a vivência dos trabalhadores de enfermagem que sofreram acidente

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM CAROLINA LUIZA BERNARDES A VIVÊNCIA DOS TRABALHADORES DE ENFERMAGEM QUE SOFRERAM ACIDENTE COM FLUIDO BIOLÓGICO: UM OLHAR FENOMENOLÓGICO São Paulo 2014

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    ESCOLA DE ENFERMAGEM

    CAROLINA LUIZA BERNARDES

    A VIVNCIA DOS TRABALHADORES DE ENFERMAGEM

    QUE SOFRERAM ACIDENTE COM FLUIDO BIOLGICO:

    UM OLHAR FENOMENOLGICO

    So Paulo

    2014

  • CAROLINA LUIZA BERNARDES

    A VIVNCIA DOS TRABALHADORES DE ENFERMAGEM

    QUE SOFRERAM ACIDENTE COM FLUIDO BIOLGICO:

    UM OLHAR FENOMENOLGICO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Gerenciamento em Enfermagem da

    Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo

    para obteno do ttulo de Mestre em Cincias

    rea de Concentrao: Fundamentos e Prticas de

    Gerenciamento em Enfermagem e em Sade.

    Orientadora:

    Prof. Dr. Patrcia Campos Pavan Baptista

    So Paulo

    2014

  • Autorizo a reproduo total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio

    convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa desde que citada

    fonte.

    Assinatura: ______________________________ Data: ____/____/_____

    Catalogao na Publicao (CIP)

    Biblioteca Wanda de Aguiar Horta

    Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo

    Bernardes, Carolina Luiza

    A vivncia dos trabalhadores de enfermagem que sofreram

    acidente com fludo biolgico: um olhar fenomenolgico / Carolina

    Luiza Bernardes. So Paulo, 2014.

    96 p.

    Dissertao (Mestrado) Escola de Enfermagem da Universidade

    de So Paulo.

    Orientadora: Prof. Dr. Patrcia Campos Pavan Baptista

    rea de concentrao: Fundamentos e Prticas de Gerenciamento

    em Enfermagem e em Sade

    1. Enfermagem. 2. Agentes biolgicos. 3. Pesquisa qualitativa. I.

    Ttulo.

  • FOLHA DE APROVAO

    Nome: Carolina Luiza Bernardes

    Titulo: A vivncia dos trabalhadores de enfermagem que sofreram acidente

    com fluido biolgico: um olhar fenomenolgico.

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Gerenciamento em Enfermagem da

    Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo

    para obteno do ttulo de Mestre em Cincias.

    Aprovado em: ____/____/____

    Banca Examinadora

    Prof. Dr.: ___________________________ Instituio: _____________________

    Julgamento: ________________________ Assinatura: ____________________

    Prof. Dr.: ___________________________ Instituio: _____________________

    Julgamento: ________________________ Assinatura: ____________________

    Prof. Dr.: ___________________________ Instituio: _____________________

    Julgamento: ________________________ Assinatura: ____________________

  • Dedicatria

    Aos meus pais Lincoln e Maria pelo amor

    incondicional, e por terem nos mostrado o brilhante

    caminho dos estudos.

    A minha irm Amlia pela dedicao e

    companheirismo.

    A minha irm Natlia por estar sempre to perto

    mesmo estando longe.

    A minha tia e madrinha Mrcia pelo carinho

    dedicado a ns.

  • AGRADECIMENTOS

    A Nossa Senhora Aparecida pela Graa alcanada.

    A Profa. Patrcia Campos Pavan Baptista pelas orientaes, por ter possibilitado

    meu ingresso no Mestrado e por contribuir de forma significativa com o meu

    trabalho e meu crescimento como pesquisadora.

    A Profa. Vanda Elisa Andres Felli pela experincia e palavras sbias durante as

    reunies do grupo de pesquisa.

    As Profas Arlete Silva e Miriam Merigui pelas valiosas contribuies durante o

    exame de qualificao.

    Aos pesquisadores do grupo de pesquisa pelo coleguismo e aprendizado

    compartilhado durante nossas reunies.

    A equipe do SESMT Dr. Eduardo Costa S e aos enfermeiros Thatiana Fernanda

    Coa, Ruth Munhoz, Elza Leandro da Silva, Ricardo Roslindo e Vania Germinia

    Andrade pelo apoio, receptividade e ajuda durante todo o Mestrado.

    As trabalhadoras de enfermagem que por meio do relato de suas vivencias

    possibilitaram a reflexo e elaborao deste trabalho.

    A Clotilde Aparecida C. Silva da Biblioteca da Escola de Enfermagem pelo seu

    brilhante trabalho.

    Ao fotgrafo Lincoln Bernardes que gentilmente cedeu suas fotos para publicao

    neste trabalho.

    A Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo pelo financiamento

    deste estudo.

  • O ente que temos a tarefa de analisar somos ns

    mesmos. O ser deste ente sempre e cada vez meu.

    Martin Heidegger

  • Bernardes CL. A vivncia dos trabalhadores de enfermagem que sofreram

    acidente com fluido biolgico: um olhar fenomenolgico [dissertao]. So

    Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de So Paulo; 2014.

    RESUMO

    A exposio ocupacional aos fluidos biolgicos inerente ao trabalho

    desempenhado pela equipe de enfermagem durante a realizao da

    assistncia, tornando o trabalhador susceptvel a ocorrncia de acidentes e

    exposto aos fluidos corporais que podem conter diferentes patgenos

    causadores de doenas como HIV, Hepatite B e C. Trata-se de um estudo de

    natureza qualitativa que objetivou compreender a experincia do acidente com

    fluido biolgico e da assistncia prestada aos trabalhadores de enfermagem,

    considerando suas necessidades de cuidado. Foram realizadas entrevistas

    individuais a partir da seguinte questo norteadora: Conte-me como foi para

    voc ter se acidentado com fluido biolgico?. Os discursos foram analisados

    luz do Referencial de Martin Heidegger onde surgiram as seguintes Unificaes

    Ontolgicas: Ser no mundo vivenciando a acidente com fluido biolgico; A

    angstia por ter se acidentado com fluido biolgico; As necessidades

    manifestas pelas trabalhadoras de enfermagem aps o acidente com material

    biolgico: vivenciando o cuidado autntico; Vivenciando o cuidado inautntico e

    a impessoalidade aps o acidente de trabalho com material biolgico;

    Superao e reorganizao do trabalho por meio da transcendncia. Os

    resultados demonstram que aps o acidente com fluido biolgico as

    trabalhadoras vivenciam a angstia e a assistncia trabalhadora acidentada

    efetiva quanto ao acompanhamento clnico e ambulatorial por meio do

    protocolo de atendimento, porm ele no aborda questes consideradas

    fundamentais no ponto de vista do sujeito que sofre o acidente.

    Palavras-chave: Enfermagem. Exposio ocupacional. Agentes biolgicos.

    Pesquisa qualitativa.

  • Bernardes CL. The experience of nursing staff who had accidents with

    biological fluid: a phenomenological look [dissertation]. So Paulo: Escola de

    Enfermagem, Universidade de So Paulo; 2014.

    ABSTRACT

    Occupational exposure to biological fluids is inherent in the work performed by

    the nursing staff during the implementation of assistance, making the worker

    liable to accidents and exposed to body fluids that may contain various

    pathogens causing diseases like HIV, Hepatitis B and C. This is a qualitative

    study that aimed to understand the experience of the accident with biological

    fluid and assistance to the nursing staff, considering their care needs. Individual

    interviews were conducted with the following question: "Tell me how it was for

    you to have crashed with biological fluid?. The reports were analyzed in the

    light of Martin Heidegger Referential where Ontological Unifications following

    emerged: Being in the world experiencing the accident with biological fluid ; The

    anguish because you are injured in biological fluid ; The manifest need for

    nursing workers after the accident with biological material : experiencing

    authentic care ; Experiencing care inauthentic and impersonality after work

    accident with biological material ; Resilience and reorganization of work through

    transcendence . The results show that after the accident with biological fluid

    workers experience distress and assisting rugged working is effective for clinical

    and outpatient follow- through care protocol, but it does not address

    fundamental issues considered in view of the individual who suffers the accident

    .

    Keywords: Nursing. Occupational exposure. Biological Agents. Qualitative

    research.

  • SUMRIO

    Dedicatria

    Agradecimentos

    Resumo

    Abstract

    1. INTRODUO ........................................................................................................... 11

    1.1 O despertar para a temtica ............................................................................ 12

    1.2 Inquietaes e o objetivo do estudo ................................................................ 13

    2. REVISITANDO CONCEITOS ................................................................................... 15

    2.1 O trabalhador de enfermagem e o acidente com fluido biolgico .................. 16

    2.2 A assistncia ao trabalhador acidentado com fluido biolgico:

    notificao do acidente, profilaxia aps a exposio e monitoramento

    do trabalhador .................................................................................................. 22

    3. OPTANDO PELO MTODO QUALITATIVO FENOMENOLGICO ...................... 29

    4. CAMINHO METODOLGICO .................................................................................. 33

    4.1 Tipo de pesquisa ............................................................................................. 34

    4.2 Sujeitos da pesquisa ....................................................................................... 34

    4.3 Regio de inqurito ......................................................................................... 35

    4.4 Procedimento para coleta de dados ............................................................... 35

    4.5 Aspectos ticos ............................................................................................... 35

    4.6 O caminho para a Anlise dos discursos ........................................................ 36

    5. APRESENTANDO OS RESULTADOS .................................................................... 37

    5.1 Conhecendo as trabalhadoras de enfermagem que sofreram acidente

    com fluido biolgico ......................................................................................... 38

    5.2 Unificaes Ontolgicas ................................................................................... 39

    5.2.1 Ser no mundo vivenciando o acidente com fluido biolgico ................... 39

    5.2.2 A angstia por ter se acidentado com fluido biolgico ........................... 43

    5.2.3 As necessidades manifestas pelas trabalhadoras de enfermagem

    aps o acidente com fluido biolgico: vivenciando o cuidado

    autntico .................................................................................................. 47

    5.2.4 Vivenciando o cuidado inautntico e a impessoalidade aps o

    acidente de trabalho com fluido biolgico ............................................... 51

    5.2.5 Superao e reorganizao do trabalho por meio da

    transcendncia ........................................................................................ 54

    6. DISCUSSO .............................................................................................................. 58

    7. DESVELANDO O FENMENO ................................................................................ 73

    8. REFERNCIAS ......................................................................................................... 78

    9. APNDICES .............................................................................................................. 87

    10. ANEXOS .................................................................................................................. 91

  • 1. INTRODUO

  • Introduo

    12

    1.1 O despertar para a temtica

    Iniciei minha trajetria profissional no ano de 2009, em uma unidade

    de emergncia de um hospital escola, considerado o maior complexo hospitalar

    da Amrica Latina. O primeiro contato foi marcante, inmeros pacientes com

    diferentes patologias e um avano tecnolgico dirio exigindo constante

    atualizao por parte de todos os trabalhadores.

