descreve os impactos

deste evento na vida e no desenvolvimento infantil. O abuso sexual é o segundo tipo

de violência mais frequente em denuncias telefônicas do Brasil. Objetivo: Identificar

e discutir a partir de artigos científicos atuais os impactos psicológicos do abuso

sexual infantil, e relacioná-los à vulnerabilidade de crianças e adolescentes para

desenvolver os transtornos mentais. Método: Revisão bibliográficas de artigos

científicos na língua portuguesa referente ao abuso sexual infantil, e suas

implicações no desenvolvimento de transtornos mentais em crianças e

adolescentes. Foram selecionados sete artigos para a discussão dos resultados.

Resultados: Os artigos descreveram a relação do abuso sexual com o transtorno de

estresse pós traumático (TEPT), transtornos do humor, transtornos alimentares,

fobias, esquizofrenia, parafilias e depressão. Também informaram sobre a queda no

rendimento escolar, impactos na área social e na saúde física. Conclusão: Fica

clara a necessidade de publicações referentes à prevenção do desenvolvimento de

transtornos mentais em crianças e adolescentes que sofreram ASI, e promoção da

resiliência; técnicas de manejo para o cuidado de crianças e adolescentes com

transtornos mentais decorrentes do ASI; estratégias de cuidados para pais de jovens

que sofreram ASI; e prevenção do ASI.

Palavras Chaves: Abuso Sexual Infantil, Transtornos Mentais, Transtorno de

Estresse Pós Traumático, TEPT, Infância, Adolescência, Revisão.

Page 9: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

ABSTRACT

Context: The relationship between mental disorders in victims of child sexual abuse

is often observed in the scientific literature that describes the impacts of those events

on life and child development. Sexual abuse is the second type of violence most

frequent in telephone complaints from Brazil. Objective: Identify and discuss

psychological impacts of child sexual abuse, and relate them to the vulnerability of

children and adolescents to develop mental disorders. Method: A review of scientific

literature in the Portuguese language related to child sexual abuse and its

implications in the development of mental disorders in children and adolescents.

Seven articles were selected for discussion of results. Results: The articles

described the relationship of sexual abuse with posttraumatic stress disorder (PTSD),

mood disorders, eating disorders, phobias, schizophrenia, depression and

paraphilias. Also reported the drop in school performance, impacts on social and

physical health. Conclusion: It is clear the need of publications on the prevention of

the development of mental disorders in children and adolescents who have suffered

sexual abuse, and promoting resilience; management techniques for the care of

children and adolescents with mental disorders arising from sexual abuse; care

strategies for parents of young people who have suffered sexual abuse, and sexual

abuse prevention.

Key Words: Child Sexual Abuse, Mental Disorders, Post Traumatic Stress Disorder,

PTSD, Childhood, Adolescence, Revision.

Page 10: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

SUMÁRIO

LISTA DE ABREVIAÇÕES 11

1. INTRODUÇÃO 12

2. OBJETIVOS 16

3. METODOLOGIA 17

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 18

5. CONCLUSÃO 26

REFERÊNCIAS 28

Page 11: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

11

Lista de abreviações:

TEPT - Transtorno de Estresse Pós Traumático.

TCC – Terapia Cognitivo-Comportamental

AS – Abuso Sexual.

ASI – Abuso Sexual infantil.

AF – Abuso Físico.

GC – Grupo Controle.

GT – Grupo Teste.

TH – Transtornos de Humor.

Page 12: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

12

1. INTRODUÇÃO

Segundo o Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância –

CRAMI (2009), o primeiro serviço destinado ao combate da violência contra

crianças criado em 1988 no Brasil, o Abuso Sexual Infantil (ASI) é

caracterizado como uma satisfação sexual do adulto com a criança que pode

ser com ou sem contato físico. O CRAMI (2009) identifica as seguintes formas

de ASI:

Voyeurismo: sentir prazer sexual por meio de observação de relações

sexuais ou genitais de crianças e adolescentes. Ocorre geralmente em locais

que não possa ser visto observando outros.

Carícias: manipulação do corpo da criança ou adolescente, podendo esta

retribuir o ato com o adulto ou não, de modo que o abusador tenha satisfação

sexual.

Falas obscenas: falar explicitamente sobre qualquer forma de sexo na

presença de crianças e adolescentes, ou dirigir-se com frases ou verbalizações

obscenas.

Material Pornográfico: apresentar à criança ou adolescente, vídeos, fotos

ou qualquer material que expresse de forma explicita o sexo, podendo até

mesmo usar a criança para produção destes.

