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Boletim ABIA Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS |Novembro de 2008| n º 56 Respostas Religiosas Respostas Religiosas Respostas Religiosas Respostas Religiosas Respostas Religiosas à epidemia de AIDS à epidemia de AIDS à epidemia de AIDS à epidemia de AIDS à epidemia de AIDS EDIÇÃO ESPECIAL A resposta religiosa à epidemia de AIDS em Pernambuco AIDS, religiões e políticas públicas Desafios religiosos a adesão 8 10 4

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Boletim ABIAA s s o c i a ç ã o B r a s i l e i r a I n t e r d i s c i p l i n a r d e A I D S |N o v e m b r o d e 2 0 0 8 | nº 56

Respostas ReligiosasRespostas ReligiosasRespostas ReligiosasRespostas ReligiosasRespostas Religiosas à epidemia de AIDS

à epidemia de AIDS à epidemia de AIDS

à epidemia de AIDS

à epidemia de AIDS

EDIÇÃO ESPECIAL

A resposta religiosa à epidemia de AIDS em Pernambuco

AIDS, religiões e políticas públicas

Desafios religiosos a adesão

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oucos países do mundo apresentam um impacto tão complexo da religião e das organizaçõesreligiosas na resposta ao HIV/AIDS como o Brasil. Em números absolutos, é o país com o maiornúmero de pessoas declaradas católicas, ainda que exista uma grande diversidade religiosa.Como expressão desta diversidade, o sincretismo religioso cria uma relação entre as religiõesafro-brasileiras e cristãs, além de nos anos mais recentes ter surgido no Brasil um dos movimentosevangélicos mais intensos do mundo.

Buscando entender as várias redes que compõem essa paisagem religiosa no Brasil e aheterogenia no movimento de AIDS brasileiro, o projeto Respostas religiosas à AIDS no Brasilutiliza um desenho multicêntrico nas cidades de Brasília, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro eSão Paulo. Em cada cidade, os pesquisadores têm coletado histórias orais de lideranças religiosase instituições que tiveram um papel significativo no movimento contra a AIDS. Temos produzidodados através de observação e participação em eventos religiosos e continuamos fazendolevantamentos bibliográficos em centros de documentação relacionados ao tema.

Religiões Brasileirase suas Respostas à AIDS no Brasil:as ações institucionais para enfrentamento doHIV/AIDS nas tradições católicas, evangélicas eafro-brasileiras.

Por VerianoTerto Jr1, MiguelMuñoz-Laboy2,

Jonathan Garcia1,2,Ivia Maksud1, Vera

Paiva3, CristianeGonçalves3, Vagner

de Almeida1,2, LuisFelipe Rios4,

Fernando Seffner5 eRichard Parker 1,2

1Associação BrasileiraInterdisciplinar de AIDS -

ABIA, Rio de Janeiro, Brasil,2 Columbia University, New

York, United States,3 Universidade de São Paulo

- USP, NEPAIDS,São Paulo, Brasil,

4 Universidade Federal dePernambuco - UFPE,

Programa de Pós-Graduaçãoem Antropologia,

Recife, Brasil,5 Universidade Federal do

Rio Grande do Sul,Programa de Pós-Graduação

em Educação,Porto Alegre, Brasil

ARTIGO

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Os dados coletados para aelaboração deste artigo

resultam da pesquisaRespostas Religiosas ao HIV/

AIDS no Brasil (Projetofinanciado pelo U.S. National

Institute of Child Health andHuman Development,

1 R01 HD05118.Principal Investigador:

Dr. Richard Parker - ColumbiaUniversity).

O estudo, de abrangêncianacional, é realizado em

quatro sítios específicos, nasseguintes instituições e com

os respectivos coordenadores:Rio de Janeiro (Associação

Brasileira Interdisciplinar deAIDS/ABIA - Dr. Veriano Terto Jr.);

São Paulo (Universidade deSão Paulo/USP - Dra. Vera Paiva);

Porto Alegre (UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul/UFRGS - Dr. Fernando Seffner) eRecife (Universidade Federal

de Pernambuco/ UFPE -Dr. Luís Felipe Rios).

Informações adicionais sobreo projeto podem ser obtidas

pelo [email protected]

ou através do sitewww.abiaids.org.br.

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O projeto estuda as relações entre trabalhoprogramático relacionado a AIDS — preven-ção, tratamento, assistência e ativismo — e asinstituições religiosas, levando em conta suasdoutrinas e organização estrutural. O métodoprincipal de coleção de dados nesse estudo,que se iniciou em maio de 2005 e vai até 2010,tem sido a etnografia institucional das tradi-ções católicas, evangélicas e afro-brasileiras, ebusca examinar os papéis dessas organizaçõesna resposta brasileira à AIDS. Até hoje desen-volvemos sete estudos de caso e realizamos405 entrevistas de profundidade (44% commulheres e 56% com homens). Nos primeirostrês anos de pesquisa documentamos oimpacto da religião na luta contra AIDS. Aanálise preliminar dos dados evidencia que —tal como as políticas governamentais — aresposta religiosa tem sido uma considerávelforma de confronto à epidemia, apesar daspolêmicas envolvendo os dogmas religiosos eos dados científicos. Além disso, a AIDS abriuum espaço para movimentos ecumênicos nummomento de ampla mobilização social, comoas respostas a AIDS têm exigido.

Nossos achados, ainda parciais, demons-tram que, no Brasil, o Estado (especialmente oPrograma Nacional de DST e Aids) temtrabalhado junto com instituições religiosasusando um modelo de “pluralidade” eoportunidade para trabalhos conjuntos, em vez

de criar uma separação entre as duas esferas.Em São Paulo, temos focado a observação emum grupo de trabalho ecumênico, no qual lide-ranças religiosas (incluindo representantes dastradições de candomblé, umbanda, protestan-tes e católica) reúnem-se para discutir assuntosrelacionados a AIDS. Neste grupo de trabalho,é possível observar as complexas relações entreONG, raça, sexualidade, religião e HIV.