    No decorrer da minha atuao fui me inquietando com as questes

    relativas suscetibilidade aos acidentes de trabalho, em especial aos

    acidentes com fluidos biolgicos, considerando a rotina frentica, a alta

    demanda de pacientes e o trabalho intenso devido rapidez nos atendimentos

    e a gravidade das emergncias. Inmeras vezes compartilhei o desgaste de

    colegas aps um acidente de trabalho com fluido biolgico, tendo em vista a

    incerteza relacionada ao estado de sade dos pacientes e, frequentemente a

    ausncia de exames sorolgicos, por se tratar de uma unidade emergencial.

    importante ressaltar que o trabalhador imerso em seu cotidiano de

    trabalho ao se deparar com uma situao inesperada necessita de apoio

    institucional no sentido de facilitar seu acesso ao atendimento rpido e que lhe

    proporcione segurana e acolhimento em um momento to angustiante.

    Entretanto, minha experincia profissional permitiu-me a percepo de que os

    servios nem sempre tm uniformidade nas orientaes e no atendimento

    desses trabalhadores, decorrente de dvidas acerca dos protocolos, gerando

    ansiedade e agravando ainda mais o contexto vivencial dos trabalhadores

    acidentados.

    Outro fator observado foi a subnotificao dos acidentes pelos

    profissionais expostos, o que pode estar relacionado ao medo da exposio no

    ambiente laboral, punies como a perda do emprego, e a prpria falta de

    informaes acerca do protocolo preconizado na instituio.

    inegvel o avano no conhecimento sobre os acidentes com

    fluidos biolgicos, nas pesquisas quantitativas e qualitativas, que abordam no

  • Introduo

    13

    apenas os dados referentes ocorrncia dos acidentes como os sentimentos

    vivenciados pelos trabalhadores, porm ainda problemtica a situao dos

    trabalhadores de enfermagem quanto notificao dos acidentes, o

    seguimento do protocolo, o que pode indicar uma assistncia ineficaz ao

    trabalhador e uma fragilidade nos sistemas de vigilncia de notificao desses

    acidentes.

    Nesse aspecto, esta pesquisa surge com o intuito de desvelar o

    fenmeno ser trabalhador de enfermagem e ter se acidentado com fluido

    biolgico, considerando as lacunas existentes acerca da assistncia prestada

    ao trabalhador acidentado bem como suas necessidades de cuidado.

    Considerando que por meio da investigao fenomenolgica possvel

    descobrir os significados ocultos vivenciados por cada indivduo em

    determinada situao e suas repercusses para sua vida profissional, social e

    afetiva, acredito que este estudo poder subsidiar mudanas relacionadas

    assistncia prestada aos trabalhadores de enfermagem vtimas de acidentes

    com fluidos biolgicos.

    A seguir apresento as inquietaes que me conduziram realizao

    da presente pesquisa.

    1.2 Inquietaes e o objetivo do estudo

    Diante da experincia vivenciada durante minha atuao na Unidade

    de Pronto Socorro, surgiram algumas inquietaes acerca das vivncias dos

    trabalhadores que se acidentaram com fluidos biolgicos:

    Em que contexto de trabalho os acidentes com fluido biolgico

    ocorrem?

    Como a assistncia prestada ao trabalhador acidentado com

    fluido biolgico?

  • Introduo

    14

    Quais so as necessidades de cuidado manifestas pelos

    trabalhadores de enfermagem acidentados?

    Quais as dificuldades encontradas pelos trabalhadores que se

    acidentaram com fluido biolgico?

    Este estudo tem como objetivo compreender a experincia do

    acidente com fluido biolgico e da assistncia prestada aos trabalhadores

    de enfermagem, considerando suas necessidades de cuidado.

    Compreender a vivncia dos trabalhadores de enfermagem que se

    acidentaram com fluidos biolgicos poder desvelar o sentido do acidente para

    o trabalhador no tocante assistncia recebida fornecendo subsdios para o

    desenvolvimento de medidas de proteo sade do trabalhador, indicando as

    possveis lacunas no processo de atendimento que podem favorecer a

    subnotificao desses acidentes bem como o no seguimento do tratamento

    por parte dos trabalhadores tendo em vista a melhoria da assistncia aos

    trabalhadores vitimados com esta natureza de acidente e o desenvolvimento de

    estratgias para a criao de um sistema eficaz de vigilncia e monitoramento

    dos acidentes de trabalho com fluidos biolgicos.

    Dessa forma, considero importante apresentar ao leitor o contexto

    atual dos acidentes de trabalho com fluido biolgico nos trabalhadores de

    enfermagem. O captulo a seguir prope uma reviso de literatura.

  • 2. REVISITANDO CONCEITOS

  • Revisitando Conceitos

    16

    2.1 O trabalhador de enfermagem e o acidente com fluido biolgico

    Os trabalhadores de enfermagem esto expostos s cargas

    biolgicas, qumicas, fsicas, fisiolgicas e psquicas durante o processo de

    trabalho. Partindo-se da abordagem histrica da sade do trabalhador de

    enfermagem, durante o processo de trabalho essas cargas interagem entre si e

    com o corpo do trabalhador podendo gerar processos de desgaste, inclusive

    com perda da capacidade laboral (Laurell,Noriega,1989).

    Os acidentes de trabalho so formas de expresso do desgaste do

    trabalhador. Ao sofrer um acidente ocupacional o trabalhador exposto s

    cargas biolgicas devido ao contato direto com fluidos biolgicos seja atravs

    de respingos, perfurao da pele ou contato com mucosas, s cargas

    mecnicas devido aos cortes e rompimento da soluo de continuidade da pele

    nos casos de acidentes com perfurocortantes e as cargas psquicas muitas

    vezes subjugadas pelos prprios profissionais e relacionada aos sentimentos

    vivenciados durante e aps o acidente ((Felli,Tronchin 2010).

    De acordo com a Lei n 8.213/91, acidente de trabalho o que

    ocorre pelo exerccio do trabalho a servio da empresa ou pelo exerccio do

    trabalho dos segurados, provocando leso corporal ou perturbao funcional

    que cause a morte, perda ou reduo, permanente ou temporria, da

    capacidade para o trabalho (Brasil, 1991).

    Durante a realizao da assistncia de enfermagem devido

    manipulao de materiais como lminas, cateteres, sondas e na execuo de

    procedimentos invasivos o trabalhador entra em contato direto com fluidos

    orgnicos e secrees tornando-se susceptvel ocorrncia de acidentes que o

    expe a patgenos causadores de doenas como os vrus HIV, hepatite B e C

    (Pinheiro, Zeitoune, 2008; Marziale, Nishimura, 2003).

    Entre os acidentes causados por fluido biolgico entre a sua maioria

    esto aqueles com materiais perfurocortantes e a categoria profissional mais

    atingida, a dos auxiliares de enfermagem. O maior nmero de acidentes

  • Revisitando Conceitos

    17

    ocorre durante a realizao de procedimentos, cuidados ao paciente no leito

    como puno venosa, aspirao e administrao de medicamentos. As

    literaturas nacionais e internacionais apontam que as mos foram a parte do

    corpo mais envolvida em acidentes (Mbaisi et al.,2013; Gomes et al.,2009;

    Spagnuolo, Baldo, Guerrini, 2008).

    Uma pesquisa realizada em Ribeiro Preto (SP) demonstrou a

    ocorrncia de 140 acidentes de trabalho em um perodo de seis meses, os

    trabalhadores da equipe de enfermagem registraram 45 (72,5%) dos acidentes

    de trabalho com exposio a fluidos biolgicos, desses 42 (67,7%) eram

    auxiliares e tcnicos de enfermagem (Giomo et al.,2009).

    Em um estudo realizado no Hospital universitrio da Universidade de

    So Paulo, foi identificado que dos 46 acidentes com exposio a fluidos

    biolgicos ocorridos durante o perodo de um ano, (73%) ocorreram com os

    trabalhadores de enfermagem. A unidade de emergncia foi o local onde

    ocorreu a maior parte dos acidentes, seguida pela clnica mdica e unidade de

    terapia intensiva (Balsamo, Felli, 2006).

    As exposies ocupacionais que podem causar a transmisso do

    vrus HIV e dos vrus da Hepatite B (HBV) e C (HCV) ao trabalhador podem

    ocorrer por meio de uma leso percutnea (corte com objeto pontiagudo, bisturi

    ou agulha) e pelo contato da mucosa ou pele no ntegra com sangue ou

    outros fludos corporais que so potencialmente infecciosos. O risco de

    transmisso do vrus HIV de 0,3% em casos de exposio percutnea e

    0,09% em acidentes envolvendo mucosas. O sangue o principal meio

    transmissor de hepatite B, o HBsAg o antgeno de superfcie do vrus e

    HBeAg o antgeno que indica a replicao viral, indicando o aumento da

    carga viral, nesses casos o risco de hepatite clnica de 22 a 31%, nos casos

    onde apenas HBsAg detectado no paciente fonte o risco fica em torno de 1 a

    6%. Em relao ao vrus da Hepatite C a transmisso s ocorre de maneira

    efetiva atravs do sangue, considera-se que a transmisso do vrus atravs de

    outros fluidos biolgicos muito baixa e o ndice de soroconverso em casos

  • Revisitando Conceitos

    18

    de sangue infectado de 1,8% (Centers for disease Control and Prevention,

    2005; Brasil, 2004;).

    Um estudo realizado a partir dos acidentes com fluido biolgico

    ocorridos na Grande Florianpolis no ano de 2007 demonstrou que, do nmero

    total de acidentes no perodo, 73% envolveram exposio percutnea, 10%

    atravs das mucosas e pele ntegra respectivamente, seguidos por aqueles

    relacionados exposio da pele no ntegra igual a 7% (Vieira, Padilha,

    Pinheiro, 2011).

    importante ressaltar que aspectos relacionados ao descarte de

    materiais perfurocortantes como o preenchimento das caixas coletoras acima

    do recomendado pelo fabricante bem como a prtica de depositar materiais

    contaminados com sangue em caixas j preenchidas, por meio de manobras

    como empurrar os materiais com as mos aumentam o risco de perfurao.

    Soma-se a esses fatores o hbito de reencapar agulhas que ainda se faz

    presente e interfere negativamente na preveno dos acidentes.

    O primeiro caso de exposio ocupacional ao HIV seguido de

    contaminao data de 14 de Outubro de 1994, em um Hospital privado na

    cidade de So Paulo. O acidente ocorreu quando um auxiliar de enfermagem

    perfurou o brao direito ao ajudar um colega durante uma puno venosa em

    um paciente com diagnstico de AIDS. Aps a exposio, o profissional no

    recebeu nenhuma medicao profiltica, pois no perodo do acidente no

    existia no Brasil qualquer recomendao oficial para sua utilizao. Aps uma

    sucesso de testes com resultados negativos para HIV, em 1996, o profissional

    foi submetido a um teste Elisa e posteriormente ao Western-Bloth ambos com

    resultados positivos (Santos, Monteiro, Ruiz, 2002).