Exibicionismo: mostrar órgãos genitais ou submeter à criança ou

adolescente a presenciar cenas de masturbação ou relações sexuais, bem

como qualquer forma de manipulação do órgão sexual.

Relação Sexual: nesta classe, classifica-se o estupro. É qualquer forma

de manter relação sexual contra a criança e adolescente, seja ela oral, vaginal

ou anal.

O ASI pode acontecer em diversos contextos, sendo estes, intrafamiliar,

extrafamiliar ou na forma de exploração sexual comercial, classificada como

uma troca entre o ato (trabalho sexual) e um pagamento, sendo em dinheiro ou

não (CRAMI, 2009).

Tendo em vista o ASI na humanidade, Bass e Thornton (1983),

verificaram que o ASI tem uma história difundida por meio de tradições em todo

o mundo. Por exemplo, conforme as autoras, a lei talmúdica consentia a venda

de mulheres e crianças desde que fossem pagas de forma adequada. Meninas

de três anos de idade eram classificadas como sem valor monetário, pois eram

Page 13: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

13

muito jovens para serem consideradas virgens. Em contra partida, os meninos

com menos de nove anos, também poderiam ser usados sexualmente,

conforme a lei previa. Com a vinda da lei canônica, a qual era substanciada

pelo cristianismo, houve aumento da idade mínima legal para envolver meninas

em atividade sexual, com faixa etária de até sete anos.

Bass e Thornton (1983) explanam o ASI como uma cultura de massa

sobreposta em diversos países. Na Índia, frequentemente os casamentos são

arranjados entre homens com mais idade e crianças ou adolescentes, que são

obrigadas a ter relação sexual, a qual acarreta em lesões por vezes

permanentes.

Ainda de acordo com as autoras, na China, durante séculos, as mulheres

desde seus cinco anos de idade usavam sapatos menores que seus pés para

satisfazer os homens com pés pequenos. Por fim, no passado, na África, as

mulheres eram submetidas à mutilação genital, embora não se encontre

literatura que confirme o objetivo desta ruptura do corpo feminino, acredita-se

que tem o objetivo de permitir a relação do encesto.

Referente a violência infantil no Brasil, FALEIROS (2004) descreve a

história de violência contra a criança desde o descobrimento do Brasil, nos

anos de 1500 à 1822, período em que o país foi colonizado por Portugal,

dependendo das políticas provenientes de Lisboa, a qual juntamente com a

igreja católica, definiam as leis e ordens. Nesse sentido, as crianças ficavam

sobre os cuidados de padres jesuítas que as batizavam e as incluíam ao

trabalho.

A economia brasileira era movida por exportações de riquezas naturais,

as quais eram realizadas por escravos da África, tratados como mercadorias. A

criação de crianças escravas era comum, sendo estas, mais caras que a dos

adultos. As crianças eram separadas de suas genitoras na primeira infância,

sendo alimentadas por amas de leite (FALEIROS, 2004).

Ainda de acordo com o autor, nesta época, haviam muitas crianças filhas

de Senhores casados com escravas, os quais, na maioria das vezes eram

abandonados em frente ás casas, chegando até mesmo serem comidos por

ratos e porcos.

Estes fatos ocasionaram atenção do vice-rei que propôs como forma de

intervenção, o recolhimento de esmolas comunitárias ou internação dos

infantes. Assim foi criado a “Casa dos Expostos”, também conhecida como

Page 14: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

14

“Rodas” ou orfanatos que foram extintos aproximadamente no ano de 1050 por

haver muitas mortes devido as más condições do orfanato ou descaso da Corte

(FALEIROS 2004).

Após este caminho percorrido, somente em 1959, na Assembléia Geral da

ONU, proclamou-se a declaração dos Direitos da Criança, com base nos dez

princípios, sendo um deles, o dever da sociedade e autoridades públicas, provir

atendimento na proteção especial de crianças em situação de risco (BELOFF,

2001).

Em 20 de setembro de 1990, na Convenção Internacional dos Direitos da

Criança, foi definido sendo criança, toda pessoa com idade menor que dezoito

anos. Este documento de lei, defende a criança sobre qualquer forma de

exploração e expõe os direitos da criança (Decreto nº 99.710 de 21 de

novembro de 1990).

