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Universidade de Brasília / Instituto de Letras Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas- LIP/ PPGL Disciplina: Morfologia Profª. Drª. Walkiria Neiva Praça Aluna (o): Marli Vieira Lins de Assis - Doutoranda em Linguística 2ª AVALIAÇÃO (10,0) Com base no paradigma abaixo do Português Literário, responda às questões: Questões: 1-Observando o paradigma do verbo livrar e considerando que os sufixos flexionais normalmente são terminais, isso é, ocorrem no final das “palavras”, proponha uma análise adequada para as formas do futuro do presente. Quando observamos os usos linguísticos que fazemos dos verbos no português brasileiro, percebemos que o futuro (do presente ou pretérito) no Brasil vem passando por modificações bastante significativas. Se voltarmos um pouco na linguística histórica veremos,de acordo com HRICSINA (2011), que podemos dividir a história da língua portuguesa em 5 fases que são: o indo--europeu (língua de origem de todas as línguas indo-

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Page 1: A2 de Morfologia - UnB (3)

Universidade de Brasília / Instituto de Letras

Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas-LIP/ PPGL Disciplina:

Morfologia

Profª. Drª. Walkiria Neiva Praça

Aluna (o): Marli Vieira Lins de Assis - Doutoranda em Linguística

2ª AVALIAÇÃO (10,0)

Com base no paradigma abaixo do Português Literário, responda às questões:

Questões:

1-Observando o paradigma do verbo livrar e considerando que os sufixos flexionais

normalmente são terminais, isso é, ocorrem no final das “palavras”, proponha uma

análise adequada para as formas do futuro do presente.

Quando observamos os usos linguísticos que fazemos dos verbos no

português brasileiro, percebemos que o futuro (do presente ou pretérito) no Brasil

vem passando por modificações bastante significativas. Se voltarmos um pouco na

linguística histórica veremos,de acordo com HRICSINA (2011), que podemos dividir

a história da língua portuguesa em 5 fases que são: o indo--europeu (língua de

origem de todas as línguas indo-europeias), o latim clássico,o latim vulgar (língua de

origem de todas as línguas românicas), o português antigo e o português moderno.

No indo-europeu, as formas sintéticas do futuro se manifestam nas seguintes

línguas: iraniano, grego, latim, céltico e línguas bálticas. Nas línguas bálticas,

o futuro se forma,por meio dos sufixos: –s (-si, -sin). Em grego, céltico e latim

arcaico, o futuro formava-se também pelo sufixo em –s. Em iraniano

encontramos o sufixo em -sya.

No latim clássico, tínhamos dois tipos de formas do futuro: a primeira e a

segunda conjugação formavam o futuro pelo sufixo em –b (ex. laudabo, monebo

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etc.); a terceira e a quarta conjugação através do sufixo em -e, -a (ex. legam,

leges; audiam, audies etc.).

No latim vulgar, tínhamos a substituição das formas analíticas do futuro por

outras mais expressivas. De acordo com HRICSINA (2011,p.03), as formas de

substituição são as seguintes:1. o particípio do futuro activo –forma em –urus

ligado com o presente do indicativo do verbo esse (originariamente exprimia esta

construção o futuro subjectivo, depois o futuro); 2. Vários verbos como, por

exemplo, possum, incipio, valo, debeo, habeo + infinitivo. Nas seguintes línguas

românicas português, espanhol, francês, galego, catalão, italiano propagou-se a

construção com o auxiliar habere. Vale ressaltar que no início, essa construção

era analítica,mas com o passar do tempo foi sintetizada dando origem à

construção, por exemplo: falar – hei > falarei.De acordo com a autora acima

fatores, tais como: fonética, semântica e formas ditas mais expressivas de uso da

língua justificam as mudanças sofridas em verbos no futuro.

O português antigo herdou do latim vulgar a forma sintética: falarei que tanto era

usado na oralidade quanto na escrita e também a forma: hei-de falar.Para a

autora (op.cit), duas informações precisam ser colocadas aqui: essa inovações

são frutos da própria evolução da língua e que essas formas não são

concorrentes,pelo contrário, eram usadas em situações específicas.

No português moderno, encontramos as seguintes possibilidades de uso para o

futuro: falarei,vou falar,hei-de falar,falo. Cada uma dessas formas usadas em

situações específicas não só de uso,mas de estrutura. (HRICSINA (2011)

Considerando essas informações e a prescrição apresentada pela gramática

normativa da língua portuguesa usada no Brasil temos a orientação de usarmos a

mesóclise quando nos referimos ao futuro,ou seja, o pronome no meio do verbo.No

entanto, geralmente conjugamos os verbos de algumas formas: vou te encontrar

amanhã, encontrarei você amanhã,menos na indicada pela tradição gramatical, o

que evidencia um descompasso entre a prescrição e o uso linguístico (o que se

propõe pelos especialistas da língua é que os usuários da língua empreguem os

clíticos considerando sua posição na estrutura oracional e os critérios de usos

desses clíticos. Para isso, existem classificações e critérios de usos em relação ao

uso de artigos, pronomes etc).

