abandono escolar

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Abandono Escolar O Abandono Escolar O insucesso e abandono escolares tomaram-se um problema dos actuais sistemas de ensino. Não sendo novo, ele requer hoje uma reavaliação, devido às mudanças profundas que as sociedades têm vindo a registar, quer na socialização dos jovens quer nas exigências que estas fazem, cada vez mais, à participação destes em diferentes esferas sociais. Em sociedades como a portuguesa, em que o sistema de ensino se universalizou mais tardiamente e em que o mercado de trabalho é pouco exigente em qualificações, a atracção pelo trabalho juvenil constitui um factor de peso para o abandono escolar. Um estudo recentemente realizado, cujo objectivo consistia em analisar, numa área rural (onde as taxas de abandono são mais acentuadas), as determinantes sociais desse abandono, permitiu retirar algumas conclusões que ajudam a compreender o problema, a sua gravidade e dimensão. Verificou-se que o perfil dos jovens que abandonam a escola evidencia uma pertença a famílias com baixas habilitações, baixos rendimentos e dificuldades económicas. Se estas dificuldades empurram os jovens, desejosos de autonomia financeira, para o mercado de trabalho, também a escola assume uma parte da responsabilidade no abandono precoce pela incapacidade que ela mostra de motivar e de desenvolver o interesse dos jovens pela educação e pela formação. A análise dos motivos que levam os jovens a abandonar a escola constitui, assim, o cerne deste artigo e assenta num modelo complexo que procura relacionar entre si as variáveis Escola, Família e Mercado de Trabalho, todas elas concorrentes na determinação do fenómeno. A desvalorização dos jovens, o insucesso e o desinteresse escolar constituem ainda hoje, nas nossas escolas fenómenos massivos cuja natureza e determinantes parecem ser de essência sócio-económica. Estes fenómenos conduzem-nos essencialmente a dois tipos de situações que correspondem a outras tantas posições relativamente ao percurso escolar de muitos jovens e são as seguintes: à os que ficam retidos, uma ou mais vezes no mesmo ano ou em diferentes anos escolares; è os

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Abandono Escolar

O Abandono Escolar 

O insucesso e abandono escolares tomaram-se um problema dos actuais sistemas de ensino. Não sendo novo, ele requer hoje uma reavaliação, devido às mudanças profundas que as sociedades têm vindo a registar, quer na socialização dos jovens quer nas exigências que estas fazem, cada vez mais, à participação destes em diferentes esferas sociais.Em sociedades como a portuguesa, em que o sistema de ensino se universalizou mais tardiamente e em que o mercado de trabalho é pouco exigente em qualificações, a atracção pelo trabalho juvenil constitui um factor de peso para o abandono escolar. Um estudo recentemente realizado, cujo objectivo consistia em analisar, numa área rural (onde as taxas de abandono são mais acentuadas), as determinantes sociais desse abandono, permitiu retirar algumas conclusões que ajudam a compreender o problema, a sua gravidade e dimensão.Verificou-se que o perfil dos jovens que abandonam a escola evidencia uma pertença a famílias com baixas habilitações, baixos rendimentos e dificuldades económicas. Se estas dificuldades empurram os jovens, desejosos de autonomia financeira, para o mercado de trabalho, também a escola assume uma parte da responsabilidade no abandono precoce pela incapacidade que ela mostra de motivar e de desenvolver o interesse dos jovens pela educação e pela formação. A análise dos motivos que levam os jovens a abandonar a escola constitui, assim, o cerne deste artigo e assenta num modelo complexo que procura relacionar entre si as variáveis Escola, Família e Mercado de Trabalho, todas elas concorrentes na determinação do fenómeno. 

 

 

A desvalorização dos jovens, o insucesso e o desinteresse escolar constituem ainda hoje, nas nossas escolas fenómenos massivos cuja natureza e determinantes parecem ser de essência sócio-económica.Estes fenómenos conduzem-nos essencialmente a dois tipos de situações que correspondem a outras tantas posições relativamente ao percurso escolar de muitos jovens e são as seguintes: à os que ficam retidos, uma ou mais vezes no mesmo ano ou em diferentes anos escolares; è os que, tendo transitado, terminam o seu percurso escolar quando atingem a escolaridade obrigatória.No primeiro caso, o desinteresse manifestado por estes jovens, que muitas vezes desenvolvem atitudes de fracasso face à escola e ao ensino que dispensa, conduz a uma constante interrupção do seu percurso escolar e consequentemente ao abandono escolar. No segundo caso, encontram-se os alunos que, tendo sido aprovados, terminam no final da escolaridade obrigatória, o seu percurso escolar.Aparentemente, estes alunos decidem eles mesmos, abandonar o sistema de ensino, mas na verdade, esta interrupção voluntária dos estudos, corresponde, também ela a uma forma de abandono escolar.Nos últimos anos, com a revisão curricular da educação básica e com os currículos alternativos, tentou-se travar o abandono escolar nas nossas escolas mas, de facto, tal parece não se ter revelado suficiente, uma vez que não se conseguiu inverter esse sentido. 

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O universo dos estudantes, matriculados nas nossas escolas, é constituído maioritariamente, por jovens com idades que estão de acordo com o ano escolar que frequentam. No entanto, são igualmente muitos os alunos que, por terem já ficado retidos uma ou mais vezes, as suas idades encontram-se “desfasadas” face ao ano escolar que frequentam, tendo já idades que não se encontram abrangidas pela escolaridade obrigatória.Este facto prende-se certamente com o número de alunos que já ficaram retidos uma ou mais vezes em anos lectivos anteriores. Contribuindo, igualmente para este facto, estão também os alunos que interromperam o seu percurso escolar, abandonando a escola antes das aulas terminarem, apesar de alguns poderem, porventura, regressar às aulas em anos lectivos seguintes.Ser estudante parece assim, ser um atributo dominante dos jovens até aos 15 anos e que nunca ficaram retidos. A partir desta idade e também para aqueles alunos que, apesar de ainda se encontrarem dentro da escolaridade obrigatória, vivem uma ou mais retenções durante o seu percurso escolar, começa já a marcar-se uma ruptura, com alguma intensidade, com o mundo escolar.Muitos dos alunos que abandonaram o sistema de ensino, antes de concluírem o 9° ano de escolaridade, encontram-se já totalmente inseridos no mundo do trabalho. Alguns apenas concluíram o 2° ciclo, confirmando-se, assim, a ideia de que os jovens que estão inseridos no mundo do trabalho têm baixas qualificações escolares. Dos jovens que frequentam actualmente o 9° ano, muitos pertencem a grupos etários superiores aos 15 anos. A maioria destes jovens, parecem assim, ter estabelecido uma ruptura definitiva com o mundo escolar, uma vez, que não prosseguem os seus estudos e preferem optar por iniciar uma actividade exterior ao sistema de ensino.A questão das habilitações escolares é um assunto que preocupa a todos, pela natureza específica e delicada da situação. Apesar de se verificar que muitos jovens possuem baixas qualificações académicas, parece não haver interesse, por parte dos mesmos, em alterar essa situação. Esta “despreocupação” pode ser comprovada pelos seguintes factos:-->muitos jovens afirmam que não pretendem continuar os estudos após a conclusão do 9° ano de escolaridade;-->outros afirmam que não se revêem neste tipo de ensino, pelo que quando atingirem os 15 anos de idade, mesmo que não concluam o 9° ano, preferem abandonar a escola e ingressarem no mercado de trabalho.Em muitas das escolas situadas em áreas rurais, alguns destes estudantes gostariam de ingressar numa das escolas profissionais existentes mas, devido à distância a que as escolas por vezes se encontram das suas residências e às dificuldades encontradas nas mesmas, essa possibilidade toma-se remota sendo praticamente posta de parte por muitos destes jovens.

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Quanto aos jovens que têm sempre transitado de ano, apesar de muitos ainda não saberem que grau académico desejam ter, têm porém, consciência das dificuldades inerentes à frequência do ensino secundário e mesmo ao processo de ingresso na universidade.  