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8069/1990)

demarcou o inicio de serviços nas políticas públicas para que garantisse os

direitos dos infantes com responsabilidade envolvida em diversos setores,

conforme preconiza o artigo 4º:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do

poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos

direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao

esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (Lei

8069/1990, art. 4o)

Pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde e Sistema de Vigilância de

Violência e Acidentes – VIVA (2012) verificou aumento de denúncias

telefônicas relatando crimes de ASI no Brasil. Conforme os dados, nos

primeiros quatro meses de 2012 cerca de três mil denúncias foram realizadas

pelo Disque Direitos Humanos – Disque 100. Comparado com o ano de 2011,

houve 71% de aumento nas denúncias. A mesma pesquisa informa ser o ASI,

com idades entre 10 e 14 anos, o segundo maior tipo de violência nesta faixa

etária, tendo, 10,5 % de notificações por meio de denúncias, sendo que, o

primeiro lugar é ocupado por violência física.

O ASI está entre as formas de maus tratos contra crianças e

adolescentes, como violência física, psicológica, negligencia e abandono, que

Page 15: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

15

podem ser fatores de risco relevantes para o desencadeamento de transtornos

mentais. Devem ser consideradas as repercussões na vida dessas pessoas,

como exemplo, o desenvolvimento na área escolar, social e sua saúde física e

mental (ADELD et al, 2006). Nesse sentido, não somente a vida psíquica do

indivíduo é abalada, pois a violência repercute em diversos setores da vida.

Goldfeder (2011) descreve de forma psicanalítica que a criança é

submetida ao outro como um objeto, e este adulto, muitas vezes seu pai,

exerce sentimentos ambivalentes, o que mobiliza a criança ainda mais,

produzindo até sentimentos de ódio voltados para si mesmo.

Ainda de acordo com o autor, a criança tem sentimento de desamparo, o

que é caracterizado como um sentimento primitivo. Nesse sentido, o ASI seria

um trauma para a criança, considerando ser uma experiência de excesso e

diante da dificuldade de lidar com este trauma, o indivíduo fica impossibilidade

de se reorganizar psiquicamente.

No entanto, a criança não pode ser vista somente como uma vítima,

considerando que no processo analítico cada sujeito tem uma função

construtiva, tem desejos e subjetividade (JUNIOR; RAMOS, 2010).

Os autores também informam que, muitas vezes, a atuação dos

profissionais, fixa as vítimas e agressores nestes lugares, fato que os excluem,

permanecendo apenas como objetos para exercer as leis e dar subsídios à

ciência.

Tendo em vista estes impactos do ASI na qualidade de vida de crianças e

adolescentes, a vulnerabilidade que traz para o desenvolvimento de

transtornos mentais e o aumento de denúncias de ASI no Brasil, pesquisas

acerca do ASI são necessárias para contribuir no âmbito cientifico do tema,

possibilitando bases para programas de prevenção e intervenção.

Page 16: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

16

2. OBJETIVOS

Identificar e discutir a partir de artigos científicos atuais os impactos

psicológicos do ASI, e relacioná-los à vulnerabilidade de crianças e

adolescentes para desenvolver os transtornos mentais.

Page 17: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

17

3. METODOLOGIA

Foi realizada busca de artigos científicos na língua portuguesa referente

ao ASI, e suas implicações no desenvolvimento de transtornos mentais em

crianças e adolescentes.

A pesquisa foi realizada na base de dados Lilacs, com o descritor

“Abuso Sexual Infantil”. Como filtros para a busca, foram selecionados artigos

em português completos, e os termos: “Pedofilia”; “Transtornos Mentais” 1

“Transtornos de Estresse Pós-Traumáticos”; “Parafilia” 2; “Síndrome da Criança

Maltratada”; “Transtornos Mentais”; “Testes Psicológicos”; “Psicopatologia”;

“Psicoterapia”; “Psicoterapia de Grupo”; “Terapia Comportamental”; “Transtorno

Bipolar”; “Psiquiatria Infantil”; “Transtornos de Alimentação na Infância”;

“Transtornos do Humor”; “Transtornos de Estresse Traumático”; “Transtorno

Depressivo”; “Serviços de Saúde Mental”.

Foram incluídos artigos que apresentavam o ASI e transtornos mentais

como assunto principal. Foram excluídos estudos que abordavam apenas

sintomas, abuso sexual em outras faixas etárias, validação de instrumentos, e

transtornos mentais no abusador ou em familiares da vítima.