Os resultados revelam ainda sobre comosistemas de crenças, fatores organizacionais,redes e relações comunitárias têm moldado aresposta das instituições religiosas à epidemiade HIV/AIDS. A metodologia de construção eanálise dos estudos de caso nos permiteconhecer as diversas formas de resposta a partirde vários ângulos, incluindo sexualidade egênero, representações do corpo e alma,negociação entre diferentes tipos de estruturasorganizacionais e hierarquias. Estes sãoexemplos de conceitos e categorias que estãosendo usados para construir uma análisecomparativa.

Nos próximos dois anos, completaremosa coleta de dados etnográficos e continuaremosa análise comparativa para compreender asintervenções potenciais e estratégias quecaracterizam a inserção das instituiçõesreligiosas nas diferentes formas programáticasda resposta a AIDS no Brasil, porém, semperder de vista os debates globais sobre estas.

ARTIGO

“A análisepreliminar dosdados evidenciaque — tal comoas políticasgovernamentais— a respostareligiosa tem sidouma considerávelforma deconfronto àepidemia,apesar daspolêmicasenvolvendo osdogmasreligiosos e osdados científicos.“

Desde o início da epidemia, organizações religiosas desempenham papel central na respostaao HIV/AIDS no Brasil. Nessa edição especial do Boletim ABIA, trazemos alguns resultadosobtidos pela pesquisa. Entre os textos e entrevistas apresentadas nessa edição, privilegiamosos textos escritos pelos alunos bolsistas do projeto com o intuito de estimular e contribuircom a formação de jovens pesquisadores na área da saúde, religião e HIV/Aids. Esperamosque as informações e questões aqui abordadas contribuam para o debate intersetorial einterdisciplinar tão necessário em se tratando da epidemia de HIV/Aids e os desafios impostosaos diferentes setores da sociedade.

EDIÇÃO ESPECIAL DO BOLETIM ABIA

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A Resposta Religiosa à Epidemiade AIDS em Pernambuco:

Por CinthiaOliveira1, David

HandersonCoelho2 e Luís

Felipe Rios3

1Graduanda emPsicologia pela UFPE/Lab-

ESHU2Graduando em

Psicologia pela UNICAP/Lab-ESHU

3Doutor em SaúdeColetiva, Coordenador do

Lab-ESHU/UFPE

esde o surgimento da epidemia de AIDSno Brasil, muitas foram as mobilizações nosentido de conter o avanço do vírus. No quetange à resposta religiosa em Pernambuco,nos propomos, nesse curto texto, a pontuarelementos-chaves no delineamento dos cami-nhos tomados, e desafios que se impuseramao longo dos vinte e poucos anos de epidemia.Nossa proposta é que o percurso da históriada epidemia possa nos iluminar na busca deavanços para uma melhor compreensão doque representa o HIV/AIDS para as pessoas,nos âmbitos individual e populacional, e ainda,qual o papel dos religiosos no seu enfren-tamento.

Os representantes das religiões afro-brasileiras foram os primeiros a seremchamados pela Secretaria Estadual de Saúdepara o diálogo sobre o HIV/AIDS, em funçãodo uso da navalha nos seus rituais. Em virtudedas intervenções, a assepsia da navalha, e/ouseu uso individualizado, foram introduzidoscomo regras de higiene/prevenção durante oprocesso ritual, como afirma a maioria dos sacer-dotes dessas religiões. As questões referentesà sexualidade vieram em seguida. O trabalhode conscientização acerca do HIV/Aids, junta-mente com a distribuição de preservativos, éfacilmente aceito, mas carece de uma melhorarticulação para alcançar um número maior deCasas de Santo.

Os evangélicos, com as suas maisvariadas ramificações de condutas cristãs,possuem uma diversidade de posiciona-mentos e ações em relação à atenção ao soro-positivo. Há aqueles que se propõem a curar aAIDS através da fé e a consideram como umcastigo de Deus. Há os que não se propõem àcura, mas apenas a acolher o pecador. Há, ainda,os que não relacionam o fato de estar infectadoao pecado, mostrando, de certa forma, umacolhimento realmente sem estigmas.

No campo da prevenção a diversidade deposições também é grande. Há os que semostram em opiniões contrárias à perspectivagovernamental que enfatiza a camisinha como

principal meio da prevenção e há, ainda, osque comungam positivamente da idéia. Todavia,todos parecem concordar num ideal de castidadepara os solteiros e fidelidade para os casados, masos que aceitam a entrada da camisinha no coti-diano sexual das pessoas dizem reconhecer adiferença entre real e ideal.

A Igreja Católica tem uma posição oficialcontra a camisinha. É bem verdade que, emdias atuais, se começa a delinear novas discus-sões, ao menos, quanto ao uso de camisinhapara os casais sorodiscordantes. No entanto, ossacerdotes entrevistados apresentam umavariação de posicionamentos sobre a questão.A perspectiva da diferença entre real e idealfoi recorrente. No que concerne à atenção, oacolhimento e o cuidado ao soropositivo paraalém da condição de pecador, também se fezpresente entre os entrevistados dessa insti-tuição religiosa.

Em comum, há entre as três matrizesreligiosas — afro-brasileira, católica e evan-gélica — a responsabilização das pessoas pelosseus atos e também a implicação de cada umno quesito prevenção. Seja pela via da absti-nência/fidelidade ou pela do uso do preser-vativo nas interações sexuais.