    Nesse sentido, estudo que props analisar as causas dos acidentes

    a partir da percepo do profissional acidentado aponta como resultados o

    descuido do trabalhador, a sobrecarga de trabalho, os riscos inerentes

  • Revisitando Conceitos

    19

    profisso, a falta de materiais e infraestrutura inadequados e a no observao

    das medidas de proteo (Damasceno et al.,2006).

    Os fatores de risco para acidentes de trabalho com material

    perfurocortante esto associados ao no cumprimento das normas de

    biossegurana e ao no conhecimento das mesmas, falta de ateno e

    planejamento na execuo das atividades e sobrecarga de trabalho devido ao

    nmero reduzido de profissionais responsveis pelos cuidados aos pacientes

    (Alves, Passos, Tocantins,2009).

    sabido que as medidas de proteo no foram amplamente

    incorporadas as rotinas pelos trabalhadores de enfermagem e embora sejamos

    um grupo altamente exposto aos fluidos biolgicos, nota-se que a adeso ao

    uso de equipamentos de proteo individual ainda baixa nos tornando ainda

    mais vulnerveis (Nichiata, Takahashi, Ciosak, 2004).

    Frequentemente, observa-se que os trabalhadores de enfermagem

    subjugam os riscos aos quais esto expostos ao desenvolverem suas rotinas

    de trabalho, a no utilizao de luvas para a realizao de puno venosa, a

    ausncia do uso de mscara e culos de proteo durante a execuo de

    procedimentos como sondagem vesical e aspirao endotraqueal, so prticas

    corriqueiras nas instituies de sade. Cercados por uma rotina desgastante e

    a segurana proporcionada pelos anos de ocupao torna os trabalhadores

    pouco reflexivos em relao importncia da utilizao dos equipamentos de

    proteo individual para a sua sade.

    O uso das precaues universais e o desenvolvimento de

    estratgias para o seu uso durante o processo de trabalho a principal e mais

    eficaz medida para a preveno de acidentes entre os trabalhadores (Garner,

    Salehi, 2010;Brasil,2006). As precaues padro recomendam o uso de

    equipamentos de proteo individual (EPIs) durante a realizao da assistncia

    aos pacientes, independente do seu diagnstico e o no reencape das agulhas

    aps a sua utilizao. Os trabalhadores devem usar mscara, luvas de

  • Revisitando Conceitos

    20

    procedimentos, culos de proteo e avental sempre que houver a

    possibilidade de contato com fluido biolgico. A lavagem das mos antes e

    aps calar as luvas e no contato direto aos pacientes tambm preconizada

    como forma de proteo ao trabalhador (Gomes et al.,2009).

    Considera-se que o desenvolvimento de medidas institucionais que

    visem o treinamento e a informao relacionada importncia e ao uso correto

    dos EPIs primordial para a preveno dos acidentes que envolvem exposio

    a fluido biolgico. Por outro lado, o papel do trabalhador e sua conscientizao

    relacionada a real necessidade da utilizao de equipamentos de proteo

    fundamental para a reduo do nmero de acidentes de trabalho.

    Em 1970, foi publicado pelo Center Disease Control and Prevention

    (CDC), organizao internacional responsvel pelo desenvolvimento de normas

    e condutas, equivalentes quelas desempenhadas pela vigilncia

    epidemiolgica no Brasil, um manual tcnico detalhado com orientaes

    relacionadas s precaues a serem utilizadas em casos de isolamentos nos

    hospitais gerais. Uma reviso do manual foi apresentada em 1975,

    acrescentando a utilizao dos equipamentos de proteo individual,

    recomendando o uso de mscaras, luvas e aventais de acordo com a categoria

    de isolamento (Centers for disease Control and Prevention,1970).

    Em 1985 em decorrncia da epidemia do vrus HIV, os CDCs

    publicaram novas diretrizes estabelecendo as chamadas precaues

    universais. Aps relatos de que trabalhadores de sade haviam se infectado

    com o vrus HIV, houve a necessidade de propor novas estratgias para a

    segurana do trabalhador (Benatti, Almeida, 2007).

    Dessa maneira, foi necessrio o desenvolvimento de medidas que

    inclussem as precaues para infeces transmitidas pelo ar, gotculas e

    contato, a partir da instituiu-se as chamadas precaues padro que

    incorporaram as precaues universais e o isolamento para substncias

    corporais. As precaues padro aplicam-se a todas as situaes em que

  • Revisitando Conceitos

    21

    houver a possibilidade de exposio do trabalhador aos fluidos biolgicos.

    Recomendando o uso de culos, mscaras, luvas e avental como barreira

    (Brasil, 2004).

    Em 11 de Novembro de 2005 foi publicada pelo Ministrio do

    Trabalho e emprego a norma regulamentadora nmero 32 que tm como

    objetivo principal estabelecer as diretrizes bsicas para a implantao de

    medidas segurana e a sade dos trabalhadores dos servios de sade e

    daqueles que prestam servios de assistncia e promoo da sade em geral

    (Brasil, 2005).

    Na mesma direo a norma regulamentadora n 9 do Ministrio do

    Trabalho e Emprego do Brasil estabelece a obrigatoriedade e implementao

    por meio dos empregadores do programa de preveno de riscos ambientais,

    como forma de identificar os riscos aos quais o trabalhador est exposto,

    propondo medidas que visem a proteo da sade (Brasil,1978).

    Sendo assim, as empresas so obrigadas a fornecer os

    equipamentos de proteo individual de acordo com a atividade desenvolvida

    pelo trabalhador e compete ao Servio Especializado em Engenharia de

    segurana e em Medicina do trabalho-SESMT, em acordo com a Comisso

    Interna de Preveno de Acidentes-CIPA, recomendar ao empregador os

    equipamentos de proteo individual adequados de acordo com o programa de

    preveno de riscos ambientais (Brasil, 1978).

    Estudos demonstram que o uso de equipamentos de proteo

    individual por parte dos trabalhadores influenciado por fatores individuais,

    organizacionais e outros relativos ao trabalho. Dessa forma, necessrio um

    suporte estrutural que favorea a utilizao desses equipamentos, como

    suprimentos em nmero adequado, orientaes quanto ao seu uso, polticas

    institucionais que promovam a segurana do trabalhador, bem como o

    acompanhamento dos acidentados, incluindo a profilaxia aps a exposio

    (Brevidelli, Cianciarullo, 2009).

  • Revisitando Conceitos

    22

    Nesse sentido, importante destacar que a experincia adquirida e

    o tempo de atuao profissional tornam o trabalhador de enfermagem, alheio

    aos riscos aos quais est exposto no trabalho e o no reconhecimento das

    situaes de vulnerabilidade agravam a problemtica da ocorrncia de

    acidentes e doenas relacionadas ao trabalho. Estudos evidenciam que

    somente aps o acidente, que o profissional comea a repensar seu modo

    de agir diante do trabalho, reconstruindo suas prticas (Maganini, Rocha,

    Ayres, 2011).

    A seguir, apresento os procedimentos relacionados a assistncia ao

    trabalhador que sofre acidente com fluido biolgico, e as questes relevantes

    notificao, profilaxia e monitoramento ps exposio.

    2.2 A assistncia ao trabalhador acidentado com fluido biolgico:

    notificao do acidente, profilaxia aps a exposio e monitoramento

    do trabalhador

    Os acidentes de trabalho com fluidos biolgicos devem ser tratados

    como emergncia mdica e as instituies devem colocar a disposio de seus

    trabalhadores protocolos de atendimento de notificao rpida,

    encaminhamento, aconselhamento, tratamento e acompanhamento ps-

    exposio ocupacional.

    O acompanhamento do trabalhador exposto fundamental aps a

    ocorrncia do acidente tanto do ponto de vista clnico como sorolgico. H

    uma sequncia de aes a serem realizadas aps a exposio ocupacional

    a fluidos corporais. As leses onde ocorre exposio de membranas

    mucosas ou rompimento da pele com penetrao de agulha contendo

    sangue ou fluidos como smen, secrees vaginais, lquido

    cefalorraquidiano, sinoviais, lquido pleural, peritoneal, pericrdico e

    amnitico oferecem risco maior de contaminao ao trabalhador (Centers for

    disease Control and Prevention, 2001).

  • Revisitando Conceitos

    23

    Aps a exposio aos fluidos biolgicos recomenda-se que nos

    casos de exposio percutnea e cutnea a rea exposta seja lavada com

    gua corrente e em caso de contato com mucosas deve-se usar soluo

    fisiolgica (Brasil, 2004).

    Nos casos de quimioprofilaxia para o HIV, a exposio deve ser

    avaliada quanto ao potencial para transmitir o vrus, o tipo de fluido biolgico

    envolvido, via e gravidade da exposio, o conhecimento do paciente fonte e o

    resultado da sorologia para anti-hiv e por fim a situao clnica e imunolgica

    do paciente fonte sabidamente infectado.

    Os acidentes mais graves so aqueles que envolvem maior

    quantidade de sangue e em geral ocorrem atravs de leses percutneas bem

    como, onde o paciente fonte sabidamente HIV positivo e possui nmero

    elevado de carga viral ou encontra-se em estgio avanado da doena.

    Recomenda-se que a quimioprofilaxia nos casos indicados deva ser iniciada

    nas primeiras horas aps o acidente e no mximo em at 72 horas. A terapia

    tem durao de 28 dias (Centers for disease Control and Prevention,2001).

    Nos casos em que a sorologia do paciente fonte desconhecida a

    avaliao deve ser individual, novamente faz-se necessrio avaliar o tipo de

    exposio e a probabilidade de infeco. Em casos de exposio ao vrus da

    hepatite B, a vacinao anterior exposio a principal forma de

    preveno, a resposta vacinal fica em torno de 90 a 95% em adultos sadios e

    deve ser realizada durante a admisso do funcionrio na empresa e

    administrada a todos aqueles que tiverem contato com fluidos biolgicos. O

    esquema vacinal composto por trs doses da vacina em intervalos

    regulares. Em alguns casos onde o trabalhador no vacinado ou possui o

    esquema incompleto deve-se dar continuidade ou incio ao esquema

    concomitante a administrao de imunoglobulina (Centers for disease Control

    and Prevention, 2005; Brasil, 2004).