1 Conforme DALGALARRONDO (2008) Transtorno Mental é adoecimento, um estado mental em

que a pessoa apresenta comportamentos que lhe cause sofrimento. 2 Conforme DALGALARRONDO (2008) parafília é um transtorno de comportamento sexual,

definido por fantasias e práticas sexuais lesivas à pessoa e aos demais.

Page 18: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

18

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram encontrados 22 artigos na base de dados Lilacs, apenas sete

foram selecionados de acordo com os critérios estabelecidos, e estão

resumidos na tabela abaixo:

Autores.

Ano.

Título Amostra Metodologia Resultados Conclusão

SERAFIM et

al. 2011 .

Dados

demográficos,

psicológicos e

comportamentai

s de crianças e

adolescentes

vítimas de

abuso sexual.

205 crianças e

adolescentes

vítimas de AS

(130 meninas

e 75 meninos).

Avaliação

clínica com

psiquiatra,

entrevista

diagnóstica com

psicólogo e

bateria de

testes

psicológicos

(Pfister 20, TAT,

CAT-A, HTP).

Considerável

porcentagem de

crianças e

adolescentes

apresentaram

transtornos

mentais

(depressão,

TEPT e fobias);

e expressaram

alterações de

comportamento.

Aspectos

psicológicos,

psiquiátricos e

comportamentai

s influenciam o

desenvolvimento

emocional de

crianças e

adolescentes.

PASSAREL

A; MENDES;

MARI.

2010.

Revisão

sistemática para

estudar a

eficácia de

terapia

cognitivo-

comportamental

para crianças e

adolescentes

abusadas

sexualmente

com transtorno

de estresse

pós-traumático.

Apenas 03

estudos foram

analisados por

preencherem

os critérios de

inclusão.

Revisão

sistemática de

ensaios clínicos

randomizados

que avaliaram o

TEPT em

crianças e

adolescentes

entre 1980 e

fevereiro de

2006.

A TCC no

tratamento de

crianças e

adolescentes

vítimas de ASI

com TEPT

diminui os

sintomas do

TEPT, com ou

sem participação

da família.

Os estudos

apresentaram

eficácia da TCC

nestes casos.

Não

encontraram

estudos de TCC

combinada com

tratamento

farmacológico.

ZAVASCHI

et al . 2006.

Transtornos do

humor no adulto

e trauma

psicológico na

infância.

GT: 59

participantes

com

diagnóstico de

TH. GC: 47

Estudo de caso

controle.

Instrumentos:

Mini, versão

brasileira;

Histórico de AF:

60,2% no GT e

38,3% no GC.

Histórico de ASI:

32,3% no GC e

Dados

significativos de

associação entre

TH e traumas na

infância,

Page 19: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

19

pessoas sem

diagnóstico de

TH. Amostras

entre 18 à 65

anos.

blocos e

vocabulário do

WAIS R.

Trauma na

infância: AF,

AS, exposição à

violência e

perda dos pais.

12,8% no GT.

Sem dados de

perda na

infância.

Exposição à

violência: 12,6%

no GC e 8,06%

no GT.

principalmente

entre pacientes

maníacos.

HABIGZAN

G et al.

2010.

Caracterização

dos sintomas do

Transtorno de

Estresse Pós-

Traumático

(TEPT) em

meninas vítimas

de abuso

sexual.

Dois grupos

de

participantes.

Estudo I: 40

meninas de 9

à 16 anos.

Estudo II: 15

meninas de 7

à 13 anos.

Compararam

instrumentos de

avaliação do

TEPT nos dois

grupos: o SCID

no I, e o K-

SADS/TEPT no

II.

Presença de

TEPT nos dois

estudos, em

70% das

amostras.

Diferença dos

sintomas

encontrados:

maior índice de

esquiva e

entorpecimento

no estudo I;

maior média de

excitabilidade

aumentada, no

estudo II.

Confirmou a

literatura que

refere o TEPT

como maior

patologia

encontrada em

crianças e

adolescentes

vítimas de ASI.

Ambos os

instrumentos

são adequados

para este tipo de

avaliação.

BORGES;

DELLAGLIO

. 2009.

Funções

cognitivas e

Transtorno de

Estresse Pós-

Traumático

(TEPT) em

meninas vítimas

de abuso

sexual.

Grupo Caso:

12 meninas

vítimas de

ASI.

GC: 16

meninas sem

histórico de

AS com idade

de 8 à 13

anos.

Estudo clínico

de caso

controle.

Instrumentos: K-

SADS-PL Brasil;

Inventário de

Depressão

Infantil; Teste

d2); dígitos

WISC III; Rey

Auditory Verbal

Learning Test;

Trail Making

Test.