Os maiores desafios que ainda se impõem,sem dúvida, estão relacionados à dificuldade,de uma vez unidas, as religiões traçarem metascomuns para prevenção. Em uma das devolu-tivas do projeto, onde reunimos fiéis das trêstradições para discutir a resposta religiosa àepidemia, viu-se que, vencer fundamenta-lismos e proporcionar aberturas ao diálogoforam nossas maiores dificuldades. Num planomacro, imaginamos que unir, portanto, essasreligiões, numa resposta dialogada e articulada,ainda constitui um desafio para as autoridadesde saúde e organizações da sociedade ativa.

O que se pretende aqui enfatizar não é aunificação das crenças e valores das referidasreligiões, e sim, uma postura única, que viseem primeiro lugar a saúde e bem estar deseus seguidores, contribuindo assim para asaúde pública da sociedade em modo geral.

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ARTIGO

“ Em comum, háem entre as três

matrizesreligiosas – afro-

brasileira, católicae evangélica — a

responsabilizaçãodas pessoas

pelos seus atos etambém a

implicação decada um no

quesitoprevenção.”

Caminhos e Desafios

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Por Carolina Terra,Luana Emil eMarcello Múscari1

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Respostas religiosas àAids no âmbito local:

analisando ações no município de Pelotas

1 Acadêmicos da UFRGS ebolsistas de IniciaçãoCientífica do ProjetoRespostas Religiosas à Aids,Campo de Porto Alegre,sob a orientação técnica doProf. Dr. Fernando Seffner.

município de Pelotas está localizado na regiãosudeste do Rio Grande do Sul, com uma populaçãoaproximada em 340.000 habitantes. Nele, estamosdesenvolvendo um estudo de caso no âmbito doProjeto Respostas Religiosas ao HIV/Aids no Brasil. Oobjetivo é perceber a presença, os conteúdosespecíficos e a importância (ou não) de fatoresreligiosos nas relações entre os diferentes atoressociais que constroem a resposta local à Aids. Estaresposta comporta atores que podem ser organizadosem três campos: a) o campo do poder público,representado em especial pelo Programa Municipal deDST/Aids de Pelotas, criado em 1998, e com vínculoscom o SAE; com o CTA, HD e PRD; b) o campo dasociedade civil, composto em especial por quatro ONG/Aids: Vale a Vida, Gesto, Pastoral de DST/Aids (da igrejacatólica) e Olojukan (organização africanista); c) nocampo religioso temos duas modalidades de ação. Demodo mais disperso e fragmentado, estão envolvidosno combate à epidemia alguns agentes vinculados àreligião católica, as evangélicas tradicionais, aos neo-pentecostais, a afro-brasileira e a espírita kardecista.De modo formal, as instituições com pertencimentoreligioso envolvidas na resposta local à Aids são acatólica, com a Pastoral de DST/Aids; a IgrejaUniversal do Reino de Deus, por conta de algunspastores; a Igreja Anglicana, que atende criançassoropositivas em uma creche; e a afro-brasileira, coma ONG Olojukan.

Entre os atores destes três campos se estabeleceuma rede de ações e cuidados voltados à Aids. Nela, foipossível identificar alguns pontos de tensão, parceriae negociação. A análise dessa trama de relações é feitacom base nas falas dos informantes, que manifestamtanto elementos que envolvem possibilidades deparcerias, quanto elementos que envolvem divergênciade opiniões e exigem negociação entre os agentes.

Divergências entre os atores religiosos e nãoreligiosos se dão em geral nas práticas/discursos deprevenção. As religiões não abordam a prevençãosomente pelo prisma biomédico — como faz o poderpúblico, com uma abordagem de caráter não-restritivoà sexualidade, trabalhando com a idéia de que o sexo é

possível, a qualquer momento, com a pessoa que sequiser, seja ela do sexo que for desde que seja seguro elivremente consentido. As religiões incorporam naprevenção diferentes concepções de sexualidade, dedoença, de cura, de compromisso amoroso econstituição familiar, o que gera tensões com ospreceitos da política pública de saúde.

Pontos de convergência se dão em geral naspráticas/discursos de tratamento, visto que oreferencial biomédico tem considerável peso mesmoentre as religiões. O tratamento antiretroviral éamplamente reconhecido como essencial e o papel dareligião frente à doença, então, é confortar, acolher, fazeraceitar e promover a “cura espiritual”. Essa convergên-cia se dá porque os papéis desempenhados, pelo trata-mento e pela religião ao lidar com a doença, não colidem.Um é responsável pelo corpo, o outro, pelo espírito.

Diferentes moralidades e discursos coexistemnum regime de negociações, o que também se explicapelo fato de que muitos agentes operam em mais de umcampo, por força de pertencimento profissional eengajamento voluntário, configurando uma situação de“trânsito” de agentes. Isso implica tolerância, viabili-zando o trabalho conjunto, ou, ao menos, simultâneo.Um exemplo são os agentes da Pastoral de DST/Aidsque em suas palestras dão informações sobre o uso dacamisinha, indicam postos de saúde, mas não distri-buem preservativos, nem “incentivam” o uso.Conseguem, portanto, referenciar essa forma de preven-ção sem ir de encontro às regras ditadas pela suahierarquia dirigente.

As maneiras pelas quais se combate a Aids sãovariadas, mas a importância dessa luta faz que se aceitemas diversas formas de combater, pois a causa é comum.Por mais que discordem de práticas e discursos, otrabalho do outro é sempre visto como ajuda, apoio –por todos os lados. Esta pesquisa vem explicitando acomplexidade das relações entre as instituições decombate a Aids e entre seus agentes. Assim, aespecificidade da resposta local em Pelotas se dá pelointrincado arranjo de ações e pelas tensões que surgemdevido aos múltiplos pertencimentos dos atoresenvolvidos na luta contra a epidemia.

