a vida normal da igreja crista - watcman nee

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EM CONFERÊNCIAS REALIZADAS EM XANGAI E HANKAU, WATCHMAN NEE FALOU A SEUS COOPERADORES SOBRE OS PRINCÍPIOS NEOTESTAMf:NTÁRIOS O!)ETRATAM DA ORGA- NIZAÇÃO PRÁTICA DAS IGREJAS, DO MlNlS- TÊRlO E DA OBRA ELE DECLAROU: "O NOSSO DESEJO É ACEITAR E PROCLAMAR TODA A PAIAVRA DE DF.US ... PROCURAMOS SEGtnR O GUIAR DO ESPÍRITO DE DEUS, E, AO MESM.O Tl:MPO, PROCURAMOS PRESTAR ATENÇÃO AOS EXEMPLOS MOSTRA.DOS A NÓS EM SUA PAIAVRA O GUIAR DO ESPÍRITO É PRECIOSO, MAS, SE NÃO HOUVER 1-.XEMPJ.O NA PALAVRA. SERÁ FÁCIi. SUBSTITUÍ-LO PELOS NOSSOS PENSA1\tENTOS FALIYEIS E SENTIMENTOS INFUNDADOS, O!JE NOS INDUZEM AO ERRO SEM Q!)E PERCEBAMOS". EM SEU FALAR, WATCHMAN NF.E l'XAM(NOU A l'RÚPIUA OBM DIANTE DO SENHOR À LUZ DJ:SSES PRINCÍ- PIOS, AJUSTOU E ENCORAJOU SEUS COOPERA- DORES, E CONFIRtv\.OU POR MEIO DE TESTE- MUNHO PESSOAL Q!JE A PRÁTICA DA Y1DA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ R!VELADA NO NOVO TESTAMENTO PODE SER RhTAURADA. ISBN 978- 7363-6529-1 11111 Ili 9 7807:G 365291

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Page 1: A Vida Normal da Igreja Crista - Watcman Nee

EM CONFERÊNCIAS REALIZADAS EM XANGAI

E HANKAU, WATCHMAN NEE FALOU A SEUS

COOPERADORES SOBRE OS PRINCÍPIOS

NEOTESTAMf:NTÁRIOS O!)ETRATAM DA ORGA­

NIZAÇÃO PRÁTICA DAS IGREJAS, DO MlNlS­

TÊRlO E DA OBRA ELE DECLAROU: "O NOSSO

DESEJO É ACEITAR E PROCLAMAR TODA A

PAIAVRA DE DF.US ... PROCURAMOS SEGtnR O

GUIAR DO ESPÍRITO DE DEUS, E, AO MESM.O

Tl:MPO, PROCURAMOS PRESTAR ATENÇÃO

AOS EXEMPLOS MOSTRA.DOS A NÓS EM SUA

PAIAVRA O GUIAR DO ESPÍRITO É PRECIOSO,

MAS, SE NÃO HOUVER 1-.XEMPJ.O NA PALAVRA.

SERÁ FÁCIi. SUBSTITUÍ-LO PELOS NOSSOS

PENSA1\tENTOS FALIYEIS E SENTIMENTOS

INFUNDADOS, O!JE NOS INDUZEM AO ERRO

SEM Q!)E PERCEBAMOS". EM SEU FALAR,

WATCHMAN NF.E l'XAM(NOU A l'RÚPIUA OBM

DIANTE DO SENHOR À LUZ DJ:SSES PRINCÍ­

PIOS, AJUSTOU E ENCORAJOU SEUS COOPERA­

DORES, E CONFIRtv\.OU POR MEIO DE TESTE­

MUNHO PESSOAL Q!JE A PRÁTICA DA Y1DA

NORMAL DA IGREJA CRISTÃ R!VELADA NO

NOVO TESTAMENTO PODE SER RhTAURADA. ISBN 978- 7363-6529-1

11111 Ili 9 7807:G 365291

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AVIDA NORMAL DA

WATCHMAN NEE

Living 8tream Ministry Anaheim, California • www.lsm.org

Page 3: A Vida Normal da Igreja Crista - Watcman Nee

© 2013 Living Stream Ministry

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser repro­duzida ou transmitida de forma alguma ou por meio a!gum - gráfico, eletrônico, ou mecânico, incluindo fotocópias, gravação ou sistemas infor­máticos de armazenamento e recuperação de dados - sem permissão por escrito dos editores.

Primeira Edição, junho de 2013.

ISBN 978-0-7363-6529-l

Traduzido do inglês Título original: The Normal Christían Church Life

(Portuguese Translation)

Publicado por

Liuing Stream Ministry 2431 W. La Palma Ave., Anaheim, CA 92801 U.S.A.

P. O. Box 2121, Anaheim, CA 92814 U.S.A.

Impresso no Brasil

13 14 15 16 17 18 ! 9 8 7 6 5 4 3 2 1

ÍNDICE

Título Página

Prefácio V

Prefácio da edição inglesa vii

Introdução ix

1 Os apóstolos 1

2 A separação e as ações dos apóstolos 19

3 Os presbíteros designados pelos apóstolos 39

4 As igrejas fundadas pelos apóstolos 51

5 A base da união e da divisão 71

6 A obra e as igrejas 95

7 Entre os obreiros 115

8 A questão das finanças 135

9 A organização das igrejas locais 161

Page 4: A Vida Normal da Igreja Crista - Watcman Nee

PREFÁCIO

Esta é uma tradução do livro The Normal Christian Church Life, o qual foi inicialmente publicado por Watchman Nee na Inglaterra, em 1939 sob o título Concerning our Jl,,fissions (A Res­peito das Nossas Missões). A edição inglesa de 1939 apresenta a obra do próprio Watchman Nee na 1íngua inglesa; ele foi o respon­sável direto pela tradução e edição daquele livro. Quaisquer diferenças entre as edições em inglês e. em chinês refletem as revi­sõ"" do próprio Watchman Nee.

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PREFÁCIO DA EDIÇÃO INGLESA

Após a publicação do meu livro em chinês, um bom número de missionários pediu uma edição em inglês. Relutei em concordar, pois eu preferia pessoalmente que fossem traduzidos os livros que representam melhor meu ministério, em vez deste que pode ser mal interpretado e motivo de controvérsia. Mas pareceu clara­mente ser essa a intenção do Senhor e, confiado nisso, passei à tradução. Este livro é uma edição bastante resumida e um tanto revisada da edição em chinês. Nem em expressão, nem em estilo, ele é tão inglês como eu gostaria, mas confio que a esse respeito posso contar com a complacência dos leitores. Se tudo que quere­mos é a verdade de Deus, a dificuldade para entender o livro não deve ser uma grande barreira à sua leitura.

Devido à amplitude do tema e à importância da sua discussão, não me foi fácil escrever, nem traduzir este livro. Uma vez que alguns dos tópicos tiveram de ser tratados em partes diferentes do livro, será necessário lê-lo totalmente para ter um entendimento completo. Se, por causa de uma aparente dificuldade insuperável, o livro for deixado de lado antes de uma leitura completa, o resul­tado será um posicionamento falso; ao passo que, ao ler todo o livro, algumas das dificuldades, se não todas, serão esclarecidas. Frequentemente, as perguntas que surgem em determinados tópi­cos são respondidas mais adiánte (às vezes, bem mais adiante). Portanto, para fazer justiça ao livro, pede-se ao leitor que termine a leitura antes de emitir um juízo a seu respeito.

O livro não é dirigido especialmente a nenhuma pessoa em particular, nem para todos em geral. É para aqueles que têm res­ponsabilidade no serviço ao Senhor. Mas, mais do que isso, é para aqueles que, honesta e verdadeiramente, se importam seriamente com Deus; para aqueles cujo coração está aberto e que não têm uma mente fechada nem preconceitos. O livro pode testar em alto

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grau a sinceridade e honestidade do leitor; mas uma fome e desejo genuínos de conhecer o pensamento pleno do Senhor sustent~rão uma leitura atenta até o final. Compreendo plenamente as diver­sas imperfeições deste livro (não se trata de modéstia, e sim de confissão); mas, apesar delas, creio que o Senhor mostrou algo importante para todo o Corpo de Cristo.

O assunto como um todo impressionará gradativamente o lei­tor e se tornará claro mediante uma reflexão calma após a primeira leitura. Não se deve fechar a porta bruscamente com um "Impossível!" ou "Ideal, mas não é prático!" Mediante uma aber­tura sincera do coração, sem argumentações ou discussões, o Espírito da Verdade precisa ter uma oportunidade, para que o que pmvém Dele faça com que as nossas reações naturais morram, e conheçamos a verdade e a verdade nos liberte!

Quero lembrar meus leitores que o objetivo deste livro não é que ele seja estudado hipoteticamente. Tenho um grande número de cooperadores que foram enviados e estão trak, lhando nas linhas traçadas aqui, e há um grande número de igreja..; que foram formadas e se desenvolveram sobre as bases mencionadas1. Por­tanto, o que é colocado nestas páginas não é mera teoria ou ensinamento, mas é algo que testamos de fato_

Uma das orações que fiz com relação a este livro é que o Senhor o mantenha longe dos opositores que o usariam como um mapa para atacar, assim como dos que concordam e o usariam como um manual de serviço. Tenho mais medo destes últimos do que dos primeiros.

