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O jornalismo especializado na sociedade da informação * Ana Carolina de Araújo Abiahy Universidade Federal da Paraíba Índice 1 Contextualização: A Sociedade da In- formação 2 2 Jornalismo especializado: infor- mações para todos os gostos 4 3 O perfil do jornalista: especialista em generalidades? 6 4 A velocidade das mídias e a sobre- carga de informações 9 5 A segmentação do público e da infor- mação 10 6 A mídia e a busca do seu público: am- pliando as tensões 13 7 O multifacetado mercado de revistas 16 8 Conclusão 24 9 Bibligrafia 26 * Este ensaio foi orientado pelo professor Dr. Wil- fredo Maldonado e resultou na obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jor- nalismo, na Universidade Federal da Paraíba. O le- vantamento realizado sobre os meios de comunicação leva em consideração o ano de 2000. Introdução “Esse é o nosso mundo: o que é demais nunca é o bastante” (Renato Russo) Vivemos na Sociedade da Informação. Mas isto não significa que o acesso às infor- mações tornou-se plenamente democrático, apenas que nunca tivemos tanta informação disponível quanto agora. Esta constatação nos leva a refletir a respeito das mudanças ocorridas na produção informativa e que não são só avanços tecnológicos. Consideramos que há modificações na relação do público com as produções informativas além de uma transformação no perfil do profissional da área. Como pontos de análise consideramos o trabalho do jornalista e as produções seg- mentadas. Este ensaio, portanto, se propõe a anali- sar o desenvolvimento do jornalismo especi- alizado. Para tanto, faz-se necessário con- siderar a tendência da segmentação do púb- lico que ocorre em paralelo às fusões dos conglomerados da área comunicativa. Um fenômeno paradoxal que traz a monopoli- zação dos meios de comunicação, porém uti- liza a diversificação nos veículos de infor- mação como meta. A lógica de diferenciar as produções informativas, por um lado atende

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O jornalismo especializado na sociedade dainformação∗

Ana Carolina de Araújo AbiahyUniversidade Federal da Paraíba

Índice

1 Contextualização: A Sociedade da In-formação 2

2 Jornalismo especializado: infor-mações para todos os gostos 4

3 O perfil do jornalista: especialista emgeneralidades? 6

4 A velocidade das mídias e a sobre-carga de informações 9

5 A segmentação do público e da infor-mação 10

6 A mídia e a busca do seu público: am-pliando as tensões 13

7 O multifacetado mercado de revistas168 Conclusão 249 Bibligrafia 26

∗Este ensaio foi orientado pelo professor Dr. Wil-fredo Maldonado e resultou na obtenção do grau debacharel em Comunicação Social, habilitação em Jor-nalismo, na Universidade Federal da Paraíba. O le-vantamento realizado sobre os meios de comunicaçãoleva em consideração o ano de 2000.

Introdução

“Esse é o nosso mundo: o que é demaisnunca é o bastante” (Renato Russo)

Vivemos na Sociedade da Informação.Mas isto não significa que o acesso às infor-mações tornou-se plenamente democrático,apenas que nunca tivemos tanta informaçãodisponível quanto agora. Esta constataçãonos leva a refletir a respeito das mudançasocorridas na produção informativa e que nãosão só avanços tecnológicos. Consideramosque há modificações na relação do públicocom as produções informativas além de umatransformação no perfil do profissional daárea. Como pontos de análise consideramoso trabalho do jornalista e as produções seg-mentadas.

Este ensaio, portanto, se propõe a anali-sar o desenvolvimento do jornalismo especi-alizado. Para tanto, faz-se necessário con-siderar a tendência da segmentação do púb-lico que ocorre em paralelo às fusões dosconglomerados da área comunicativa. Umfenômeno paradoxal que traz a monopoli-zação dos meios de comunicação, porém uti-liza a diversificação nos veículos de infor-mação como meta. A lógica de diferenciar asproduções informativas, por um lado atende

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às estratégias econômicas das empresas co-municativas, mas também democratiza a es-colha do público. É então, um jogo quesubstitui a massificação pela personalização.Mas estas alternativas são mesmo distintas,ou seja, representam o fim da padronização?

Estas questões abrem perspectiva parapensar em como o profissional trabalha comestas mudanças da comunicação de massa.Principalmente, queremos observar as mu-danças no perfil do jornalista quando sepropõe a trabalhar com uma informação di-recionada a públicos específicos. A for-mação profissional dos jornalistas valoriza aaquisição de básicos conhecimentos gerais,postura esta que não entra em consonânciacom a tendência atual. Afinal, para elaborarmatérias jornalísticas especializadas, para aseditorias de política e economia, por exem-plo, exige-se proximidade com a temáticatrabalhada.

Outro ponto de análise é acerca da funçãodo jornalismo de selecionar e organizar omaterial informativo, por conseguinte, hie-rarquizar as informações. Ao abordar te-mas antes não enfocados, a mídia colaborapara que estes passem a adquirir importân-cia, então, a hierarquização passa a ser maisflexível. Esta maior pluralidade de temáticasdeve-se não só à especialização jornalística,mas também a própria multiplicação das mí-dias.

No contexto da Sociedade da Informação,a proliferação das informações provocaquestionamentos sobre a produção especia-lizada. Existe diversidade ou apenas excessode informações na sociedade mediática? Aspublicações especializadas contribuem paraum aprofundamento das matérias jornalísti-cas?

Verificaremos, então, as característicasdas produções segmentadas. Para isso con-sideramos os fenômenos da fragmentaçãoda audiência televisiva com os canais pa-gos, os próprios programas que se dirigema públicos específicos, a utilização da Inter-net para personalizar as produções e, princi-palmente, a multiplicação de revistas espe-cializadas. Por ser o veículo mais propícioà segmentação, a revista torna-se o melhormeio para observar a especialização jornalí-stica, expondo um panorama das temáticastrabalhadas no jornalismo especializado.

O ensaio, portanto, pretende observar odesenvolvimento do jornalismo especiali-zado e suas implicações para o profissionaldo ramo da comunicação. É uma tentativade refletir sobre as mudanças que o jornalistaatravessa e sobre as expectativas do públicofrente a estas transformações do meio infor-mativo e da mídia, em geral.

1 Contextualização: A Sociedadeda Informação

“O mundo anda tão complicado” (RenatoRusso)

O quadro econômico atual encontra-se de-finido pelos parâmetros do modelo da glo-balização. Restam pontos de análise a se-rem destacados, nas teorias econômicas esociológicas que se propõem a estudar essemodelo, principalmente no que diz respeitoao universo da mídia. Os conglomeradosmediáticos se afirmaram com força na socie-dade contemporânea e necessitam ter o seupapel devidamente avaliado nesta nova con-juntura.

Uma das questões que envolvem a globa-lização e que merecem uma discussão mais

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detalhada seria a visão de que este modeloeconômico é marcado pela homogeneizaçãodos padrões culturais. Pelo contrário, deve-mos compreender que o processo de globali-zação não implica unicamente numa padro-nização ou uniformização dos bens culturais.Obviamente, percebemos que a hegemonianorte-americana no plano dos conteúdos cul-turais e informativos continua, porém, aestratégia das corporações econômicas quedominam a cena atual vem tomando por basea segmentação dos mercados, com a conse-qüente emergência dos públicos diferencia-dos.

Renato Ortiz (1996:181) é um dos auto-res que caracterizam este processo de globa-lização não como a internacionalização nosmoldes do imperialismo, ele prefere o termomundialização. Este, que é o segundo está-gio da civilização capitalista, segue um mo-delo híbrido:

Creio que é tempo de entender que a glo-balização se realiza através da diferen-ciação. A idéia de modernidade-mundonos ajuda neste sentido. Enquanto mo-dernidade, ela significa descentramento,individuação, diferenciação; mas o fatode ser mundo aponta para o extravaza-mento das fronteiras. O pattern da ci-vilização mundial envolve padronizaçãoe segmentação, global e local, manifes-tando um processo cultural complexo eabrangente. (ORTIZ, 1996:181)

Apoiar-se no imaginário da cultura demassa para atingir todos os públicos já nãoé mais tão eficiente, porque está cada vezmais difícil definir um consumidor padrão,como nos aponta Armand Mattelart (1999:257): “Tudo acontece como se, dessa rea-lidade contemporânea híbrida, a etnografia

apenas retivesse um só aspecto: o da per-sonalização. O pontual, o singular contra oglobal”.O autor também detecta outro apa-rente paradoxo entre as tendências da socie-dade globalizada: a “diversificação na pa-dronização”. O mundo deve andar mesmomuito complicado, é justamente por isso queiremos encontrar expressões como “desmas-sificação generalizada”, no discurso de Mat-telart para explicar o estágio atual da huma-nidade. Estes termos encontram justifica-tiva quando ele adota a fragmentação comosendo um dos fatores mais relevantes da novaordem mundial:

As lógicas da fragmentação exigiriam,portanto, uma abordagem mais nuançadaque levasse em conta a diferenciação dosgostos dos consumidores, substituindo-segradualmente a oferta padronizada pelaofertaà la carte. Pelo menos nas grandessociedades industriais. (MATTELART:1999: 256)

Essa problemática da ‘diferenciação naglobalização’ nos revela dados curiosos.Este processo de segmentação do mercado,inclusive na área informacional é com-preensível sob a lógica dos conglomeradosempresariais. Mais uma vez recorro a Re-nato Ortiz (1996: 148-9): “Não é tanto a pro-dução em massa que conta, mas a fabricaçãode produtos especializados a serem consumi-dos por mercados exigentes e segmentados”.Deixamos de ser massa para sermos “consu-midores”. Vivemos agora, a “angústia da es-colha”, na ótica empresarial. No consumo deprodutos informativos, isso parece bom parao público e mais lucrativo para as empresasde comunicação.