ARTIGO

O papel dareligião frenteà doençaé confortar,acolher, fazeraceitar epromover a “curaespiritual”.

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da resposta Católica à AIDS

Por Luana Emil1,Acadêmica da

UFRGS

Casa Fonte Colombo: quase 10 anos de acolhidaa pessoas vivendo com HIV/AIDS em Porto Alegre

O Global e o Local

ARTIGO

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artimos da constatação de que a respostanacional à epidemia de Aids contou desde o início coma participação da sociedade civil organizada, tendocomo parcela específica desta as organizaçõesreligiosas. Essa participação tem sido cada vez maisincentivada por organizações internacionais, como aUnaids, e nacionais, principalmente na figura doPrograma Nacional de DST e Aids – Ministério daSaúde.

Os dados sobre pertencimento religioso docenso de 2000 no Brasil apontaram, por um lado, oaumento entre fiéis neo-pentecostais e entre os que sedenominam “sem religião”, e por outro lado, mostraramque há manutenção da constante redução no númerode fiéis do catolicismo. Estes dados têm sido inter-pretados como conseqüência da inadequação do cato-licismo ao movimento de modernização da sociedadebrasileira. Neste sentido é exemplar a “controvérsia”acerca do uso da camisinha, refletindo o “atraso” docatolicismo frente à “modernidade” brasileira e astendências internacionais. A repercussão da declaraçãodo Papa Bento XVI a respeito do uso de preservativoem sua visita ao Brasil, confrontada com a pesquisaIBOPE/Católicas pelo Direito de Decidir, realizada entre2006 e 2007 com jovens acima de 16 anos (disponívelem http://www.ibope.com.br/opiniao_publica/downloads/opp008_cdd_mai07.pdf ), mostrou oelevado percentual de indivíduos que se declarampraticantes católicos e que utilizam e apóiam o uso dopreservativo, foi lida também como demonstrativa deuma cisão entre duas tendências do pensamentocatólico: uma global, que reflete a posição da hierarquiacatólica, e outra local, que pode ser observada emalgumas ações pastorais.

Buscando investigar como se produzem respos-tas religiosas a epidemia de Aids no país, foi possívelidentificar como se relacionam essas duas tendênciasdo universo católico em um contexto específico. Acom-panhamos por dois anos as celebrações e as atividadescotidianas dos voluntários, usuários e coordenadores

dos serviços da Casa Fonte Colombo, auto-intituladaum Centro de promoção da Pessoa Soropositiva (http://www.capuchinhosrs. org.br/fontecolombo/), dirigidapela ordem dos Freis Menores Capuchinhos em PortoAlegre. As atividades da casa incluem o acolhimento ea assistência aos portadores de HIV bem como as açõesde prevenção à Aids.

Conquistas Locais do CatolicismoFrente a Epidemia de HIV/AIDS

“Colaborar”, é a palavra que, segundo os Freis,resume a intenção dos Capuchinhos ao se envolveremno mundo na Aids. Ao remontarem a história dessetrabalho apontam o surgimento de uma necessidadeimposta pelas condições da doença.

“ A Província dos Frades Menores Capuchinhosdo Rio Grande do Sul, atenta a realidade, ouviu o apelode marcar presença junto aos portadores de HIV e suasfamílias.” Frei Lunardi (Boletim informativo Abril/2000- Ano 1 – n1).

Percebido esse apelo, e ainda sem muitasinformações, a primeira tentativa de trabalho foi demontar uma casa de passagem, com serviço de acolhidae hospedagem aos portadores de HIV, que possivel-mente viriam do interior à capital para fazer exames ereceber atendimento médico. No entanto, essa inves-tida não se mostrou eficaz e dois fatores colaborarampara isso: com a municipalização da saúde, a maioriados portadores começou a ser atendida regionalmente,assim não tendo mais a necessidade do deslocamentoà capital. Segundo, o acesso ao tratamento implicouuma queda na taxa de mortalidade, permitindo que aspessoas passassem a viver com Aids. Assim, os Freisre-elaboram o projeto e em 1999 fundam a Casa FonteColombo.

Acompanhamos desde 2006 as celebrações e asatividades cotidianas dos voluntários, usuários ecoordenadores dos serviços da Casa Fonte Colombo.A Casa se localiza próxima a uma região de prostituição

“A Casaatende indivíduos

muito empo-brecidos,

podendo-seafirmar que, no

universo deONGs/Aids da

cidade de PortoAlegre, ela

representaatualmente a

instituição quelida com a

demanda dapopulação maisvulnerável. Essa

característicaestabelece um

diferencialpositivo na

relação com osprogramas de

Aids”.

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da cidade, no limite entre uma zona industrial e umazona comercial. O prédio, olhado de fora, não temnenhuma identificação, poderia ser o estoque dealguma empresa, no entanto ao entrarmos parece ointerior de uma clínica. Numa segunda vista perce-bemos os símbolos católicos que em nada diferem dossímbolos encontrados em muitos hospitais públicosno Brasil, crucifixos e quadros com imagens, princi-palmente de São Francisco.

Das práticas locais de acolhimento

Os usuários, assim são habitualmente chamadosos portadores do HIV/Aids que buscam os serviços daCasa, ao chegarem pela primeira vez recebem umacolhimento e posteriormente é feita uma ficha comseus dados. A Casa atende indivíduos muito empo-brecidos, podendo-se afirmar que, no universo deONGs/Aids da cidade de Porto Alegre, ela representaatualmente a instituição que lida com a demanda dapopulação mais vulnerável. Essa característicaestabelece um diferencial positivo na relação com osprogramas de Aids.