  • Revisitando Conceitos

    24

    A realizao do teste sorolgico para anticorpo superficial da

    Hepatite B (Anti- Hbs) indica a condio sorolgica do trabalhador. Nos casos

    em que houve vacinao prvia possvel verificar a soroconverso da vacina

    e para trabalhadores no vacinados indica se houve imunizao passiva

    durante o trabalho no ambiente hospitalar. Embora a realizao do teste esteja

    associada a medidas ps-exposio, ressalta-se a realizao do mesmo como

    forma preventiva, identificando a situao sorolgica do trabalhador como

    forma de prevenir a Hepatite B (Pinheiro, Zeitoune, 2008).

    Nas ocorrncias relacionadas Hepatite C no h medidas

    profilticas para a exposio ocupacional ao vrus portanto a nica medida

    recomendada evitar o acidente. importante salientar a necessidade de

    realizao dos testes sorolgicos do paciente fonte para HIV, Hepatite B e C

    logo aps a ocorrncia do acidente. Nos caos onde o paciente fonte

    desconhecido deve-se avaliar a probabilidade clnica e epidemiolgica da

    ocorrncia de contaminao como gravidade do acidente e prevalncia da

    infeco no material de origem (Centers for disease Control and Prevention,

    2001).

    Tratando-se dos acidentes com fluidos biolgicos, ainda faz-se

    necessrio considerar as questes referentes profilaxia ps-exposio e

    todas as dificuldades j apontadas na literatura para a no adeso ao

    tratamento (Sarquis, Felli, Mantovani et al.,2009). Estudos realizados no Brasil

    e em mbito internacional evidenciaram que a maioria dos trabalhadores de

    enfermagem no realizou as medidas preconizadas aps o acidente, como a

    correta notificao e os testes sorolgicos ps- exposio. Nesse sentido,

    ressalta-se a importncia de um sistema efetivo de vigilncia aos profissionais

    acidentados (Bahadori, Sadigh, 2010; Damasceno et al., 2006).

    As causas relacionadas ao no seguimento do tratamento profiltico

    pelos trabalhadores de enfermagem ps-exposio esto associadas aos

    efeitos colaterais das drogas, a no conscientizao, falta de conhecimento

    sobre as condutas a serem realizadas aps o acidente, e falta de preparo

  • Revisitando Conceitos

    25

    emocional relacionada ao medo e angstia dos profissionais frente

    possibilidade de adquirir HIV-AIDS (Vieira, Padilha, 2008).

    Considerando a baixa adeso ao tratamento profiltico em casos

    onde o trabalhador exposto ao vrus HIV suscita questes que interferem na

    utilizao dos antirretrovirais como o preconceito, o desconhecimento das

    medicaes, os desagradveis efeitos colaterais e a prpria conscincia do

    profissional acerca do fato de estar fazendo uso de uma medicao destinada

    ao tratamento de pacientes portadores do vrus HIV.

    Em relao notificao os acidentes de trabalho necessrio um

    protocolo de registro o qual deve conter informaes relativas s condies do

    acidente (data e horrio, avaliao do tipo e gravidade da leso); informaes

    do paciente-fonte bem como todos os dados do trabalhador de sade. Todas

    as exposies ocupacionais devem ser comunicadas pela empresa por meio

    do preenchimento de formulrio prprio denominado CAT- Comunicao de

    acidente de trabalho (Brasil, 1991). A partir de 2004 foi criada a rede sentinela

    de Notificao Compulsria de Acidentes e Doenas relacionadas ao trabalho.

    (Brasil, 2004).

    A subnotificao dos acidentes de trabalho fator preocupante no

    que concerne ao desenvolvimento de medidas de proteo a sade do

    trabalhador. Quanto menos os acidentes so notificados, menos relevante

    socialmente torna-se a questo. necessrio que a fora de trabalho faa com

    que suas situaes de vulnerabilidade sejam expostas as autoridades

    competentes. A categoria profissional da enfermagem, no expe suas

    reivindicaes e cargas as quais est exposta ao prestar cuidados a

    populao.

    Em uma pesquisa realizada em um hospital do interior paulista

    verificou-se que do total de trabalhadores acidentados 37 (100%), 34(91,9%)

    referiram j terem deixado de notificar o acidente de trabalho. Entre as

    exposies no notificadas 34,4% foram ocasionadas por materiais

  • Revisitando Conceitos

    26

    perfurocortantes. Os autores apontam para a desproteo legal do trabalhador

    quando a ocorrncia subnotificada, ressaltando a importncia de estudos que

    investiguem as dificuldades encontradas por parte dos trabalhadores na

    notificao desses acidentes (Napoleo, Robazzi, 2003).

    Entre os motivos apontados para a subnotificao esto falta de

    conhecimento sobre o risco de adquirir uma doena, dificuldades burocrticas

    no preenchimento dos sistemas, na avaliao mdica dos trabalhadores, no

    preenchimento da CAT e dificuldades pessoais. Nesse mesmo estudo 32,70%

    dos acidentados julgaram no ser necessria a notificao dos acidentes

    (Marziale, 2003).

    A notificao dos acidentes primordial para o desenvolvimento de

    estratgias de proteo sade do trabalhador, acompanhamento do estado

    de sade e resguardo de seus direitos trabalhistas. Em uma pesquisa realizada

    em dois hospitais na cidade de Ribeiro Preto apontou que dos 336 acidentes

    relatados pelos trabalhadores do Hospital A, 243 (72,32%) acidentes foram

    notificados e 93 (27,68%) no notificados. No hospital B dos 35 acidentes,

    21(60%) foram notificados e 14 (40%) no notificados. Os resultados revelam

    que os trabalhadores de enfermagem possuem condutas diferentes diante da

    ocorrncia de cada acidente. Dos 336 relatados pelos trabalhadores do

    Hospital A, 242 (72,02%) acidentes foram ocasionados por material

    perfurocortante e desses, 150 (61,98%) foram notificados e 92 (38,02%) no.

    Dos 35 acidentes relatados pelos trabalhadores do Hospital B 30 (85,72%)

    foram ocasionados por material perfurocortante desses, 18 (60,00%) foram

    notificados e 12 (40,00%) no (Marziale, 2003).

    Estudo realizado em um Centro Cirrgico de um Hospital em Belo

    Horizonte constatou que 84,6% dos acidentes ocorridos no perodo pesquisado

    no foram notificados. Uma das formas de diminuir a subnotificao a

    informao acerca da importncia dos registros, alertar o trabalhador para o

    risco de ter sido infectado e a necessidade de respaldo legal no caso de

    afastamento do trabalho (Oliveira, Gonalves, 2010).

  • Revisitando Conceitos

    27

    Estudos apontam que a falta de padronizao dos formulrios

    utilizados para registro das exposies ocupacionais, a utilizao de fluxos

    diferentes que dificulta a padronizao do atendimento, a falta de registros de

    investigao dos acidentes, alm da ausncia do acompanhamento do

    desfecho das exposies contribuem para a no uniformidade das informaes

    e dificuldades no atendimento dos trabalhadores (Silva et al.,2011).

    Para que medidas de proteo sade do trabalhador sejam

    desenvolvidas importante existncia de um sistema de notificao nas

    instituies de sade e vigilncia dos acidentes. Embora os acidentes

    favoream a exposio a vrus como Hepatite B, C e HIV estes acidentes

    algumas vezes produzem leses pequenas nos casos de perfuraes ou at

    mesmo no apresentam leses em situaes de respingos de secrees, o que

    favorece a subnotificao (Oliveira, Gonalves, 2010).

    No Chile entre os anos de 2003 a 2007, foi realizada uma

    experincia por meio da criao de um programa efetivo para manejo e

    vigilncia dos acidentes biolgicos entre estudantes da rea da sade na

    Universidade do Chile. O programa inclua assistncia integral aos estudantes

    que sofreram acidente biolgico durante as 24 horas aps a ocorrncia, alm

    de testes sorolgicos e entrega de antirretrovirais ps-exposio a fluido

    biolgico infectado pelo HIV. A anlise do estudo solidifica a importncia de um

    sistema de monitorizao dos acidentes de trabalho para a sade da

    populao bem como, indica os custos relativamente baixos para a

    implantao do programa diante dos benefcios. Partindo desta perspectiva os

    autores apontam como positiva a iniciativa para criao de programas similares

    em pases em desenvolvimento (Fica et al., 2010).

    As pesquisas evidenciam que o trabalhador aps ter se acidentado

    com fluido biolgico sofre alteraes psicolgicas e emocionais relacionadas

    incerteza do diagnstico do paciente e a falta de informaes acerca de seu

    histrico de sade. Somado a isso a espera dos testes sorolgicos e a

    possibilidade de soro converso acabam gerando angstias em relao

  • Revisitando Conceitos

    28

    possibilidade de ter sido contaminado (Alves, Passos, Tocantins, 2009;

    Sarquis, Felli, 2009).

    Dessa forma, importante que os servios disponham de uma

    assistncia que garanta no apenas a orientao adequada aos trabalhadores

    que se vitimaram, como uma rede de apoio psicolgico, minimizando o

    desgaste psquico vivenciado por esses sujeitos.

    Durante a assistncia, o medo, a preocupao, indeciso, raiva,

    culpa so alguns dos sentimentos vivenciados pelo trabalhador aps a

    exposio ocupacional. Diante de tantas dvidas, torna-se urgente a

    reorganizao institucional do processo de trabalho, a instrumentalizao

    dos recursos humanos para o atendimento desses profissionais (Sarquis,

    Felli, 2009).

    A partir das questes trazidas nesta breve reviso de literatura,

    importante considerar que a ocorrncia do acidente com fluido biolgico ainda

    um desafio no contexto de sade do trabalhador de enfermagem que merece

    ser explorado sob diferentes aspectos, com vistas reduo da subnotificao,

    desenvolvimento de programas de monitoramento e assistncia eficaz ao

    trabalhador de enfermagem.

    Para melhor compreenso do fenmeno a ser desvelado, apresento

    no captulo a seguir, o contexto do estudo tendo como pano de fundo a

    fenomenologia existencial de Martin Heidegger.

  • 3. OPTANDO PELO MTODO

    QUALITATIVO FENOMENOLGICO

  • Optando pelo Mtodo Qualitativo Fen omenolgico

    30

    Neste estudo, optei pelo mtodo qualitativo, considerando que o

    objetivo compreender a experincia da assistncia prestada aos

    trabalhadores de enfermagem que sofreram acidente com fluido biolgico,

    resgatando as necessidades de cuidado por ele manifestas.

    A escolha pela fenomenologia justifica-se por ser esta, uma vertente

    terica que valoriza o ser em sua singularidade e busca compreender a

    experincia vivida pelo sujeito e das estruturas onde o fenmeno ocorre. No

    contexto dos acidentes de trabalho com fluidos biolgicos acredito que abordar o

    fenmeno por meio da apreenso de sua essncia primordial uma vez que os

    fenmenos no podem ser compreendidos isolados dos sujeitos que os vive.

    A fenomenologia um mtodo filosfico que busca atravs da

    compreenso de um fenmeno, desvelar o seu sentido para assim chegar

    quilo que a coisa (Heidegger, 2012).