Se antes a segmentação do gosto dos con-sumidores soava como alternativa à homo-

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geneização da indústria cultural, hoje é umadas principais estratégias mercadológicas.Esta é uma das preocupações de Dênis deMoraes (1997: 33). Através do que o autornomeia por “cultura globalmente segmen-tada”, nós podemos constatar o aparente pa-radoxo deste painel de segmentação da pro-dução informativa que segue amparado pelasfusões dos conglomerados de comunicação:

Revigorados por fusões, consórcios ealianças transnacionais, os conglomera-dos mediáticos não cessam de reformularsuas ações. A partir de estratégias mun-diais, procuram compatibilizar produtosde aceitação indiferenciada com outrosque visam à segmentação, à diversidademercadológica e a peculiaridades locais.(MORAES:1997:33)

A concentração que vem se instalando nouniverso dos meios de comunicação é real-mente avassaladora. Bem H. Bagdikian, naprimeira edição de seu livro sobre o monopó-lio da mídia, publicado em 1983, contabi-lizava 50 empresas que controlavam o mer-cado de livros, revistas e jornais, nos Esta-dos Unidos. Agora, com as novas fusões, sãoapenas seis empresas, ou melhor, conglome-rados que modelam o mercado americano.

As grandes corporações se unem para uti-lizarem todos os meios disponíveis e, assim,oferecerem uma multiplicidade de conteú-dos. É um processo esquizofrênico, comodestaca Renato Ortiz, que só pode ser com-preendido dentro dessa lógica de aliançaentre a fragmentação e a concentração. Oconsumidor (palavra que substitui o indiví-duo no lema das corporações econômicas)pode escolher o produto cultural com o qualmais se identifica, mas o lucro irá, provavel-mente para o mesmo produtor.

Até mesmo a convergência das mídiaspropiciada pela Internet vem sendo conside-rada uma das alavancas deste processo queenvolve a personalização dos conteúdos cul-turais. É o que nos aponta Lorenzo Vilches(1997: 102) quando analisa a globalizaçãocomunicativa:

O nascimento massivo da Internet coin-cide com a fragmentação da audiênciamundial em todos os grandes meios decomunicação tradicionais e com a épocada globalização. A internet se vale da in-dividualização do consumo (fator subje-tivo da fragmentação comercial do con-sumo) para afirmar-se como novo meiode serviço e de coesão social. (VIL-CHES, in MORAES, 1997: 102)

Este autor nos expõe outra face deste pro-cesso de diferenciação da produção informa-cional: há uma demanda por parte dos in-divíduos por este tipo de produção persona-lizada. Portanto não é apenas a partir dasestratégias econômicas que podemos com-preender este crescimento da segmentaçãodo mercado. A aceitação das produções seg-mentadas indica que os indivíduos neces-sitam encontrar um fator de união e de iden-tificação entre si. O que pode ser conse-guido através da partilha de interesses como segmento que busca o mesmo tipo de in-formação.

2 Jornalismo especializado:informações para todos osgostos

“Acho que não sei quem sou, só sei do quenão gosto” (Renato Russo)

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Nessa sociedade fragmentada em gruposcom interesses tão dissociados entre si, emque cada qual elege suas prioridades combase não só em escolhas individuais, masmuitas vezes até individualistas, o jorna-lismo enquanto atividade que seleciona e de-termina o grau de importância de cada infor-mação, pode ter seu papel de coesão socialcomprometido?

A função atribuída aos jornalistas de infor-mar o que seja de relevância para a sociedadenão vem se alterando significativamente aolongo do tempo? A lógica de informar o queo públicoprecisasaber não vem sendo sub-stituída pela lógica de informar o que o púb-lico quer saber? São questionamentos polê-micos que logicamente não esperam ser re-spondidos neste ensaio, ao contrário, quere-mos suscitar mais reflexões a respeito destasmudanças que ocorrem com a prática jornalí-stica.

Na realidade a escolha de um assunto queinteressa a toda comunidade parece cada vezmais difícil de se fazer. A sensação que te-mos é que o espaço de debate tornou-se re-duzido, ou melhor, o interesse pelo debateé que tem diminuído a tal ponto que as pes-soas parecem não se envolver mais, a opiniãopública vem sendo substituída pela pesquisade mercado.

Cada grupo tem seus interesses pessoais, eaté grandes acontecimentos quando focadospela mídia são rapidamente considerados ul-trapassados. Tudo isso confirma as teses dedistanciamento do indivíduo com seu tempohistórico e da desconfiança nas ideologias.

Nesse estágio em que as escolhas indivi-duais prevalecem sobre o engajamento coma coletividade, faz sentido que a informaçãoprocure atender às especificidades ao se di-rigir aos públicos diferenciados. É neste

panorama que o perfil do jornalista sofre al-terações, as publicações passam a dedicar-semais a informação personalizada, portanto ojornalismo especializado tende a se desen-volver cada vez mais.

É algo evidente quando verificamos o au-mento das publicações especializadas, espe-cialmente revistas, além dos suplementos di-versificados presentes nos jornais. A mídiatem buscado a segmentação das audiênciasatravés da TV a cabo ou por assinatura. Masesse processo não é isolado.

O desenvolvimento do jornalismo especi-alizado está relacionado a essa lógica econô-mica que busca a segmentação do mercadocomo uma estratégia de atingir os grupos quese encontram tão dissociados entre si. Muitoalém de ser uma ferramenta mais eficaz delucro para os conglomerados midiáticos, ojornalismo especializado é uma resposta aessa demanda por informações direcionadasque caracteriza a formação das audiênciasespecíficas.

Nestes tempos de desintegração das ideo-logias e da ruptura com um projeto de mo-dernidade que pregava a unidade, o jor-nalismo especializado demonstra uma mu-dança dos paradigmas informacionais. Namedida em que diferenças e divergências fo-ram afrouxando os laços da coletividade, osindivíduos foram se fechando em seus in-teresses particulares e constatamos hoje oquanto a comunidade encontra-se divididaem nichos os mais diversos.

O papel do jornalismo especializado se-ria o de orientar o indivíduo que se encon-tra perdido em meio à proliferação de in-formações das mais variadas fontes, ou se-ria ele próprio um exemplo, justamente umreflexo desta proliferação? As publicaçõesespecializadas servem como um termôme-

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tro da gama de interesses das mais diver-sas áreas, expõem, então, o nível de disso-ciação entre os componentes da Sociedadeda Informação. Mas por outro lado, pode-mos considerar que as produções segmen-tadas são uma resposta para determinadosgrupos que buscavam, anteriormente, umalinguagem e/ou uma temática apropriada aoseu interesse e/ou contexto. Esses gruposagora encontram publicações ou programassegmentados com o qual possam se identi-ficar mais facilmente. Neste caso, o papelde coesão social no jornalismo especializadopassa a cumprir a função de agregar indiví-duos de acordo com suas afinidades ao invésde tentar nivelar a sociedade em torno de umpadrão médio de interesses que jamais aten-deria à especificidade de cada grupo.

Na contemporaneidade, a identidade dosindivíduos encontra-se definida não essen-cialmente por padrões socioculturais en-raizados em sua comunidade, inseridos numcontexto histórico, mas vem tornando-sedesterritorializada quando determinada porescolhas subjetivas, baseadas em opiniõesou atitudes isoladas. O padrão de consumoé o que vem definido o perfil socioculturaldos grupos sociais quando pessoas em luga-res diferentes do globo partilham dos mes-mos produtos de consumo, dependendo ob-viamente que seu poder aquisitivo seja com-patível. É por isso que cada vez mais o lemadas corporações (“o dever primeiro de todocidadão é ser um bom consumidor”) vemconseguindo, ao menos têm tentado com ba-stante êxito, sobrepujar a memória nacionalem nome de uma memória popular inter-nacional.

Assim alerta Renato Ortiz (1996) ao tra-tar do processo de mundialização na cultura,sem esquecer das reações representadas pe-

las culturas regionais ou marginalizadas queexplodem e buscam afirmação nesta conjun-tura. Na trincheira desta reação encontramosexemplos bem distintos como as lutas étni-cas (negros, latinos) e até mesmo, em menorgrau, as modas alternativas (funk, hip hop,rap).

Mas a busca pela identidade é um fatorpresente em ambos os extremos dessa si-tuação, os consumidores com as suas expec-tativas atendidas na nova política de perso-nalização dos produtos empreendida pelascompanhias e os indivíduos formando suastribos ou focos de resistência à uniformi-zação. De maneiras diferentes, ambos estãofugindo do caráter de padronização que do-minava a cena contemporânea. Os produtosculturais passam a organizar-se segundo aótica da diferenciação, portanto, a produçãoinformativa que atinge audiências segmenta-das e as publicações especializadas faz partedo contexto de desmassificação e de perso-nalização. Estes novos parâmetros, aliados aoutros fatores anteriores, vêm resultando emalterações no campo do jornalismo.

3 O perfil do jornalista:especialista em generalidades?

“Eu sei de quase tudo um pouco e quasetudo mal” (Bruno Fortunato/Leoni)

A função do jornalismo frente à socie-dade vem sendo alterada ao longo do tempoparalelamente às mudanças das estratégiasde produção jornalística. Quando iniciou,o jornalismo cumpria a função de expressãoideológica, sendo os jornais eminentementepolíticos, o jornalista era um articulista, ea informação era destinada a uma doutri-nação, uma forma de panfletagem intelec-

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tual. Quando os jornais tornam-se empresas,a informação adquire a condição de bempúblico, serviço à comunidade e o jorna-lista é o mediador, o repórter que presta essafunção. Entretanto o jornalismo sempre pro-curou atingir públicos amplos, cumprir estafunção de unir as pessoas em torno de umainformação comum. Quando o jornalismoespecializado desenvolve-se com maior ex-pressão, percebemos que esse público recep-tor passa a ser considerado em sua especifi-cidade.

Ao reconhecermos o desenvolvimento dojornalismo especializado, percebemos que aimagem do jornalista associado a conheci-mentos gerais básicos, não é a única perspec-tiva para este profissional. Esta preparaçãona área jornalística, que não exige um conhe-cimento específico, já era questionada pelojornalista Cláudio Abramo (1988), em seu li-vro A Regra do Jogo:

Os cursos dão muita coisa que, no fundo,são apenas noções. Por isso, o jornalistaficou com a fama de ser um especialistaem generalidades. A meu ver o cursode jornalismo deveria ser um curso depós-graduação. O ideal seria ter nas re-dações economistas, sociólogos ou médi-cos que, além do curso específico, tives-sem uma pós-graduação em jornalismo eaprendessem como contar as coisas e es-crever com clareza. (ABRAMO, 1988)

Na primeira fase do jornalismo, em re-lação a qual já nos referimos anteriormente,a atividade era desempenhada por homenscom a reconhecida inclinação para as letrase igual eloqüência para o debate político. Nafase empresarial, esses atributos continua-ram a ser exigência para o jornalismo, mas a

linguagem jornalística já constituía um uni-verso próprio. A convivência, entre um textoque ainda possuía características literárias eoutro que aos poucos ia formando aspectostécnicos específicos, iria continuar nesta fasedo jornalismo.