Conquistas Globais do CatolicismoFrente à Epidemia de HIV/AIDS

Embora as atividades da Casa Fonte Colomboestejam mais diretamente ligadas à assistência aosportadores do HIV, a ação dos Freis no mundo Aidsnão para por aí, é defendida também a necessidade detomada de posições políticas, sendo essas expostaspara dentro e fora da Igreja Católica. A partir disso tem-se conseguido avanços no âmbito católico global.

• As conquistas dentro da Igreja Católica partemdo importante marco do Concílio Vaticano II (1965).Apenas a partir deste que a Igreja Católica foi capaz dese reconciliar com a modernidade. Gaudium et spes,constituição pastoral editada neste Concílio, inaugurauma nova visão do homem e uma nova atitude dianteda cultura.

• Outro importante e simultâneo acontecimentofoi o desenvolvimento da Teologia da Libertação, quefaz com que a Igreja Católica assuma o compromissocom as classes populares. Esses dois fatoresimpulsionam a igreja a assumir a defesa dos direitoshumanos.

• Mais recentemente a Carta de Aparecida,documento da CELAM, faz menção à Aids e reconhecea importância da Pastoral de DST/Aids, facilitando ostrabalhos locais já existentes e impulsionando novos.

“421.Deve-se, portanto, estimular nas Igrejaslocais a Pastoral da Saúde que inclua diferentes campos

de atenção. Consideramos de grande prioridadefomentar uma pastoral com pessoas que vivem com oHIV/Aids, em seu amplo contexto e em seus significadospastorais: que promova o acompanhamentocompreensivo, misericordioso e a defesa dos direitos daspessoas infectadas; que implemente a informação,promova a educação e a prevenção, com critérios éticos,principalmente entre as novas gerações para quedesperte a consciência de todos para conter a pandemia.A partir desta V Conferência pedimos aos governos oacesso gratuito e universal aos medicamentos para aAids e a doses oportunas.”

• Em 30 de Abril de 2008 acontece o PrimeiroEncontro de Líderes Cristãos da América Latina emResposta ao HIV e Aids, evento realizado emCochabamba, Bolívia. A partir desse encontro éformalizada uma reação cristã à epidemia de Aids emnível continental.

Nossa observação e acompanhamento permitepensar a Casa como produtora de uma nova culturaacerca da Aids, em particular acerca da prevenção à Aids.As ações e escritos que derivam da Casa acarretam umamultiplicação na produção de sentidos sobre a Aids, ese caracterizam por seu caráter propositivo. Cadasituação nova que aparece na Casa, trazida pelosusuários, alimenta uma reflexão que procura encontrara melhor saída. Na Casa Fonte Colombo o diálogo comos usuários parece servir mais para multiplicar asperguntas em torno da Aids e trazer elementos paranovas reflexões no interior do pensamento católico,originando daí um conjunto de conhecimentos eafirmações que estamos designando de teologia daprevenção. E esta modifica também o mundo Aids,trazendo novas estratégias para lidar com a epidemiaem nível local e global.

1 Acadêmica da UFRGS ebolsista de IniciaçãoCientífica do ProjetoRespostas Religiosas à Aids,Campo de Porto Alegre,sob a orientaçãotécnica doProf. Dr. Fernando Seffner.

“ As ações eescritos quederivam da Casaacarretam umamultiplicação naprodução desentidos sobrea Aids, e secaracterizampor seu caráterpropositivo. “

Foto: Casa Fonte Colombo/RS

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Técnica de prevenção no núcleo de atenção básica do Centro de Referência eTreinamento em DST/AIDS do Estado de São Paulo, Paula de Oliveira e Souza

coordena um grupo que reúne lideranças religiosas de diferentes credos. Todos commesmo pensamento de colaborar na luta contra a AIDS. Em entrevista para o boletim

ABIA, Paula fala sobre o trabalho do grupo e mostra que a solidariedade não podeestar restrita ao nosso meio, mas sim a toda sociedade.

“AIDS , Religiões ePolíticas Públicas”

Com Paulade Oliveira e

Souza,técnica de prevenção

no núcleo deatenção básica

IDÉIASTROCANDO

“As críticas domovimento para

cima dessesgrupos gera uma

solidão muitogrande, pois a

pessoa não podefalar na igreja e é

criticada pelomovimento.”

“O fato de discutira diversidade

sexual nãosignifica que eu

tenha queescolher um sexo.

O mesmo valepara a religião.”

1) Como começou o trabalho do grupo de trabalhoHIV e religião?No início do programa havia um grupo inter-religioso,mas com o passar do tempo o grupo parou. Depois, oPai Celso procurou a prefeitura para capacitação masnão conseguiu ir adiante. Procurou o Estado e teve apoioda Maria do Carmo Salles Monteiro. Nessa época entreino núcleo de atenção básica e organizamos umacapacitação. O Celso participava do Compasso, umgrupo que atuava na Assembléia Legislativa e buscavadesenvolver a paz entre diferentes religiões. Ele trouxeoutras religiões para o grupo e sentimos que isso podiaser ampliado.

2) Qual é a importância das instituições religiosasna sociedade civil para o desenvolvimento dasaúde?As religiões são espaços acolhedores e podem sermultiplicadores de informações. Precisamos ajudá-lasa circular no mundo da AIDS. Cada uma tem a suaparticularidade. As religiões afro-brasileiras, porexemplo, conseguem fazer discussões focadas nosnegros. Tratam de questões específicas, como faz aKoinonia, que respeita as diferentes característicasreligiosas e trabalha em cima delas, sempre com umolhar carinhoso. As Católicas pelo Direito de Decidirtem um perfil diferente. Elas abordam temas que sãoproibidos de serem discutidos nas igrejas, o que éextremamente importante.