    O sentido de compreender, descrever e explicar as experincias

    vivenciadas pelo ser no cuidado ao outro contribui para o conhecimento de

    diversas dimenses que envolvem o cuidar. Desta forma, instrumentalizando-

    nos podermos chegar s essncias dos seres por meio do conhecimento do

    fenmeno, sugerindo mudanas nos processos de cuidado (Baptista, Merighi,

    Freitas, 2011; Duarte, Rocha, 2011; Diniz, Lopes, Silva, 2008).

    Ao buscar compreender a experincia vivenciada pelos

    trabalhadores de enfermagem que sofreram acidente com fluido biolgico, os

    significados ocultos nessa experincia, as necessidades de cuidado e lacunas

    no processo de assistncia, optei pela fenomenologia existencial de Martin

    Heidegger, uma vez que este filsofo descreve as questes existenciais do ser

    inserido no mundo.

    Heidegger (2012) se convenceu de que pensadores como ele

    deveriam voltar-se as experincias comuns que as pessoas tinham do mundo.

    Esta convico o levou a escrever sua obra-prima Ser e Tempo, que

    apresenta as questes relativas ao SER.

  • Optando pelo Mtodo Qualitativo Fen omenolgico

    31

    Heidegger procurou meditar sobre a diferena ontolgica: ente

    uma coisa, ser o que permite que uma coisa seja a ideia que o ser permite

    que algo seja e ente a base material daquilo que . A pedra , A planta , O

    rochedo , Deus , mas s o homem existe, as outras coisas esto. Ser um

    problema humano. Ser a questo do (Werle,2003).

    O filsofo ento coloca um conceito importante que o Dasein,

    ser-a, onde o homem no um sujeito muito menos um objeto, o homem

    estar-a. (Inwood, 2002). O trabalhador de enfermagem um ser-a pois est

    presente, existe, est disponvel no mundo em contato com outros entes e

    que s existem a partir do momento que vivenciam experincias que os fazem

    repensar sua existncia.

    O ser-a o Dasein, um ser-no-mundo, pois est sempre situado em

    um contexto de vivncia no mundo, h uma relao existencial com o mundo.

    Dessa forma, o trabalhador de enfermagem que se acidenta com fluido

    biolgico um ser-a no mundo, que trabalha em um hospital, reside em sua

    casa, frequenta lugares no mundo. Outro conceito fundamental do ser-a o

    ser-com, para Heidegger o homem existe em um mundo compartilhado com os

    outros, ser-com a forma como o ser sente, vive, se relaciona com as pessoas

    no mundo. Os trabalhadores de enfermagem imersos em sua existncia se

    relacionam com os colegas de trabalho, com a chefia, familiares e amigos.

    Nesse sentido, o mundo pode ser definido como aquilo a que

    dedicamos nosso cuidado e ns podemos ser definidos como aquilo que

    dedica cuidado ao mundo. O ser do homem s existe enquanto ser-no-tempo e

    o cuidado para Heidegger compreendido como solicitude, preocupao,

    dedicao pelo outro (Stein, 2008).

    Quando existe um relacionamento com o outro de uma maneira

    envolvente e significante d-se a solicitude, constituda pela considerao, por

    tudo o que foi vivenciado e experenciado com o outro, pela pacincia, algo que

    espero que possa vir a acontecer com o outro (Heidegger, 2012).

  • Optando pelo Mtodo Qualitativo Fen omenolgico

    32

    O cuidado inautntico com o outro reflete no seu autocuidado.

    Trabalhadores que possuem formas de cuidar onde no permitem ao outro se

    manifestar tero grandes obstculos em demonstrar sua capacidade de

    autoconhecimento e cuidado com si prprio e em suas aes com aqueles que

    se relaciona. Apropriar-se de Heidegger para desvelar esta vivncia torna

    possvel repensar as necessidades de cuidado manifestas pelos trabalhadores

    de enfermagem acidentados, vislumbrando novos caminhos para a assistncia

    sade do trabalhador.

    Buscamos compreender por meio deste estudo como o ser humano

    vivencia suas experincias a partir da percepo de estar lanado no mundo. O

    ser humano, interrogao que a nossa angstia, o fato que ns existimos.

    Consideramos que o problema do ser tem que partir do homem, interrogando o

    homem na sua existncia, portanto, ser trabalhador de enfermagem e ter se

    acidentado com fluido biolgico, constituindo-se este, um problema da

    existncia.

    Acredito na importncia de compreender o fenmeno a partir do

    olhar dos sujeitos uma vez que se acidentar envolve uma proximidade com a

    finitude, medo da morte, da doena, e, portanto, preciso fazer uma reflexo

    do homem de ser-no-mundo, a partir de Dasein que se refere a todo e qualquer

    ser humano e repensar a assistncia prestada ao trabalhador acidentado com

    fluido biolgico.

    No prximo captulo, apresento as etapas metodolgicas que

    permitiram a realizao da presente pesquisa.

  • 4. CAMINHO METODOLGICO

  • Caminho Metodolgico

    34

    4.1 Tipo de pesquisa

    Trata-se de uma pesquisa qualitativa fenomenolgica com

    abordagem da fenomenologia existencial de Martin Heidegger.

    4.2 Sujeitos da pesquisa

    Os sujeitos da pesquisa foram oito trabalhadoras de enfermagem

    que sofreram acidente de trabalho com fluido biolgico. O nico critrio de

    incluso para a seleo dos sujeitos foi ter sofrido acidente de trabalho com

    fluido biolgico notificado conforme legislao vigente no Brasil at o perodo

    mximo de seis meses, respeitando o perodo de atendimento ao trabalhador

    preconizado no protocolo de atendimento ao acidente com fluido biolgico.

    Primeiramente, o Servio Especializado em Engenharia de

    Segurana e em Medicina do Trabalho forneceu a listagem dos trabalhadores

    da equipe de enfermagem que sofreram acidente com fluido biolgico nos

    ltimos 6 meses. Na Listagem fornecida estavam relacionados 70 nomes de

    trabalhadores, mas apenas 29 nomes tinham informaes como contato

    telefnico e setor de trabalho.

    Desta forma, participaram da pesquisa oito trabalhadoras de

    enfermagem que estavam vivenciando o processo do acidente de trabalho com

    fluido biolgico, sendo seis auxiliares de enfermagem e duas enfermeiras.

    Primeiramente, realizei um primeiro contato onde foi possvel

    esclarecer aos trabalhadores o objetivo do estudo e sua contribuio para a

    enfermagem. Em seguida partindo-se do aceite do trabalhador um encontro foi

    agendado de acordo com sua disponibilidade de data e local. A coleta de

    dados foi sendo realizada individualmente at o momento em que todas as

    minhas inquietaes foram respondidas.

  • Caminho Metodolgico

    35

    4.3 Regio de inqurito

    A regio de inqurito deste estudo foi constituda por trabalhadores

    da equipe de enfermagem que atuam em um hospital de ensino da regio

    oeste de So Paulo e se acidentaram com fluido biolgico. Para a coleta de

    dados no foi necessrio definir um local, pois a regio de inqurito era a

    prpria situao em que o fenmeno estava ocorrendo, o mundo dos

    trabalhadores de enfermagem. Nesse sentido, no importava a unidade/

    clnica, instituio de atuao do mesmo.

    4.4 Procedimento para coleta de dados

    As entrevistas tiveram a durao de aproximadamente 40 minutos,

    foram realizadas pela prpria pesquisadora, entre os meses de Janeiro e

    Fevereiro de 2014 conforme disponibilidade dos trabalhadores e foram

    gravadas em aparelho de MP3 mediante sua autorizao prvia a partir da

    seguinte questo norteadora e uma questo auxiliar: Conte-me como foi para

    voc ter se acidentado com fluido biolgico?.

    Questo auxiliar: Como foi assistncia que voc recebeu aps o

    acidente?.

    Foi utilizado um instrumento para caracterizao scio demogrfica

    dos participantes da pesquisa (Apndice 1).

    4.5 Aspectos ticos

    O projeto foi submetido e aprovado pela Comisso de tica em

    Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo, Parecer n

    464.028, de acordo com a resoluo 466/2012 que regulamenta pesquisas em

    seres humanos no Brasil.

  • Caminho Metodolgico

    36

    Para cada entrevistado foi apresentado o Termo de Consentimento

    Livre e Esclarecido (TCLE) (Apndice 2). Este documento fornece explicaes

    sobre a pesquisa e assegura o sigilo das informaes fornecidas. Foi

    resguardado ao entrevistado o direito de interromper a participao no projeto

    quando lhe fosse conveniente.

    4.6 O caminho para a Anlise dos discursos

    Os discursos foram analisados seguindo as etapas do referencial de

    Josgrilberg (2000), onde por meio de uma sequncia de etapas foi possvel

    compreenso do fenmeno.

    Primeiramente, as entrevistas foram transcritas na ntegra, em

    seguida realizei a leitura e releitura dos depoimentos a fim de apreender as

    unidades significativas dos discursos. Em um segundo momento as unidades

    mais significativas foram agrupadas e identificadas a partir do referencial

    filosfico de Martin Heidegger, constituindo-se as unificaes ontolgicas, que

    sero discutidas adiante.

  • 5. APRESENTANDO OS RESULTADOS

  • Apresentando os Resultados

    38

    5.1 Conhecendo as trabalhadoras de enfermagem que sofreram acidente

    com fluido biolgico

    Bruna, 35 anos, auxiliar de

    enfermagem. Perfurou o

    dedo aps realizar uma

    puno venosa

    Joana, 50 anos, auxiliar de

    enfermagem. Perfurou o

    dedo ao descartar um

    escalpe na caixa coletora

    de perfurocortantes

    Camila, 48 anos, auxiliar

    de enfermagem,

    perfurou o dedo ao

    descartar um escalpe na

    caixa coletora de

    perfurocortantes

    Renata, 30 anos, auxiliar de

    enfermagem, foi atingida

    por respingos de sangue

    durante a realizao de um

    procedimento invasivo.

    Marli, 28 anos,

    enfermeira, perfurou o

    dedo ao realizar uma

    injeo intramuscular.

    Bianca, 55 anos, auxiliar de

    enfermagem, perfurou o

    dedo com a agulha ao

    realizar um teste de

    glicemia capilar

    Cibele, 49 anos, auxiliar de

    enfermagem, perfurou a

    mo ao puncionar um

    paciente durante uma

    emergncia

    Roberta, 55 anos,

    enfermeira, perfurou a

    mo ao realizar a coleta

    de gasometria arterial.

  • Apresentando os Resultados

    39

    5.2 Unificaes Ontolgicas

    A anlise dos discursos permitiu a constituio de cinco unidades

    ontolgicas segundo o referencial de Martin Heidegger que proporcionaram o

    desvelar do fenmeno, a experincia da assistncia prestada aos

    trabalhadores de enfermagem que sofreram acidente com fluido biolgico

    considerando suas necessidades de cuidado:

    Ser no mundo vivenciando a acidente com fluido biolgico.