Mesmo com a aparição dos primeiros cur-sos de jornalismo o caráter híbrido da pro-fissão persistia, os jornalistas saídos da uni-versidade dividiam as redações com os an-tigos profissionais, mesmo sendo origináriosde outra categoria profissional, ou ainda for-mados unicamente na prática diária, desem-penhavam a função de jornalista. A entradano mercado de trabalho daqueles profissio-nais oriundos da formação universitária re-presentou o próprio reconhecimento da espe-cificidade da atividade jornalística.

Além dessa mudança, a especializaçãode cada função jornalística também contri-buiu para delinear o atual patamar em quese encontra a profissão. A fase artesanalda profissão já está comprovadamente ul-trapassada, o jornalismo, a partir da faseempresarial, assume sua condição orgânica,ou de sistema, os jornalistas são divididosde acordo com diferentes atribuições. É oque nos confirma Adriano Duarte Rodrigues(1997: 180), ao analisar o campo dosmedia:

Com a maturidade alcançada por estasprofissões, a fase artesanal dá lugar à es-pecialização e à cooperação entre espe-cialistas. A própria complexidade técnicaque se observa nos media torna inevitá-vel esta especialização e esta cooperação.Cada uma das formações compreende as-sim outros aspectos gerais, específicos eprofissionais próprios ao setor. (RODRI-GUES, 1997: 180)

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Esta confirmação de que ultrapassamos ocaráter artesanal da profissão não significaque os questionamentos em torno da prepa-ração dos profissionais em jornalismo ten-ham se findado. O próprio autor lamenta queainda se coloque em dúvida a validade deuma formação universitária na área enquantoque os cursos de medicina ou engenharia ja-mais são questionados sobre a necessidadeou não de sua existência.

Como se não bastasse essa polêmica,Adriano Duarte Rodrigues nos lembra aindada tensão existente entre o lado prático eteórico dos cursos da área. Comentandoacerca da “idéia vulgarizada”, como elemesmo diz, de que o jornalismo e a comuni-cação social deveriam constituir cursos dis-tintos, o autor enfatiza a necessidade da for-mação teórica nas questões de comunicaçãosocial para o graduado em jornalismo. Ou-tras dúvidas são objeto da preocupação doautor no que diz respeito ao ensino univer-sitário da comunicação, e a que mais nos in-teressa é a seguinte questão: um saber gene-ralista ou um saber específico.

Iremos ampliar essa pergunta para o co-nhecimento necessário ao jornalista nos diasatuais e as transformações da profissão quenão vêm sendo devidamente compreendidasno universo da preparação para o mercadode trabalho. Jorge Pedro Sousa realizou umapesquisa, em Portugal, com sessenta direto-res de jornais, rádios, televisões e agênciasde notícias para traçar um perfil do candi-dato a jornalista pretendido por estes órgãosde comunicação e constatou que os cursossuperiores não estão instituídos para atendersatisfatoriamente às exigências do mercado.

O estudo mostrou que as empresas preten-dem contratar profissionais com formaçãosuperior, mas não necessariamente habili-

tadas no curso de jornalismo. Através dapesquisa, ele comprovou a hipótese de quea especialização é uma tendência crescenteno mercado de trabalho do jornalista. Em-bora este profissional deva estar preparadopara atuar em diferentes veículos de comu-nicação, deve, ao mesmo tempo, privilegiaruma formação especializada num dos cam-pos do saber em que pretende exercer sua ati-vidade jornalística:

Se existe uma crescente especializaçãono campo jornalístico, quer ao nível dascompetências técnicas quer do conheci-mento de uma área específica do saber(economia, política, etc.), então as em-presas jornalísticas pretendem preferen-cialmente licenciados em jornalismo comespecialização num medium (televisão,rádio, etc.) e com uma pós-graduaçãonuma dessas áreas do saber ou, inversa-mente, licenciados nessas áreas do sabercom pós-graduações em jornalismo quecontemplem uma área de especializaçãomediática. (SOUSA, 1999)

Em face de todas essas exigências, seráque os jornalistas estão sendo devidamentepreparados pelas universidades para suasfunções? Além de todas as discussões a res-peito do caráter teórico e prático em que sedivide o curso, é deficiente a formação dosjornalistas no tocante às diversas ocupaçõesda profissão. A função de repórter constitui-se como a mais evidente, e é assim que osestudantes de jornalismo sentem sua com-petência ser avaliada, enquanto que o inte-resse e a inclinação por outras funções ououtros campos de atuação acabam sendo pre-teridos.

Os estágios terminam por cumprir o papelde estender a experiência dos futuros jorna-

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listas até outros campos de atuação profis-sional, como é o exemplo da assessoria deimprensa, só para citar este que vem sendoum dos mais requisitados trabalhos para os“focas”. Por outro lado, somos obrigados areconhecer que se os estágios servem paraaumentar a experiência dos alunos, tambémtentam adestrá-los apenas com o referencialprático, enquanto à universidade cabe forne-cer o embasamento teórico e as formulaçõescríticas.

Todas essas preocupações a respeito daqualidade da preparação dos jornalistaspara o exercício profissional demonstram oquanto ainda é difícil solucionar as insufi-ciências na formação jornalística. É nítidoque as escolas de nível superior, em suamaioria, não têm se adequado às transfor-mações que os meios de comunicação e asociedade têm atravessado. Uma das preocu-pações que queremos destacar é a inadequa-ção dos currículos para essa crescente espe-cialização no mercado jornalístico.

Se for questionável a postura de privi-legiar a formação de repórteres em detri-mento de uma compreensão mais completada profissão, por conseguinte, é preocu-pante que continuem a incentivar o repórterque têm competência para trabalhar matériasna “geral”. Não estamos atribuindo va-lor superior àqueles jornalistas que preten-dem especializar-se, pois a disponibilidadede quem cobre fatos de diversas áreas de-monstra a aptidão profissional em lidar comsituações de natureza diferente com certa de-senvoltura, o que comprova sua qualidade.No entanto essa forma de trabalho vem con-struindo ao longo do tempo, de maneira pre-ponderante, a identidade social do jornalista,embora não seja a única maneira de atuaçãono campo do jornalismo.

4 A velocidade das mídias e asobrecarga de informações

“Eu tenho pressa, tanta coisa me interessa,nada tanto assim” (Fortunato/Leoni)

O objetivo principal deste ensaio é anali-sar o desenvolvimento do jornalismo espe-cializado, tentando relacioná-lo com outrosprocessos de transformação que vem ocor-rendo nesta área. Com o advento da So-ciedade da Informação, o sistema, os meiosde propagação das notícias se tornaram cadavez mais eficientes, o que torna a capacidadede absorção das informações disponíveis in-finitamente inferior. Ou seja, a análise, acrítica, até mesmo a compreensão, tornam-se descompassadas em relação à prolifera-ção da informação a que somos submetidos.Esta dificuldade de assimilação das mensa-gens compromete tanto o receptor quanto ospróprios profissionais que lidam com estesistema informacional.

Ciro Marcondes Filho (1993) observa queo jornalista encontra-se diluído nesta redede informações. É um profissional emmutação, debilitado pelo excesso de infor-mações, aliado à multiplicidade das fontes.O autor aponta que as novas tecnologias vêmdesencadeando este processo que tenta de-stituir a “pessoalidade” do jornalista. Emseu lugar, o sistema informacional é que setorna evidenciado. É como se o poder dojornalista como formador de opinião fossediminuído frente ao caráter interativo e vir-tual da tecnologia. A Internet seria o sin-toma mais evidente deste conflito. Na rede,a informação torna-se disponível, aparente-mente, sem nenhum intermediário.

Paradoxalmente, o autor destaca que, como advento da Sociedade da Informação o po-

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der do jornalista como até então havia sidoconhecido muda totalmente de enfoque. Avisão do jornalista como a pessoa que in-dica o rumo se perdeu, porque essa confiançaem figuras públicas desapareceu, da mesmaforma que ocorreu com os políticos. O jorna-lista continua a ser um dos principais atoressociais, mas em primeiro plano está a em-presa, a instituição jornalística, a despeito dapersonalidade ou originalidade do profissio-nal.

Por isso o texto perde o estilo ou a habi-lidade narrativa próprias do autor para ga-nhar o estilo ou a marca da empresa. Dessaforma os manuais de redação facilitam oadestramento dos “focas”. Segundo CiroMarcondes a narrativa jornalística atual é tãofragmentada que dificulta o entendimento dotodo, assim como a multiplicidade ou o ex-cesso de informações, conduz à entropia. Aoanalisar o jornalismo do fim do século XX,o autor critica duramente as matérias curtas,objetivas, que seguem o manual de redação,sem atentar se esta fórmula adotada é idealpara os leitores:

Em termos da elaboração redatorial doque deve ser uma matéria jornalística,trabalha-se na imprensa sob o ritmo dacompressão. Deve-se suprimir notíciaslongas e as matérias não devem ter maisdo que três parágrafos. Assim elas devempulverizar-se em pequenos drops infor-mativos que são fornecidos a conta-gotasnas páginas do jornal. (MARCONDESFILHO, 1993: 97)

O caráter factual e de condensação que foitão duramente criticado pelo autor pode serentendido não apenas “sob o ritmo da com-pressão”, mas como uma organização da lin-guagem jornalística que visa à retenção da

carga informativa, o que seria próprio do no-ticiário televisivo e das matérias diárias dojornal impresso. Enquanto que o caráter in-terpretativo e argumentativo é próprio da lin-guagem das revistas, por exemplo. É o quenos destaca Lúcia Santaella (1996) quandoanalisa a rede de intercomplementaridadedas mídias: cada qual cumpre uma funçãodiferente. O jornalismo no rádio e na te-levisão é bem mais condensado em compa-ração com o jornal diário e as revistas sema-nais.