Comportamentos/atitudes que conduzem ao abandono/insucesso escolar:  O fenómeno do abandono escolar tem merecido especial atenção nos últimos tempos. Sendo um acontecimento que não aparece por acaso, ele acarreta consequências nefastas para a sociedade em geral, pelo que se torna urgente identificar as causas da sua persistência. As elevadas taxas de abandono escolar que actualmente ainda se verificam, para além das consequências imediatas, têm consequências que só terão efeito no futuro.O abandono escolar prejudica a produtividade de um país e representa um desperdício lamentável de vidas jovens. O abandono escolar não é só um problema social e educacional, ele é simultaneamente um problema económico.A caracterização dos jovens que abandonam a escola é imprescindível para se identificar, atempadamente, o aluno em risco de abandono. Identificar o “aluno em risco de abandono” permite que se possa agir sobre ele a fim de evitar a situação real de abandono e conseguir que ele “volte” à escola.Não existe uma causa única do abandono escolar. Este só recentemente começou a ser objecto de estudo, no entanto já existem várias tentativas de interpretação do fenómeno. São diversos os autores que, na esperança de encontrar uma solução para o problema, o analisaram tentando indicar as suas causas.Segundo Boudon, a decisão de se continuar ou não no sistema de ensino depende de uma avaliação antecipada, baseada em cálculos que os jovens e as suas famílias fazem em termos de custos, riscos e vantagens. Estes cálculos dependem directamente da situação escolar do jovem e da forma como se avalia o interesse do mesmo em continuar ou não no sistema de ensino, bem como dos riscos que se terá de assumir no futuro. Esta decisão é, assim, fortemente marcada pela posição social da família.A família exerce, assim, uma grande influência na decisão dos seus educandos em prosseguirem ou não os estudos. As precárias condições sócio-económicas de muitas famílias conduzem muitos dos nossos jovens a entrarem prematuramente no mercado de trabalho.Segundo o modelo teórico de Ferrão (1995) as várias causas do abandono escolar tem três focos principais: Escola, Família e Mercado de Trabalho. Para este autor, numa das três entidades reside a explicação da maioria das situações reais e potenciais deste fenómeno. Com base nos estudos efectuados pelos autores supracitados, pode-se afirmar que existem factores de ordem social, cultural e económica que condicionam o sucesso escolar e, consequentemente, o abandono precoce do sistema de ensino. Realizando um cruzamento entre os vários estudos passa-se a enumerar os comportamentos/atitudes conducentes ao abandono escolar:-->Desmotivação dos alunos - o ensino que a escola actual dispensa é ainda muito centrado em conteúdos, enquanto deveria se mais no saber-fazer, levando muitos alunos a revelarem um grande desinteresse pelas matérias leccionadas e falta de empenho na resolução das tarefas propostas pelos professores;-->Desestruturação das famílias - famílias monoparentais, muitas desfavorecidas nos planos cultural e económico. A pressão familiar face às dificuldades económicas e perante uma sociedade consumista faz com que muitos jovens se lancem rapidamente no mercado de trabalho;-->Problemas pessoais - estes problemas podem muitas vezes estar ligados directamente à falta de apoio dos pais ou à inexistência dos mesmos, à influência de más companhias que podem conduzir os jovens por caminhos ilícitos, como a droga e a indisciplina, por vezes aliada à revolta. A análise seguinte refere-se à opinião de professores acerca das possíveis causas do abandono escolar e as razões apontadas estão intimamente relacionadas com o sistema de ensino:-->A desmotivação;-->As dificuldades de aprendizagem;-->Não gostar da escola;

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-->O insucesso escolar.A escola é assim responsável por muitos casos de abandono escolar, pois não consegue manter os jovens inseridos no sistema de ensino. A escola não consegue igualmente, motivar os alunos para os estudos, pois não consegue apreender as necessidades individuais de um aluno. A escola tem tendência para excluir os alunos que não se adaptam ao seu sistema uniforme e monolítico. No sistema de ensino existem desigualdades que a escola não consegue combater, sendo muitas delas as responsáveis pelo mau sucesso e, consequentemente, pelo afastamento do jovem do mundo escolar.Efectivamente, o insucesso escolar contribui para que o jovem se sinta mal no ambiente escolar, ficando desmotivado e desgostoso com a escola, acabando por reprovar. Esta situação pode provocar a ruptura do jovem com a escola, pois o facto de ter de repetir o ano como forma de castigo, leva o aluno a afastar-se de quem o rotula com sentido perjurativo. Se a reprovação já era difícil, sendo marcada de “más notas” e “repreensão”, mais difícil ficará após lhe ser passado um atestado oficial de insucesso.A motivação de um jovem na escola, que tem dificuldades de aprendizagem e de integração, diminui quando ele experimenta uma situação de reprovação. A própria auto-estima do jovem é afectada e isso pode ter consequências nefastas quer a nível do percurso escolar, quer a nível da vivência em sociedade.A relação que o jovem estabelece com o professor, ou professores, tem muita influência no modo como os jovens encaram a escola. O facto de se gostar, ou não, da escola também vai condicionar o abandono da mesma. O gosto pela escola passa, muitas vezes, pela relação professor/aluno, embora não seja só nesta relação que se baseia o gosto pela escola e pelos estudos, mas pode-se dizer que esta relação é a base de tudo o que se passa na escola e que pode estar, portanto, na origem do abandono escolar.Ainda envolvendo a escola temos que ter em conta a distância que o jovem tem de percorrer para chegar a ela. Quando a distância é grande, o jovem tem dificuldades acrescidas, pois o facto de estar longe de casa todo o dia e o tempo que gasta nos transportes são algumas particularidades que afectam quem não vive ao pé da escola. Deste modo fica, imperativamente, afectado o tempo que o jovem pode dedicar aos estudos, tendo implicações na sua vida estudantil, mas também retira tempo de lazer, traduzindo-se por um factor negativo, que pode conduzir ao abandono escolar. Para muitos dos alunos as condicionantes económicas parecem marcar fortemente a decisão de abandonar o sistema de ensino e são muitos os jovens que o fazem, sobretudo porque não t~em condições que permitam suportar as despesas escolares.Neste campo, as principais razões apontadas por muitos destes alunos são: -->Dificuldades económicas;-->O desejo de ganhar dinheiro;-->O desejo de independência, nomeadamente, autonomia financeira.As características económicas das famílias condicionam a frequência escolar dos filhos, assim como as actividades desenvolvidas pelos pais.A componente económica pode ter intervenção directa no prosseguimento dos estudos, uma vez que existem, apesar do ensino ser por lei gratuito, despesas escolares que os pais não podem evitar, nem suportar. Essas “pequenas” despesas podem ser incomportáveis para um grande número de famílias que concentram, maioritariamente, as suas actividades no sector industrial. Os empregos neste sector não permitem, na sua maioria, auferir um rendimento muito elevado, pelo que torna difícil corresponder às exigências económicas impostas pela escola.Em relação ao meio familiar, as principais razões apontadas pela maioria destes alunos são: -->Falta de apoio familiar - a falta de apoio extra e a ocorrência, por vezes, de conflitos familiares são factores que contribuem para a dificuldade de aprendizagem, uma vez que podem originar no adolescente problemas de ordem afectiva e, até mesmo, dificuldades de integração social no meio que o rodeia);-->A desvalorização dos estudos. De facto é inquestionável a influência que as características do meio familiar tem sobre os modos de vida dos jovens e sobre as decisões que estes tomam. A escolaridade dos progenitores está intimamente relacionada com a escolaridade dos filhos, havendo uma relação positiva entre a da mãe e a dos filhos.