Watchman Nee Londres, abril de 1939

1 Ver introdução.

viii

INTRODUÇÃO

IMPORTANTE PARA O ENTENDIMENTO DO LIVRO

O conteúdo das páginas a seguir é a substância de diversas palestras aos meus jovens cooperadores durante conferências dadas em Xangai e Hankau. Quando essas palaVTas foram fala­das, não se tinha em vista este livro, mas somente minha audiência imediata; e o fato de que essas mensagens se destina­vam à instrução dos meus jovens companheiros explica sua natureza intensamente prática e a simplicidade de estilo adotada. Nessas duas conferências procuramos primeiramente examinar o ensinamento da Palavra de Deus a respeito das Suas igrejas e da Sua obra e, em segundo lugar, rever nossas missões anteriores à luz das nossas descobertas 1•

As palestras provaram ser valiosas para meus irmãos mais jovens e, como foram copiadas por escrito, essas mensagens foram compartilhadas com outros. Isso resultou em muitos pedidos para que as palestras fossem pnblicadas em forma de livro. Como os par­ticipantes das conferências eram principalmente meus cooperado­res mais jovens, senti a liberdade de instruí-los e aconselhá-los e de discutir com muita liberdade diversos assuntos íntimos e df'licados. Se as mensagens fossem dirigidas a uma audiência maior ou para publicação, me sentiria obrigado a omitir muitos assuntos que foram mencionados e a falar em um tom totalmente diferente. Naturalmente, hesitei quando sugeri mm publicá-las, mas o Senhor deixou claro que essa era Sua intenção, por isso não tive alternativa senão concordar. Não tinha certeza se seria sábio preservar o estilo original das palestras, com seu sabor de "conselhos de irmão mais velho" e seu tom pessoal. Mas, como testificaram diversos amigos a

1 Usamos a primeira pessoa do plural por todo o livro, como entre os coo­peradores, pois assim foi usado pelos apóstolos no livro de Atos.

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respeito da ajuda especial que receberam das passagens mais pes­soais, ·compreendi que o livro perderia seu maior valor se essas coi­sas fossem eliminadas. Portanto, embora apresente as palestras com alguma revisão, elas ainda permanecem, tanto em conteúdo como em estilo, quase iguais às que foram dadas.

Confiamos que os leitores deste livro tenham em mente que as mensagens dadas aqui originalmente não foram dirigidas a eles. Elas foram dirigidas exclusivamente ao círculo dos meus coopera­dores mais íntimos na obra, mas, a pedidos, compartilhamos nossas descobertas com o círculo mais amplo de todos os nossos irmãos. Este livro é algo particular que se tornou público; algo dirigido originalmente a poucos e, agora, estendido a muitos; por isso, esperamos que nossos leitores perdoem qualquer coisa que lhes pareça inadequada ao público maior.

Gostaríamos de indicar aqui o lugar que os ensinamentos deste livro ocupam no corpo da verdade divina, pois eles só têm valor espiritual quando se estiverem relacionados com ela. Nos últimos dezoito anos o Senhor nos guiou através de diver-sas experiências para que aprendêssemos um pouco do princípio assim como do fato da cruz e da ressurreição, e aprendêssemos algo da vida em Cristo, do senhorio de Jesus, da viela coletiva do Corpo, da base do reino de Deus e do Seu propósito eterno. É natural, portanto, que esses itens tenham sido o encargo do nosso ministério. Mas o vinho de Deus precisa de um odre para contê-lo. No padrão divino, nada é deixado para a decisão do homem. O próprio Deus provi­denciou o melhor odre para o Seu vinho, que o conterá e preser­vará sem perda, obstáculo, nem dPturpação. Ele nos mostrou Seu vinho, mas também nos mostrou Sen odre.

Nossa obra nos anos passados tem-se baseado em determina­dos princípios nítidos; mas, até agora, nunca havíamos tentado defini-lo'° ou ensiná-los. Antes, buscamo;;, no poder do Espírito, enfatizar essas verdades que são tão qneridas ao nosso coração e nas quais, cremos, têm relação mais direta com a vida espiritual do crente e com o propósito eterno de Deus. Mas o resultado prá­tico dessas verdades no serviço ao Senhor de maneira alguma é insignificante. Sem isso, tudo que estc't na esfera da teoria e do desenvolvimento espiritual é impossível. Portanto, gostaríamos de,

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pela graça de Deus, não apenas transmitir o Seu vinho bom, mas também o odre que Ele providenciou para sua conservação. As ver­dades colocadas neste livro devem, portanto, ser consideradas em relação àquelas ensinadas nos dezoito anos do nosso ministério, e, consequentemente, não como uma introdução a elas.

No âmbito destas páginas, foi impossível lidar com todas as questões relacionadas ao tema do livro. Algumas já foram trata­das anteriormente, e outras, espero tratar mais tarde. O título do livro explica a sua natureza. Não se trata de um tratado de méto­dos missionários, mas de uma revisão do nosso passado à luz da vontade de Deus conforme descobrimos em Sua Palavra. No pas­sado, o Senhor, pela Sua graça, nos guiou pelo Seu Espírito em nosso serviço a Ele, mas queríamos ter clareza a respeito dos fun­damentos sobre os quais deve-se assentar toda obra divina. Compreendi que a necessidade primordial dos meus irmãos mais jovens era que fossem guiados pelo Espírito e recebessem revela­ção da parte Dele, mas não pude ignorar sua necessidade de uma base bíblica sólida para o seu ministério. Portanto, conversamos entre nós livremente sobre o que fazíamos e como fazíamos, e pro­curamos comparar nossa obra e métodos com o que Deus colocou diante de nós em Sua Palavra. Examinamos as razões bíblicas para os meios que empregávamos e a justificativa bíblica para o fim que buscamos; e anotamos várias lições que havíamos apren­dido pela observação e pela experiência. Não tínhamos intenção alguma de criticar o labor dos ontros e tampouco de fazer-lhes alguma sugestão sobre como a obra de Deus deve ser conduzida; estávamos simplesmente procurando aprender a partir da Pala­vra de Deus, da experiência e da observação, a como conduzir a obra nos dias vindouros, de maneira que sejamos obreiros "apro­vados por Deus".

O livro foi escrito sob o ponto de vista de um servo que olha da obra para as igrejas. Ele não trata do ministério específico ao qual cremos que o Senhor nos chamou, mas apenas dos princípios gerais da ohra; tampouco trata com "a igreja, que é o Seu Corpo", mas com as igrejas locais e seu relacionamento com a obra. O livro não toca os princípios da obra ou da vida da igreja; ele é apenas uma revisão das nossas missões, como o título sugere.

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As verdades mencionadas neste livro foram aprendidas e pra­ticadás gradualmente nos anos passados. Muitas correções foram feitas à medida que recebemos mais luz e, se permanecermos humildes e Deus ainda nos mostrar misericórdia, cremos que fare­mos mais correções no futuro. O Senhor nos deu graciosamente diversos companheiros na obra, todos os quais foram enviados sobre a base mencionada neste livro e, mediante o seu labor, mui­tas igrejas foram estabelecidas em diversas partes da China. Embora as condições sejam muito diferentes nessas muitas igre­jas, e os crentes ligados a elas também sejam bastante diferentes (em antecedentes, educação, situação social e experiência espiri­tual), descobrimos que, se, sob o senhorio absoluto de Jesus, virmos o padrão celestial de formação e governo da igreja, então, os métodos bíblicos serão praticáveis e frutíferos.

Embora o livro em si pareça tratar com o aspecto técnico do cristianismo, queremos enfatizar aqui que não visamos mera cor­reção técnica. O que buscamos é a realidade espiritual. Ivlas a espiritualidade não é algo teórico; ela sempre resulta em prática; e este livro trata da espiritualidade em sua realização prática.

É cansativo para mim, senão realmente repugnante, convf'r\c;ar com aqueles que visam a retidão exterior absoluta ao passo que pouco se importmn com o que é vital e espiritua1. Os métodos mis­sionários, como tais, nada me interessam. Na verdade, é uma profunda tristeza encontrar filhos de Deus que não sabem pratica­Illlénte nada de quão detestável é uma vida vivida na força natural do homem e pouco conhecem da experiência vital do enca­beçamento de Jesus Cristo, embora sejam escrupulosamente cuidadosos para alcançar a correção absoluta do método no serviço a Deus. Muitas vezes nos disseram: "Concordamos com você cm tudo". Longe disso! Na verdade não concordamos em nada! Espe­ramos que este livro não caia nas mãos daqueles que desejam aperfeiçoar sua obra aperfeiçoando os seus métodos, sem ajustar o seu relacionamento com o Senhor; mas esperamos que o livro traga uma mensagem para os humildes que aprenderam a viver no poder do Espírito e nãr) confiam na carne.

É morte ter um odrn snm vinho, mas é uma pe.i·da ter o vinho sem um odre. Precisamos ter o odre depois que temos o vinho.

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Paulo escreveu a Epístola aos Efésios, mas também pôde escrever a Epístola aos Coríntios. E Coríntios nos apresenta a expressão prática das verdades de Efésios. Sim, o escritor de Efésios também foi o escritor de Coríntios! Mas por que os filhos de Deus nunca tiveram sérias contendas a respeito das verdades de Efésios, mas sempre sobre as verdades de Coríntios? Porque a esfera de Efésios é celestial e suas verdades são puramente espirituais; assim, se houver alguma diversidade de opinião a respeito delas, não se nota muito. Mas os ensinamentos de Coríntios são práticos e tocam a esfera terrena; portanto, se há a mais leve diferença de opinião, imediatamente há uma reação. Sim, Coríntios é muito prático! E testa nossa obediência mais do que Efésios!