No entanto, a crítica de Ciro MarcondesFilho pode nos apontar certas reflexões. Se-gundo o autor, a própria narrativa jornalí-stica, quando procura abarcar o todo, tentanivelar o receptor, a ponto de limitar a com-preensão, a busca pela especialização repre-senta uma tentativa de aprofundar o conhe-cimento e ao mesmo tempo, valorizar o en-tendimento por parte dos leitores e recepto-res. Na contramão dessa tendência de ape-lar para notícias que apenas se atentam aocaráter factual, as publicações especializadastentam preencher o espaço vazio deixado porestas matérias formuladas segundo a lógicada compressão.

5 A segmentação do público e dainformação

“Cada um na sua” (Roberto deCarvalho/Rita Lee)

A necessidade crescente de se utilizar lin-guagens e temáticas apropriadas às especi-ficidades de cada público, pode ser esclare-cida mais facilmente se nós pensarmos so-bre o exemplo do telejornalismo brasileiro.O jornalista Gabriel Priolli (2000: 80-82)comenta que os telejornais dividem-se em

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“generalistas” e “populistas”, considerandoainda os noticiários televisivos da rede púb-lica, mas por não fazerem parte do mercadocoletivo, não são relevantes na análise. Elequestiona o modelo de noticiário abrangenteque, longe de privilegiar a informaçãoim-portante, segundo o ponto de vista jornalí-stico, atenta-se para matériainteressante, doponto de vista da audiência. Abro parêntesepara o que Gabriel Priolli descreve acercadesse modelo:

(...) são noticiários abrangentes, com aambição de dar conta de todos os acon-tecimentos relevantes, em todas as es-feras da vida humana e natural, plastica-mente espetaculares, concebidos a partirde uma perspectiva que se quer universal,mas que é na verdade uma ética de classemédia, e vazados numa linguagem pre-tensamente racional e isenta. (PRIOLLI,2000: 80)

A valorização dessa linguagem que pre-tende atender a todos sem diferenciação re-vela não estar de acordo com a tendênciaatual de investir na personalização. Com ovolume cada vez maior de informações quenos atinge essa tentativa de abarcar e ex-por o todo ou o “mais importante” dos ass-untos jornalísticos em uma só linguagem,segundo a visão abrangente do noticiário,pode levar os telespectadores a uma desin-formação. Essa atitude frenética de noticiaruma gama espetacular de assuntos pode le-var à exaustão porque as matérias vêm sendoconstruídas quase numa linguagem de video-clipe.

É claro que esse tipo de noticiário atendeàs necessidades de uma grande parte dapopulação. Poderíamos apontar que são

pessoas que não têm tempo nem recursospara investir em outros veículos informati-vos. Mas também devemos lembrar quecada pessoa constrói sua relação com a mí-dia. Enquanto alguns têm necessidade deestar sempre em contato com as notícias (sín-drome de jornalista), grande parcela da so-ciedade é satisfatoriamente atendida por es-ses noticiários abrangentes. Até porque setornou uma função da televisão abarcar va-riedades enquanto que as revistas passarama tratar dos assuntos de forma mais especi-alizada, como nos lembram os autores San-dra Ball-Rokeach e Melvin Deffleur (1997:134). Eles alertam para a mudança inevitávelque a segmentação irá trazer para o mercadotelevisivo:

A televisão irradiada sobrevive, poréma concorrência do cabo é indiscutivel-mente muito concreta. Teme-se que ocabo venha a criar audiências especia-lizadas como ocorre com as revistas dehoje. Antes da televisão, havia nume-rosas grandes revistas diversificadas queatraíam vastos segmentos da população.Praticamente todas elas não mais estãosendo publicadas. Em seu lugar surgi-ram revistas especializadas destinadas aatrair segmentos do público que com-partilham um mesmo interesse ou go-sto comum. (BALL-ROKEACH e DE-FLEUR,1997:134)

O papel que a televisão assumiu, de abar-car as variedades, pode não ser mais efi-caz como ocorreu com as revistas. Ao in-vés de procurar atingir a maioria das pes-soas através de uma única mensagem, a novaótica dos meios de comunicação é trabalharuma mensagem direcionada a uma audiên-cia específica. Mas o investimento em um

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público segmentado parece não fazer partedas preocupações da maior parte dos canaisabertos de televisão. O que nos aponta quea televisão irá dividir-se entre os canais con-vencionais e os canais segmentados.

A tendência da segmentação é uma reali-dade indiscutível comprovada pelo desloca-mento de parcela dos telespectadores para oque Sérgio Caparelli (1996) designa por te-levisão fragmentada. Este é o termo usadopara as tevês a cabo, via satélite, os ser-viços de televisão por assinatura que incluemas tecnologias de terceira geração dos au-diovisuais. Algumas análises atuais relacio-nam a queda da qualidade da programaçãoda televisão convencional como um dos mo-tivos que levam à procura pela tevê fragmen-tada. A popularização do aparelho televi-sor é apontada como um fator que modificoua programação da televisão massiva. O su-cesso dos programas de baixo nível é geral-mente associado com o interesse do públicoemergente da televisão convencional. Nessepanorama, a segmentação parece ser a saídapara os telespectadores que têm condição dearcar com os custos do cabeamento ou daaquisição de antenas parabólicas. Os ca-nais disponíveis para o público selecionadosão oferecidos como solução de boa quali-dade. Prossegue Caparelli, com a exposiçãodo quadro que tende a crescer no país:

De um lado, a geração narrowcasting,fragmentada, pós-moderna, ocupandoum lugar privilegiado para aplicação decapital e, do outro, a televisão broad-casting, tradicional, de massa, que dásinais de esgotamento em alguns paí-ses, perdendo telespectadores e assist-indo à erosão de investimentos publicitá-

rios. (CAPARELLI, In FAUSTO NETO,1996: 77)

Mas os novos canais têm realmente ofere-cido alternativas de qualidade no pacote daprogramação? Isso é questionável, mas o fa-tor da segmentação, por sua vez, é visível.O que indica uma mudança nos hábitos deassistir televisão. Enquanto que na televisãoaberta existe a espera por um programa com-patível com o gosto do telespectador, e es-ses programas geralmente são pulverizadosna grade da programação, por outro lado, atelevisão fragmentada estimula a formaçãode audiência direcionada à linha de um canalespecífico.

A escolha, a preferência do telespectadornão depende de uma brecha no universo deprogramações variadas. Porque os canais,em geral, já são variados e cada qual é di-recionado a um tipo de telespectador. En-quanto que na televisão convencional o te-lespectador sente-se preso à programação deum canal de opções das mais variadas fontes.

A formação de um público específico natevê fragmentada é apontada como facili-dade na liberdade de escolha. O que nãoimplica necessariamente num melhoramentoda qualidade dos programas que vão ser exi-bidos. Tudo depende do gosto do públicoalvo. A diversidade cumpre a função de ofe-recer mais opções, o telespectador é que deveencontrar a melhor opção segundo sua pre-ferência.

Entretanto um outro perigo surge com avalorização da diferenciação, da fragmen-tação, da segmentação do mercado, o ladooposto: a homogeneização. Paradoxalmenteà idéia de diversidade que os canais ofere-cem, a maioria desta programação obedeceàs regras da globalização: os mesmos pro-

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gramas são exibidos em diferentes lugares doplaneta.

Mas em contraste com essaaldeia glo-bal podemos perceber um fenômeno para-doxal: os fatos internacionais cada vez gan-ham menos destaque na imprensa. Osfaitdivers têm dominado as publicações, nestequadro de concentração de empresas de co-municação. Segundo apontam os dados dojornalista Serge Halimi, as revistas semanaisamericanas quando colocam um fato inter-nacional como matéria de capa provocamqueda nas vendas. Em 1997, a revistaTime,que circula nos EUA, dedicou só uma das ca-pas a um tema internacional, enquanto em1987, fez isso em onze edições.

6 A mídia e a busca do seupúblico: ampliando as tensões

“Nessa vida passageira, eu sou eu, você évocê” (Edgard Scandurra)

As informações de interesse pessoaltornaram-se mais importantes para a maiorparte dos leitores do que assuntos que aolongo do tempo eram reconhecidos comofundamentais para a sociedade inteira. Pro-vavelmente esta é a conseqüência da evo-lução dos meios de comunicação. A Socie-dade da Informação, ao oferecer tanta varie-dade de veículos informativos, aumentando acapacidade de escolha do receptor, tornou-omais qualificado a identificar-se com deter-minado material informativo.

Só para citar um exemplo revelador doque ocorre no mercado americano: a re-vista Sports Illustrated, na edição de Natalde 1999, produziu 50 diferentes capas, umapara cada Estado americano. Não se tra-tam de edições especiais, a revistaForbes,

em março de 2000, colocou nas bancas qua-tro diferentes capas para o mesmo número.Até que ponto isto demonstra apenas esban-jamento de recursos ou de fato contribui parauma maior variedade na escolha do leitor?Mesmo que a publicação em si seja idênticano que se refere às suas matérias, sabemosque o apelo da capa é um fator que conduz àcompra, ou seja, não se trata só de empaco-tamento, revela o interesse da publicação ematingir públicos com referenciais diferencia-dos.

Um fator emblemático da Sociedade daInformação é a proliferação, a superexpo-sição da carga informativa a que somos sub-metidos. Isso tanto pode nos levar à exaus-tão, à desinformação, quanto diversificar osparâmetros nos quais baseamos nossos con-ceitos e valores. Não estamos atribuindoqualidade acerca desta aquisição de novasopiniões, o que não podemos deixar de re-conhecer é que com o desenvolvimento ma-terial dos meios de comunicação mudou aforma das pessoas se relacionarem com oproduto informativo. As produções especi-alizadas compreendem que justamente peloexcesso de informação que chega diaria-mente, o indivíduo sente necessidade de umaorientação para o que seja de seu maior inte-resse, por isso existe a busca crescente pormateriais mais direcionados.