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Muitos jovens cujos progenitores desenvolvem uma actividade por conta própria são levados a “ajudar” os pais nas suas actividades principais, ou nos conhecidos “biscates”, sobretudo de fim-de-semana.A desvalorização que os progenitores demonstram pelos estudos também tem alguns efeitos sobre o jovem. Numa casa onde não se valoriza a formação escolar dificilmente o jovem se sentirá motivado para prosseguir os estudos. Se os pais pressionam o jovem para que este inicie uma profissão, este tenderá a responder positivamente à pressão.Não é possível esquecer que a pressão que os pais exercem sobre o jovem para que este entre no mercado do trabalho tem origem exactamente no mercado de trabalho, pois este “luta” em duas frentes: pressiona o jovem e pressiona os pais. Ao jovem “mostra-lhe” as vantagens imediatas da inserção na vida activa (ganhar dinheiro, ter autonomia, ter um emprego) e “esconde-lhe” as desvantagens imediatas, ou seja que só se farão sentir num futuro “longínquo”. Aos pais “convence-os” de que um investimento a curto prazo nos filhos representa maior lucro, do que um investimento a longo prazo, pois os projectos de vida a longo prazo não têm sucesso neste tipo de famílias.Ao empregar mão-de-obra desqualificada, em termos de formação escolar e profissional, o mercado de trabalho envolvente da área de residência é assim um óptimo chamariz para quem corresponde a tais características. Se o mercado de trabalho não recebesse jovens com instrução baixa, eles teriam que manter-se na escola, já que não tinham outro tipo de actividade para desenvolver.As razões apontadas como geradoras do insucesso escolar e, consequentemente, do abandono precoce do sistema de ensino são inúmeras. Todavia, pode-se concluir que, de todas elas, a desmotivação é a mais importante.A desmotivação aliada a um enorme desinteresse por parte dos alunos conduz, inevitavelmente, a uma inerente falta de estudo, falta de empenho na resolução das tarefas propostas e a dificuldades de concentração na sala de aula.Outro problema é a falta de conhecimentos que deveriam ter sido adquiridos em anos transactos, origina, por vezes, um atraso dos alunos, conduzindo-os, na maioria das vezes, ao insucesso escolar. Outro problema é a deficiente utilização de estratégias de ensino-aprendizagem por parte de alguns professores, que se limitam a debitar conteúdos em detrimento do saber-fazer, bem como as suas atitudes levam ao aparecimento de dificuldades em termos de aprendizagem nos alunos.Esta situação, aliada, na maioria das vezes, a turmas com um número elevado de alunos, contribui para uma crescente desmotivação dos jovens. Assim, se os alunos se sentirem 'agarrados' à escola, provavelmente sentir-se-ão mais motivados com uma maior auto-estima e mais predispostos a prosseguirem os estudos.

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  A b a n d o n o E s c o l a r

Abandono Escolar

1. Introdução

O Abandono escolar é um grave problema que afecta a sociedade portuguesa. O crescimento e amadurecimento das tecnologias de informação, transformou o próprio processo de trabalho, requerendo cada vez mais qualificação e saber, que se obtêm com elevados níveis de escolaridade.

Portugal, após à revolução de Abril de 1974, sofreu várias mutações no ensino, nem sempre, no caminho certo, o que provocou a toda a comunidade escolar a incerteza do valor do ensino escolar, num mercado de trabalho de baixa qualificação.

A escola tem quota na responsabilidade no abandono precoce, também a inaptidão que tem em motivar e de desenvolver o interesse dos jovens pela escola. Outros factores como económicos, famílias de fracos recursos devido a baixos salários ou em alguns casos, com muitos filhos e a sua localização geográfica, principalmente em zonas rurais e de pouca densidade populacional, levam á deserção escolar, como se pode verificar pela figura 1. A representação cartográfica de abandono escolar é, por si só das diferenças regionais, mas também, ao nível dos municípios. A comparação da cartografia da taxa de abandono escolar com outros indicadores de carácter socio-económico permite identificar este fenómeno com as oportunidades de integração precoce no mercado de trabalho e com o insucesso escolar.

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Fig.1

Existem vários artigos publicados, dos quais constam as razões, sendo, sobretudo, porque não tem condições económicas. Para além deste factor, o desejo de os próprios ganhar o seu próprio dinheiro para a sua independência económica. Condicionantes monetárias, marcam fortemente o abandono escolar, mas não são só, muitos fazem-no pela dificuldade no relacionamento com o sistema de ensino.

As elevadas taxas que se verificam com efeitos imediatos, têm consequências que só serão constatadas no futuro. O abandono escolar diminui a produtividade de um país e representa, sobretudo, um desperdício, lamentável, de vidas jovens. O abandono escolar não é só um

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problema social e educacional; ele é simultaneamente um problema económico. Numa sociedade com graves problemas sociais e económicos, muitos são os jovens que se vêem “empurrados” para a vida activa, tendo que terminar a sua carreira escolar, mesmo antes de concluída a escolaridade mínima obrigatória, como tentativa de melhorar as suas condições de vida. Os jovens que hoje abandonam a formação escolar, serão os agentes de produção de amanhã, assim, a produção do nosso país poderá ser ameaçada se este fenómeno não for controlado.

2. Abandono Escolar

Para melhor entendermos, vamos quantificar o número de abandonos escolar com base nos recenseamentos gerais da população, efectuados em 1991 e 2001, pelo INE.

Verifica-se que o abandono escolar diminuiu significativamente de 1991 para 2001, quer em valor total, embora se considere que a população da faixa etária em estudo e para as diversas idades,

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diminui cerca de 30%.É importante e significativo a redução dos valores totais de abandono escolar nas idades dos 13 aos 15 anos, mas na década de 90 do século XX a escolaridade obrigatória foi alterada do 2º ciclo para o 3º ciclo do ensino básico, alterando para melhor a qualificação escolar dos jovens.

Num trabalho realizado no Concelho de Azambuja e desenvolvidos nos anos de 1997 e 1998, “Desemprego Numa Zona Crítica de Portugal. O Caso da Azambuja: Realidades e Perspectivas de Transformação”, refere que 68,7% das mulheres e 81,9% dos homens que procuravam novo emprego, não tinham concluído o ensino obrigatório e nesta população, 40% das mulheres e 27,3% dos homens só tinham completo a antiga 4ª classe, ou seja o 1º ciclo do E.B. Em Março de 2006 e também no Concelho de Azambuja, no último dado estatístico do Instituto de Emprego e Formação Profissional, dá-nos conta que 58,7% da população desempregada, não terminou o 3º ciclo do ensino básico.

Para melhor entendermos alguns factos, podemos verificar a taxa de ocupação dos quatros estabelecimentos de ensino básico e do ensino secundário. Verifica-se que os níveis de ocupação na Escola Básica de Azambuja, tem um nível de ocupação de 117,7% da sua capacidade, e é, neste grau de ensino, que as crianças são motivadas e aprendem as bases do ensino escolar, para mais tarde continuarem os seus estudos com motivação e com conhecimentos estruturados.

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Não é possível com uma taxa de ocupação destas, aos profissionais ligados ao ensino, professores, auxiliares, e outros, cumprirem as suas actividades com sucesso, e contribuir de uma forma sustentada para a educação escolar.

Verificamos assim que os concelhos, como exemplo a Azambuja inserida na Lezíria do Tejo, com perspectivas de emprego desqualificado, onde impera a baixa qualificação no emprego como nas áreas económicas do sector primário e do sector terciário de baixa qualificação como a logística e actividades similares, as taxas de qualificação escolar superem as médias nacionais e, sendo ainda maior a diferença entre a população com níveis escolar com o ensino médio e ensino superior.

3. Precariedade do emprego

A esmagadora maioria dos jovens que abandonaram a escola e que também não estão num sistema de formação profissional desenvolvem a sua actividade profissional desqualificada e, por

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isso, potencialmente precária.

Em Portugal, a força de trabalho caracteriza-se ainda por uma estrutura de qualificações onde ainda é dominante o peso dos níveis mais baixos de escolaridade como se pode verificar na figura 7 resultando em muitas situações de uma entrada precoce na vida activa, em empregos precários e desqualificados e a mesma estrutura ou distribuição é notória na taxa de desemprego registado por níveis de escolaridade ou habilitações literárias. Acresce que as características do nosso sistema produtivo foram favoráveis ao desenvolvimento de actividades intensivas em mão-de-obra, cujos modelos empresariais veicularam estratégias de recrutamento para as quais a escolarização não constituía factor importante.

Os jovens que actualmente entram no mercado de trabalho sem pelo menos completarem a escolaridade básica serão os adultos que mais dificuldades terão em reciclarem-se e em adquirirem novas competências, até porque teoricamente estarão menos motivados para frequentar acções de formação. Uma população empregada com baixos níveis de habilitação literária terá potencialmente mais dificuldades de rápida reconversão profissional, factos com repercussão na competitividade das empresas e na produtividade em geral.