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De acordo com a Gramática do Português Brasileiro, temos três

classificações para usos dos clíticos na nossa língua, especificamente no que tange

aos usos dos pronomes átonos, quais sejam: próclise (clítico antes do verbo),

ênclise (clítico depois do verbo) e mesóclise ( clítico no meio do verbo).

Antes de abordarmos a classificação que nos interessa nesta questão, o uso

da mesóclise, é de grande relevância discutir o conceito de clítico. Veja o que nos

dizem alguns autores.

De acordo com Crystal (1988,p.49) “clítico é termo usado na gramática com

referência a uma forma que se assemelha a uma palavra,mas não pode aparecer

sozinha em um enunciado normal,sendo estruturalmente dependente da palavra

vizinha na construção”

Ainda segundo o autor acima (...). São clíticos os pronomes átonos: me, te,

se, o, a etc e podem ser classificados de acordo com sua posição em relação à

palavra de que dependem: proclíticos (próclise) dependem da palavra seguinte ( é o

caso dos artigos),mesóclise e ênclise. De acordo com o autor, chama-se “clitização

e ligação dos pronomes átonos aos verbos”. (p.49)

De acordo com Bagno (2011,p.740), “ o verbo Klínõ significa: inclinar,apoiar,

fazer cair.É fácil reconhecer nesse verbo grego a semelhança verbos latinos clino,

de-clino,inclino, etc.De fato, os verbos derivam e uma mesma raiz indo-europeia

“klei-, com o sentido de inclinar”.

O adjetivo Kliticos veio desse verbo grego que é usado na literatura linguística

“ para designar um vocábulo átono que se apóia em outro antes ou depois dele para

juntos, constituírem um único grupo acentuado” (BAGNO,2011,p.740).Eles podem

pertencer a classes gramaticais diversas e variar de língua para língua. O autor

destaca que em algumas variedades do português brasileiro e na fala menos

monitorada urbana a preposição “com” pode perder a nasalização e se cliticizar com

os artigos da língua portuguesa falada em nosso país. Exemplos: c’o, co’a etc.

Em relação ao uso dos verbos no futuro do presente, encontramos uma

orientação gramatical que nos prescreve o uso do clítico no meio do verbo.

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Do ponto de vista linguístico, a mesóclise ocorre de acordo com Bagno (2011)

quando o clítico ocorre entre o radical e as desinências de modo, tempo e pessoa.

Segundo o autor só pode ocorrer a mesóclise no futuro do presente e do pretérito –

condicional e uma das justificativas para isso encontra-se no fator histórico. Na

página 742, o autor destaca que “esses dois tempos verbais resultam da

gramaticalização de locuções verbais usadas no período do latim vulgar: falar hei e

falar ia”. Numa perspectiva diacrônica, a mesóclise “é simplesmente a ênclise de

um IP ( índice de pessoa) ao infinitivo verbal: falar-te hei,falar-te ia.

O autor amplia suas colocações afirmando em português brasileiro não temos

o hábito de usar a mesóclise e que, em algumas situações quando ouvimos ou

lemos um verbo com o clítico no meio do verbo achamos engraçado ou no mínimo

estranho. Além desse comentário, o autor ainda afirma que a mesóclise também

recebe o nome de “ ‘tmese’ que significa corte ou divisão “ (p.742)

Diante do exposto, conclui-se que o uso da mesóclise em verbos do futuro

( presente ou pretérito):

Aparentemente a mesóclise existiu em todas as línguas românicas.

“Ocorre” inicialmente devido ao fator histórico como apresentado acima e não

especificamente pelo uso que os falantes fazem.

No latim vulgar, o futuro clássico (amabo – amarei, dicam – direi) foi

substituído pela perífrase do infinitivo com o verbo haver (habeo + cantare >

cantare habeo > cantare hei)

O infinitivo poderia vir antes ou depois do verbo haver, mas depois acabou se

fixando no primeiro lugar da construção (cantare hei).

Por volta do século XII, a perífrase passou por gramaticalização e

compactou-se dando a ideia de futuro.

Foi a partir da forma perifrástica que se formou o futuro sintético no PB (hei

de cantar > cantar hei> cantarei).

Ainda podemos afirmar que: há a possibilidade de que a expansão das

variantes analíticas de futuro esteja relacionada com as mudanças na ordem

das palavras. A mudança foi gradual e resultou num processo de

gramaticalização da forma verbo haver + verbo principal. Se a gramaticalização

pode ser um processo de mudança linguística, podemos observar esse

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processo nas formas do futuro do presente. Palavras de valor lexical,

representando uma ação do mundo, transformando-se em termos de valor

gramatical. No caso do verbo livrar no futuro do presente, de acordo com as

pesquisas realizadas por BAGNO (2013) o que ocorreu foi uma erosão fonética

acrescida do enfraquecimento semântico e fixação morfossintática, resultando

no deslocamento do verbo haver para o final da palavra, produzindo o sufixo

flexional de tempo. O verbo haver em suas formas hei, hás, há, hemos, heis e

hão deixaram de ser auxiliares e funcionam hoje como sufixos flexionais de

tempo ocorrendo sempre no final das palavras.