Grupo Caso :

TEPT em

66,6%. Maior

número de erros

e maior

amplitude

de oscilação da

atenção visual

concentrada,

nas meninas

deste grupo.

Exposição ao

ASI é fator de

risco para

desenvolvimento

de TEPT. O ASI

pode produzir

alterações na

cognição,

especialmente

quando coexiste

o TEPT e

sintomas de

depressão.

GOSLING;

ABDO.

2011.

Abuso sexual

na infância e

desenvolviment

Foram

selecionados

5 estudos das

Revisão

narrativa com

busca de artigos

Alterações

neuroanatômica

s e funcionais

Há correlação

entre pessoas

vítimas de ASI e

Page 20: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

20

o da pedofilia:

revisão

narrativa da

literatura.

bases de

dados

Pubmed e

Embase.

nas bases se

dados: Lilacs,

PubMed, Scielo

e Embase.

em pessoas com

vivências

recorrentes de

ASI e que

apresentam

parafilias.

Pedófilos.

Alterações

neurológicas são

evidentes a

ponto de ser

possível

identificar

pessoas com

parafilia.

KERR et al.

2000.

Abuso sexual,

transtornos

mentais e

doenças físicas.

Foram

selecionados

71 artigos e 14

livros.

Revisão de

literatura sobre

ASI e

repercussões

orgânicas e

psíquicas, entre

o ano de 1987 e

1997, nas bases

de dados:

MedLine e

Lilacs.

Quanto às

repercussões

psíquicas,

estudos

apontaram

depressão e

transtornos

alimentares em

vítimas de ASI;

alto índice entre

pessoas que

apresentaram

transtornos

psicóticos.

O AS deve ser

visto como fator

predisponente

para

desenvolver

mau prognóstico

em algumas

doenças físicas

e psicológicas.

Legendas: TEPT - Transtorno de Estresse Pós Traumático.

TCC – Terapia Cognitivo-Comportamental

AS – Abuso Sexual.

ASI – Abuso Sexual infantil.

AF – Abuso Físico.

GC – Grupo Controle.

GT – Grupo Teste.

TH – Transtornos de Humor.

Borges e Dell’Aglio (2009) tiveram como objetivo investigar a presença

de TEPT, os sintomas de TEPT e alteração nas funções cognitivas (atenção,

memória verbal declarativa, flexibilidade cognitiva/funções executivas) em

meninas vítimas de ASI. A amostra foi composta por 12 meninas vítimas de

ASI (grupo caso) e 16 meninas sem histórico de ASI (grupo controle), ambos

os grupos com idade de oito a treze anos.

Page 21: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

21

Foram realizados dois encontros com o responsável para coleta de

dados demográficos e de saúde. Para avaliação do TEPT e comorbidades

psiquiátricas foi utilizado o K-SADS-PL Brasil e Inventário de Depressão Infantil

(CDI). Na avaliação das funções cognitivas (atenção visual, habilidade motora,

atenção dividida sequenciada) foi utilizado o Teste d2. Para avaliação de

memória de trabalho, incluiu-se o subteste dígitos da WISC III. Para avaliação

da memória verbal declarativa e aprendizagem verbal foi aplicado o Rey

Auditory Verbal Learning Test. Na avaliação de atenção visual, habilidade

motora e atenção dividida seqüenciada foi utilizado o Trail Making Test

(BORGES; DELL’AGLIO, 2009).

Em relação às funções cognitivas, foi detectada maior incidência de

erros tipo omissão, e alterações na atenção visual concentrada, principalmente

quando associado ao TEPT e sintomas da depressão (BORGES; DELL’AGLIO,

2009).

Os resultados descreveram que o TEPT foi diagnosticado em oito

meninas do grupo caso (66,67%), sendo que neste grupo, mesmo as meninas

sem o transtorno apresentaram sintomas declarativos de TEPT parcial. Além

da violência sexual, considerado o pior evento traumático em 83% dos casos,

as meninas do grupo caso tiveram ocorrência de outros tipos de violência:

58,3% violência doméstica e 50% violência urbana. Concluem que o ASI

representa um importante fator de risco para TEPT, e que a demora no

diagnóstico pode aumentar o risco de cronificação do transtorno (BORGES;

DELL’AGLIO, 2009).