3) Quais são os desafios de se trabalhar de formainterdisciplinar e inter-religiosa?Eu gosto de trabalhar com esse grupo. As pessoas quefazem parte dele gostam do assunto e são abertas paraos temas. Lidar com a diferença e o preconceito é difícil,mas o maior preconceito é encontrado nos espaços daAIDS, onde os grupos religiosos caminhamparalelamente. As críticas do movimento para cimadesses grupos gera uma solidão muito grande, pois apessoa não pode falar na igreja e é criticada pelomovimento. Outra dificuldade é a maior abrangênciade temas. Por não serem ONG/AIDS, não conseguem

acessar os recursos da AIDS. São muitas barreiras.Além disso, é difícil entender a dinâmica dos projetos.A planilha não é acessível e há uma má vontade comeles por serem grupos religiosos.

4) Como você vê a relação das organizaçõesreligiosas com o Estado nos níveis municipais,estaduais e federal?O Estado é laico. Da mesma forma em que não temos aobrigação de estar em uma religião, não podemos imporuma. Ao Estado, cabe chegar na população. Se essapopulação está inserida em uma religião, temos queolhar essas pessoas e saber o que elas pensam. O fatode discutir a diversidade sexual não significa que eutenha que escolher um sexo. O mesmo vale para areligião. Divulgamos o trabalho do grupo, mas a pessoavem se desejar. Cada caso é um caso diferente.8

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A religiosidade marca a vida cotidiana das pessoase seus modos de pensar e agir. No campo das DST/Aids,tem-se percebido que os espaços religiosos, além desediar o compartilhamento de crenças, sãoimportantes espaços de convivência e sociabilidadeda juventude religiosa.

Com objetivo de compreender como jovens e suaslideranças religiosas concebem a prevenção e o espaçoreligioso como local para discutir sexualidade epromover o direito à prevenção, no âmbito doprotagonismo juvenil, foram analisadas noveentrevistas em profundidade de lideranças religiosas(sacerdotes, clérigos e educador religioso) e 18 dejovens, de ambos os sexos, entre 15 e 25 anos dasreligiões católica, evangélicas históricas e nãohistóricas e afro-brasileiras de umbanda e candomblé.

Os jovens percebem o espaço religioso comoapropriado para discutir sexualidade e, sem muitaclareza, realizar a prevenção, enquanto que os líderesreligiosos acreditam que esses espaços são usadospara ações de prevenção.

“É o mesmo caso da prevenção. É trabalho pratodo mundo. Cada um se conscientiza, cada um faz asua parte. A gente tem que ser assim. Aqui a genteprocura passar essas mensagens. Se a gente conseguirconvencer umas três pessoas, a gente já fez um trabalho,né? De preferência que a gente convençatodos”(Sacerdotisa umbanda).

O sentido da prevenção varia conforme a matrizreligiosa. Para jovens e adultos evangélicospentecostais a prevenção antes do casamento é aabstinência sexual, depois, incentiva-se o preservativocomo contraceptivo.

“A nossa igreja, até como palestra que a gente ouveaí fora, tem colocado tudo isso para nós. De prevenção.Só que a nossa maior prevenção é respeitando osprincípios bíblicos. Sexo dentro do casamento. Esse é oponto crucial”(rapaz adventista da promessa).

O espaço religioso comoespaço de prevenção:

perspectivas de jovens e lideranças de diferentesreligiões da região metropolitana de São Paulo

Por AndreaPaula Ferrara¹e CristianeGonçalves daSilva²

1 Mestranda da Faculdade deSaúde Pública da USP epesquisadora do do Núcleode Estudos para a Prevençãoda Aids (NEPAIDS).2 Doutoranda em PsicologiaSocial do Instituto dePsicologia da Universidadede São Paulo (USP) epesquisadora do NEPAIDS.

Os líderes das religiões afro-brasileiras são osúnicos que incentivam o uso do preservativo emqualquer período da vida.

“Quando a gente começa o trabalho, hoje euconsigo, assim que eu abro uma gira, a me colocar aquino centro e falar com todo mundo e olhar pra cara deum pai de família e falar: “o senhor tem que levarpreservativo. Se não pro senhor e pra sua esposa, proseus filhos, pro seus netos, pro seus vizinhos”.(Sacerdotisa Umbanda)

Os jovens católicos apóiam as campanhas de usodo preservativo, discutindo as diretrizes vindas doVaticano e do Papa.

“ (...) como o Papa que condenou o uso dacamisinha, pra ele ter condenado o uso da camisinhaele pensa que o sexo é só pra procriação, não pode fazersexo sem ser para procriar, se a pessoa quer fazer sexopra sentir prazer, pra se divertir, aí já não pode. Essa é aopinião do Papa, eu penso diferente. Eu acho que se agente gosta da pessoa, ama ela de verdade, não temproblema nenhum fazer sexo só para sentir prazer”(moça católica).

Foram realizadas duas oficinas para devolução dosresultados da pesquisa junto às comunidadesenvolvidas no estudo. Uma delas foi com as liderançasreligiosas e outra com jovens. Em ambas, o quadro dosdireitos humanos foi valorizado para se pensar aprevenção.

Os espaços religiosos devem ser aproveitados paratrabalhar prevenção em DST/Aids. Estreitar o diálogocom cada comunidade religiosa e os programas de DST/Aids permitirá que o debate sobre sexualidade se dê noquadro do direito à prevenção e que os programasconsiderem as especificidades da juventude religiosanas ações preventivas.