3.1 Desigualdades Sociais

Pelos dados atrás referidos, e embora grande parte daqueles que saíram da escola estejam a desenvolver uma actividade profissional, é legítimo pensar-se que alguns desses jovens, mesmo os que estão a trabalhar, mas sobretudo aqueles que não têm ocupação, poderão estar a desenvolver comportamentos não adequados, mesmo marginais.

Os dados disponíveis sobre a população prisional dados de 2002, reflectem uma realidade ainda acentuada, de cerca de 2.500 reclusos com menos de 24 anos, num total de cerca de 13.000, quase 20% da população prisional é muito jovem, mesmo que se note uma quebra (em 1993 a percentagem de jovens com menos de 24 anos sobre o todo da população prisional aproximava-se dos 27%).

De 1993 até 2002, tem-se verificado um aumento das qualificações da população prisional, mas cerca de 90% não tem mais habilitações que o ensino básico.

No caso mais concreto das Estatísticas da Justiça aplicadas a menores e nocaso concreto do abandono escolar, os números não são animadores, pelo menos numa primeira impressão. Segundo dados da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e de Jovens em Risco, os números de problemáticas detectadas em crianças e jovens acompanhados, 1998-2001, mostram uma passagem de perto de 3.000 casos, em 1998, para cerca de 9.500 casos, em 2001. No caso específico do abandono escolar, passa-se de 217 para 1.304 casos, no mesmo período de tempo e na situação de absentismo escolar, regista-se um aumento de 468 para 1242 casos, entre 1998 e 2001.

São enunciados que nos demonstram que a situação, no contexto em apreço das CNPCJ, se mantém com alguma evidência, muito também pelo reforço da capacidade de intervenção destas Comissões e não tanto pelo aumento exponencial do fenómeno.

Nesta questão das desigualdades sociais no acesso à escola, à qualificação e ao mercado de trabalho, um estudo do SIETI (2004), refere que o indivíduo que sai da Escola, antes de concluir o ensino básico, para se inserir no mercado de trabalho o faz, em regra, para assegurar a sua própria manutenção ou a da sua família, geralmente também pouco escolarizada e pouco qualificada. A inserção profissional precoce, conexa ao abandono escolar (sobretudo, como temos vindo a referir, àquele que decorre de saídas sem a actual escolaridade básica), apresenta-se como um fenómeno reprodutor de desigualdades sociais, para o qual a Escola e o sistema de formação, por via de políticas de prevenção do abandono escolar e de Plano Nacional de Prevenção do Abandono Escolar 70 sensibilização/fiscalização aos empregadores para a não contratação de mão-de-obra infantil, pouco escolarizada e não qualificada, têm responsabilidade de inverter.

Ainda no que respeita ao acentuar de desigualdades sociais, o crescimento de comunidades estrangeiras no nosso país, de origens que se têm diversificado, pelas previsíveis dificuldades na Língua Portuguesa que os filhos já sentem e sentirão na escola e pelo facto dos membros dessas comunidades assegurarem sobretudo trabalhos pouco remunerados e com contornos de alguma precariedade, verificando-se especialmente nas comunidades africanas e brasileiras.

3.2 Baixa Produtividade

Assentar uma economia no factor conhecimento obrigará a reforçar a qualificação da população

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activa, a torná-la mais conhecedora, mais apta e com mais vontade para conhecer. Este é um argumento diacrónico a toda a população.

Vale para aquela que já está a trabalhar, para a que não está a trabalhar por circunstâncias temporais (desemprego) e para a população em formação.

Sendo interessante o esforço que o nosso país tem vindo a desenvolver para qualificar os seus cidadãos, mantêm-se indicadores pouco animadores. De acordo com a Carta Magna da Competitividade (AIP; 2003), a relação entre a população que obteve pelo menos o Ensino Secundário e a população total do mesmo escalão etário, considerando agrupamentos de dez anos com início nos 25 e final nos 64, é a mais baixa quando comparada com os países da União Europeia, com os 10 países Europeus em fase de pré-adesão e com os EUA e a Coreia do Sul. Mesmo no escalão etário dos 25 aos 34 anos, Portugal não chega a alcançar um rácio de 40%. Como se refere na Carta Magna da Produtividade, O ensino secundário é um requisito importante para que os recursos humanos detenham as competências necessárias ao mercado de trabalho. Com base nesta afirmação é sustentável a ideia de que a não escolarização e a falta de qualificação penalizam as nossas empresas e, consequentemente, a economia do país, tornando a prevenção do abandono escolar um desafio extensível às empresas e aos parceiros sociais.

3.3 Condicionantes da evolução dos empregos pouco qualificados

A nova divisão do trabalho e a posição que os países, regiões e empresas nela ocupam condicionam a qualidade dos empregos e, por conseguinte, as exigências de qualificação.

A nova divisão internacional do trabalho, segundo Castells (1998), constrói-se em torno de quatro posições na economia global:

1. Produtores de alto valor acrescentado baseados no trabalho informacional;

2. Produtores de grandes volumes baseados em baixos custos de trabalho;

3. Produtores de matérias-primas baseados em recursos naturais;

4. Produtores disponíveis reduzidos ao trabalho desvalorizado.

Estas posições mostram fortes concentrações geográficas. Com os países economicamente mais avançados (G7) concentram a tecnologia, as infra-estruturas informacionais e os profissionais altamente qualificados, determinantes chave da competitividade. A dependência surgida ao longo da história dos países menos desenvolvidos é reforçada. Enquanto as economias pouco desenvolvidas têm apenas pequenos segmentos da produção de alto valor e grandes segmentos de produtores disponíveis numa posição de trabalho desvalorizado, as economias desenvolvidas têm pequenos segmentos de trabalho desvalorizado e grandes segmentos de produção de alto valor.

De acordo com Castells, a posição na divisão internacional do trabalho depende das características da força do trabalho e da sua inserção na economia global. As acções dos meios empresariais e dos governos são importantes para alterar a posição (Castells, 1998). Segundo Robert Reich, a riqueza de um país depende não da prosperidade de um sector ou de uma empresa nacional, mas daquilo com que contribui para a economia mundial, ou seja, das funções desempenhadas e das competências dos recursos humanos.

O investimento em actividades de maior valor acrescentado (intensivas em conhecimento e em tecnologias avançadas) e nos recursos humanos é condição essencial para a alteração da posição de Portugal na divisão internacional do trabalho. Este investimento é indispensável para alterar o tipo de especialização produtiva em Portugal, assente em sectores com alta densidade de mão-de-obra pouco qualificada com remunerações reduzidas.A globalização e as TIC ampliam as opções possíveis quanto à utilização dos recursos humanos.

As empresas podem:

— Reduzir o número de trabalhadores efectivos e manter apenas os mais qualificados que lidam com as actividades centrais de maior valor acrescentado;

— Subcontratar empresas e indivíduos para actividades não centrais de menor valor acrescentado;

— Utilizar formas flexíveis de emprego (contratos com duração determinada, trabalho a tempo parcial, trabalho autónomo, trabalho temporário);

— Procurar profissionais qualificados ao preço mais baixo possível;

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— Utilizar mão-de-obra pouco ou nada qualificada dos países mais pobres a preço mais baixo possível;

— Obter o consentimento dos trabalhadores, nos países com economias mais avançadas, para aceitarem salários e condições de trabalho menos favoráveis em troca da manutenção dos postos de trabalho.

A forte competição no mercado mundializado implica uma tendência para a utilização agressiva dos recursos humanos (Pfeffer, 1995) orientada para a compressão de custos. Esta utilização agressiva dos recursos humanos manifesta-se nos despedimentos, na substituição dos trabalhadores com idades próximas ou superiores a 50 anos por um reduzido número de jovens recentemente formados e com salários mais baixos, na externalização de funções levando ao aumento substancial do emprego instável e precário, na obtenção de profissionais qualificados e de mão-de-obra pouco qualificada ao preço mais baixo possível em regiões ou países com custos salariais reduzidos.