O perigo para os que conhecem pouco da vida e da realidade é enfatizar a mera correção externa; mas para aqueles a quem vida e realidade são assuntos de suprema importância, a tentação é descartar o padrão divino das coisas, por considerá-lo legalista e técnico. Eles sentem que têm o que é maior e que podem dispensar o que é menor. Como resultado, quanto mais espiritual for o homem, mais ele sente-se livre para fazer o que acha correto. Pensa que ele próprio tem autoridade para decidir a respeito de coisas exteriores e acredita que ignorar os mandamentos de Deus a esse respeito é um indício de que ele foi libertado do legalismo e está andando na liberdade do Espírito. Mas Deus não apenas revelou as verdades relacionadas com a nossa vida interior; Ele também revelou as verdades relacionadas com a expressão exte­rior dessa • ida. Deus valoriza a realidade interior, mas não ignora sua expressão exterior. Deus nos deu Efésios, Romanos e Colos­senses, mas também nos deu Atos, as Epístolas a Timóteo e as Epístolas aos Coríntios. Podemos achar que basta que Deus nos instrua através de Efésios, Romanos e Colossenscs sobre a nossa vida em Cristo, mas Ele achou necessário nos instruir através de Atos, Coríntios e Timóteo, quanto a como fazer a Sua obra e como organizar a Sua igreja. Deus não deixou nada para a imaginação humana ou para a vontade humana. O homem teme usar um servo que pensa po11co, mas Deus não quer usar um que pensa demais; tudo que Ele exige do homem é simples obediência. "Quem veio a ser Seu conselheiro?" perguntou Paulo (Rm 11:34). O

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homeJ? aceitaria esse cargo de bom grado, mas Deus não precisa de conselheiro. Não cabe a nós sugerir como achamos que a o.bra divina deve ser realizada; antes, cm tudo devemos perguntar: "Qual é a vontade do Senhor?''

Os fariseus limpavam o exterior do prato, mas deixavam o inte­rior cheio de impureza. Nosso Senhor os repreendeu por dar tanta importância às coisas exteriores e ignorar as interiores; e muitos dentre o povo de Deus concluem, pela repreensão do Senhor, que uma vez que enfatizemos o aspecto interior da vez·dade espiritual, tudo está bem. Mas Deus exige tanto a pureza exterior quanto a interior. Ter o exterior sem o interior é morte espiritual, mas ter o interior sem o exterior é apenas uma vida espiritualizada. E espi­ritualização não é espiritualidade. Nosso Senhor disse: "Devíeis, porém, fazer essas coisas, sem negligenciar aquelas" (Mt 23:23). Não importando quão insignificante possa parecer qualquer man­damento divino, ele é uma expressão da vontade de Deus; portanto, jamais ousamos tratá-lo levianamente. Não podemos negligenciar o menor dos Seus mandamentos impunemente. A importância das Suas exigências pode variai~ mas tudo que é de Deus tem propósito e valor eternos. Sem dúvida, a mera observância de formas exte­riores de serviço não tem nenhum valor espiritual. Todas as ver· dades espirituais pertencentes à vida interior ou à vida exterior estão sujeitas a ser legalizadas. Tudo que é de Deus (seja exterior ou interior), se estiver no Espírito é vida, se nâ letra, é mone. Por­tanto, a questão não é se é exterior ou interior. mas se está no Espírito ou na letra. "A letra mata, mas o Espírito dá vicb" (2Co 3:6).

O nosso desejo é aceitar e proclamar toda a Palavra de Deus. Anelamos poder dizer como Paulo: "Não deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus" (At 20:27). Procuramos seguir o guiar do Espírito de Deus, e, ao mesmo tempo, procuramos prestar atenção aos exemplos mostrados a nós em Sua Palavra. O guiar do Espí­rito é precioso, mas, se não houver exemplo na Palavra, set·á fácil substituí-lo pelos nossos pensamentos falíveis e sentimentos infundados, que nos induzem ao erro sem que percebamos. Se a pessoa não estiver preparada para obedecer à vontade de Deus em todas as direções, será fácil faier coisas contrárias à Sua Palavra e

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ainda acreditar que está sendo guiada pelo Seu Espírito. Salienta­mos a necessidade de seguir tanto o guiar do Espírito, como os exemplos da Palavra, porque, ao comparar os nossos caminhos com a Palavra escrita, podemos descobrir a fonte da nossa orienta­ção. O guiar do Espírito sempre estará em harmonia com as Escrituras. Deus não pode guiar o homem de uma maneira em Atos e de maneira diferente hoje. Externamente, o guiar pode variar, mas em princípio é sempre o mesmo; pois a vontade de Deus é eterna e, portanto, imutável. Deus é o Deus eterno; Ele não conhece o tempo e Sua vontade e métodos têm o selo da eterni­dade. Sendo assim, Deus jamais poderia agir de uma maneira em uma ocasião e, mais tarde, de outra maneii·a. As circunstâncias e os casos podem ser diferentes, mas, em princípio, a vontade e os métodos de Deus hoje são os mesmos que foram na época de Atos.

Deus disse aos israelitas: "Por causa da dureza do vosso cora­ção é que Moisés vos permitiu repudiar vossas mulheres" (Mt 19:8), mas o Senhor Jesus dísse: "O que Deus juntou, não sepai·e o· homem" (Mt 19:6). Não há uma discrepância aqui? Não! "Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repu­diar vossas mulherns; mas não foi assim desde o princípio" (Mt 19:8). Não quer dizer que no início podia, mais tarde, foi proibido, e, ainda mais tarde, foi permitido novamente, corno se Deus fosse inconstante. Não, o Senhor disse: "Não foi assim desde o princí­pio", mostrando que a vontade de Deus nunca mudou. Desde o princípio até hoje ela é a mesma. Eis aqui um princípio importan­tíssimo. Se quisermos conhecer a mente de Deus, precisamos ver os Seus mandamentos em Gênesis e não as suas permissões, que vieram mais tarde, porque toda permissão que veío mais tarde tem essa explicação: "Por causa da dureza do vosso coração". O que queremos descobrir é a vontade diretiva de Deus, e não Sua von­tade permissiva. Queremos ver qual era o propósito de Deus no início. Queremos ver como as coisas eram quando vieram da mente de Deus com toda a pureza, e não o que elas se tornaram por causa da dureza de coração por parte do Seu povo.

Se quisermos entender a vontade de Deus com relação à Sua igreja, não devemos ver como Ele conduziu o Seu povo o ano pas­sado, dez anos atrás ou cem anos atrás, mas devemos voltar ao

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princípio, à gênese da igreja, para ver o que Ele falou e fez naquela época: É ali que encontramos a expressão mais elevada da Sua vontade. Atos é a gênese da história da igreja e a igreja na época de Paulo é a gênese da obra do Espírito. As condições na ign:oja hoje são amplamente diferentes do que eram naquela época e jamais podem servir de exemplo ou de guia para nós. Temos de voltar ao princípio. Somente aquilo que Deus estabeleceu como exemplo para nós no princípio é Sua vontade eterna. É o padrão divino e nosso modelo para sempre.

Pode ser necessária uma palavra de explicação sobre os exem­plos que Deus nos deu em Sua Palavra. Deus nos deu Sua Palavra. O cristianismo é edificado não apenas sobre preceitos, mas tam­bém sobre exemplos. Deus revelou Sua vontade, não apenas dando ordens, mas realizando certas coisas em Sua igreja, para que nas eras vindouras os outros pudessem simplesmente olhar para o modelo e conhecer a Sua vontade. Deus não dirigiu o Seu povo apenas por meio de princípios abstratos e regulamentos objetivos, mas também mediante exemplos concretos e experiência subje­tiva. Deuc: usa preceitos para ensinar o Seu povo, mas um dos Seus princípais métodos de ensino é a história. Deus nos diz como os outros conheceram e fizeram a Sua vontade, de maneira que nós, ao ver a sua vida, não apenas conheçamos a Sua vontade, mas vejamos como fazê-la. Ele trabalhou em suas vidas, produzindo neles o q,ie desejava; e nos pede que olhemos para eles, a fim de que saibamos o que Ele está buscando.

Diremos, ent::to, que, porque Deus não ordenou determinada coisa, não a faremos? Se tivermos visto Seu lidar com os homens no passado, se tivermos visto como Ele guiou o Seu povo e edificou a Sua igrnja, poderemos alegar que ignoramos a Sua vontade? É necessário dizer explícitamente a uma criança como deve fazer todas as coisas? Será que todas as coisas permitidas e não permiti­das devem ser mencionadas separadamente? Não há muitas coisas que a criança po<le aprender simplesmente observando seus país e irmãos mais velhos? Aprendemos mais rapidamente pelo que vemos do que pelo que ouvimos, e a impressão que fica em nós é mais profunda. É por isso que Deus nos deu tanta história no Antigo Testamento, e em Atos dos Apóstolos, no Novo Testamento.

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Ele sabe que aprendemos mais facilmente mediante o exemplo do que por preceitos. Exemplos valem mais do que preceitos, porque os preceitos são abstratos, ao passo que os exemplos são preceitos levados à prática. Ao vê-los, não apenas conhecemos os preceitos de Deus, mas também temos uma demonstração tangivel de sua realização. Se tentarmos eliminar os exemplos do cristianismo e aprender somente pelos preceitos, não sobrará muita coisa. Os preceitos têm o seu lugar, mas os exemplos não têm um lugar menos importante, embora, obviamente, a conformidade exterior com o padrão divino será mera formalídade se não houver correspondência com a vida interior.