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Capelania em HIV/AIDS:desafios religiosos

à adesão1

Com ReverendoIvaldo Salles

IDÉIASTROCANDO

A epidemia de HIV/AIDS impôs muitos desafios à sociedade brasileira. Amobilização das organizações não-governamentais foi fundamental para umaresposta eficaz. A Associação de Ação Solidária ASAS, uma ONG/AIDS de fundocristão em Pernambuco, é um exemplo dessa atuação. Ela desenvolve umtrabalho junto ao hospital Correia Picanço visando auxiliar na adesão aosmedicamentos. Com o intuito de conhecer melhor esta interlocução entre OG eONG, mediada pela AIDS e religiosidade ao longo do projeto RespostasReligiosas à Epidemia do HIV/AIDS no Brasil, conversamos com o ReverendoIvaldo Salles que é formado em teologia e é o capelão do Hospital CorreiaPicanço e Ministro da Igreja Anglicana do Cone Sul da América, Diocese doRecife, ainda é integrante da Associação de Ação Solidária - ASAS. Nosso focofoi o serviço de capelania ofertado no hospital.

Como começou o trabalho de capelaniano Hospital?

Logo no início da epidemia de Aids, o HospitalCorreia Picanço (HCP) já era a maior referênciaem doenças infecto-contagiosas da região,quando se deu conta de que uma novaepidemia, muito poderosa e assustadora,carregada de preconceitos, necessitava derespostas urgentes, percebeu-se que aspessoas necessitavam muito mais do quesimplesmente um atendimento médico,necessitavam de um enfoque, um tratamentomais afetivo e humanizado. Porque a epidemiatrazia, junto com ela, a temática da morte deforma muito violenta por causa do preconceitoe da falta de medicamentos para o tratamento.Daí nasceu a ONG ASAS (Associação de AçãoSolidária), criada por um grupo de amigoscristãos juntamente com a participação dosprimeiros médicos a tratarem desta novadoença: Dr. Frederico Rangel e Dr. FrançoisFigueirôa, dentre outros. E a ASAS trouxe aexperiência da espiritualidade através do pastoranglicano e cientista político RobinsonCavalcanti, como forma de contribuir para ofortalecimento da fé e da coragem as pessoaspor ela afetadas. Anos depois a ASAS contratouum Capelão para desenhar um modelo de

capelania especifico para a temática da Aidsque tivesse um perfil profissional, ecumênico,humanizado e articulado para interagir com asunidades do SUS . Desde então, a Capelaniano HCP, passou também a ser do HCP.

Quais são os desafios do seu trabalho?

O grande desafio não é mais o castigo de Deus,nem peste gay, mas é, hoje, o problema daadesão aos medicamentos. Nós estamosvivendo hoje num momento pós-cristão,agente não está mais naquele momento daTeologia da Libertação. Infelizmente nossosheróis foram expulsos, outros foram mortos,então a gente não tem mais aquele foco bemdefinido como Frei Beto trazia, como LeonardoBoff trazia. Então o foco do religioso hoje é aprosperidade. Uma ênfase na prosperidade ena cura e essa ênfase traz também uma subje-tividade, que é a questão assim, você nãoprecisa mais tomar medicamento, Jesus vaicurar você. Uma forma de crer não racional,mas na perspectiva de um misticismosemântico e anti-científico.

Então, a idéia da cura, da promessa de cura, fazcom que as pessoas abandonem o tratamento,e no hospital a gente vai ter que desconstruir

“São muitos ospacientes que

sofrem algum tipode interferência

religiosa nessetratamento. Por

isso, há muitosque abandonam

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problema decomo fazer com

que a pessoa nãoabandone sua fé.

Neste sentido, aCapelania

contribui para quea pessoa aprenda

a lidar com aterapia e com sua

fé ao mesmotempo.”

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todo um equívoco religioso, tanto sobre adesãoa terapia aos antiretrovirais (TARV), quanto aouso correto e responsável do preservativo emtodas as relações sexuais.Mas como esse paciente lida com amedicação? Por causa das muitas promessas de cura, deque “quem aceita Jesus nunca fica doente, poisdoença é sinônimo de pecado”, aqueles queabandonam o tratamento acabam nointernamento do Leito Dia ou do isolamentoem decorrência de uma pneumonia, tuber-culose, meningite e outras doenças graves. Aíse decepcionam com seu líder espiritual, comsua comunidade de fé e até mesmo com Deus.São muitos os pacientes que sofrem algumtipo de interferência religiosa nesse tratamen-to. Por isso, há muitos que abandonam a terapiae aí tem todo um problema de como fazercom que a pessoa não abandone sua fé. Nestesentido, a capelania contribui para que a pessoaaprenda a lidar com a terapia e com sua fé aomesmo tempo. A sua escolha e prática religiosadeve fortalecer a sua adesão aos medicamen-tos. A grande sacada é isso, entende, a Cape-lania é uma terapia complementar. Fazer ade-são não é brincadeira, tem muitos efeitos cola-terais — náuseas, vômitos, alucinações, lipo-distrofia — são muitos medicamentos e esque-

mas terapêuticos, às vezes falta medicamento...E a religião, o que traz para as pessoas?Vai ajudá-las a manter a esperança, a manter afé, a buscar no Ser Supremo uma saída paraviver com dignidade, com auto-estima, a amar,a sonhar e ter esperança que o sol vai brilharamanhã. A capelania entrou para poder ser umespaço de acolhida, de escuta e de ação nomonitoramento da saúde e também de resgateda terapia. Então a gente troca, o capelão, queele não é psicólogo, não é assistente social,nem é médico. Mas um orientador espiritual,um conselheiro profissional de teologia quevai somar com o psiquiatra, com o psicólogo,com o infectologista, com o farmacêutico, como enfermeiro, enfim, vai somar junto a umaequipe de trabalho para que o paciente resgatea sua terapia. Se está internado no hospital,certamente é porque não estava fazendo aterapia adequadamente. Então, a maioria dosinternamentos em HIV/Aids no Correia Picançoe nos outros hospitais é problema de adesãoaos medicamentos. E preciso ter uma equipe(multi e inter) profissional interagindo comrespeito, com tranqüilidade, com responsabi-lidade e capacidade nesse trabalhar para que opaciente volte a tomar a medicação e tomeessa medicação livre, espontaneamente ecorretamente.