A crescente difusão destas práticas limita cada vez mais o espaço do trabalho qualificado e as possibilidades de melhorar as qualificações e as perspectivas de empregabilidade, sobretudo nos países e nos sectores com mão-de-obra pouco ou nada qualificada.

A divisão das actividades entre as empresas cada vez mais organizadas em rede condiciona igualmente a evolução das qualificações e as competências requeridas. A procura constante de locais mais vantajosos, pelas empresas multinacionais, para venderem e produzirem produtos e serviços, na lógica da redução dos custos e da flexibilidade, tende a levar frequentementea uma segmentação do processo produtivo e a uma divisão taylorista do trabalho entre empresas.

O trabalho profissional intensivo em conhecimentos e em tecnologias avançadas é organizado segundo princípios pós-tayloristas e tende a concentrar-se nas “empresas-cabeças” situadas em áreas com infra-estruturas materiais, de informação-comunicação adequadas; por sua vez, as operações de rotina organizadas tendem a ser transferidas para “empresas-mãos”, situadas preferencialmente em regiões de mão-de-obra barata.

Este tipo de divisão do processo produtivo entre empresas pode surgir igualmente no seio de redes empresariais ou macroempresas nacionais. Neste caso são também “empresas-cabeças” que concentram as áreas e funções-chave (I&D, concepção de estratégias de marketing e de distribuição) e o trabalho qualificado. Por sua vez, nas empresas subcontratadas dependentes da empresa subcontratante e nas unidades periféricas predominam as tarefas de execução rotineira, limitando-se o espaço do trabalho qualificado para um núcleo reduzido que se dedica às funções de direcção e controlo (Castillo, 1994).

As empresas organizadas em redes podem tomar formas muito diversificadas, como redes horizontais de pequenas empresas, redes horizontais de grandes empresas, redes de subcontratação em torno de grandes empresas, alianças estratégicas entre grandes empresas para certas actividades e redes resultantes da desagregação das grandes empresas e ainda redes globais. Os diferentes tipos de rede comportam diferentes tipos de relacionamento, que pode ir da cooperação baseada no parteneriado à dependência baseada na dominação. Esta forma de empresa pode constituir um espaço alargado para a inovação tecnológica e para a reorganização do trabalho com base em novos princípios, desde que funcione de acordo com a lógica da cooperação e autonomia ligada a uma divisão equilibrada do trabalho entre as empresas que compõem a rede. As PME subcontratadas pelas grandes empresas para realizarem actividades de baixo valor acrescentado tendem a constituir espaços de trabalho pouco qualificado. Mas quando as PME se integram em redes caracterizadas pela cooperação com uma divisão mais equilibrada de actividades entre as empresas, tende a aumentar o espaço do trabalho qualificado ligado a actividades de maior valor acrescentado.

4. Conclusão

Este trabalho não têm como objectivo critico o Concelho de Azambuja, pois creio, que todos os órgãos implicados na gestão directa ou indirecta do ensino, seja poder central ou poder local, utilizam os seus melhores conhecimentos e saber na resolução do problema que é de facto o ensino e as suas consequências num futuro muito próximo.

Temos que competir numa União Europeia a 25, em que com a entrada dos países do antigo bloco de leste, onde a qualificação escolar é elevada e numa economia aberta, não podemos nem devemos e utilizando uma expressão popular, “Não podemos perder o comboio…”, para que os nossos filhos, netos e gerações vindouras, digam em português e não numa outra língua que não escreveu o poeta, Luís Vaz de Camões…”O pior cego é aquele que não quer ver…”

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Bibliografia Mónica, Maria Filomena – A Formação da Classe Operária Portuguesa (Antologia da imprensa operária 1850/1934); Fundação Caloustre Gulbenkian. Costa, Tânia Marisa Silva - O Abandono Escolar no meio ruralOs jovens entre os dois saberes: Escola e Trabalho; IV Congresso Português de Sociologia. Justino, David – A Formação do Espaço Económico Nacional; Documenta Histórica. Eu não desisto – Plano Nacional de Prevenção do Abandono Escolar; Ministério da Educação, Ministério da Segurança Social e do Trabalho. Rosa, Maria - Gonçalves, Maria e Ferreira Paula - Desemprego Numa Zona Crítica de Portugal. O Caso da Azambuja: Realidades e Perspectivas de Transformação; Fundação Caloustre Gulbenkian. Comunidade Urbana da Lezíria do Tejo, Centro de Estudos e Desenvolvimento Regional e Urbano – Carta Educativa do Município de E

INSUCESSO E ABANDONO ESCOLAR Maria Rita Mendes Leal ESEI Maria Ulrich INTRODUÇÃO Debruçada sobre as necessidades sociais e educativas especiais das nossas crianças, em estudos rigorosos, encontro noticiadas as tragédias do insucesso e abandono escolar 1

– e verifico que este aparece contabilizável só a partir do 7.º ano de escolaridade (João Ferrão, et al., 2000).2

Entretanto, há razões para afirmar que o problema do insucesso escolar se enraíza nos primeiro e segundo anos de escolaridade obrigatória, nas dificuldades de aprendizagem aí verificadas (entre outras coisas, também mascaradas pela endémica desadaptação social de tantas crianças atingidas pela pobreza e os maus tratos !) ... e é estrutural ! Resulta de uma estratégia incorrecta de encadeamento de actividades académicas a que são submetidas crianças de seis a oito anos de idade que frequentam a primeira fase do 1.º Ciclo do ensino obrigatório - em que a pedagogia activa 3

(centrada na descodificação de experiências correntes, e/ou programadas, assim como o seu registo em desenho e narrativa que estimulam o desenvolvimento linguístico) é substituída por um ensino sistemático de letras e de números, desinserido das actividades naturais da infância. “Para a criança de mais de cinco anos de idade do nosso mundo pós-industrial, os problemas de vida vêm a incluir a necessidade profundamente sentida de ir para a escola e aprender a ler, escrever e contar... Infelizmente, ao fazer ingressar «obrigatoriamente» no 1.º Ciclo do Ensino Básico crianças de seis anos de idade, o legislador não ponderou o estilo de aprendizagem mecânica e repetitiva do alfabeto e da numeracia que, em Portugal, os professores impõem aos seus pupilos nestas 1

Será que as medidas supletivas e correctivas agora encaradas, em boa hora, de nomear “Tutores” para obviar ao insucesso, terão capacidade para promover a mudança, uma vez que a sugestão assenta na ideia que implantou os professores de apoio - que se verificou não ter capacidade para mudar nada! 2

Ferrão, João (Coord.) e outros (2000). Saída prematura do sistema educativo: aspectos da situação, causas e perspectivas em termos de emprego e formação. Observatório do Emprego e Segurança. Social. Estudos e Análises, nº 36. 3

...praticada na maioria dos jardins-de-infância...

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tenras idades...”, não estando preparados para emparelhar as sequências do ensino académico com actividades de exploração, interacção, construção (necessárias à aprendizagem autêntica, sobretudo nestas idades).”4

Para alcançar a desejada mudança que livre a criança em risco de se tornar também o adulto dis-privilegiado de amanhã, não será que se tem de ir ao cerne deste problema que respeita à formação passadista dos professores do primeiro Ciclo de Ensino? No dizer de um professor do 1.º Ciclo que ponderava a formação recebida e a comparava à formação ministrada a educadores de infância: o professor está centrado em assegurar as aprendizagens formais, enquanto o educador se coloca sempre na perspectiva do desenvolvimento da criança... Tendo a percepção do sofrimento de tantas crianças afectadas por dificuldades de aprendizagem no 1.º Ano da escolaridade obrigatória, foi sentido o desafio de comprovar o que significa esta realidade, para além dos números, em termos da vivência das crianças que ingressam cada ano no 1.º Ano do 1.º Ciclo do Ensino Básico... e nele se perdem... 5

Quisemos estudar, em termos desenvolvimentistas, o que acontece na mente da criança quando deixa o Jardim-de-Infância ou a casa de família e se encontra imersa numa pedagogia centrada basicamente sobre as perícias do ler, escrever, contar, no regime escolar comum do 1.º Ciclo, dito Básico, em que há professores que não acolhem com naturalidade a exploração livre da realidade material e social, o convívio informal, as narrativas e contos infantis e a expressividade natural, como contexto em que os temas académicos assumem consistência e os alunos podem descobrir e treinar os elementos da «literacia». Assim, em Fevereiro e Março do ano corrente, lançámo-nos na tarefa de comparar desempenhos de crianças de jardim-de-infância que irão ingressar no próximo ano lectivo na Escola Básica com os de crianças que se encontram já a frequentar o primeiro ano da escola básica (EB1). Estudámos o desempenho de um milhar e meio de crianças, aplicando provas elaboradas para o efeito organizadas em caderno (o instrumento «Eu», adiante descrito), com o intuito de verificar se poderá ou não afirmar-se que as crianças do 4

Leal, M.R.M. (2004) Inclusão e escola activa - Investigar e reflectir a educação. ESEI/Maria Ulrich, p. 9. 5

Investigação realizada em Fevereiro e Março, 2004, por Educadores da Infância, finalistas do “Curso de Complemento de Formação Científica e Pedagógica”, com especialização em N.E.E., na ESEI/Maria Ulrich, no âmbito da Unidade Curricular “Recursos e Apoios Familiares e Comunitários para Crianças em Risco”.