Concluindo, permita-me enfatizar que este não é um livro sobre métodos missionários. Não devemos desprezar os métodos, mas no serviço a Deus o que importa é o homem e não seus méto­dos. Se o homem não estiver correto, métodos corretos de nada servirão para a sua obra . .Métodos carnais servem para homens carnais, e métodos espirituais, para homens espirituais, Se ho­mens carnais empregarem métodos espirituais, o resultado será apenas confusão e fracasso. Este livro é dirigido para aqueles que, tendo aprendido algo da cruz, conhecem a corrupção da natureza humana e buscam andar, não segundu a carne, mas seg1.mdo o Espírito. Seu objetivo é ajudar aqueles que reconhecem o senhorio de Cristo em todas as coisas, e buscam servi-Lo à maneira desig­nada por Ele, e não segundo sua própria escolha. Em outras palavras, ele é escrito para aqueles que já estão na riqueza das verdades de Efésios, para que saibam como expressar seu serviço ,wgundo as diretrizes de Coríntios. Que nenhum dos meus leitores use este livro c01no base para ajuste~ externos em sua obra, sem deixm· que a cruz lide drasticamente com sua vida natural.

Na obra de Deus, tudo depende do tipo de obreiro enviado e do tipo de convertido produzido. Da parte do convertido, é essencial um verdadeiro nrivo nascimento do Espírito Santo e um relar.ionamento vila! com Deus. Da parte do obreiro, além de santidade pessoal e abnegação para o serviço, é essencial que ele tenha um conhecimento experimental do significado de comprometimento com Deus e fé em Sua providência soberana. Caso contrário, não importando quão

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bíblic<!s sejam os métodos empregados, o resultado será vazio e der­rota.

Entrego este livro ao Senhor e ao Seu povo, com a oração de que Ele o use para a Sua glória, corno melhor Lhe parecer.

Watchrnan Nee Xangai, janoiro de 1938.

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CAPÍTULO UM

OS APÓSTOLOS

Deus é um Deus de obras. Nosso Senhor disse: "Meu Pai traba­lha até agora". E Ele tem um propósito definido, para cuja realização direciona toda a Sua obra. Ele é o Deus que "faz todas as coisas conforme o conselho da Sua vontade". Mas Deus não faz todas as coisas direta e pessoalmente. Ele opera por meio dos Seus servos. Entre os servos de Deus, os apóstolos são os mais importantes. Busquemos na Palavra de Deus o que Ele tem para ensiuar a respeito dos apóstolos.

O PRIMEIRO APÓSTOLO

Na plenitude dos tempos, Deus enviou Seu Filho ao mundo para fazer Sua obra. Ele é conhecido como o Cristo de Deus, ou seja, "o Ungido". O termo "Filho" refere-se à Sua Pessoa; o nome "Cristo" refere-se ao Seu ofício. Ele era o Filho de Deus, mas foi enviado para ser o Cristo de Deus. "Cristo" é o nome ministerial do Filho de Deus. Nosso Senhor não veio à terra nem foi à cruz por ini­ciativa própria; Ele foi ungido e separado para a obra por Deus. Ele não se autodesígnou, mas foi enviado. Podemos vê-Lo com frequên­cia no Evangelho d!-, ,João referindo-se a Deus, não como "Deus", ou o "Pai", mas "Aquele que Me enviou". Ele tomou o lugar de wn enviado. Se isso é verdadeiro no caso do Filho de Deus, não deve muito mais ser aplicado aos Seus servos? Se o próprio Filho não devia tomar nenhuma iniciativa na obra de Deus, não deveríamos nós também agir as::;im? O primeiro princípio a se notar na obra de Deus é que todos os Seus obreiros são enviddos. Se não houver comissionamento divino, não poderá haver obra nenhuma.

A Bíblia tem um nome especial para um enviado: apóstolo. O

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2 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

significado da palavra grega é "o enviado". O próprio Senhor é o primeiro Apóstolo porque foi o primeiro especialmente enviado por Deus; portanto, a Palavra refere-se a Ele como "o Apóstolo" (Hb 3:1).

OS DOZE

Enquanto cumpria Seu ministério apostólico na terra, o Se­nhor estava o tempo todo ciente de que Sua vida na carne era limitada. Assim, enquanto seguia a obra que Lhe fora comissiona­da pelo Pai, Ele preparava um grupo de homens para continuá-la depois de Sua partida. Esses homens também foram chamados de apóstolos. Eles não eram voluntários; eram enviados. Nunca é demais enfatizar que toda obra divina é por comissão, e não por escolha.

Dentre quais pessoas nosso Senhor escolheu os apóstolos? Eles foram escolhidos entre os discípulos. Todos os que foram enviados pelo Senhor já eram discípulos. Nem todos os discípulos são neces­sariamente apóstolos, mas todos os apóstolos são necessariamente discípulos; nem todos os discípulos são escolhidos para a obra, mas os escolhidos são sempre selecionados entre os discípulos do Senhor. Um apóstolo, então, deve ter dois chamamentos: primeira­mente, ele deve ser chamado para ser discípulo e, em segundo lugar, deve ser chamado para ser apóstolo. Seu primeiro chama­mento é dentre os filhos do mundo para ser seguidor do Senhor. Seu segundo chamamento é dentre os seguidores do Senhor para ser enviado Dele.

Os apóstolos escolhidos pelo nosso Senhor em Seu ministério terreno ocupam um lugar especial na Bíblia, e também ocupam um lugar especial no propósito de Deus, porque estiveram com o Filho de Deus quando Ele viveu na carne. Eles foram chamados não apenas de apóstolos, mas de "os doze apóstolos". Eles ocupam um lugar especial na Palavra de Deus, e ocupam um lugar especial no plano de Deus. Nosso Senhor disse a Pedro que um dia eles se assentariam "em tronos julgando as doze tribos de Israel" (Lc 22:30 ). O Apóstolo tem Seu trono e os doze apóstolos também terão os seus. Esse privilégio não foi dado aos demais apóstolos. Quando Judas perdeu seu ofício e Deus guiou os onze restantes a

OS APÓSTOLOS 3

escolher alguém para completar o número, lemos que lançaram sortes e a sorte caiu sobre Matias, "e foi ele contado com os onze apóstolos" (At 1:26). No capítulo seguinte, encontramos o Espírito Santo inspirando o escritor de Atos a dizer: "Pedro, porém, pondo-se em pé com os onze" (At 2:14), que mostra que o Espírito Santo reconheceu Matias como um dos doze. Aqui vemos que o número desses apóstolos era fixo; Deus não queria mais do que doze, nem menos. No livro de Apocalipse, vemos que a posição final que eles ocupam é também especial: "E a muralha da cidade tinha doze fundamentos, e sobre estes estavam os doze nomes dos doze apóstolos do Cordeiro" (Ap 21:14). Até mesmo no novo céu e nova terra, os doze desfrutam um lugar particularmente pri­vilegiado, que não é designado a nenhum outro obreiro de Deus.

OS APÓSTOLOS NOS DIAS BÍBLICOS

O Senhor, como apóstolo, era único, e os doze, como apóstolos, também eram exclusivos; mas nem o Apóstolo nem os doze apósto­los podiam viver na terra para sempre. Quando nosso Senhor partiu, Ele deixou os doze para continuar Sua obra. E agora que os doze partiram, quem está aqui para levá-la a cabo?

O Senhor se foi, mas o Espírito veio. O Espírito Santo veio para assumir toda a responsabilidade pela obra de Deus na terra. O Filho trabalhava para o Pai; o Espírito trabalha para o Filho. O Filho veio para fazer a vontade do Pai; o Espírito veio para fazer a vontade do Filho. O Filho veio para glorificar o Pai; o Espírito veio para glorificar o Filho. O Pai designou Cristo para ser o Após­tolo; o Filho, enquanto estava na terra, designou os doze apóstolos. Agora, o Filho voltou para o Pai, e o Espírito está na terra desig­nando homens para ser apóstolos. Os apóstolos designados pelo Espírito Santo não podem juntar-se às fileiras daqueles designa­dos pelo Filho; contudo, são apóstolos. Os apóstolos de quem lemos em Efésios 4 claramente não são os doze iniciais, pois estes foram designados enquanto o Senhor ainda estava na terra, enquanto aqueles têm sua designação para o apostolado após a ascensão do Senhor: foram dons do Senhor Jesus à Sua Igreja após Sua glorifi­cação. Os apóstolos de então eram ri:-; seguidores pessoais do Senhor Jesus, mas os apóstolos.de hoje são ministros para a edificação do

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4 A VIDA NORMAL DA IGRE,1A CRISTÃ

Corpo de Cristo. Devemos discernir claramente entre os apóstolos que f~ram testemunhas da ressurreição de Cristo (At 1:22, 26) e os que são ministros para a edificação do Corpo de Cristo, pois este não existia antes da cruz. Não há dúvida de que, mais tarde, os doze receberain a comissão efésia, mas, como os doze, eles eram bem diferentes dos apóstolos mencionados em Efésios. Está claro que naquela época Deus tinha outros apóstolos além dos doze ini­ciais.

Imediatamente depois do derramamento do Espírito, vemos os doze apóstolos levando a cabo a obra. Até Atos 12, eles eram vistos como os principais obreiros; mas na abertura do capítulo treze, vemos o Espírito Santo começando a manifestar-se como Agente de Cristo e Senhor da Igreja. Nesse capítulo, é-nos dito que em Antioquia, quando determinados profetas e mestres serviam ao Senhor e jejuavam, o Espírito Santo disse: "Separai-Me agora Bar­nabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado" (At 13:2). Era o momento de o Espírito começar a enviar homens. Nessa ocasião, dois novos obreiros foram comissionados pelo Espírito Santo.

Depois de esses dois terem sido enviados pelo Espírito, como eles foram chamados? Quando Barnab6 o Paulo trabalhavam em lcônio, "dividiu-se a multidão da cidade: uns estavam com os judeus; outros, com os apóstolos" (At 14:4). Os dois enviados no capítulo anteríor, são, neste capítulo, chamados de apóstolos,. e, no mesmo capítulo (At 14:14), a designação "os apóstolos" é usada em aposição a "Barnabé e Paulo", o que é prova concludente de que os dois homens comissionados pelo Espírito Santo também eram apóstolos. Eles não estavam entre os doze; contudo, eram após­tolos.