A própria revistaTimerevela sua preocu-pação com o que ocorre no público de leito-res. Pesquisas mostram um crescente desin-teresse da população pelo noticiário da TV etambém nos jornais. Em décadas passadas,no início da convivência entre público e tele-visão, podia-se dizer que a maioria das pes-soas partilhava os mesmos noticiários nacio-nais na TV, além do mesmo jornal local.

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Com a nova fase da revolução mediática,o quadro já é totalmente diverso. Torna-se mais complicado querer atingir geraçõesdiferentes, públicos com repertórios diver-sos, seguindo uma mesma fórmula. Os mo-tivos para isso são bastante variados, pode-mos considerar principalmente dois fenôme-nos: o aparecimento da Internet e a televisãofragmentada que passam a atrair parcelas dapopulação.

No mercado de comunicação, as mu-danças são tantas que até o chamado horárionobre passa a ser considerado em processode extinção. A partir do momento em que asinformações circulam em tempo real na redemundial de computadores, a concentração deinvestimentos não faz mais sentido. Tanto asempresas de comunicação quanto o mercadopublicitário passam a entender que os recur-sos tendem a se dividir. Os receptores for-mam nichos separados e cada mídia é enten-dida com uma função diferenciada demons-trando que o fracionamento é a tendência.

Os dados acerca da queda nas vendas dejornais e na perda da audiência do noticiáriotelevisivo dizem respeito à população norte-americana, porque a realidade brasileira ébem diferente. Tivemos um aumento navenda dos jornais e os dados sobre o mercadode revistas são surpreendentes. Em 1995,mais de cem novos títulos foram lançados nomercado. É bem verdade que muitas não ul-trapassam o lançamento, ficando apenas nafase experimental. Mas os dados são reve-ladores porque demonstram que as publica-ções cada vez mais aderem a essa lógica dafragmentação. As revistas são veículos quepor sua natureza valorizam a multiplicidade,a formação de um público específico.

A escolha do leitor vem recaindo sobreuma informação mais direcionada, com um

pouco de exagero alguns jornalistas conside-ram que ele vem se tornando seu próprio edi-tor. Guardadas as devidas proporções, nóspodemos considerar que o crescimento depublicações direcionadas, junto com o declí-nio das grandes redes, pode favorecer a plu-ralidade dos pontos de vista.

É o que acredita a autora Lúcia Santaella(1996) quando analisa a proliferação das mí-dias. Um dos princípios para o acesso de-mocrático à informação seria a convivênciaentre as mais diversas opiniões veiculadaspor inúmeros meios, sejam de natureza igualou diferente:

Ou seja, quanto maior for o número demídias e quanto mais diferenciadas e plu-rais forem suas linhas de compreensão econstrução interpretativa dos fenômenos,mais democrática será a rede das mídias,na medida em que a multiplicidade dospontos de vista fornece ao público recep-tor alternativas de escolha entre interpre-tações diversas. (SANTAELLA, 1996:37)

Por outro lado, a própria autora reconhecea dificuldade para se atingir o ideal formu-lado. Porque a competição entre as mídiasnão se dá apenas no conteúdo ou na esferaideológica. A tendência do mercado é queas empresas de comunicação poderosas aca-bem por tragar as mais frágeis economica-mente, muitas vezes retomando sua fórmula,mas com outro padrão. Mesmo que haja au-tonomia de pontos de vista, as empresas nemsempre dispõem de iguais recursos no que serefere à tecnologia e à capacidade de investi-mento.

Em sua análise, Lúcia Santaella não con-sidera apenas a competição entre as mídias,

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mas pontua a existência da função de in-tercomplementaridade na rede formada porestas mídias, que já mencionamos anterior-mente. Como cada meio tem sua lingua-gem própria, significa que eles preenchemnecessidades também diferentes. As diver-sas funções encontradas nas mídias se repe-tem dentro de uma mesma mídia.

Segundo a autora é o que podemos perce-ber na organização de um veículo informa-tivo como o jornal impresso, por exemplo.A multiplicidade de funções pode ser com-preendida através da convivência de notícias,editoriais, reportagens interpretativas, colu-nas de opinião, enfim, as diversas linguagensque pertencem ao universo jornalístico.

Essa pluralidade é presente também noconteúdo, que é sempre organizado deacordo com as editorias correspondentes:política, sociedade (cidades ou geral), eco-nomia, esportes, ciência (nem sempre tãopresente), arte e mídia (que podem aparecerfundidas nas “variedades”). A classificaçãovaria, é óbvio; outros temas como viagem,religião, saúde (que pode ser parte de ciên-cia), beleza ou culinária, são outras opçõesdessa estrutura.

Mas pretendemos destacar o que o textodela entende como hierarquias, ou seja, ograu de importância que determinados te-mas ocupam nas empresas jornalísticas. Aautora resume bem o pensamento base de-stas empresas: “Isto é, política é muito maisimportante do que arte, economia interessamuito mais do que ciência, e assim por di-ante (SANTAELLA, 1996:40).

A opinião padrão dos veículos jornalísti-cos corresponde a essa lógica. Mas essaatitude começa a mudar. O nível de inte-resse dos leitores pelo tema tende a influ-enciar a decisão das editorias. Por isso é

notável o crescimento dos suplementos espe-cializados que passaram a fazer parte dos jor-nais diários. Seguindo a tendência de aten-der às necessidades pessoais dos leitores, asdicas sobre corpo, beleza, e outros assun-tos que sempre pareciam banais para seremabordados na imprensa passam a ser incor-porados pela linha editorial.

O jornalista Ricardo Noblat acredita quetemas como viagem e turismo, que atraemtanto o leitor, devem ser tratados no jornaldiário, não precisando esperar os suplemen-tos semanais. Segundo Noblat, comporta-mento, relacionamento familiar e todos osassuntos que interferem na vida moderna de-vem fazer parte das matérias rotineiras, as-sim como a economia e a política.

No ano passado, os assuntos mais abor-dados, nas reportagens de capa das revistassemanaisIsto é, Veja e Época, foram esote-rismo, saúde e sexo, nessa ordem. A pes-quisa demonstra mudanças profundas tantono referencial dos leitores como dos profissi-onais da imprensa no que se refere ao valor,a importância que passam a assumir determi-nadas informações. Preocupações como a deNoblat poderiam parecer bastante estranhasalgum tempo atrás: “Por que comida, que éuma coisa tão importante na vida das pes-soas, os jornais, quando dão, é uma páginaou duas, uma vez por semana?”

Na verdade, assuntos que pareciam bana-lidade invadiram a mídia de uns tempos paracá e parecem ser exemplo do que Heci Re-gina Candiani chama de “jornalismo soft”.Ela nos alerta que, celebridades, moda, de-coração, têm ocupado bastante espaço nascoberturas jornalísticas, devido a um fatorimportante: são setores que movimentam re-cursos para a mídia. A ligação cada vez mais

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forte entre a publicidade e o jornalismo re-vela mudanças perceptíveis:

(...) a substituição de uma linguagempolítica e socialmente crítica por termosmais "amenos"no noticiário; a criaçãode suplementos informativos cujo apelonada tem de factual, transformando-osem veículos imediatos para publicidade,entre outros. Atualmente, um dos prin-cipais papéis de um editor é criar suple-mentos como esse em qualquer redaçãode jornal ou revista. (CANDIANI, 2000)

“O jornalismo soft é uma zona de fronteirasem demarcação entre o jornalismo e a pu-blicidade”. É o que explica Heci Candianiquando aponta esta transformação pela qualo papel do jornalismo vem passando. Se-gundo ela, há uma outra função atrelada àsmatérias. Seguindo a noção de utilidade quea informação passou a adquirir na contem-poraneidade, as notícias passam a ser usa-das também.News you can use.É esse ojargão adotado. As dicas que são oferecidasaos leitores-consumidores consolidam a un-ião da publicidade com o jornalismo.

As críticas da autora nos servem para aler-tar se existe algum limite sobre o que sejajornalismo especializado e se pode ser con-fundido com o jornalismosoft. O jornalismoespecializado pode requerer mais estudo, serconsiderado aprofundado como é o exemplode jornalistas que têm uma formação em de-terminada área para produzirem a respeito dotema do qual estão tratando. O jornalismocientífico e o econômico, só para citar cam-pos que exigem uma linguagem e um conhe-cimento apropriados. Mas a qualidade quepode ser atingida por estas produções tam-bém pode ser conquistada pelos veículos jor-

nalísticos direcionados a temas como belezae casa.

A iniciativa de elaborar produtos informa-tivos para determinados segmentos do púb-lico não precisa ser necessariamente pautadana exploração comercial. Os temas ame-nos, ditos banais, por Candiani, tambémsão exemplos de jornalismo especializado jáque são elaborados para públicos específi-cos. A especialização destina-se tanto aotema, quanto ao perfil do receptor que se pre-tende atingir. O que nos faz concluir queas temáticas que passaram a fazer parte damídia não pretendem apenas formar nichosde mercado, elas representam os diversos re-ferenciais que existem nos receptores. In-clusive a diversidade que ocupa a mídia de-monstra o maior acesso que determinados in-divíduos estão tendo a temas antes ignora-dos. Esse é o saldo positivo que o jornalismoespecializado deve buscar, e não só inovarna temática, mas também na linguagem. Éa boa notícia: nem tudo é jornalismosoft.

7 O multifacetado mercado derevistas

“Tudo ao mesmo tempo agora” (Titãs)

O desenvolvimento de veículos informa-tivos segmentados não atende apenas à ló-gica do mercado publicitário, sendo atrela-dos ao consumismo, como nos apontou HeciCandiani, ao analisar os suplementos espe-cializados. O crescimento dessas produçõesrevela que a proposta de informação dirigidaa interesses específicos está de acordo com anecessidade do público receptor. Mas o jor-nalismo não se constitui só de matérias fac-tuais, das quais se ressentia a autora. Há

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espaço para investir em segmentos do púb-lico elaborando produções jornalísticas comtemáticas diferenciadas.

É inegável que isto facilita em muito omercado publicitário, principalmente se lem-brarmos que 91% da classe A são leitores derevistas e na classe B 72%, segundo dadosde 1994, citados por Rafael Sampaio e Car-los Sampaio (1997:81). Mas não indica umarelação direta, exclusivamente, com o con-sumo.