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primeiro ano de escolaridade apresentam um grau de desenvolvimento mais ou menos evoluído do que o encontrado em crianças de menor idade frequentando ainda o jardim-de-infância. HIPÓTESE Utilizando indicadores do desenvolvimento mental, procurámos certificar-nos dos efeitos da entrada no ensino obrigatório, na evolução da média das crianças que frequentam os bancos da escola. Comparámos dois blocos de crianças de 5 a 7 anos de idade, um congregando crianças de jardim-de-infância, outro congregando alunos de escolas EB1.

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Colocámos a hipótese: a) Em termos de respostas a provas de desenvolvimento cognitivo e global (considerado muito dependente de estímulos desenvolvimentistas), as crianças que frequentam escolas EB1 não apresentam diferenças significativas em relação às crianças de Jardim-de-Infância (em média com menos um ano de idade); b) entretanto, os alunos EB1 diferenciam-se das crianças de Jardim-de- -Infância nas provas denotando a evolução genética, perceptivo-motora, considerada menos dependente da acção pedagógica exercida. Todas as crianças de uma turma de 1.º Ano do ensino básico, em 50 escolas EB1 (turmas encontradas em escolas públicas e privadas, sedeadas em Lisboa e arredores, abrangendo 912 sujeitos), foram comparadas com crianças que ingressarão no ano lectivo próximo no 1.º Ciclo de ensino e frequentam salas de 50 Jardins-de-Infância (públicos e privados, sedeados em Lisboa e arredores, abrangendo 547 sujeitos.6

A selecção das crianças incluídas na amostragem resultou do acaso de se encontrarem nas localizações em que trabalham as 50 alunas de uma turma do CCFCP da ESEI/Maria Ulrich que participaram na pesquisa. A todas as crianças designadas foi aplicada a prova «Eu». Cada documento individual de resposta à prova «EU» foi avaliado de acordo com as respectivas normas dos elementos da prova (ver ANEXO), sendo toda a informação transferida 6

O número menor de crianças apuradas no bloco Jardim-de-Infância (547 em contraste com a soma de 912 do bloco EB1) resultou de, nas turmas respectivas apuradas, só serem contabilizados os dados referentes a crianças que iriam ingressar no 1º Ciclo no ano lectivo próximo, segundo informação dos pais e dos educadores.

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para quadros individuais. Posteriormente, foi criado um quadro único de registo global dos dados recolhidos. A PROVA «EU» A prova «EU» foi retirada da «Prova de Prontidão Habilitação Reabilitação» (1983) construída no contexto de um estudo da “prontidão para a aprendizagem escolar no início do 1.º Ciclo de Ensino Básico”. Incluía provas “papel-e-lápis” escolhidas pela sua fidedignidade e simplicidade e possibilidade de aplicação em grupo.7

Composta de cinco itens, incluía provas simples de linguagem e provas de atitude relacional e de classificação de imagens, além de provas de coordenação psicomotora (cópia de figuras geométricas e corte e colagem). Para o efeito do rastreio ora encarado, pareceu apropriado retirar desta prova apenas dois dos seus componentes: a prova de «Cópia de Figuras Geométricas», de comprovada consistência para assinalar o desenvolvimento genético psicomotor nas idades em causa, e a «Classificação de Figuras», esta muito dependente da elaboração reflexiva e de experiências de discriminação cognitiva. A estes dois elementos acrescentou-se o “Inventário de Elaboração de Competências Cognitivas” (ICEC), questionário de aplicação indirecta, a ser preenchido pelos professores/educadores de cada criança. Validado em 2002,

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8

fornece um somatório de indicadores dicotómicos (acerta/não acerta), para caracterizar o nível de funcionamento cognitivo-social da criança individual. A versão utilizada contém apenas os últimos 43 itens do ICEC, visto estarem em causa apenas sujeitos de 5 a 6/7 anos de idade. Assim, apresentou-se um documento simples, designado «Eu», que inclui três provas objectivas, além de uma informação do professor ou do educador sobre a “Adaptação” da criança visada (cx.bx. ANEXO).ANÁLISE DOS DADOS E CONCLUSÕES Recolhidas as respostas ao documento «EU», foi criado um quadro único de registo global e feitas as médias dos resultados obtidos. 7

O “Projecto de Estudo e Intervenção Psico-Educacional: Habilitação Reabilitação”, foi apoiado pela Fundação Gulbenkian, 1984-85. 8

Pelo Centro de Estatística da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, dirigido pela Professora Doutora Helena Nicolau, a quem devemos profunda gratidão por esta colaboração.

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As médias gerais dos valores apurados para os indicadores de desenvolvimento global, «ICEC» e «Prova de Classificação» respeitantes à população EB1 não apresentam o progresso que seria expectável quando comparadas às obtidas pela população de Jardim-de-Infância, um ano mais nova. Conclui-se, ainda, em termos da prova de «Cópia de Figuras Geométricas» que a população EB1 (em média, um ano mais velha), conforme esperado, apresenta valores ligeiramente superiores aos da população de Jardim-de-Infância. Assim, confirma-se tentativamente a hipótese de que a entrada no primeiro ano do primeiro ciclo da escola de ensino obrigatório produz na média das crianças uma evidente estagnação de funcionamento cognitivo-social, supostamente em consequência da aplicação de um modelo de intervenção pedagógica desadequado para estimular a progressão desejada. (Ver o quadro-resumo aqui transcrito). Cópia ClassificaçãoResumo das Conclusões ICEC Círculo Quadrado Losango 1ª Pág. 2ª Pág. Médias de Jardim-de-Infância (547 cr.) 32,1 1,4 1,2 0,9 8 11,8 Médias de EB1 (912 cr.) 31,1 1,6 1,4 1,3 7,9 11,8 Cotação de: 0 a 43 0 a 2 0 a 2 0 a 2 0 a 9

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0 a 16

ANEXO Cópia de Figuras. Trata-se de uma prova clássica, de validade bem estabelecida, que indica um nível de desempenho, incluída em todos os testes de rastreio da integridade de funcionamento neurológico e em alguns testes de nível geral de funcionamento psicológico. Na sequência de estudos de Terman/Merril, previa-se que uma criança que não tivesse cotação adequada, pelo menos ao nível da realização do quadrado (nível cinco anos de idade), dificilmente venceria nas tarefas do primeiro ano da primeira fase do ensino primário (Zazzo, René et al. “Nova Escala Métrica de Inteligência” (NEMI), Aferição portuguesa, J. Bairrão Ruivo (1976), Livros Horizonte). A realização de cada uma das cópias foi cotada de 0 a 2, de acordo com as normas conhecidas.