Quem, então, são os apóstolos? São obreiros de Deus, enviados pelo Espírito Santo para a obra a que Ele os chamou. A responsa­bilidade da obra está nas mãos deles. Falando de maneira geral, todos os cristãos são responsáveis pela obra de Deus, mas os após­tolos são um grupo de pessoas especialmente separadas para a obra. De maneira particular, a responsabilidade da obra está sobre eles.

AgClra vemos o ensino da Bíblia quanto aos apóstolos. Deus designou Seu Filho para ser Apóstolo; Cristo designou Seus

OS APÓSTOLOS 5

discípulos para ser os doze apóstolos; e o Espírito Santo designou um grupo de homens (além dos doze) para ser os apóstolos edifica, dores do Corpo. O primeiro Apóstolo é único; há somente um. Os doze apóstolos também formam um grupo próprio; há somente doze. Mas há outra ordem de apóstolos, escolhidos pelo Espírito Santo, e, enquanto prosseguir a edificação da Igreja e continuar a presença do Espírito Santo na terra, a escolha e envio dessa ordem de apóstolos também continuará.

Encontramos na Palavra de Deus muitos outros apóstolos, além de Barnabé e Paulo. Há muitos, que pertencem à nova ordem, escolhidos e enviados pelo Espírito de Deus. Em 1 Corín­tios 4:9 lemos: "Deus nos expôs a nós, os apóstolos, em último lugar". A quem se referem as palavras "nós, os apóstolos"'? O pro­nome "nós" implica a existência de, pelo menos, mais um além do escritor. Se estudarmos o contexto, veremos que Apolo estava com Paulo quando ele escreveu (lCo 4:6), e Sóstenes era co-autor da epístola com Paulo. Assim, parece claro que o ''nós" aqui refere-se ou a Apolo, ou a Sóstenes, ou a ambos. Donde se conclui que um deles ou ambos devem ter· sido apóstolos.

Romanos 16:7 diz: "Saudai Andrônico e Júnia, meus parentes e companheii'os de prisão, os quais são notáveis entre os apóstolos". A frase "os quais são notáveis entre os apóstolos" não significa que eles eram considerados notáveis pelos apóstolos, mas que, dentre os apóstolos, eles eram notáveis. Aqui temos não apenas outros dois apóstolos, mas outros dois apóstolos notáveis.

Primeira aos Tessalonicenscs 2:6 diz: "Embora pudéssemos recorrer à nossa autoridade como apóstolos de Cristo". A primeira pessoa do plural aqui indica claramente os escritores da carta aos tessalonicenses, isto é, Paulo, Silvano e Timóteo (lTs 1:1), o que indica que os dois jovens cooperadores de Paulo também eram apóstolos.

Primeira aos Coríntios 15:5-7 diz: "Que apareceu a Cefas, e depois aos doze; depois apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, (. .. ) depois apareceu a Tiago, ruais tarde a todos os apóstolos". Além dos doze apóstolos, havia um grupo conhecido como "todos os apóstolos". É óbvio, então, que além dos doze, havia outros apóstolos.

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6 A VIDA NORMAL DA lGREJA CRISTÃ

Paµlo nunca disse que era o último apóstolo e depois dele não havia outros. Leiamos cuidadosamente o que ele disse: "E por último, depois de todos, apareceu também a mim.(. .. ) Pois eu sou o menor dos apóstolos, eu que não sou digno de ser chamado após­tolo" (lCo 15:8-9). Note como Paulo usou as palavras "último" e "menor". Ele não disse que era o último apóstolo, mas o menor dos apóstolos. Se fosse o último, não poderia haver apóstolos depois dele, mas ele apenas era o menor.

O livro de Apocalipse diz da igreja em Éfeso: "Puseste à prova os que dizem ser apóstolos e não o são, e descobriste que são fal­sos" (Ap 2:2). Esse versículo parece deixar claro que as primeiras igrejas tinham a expectativa de haver outros apóstolos além dos doze originais, porque, quando o livro de Apocalipse foi escrito, João era o único sobrevivente dos doze, e nessa ocasião até mesmo Paulo já havia sido martirizado. Se devería ter havido somente doze apóstolos, sendo João o único que restou, ninguém seria tolo o suficiente para assumir a posição de apóstolo, e ninguém seria suficientemente tolo para ser enganado; portanto, que necessi­dade haveria de colocá-los à prova? Se Jo:io fosse o único apóstolo, colocá-los à prova seria de fato muito simples! Qualquer pessoa· que não fosse João não seria apóstolo!

O SIGNIFICADO DE APOSTOLA DO

Uma vez que o significado da palavra "apóstolo" é "enviado", o significado dP. apostolado é muito evidente, ou sep, o ofício do envi­ado. ApósLolos não são primordialmente homens com dons espe­ciais; eles são homens com comissão especial. Todo o que é enviado por Deus é apóstolo. Muitos chamados de Deus não são tão dotados como Paulo, mas, se receberam um comissionamento de Deus, são verdadeiramente tão apóstolos como Paulo o foi. Os apóstolos eram homens dotados, mas seu aposlolado não era baseado nos seus dons; era baseado em seu comissionamento. É claro que Deus não enviará nenhuma pessoa que não esteja equipada, mas o equipa­mento não constitui o apostolado. Se Deus quisesse enviar um homem totalmente desequipado, esse homem seria tão apóstolo como alguém plenaruente equipado, uma vez que o apostolado não está baseado em qualificação humana, mas no com.issionamento

OS APÓSTOLOS 7

divino. É inútil alguém assumir o ofício de apóstolo simplesmente porque pensa ter os dons ou a capacídade necessários. É preciso mais do que simplesmente dons e capacidade para tornar homens em apóstolos; é preciso nada menos que o próprio Deus, a vontade de Deus e o chamamento de Deus. Homem nenhum pode chegar ao apostolado por meio de qualificações naturais. Se ele tiver de ser apóstolo, Deus terá de fazê-lo. Se um homem terá ou não valor ei:;pí­ritual, e se sua obra terá ou não finalidade espiritual, depende de Deus enviar. "Um enviado de Deus" deve ser a principal caracterís­tica de entrarmos em Seu serviço, e de todo o nosso mover subse­quente.

Voltemo-nos à Bíblia. Em Lucas 11:49 lemos: "Enviar-lhes-ei profetas e apóstolos, e a alguns deles matarão e perseguirão". De Gênesis a Malaquias não encontramos ninguém que tenha sido chamado explicitamente de apóstolo; contudo, os homens a quem a Palavra se refere como apóstolos viveram entre a época de Abel e Zacarias (Lc 11:51). Portanto, está claro que até mesmo na época do Antigo Testamento Deus tinha Seus apóstolos.

Nosso Senhor disse: "O servo não é maior do que seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que o envion" (Jo 13:16). [O termo enviado é literalmente apóstolo.] Aqui tem.os uma definição do termo "apóstolo". Ele implica ser enviado; isso é tudo. Não importa quão boa seja a intenção humana, ela nunca pode substi­tuir o comissionamento divino. Hoje os que foram tmviados pelo Senhor para pregar o evangelho e estabelecer igrejas chamam-se missionários, e não apóstolos; mas o termo "missionário" significa o mesmo que "apóstolo'', ou seja, "enviado". "Missionário" é a forma latina da palavra grega apóstolos. Como o significado das duas palavras é exatamente o mesmo, não consígo ver o motivo pelo qual os verdadeiros enviados de hoje preferem chamar-se missionários em vez de apóstolos.

OS APÓSTOLOS E O MINISTÉRIO

"Mas a cada um de nós foi concedida a graça segundo a medida do dom de Cristo. Por isso diz a Escritura; 'Quando Ele subiu às alturas, levou cativos os que estavam sob cativeiro e concedeu dons aos homens'. (Ora, que quer dizer: 'Ele subiu', senão que

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8 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

também desceu às partes inferiores da terra? O que desceu é tam­bém ó mesmo que subiu muito acima de todos os céus, a fim de encher todas as coisas.) E Ele mesmo concedeu alguns como após­tolos, alguns como profetas, alguns como evangelistas e alguns como pastores e mestres, tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos para a obra do ministério, para a edificação do Corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhe­cimento do Filho de Deus, à condição de homem maduro, à medida da estatura da plenitude de Cristo" (Ef 4:7-13).

Há muitos ministérios relacionados com o serviço de Deus, mas Ele escolheu alguns homens para um ministério especial: o minis­tério da Palavra para a edificação do Corpo de Cristo. Uma vez que esse ministério é diferente dos demais, referimo-nos a ele como "o ministério". Esse ministério é confiado a um grupo de pessoas das quais os apóstolos são as principais. Não se trata de um ministé­rio de um só homem, nem de todos os homens, mas de um ministério baseado nos dons do Espírito Santo e num conhecimento experimen­tal do Senhor.

Apóstolos, profetas, evangelistas, e pastores e mestres são dons do nosso Senhor para Sua Igreja, para servir no ministério. Estrita­mente falando, pastores e mestres são um só dom e não dois, porque ensinar e pastorear estão intimamente relacionados. Ao enumerar os dons, apóstolos, profetas e evangelistas são mencionados separa­damente, enquanto pastores e mestres estão vinculados. Além disso, os três primeiros são precedidos cada um pelo prnnome "alguns", enquanto "alguns" está ligado a pastores e mestres de maneira única; assim temos "alguns como apóstolos", "alguns como profetas", "alguns como evangelistas" "e alJsUns como pastores e mestres", e não "alguns como pastores" "e alguns como mestres". O fato de a palavra que foi traduzida por "alguns" ter sido usada somente quatro vezes nesta lista, indica que há somente quatro classes de pessoas em questão. Pastores e mestres são dois em um.