Em estudo realizado com as mesmas autoras em 2008, foi realizada

uma investigação com 16 meninas entre sete e treze anos vítimas de ASI, e

suas mães. Foi possível constatar que, tanto as participantes quanto suas

genitoras desenvolveram transtornos mentais após o evento do abuso. A partir

de avaliação por equipe especializada, 10 meninas da amostra, preencheram

os critérios diagnósticos para o TEPT, sendo que as outras seis participantes

apresentaram TEPT parcial. Além do TEPT foram identificadas comorbidades

psiquiátricas sendo estas: Transtorno de Ansiedade de Separação, Transtorno

de Ansiedade generalizada, Depressão Maior, Distimia, Fobia Social e

Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (BORGES; DELL’AGLIO,

2008).

Page 22: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

22

Ainda, referente aos riscos de ordem familiar sobrepostos aos casos de

abuso sexual, Borges e Dell’Aglio (2008) observaram que além do abuso

sexual, as meninas foram vítimas de abuso físico, psicológico negligência e

maus-tratos. As participantes, em seu histórico e vida, tiveram perdas físicas e

emocionais nas figuras paternas, seja pela separação dos pais, afastamento do

contato emocional, ou óbito dos pais.

A intergeracionalidade esteve presente neste estudo, pois foi observado

que as mães de quatro meninas revelaram ter histórico de abuso sexual, uma

inclusive sendo vítima do mesmo abusador. Outras formas de abuso também

perpassaram pelas vidas destas mães, inclusive abuso físico e abandono

(n=10), tendo ainda vivenciado problemas conjugais (n=10) (BORGES;

DELL’AGLIO, 2008).

Lima e Alberto (2011) também realizaram estudo com mães de vítimas

de ASI. A amostra era de mulheres com idade entre 35 a 50 anos (n=13) que

vivenciaram ASI, a fim de saber a forma que as participantes lidam diante do

ASI em suas filhas. Com base nas entrevistas semiestruturadas, contatou-se

que as palavras de maior associação das participantes em relação ao ASI

ocorrido com suas filhas (vida, acontece, pessoa , coisa, muita, tipo, confiar,

sei, penso, tenho, acho, vai, situação, dessa, entende, viver, forma, homem,

difícil, gosto e abuso), quando comparadas com o relato da própria experiência

de ASI das mães, resultaram em significativa associação com a forma subjetiva

diante do episódio de ASI das genitoras. Este mesmo estudo pontuou que

diante da repetição da situação do ASI com as filhas, as genitoras buscam sua

própria forma de interpretar a situação atual, e o atendimento voltado para as

mães destas crianças poderia ser significativo, considerando que elas

poderiam dar maior suporte emocional para as crianças.

Habigzang et al (2010), assim como Borges e Dell’Aglio (2009)

realizaram pesquisa empírica com meninas que sofreram ASI. Para tanto,

definiu dois grupos diferentes de vítimas como amostra: no grupo I participaram

40 meninas com idades entre 9 e 16 anos; no grupo II 16 meninas com idade

entre 7 e 13 anos. Objetivaram avaliar os sintomas do TEPT nestas crianças e

adolescentes, utilizando dois instrumentos de avaliação: o módulo de TEPT do

SCID no grupo I, e o módulo de TEPT do K-SADS-PL no grupo II.

Houveram duas entrevistas nos dois grupos, sendo uma com os pais ou

cuidador da criança ou adolescente e, outra com o participante. Os

Page 23: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

23

instrumentos utilizados são compostos por perguntas que investigam os

critérios de avaliação para o TEPT, conforme o DSM IV- TR, sendo estes:

revivência do trauma, esquiva e entorpecimento e, excitabilidade aumentada

(HABIGZANG et al, 2010).

Nesta pesquisa, os resultados apontaram sintomatologia do TEPT em

ambos os grupos, proporcionando margem de 70% da amostra nos dois

instrumentos de avaliação. Somente nos critérios de esquiva e entorpecimento,

e de excitabilidade aumentada ocorreram diferenças quando comparadas nos

grupos, pois no estudo I apresentou maior índice de esquiva e entorpecimento

e, no estudo II, maior média de excitabilidade aumentada (HABIGZANG et al,

2010).

Conforme as autoras, os instrumentos possuem o mesmo número de

questões, no entanto, tal discrepância ocorreu devido à formulação das

perguntas serem diferente em cada instrumento, o que não altera o conteúdo

do sintoma a ser investigado. No entanto, foi identificado que o fator da idade

das participantes pode ter direcionado para a diferença nos critérios de

avaliação entre os dois instrumentos, considerando que conforme o

desenvolvimento da infância e adolescência, a capacidade cognitiva difere a

forma de compreender seu estado interno (HABIGZANG et al, 2010).