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Prova de Classificação. Dezassete desenhos apresentam “tarefas de classificação”: ”Mostra que desenho não pertence a esta fila ...”). Os desenhos foram retirados para a prova H.R. (1983) do teste de inteligência “ECNI” (com licença da Prof. Maria José Miranda que o aferiu para Portugal) e a contagem dos acertos apresenta forte indicação de validade. Os valores máximos são 9 +16. Prova ICEC - Do Inventário de Competências de Elaboração Cognitiva (ICEC), com 123 itens, foram transcritos apenas os itens de 80 a 123 (discriminativos a partir dos quatro anos de idade), no intuito de facilitar o tempo de preenchimento. Assim, a cotação final possível até aos seis a sete anos de idade é de 43. Uma criança que não atinja a cotação de entre 30 a 39 (90% a 95% de acertos) é considerada inapta para ingressar no 1.º Ciclo de Ensino Básico. CONSIDERAÇÕES GERAIS Recentemente, Andreia Sanches com Pedro Inácio escreveram sobre o escândalo de a educação de adultos nunca ter sido uma aposta em Portugal.9

Aduziam os respectivos números estatísticos: 6% a 20% de analfabetos adultos no nosso país (o mapa mostrava as conhecidas circunstâncias da “interioridade”: Alentejo Litoral, Baixo Alentejo, Alto Alentejo, Beira Interior). Recolheram, ainda, o testemunho de Ana Benavente (ex-governante) e colaboradores de existirem apenas 20% dos portugueses adultos a dominarem com algum à-vontade os códigos escritos do ler, escrever e contar. Entretanto, não manifestaram espantar-se com que, estando a legislação sobre a escolaridade obrigatória a ser cumprida já há dezenas de anos, 80% dos portugueses continuem sem um nível de literacia e numeracia adequados ao que se poderia exigir ao nível do 3.º ano de escolaridade obrigatória (ler e entender o que se lê, usar os números nas actividades do dia-a-dia...). 9

Público, de 15 de Dezembro, 2003.Anos 6 7 8 9 10 Quadrado 88,2 % 93% 94,8% 100%

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Losango 51 % 68,4% 70,7 % 90,6% 97,7%

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Por essa ocasião, a investigadora Ana Benavente respondera aos jornalistas que o Governo a que ela pertenceu privilegiou o fomento da educação pré-escolar em detrimento do ensino básico de adultos... Será então, agora, o momento de os governantes se preocuparem com o “ensino primário” dos portugueses (como manifestam preocupar-se com o ensino profissional, finalmente, em Abril de 2004)... Desde muito pequenas, por volta dos 3 anos de idade, as crianças (vivendo num meio em que no dia-a-dia contactam com a linguagem escrita em casa e/ou no jardim-de-infância) sabem distinguir a escrita do desenho. Mais tarde, sabem também que uma série de letras iguais não formam uma palavra. Começam, então, a tentar imitar a escrita e reproduzir os formatos do texto escrito (direccionais). Porque não colocar a aprendizagem do 1.º Ano da Escola Básica na sequência deste movimento natural, vivencial, de construção de cultura? Todos os estudiosos da pedagogia rejeitam os exercícios repetitivos da chamada «alfabetização» e apostam na expressividade natural, na necessidade de comunicação, na curiosidade e desejo de descoberta das realidades do seu mundo.10

Assim se introduzem os códigos «letrados» como elementos de experiência, no caso, a experiência típica da sociedade dos supermercados, da TV, de todos os meios audiovisuais de comunicação e da informática... Ao encarar os problemas de cada coorte dos seis para sete anos dos alunos que ingressam no ensino dito «básico» deve-se conhecer como se processa na mente infantil a apreensão do real e da tarefa escolar, ou seja, como se processa o desenvolvimento estrutural, cerebral, que, ao correr dos anos, assegura o acesso à «literacia», acesso a significados escritos e lidos e à lógica da numeracia, conduzindo a uma contínua codificação/descodificação dos significados abstractos da experiência. A ciência intitulada psiconeurobiologia deu passos largos nos últimos vinte anos. Nela se enquadra também o estudo da regulação cerebral que subserve a aprendizagem e a construção dos significados da experiência interpessoal sociocognitiva - e se realçam sempre de novo os aspectos globais, integrativos da construção do «Eu», como «sujeito» e origem de intercâmbios que impelem o desenvolvimento. 10

... o que não impede a inserção do treino necessário das perícias, de comportamentos circunscritos e pontuais.

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Todas as correntes de investigação empírica do fenómeno humano convergem na afirmação de que a observação do meio físico e social (sistemática e/ou fortuita) e o intercâmbio de reciprocidade abrem um caminho natural à construção do saber que o professor deve saber estimular. Ao seu ritmo, a criança deverá poder explorar as

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realidades do meio físico e do ambiente de relação interpessoal, o que acontecerá só na medida em que tenha também possibilidade de exercer os seus recursos expressivos e comunicativos no contexto de um seu grupo de convívio. Assim, também o saber académico e o aprofundamento da linguagem serão construídos pela criança, partindo dos seus encontros com o ambiente mediato e imediato que a envolve. Uma das características observadas mais geralmente no grupo de crianças em idade escolar que não parece conseguir aprender ao ritmo de algumas outras, seus pares, respeita ao que classicamente se designa como pensamento concreto, a forma rígida e estereotipada de se referir aos acontecimentos ou carências próprias. Observa-se que a compreensão destas crianças se reduz a moldes meramente «figurativos», limitando-se à constatação da presença imediata dos objectos ou dos eventos. Algumas até se mostram capazes de reproduzir o que vêem ou do que se apercebem, e de manter em memória a ordem da sua produção (rotinas).11

Masnão criam distância: não vão além do momento, comparando e reflectindo sobre a experiência imediata e directa, deduzindo na mente ou abstraindo algo da experiência em curso, ou exprimindo-se sobre os factos ou os próprios actos. Para elas, o que deixa de ser sensível deixa de ter relevância. Na escola clássica de ensino repetitivo, elas poderão até vir a ser capazes de aprender a ler textos elementares e a realizar operações aritméticas simples, mas permanecerão os párias da cultura... não ultrapassando ou sequer alcançando o nível de cultura básica do terceiro ano de escolaridade. Quando, para tantas crianças nestas primeiras idades, a informação se resume a uma circunstância - a arquivar como tal - sem convite à reflexão, opaca e fechada, deveria haver uma escola que exercesse uma acção verdadeiramente educativa: que induzisse a reflexão pelo intercâmbio social entre pares, e pela constante e repetida tradução expressiva de vivências partilhadas, faladas, desenhadas, representadas: deveria haver uma pedagogia que produzisse o 11

... Por isso, no insucesso escolar não se trata de um problema de memória estreita ou de raciocínio lento, mas de presença... de motivação...

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estímulo adequado ao desenvolvimento mental (apanágio da pedagogia activa, enraizada em Pestalozzi, Décroly, Montessori, Vygotsky, Piaget...), sem o que se verificará o característico síndroma das dificuldades de aprendizagem e do posterior insucesso e abandono escolar

INSUCESSO E ABANDONO ESCOLARES EM PORTUGALO XV Governo Constitucional assumiu como um dos seus objectivosestratégicos o combate ao insucesso e abandono escolares. Osnúmeros até então conhecidos eram suficientemente elucidativos dadimensão do problema e deixavam revelar alguns dos principais

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pontos de bloqueio do sistema educativo.Taxas de Retenção e Abandono-10-5051015202530354045123456789101112Anos de escolaridade%

R1994/1995R1996/1997A1994/1995A1996/1997

1. Os dois fenómenos estão associados: a retenção precedegeralmente o abandono.2. São pontos críticos da retenção os anos de escolaridade: 2.º,4.º, 7.º, 10.º e 12.º. Os dois anos com taxas mais elevadas são os do ensino secundário.3. As taxas de abandono são insignificantes no 1.º ciclo,revelando-se crescentes nos ciclos seguintes. Porém,acentuam-se de forma marcante nos anos seguintes àpassagem de ciclo (5.º, 7.º e 10.º).4. Detecta-se um agravamento entre as duas datas consideradas(de 1994/95 para 1996/97)