    A angstia por ter se acidentado com fluido biolgico.

    As necessidades manifestas pelas trabalhadoras de

    enfermagem aps o acidente com fluido biolgico:

    vivenciando o cuidado autntico.

    Vivenciando o cuidado inautntico e a impessoalidade

    aps o acidente de trabalho com fluido biolgico.

    Superao e reorganizao do trabalho por meio da

    transcendncia.

    5.2.1 Ser no mundo vivenciando o acidente com fluido biolgico

    Esta categoria traz as situaes vivenciadas pelas trabalhadoras de

    enfermagem que favoreceram a ocorrncia dos acidentes de trabalho

    envolvendo a exposio aos fluidos biolgicos. Essas exposies foram

    decorrentes de vrios fatores, entre eles o desconhecimento e mau uso dos

    instrumentos de trabalho como o descarte inadequado do material

    perfurocortante, e no utilizao dos equipamentos de proteo individual.

    As trabalhadoras reconhecem o desconhecimento acerca do

    funcionamento do dispositivo de puno endovenosa quanto trava de

    segurana e o modo de manipulao do dispositivo identificando que a falta de

    conhecimento contribuiu para a o acidente. A narrao a seguir demonstra

    essa realidade:

  • Apresentando os Resultados

    40

    Porque na verdade eu coloquei o jelco na bandeja e quando eu

    fui pegar o esparadrapo para fixar o acesso eu no vi o jelco,

    estava embaixo do esparadrapo a espetou a ponta do meu

    dedo, eu j tinha puncionado, mas no sabia como que usava o

    jelco, era um jelco novo, no sabia como que manipulava porque

    na verdade eu nem conhecia, eles at tiveram treinamento s

    que no dia eu no estava ento acabei no participando, no

    sabia que tinha aquela travinha, que voc aperta depois que

    pega o acesso, ento acabou acontecendo isso, mais por falta

    de conhecimento...(Bruna)

    Os acidentes de trabalho tambm foram causados pelo descarte

    inadequado dos materiais perfurocortantes, os problemas neste descarte e

    fatores associados como o preenchimento da caixa coletora alm do limite

    recomendado o que favoreceu a ocorrncia desses acidentes. Os discursos

    seguintes refletem essa problemtica:

    Que nem a caixinha...tava a tampa eu acho que tava mal

    colocada, um negcio assim..na hora que eu joguei o escalpe l

    dentro, voltou e furou meu dedo...(Joana)

    H algum tempo atrs n eu tava puncionando um paciente...tava

    colhendo sangue dele.. e quando eu fui..jog o escalpe no

    perfuro..ele virou pra cima e picou o meu dedo...(Camila)

    Foi o primeiro acidente de trabalho com material biolgico, tinha

    feito uma IM (injeo intramuscular) num paciente e quando fui

    descartar me furei... (Marli)

    As causas dos acidentes tambm se relacionam a utilizao de

    materiais e instrumentos inadequados para a realizao dos procedimentos

    contribuindo para a exposio das trabalhadoras, j que a tcnica no

    realizada corretamente, considerando que outro instrumento no padronizado

  • Apresentando os Resultados

    41

    para determinado procedimento utilizado podem ocorrer falhas no processo

    de execuo. O caso a seguir refere-se a uma trabalhadora que estava

    utilizando uma agulha ao invs de uma lanceta para a realizao do teste de

    glicemia capilar:

    Porque como no tinha lanceta eu estava furando com a agulha de

    insulina, a ela (paciente) bateu, levantou a mo e a agulha voltou no

    meu dedo...(Bianca)

    A no utilizao dos equipamentos de proteo individual pelos

    trabalhadores durante a execuo de procedimentos invasivos favorece a

    exposio do trabalhador aos fluidos biolgicos, os relatos a seguir referem-se

    a trabalhadoras que no utilizavam equipamentos de proteo individual no

    momento dos acidentes e acabaram se contaminando com respingos de

    sangue e diurese:

    Ento ele tava passando um cateter central, quando ele foi tirar o

    sangue da seringa no campo, ele apertou com muita fora o

    mbolo da seringa ento o sangue bateu no campo e subiu em mim

    ele colocou muita fora no mbolo da seringa..e eu sou

    pequenina... numa emergncia querendo salvar a vida do paciente

    muitas vezes a gente acaba deixando de usar os epis..(Renata)

    Da vez que eu me contaminei com lquido n... fui desprezar uma

    sonda e aquele lquido...a sonda caiu da minha mo..a sonda no o

    recipiciente, e voltou, eu me molhei toda com aquela secreo

    nojenta..ai foi horrvel...(Joana)

    Outro fator identificado como causador das exposies ocupacionais

    a sobrecarga de trabalho vivenciada pelos trabalhadores de enfermagem nas

    instituies de sade. Devido ao alto fluxo de pacientes e a alta demanda de

    servios, a rapidez na execuo nas atividades acarreta a diminuio da

    ateno no momento da realizao dos procedimentos. A desateno do

  • Apresentando os Resultados

    42

    colega de trabalho tambm foi um fator apontado pelos sujeitos. Esses fatores

    so descritos pela trabalhadora:

    .. eu estava sozinha na sala de emergncia, a sala estava muito

    cheia eu estava sozinha, aquela correria, chegou um paciente bem

    grave e eu fui puncionar, tinha acabado de furar o paciente, eu

    estava segurando o jelco e entrou na minha mo... Chegou um

    paciente n (...) estava cheio ele entrou na sala e j estava bem

    mal mesmo...(Joana)

    A falta de ateno dos colegas de trabalho com as aes executadas

    pela equipe de enfermagem pode ocasionar acidentes, pois o outro acaba

    interferindo de forma negativa em um momento no qual a ateno do trabalhador

    deveria estar totalmente voltada para o procedimento que estava executando,

    mas interferncias externas como os chamados verbais e at mesmo gestos

    fsicos contribuem para as ocorrncias. A trabalhadora abaixo descreve a

    situao em que o fator externo foi causa de seu acidente de trabalho:

    Ento esse ltimo acidente que eu sofri tinha uma paciente que

    estava na sala de agitao, era uma paciente psiquitrica ento

    eu falei, olha vou dar uma picadinha no seu dedo pra fazer o

    dextro T bom... a o mdico chegou, entrou na sala e foi

    conversar com ela, a paciente levantou a mo e furou meu

    dedo...(Bianca)

    A dessa vez eu fui colher o exame do paciente...e na hora que eu

    fui por no tubo algum me chamou e eu furei meu

    dedo...(Roberta)

    E na hora que ele chegou (...). Eu estava puncionando o paciente,

    ento o mdico pegou e encostou na maca, ento a maca andou

    e o jelco entrou na minha mo (...) poxa, a maca no lugar pra

    apoiar e cruzar a perna, eu acho que a obrigao dele era ter me

    ajudado j que ele viu que o paciente estava ruim...(Joana)

  • Apresentando os Resultados

    43

    Sendo assim, por meio desta categoria percebe-se que durante o

    processo de trabalho da equipe de enfermagem, na execuo das atividades e

    dos procedimentos, as trabalhadoras esto sob a influncia de inmeros

    fatores que podem contribuir para a ocorrncia dos acidentes de trabalho com

    fluidos biolgicos. A sobrecarga de trabalho, a escassez de pessoal, as

    demandas dos pacientes, alm da ausncia de treinamento so fatores

    importantes destacados pelas trabalhadoras.

    5.2.2 A angstia por ter se acidentado com fluido biolgico

    Esta categoria aborda a angstia vivenciada pelas trabalhadoras

    aps se acidentarem com fluido biolgico, relacionada ao desespero,

    possibilidade de adoecimento e ao medo da morte refletindo em uma sensao

    de iminente desamparo em relao queles que dependem de seu trabalho,

    seus filhos, irmos e companheiros.

    As trabalhadoras no momento do acidente passam a repensar suas

    vidas manifestando uma inquietude profunda, desespero e ansiedade que as

    oprime, sentem medo da morte e fragilidade diante da magnitude daquele

    acontecimento. A angstia caracterizada por uma mistura de sentimentos

    evidenciada a seguir:

    No uma angstia, preocupao, ansiedade uma mistura, na

    hora voc no consegue .. separar o que que voc t

    sentindo...(Marli)

    Fiquei muito desesperada na hora...O paciente estava internado

    (...) fiquei desesperadssima, 3 dias aquilo no saia da minha

    cabea um minuto...um minuto... (Camila)

    Encostei na pia deu vontade de chorar, ...minha vontade era

    chorar..agora no sei que tipo de vrus ela tem e agora meu

    mundo acabou... depois de doze horas de planto...ai foi

    horrvel...(Renata)

  • Apresentando os Resultados

    44

    A angstia manifestada aps a exposio aos fluidos biolgicos

    surge em decorrncia do medo de adoecer e tambm pelo sentimento de culpa

    inconsciente pelo acidente. Nesse sentido, as trabalhadoras vivenciam o

    sofrimento psquico e o desprazer no processo de trabalho. Dessa forma elas

    passam a refletir sobre aquilo que realmente importante no interior de sua

    existncia e algumas trabalhadoras chegam a questionar o trabalho na

    profisso Enfermagem por acreditarem estarem arriscando as suas vidas.

    Os discursos a seguir apresentam esse questionamento por parte

    das trabalhadoras:

    Ento eu fiquei muito, fiquei muito assustada na hora...

    nossa...fiquei muito chateada, chorei muito...porque eu fiquei

    pensando: poxa, aqui meu local de trabalho, eu venho aqui para

    trabalhar e vem acontece uma coisa dessas...prejudica minha

    vida...(Bruna)

    Eu t aqui arriscando minha vida... nossa eu fiquei assim...eu

    chorei...chorei...chorei...muito (...) essa nossa profisso muito

    ingrata..voc corre o risco tanto de se acidentar, como de cometer

    erro... (Bruna)

    Mas muito ruim..a gente fica assim na hora a gente fica muito

    desesperada..a gente perde at o foco assim..a gente t

    trabalhando par tudo n...parou..(Camila)

    A preocupao com as pessoas, a responsabilidade e o vnculo

    afetivo com filhos, esposos e irmos geram um sentimento muito desesperador

    para as trabalhadoras principalmente quanto possibilidade de contaminao.

    Os discursos evidenciam que muitas vezes, as trabalhadoras proporcionam o

    sustento da casa e o acidente significa o fim do trabalho, a perda da vitalidade.