Muitas vezes, estas produções especiali-zadas têm um caráter de veículo alternativo,o que fica bastante evidente quando anali-samos as revistas. Nós podemos perceberque o interesse por publicações especializa-das existe tanto nas grandes e lucrativas edi-toras quanto naquelas praticamente inician-tes. Em se tratando de Internet, a possibili-dade de se investir neste tipo de informaçãoé ainda maior, e não podemos dizer que exis-tem apenas propostas amadorísticas.

Em relação à mídia televisiva o caso éinteressante. Por um lado temos a tele-visão fragmentada, da qual já falamos ante-riormente. Pretendendo atingir um públicoelitizado, podemos dizer que sua estratégiamercadológica busca investir em produçõessegmentadas.

Mas no caso do Brasil, verificamos quea televisão pública, também cria programasdestinados a temáticas diferenciadas. Ana-lisando aTV Educativae aTV Culturave-mos que uma série de programas segmenta-dos está sendo veiculada nos últimos anos.Canal Saúde, sobre medicina,Direito emDebate, sobre a área jurídica,Observatórioda Imprensa, sobre a mídia,Curta Brasilso-bre os curta-metragens brasileiros,Metrópo-lis sobre a produção cultural,Vitrine sobre

comunicação,Zoomsobre vídeo,Revista doCinema BrasileiroeDiário de Teatro.

Enquanto que essa proposta parece aindanão interessar tanto à rede aberta e privada detelevisão. Isto indica que não é somente o in-teresse econômico que está relacionado como investimento nestas produções segmenta-das. Visto que as tevês de grande alcance,ditadas pelo lucro ainda não seguem esta ten-dência.

Para definir o que é jornalismo especiali-zado, podemos considerar a observação an-terior. Ou seja, tanto a abordagem de um ass-unto específico quanto a abordagem para umpúblico específico sobre determinado temaserão considerados uma forma de se encon-trar a especialização da informação jornalí-stica. Ao menos é esta a classificação queencontramos, por exemplo, nas editoras derevistas. Existe a divisão a respeito do ass-unto de que trata a publicação ou a respeitodo público ao qual se dirige o tal veículo in-formativo.

Para exemplificar ou caracterizar o jor-nalismo especializado, creio que uma breveanálise sobre as revistas seria esclarecedor.Principalmente, porque as revistas são veícu-los informativos que têm a segmentação dopúblico como uma de suas principais mar-cas.

Como mencionamos anteriormente, con-siderando as observações de Sandra Ball Ro-keach e Melvin Defleur (1997: 134), depoisda chegada da tevê, a quantidade de revi-stas de variedades em circulação no mercadodiminuiu, por outro lado aumentou a quan-tidade de revistas especializadas. Nos últi-mos anos as revistas passam a adotar a seg-mentação como um fator preponderante emsua linguagem. O antigo lema da revistaManchete“todas as revistas numa só” soa

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um pouco ultrapassado em vista da tendên-cia atual, embora isto não signifique que asrevistas semanais de variedades estejam emdecadência.

A busca por uma identificação com oestilo de vida do leitor, por uma linguagemmais aproximada de seu universo tem preo-cupado o mercado de revistas. Ao invés donivelamento da produção informativa paraatender a um leitor médio as revistas queremse dirigir a um leitor que elas saibam commais precisão o que deseja ler em suas pági-nas. Embora, muitas vezes, as próprias edi-toras não se preocupem em classificar seustítulos adequadamente. Para isso tentaremostraçar um panorama sobre as temáticas tra-balhadas pelo jornalismo especializado, ouseja, uma tipologia destas publicações seg-mentadas.

No grupo das revistas femininas perce-bemos a especialização crescente dos te-mas. É como se dentro da classificação fe-minina existissem as genéricas, aquelas queabrangem na pauta uma gama de assuntoscomo comportamento, culinária, moda e de-coração:Nova, Cláudia, Elle, Desfile, Cria-tiva, Marie Claire, Bárbara. A variação ne-stas publicações é sobre o perfil das mulheresque pretendem atingir. O poder aquisitivo éum dos principais fatores que irão diferen-ciar as produções. Enquanto algumas revi-stas exploram em suas páginas matérias so-bre moda que denotam o alto padrão de vidadas leitoras, outras se preocupam em abordarproblemas domésticos. Ou seja, enquantouma mulher dispõe de tempo e dinheiro parausufruir os lançamentos da passarela, outraprecisa de dicas para equilibrar o orçamentocom economias na cozinha, por exemplo.

A partir destas revistas femininas se ori-ginaram os títulos específicos que tratam de

comida, comoCláudia Cozinha, e de de-coração,Casa Cláudia. A Manequim, hojeespecífica para moda e costura, tem suas ver-sões de culinária,manequim Faça e vendaede trabalhos manuais de bordados e de cro-chê, manequim Ponto Cruz, que seguem alinha de publicações comoAgulha de Ouroe Mãos de Ouro. Outra subdivisão das re-vistas femininas são as publicações deCa-pricho, Carícia, Queridae Atrevidaque temas versõesAtrevida Mini(infantil) eAtrevidaHot (interativa).

Preferimos a classificação temática, poisrevistas sobre decoração e jardinagem (BonsFluidos e Casa e jardim) são direcionadasaos interessados, não importa qual seja osexo. Culinária é um tema que interessaa leitores de revistas comoSó ReceitaseGula, e estes não são só mulheres. Para con-cluir, podemos dizer que as revistas femini-nas atendem a um segmento que contém den-tro de si temáticas especializadas.

Temas como, cuidados com o organismo,o bem estar e a aparência não dizem res-peito exclusivamente ao universo feminino,mas as revistasCorpo-a-Corpo, Saúde, BoaForma, Viver bem, Vida e Dieta Já, se uti-lizam de uma linguagem apropriada às mul-heres para cobrir esta preocupação com obem estar físico. A diferenciação nas pau-tas destas revistas é tênue, publicam infor-mações sobre ginástica e alimentação, basi-camente. Mas esta temática tem gradações,desde uma preocupação mais efetiva com asaúde até a neurose pela onda do emagreci-mento.

Um segmento que está crescendo nos úl-timos anos é a cobertura da vida das cele-bridades, que são retratadas emCaras, Isto éGente, Quem AconteceeChiques&Famosos.A característica destas publicações é a pre-

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ferência pelas fotos, ao invés da valorizaçãodos textos. A iniciativa é exibir uma imagemdos ricos e bem sucedidos, sem desmereceras revelações ou “fofocas” sobre eles.

Este tipo de informação é uma tradiçãodas revistas de bastidores sobre astros eestrelas que retratam o mundo da tevê, prin-cipalmente, prato principal deAmiga, Con-tigo, Ana Maria e Tititi . A diferença entreelas também é sutil. Podemos considerarque algumas se dedicam a um enfoque doartista na vida real enquanto outras revistasse preocupam com as agruras da personagemna ficção.

As publicações que fazem uma coberturado relacionamento e cuidado com os filhos,a gravidez e a maternidade são direcionadasaos futuros papais e mamães. As revistasCrescer, Meu Nenêe Pais&filhos cobremas dúvidas sobre este período. O curioso éque estes leitores são temporários tendo emvista que estas dúvidas serão resolvidas e ascrianças crescerão. Neste ramo de publica-ções para os pais, há também publicaçõesque abrangem a temática das crianças, emgeral, não são exclusivas sobre os bebês e,portanto, buscam estes leitores que precisamter outras dúvidas esclarecidas a respeito dafamília.

As publicações esotéricas incluem assun-tos como magia, runas, tarô, cristais, floraisde Bach, etc. Podemos incluir os títulosPla-netae Horóscopo. A temática da religiosi-dade com a publicação de revistas católicase evangélicas é outro filão deste veículo, cit-amosVindeeAleluia.

Numa temática tão extensa quantoesporte, encontraremos inúmeras publica-ções. Esta é uma matéria que sempre alcançaespaços generosos na mídia. Podemos atéconsiderar que o noticiário esportivo da

tevê é uma das primeiras experiências dejornalismo especializado. Em se tratandode revistas a especialização será ainda maisevidente. Além de uma abordagem profundado assunto, para os leitores que buscam estetipo de informação sobre o esporte que osinteressam, estas publicações se destacamainda por adequarem-se ao estilo de vidados adeptos dos esportes abordados.

Ou seja, os leitores de da revistaPlacar,sobre futebol, podem ser insatisfeitos coma cobertura deste esporte nos outros meiosde comunicação. Enquanto leitores de100%skate, por exemplo, não procuram só infor-mações sobre o esporte, mas também umaidentificação com a turma que o pratica.Então, o enfoque não é só esportivo, a cober-tura também recai sobre as roupas e a músicaque este pessoal prefere. Há uma série de pu-blicações que poderíamos listar comoHip-pussobre hipismo eScubasobre mergulho eFluir sobre surf que seguem esta ótica.

Portanto na temática esportiva, conside-ramos a ramificação dos esportes radicais eaventureiros que adotam esta postura de re-tratar um estilo de vida associado com oesporte. Por fim, o esporte é uma temáticaampla que não envolve apenas o desem-penho dos atletas e times, mas a coberturaabrange também outros assuntos envolvidoscom o tema, como as questões financeiras,por exemplo.

Assuntos como o esporte, eram tradicio-nalmente vistos como sendo de interessemasculino, mas hoje esta visão é ultra-passada. Porém revistas sobre automobi-lismo ainda são taxadas de masculinas, comoAuto esporte, Motor show, Quatro Rodase,Automóvel aventura, que une a paixão pelaaventura e por automóveis, tendo em vista,

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que essa cobertura é imbricada de valores so-bre a posição social do leitor.

As revistas eróticas também são conside-radas masculinas, já que este público é amaioria. As revistasPlayboy, Ele e ElaeSexypossuem perfis bem diferentes entre si,embora as fotos de belas mulheres seja o ass-unto principal, publicações comoPlayboymuitas vezes tem nas entrevistas, por exem-plo, uma das partes mais comentadas pelopúblico. VIP exametambém faz parte destalinha direcionada aos homens.