Pastorear e ensinar podem ser considerados um só ministério, por­que os que ensinam também devem pastorear, e os que pastoreiam também devem ensinar. Os dois trabalhos estão inter-relacionados. Além disso, a palavra "pastor" aplicada a uma pessoa não é encon­trada em nenhuma outra parte do Novo Testamento, embora o termo

OS APÓSTOLOS 9

"mestre" seja usado em outras quatro ocasiões. No Novo Testamento encontramos referência noutro lugar a apóstolo (por exemplo: Pau­lo), e a profeta (por exemplo: Ágabo), a evangelista (por exemplo: Filipe) e a mestre (por exemplo: Manaém), mas cm nenhum lugar da Palavra de Deus encontramos alguém apresentado como pastor. Isso confirma o fato de que pastores e mestres são a mesma classe de homens.

Mestres são homens que receberam o dorr n.e ensinar. Esse não é um dom miraculoso, mas um dom da graça, que justifica o fato de ter sido omitido da Esta de dons miraculosos em 1 Coríntios 12:8-10, e incluído na lista de dons da graça em Romanos 12. É um dom da graça que capacita os que o têm a entender os ensinamen­tos da Palavra de Deus, e a discernir Seus propósitos, e, assim, os equipa para instruir Seu povo em assuntos doutrinários. Na igreja em Antioquia havia diversas pessoas assim equipadas; Paulo estava entre elas. É pela operação de Deus que tais homens são "estabelecidos na igreja", e sua posição é próxima à dos profetas. Um mestre é um indivíduo que recebeu de Deus o dom de ensinar, e foi dado pelo Senhor à Sua Igreja para edificação. O trabalho de um mestre é interpretar aos outros as verdades a eles reveladas, guiar o povo de Deus ao entendimento da Palavra e encorajá-los a buscar e receber por si mesmos revelação divina por meio da Bíblia. Sua esfera de trabalho é prinópalmente entre os filhos de Deus, embora, às vezes também ensinem aos não salvos (lTm 4:11; 6:2; 2Tm 2:2; At 4:2-18; 5:21, 25, 28, 42). Seu trabalho é mais de interpretação do que de revelação, enquanto o trabalho dos pro­fetas é mais de revelação do que de interpretação. Eles buscam guiar os cristãos ao entendimento da verdade divina, e levar os incrédulos ao entendimento do evangelho.

Os evangelistas também são dom do nosso Senhor para Sua Igreja, mas quais sejam exatamente seus dons pessoais não sabe­mos. A Palavra de Deus não fala de nenhum dom evangelístico, mas se refere a Filipe como evangelista (At 21:8), e Paulo numa ocasião encorajou Timóteo a fazer o trabalho de evangelista e a cumprir plenamente o seu ministério (2Tm 4:5). Além dessas três passagens, o substantivo "evangelista" não é encontrado na Bíblia,

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embora encontremos frequentemente o verbo derivado da mesma raiz.

Na Palavra de Deus, o lugar dos profetas é mais claram~nte definido do que o dos mestres e dos evangelistas. A profecia é men­cionada entre os dons da graça (Rrn 12:6), e é encontrada nova­mente entre os dons miraculosos (lCo 12:10). Deus estabeleceu profetas na Igreja universal (lCo 12:28), mas também deu profe­tas para o ministério (Ef 4:11). Há tanto o dom de profecia quanto o ofício de profeta. Profecia é tanto um dom miraculoso corno dom da graça. O profeta é tanto alguém posto por Deus em Sua Igreja para ocupar o ofício profético, como alguém dado pelo Senhor à Sua Igreja para o ministério.

Entre as quatro classes de pessoas dotadas, concedidas pelo Senhor à Sua Igreja para edificação, os apóstolos são bem diferen­tes das outras três. A posição especial ocupada pelos apóstolos é óbvia para qualquer leitor do Novo Testamento. Eles foram espe­cialmente comissionados por Deus para fundar igrejas por meio da pregação do evangelho, levar revelação de Deus ao Seu povo, tomar decisões em assuntos pertinentes a doutrina e administra­ção, e aperfeiçoar os santos e distribuir os dons. Tanto espiritual como geograficamente, sua esfera de ação é ampla. Está claro na Palavra que sua posição é superior à dos profetas e mestres: "E a uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente, apóstolos" (lCo 12:28).

Os apóstolos pertencem ao ministério, mas são bem diferentes dos profetas, evangelistas e mestres, porque, diferentemente des­tes três, não é o dom deles que determina seu ofício; ou seja, não são constituídos apóstolos por terem recebido um dom apostólico.

É importante notar que o apostolado é um ofício, e não um dom. Oficio é o que se recebe como resultado de comissionamento; dom é

o que se recebe com base na graça. "Fui designado ( .. .) apóstolo" (lTm 2:7). "Eu fui designado(...) apóstolo" (2Tm 1:11). Vemos aqui que os apóstolos são comissionados. Ser apóstolo não está sujeito a receber dom apostólico, mas a receber comissionarnento apostó­l~co. Um apóstolo tem chamamento e comissionamento especiais. E nisso que ele difere dos outros três ministros, ernhora possa também ter recebido o dom profético e ser tanto profeta como

OS APÓSTOLOS 11

apóstolo. Seu dom pessoal faz dele profeta, mas é o comissiona­mento, e não um dom, que faz dele apóstolo. Os demais ministros pertencem ao ministério por causa de seus dons; um apóstolo per­tence ao ministério por ter sido enviado. A qualificação deles é ter dons; a dele é ter dons e mais chamamento e comissionamento especiais.

Um apóstolo pode ser profeta ou mestre. Se precisar exen.:itar seu dom de profecia ou de ensino na igreja local, ele o faz na quali­dade de profeta ou mestre, mas quando exercita seus dons em outros lugares, ele o faz na qualidade de apóstolo. O apostolado implica ser enviado por Deus para exercitar dons de ministério em diversos lugares. É de menor importância para seu ofício o dom pessoal do apóstolo, mas é essencial o fato de ter sido enviado por Deus. Um apóstolo pode exercitar seus dons espirituais em qual­quer lugar, mas não seus dons apostólicos, porque é apóstolo por oficio e não por dom.

Contudo, os apóstolos têm dons pessoais para o seu ministério. "Ora, havia em Antioquia, na igreja local, profetas e mestres: Bar­nabé, Simeão, chamado Níger, Lúcio de Cirene, Manaém, que fora criado com Herodes, o tetrarca, e Saulo. E, servindo eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-Me, agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado" (At 13: 1-2). Esses cinco homens tinham os dons de profetizar e ensinar, um dom miracu­loso e um dom da graça. Daquele grupo de cinco, dois foram enviados pelo Espírito para outras partes, e três foram deixados em Antioquia. Como já vimos, os dois enviados passaram a ser chamados de apóstolos. Eles não receberam nenhum dom apostó­lico, mas comissionamento apostólico. Seus dons os qualificavam a ser profetas e mestres, mas foi seu comissiorw mento que os quali­ficou a ser apóstolos. Os três que permanereram em Antioquia ainda eram profetas e mestres, e não apóstolos, simplesmente por­que não haviam sido enviados pelo Espírito. Os dois tornaram~sc apóstolos, não porque receberam algum dom além dos de profecia e ensino, mas porque receberam um ofício adicional como resul­tado de seu comissionamento. Os dons dos cinco eram iguais, mas dois receberam comissionamento divino além de seus dons, e isso os qualificou para o ministério apostólico.

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12 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

Por que, então, a Palavra de Deus diz: "E Ele mesmo concedeu algüns como apóstolos"? O apostolado aqui não é um dom dado ao apóstolo, mas à igreja; não é um dom espiritual dado ao homem, mas um homem dotado dado à Igreja. Efésios 4:11 não diz que o Senhor concedeu dom apostólico a alguma pessoa, mas concedeu homens, como apóstolos, à Sua Igreja. Os homens receberam dons do Espírito, que os qualificaram a se tornar profetas e mestres, mas nenhum homem jamais recebeu dom espiritual que o qualifi­casse a ser apóstolo. Os apóstolos são uma classe de pessoas que a Igreja recebeu como dom do nosso Senhor para sua edificação.

Os dons referidos nessa passagem não são dados pessoalmente aos homens, mas dados pelo Senhor à Sua Igreja; esses dons são obreiros dotados que o Senhor da Igreja concede à Sua Igreja para sua edificação. A Cabeça dá à Igreja, que é o Seu Corpo, determinados homens para servir o Corpo e edificá-lo. Devemos diferenciar os dons dados pelo Espírito a pessoas individualmente e aqueles dados pelo Senhor à Sua Igreja. Uns são dados aos cris­tãos pessoalmente; outros, aos cristãos coletivamente. Uns são coisas, e outros são pessoas. Os dons dados pelo Espírito a pessoas individualmente são seu equipamento para servir o Senhor profe­tizando, ensinando, falando em línguas e curando os doentes; os dons dados pelo Senhor à Sua Igreja como o Corpo são as pessoas que possuem os dons do Espírito.