Segundo Serafim et al (2011), dentre as formas de dano aos jovens

acometidos por abuso sexual, está a sensação de desamparo. A pesquisa dos

autores foi realizada Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da

Universidade de São Paulo com crianças e adolescentes do sexo feminino e

masculino (n = 205), encaminhadas para atendimento por órgãos do Sistema

Judiciário. Identificaram através de avaliação psicológica que as vítimas

mostraram sentirem-se em ambiente ameaçador, sem proteção, hostil e

desamparador.

Nesta mesma pesquisa, os autores mostraram que, nos participantes foi

identificado altos índices de depressão: 59,2% em meninas e 38% em

meninos; TEPT: 36, 1% em meninas e 29.3% nos meninos; fobias: 23,0% nas

meninas e 22,6 em meninos. Apenas 4.6% das meninas e 9, 3% dos meninos

não apresentaram alteração psiquiátricas (SERAFIM et al, 2011).

Em relação aos aspectos comportamentais dos participantes da referida

pesquisa, houve significativa alteração do comportamento quando as crianças

e adolescentes estavam na presença de uma figura masculina, pois 33% das

Page 24: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

24

meninas e 41% dos meninos sentiam-se retraídas na presença de pessoas do

sexo masculino. Observaram-se ainda outros comportamentos, como o

isolamento: 15% em meninas e 33% em meninos; agressividade: 12% nas

meninas e 18% nos meninos; comportamento erotizado: 23% em meninas e

02% em meninos e, queda no rendimento escolar: 14% nas meninas e 05%

nos meninos. Nesse sentido, concluíram que o ASI, provoca profundo trauma e

uma parcela significativa de danos psicológicos, psiquiátricos e

comportamentais, impactando na vida emocional e relacional de acrianças e

adolescentes (SERAFIM et al, 2011).

Passarela et al (2010) realizou revisão sistemática de bibliografia

referente aos estudos que utilizaram a terapia cognitivo comportamental (TCC)

em crianças e adolescentes que foram vítimas de abuso sexual e,

posteriormente apresentaram TEPT. Em se tratando de estudo randomizado,

dentre os 43 artigos, apenas 3 foram inclusos no trabalho devido preencherem

os critérios, sendo que deveriam ter diagnóstico sob o critérios do DSM-IV ou

CID-10 TR e faixa etária de 0 à 18 anos. Foi utilizado ensaios clínicos dos anos

de 1980 a fevereiro de 2002, com resultados que apontaram a remissão,

melhora clínica e perdas medidas estatisticamente. Os autores descreveram

resultados informando que nas crianças no pós- tratamento, a TCC teve maior

efeito na redução dos sintomas de TEPT. A presença dos pais ou cuidadores

no tratamento contribuiu para um bom prognóstico principalmente em crianças

(PASSARELA et al, 2010).

Em estudos com adultos que foram vítimas de ASI, também é possível

verificar a associação do ASI com transtornos metais. Zavaschi et al (2006) em

estudo de avaliação de caso-controle utilizando a Mini International

Neuropsiquiatric Interview (MINI) para avaliar trauma durante a infância,

objetivou pesquisar a associação do transtorno de humor (TH) na fase adulta

com o trauma psicológico na infância. O grupo caso, foi composto por 93

participantes com TH e o grupo controle por 47 pessoas sem diagnóstico de

TH.

Dentre as formas de trauma psicológico, foram considerados: violência

na comunidade, perdas de pais ou cuidadores, abuso físico e abuso sexual

infantil. Os pacientes com TH, quando comparados com o grupo controle,

tinham maior prevalência de abuso sexual na infância (34,3% versus 12, 8%) O

estudo também apontou que pacientes com episódios maníacos apresentaram

Page 25: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

25

níveis de maior contato com violência na comunidade, abuso físico e sexual do

que os pacientes não maníacos (ZAVASCHI et al, 2006).

Em estudo de revisão de literatura sobre histórico de ASI em adultos

pedófilos, Gosling e Abdo (2011) verificaram que há uma correlação entre

pessoas que foram abusados sexualmente e pedófilos. Além das alterações de

comportamento, o ASI pode levar a alterações na estrutura do cérebro,

mudanças neuroanatômicas e funcionais. A partir da revisão, os autores

concluíram que, as alterações neurológicas são evidentes a ponto de ser

possível identificar uma pessoa com parafilia e mais especificamente, o

pedófilo. Nesse sentido, a prevenção do abuso sexual é fator relevante para a

redução de desenvolvimento da pedofilia.