O jornalismo econômico vem crescendonos últimos anos, o que é compreensível, vi-sto que o tratamento destes assuntos no diaa dia de um jornalismo genérico, não iria sertão eficaz. Numa publicação específica nãohá a preocupação em simplificar os assun-tos demasiadamente para atingir um “leitormédio”, pois leitores deCarta Capital, porexemplo, já têm um contato íntimo com otema. A Exameé uma revista que deixoucrescer seus tentáculos, com a publicação deInfo Examesobre o campo da informática eNegócios examesobre a economia na Inter-net.

Diversificando um pouco esta temática daeconomia e negócios, existem publicaçõessobre emprego e relações de trabalho comoVocê S.A.e Melhor vida e trabalho. So-bre a área empresarial temos, voltada para omeio agrário,Globo rural. Para os microem-preendedores háPequenas empresas grandesnegócios.

Por fatores evidentes as publicações so-bre informática e Internet, comoRevista daWEB, e E-Commerceque trata da economiana rede, se multiplicam. Os títulos comoPCWorld, Computer World, Digital Designer,fazem matérias que só serão apreciadas porquem domina esta linguagem. Para quem

não faz parte deste meio, soará como umaescrita em língua alienígena. Tendo em vistaque a especialização é uma forma de evi-tar a simplificação necessária para que estetema ocupe espaço numa mídia que atingeum público mais abrangente.

O jornalismo científico pode ser conside-rado um dos primeiros ramos da especiali-zação. Por motivos evidentes a abordagemda ciência não poderia ter uma boa quali-dade apenas nos espaços reduzidos destina-dos pela mídia em geral.Super interessante,Ciência Hoje(que possui a versão infantil,Ciência Hoje das Crianças) eGalileuelabo-ram as matérias sobre ciência de forma apro-fundada mas sem serem herméticos, numalinguagem acessível como deve ser a jornalí-stica. Ou seja, os temas científicos e mé-dicos procuram ter sua linguagem adaptadapara um veículo informativo dirigido aos in-teressados que não precisam dominar a ter-minologia científica.

No jornalismo cultural encontramos umasérie de publicações que não tratam o temaatravés do viés acadêmico, mas são lidascomo qualquer outra disponível na banca.Bravo é uma revista que faz a coberturado meio cultural. CULT é específica so-bre literatura. Estas revistas trazem análi-ses que jamais poderiam ser profundas o ba-stante se fossem destinadas à mídia acostu-mada com resenhas de última hora, sem adevida preocupação que acompanha um veí-culo apropriado para uma permanência maisduradoura com seu público. O campo cultu-ral, por ser tão abrangente, comporta váriasramificações.

Na área de música encontramos publi-cações tão diversificadas quanto os gêne-ros musicais. Showbizzfaz a cobertura domundo pop,Cavacoé sobre samba e pa-

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gode,Rock Brigadee Roadie Crewsão so-bre heavy metal, só para citar algumas. No-vamente não se destacam apenas as matériassobre música, há um envolvimento com ouniverso do leitor, uma aproximação comsuas gírias e seu comportamento. As revistasmais direcionadas para os músicos,CoverTeclado, Cover Guitarrae Guitarre Playernão abordam só a parte técnica, ou seja, di-cas sobre o que e como tocar, mas elaborammatérias para quem é fã de determinado mú-sico, mesmo que não saiba tocar uma nota.Ainda que nesse meio haja tanta diversidade,o mercado de revistas não consegue acom-panhar com tanta eficiência quanto a Internetque é um celeiro para as produções que de-sejam cobrir os diversos ritmos musicais queexistem.

Sobre a área de cinema e vídeo, ainda te-mos publicações que abordam com mais ên-fase os filmes norte-americanos comoSet.Outras se dirigem aos produtores comoVi-deo Maker. Temos ainda, aZoome Revistade Cinema. Da mesma forma que ocorrecom a música, a Internet é quem sai nafrente, com sites específicos sobre filmes deanimação, por exemplo, ou que se dirigem àsproduções nacionais. Enfim, alargam a suacobertura para além dos limites do mercadonorte-americano de filmes.

A área de fotografia aos poucos deixa deser restrita aos profissionais e passa a ocu-par as bancas com revistas comoPhotos &imagense Fotografe melhor, função da an-tiga Íris. São nelas que os amadores ou ex-perientes da arte encontram dicas técnicas ouficam por dentro do que ocorre no mercado.

O jornalismo sobre turismo vem se trans-formando numa das fatias promissoras domercado. É o que comprovam as revistasPróxima viagem, Viagem e Turismoe Fácil

Nordeste(turismo regional). Podemos per-ceber que há uma zona de intersecção como jornalismo ambiental, neste ramo do tu-rismo, quando há uma mistura entre viagens,aventura e meio ambiente. ANational Geo-grafic, que ganhou recentemente uma versãobrasileira, possui estas características. Nalinha do ecoturismo, temos aCaminhos daTerraeFamília Aventuraé apropriada para oturismo de aventura, comoBrasil Aventura.As informações sobre os lugares, que seriamo ponto central da publicação, não são for-necidas como matérias objetivas. O textoganha um tratamento semelhante as grandesreportagens. As matérias podem ser narra-das em primeira pessoa, com comentários eaté um estilo um pouco literário. O contatomais íntimo com o leitor estende-se além daseção de cartas à redação, sendo comum ve-rificarmos a existência de seções fixas com acolaboração dos leitores que mandam fotos etextos sobre suas próprias viagens.

Algumas publicações comoArquitetura eConstruçãoe Reformar e construir, que tra-tam do tema anunciado, embora o assuntoseja específico, seu público vai desde o lei-tor que está reformando sua casa, até o enge-nheiro ou arquiteto que busca atualização naárea. De onde concluímos que estas revistasnão podem ser consideradas exclusivamentetécnicas.

Os próprios jornalistas têm o seu universoretratado nas revistasImprensae Jornal dosJornais. O que não quer dizer que só os pro-fissionais da área fazem parte do público, asociedade deseja se situar sobre o que ocorreneste campo.

Muitos títulos são dirigidos a profissi-onais, mas não são tão herméticos quenão possam ser lidos pelo resto do púb-lico. Como exemplo podemos citarNova Es-

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cola e Comunicação e Educaçãopreparadaspara professores, bem comoEnsino Univer-sitário. Estas revistas podem ser lidas pelospais e pelos próprios estudantes.

Há uma variedade de temáticas inesgotá-vel, uma série de segmentos ainda não ex-plorados.Raça Brasilfoi inovadora em suaproposta dirigida à comunidade negra.Ma-turidadepara as mulheres da terceira idade,embora não seja famosa, está há onze anosno mercado. O público homossexual encon-tra espaço agora emSui Generise Somos. Apublicação deG Magazinenos revela que asrevistas eróticas não trazem apenas as mul-heres como objeto do desejo. Os donos deanimais de estimação contam com o auxí-lio de Focinhose Au! Cães. Para quem éfanático por aviões existeAirway ou Aero-magazineassim como as revistas sobre pes-cas e barcos.

O jornalismo político muda completa-mente de perfil dependendo de quem oaborda e onde é abordado. Se nos veículosde maior circulação seu caráter é quase ho-mogêneo, nas iniciativas independentes exis-tem publicações de vários tipos. Incluí-lasou taxá-las de jornalismo político parece umpouco incoerente.Bundastrata de política,mas não exclusivamente, faz crítica socialmas através do humor. JáCaros AmigoseProblemas Brasileirosadotam um tom sério,para abordar os temas da política e outrosque afligem a sociedade. Em linhas gerais,podemos dizer que a política quando é ana-lisada por estas revistas não seguem a linhacomercial dos títulos de editoras reconheci-das. Elas são investidas de uma postura dedenúncia e conscientização.

O multifacetado mercado de revistas é umindicador de que os diversos segmentos dasociedade passaram a ser representados pela

mídia na categoria do jornalismo especiali-zado. Para aproximar-se do leitor que buscainformar-se de maneira cada vez mais pre-cisa acerca do seu campo de interesse, o jor-nalista precisa trabalhar uma linguagem queseja mais adequada a determinado tema oupúblico.

Através disso podemos notar que críticaslançadas à elaboração da mensagem jornalí-stica, por Ciro Marcondes Filho, que citamosanteriormente, perdem seu sentido. O autorreclamava da condensação a que as matériasjornalísticas são submetidas em nosso tempodevido à perseguição de um ideal de objetivi-dade. Em seu texto o autor não diferenciavaem que tipo de mídia esse problema se dava,expandindo sua crítica a todas as modalida-des de exercício do jornalismo.

Quando analisamos o jornalismo especia-lizado, vemos que a crítica do autor não sefundamenta, principalmente em se tratandodas revistas. Já que é próprio desse veí-culo o tratamento detalhado e aprofundado,e seu caráter de preservação, ou seja, a suapermanência ao lado dos leitores é maior.Enquanto que os jornais têm uma naturezavolátil porque sua absorção pelo leitor é maisrápida, sendo, portanto, um veículo apro-priado à condensação das matérias. Em quepese serem um documento para o futuro commaior força.

Dentro do quadro tão heterogêneo daspublicações especializadas, uma das carac-terísticas que podemos considerar é justa-mente uma recuperação de reportagens maiselaboradas, em cuja linguagem percebe-seuma preocupação com o lado criativo da es-crita. Não estamos dizendo que o mesmonão ocorra nas revistas semanais que tratamde temas variados e são consideradas comoapropriadas ao gosto do leitor médio. Mas

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as revistas elaboradas sobre temas específi-cos ou dirigidas a um leitor de perfil fami-liar aos editores, justamente por esses fato-res, estão livres do estilo objetivo e/ou im-pessoal que são a marca das produções quepretendem atingir uma gama indiferenciadade leitores.

O fator de aproximação com os leitores éuma outra característica que percebemos nojornalismo especializado. O leitor, por terum perfil desenhado de forma mais nítida,torna-se um alvo mais seguro para os edi-tores. Em outras palavras, as informaçõesque o leitor pretende encontrar nestas publi-cações, da forma que lhe parece melhor ade-quada, são transmitidas com provável eficá-cia pelos editores. É claro que esta não é umaregra infalível, mas sem dúvida tem sua ló-gica, se seguirmos o raciocínio que estas pu-blicações adotaram, ou seja, descobrir quemé o leitor para produzir com eficiência omaterial informativo que ele gostaria de ad-quirir. Quando pensamos nesta ligação maispróxima com o leitor percebemos que o inte-resse pela interatividade manifesta-se comouma proposta das produções segmentadas.Por ser um mecanismo bastante útil de con-struir a ponte com os leitores.