"Pois a um é dada, mediante o Espírito, a palavra da sabedoria, e a outro, segundo o mesmo Espírito, a palavra do conhecimento; a outro, no mesmo Espírito, fé, e a outro, no i'.mico Espírito, dons de curar; a outro, realização de obras de poder, e a outro, profecia, e a outro, discernimento de espíritos; a um, vários tipos de línguas, e a outro, interpretação de línguas" (lCo 12:8-10). Essa passagem nos dá urna lista de todos os dons que o Espírito Santo deu aos homens, mas não inclui nenhum dom apostólico. "E a uns estabe­leceu Deus na igreja, primeiramente, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres; depois, obras de poder, depois, dons le curar, socorros, atl ministrações, vários tipos de línguas" (lCo 12:28). A primeira passagem relaciona os dons dados a indi­víduos; a segunda, os dons dados à Igreja. Na primeira não há menção de nenhum dom apostólico; na segunda vemos que os

OS APÓSTOLOS 13

apóstolos encabeçam a lista dos dons de Deus para a Igreja. Isso não significa que Deus concedeu à Sua Igreja o dom do apostolado, mas deu-lhe homens que são apóstolos; e não deu os dons de profe­cia e ensino à Sua Igreja, mas alguns homens corno profetas e outr~s como mestres. Deus estabeleceu diversos tipos de obreiros em Sua Igreja para sua edificação, um dos quais são os apóstolos. Eles não representam determinado tipo de dom; representam determinada classe de pessoas.

A diferença entre os apóstolos e os profetas e mestres é que estes dois representam tanto os dons dados pelo Espírito a pes­soas individualmente como os dons dados pelo Senhor à Sna Igreja, ao passo que os apóstolos são homens dados pelo Senhor à Sua IgTeja, mas não representam nenhum dom do Espírito pes­soal ou especial.

"E a uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres" (1Co 12:28). Que igreja é essa? Compreende todos os filhos de Deus; portanto, trata-se da Igreja universal. Nessa Igreja Deus estabele­ceu "primeiramente, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres". Em 1 Coríntios 14:23 lemos que toda a i.greja se reúne. Que igreja é essa? É óbvio que se trata da igreja local, pois a Igreja universal não pode reunir-se numa só cidade. É na igreja local que os irmãos exercitam seus dons espirituais. Um pode ter salmo; outro, ensinamento; outro, revelação; outro, lín­gua; e outro, interpretação (lCo 14:26), porém, mais importante do que tudo isso é o dom da profecia (lCo 14: 1). No capítulo doze, os apóstolos precediam os demais ministérios, mas no capítulo catorze, a precedência é dos profetas. Na Igreja universal, os após­tolos estão em primeiro lugar, mas na igreja local esse h1gar pertence aos profetas. Como pode ser que os profetas tornem o pri­meiro lugar na igreja local, uma vez que na Igreja universal ocupam apenas o segundo lugar? Porque na Igreja universal não su trata dos dons pessoais dados pelo Espírito, mas dos ministros como dons de Deus para a Igreja, e dentre esses, os apóstolos estão em primeiro lugar; mas na igreja local a questão é dos dons pesso­ais dados pelo Espírito, e dentre eles, o dom de profecia é o

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prin,cipal, porque é o mais importante. Lembremo-nos de que o apostolado não é dom pessoal.

A ESFERA DA OBRA DELES

A esfera da obra de um apóstolo é muito diferente da dos outros três ministros especiais. O fato de os profetas e mestres exercitarem seus dons na igreja local é visto na afirmação: "Havia em Antioquia, na igreja local, profetas e mestres". Pode-se encon­trar profetas e mestres na igreja local, mas não apóstolos, porque foram chamados para ministrar em lugares diferentes, enquanto o ministério dos profetas e mestres está restTito a uma só localidade

(lCo 14:26, 29). Quanto aos evangelistas, não conhecemos sua esfera especial,

uma vez que pouco é dito a respeito deles na Palavra de Deus, mas a história de Filipe, o evangelista, denama alguma luz sobre essa classe de ministros. Filipe deixou sua própria l!waliclade e pregava em Samaria, mas, enquanto ele fazia ali uma h11a obra, o Espírito não desceu sobre nenhum dos convertidos. ~;,imente quando os apóstolos chegaram de Jerusalém e impuserm: · :1s mãos sobre eles é que o Espírito foi derramado. Isso parece inú. car que a pregação local do evangelho é obra de evangelista, mas :, pregação univer­sal do evangelho é obra de apóstolo. Isso 11c"to implica que os labores de evangelista sejam necessariamon te restritos a um lugar, mas significa que é sua esfera normal. Igualmente, o profeta Ágabo profetizou em outro lugar, mas sua esfera de obra era sua

própria cidade.

A EVIDÊNCIA DO APOSTOLADO

Será que há alguma evidência de que a pessoa é de fato comis­sionada por Deus para ser apóstolo? Em 1 Coríntios 9:1-2, Paulo lida com nossa pergunta ao escrever aos santos Coríntios, e, por sua argumentação, é óbvio que o apostolado tem suas credenciais. "Porque vós, no Senhor, sois o selo do meu apostolado", ele escreve, como se dissesse: "Se Deus não me tivesse enviado a Corinto, vocês não estariam salvos hoje, e não haveria igreja em sua cidade". Se Deus chamou um homem para ser apóswlo, isso se manifestará no fruto de seus labores. Onde houver a comissão de Deus, ali haverá

OS APÓSTOLOS 15

a autoridade de Deus; onde houver a autoridade de Deus, ali haverá o poder de Deus; e onde houver o poder de Deus, ali haverá frutos espirituais. O fruto do nosso labor prova a validade do nosso comissionamento. Contudo, devemos notar que a ideia de Paulo não ê de que o apostolado implique inúmeros convertidos, mas de que representa valores espirituais para o Senhor, pois Ele jamais poderia enviar alguém com propósito menor. O Senhor busca valo­res espirituais, e o objetivo do apostolado é garanti-los. Nesse caso, os coríntios representam esses valores.11as acaso Paulo não disse aqui: "Não vi Jesus, nosso Senhor?" Então, somente os que viram o Senhor Jesus em Suas manifestações da ressurreição é que estão qualificados para se tornar apóstolos? Sigamos cuidadosamente o curso da argumentação de Paulo. No versículo 1, ele faz quatro perguntas: 1) "Não sou eu livre?" 2) "Não sou apóstolo?" 3) "Não vi Jesus, nosso Senhor?" 4) "Não sois vós minha obra no Senhor?" Uma resposta afirmativa às quatro perguntas era certa, pois o caso de Paulo exigia tal resposta. Note que, ao continuar sua argu­mentação no versículo 2, Paulo abandona duas de suas perguntas e prossegue com as outras duas. Ele abandona a primeira e a ter­ceira, e toma a segunda e a quarta, vinculando uma à outra. Seguindo seu raciocínio, ele deixa ele lado: "Não sou eu livre?'' e "Não vi Jesus, nosso Senhor?" e responde às perguntas: "Não sou apóstolo?" e "Não sois vós minha obra no Senhor?" Paulo buscava claramente demonstrar a autenticidade de seu comissionamento pela bênção que alcançaram seus labores, e não pelo fato de ele ser livre ou de ter visto o Senhor.

Das quatro perguntas feitas por Paulo, três estão relacionadas com a sua pessoa e uma com a sua obra. Essas três estão no mesmo plano, e são muito independentes uma da outra. Paulo não argumentava que, por ser livre e por ser apóstolo, ele havia visto o Senhor. Nem que, por ser um apóstolo, ele vira o Senhor e, por­tanto, era livre. Tampouco procuTava demonstrar que era livre e havia visto o Senhor, e, portanto, era apóstolo. Os fatos são que ele era livre, era apóstolo e havia visto o Senhor. Estes fatos não esta­vam essencialmente conectados um com o outro, e é um absurdo conectá-los. Seria tão razoável afirmar que o apostolado de Paulo estava baseado no fato de ele ser livre, como no fato de ele ter visto

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16 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

o Senhor. Se ele não tentava provar seu apostolado pelo fato de sua liberdade, tampouco tentava prová-lo pelo fato de ter v.isto o Senhor. O apostolado não está baseado no fato de se ter visto o Se­nhor em Suas manifestações da ressurreição.

Qual, então, é o significado de 1 Coríntios 15:5-9? "Que apare­ceu a Cefas, e depois aos doze; depo1s, apareceu a maís de quinhentos irmãos de uma só vez, (. .. ) depois apareceu a Tiago, mais tarde a todos os apóstolos e por último, depois de todos, apa­receu também a mim". O objetivo desta passagem não é produzir evidência do apostolado, mas evidência da ressurreição do Senhor. Paulo registra as diversas pessoas a quem o Senhor apareceu; ele não ensina que efeito causou nessas pessoas Sua aparição. Cefas e Tiago viram o Senhor, mas eles eram Cefas e Tiago depois que viram o Senhor, assim como eram Cefas e Tiago antes de tê-lo visto; não foi pelo fato de terem visto o Senhor que se toruaram Cefas e 'Tiago. O mesmo se aplica aos doze apóstolos e aos qui­nhentos irmãos. Ver o Senhor não os constituiu apóstolos. Eram doze apóstolos antes de terem visto o Senhor e eram doze apósto­los depois de terem visto o Senhor. O mesmo raciocínio se aplica no caso de Paulo. Os fatos eram que ele havia visto o Senhor e era o menor dos apóstolos; mas não foi o fato de ter visto o Senhor que o constituiu o menor dos apóstolos. Os quinhentos irmãos não eram apóstolos antes de terem visto o Senhor nem passaram a sê-lo depois. Ver o Senhor em Suas manifestações de ressurreição não os constituiu apóstolos. Eles eram simplesmente irmãos antes, e continuaram sendo simplesmente irmãos depois. A Palavra de Deus não ensina em nenhum lugar que ver o Senhor é a qualifica­ção para o apostolado.