Ainda sobre transtornos mentais em adultos vítimas de ASI, Paravent e

colaboradores (2011) conduziram uma pesquisa com 120 mulheres envolvendo

um grupo com transtornos alimentares proveniente de ambulatório

especializado de uma universidade, e um grupo controle sem transtornos, de

um ambulatório de oftalmologia. Este estudo apontou uma relação significativa

entre Anorexia Nervosa em mulheres que sofreram ASI, em relação às

mulheres com bulimia nervosa e grupo controle. Ainda nesta pesquisa, 14, 4%

da amostra que apresentou anorexia alegaram ter vivenciado um ou dois

episódios de abuso sexual na infância. De acordo com os resultados, foi

avaliado que, as vítimas de ASI tiveram risco de 5,8 % para desencadear a

Anorexia Nervosa, quando comparado com o grupo que não teve histórico de

ASI.

Kerr et al (2000), em seu estudo de revisão bibliográfica, também

identifica os transtornos alimentares como prejuízo em pessoas que sofreram o

ASI. Discorre também sobre os transtorno do humor, como a depressão, e

sobre os transtornos psicóticos. Esta revisão bibliográfica verificou textos em

que pacientes com transtornos psicóticos relataram terem sido vítimas de

abuso sexual no período da infância, sendo encontrado uma fonte com a

incidência em 53% do grupo pesquisado (KERR et al, 2000).

Page 26: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

26

5. CONCLUSÃO

O presente estudo teve como objetivo identificar e discutir os impactos

psicológicos do ASI, em relação à vulnerabilidade para o desenvolvimento de

transtornos mentais. Pode-se verificar que atualmente existem pesquisas que

confirmam esta relação. Nos artigos encontrados foi possível observar a

correlação com o ASI e transtornos alimentares (KERR 2000), TEPT

(SERAFIM 2011; HABGZANG 2010; BORGES e DELL´AGLIO 2009),

transtornos do humor (ZAVASCHI 2006), depressão (SERAFIM 2011; KERR

2000), esquizofrenia (KERR 2000), fobias (SERAFIM 2011), e parafilias

(GOSLING et al, 2011).

Além do desenvolvimento de transtornos mentais, foi possível observar

que há impactos nos relacionamentos da vida social e afetiva das crianças

vítimas de ASI, bem como, o isolamento e retraimento na presença da figura

masculina, além de comportamento desfavoráveis para uma vida social:

comportamento erotizado e agressividade (SERAFIM 2011).

Em relação ao tratamento, na procura, houve poucos estudos científicos

comprovando a eficácia de tratamentos para estes jovens que desenvolveram

transtornos mentais após o ASI, sendo encontrado apenas um artigo sobre a

TCC. Este dado aponta para um campo a ser estudado para que formas de

tratamento sejam embasadas para as diferentes demandas destes pacientes,

inclusive para aqueles que não contemplados pela TCC. Nesse sentido,

importante informar que esta forma de terapia não pode ser definida como a

mais eficaz e sim como a que foi encontrada na literatura para embasamento

deste artigo.

Observamos que, ainda nos estudos abordados neste trabalho que,

além do ASI, foram detectados outras formas de violência em vítimas de ASI, e

inclusive em crianças e adolescentes de grupos controles que não tinham

histórico de ASI, como a violência doméstica e urbana (BORGES;

DELL’AGLIO, 2008), e exposição à traumas (ZAVASCHI 2006). Desta forma,

pesquisas cientificas para a prevenção e tratamento de danos destas outras

formas de violência se tornam urgentes.

Vale ressaltar que a maioria dos estudos obtiveram como amostra

pessoas do gênero feminino, sendo necessário maiores estudos sobre meninos

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27

vítimas de ASI, e sobre os pais destas crianças, que também devem ser

contemplados e respeitados em suas demandas nestes casos de ASI.

Assim, uma vez que a relação do ASI com a vulnerabilidade para

transtornos mentais está estabelecida em literatura científica, fica clara a

necessidade de publicações referentes às técnicas de manejo para o cuidado

de crianças e adolescentes que apresentam transtornos mentais decorrentes

do ASI; estratégias de cuidados para pais de jovens que sofreram ASI; e

prevenção do ASI.

Page 28: Abuso Sexual Infantil e a Vulnerabilidade para o Desenvolvimento de Transtornos Mentais

28

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