Em relação à tonicidade, pode-se afirmar que há tonicidade no morfema que

determina o tempo futuro, no caso do verbo livrar, a desinência modo-temporal

reveste as formas /re/, /rá/ e /rã/. Para MONTEIRO (1986) para conhecermos o

morfema básico ou a norma empregada, basta verificar qual das formas é

predominante. No caso, /re/ ocorre três vezes; /rá/ duas vezes e /rã/ apenas

uma vez, portanto, para o estudioso, /rá/ e /rã/ podem ser vistos como casos de

alomorfia.

2- Descreva o morfema 3ª pessoa do plural, dê seus alomorfes e os ambientes

fonológicos em que estes ocorrem.

Descrição:

Considerando as leituras realizadas em sala e outras contribuições de

especialistas no âmbito dos estudos linguísticos, inicialmente gostaria de retomar o

conceito de alormorfia que, segundo Payne (2006) refere-se às diferentes formas de

morfemas, mais especificamente, o autor afirma: as formas sistematicamente

distintas de um morfema são chamadas de seus alomorfes, definição também

compartilhada por Crystal (1988).

Diante dessas reflexões iniciais, podemos observar no corpus apresentado os

seguintes casos de alomorfia:

(i) livro-os

(ii) livra-os

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Nas formas apresentadas acima temos o mesmo radical: livr-. No entanto,

percebemos que uma mudança na vogal final / o / para / a /. Inicialmente podemos

afirmar que essa mudança ocorre por vários motivos, neste caso,podemos destacar

a presença do modo e do tempo verbal. Em livro, temos a 1ª pessoa do singular do

modo indicativo (eu livro eles – livro-os). Já em livra, estamos diante da 1ª pessoa

do imperativo,portanto diante de uma ordem ( tu livra eles – livra-os).Assim, a

mudança de / o / para / a /, num primeiro momento ocorre pela mudança nos

tempos e nos modos verbais e pela presença da vogal átona ( a, o) .Quanto ao uso

do pronome oblíquo átono, aqui entendido como clítico, segundo Crystal (1988), nas

duas ocorrências, entende-se que essa ocorrência é motivada por vários fatores e

um deles é a existência de uma regra na gramática normativa que propõe a troca

do pronome ‘ele (s)’ pelo pronome oblíquo átono ‘o (s)’. Considerando as teorias

linguísticas, temos em Payne (2006) a seguinte afirmação: essas modificações

podem acontecer devido aos sons que estão próximos. Nesse sentido,

podemos,para começar nossa reflexão, entendendo que a alternância de / o / para /

a / pode ser justificada também pela presença de uma consoante vibrante que

aceitaria a variação apresentada.Em relação aos pronomes utilizados, vale

ressaltar que eles ocorrem num ambiente de vogais átonas,mais especificamente de

uma vogal central ‘a’ e uma vogal média alta ‘o’ e por isso também se tornam

átonos.

(iii) livramo-los

(iv) livram-nos

Se comparado às duas formas iniciais: livro e livra o terceiro exemplo também

demonstra um caso de alomorfia. Temos o mesmo radical ‘livr-‘, e as alternâncias

apresentadas a seguir: / o / para / a / e a inserção da “partícula” – mo, já que / a /

refere-se à vogal temática do verbo.O verbo passa por uma alteração devido a uma

adequação da forma coloquial ou menos formal: nós livramos eles.Pode-se ressaltar

que a consoante nasal “m” transfere sua nasalidade à vogal ‘a’ que passa ser

pronunciada como ‘ã’ nos dois casos apresentados acima.A tonicidade concentra-se

na sílaba que possui a vibrante fazendo com a sílaba postônica – mo passe a ser

átona.Em relação ao exemplo número 4, a tonicidade mantém-se na sílaba que

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possui a vibrante. Cabe também uma observação em relação ao uso do clíticos – los

e – nos utilizados nos exemplos acima. Dentro do ambiente em que se encontram,

eles mantém sua forma átona.

Referências Bibliográficas:

BAGNO, Marcos. Gramática Pedagógica do Português Brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial.2011.

CRYSTAL,David. Dicionário de Linguística e Fonética.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda,1988.

HRICSINA, Jan. A EVOLUÇÃO DO TEMPO FUTURO EM PORTUGUÊS É CÍCLICA? ÉTUDES ROMANES DE BRNO, 32, 2011, 1.Disponível em:____