Essas características estão presentes naspublicações especializadas dos mais diversosgêneros. Portanto, são uma forma de identi-ficar o que torna a revista especializada umaforma particularizada de exercício do jorna-lismo. A densidade e profundidade no trata-mento dos temas não levam a categorizaçãode revista técnica ou coisa parecida.

Percebemos que a revista especializada éprocurada principalmente por duas razõesopostas. Para uns assumem a função deprazer, lazer, por tratarem de temas da pre-ferência do leitor. Por outro lado, nós de-

vemos considerar que estas revistas tambémavançam sobre o campo das profissões e têm,portanto, um caráter de estudo e aprimora-mento. Nesse caso, produções sobre econo-mia, por exemplo, que possuem um discursoestratégico e pontual, passam a ser uma es-pécie de termômetro do que ocorre nestecampo. Portanto, não parecem uma leiturade fim de semana.

Aliás, isso nos faz perceber outra questão:o jornalismo especializado sente-se tentadoa abordar os temas segundo uma linguagemespecífica. Ou seja, usando termos e ex-pressões predominantes no universo do leitordaquele tema. Mas quando esta linguagem érecebida em outras esferas pode ser conside-rada alheia. Em termos, isso acontece devidoà especificidade que é adotada como um re-curso para abordar os leitores, mas não é bemvindo porque o jornalismo não deve se tornarhermético.

A diferença principal que percebemos nojornalismo especializado é que ele não éexercido sobre a lógica da compressão, criti-cada por Ciro Marcondes Filho. Nilson Lage(1979: 96) considera que no jornalismo es-pecializado a dedicação a temas específicose a proximidade com o universo do leitor é opróprio eixo da publicação:

Na revista especializada, por fim, a cate-gorização do público e do assunto presidea organização estilística. Este processode tomar os fatos como significantes deuma essência adquire aí uma condiçãoaxial: é o próprio eixo do tratamento tex-tual. (...) Tudo isto irá compor com a in-tenção fundamental de jamais esgotar oassunto. Numa revista para jovens mães,deveremos escrever mil textos sobre cada

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coisa, fraldas ou chupetas. (LAGE, 1979:96)

O autor prossegue seu comentário a res-peito das inúmeras matérias que poderiamser geradas sobre fraldas e chupetas, isto si-gnifica que as publicações segmentadas po-deriam ser consideradas como nichos para osleitores se forem observadas fora do contextode interesse, ou seja, elas justificam sua exis-tência porque são elaboradas para atender àsnecessidades específicas dos leitores.

É por isso que mesmo publicações ex-cessivamente especializadas não esgotam oassunto para os leitores, como temia Nil-son Lage. As revistas comoAu!Cãessobrecachorros eOs noivos, sobre o futuro ca-samento demonstram isso, por mais que seimagine o que tanto se pode falar a respeito,os números se sucedem.

A facilidade no contato com o público e,principalmente, a possibilidade de aprofun-dar a mensagem, aspectos do jornalismo es-pecializado, irão ser absorvidos pela mídiatelevisiva e a mídia on-line quando buscaminvestir nesta linha. A interatividade será ofator que se somará a estas características.

É claro que será mais fácil para a mídiaon-line desenvolver esses dois aspectos, étalvez por isso que iniciativas mal sucedidasna versão impressa alcançaram seus objeti-vos na versão feita para a Internet. Seriaaté enfadonho listar as produções especiali-zadas que são encontradas na rede mundialde computadores, valendo salientar que nãosão amadorísticas e de curta duração. Em-bora o veículo possa parecer informal masexistem propostas que perduram há anos naweb com credibilidade.

Mas estas iniciativas também surgem nojornal, o veículo conta com a publicação de

Gazeta MercantileValor Econômico, Jornaldos SportseLance!

Através das considerações sobre o jorna-lismo especializado esperamos ter demons-trado que este é uma tendência crescente quedeveria ser melhor observada no contexto deanálise da mídia.

8 Conclusão

“Não tenho tempo a perder, só quero saberdo que pode dar certo” (Titãs)

Sandra Ball-Rokeach e Melvin Defleur(1997: 158-9) relacionam a crescente espe-cialização na mídia com o princípio básicode Émile Durkheim. O sociólogo defendiaa teoria de que os organismos ao cresceremse tornam mais diferenciados e complexos.Da mesma forma, segundo os autores, é oque ocorre na sociedade mediática. À me-dida que os progressos tecnológicos na áreade comunicação atingem um enorme grau deevolução a tendência é os veículos de comu-nicação se tornarem mais especializados.

Com a evolução dos meios de comuni-cação, a Sociedade da Informação necessitase relacionar com a produção informativa deforma mais direcionada. Já que o excessode informações disponíveis com o avançoda tecnologia pode comprometer o seu apro-veitamento qualitativo. A sensação de ator-doamento com o bombardeio de informaçõesa que temos acesso nas últimas décadas nosleva a procurar uma maneira de organização,de seleção mais eficaz do material informa-tivo. Neste sentido, podemos dizer que ojornalismo especializado pode cumprir estafunção.

Somente a rapidez e a quantidade de notí-cias não parece um modo satisfatório de

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atrair o receptor, pois agora é necessário queessa informação tenha uma identidade. Nãopretendemos defender a idéia de que o furojornalístico ou de que a manchete bombá-stica perdeu o magnetismo para o público,o que no mínimo seria uma insanidade denossa parte.

Percebemos, porém, mais diversidade noestilo e no tratamento do material informa-tivo, o que pode contribuir para uma origi-nalidade cada vez maior destas publicações.A proliferação ou o excesso não são os úni-cos fenômenos, mas também a diferenciaçãodos discursos. A oportunidade de trabalharcom diferentes conteúdos através de diferen-tes linguagens nos mostra que há um alarga-mento no campo de atuação para os jornali-stas.

Se por um lado a mídia torna-se mais he-terogênea, essa mudança ocorre ao mesmotempo em que os conglomerados de comu-nicação buscam se fundir. Ou seja, as pro-duções segmentadas e os exemplos de jorna-lismo especializado são uma representaçãoda diversidade existente na sociedade. Masa mídia que oferece um conteúdo informa-tivo diferenciado, ampliando as possibilida-des de escolha do público participa da lógicade concentração das empresas. Enfim, signi-fica que existe uma convivência entre a de-mocratização de alternativas, na perspectivado receptor, e o projeto de monopolização,na visão do emissor.

Queremos aqui enfatizar que não se deveabandonar a perspectiva crítica ao observara tendência da segmentação. Mesmo acre-ditando que trabalhar a informação para púb-licos específicos colabore para um maioraprofundamento do conteúdo e até incen-tive a originalidade, não podemos deixar deperceber que esta diferenciação de discur-

sos não exclui a “monopolização”. Pois, separa os receptores há heterogeneidade, parao emissor existe a busca pelo controle da mí-dia.

No entanto, se não devemos ser excessi-vamente otimistas com a estratégia da seg-mentação tampouco podemos admitir des-crédito nestas iniciativas. Por isso levamosem consideração as produções independen-tes e não apenas aquelas que fazem partedas grandes empresas de comunicação. Emambas, nós percebemos as características deproximidade com o leitor, aprofundamento eoriginalidade.

A concentração da mídia na mão de pou-cas empresas é preocupante, mas nem sem-pre decisiva na elaboração do produto infor-mativo. Na realidade este problema ultra-passa questões da comunicação e alcança ocampo econômico. Os conglomerados damídia podem interferir na democratização daescolha do público, já que possuem a vanta-gem de deter maior poder de investimentos,mas não anulam as oportunidades das mídiasindependentes em participar da decisão doreceptor. Creio que a contribuição de LúciaSantaella a respeito já nos esclareceu. Então,independente da concentração das empresas,há uma maior pluralidade de vozes sendo ex-postas. A segmentação é o reconhecimentode que existem públicos diferenciados, nãoapenas uma massa.

É nesse aspecto que reside a importânciado jornalismo especializado, enquanto opor-tunidade de trabalhar um linguagem que nãopossui o caráter homogêneo que tenta se ad-aptar a um padrão médio. É isto que perce-bemos nas produções segmentadas, cada veí-culo constrói uma linguagem e busca uma in-timidade com seu público investindo em suatemática específica.

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A especialização beneficia a elaboraçãodo conteúdo informativo, ao mesmo tempocolabora para uma construção do discursomais apropriada ao receptor. As críticas so-bre o aspecto homogêneo e condensado dostextos que comprometeriam a originalidadeda linguagem jornalística são colocadas emcheque no jornalismo especializado. Por suacapacidade de aprofundamento e pela pos-sibilidade de ligar-se ao público com umamaior intimidade, essas produções jornalísti-cas podem ter ousadia e, conseqüentemente,serem mais criativas.

A formação profissional precisa atenderestas necessidades de trabalhar a informaçãode maneira mais aprofundada. Ao invés decontinuar a incentivar uma profissionaliza-ção baseada em básicos conhecimentos ge-rais. O jornalista necessita, portanto, de umapreparação que contemple a especializaçãono mercado jornalístico.

Uma das principais contribuições que de-vemos ressaltar na tendência de desenvolvi-mento do jornalismo especializado é a valo-rização de temas que antes seriam considera-dos de menor importância. O jornalismo es-pecializado, enfim, colabora para expressaros diferentes pontos de vista existentes na so-ciedade. Não é apenas o tema, antes sem en-foque que ganha o seu lugar. A própria visãode mundo dos públicos diferenciados encon-tra no jornalismo especializado a oportuni-dade de ser evidenciada.

Afinal, ao trabalhar com uma informaçãoque visa atender os determinados segmentos,o jornalismo especializado substitui o hábitode elaborar uma mensagem sem identidade,apenas baseada no modelo padrão de recep-tor. Os jornalistas passam então a valorizarestes receptores como pessoas com expecta-tiva e interpretação própria das informações,

ao invés de elaborar uma mensagem para amassa, termo que com o tempo torna-se cadavez mais pejorativo.

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