1 O Reverendo Ivaldo Salesé o Capelão do Hospital eMinistro da IgrejaAnglicana do Cone Sul daAmérica, Diocese doRecife, ainda é integranteda Associação de AçãoSolidária - ASAS.

• Endereços dos serviços:

ASAS – Associação AçãoSolidáriaE-mail:[email protected] Demócrito de SouzaFilho, 241 – Madalena, Recife– PE CEP: 50610-120Fone/Fax: 81 3445-1097/ 813227-6330.

Hospital Correia PicançoRua Pe Roma, 149 -Tamarineira - Recife – PE CEP:52050-150 Fone: 81 3265-8700

Rev. Ivaldo Sales, ose .E-mail:[email protected] /Celular (81) 92317701Igreja Anglicana do Cone Sulda América / Diocese doRecifeRua Dr. José Maria deMiranda, 560 – Boa Viagem –Recife/PE Fone (81)33253586

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Entidade de Utilidade PúblicaFederal, Estadual e Municipal.Entidade de fins filantrópicos.

Av. Presidente Vargas, 446/13ºandar20071-907 Rio de Janeiro/RJTel.: (21) 2223-1040Fax: (21) 2253-8495E-mail: [email protected]

Diretoria

Diretor-presidente: RichardParkerDiretora vice-presidente:Regina Maria BarbosaSecretário-geral: KennethRochel de Camargo Jr.Tesoureira: Miriam Ventura

Conselho de Curadores:Elisabeth Moreira, FranciscoInácio Bastos, José Loureiro,Jorge Beloqui, LeonZonenschain, Michel Lotrowska,Ruben Mattos, Valdiléa Veloso eVera PaivaCoordenação-geral: CristinaPimenta e Veriano Terto Jr.

Boletim ABIA nº 56 | Novembro de 2008

Jornalista responsável: Jacinto Corrêa Mtb 19273

Coordenação editorial: Cláudio Oliveira

Fotos: Casa Fonte Colombo/Luciana Kamel e Vagner de Almeida

Foto da Capa: Luciana Kamel

Colaboraram nessa edição: Andréa Ferrara, Carolina Terra, CristianeGonçalves, David Handerson, Fernando Seffner, Ivia Maksud, JonathanGarcia, Luana Emil, Luciana Kamel, Luis Felipe Rios, Marcello Muscari, MiguelLaboy, Richard Parker, Vagner de Almeida, Vera Paiva e Veriano Terto Jr.

Revisão: Cláudio Oliveira

Conselho Editorial: Cláudio Oliveira, Cristina Pimenta, Juan Carlos Raxach,Richard Parker e Veriano Terto Jr.

Programação visual e editoração eletrônica: Conexão Gravatá Ltda.

EXPEDIENTE

OUTRASPALAVRAS

Seminário sobre AIDS e Religiãono Rio Grande do SulSeminário sobre AIDS e Religiãono Rio Grande do SulEntre os dias 29 e 31 de outubro passado aconteceu em Porto Alegre o 1º Seminário Aids &Religião do Rio Grande do Sul. O evento foi promovido pela Seção de Controle das DST/Aids daSecretaria de Saúde do Estado do RS. Nele, estiveram presentes mais de 200 pessoas, entreintegrantes de doze matrizes religiosas, profissionais de saúde de diferentes cidades do Estado,ativistas das organizações não-governamentais de luta contra a Aids e pessoas vivendo comHIV/Aids. A equipe de Porto Alegre do Projeto Respostas Religiosas ao HIV/Aids no Brasilintegrou a Comissão Organizadora do evento e ajudou na sua realização. Veriano Terto Junior(ABIA) fez a palestra de abertura e Vera Paiva (USP), coordenadora do campo de São Paulo,apresentou a experiência do GT Aids e Religião de São Paulo. Como resultados do seminário,ficou decidida a estruturação de uma rede estadual de pessoas e instituições engajadas naconstrução do diálogo inter-religioso acerca da Aids e dos temas ligados à sexualidade, bemcomo atividades de formação de multiplicadores em HIV/Aids no interior das diversas matrizesreligiosas. Como mensagem final, foi redigida e acordada entre os participantes a Carta de PortoAlegre, enfatizando que “mais importante do que nossas diferenças de crença e de tradiçãoreligiosa, afirmamos que nos une a luta em favor da qualidade de vida para todas aspessoas”. A carta e todas as demais produções dos grupos durante o seminário serão reunidasem uma publicação. Para o projeto, tratou-se de uma excelente oportunidade, tanto para reforçara presença no campo e coletar mais dados para a pesquisa, como para ampliar o diálogointerdisciplinar e intersetorial com a população religiosa participante da pesquisa.

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Este boletim foi financiado com recursos da EED/EvangelischerEntwicklungsdienst e V.

Tiragem: 8.000 exemplares DISTRIBUIÇÃO GRATUITAÉ permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta publicação, desdeque citados a fonte e o respectivo autor. As opiniões apresentadas no boletim sãode exclusiva responsabilidade dos autores.