    Esse sentimento angustiante manifesto pelas trabalhadoras descrito como

    desesperador, podendo muitas vezes levar a quadros depressivos:

  • Apresentando os Resultados

    45

    Eu fiquei pensando poxa eu...aqui estou arriscando muito a minha

    vida..nossa..a sei l..e tambm pensei no meu filho...eu falei

    largar o meu filho em casa pra t aqui arriscando minha

    vida...(Bruna)

    Eu fiquei ali pensando...eu no tenho filho e agora sou uma

    portadora de alguma coisa..e agora chegar pro meu marido e falar

    sou portadora...isso j aconteceu com colegas...(Renata)

    E como eu tenho uma irm que doente e depende muito de

    mim...ela tem esquizofrenia...e ela depende muito de

    mim...(Bianca)

    A incerteza em relao aos resultados dos exames, a possibilidade do

    tratamento com antirretrovirais e at mesmo a no efetividade desse tratamento

    medicamentoso aps o acidente geram uma sensao de fraqueza, insegurana

    e fragilidade e est presente nas descries das trabalhadoras a seguir:

    Fui fazer o tratamento... tomei os 28 dias...Eu tomei aquele

    Kaledra...Nossa aquele remdio e o coquetel me deu uma

    diarreia, vmito...ai que coisa horrvel...eu tive at que me afastar

    durante 14 dias do trabalho...Esse ltimo foi horrvel...porque a

    gente pensa...porque eu tenho que ficar tomando aquilo l, no

    sabe se vai valer... se no vai valer ...(Bianca)

    Comea aos pouquinhos...vai baixando a adrenalina da hora..e do

    momento..voc fica pensando, ah.. ser que estava contaminado?

    Ser que vai dar positivo? Ser que eu vou ter que tomar aquele

    monte de medicao...ai ser que...ai ser que... muito

    difcil...(Marli)

    As consequncias do acidente para as trabalhadoras podem ser

    descritas como um sentir-se s, a solido manifesta-se diante da incerteza e do

  • Apresentando os Resultados

    46

    enfrentamento daquele problema to grave que somente dela e de mais

    ningum. A fala apresentada a seguir evidencia o sentimento de solido:

    Ultimamente eu estou meio assim, meio baqueada, eu acho que

    depois que a gente passa por esse problema de acidente s

    vezes a gente fica sozinha...(Bianca)

    A exposio ocupacional manifesta nas trabalhadoras um repensar

    sobre sua prpria vida e a possibilidade de adoecer devido probabilidade de

    contaminao pelos vrus HIV, Hepatite C ou B, traz a tona uma srie de

    sentimentos relacionados possibilidade da morte. Embora no pronunciado

    este sentimento est implcito na oratria das trabalhadoras:

    Eu fiquei muito nervosa...porque ela era HIV..estava fazendo

    tratamento colhendo lcor todo dia.. estava com

    meningite...n...tinha tido uma meningite e j tratava h dois anos

    de HIV..a fiquei muito...me deu uma depresso danada...(Bianca)

    Na hora que voc sofre aquele...a voc j pensa um monte de

    coisa n...poxa eu estou trabalhando, j pensou se eu contrair um

    HIV ou ento se eu Hepatite C...no sei, a voc fica...eu

    fiquei...uns 3 dias assim preocupadssima n...(Camila)

    Acho que uma angstia quando voc v que aconteceu isso...

    que voc comea a pensar, ser que o paciente tinha uma doena

    infecto contagiosa, se vai ter que tomar antiretroviral...A gente fica

    com muito medo, medo mesmo de acontecer alguma coisa com

    voc, se contaminar com fluido do paciente...(Marli)

    Minha vida passou na minha frente no momento do acidente

    pensei, agora pode mudar minha vida ser portadora de um vrus

    C, de uma Aids... (Renata)

  • Apresentando os Resultados

    47

    Desta forma, compreende-se que as trabalhadoras aps o acidente

    de trabalho vivenciam a angstia, um sentimento profundo que altera suas

    percepes acerca da sua vida e do seu trabalho. Assim, o acidentar-se no

    apenas um problema institucional antes de tudo uma vivencia prpria de cada

    trabalhadora permeada por valores pessoais e questes muito subjetivas que

    resultam em estados de solido, tristeza e depresso.

    5.2.3 As necessidades manifestas pelas trabalhadoras de

    enfermagem aps o acidente com fluido biolgico:

    vivenciando o cuidado autntico.

    Nesta categoria, so descritas as necessidades de cuidado

    manifestas pelas trabalhadoras aps o acidente, assim como os cuidados

    prestados pela instituio, o apoio da famlia, dos colegas de trabalho e da

    chefia, a importncia do atendimento mdico e o acompanhamento clnico e

    laboratorial aps o acidente.

    A trabalhadora de enfermagem aps sofrer um acidente com fluido

    biolgico necessita de apoio institucional, emocional e suporte para todas as

    aes que ir vivenciar, inclusive durante a realizao de testes sorolgicos,

    considerando que este momento permeado pela angstia. Para a trabalhadora

    ter algum para conversar, ser amparada e trazer de volta a sensao de

    segurana e estabilidade que a pouco perdera muito importante. Os relatos

    abaixo evidenciam a importncia desse cuidado:

    Primeira coisa quando meu marido chegou.. eu falei assim..voc

    no sabe o que aconteceu comigo hoje!!..e j comecei a chorar

    pra ele..comecei a chorar.. ele falou assim calma mais o que

    aconteceu? A eu contei pra ele...no fica tranquila, no vai

    acontecer nada n e me tranquilizou ele pegou falou assim, no...

    mais isso da.. um acidente de trabalho..voc tem que estar

    preparada pra essas coisas..da eu falei assim..mais a gente

    nunca t preparada pra essas coisas...(Camila)

  • Apresentando os Resultados

    48

    A Clara foi uma das pessoas que mais me deu apoio...Clara

    esteve ao meu lado... Me deu tanto apoio que ela no foi embora

    enquanto as coisas no se resolviam...o pessoal tambm me deu

    respaldo, mas foram embora ...s que ela no foi embora, correu

    atrs das coisas ficou comigo at o fim do atendimento... Nessas

    horas muito importante ter algum ao seu lado...(Renata)

    As trabalhadoras relataram como necessidade de cuidado o suporte

    da chefia aps o ocorrido, demonstrando a importncia do apoio emocional de

    outrem. O enfermeiro a primeira pessoa a ser comunicada aps a exposio,

    contribuindo para diminuir a ansiedade e o medo das trabalhadoras:

    Ento a Clarice que minha chefe, j chamei ela...eu j comecei

    at a querer chorar...um desespero mesmo. Falei assim: Clarice

    pelo amor de Deus eu me piquei... E agora, e agora...? E ela

    tentou me tranquilizar, ficou do meu lado e disse assim: No, tudo

    bem, vai ficar tudo bem...(Camila)

    Eu precisava de algum do meu lado naquele momento, ento a

    Jlia enfermeira me pegou aqui fora, me colocou na outra sala e

    falou: Calma... Eu falei, calma, calma como? Ento ela

    conversou comigo, ficou do meu lado, me apoiando, sabe? Fez

    muita diferena para mim naquele momento ter algum pra

    conversar...(Renata)

    (...) A chefia tem me ajudado...(Bianca)

    Outro cuidado apontado foi o atendimento mdico aps o acidente

    que significou para as trabalhadoras um momento de alvio e conforto, a

    segurana transmitida pelo profissional bem como o cuidado prestado

    possibilitou tranquiliz-las em relao as suas inquietaes e quanto

    possibilidade de terem sido contaminadas O atendimento mdico se faz

    importante para que sejam transmitidas ao trabalhador informaes confiveis

  • Apresentando os Resultados

    49

    partindo-se do princpio que a informao uma necessidade de cuidado

    manifesta pela trabalhadora:

    Assim a mdica me deixou bem tranquila, quando viu que os

    exames da paciente tinham dado negativo ela falou assim para

    que eu no ficasse preocupada porque mesmo que tivesse algum

    problema, tinha um coquetel, que eu poderia tomar pro HIV...A eu

    fiquei mais tranquila, me deixou bem mais tranquila...(Bruna)

    Eu procurei o mdico, fiz o CAT (Comunicado de Acidente de

    Trabalho), passei pelo atendimento...ele pediu todos os exames

    tanto os meus como os do paciente, conversei bastante com o

    mdico ele disse que a possibilidade de eu contrair alguma coisa

    era muito mnima...porque eu estava usando luva...ele prescreveu

    uns antirretrovirais por precauo, depois eu fiz todos os exames

    de novo... (Camila)

    Eu fui ao mdico que ele olhou l que eu tinha colhido exame para

    o peridico h pouco tempo... o ms passado ele olhou l...os

    meus exames no tinham dado hepatite nenhuma nunca tive

    contato com hepatite A , hep B sou vacinada, hepatite C no

    tenho ento ele falou, est tudo bem com vc...s colhe do

    paciente e manda n...e me deu o papel...(Roberta)

    O atendimento mdico sob o olhar dos sujeitos uma maneira de

    tranquiliz-las reduzindo a ansiedade relacionada ao medo de uma possvel

    contaminao, a realizao do teste rpido para o vrus HIV foi apontadA pela

    trabalhadora a seguir como um cuidado capaz de livr-la do pesadelo

    momentneo:

    Hora que aconteceu o acidente ele (o mdico) j pediu o exame

    de hiv que faz na hora, o teste rpido que sai em 5 minutos... E j

    pediu para coletar ali mesmo e deu negativo, ento ele pediu pra

    eu repetir os exames... todos os exames deram negativo, foi um

    atendimento muito bom (...)(Renata)

  • Apresentando os Resultados

    50

    O acompanhamento clnico e laboratorial aps o acidente, as

    conversas com o profissional capacitado e o respaldo institucional durante todo

    o processo proporcionam segurana e estabilidade para as trabalhadoras. Os

    discursos a seguir relatam essa realidade:

    Eu vou l no mdico, passo na consulta, porque aqui eles

    acompanham a gente... pelo menos isso, eles acompanham aqui,

    para coletar os exames...(Camila)

    Fiquei tranquila quando me falaram que.. estava tudo certo depois

    saiu todos os exames... fiquei mais tranquila, que j tinha

    encerrado o tratamento, tudo negativo..(Bruna)

    O mdico marcou consulta, pra voltar no retorno.. pra saber os

    exames.. quando eu vim no retorno ele falou, o paciente no tem

    nada.. e me deu alta..(Roberta)

    Depois, eu fiquei aguardando e a doutora falou que tinha dado

    negativo, que o segundo teste de hiv e depois os outros exames

    deram negativo, passei com o mdico e ele me deu alta...inclusive

    quando eu passei com mdico depois de um ms o atendimento

    foi bom...(Renata)

    A necessidade de atendimento psicolgico aparece de maneira

    significante para uma trabalhadora e se faz necessria devido ao desequilbrio

    causado pela vivencia do fenmeno, ter se acidentado com fluido biolgico:

    Na hora o que aconteceu abalou meu psicolgico eu precisava de

    um apoio psicolgico eu encostei assim na pia e comecei a lavar o

    meu rosto entendeu? Comecei a lavar o meu rosto... deveria ter

    no hospital uma psicloga pra isso..porque na hora passa o

    mundo na sua frente...(Renata)

    Portanto, esta categoria nos traz a relevncia do apoio emocional

    neste momento to delicado para as trabalhadoras de enfermagem, surge

  • Apresentando os Resultados

    51

    tambm necessidade de apoio psicolgico por meio de um profissional

    especializado, porm ela no sanada. Outra questo identificada por meio

    desta categoria a importncia atribuda por elas ao atendimento mdico e a

    toda a assistncia prestada durante e aps o acidente pela instituio,

    cuidados esses que as fizeram sentir-se mais seguras e confiantes em relao

    ao seu prprio cuidado.