Page 22Recentemente foram publicadas as informações para anos maisrecentes que nos permitem apresentar dados mais actualizados eperceber a dinâmica destes dois fenómenos educativos:- XIV Recenseamento Geral da População, relativo ao ano de 2001,publicado pelo Instituto Nacional de Estatística;- Estatísticas da Educação, relativas ao ano lectivo de 1999/2000,publicados pelo Departamento de Avaliação, Planeamento eProspectiva do Ministério da Educação.Dos dados publicados no Recenseamento Geral da População,poderão ser extraídos três indicadores fundamentais:1. Taxa de abandono escolar – Total de indivíduos, nomomento censitário, com 10-15 anos que não concluíram o 3º ciclo e não se encontram a frequentar a escola, por cada 100indivíduos do mesmo grupo etário.2. Taxa de saída antecipada – Total de indivíduos, no momento censitário, com 18-24 anos que não concluíram o 3º ciclo e não se encontram a frequentar a escola, por cada 100 indivíduos do mesmo grupo etário.3. Taxa de saída precoce – Total de indivíduos, no momentocensitário, com 18-24 anos que não concluíram o ensinosecundário e não se encontram a frequentar a escola, por cada 100 indivíduos do mesmo grupo etário.Os resultados apurados podem ser sintetizados no seguinte quadroonde se expõem igualmente idênticos valores reportados ao

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Recenseamento de 1991:

Page 33Taxas de abandono por idades, dos 10 aos 15 anosIdades19912001103.50.0114.21.4125.01.7139.92.21419.53.41529.27.1Total: 10-1512.52.7Tratando-se de uma avaliação da escolaridade obrigatória, o facto de existirem taxas de abandono de 2,7% é preocupante, nomeadamente quando se constata que são os últimos anos que mais contribuempara esse nível. Porém, há que assinalar os progressos registados na última década que se traduziram numa quebra de quase 10 pontospercentuais dessa taxa. A adopção da escolaridade obrigatória teveefeitos positivos na evolução registada, os próximos anos terão detraduzir-se numa aproximação progressiva da taxa zero.Este progresso não teve a mesma expressão nos dois outrosindicadores, facto que relega o nosso país para uma posição demanifesto atraso face aos seus parceiros europeus.Saída antecipada e saída precoce (%)19912001Saída antecipada54.1%24.6%Saída precoce63.7%44.8%

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Page 44Saída precoce (%) – Portugal e a UE (2001)UE15BDKDELEFIRLILNLAPFINSUKHM1914 17 13 17 29 14nd26 18 15 10 451011 ndH2215 17 12 20 35 15nd30 19 17 10 521311 ndM1712 17 13 13 22 12nd23 17 14 11 38810 ndSe é verdade que Portugal registou uma quebra acentuada destasduas taxas, entre 1991 e 2001, não deixa de ser “abismal” adiferença que nos separa não só da média europeia, mas igualmente do nosso parceiro mais próximo, a Espanha.Entretanto, este números só esclarecem a verdadeira dimensão doproblema se decompostos ao nível local e regional. As profundasdisparidades regionais revelam-se na proporção do singelo ao dobro, com a região norte em especial destaque.A representação cartográfica que este estudo realiza é por si sóreveladora não só das diferenças regionais, mas acima de tudo locais, ao nível do concelho. A identificação de potenciais factoresestruturantes desses fenómenos permite circunscrever dinâmicasdiferenciadas que sustentam lógicas locais e regionais do abandono e das saídas do sistema educativo.O confronto da cartografia do abandono com o de outros indicadores de contextualização sócio-económica permite identificar este

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fenómeno com as oportunidades de integração precoce no mercadode trabalho e com o insucesso escolar. Ou seja, o abandono escolartem muito mais a ver com a idade do que com o ano de escolaridade que se frequenta e é geralmente precedido de histórias de insucesso repetido.

Page 55Os dados recentes publicados pelo Ministério da Educação (ME-DAPP), relativos ao ano lectivo de 1999-2000, esclareceminequivocamente aquela relação e apontam para pontos de tensão no sistema educativo que importa atenuar. O período correspondente àescolaridade obrigatória encerra o fundamental da compreensão dofenómeno do insucesso escolar traduzido nas taxas de retenção.02468101214161820Taxas (%)2º3º4º5º6º7º8º9ºAnos de escolaridadeTaxas de Retenção na Escolaridade Obrigatória Continente, 1999-2000

Os anos de escolaridade críticos são o 2.º, o 5.º e o 7.º. O 2.º écompreensível dado não existir retenção no precedente. Mesmo assim os níveis atingidos são muito preocupantes. Porém, os restantesrevelam as dificuldades dos alunos após a passagem de ciclo. Istosignifica que estamos perante um sistema de ensino com manifestadesarticulação entre os diferentes ciclos, com patamares de exigência claramente desnivelados e com eventuais problemas dedesadequação após a transição. Este é o melhor indicador de quetemos um sistema educativo que evoluiu em “patamares”, quandodeveria promover a evolução natural e progressiva dasaprendizagens. Associado a este fenómeno poderá estar igualmente o

Page 66excesso de transferências de escola a que os alunos são sujeitos,consequência da diversidade e segmentação das tipologias. Estaconclusão é tanto mais pertinente quanto não se detectam diferenças regionais acentuadas.0246810

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1214161820Taxas (%)2º3º4º5º6º7º8º9ºAnos de EscolaridadeTaxas de Retenção na Escolaridade Obrigatória Regiões do Continente, 1999-2000NorteCentroLisboa e Vale do TejoAlentejoAlgarve

Como é evidente, o mesmo padrão está presente nas diferentesregiões. Trata-se, claramente, de um problema do sistema de ensino cuja expressão se agiganta na passagem para o ensino secundário:as maiores taxas de insucesso e de abandono registam-se no 10.ºano de escolaridade, com mais uma passagem de ciclo, a última, mas também a mais penosa.Confrontando os indicadores de retenção relativos a 1999/2000 comos disponíveis para anos anteriores detectam-se algumas linhas queimporta realçar.

Page 77Taxas de retenção na escolaridade obrigatória024681012141618201º2º3º4º5º6º7º8º9ºAnos de escolaridade

R1994/1995R1996/1997R1999/2000

À clara diminuição das taxas de retenção no 1.º ciclo do ensinobásico, corresponde o seu agravamento nos anos e ciclos seguintes.A representação cartográfica de todos estes indicadores deixatransparecer quanto o fenómeno do abandono e do insucessoescolares apresentam uma expressão local e regional que importa ter em conta na definição de uma estratégia visando a sua superação. Se é certo que as políticas macro poderão contribuir para a melhoriadestes indicadores, não será menos certo que os seus verdadeirosintérpretes terão de ser as escolas e as comunidades locais, através

Page 27: Abandono Escolar

da sua consciencialização e mobilização para um combate que atodos diz respeito.O Gabinete do Ministro da EducaçãoLisboa, 6 de Março de 2003

Como combater o abandono e insucesso escolarO prometido é devido, pelo que, depois de todos os alunos da turma terem apresentado, ao longo do primeiro período de aulas, as notícias que consideraram mais pertinentes e susceptíveis de promoverem o debate de ideias, é chegada a hora de também eu, na qualidade de professor de Geografia da turma, trazer à discussão mais um assunto da actualidade, que espero vir a ser do interesse dos alunos... E faço-o como incentivo para que participem no Programa "Parlamento dos Jovens" dirigido aos estudantes do ensino secundário.Números recentemente dados a conhecer num estudo de investigação realizado pelo economista Eugénio Rosa a partir do Eurostat - o Gabinete de Estatísticas da União Europeia - sobre a evolução do sistema de Educação em Portugal revelam que o abandono escolar no nosso país apenas diminuiu 0,1% no última década, contrariamente ao que se passou na UE, em que a redução foi de 4,6%. De facto, se em 1996 o abandono escolar em Portugal tinha sido de 40,1% passados dez anos este indicador apenas desceu para os 40%. Uma desilusão!!!Mais grave ainda é o facto do abandono escolar no nosso país, entre 2005 e 2006, ter aumentado, passando-se de 38,6% para 40%, quando a média comunitária continuou a descer. Outro dado preocupante relaciona-se com o facto de na última década o sucesso escolar no ensino secundário nunca ter atingido sequer os 70%. Ora, na tua opinião, quais são os factores responsáveis por este autêntico "desastre" educativo? Que medidas consideras que devem ser aplicadas para inverter a actual situação de abandono e insucesso escolar?