    5.2.4 Vivenciando o cuidado inautntico e a impessoalidade

    aps o acidente de trabalho com fluido biolgico

    A categoria apresentada a seguir relaciona-se s dificuldades

    enfrentadas aps a exposio ocupacional e referem-se impessoalidade

    manifesta pelos outros membros da equipe em relao ao colega acidentado,

    atribuio da culpa pelo acidente e o ser mal visto pelos membros da equipe. O

    cuidado inautntico com a trabalhadora torna-se visvel e se manifesta na falta

    de apoio.

    As dificuldades assinaladas pelas trabalhadoras esto permeadas

    por questes burocrticas, ainda no resolvidas pelas instituies de sade,

    como os problemas advindos da problemtica para a efetivao da

    comunicao do acidente de trabalho. So apontada falhas no processo de

    atendimento, bem como o desconhecimento dos fluxos o que leva a no

    notificao por parte de algumas trabalhadoras.

    Aps o acidente as trabalhadoras vivenciaram o preconceito da

    equipe, sendo mal vista pelos outros em seu ambiente de trabalho. A

    impessoalidade descrita pelas trabalhadoras como algo presente na vivncia

    aps o acidente com fluido biolgico. O discurso das trabalhadoras representa

    a impessoalidade e a falta de apoio de alguns membros da equipe de sade

    aps a exposio ocupacional:

    Voc vai fazer o acidente de trabalho (cat.), eu acho que voc

    muito mal visto, as pessoas parece que ficam te julgando

  • Apresentando os Resultados

    52

    entendeu? Parece que voc fez aquilo de propsito, que voc se

    contaminou porque voc quis... Ah muito chato...(Joana)

    No geral eu acho que, quando voc sofre um acidente de trabalho

    as pessoas nunca veem que voc sofreu aquele acidente porque

    ali teve uma coisa que fez acontecer...(Joana)

    S que.. sempre as pessoas quando veem assim sempre acham

    que voc se contamino porque voc quis...(Joana)

    Para uma trabalhadora a falta de amparo e a indiferena dos outros

    membros da equipe de sade presentes no momento do acidente fizeram com

    que ela se sentisse abandonada e desamparada:

    Naquele momento eu me senti abandonada, abandonada... Ah sei l,

    porque a enfermeira estava ocupada com os outros pacientes e tinha

    muitos pacientes graves, um paciente entubado... A chegou outro

    desacordado... E os dois mdicos discutindo o caso em vez deles me

    darem um apoio... Ficaram discutindo o caso um virado pro outro... E

    a olha pra sua cara e tipo assim, se vire...(Cibele)

    Outras questes manifestas pelas trabalhadoras foram as

    repercusses do acidente de trabalho para a sua vida profissional e aparecem

    nos discursos como o medo de perder o emprego. A demisso para elas

    estaria vinculada ao fato de que a culpa pelo acidente de trabalho vista pela

    instituio como sendo da prpria trabalhadora:

    Com 3 anos aqui fiquei com medo de sei l...correr o risco de ser

    mandada embora...(Camila)

    Pra mim foi um pouco tenso...como j era o meu quarto acidente

    de trabalho, ento eu fiquei pensando: Nossa, mais um pra minha

    coleo e a tem aquele processo de...Ah...vou ser mandada

  • Apresentando os Resultados

    53

    embora, porque eles contam como procedimento ou tcnica

    incorreta no seu pronturio do hospital...(Marli)

    Outra adversidade assinalada a burocracia envolvida no processo

    de abertura da comunicao de acidente de trabalho que favorece a

    subnotificao por parte dos trabalhadores que se acidentam. As instituies

    precisam repensar seus protocolos e fluxos facilitando o atendimento,

    tornando-o menos moroso e complicado para os trabalhadores. As falas das

    trabalhadoras demonstram as dificuldades em relao a esse processo:

    Eu ainda fiz a metade do acidente de trabalho. Nossa... Nem fiz

    tudo porque muita burocracia o acidente de trabalho...mais

    da...fiz aquele monte de exame...Fui pra l e pra c, eram tantos

    papis tantos lugares que nem fiz tudo...(Joana)

    At voc conseguir fazer a CAT... muito demorado aqui, voc vai

    em vrios lugares, muito complicado, demorado, sabe?... muito

    papel...(Camila)

    Abri a cat porque fui obrigada, eu no queria abrir a cat...porque

    esse negcio de cat muita burocracia voc vai l, vem pra c...

    no sei o que... leva papel no sei aonde...voc perde muito

    tempo...(...)vai pra l vem pra c... (...) ruim isso da. O

    Funcionrio s vezes no faz a cat por causa disso pela

    burocracia que ...(Roberta)

    Aps o atendimento mdico o protocolo indica a realizao de

    exames laboratoriais no paciente fonte. As trabalhadoras de enfermagem

    relataram como dificuldade o fato de elas prprias terem que procurar o

    paciente fonte no espao fsico da instituio e o constrangimento muitas vezes

    relacionado ao fato da coleta de sorologias desse paciente, levando-as a

    situaes embaraosas frente aos prprios pacientes e seus familiares. Os

    relatos a seguir refletem essa realidade:

  • Apresentando os Resultados

    54

    Ah ..tambm teve a histria do paciente.. O paciente j tinha

    sado daqui. Tinha ido l pro terceiro andar, tive que ir l no

    terceiro pra colher exame do paciente e a famlia no queria, foi

    aquela confuso... e eles disseram: vai furar de novo? Ento eu

    expliquei para eles que eu tinha me furado ento eles aceitaram

    de mau gosto...entendeu? (Joana)

    Depois eu tive que colher o exame do paciente... tive que

    conversar com o paciente, que ele tinha que colher o exame, tinha

    que esperar, e o paciente querendo ir embora. Ele no ia ter que

    fazer nada s precisava colher mesmo os exames pra poder dar

    seguimento...eu fiquei assim sabe...sem graa...(Marli)

    E o pior de tudo foi que o paciente foi a bito..n..a...foi um

    transtorno maior ainda...(Cibele)

    Desta maneira, identifica-se que embora os acidentes de trabalho

    sejam situaes recorrentes nos servios de sade, as instituies ainda no

    esto preparadas para atender o trabalhador que exposto aos fluidos

    biolgicos. Esta categoria revela problemas no fluxo de atendimento e

    notificao destes acidentes e a manifestao do preconceito e indiferena

    manifestos pelos prprios colegas de trabalho e membros da equipe de sade,

    tornando evidente o cuidado inautntico dirigido aos trabalhadores de

    enfermagem.

    5.2.5 Superao e reorganizao do trabalho por meio da

    transcendncia

    Esta categoria representa a superao das trabalhadoras aps a

    exposio ocupacional relatando a reorganizao do processo de trabalho e o

    repensar suas prticas cotidianas aps o trmino do acompanhamento mdico.

  • Apresentando os Resultados

    55

    As trabalhadoras de enfermagem aps o acidente reconhecem que

    vivenciaram uma situao de instabilidade e vulnerabilidade, mas reconhecem

    a possibilidade de seguir adiante aps os resultados negativos dos testes

    sorolgicos e a sensao de alvio por no terem sido contaminadas:

    Agora posso seguir minha vida mais aliviada, continuar

    trabalhando...(Roberta)

    Graas a Deus que deu tudo bem...no aconteceu nada... (Joana)

    Dessa forma, as trabalhadoras passam a identificar as situaes de

    instabilidade em seu ambiente laboral reconstruindo suas prticas cotidianas,

    solicitando ajuda aos colegas e sinalizando para a chefia quando percebem

    uma situao de risco:

    Agora quando est muito pesado ou tem um paciente difcil eu

    peo ajuda pros meus colegas, pra no me arriscar...(Bianca)

    Fico com receio de sofrer um novo acidente sei l e ter que passar

    por tudo de novo, fazer o cat, esperar o resultado dos

    exames...toda aquela preocupao. Conversei com a chefia sobre

    o acidente, falei que tnhamos que ter mais treinamentos, que os

    pacientes deveriam ser redistribudos para que no ficasse mais

    to pesado pra ningum...(Roberta)

    Ao identificar os riscos aos quais esto expostas as trabalhadoras

    conseguem recriar novas possibilidades para o desenvolvimento de suas

    atividades e percebem que mesmo aps o acidente conseguem retornar ao

    trabalho ainda realizando o acompanhamento mdico:

    Mas graas a Deus deu tudo certo, tomei os 28 dias... Estou

    fazendo os exames ainda, falta mais um, mas t tudo em

    ordem...t dando pra trabalhar... (Bianca)

  • Apresentando os Resultados

    56

    Fiz o CAT, tudo certinho e..graas a Deus no deu nada at o

    presente momento meus exames zerado..(Camila)

    Nesse processo de retorno com o trmino do monitoramento, o fim

    dos exames sorolgicos e o recebimento da alta mdica, as trabalhadoras

    passam por um processo de mudana e sentem-se responsveis pelo seu

    autocuidado durante a realizao de suas atividades no trabalho. Na reinsero

    no trabalho aps a exposio, as trabalhadoras assumem novas aes como

    forma de minimizar a ocorrncia de novos acidentes.

    Acho que agora estou bem mais tranquila, agora que os exames

    deram negativo eu estou indo trabalhar sossegada...Depois do

    acidente estou tentando prestar mais ateno nas coisas que eu

    fao sabe? Tomar mais cuidado com as coisas, pra no me

    perfurar de novo...ah, agora eu procuro me informar sobre os

    jelcos novos...(Bruna)

    A gente toma mais cuidado..n..porque eu tenho muito medo de

    passar por tudo aquilo de novo...aquela sensao de medo de

    poder se contaminar, no quero passar por isso de novo......agora

    eu presto mais ateno na hora de realizar os procedimentos,

    porque eu tive a chance de viver de novo...(Marli)

    Foi bom depois que eu passei com o mdico no final do

    tratamento ele viu os meus exames e deu alta, agora estou mais

    sossegada, posso seguir a vida..mas acho que a gente tem que

    tomar cuidado.. Depois do acidente eu com