Mas o apostolado tem suas credenciais. Em 2 Coríntios 12:11-12, Paulo escreve: "Em nada sou inferior aos superapóstolos. ( ... ) De fato, os sinais de um apóstolo foram realizados entre vós com toda a perseverança por sinais, prodígios e obras de poder". Havia evidência abundante da autentícidade do comíssionamento apostólico de Paulo; e os sinais de um apóstolo nunca faltarão onde de fato houver um chamamento apostólico. A partir da passagem acima, inferimu,-; que a evidência do apostolado está em um poder duplo: espiritual e miraculoso. Persistência é a maior prova de poder espiritual, e é um

OS APÓSTOLOS 17

dos sinais de um apóstolo. É a capacidade de perseverar sob pressão constante que testa a realidade do chamamento apostólico. Um ver­dadeiro apóstolo precisa ser "fortalecido coro todo o poder, segundo a força da sua glória, para toda perseverança e louganímidade com alegria" (Cl 1:11). Sim, não se requer nada menos do que "todo o poder, segundo a força da sua glória;, para produzir "toda perse­verança e longanimidade com alegria". Mas a realidade do aposto­lado de Paulo não foi atestada apenas por sua perseverança paciente sob pressão intensa e prolongada; foi evidenciada tam­bém pelo poder miraculoso que ele tinha. Poder miraculoso para mudar situações no mundo físico é uma manifestação necessária do nosso conhecimento de Deus na esfera espiritual, e isso se aplica não apenas às terras pagãs, mas a todas as terras. Afirmar ser enviados do Deus onipotente e ficar impotente diante de situa­ções que desafiam Seu poder são uma tristt, contradição. Nem todos os que podem operar milagres são apóstolos, pois os dons de cura e ele operação dé mHagrcs são dados aos membro.s do Corpo (lCo 12:28) que não têm qualquer comissão esp~cial, mas o poder miraculoso assim como o espiritual é parte do equipamento de todos os que têm um verdadeiro cornissionamento apostólico.

MULHERES APÓSTOLOS

As mulheres têm algum lugar entre os apóstolos? A Bíblia indica que sim. Não havia mulheres entre os doze que foram envi­ados pelo Senhor, mas uma mulher é mencionada entre os apóstolos que foram enviados pelo Espírito depois da ascensão do Senhor. Romanos 16:7 fala de dois apóstolos notáveis: Andrônico e Júnia, e as melhores autoridades concordam que "Júnia'' é um nome feminino. Portanto, aqui temos uma irmã como apóstolo, e um apóstolo notável.

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CAPÍTULO Dors

A SEPARAÇÃO E AS AÇÕES DOS APÓSTOLOS

ANTIOQUIA: A IGREJA MODELO

A igreja em Antioquia é a igreja modelo, mostrada a nós na Palavra de Deus, porque foi a primeira a vir à existência após a fundação das igrejas relacionadas com os judeus e os gentios. Em Atos 2 vemos a igreja relacionada com os judeus estabelecida em Jerusalém, e no capítulo dez vemos a igreja relacionada com os gentios estabelecida na casa de Cornélio. Foi logo após o estabele­cimento dessas igrejas que a igreja em Antioquia foi fundada. Em seu estágio de transição, a igreja em Jerusalém não estava total­mente livre do judaísmo, mas a igTeja em Antioquia desde o começo esteve na base da igreja de maneira absolutamente clara. Não é à toa que "em Antioquia, foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos" (At 11:26). Foi lá que as características peculiares do cristão e da Igreja cristã foram pela primeira vez manifestadas claramente, razão pela qual ela pode ser conside­rada igreja modelo para esta dispensação. Seus profetas e mestres eram profetas e uiestre1:1 modelo, e os apóstolos que ela enviou eram apóstolos modelo. Não apenas os homens que foram envia­dos são um exemplo para nós, mas também a maneira de serem enviados. Uma vez que o primeiro registro do envio de apóstolos pelo Espírito Santo foi de Antioquia, faremos bem se olharmos cuidadosamente para os seus detalhes.

Desde a conclusão no Novo Testamento, o Espírito Santo tem chamado muitos filhos de Deus para servi-Lo em todo o mundo, mas, estritamente falando, nenhum deles pode ser considerado exemplo para nós. Devemos sempre ver o primeiro ato do Espírito

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20 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

Santo em determinada direção para descobrir seu modelo para nós nessa direção. Portanto para ver qual exemplo a igrej<1- deve seguir hoje no envio de apóstolos, vamos examinar cuidadosa­mente o primeiro rngistro de envio de obreiros feito pela primeira igreja estabelecida sobre urna base da Igreja absolutamente clara.

O CHAMAMENTO DO ESPÍRITO SANTO

Nos dois primeiros versículos de Atos 13, lemos: "Ora havia em Antioquia, na igreja local, profetas e mestres: Barnabé, Simeão, chamado Níger, Lúcio de Cirene, Manaém, que foi criado com Herodes, o tetrarca, e Saulo. E, servindo eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-Me agora Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado". Observemos alguns fatos aqui. Havia uma igreja local em Antioquia, havia determinados profe­tas e mestres que eram ministros naquela igreja, e foi dentre eles que o Espírito Santo separou dois para outra esfera de serviço. Barnabé e Saulo eram dois ministros do Senhor já envolvidos no ministério quando veio o chamamento do Espírito. O Espírito Santo somente envia a outras partes os que já estão equipados para a obra e têm responsabilidade onde estão, e não os que enter­ram seus talentos e negligenciam as necessidades locais enquanto sonham com o dia em que chegará o chamamento para um serviço especial. Barnabé e Saulo carregavam o encargo da situação local quando o Espírito pôs sobre eles o encargo por outras partes. Suas mãos estavam cheias da obra local quando Ele os impeliu a traba­lhar em outros campos. N atemos primeiramente que o Espírito Santo escolhe apóstolos entre os profetas e mestres.

"E, servindo eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-Me agora Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho cha­mado." Esses profetas e mestres ministravam de todo coração ao Senhor, de maneira que, quando a ocasião exigiu, eles ignoraram até mesmo os direitos legítimos do corpo físico e jejuaram. O que enchia os pensamentos desses profetas e mestres em Antioquia era ministrar ao Senhor, e não trabalhar para Ele. A devoção deles era ao próprio Senhor, e não ao Seu serviço. Ninguém pode verdadei­ramente trabalhar para o Senhor se não aprendeu primeiramente a ministrar a Ele. Foi enquanto Barnabé e Saulo ministravam ao

A SEPARAÇÃO E AS AÇÕES DOS APÓSTOLOS 21

Senhor que a voz do Espírito foi ouvida, chamando-os para um ser­viço especial.

Foi ao chamamento divino que eles responderam, e não ao cha­mamento das necessidades humanas. Eles não ouviram relatórios sobre canibais ou selvagens caçadores de cabeça; sua compaixão não foi despertada por lendas tristes de casamentos de crianças ou pés atados ou consumo de ópio. Eles não ouviram voz alguma senão a do Espírito; não viram nenhum pedido senão o de Cristo. Não se fez um apelo ao seu heroísmo natural ou ao amor pela aventura. Eles conheciam apenas urn apelo: o do Senhor. Foi o senhorio de Cristo que exigia o serviço deles, e foi pela Sua autori­dade somente que eles prosseguiram. O chamamento deles foi um chamamento espiritual. Nenhum fator natural interferiu. Foi o Espírito Santo que disse: "Separaí-f,,Te agora Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado'' Toda obra espiritual deve começar com o chamamento do Espfr· , , Santo. Toda obra espiri­tual deve ser divinamente iniciada. O ,ano concebido para a obra pode ser esplêndido, a razão pode " adequada, a necessidade urgente e o homem escolhido para lev 1-la a cabo pode ser eminen­temente adequado; mas se o Espírit,1 Santo não disse: "Separai aquele homem para a obra a que o tc-nho chamado", este jamais poderá ser apóstolo. Ele pode ser profrta ou mestre, mas não após­tolo. Antigamente todos os verdadeiros apóstolos eram separados pelo Espírito Santo para a obra a que Ele os tinha chamado, e hoje Lodos os verdadeiros apóstolos devem certamente ser separados para a obra por Ele. Deus deseja o serviço de Seus filhos, mas Ele é que faz o recrutamento. Ele não quer voluntários. A obra é Dele, e Ele é o único Originador legítimo. A intenção humana, mesmo que seja boa, jamais pode substituir a iniciação divina. Des~jo sincero pela salvação dos pecadores e pela edificação dos santos jamais qualificará um homem para a obra de Deus. Uma qualificação, e apenas uma, é necessária: Deus deve enviá~lo.

Foi o Espírito Santo que disse: "Separai-Me agora Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado". Somente o chama­mento divino pode qualificar para o ofício apostólico.Nos governos da terra não pode haver serviço sem comissionamento, e o mesmo é verdade no governo de Deus. A tragédia na obra do cristianismo

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hoje é que muitos obreiros simplesmente saíram; eles não foram env.iados. É a comissão divina que constitui o chamamento para a obra divina. Desejo pessoal, persuasão, de amigos, conselho dos mais velhos e a urgência da oportunidade, tudo isso são fatores no plano natural, e jamais podem substituir um chamamento espiri­tual. Isso é algo que deve ser registrado no espírito humano pelo Espírito de Deus.

Quando Barnabé e Saulo foram enviados, o Espírito primeira­mente os chamou, então os irmãos confirmaram o chamamento. Os irmãos podem dizer que você tem mn chamamento, e as cir­cunstâncias também parecem mostrar o mesmo, mas a questão é se você mesmo ouviu ou não o chamamento. Se você deve ir, você é o que precisa ouvir primeiramente a voz do Espírito. Não ousamos desconsiderar a opinião dos irmãos, mas ela não substitui um cha­mamento pe::i,.;oal de Deus. Mesmo que eles estejam convencidos de que temos um chamamento, e nessa mesma confiança um grupo do povo de Deus nos envie alegremente para a obra, se nós mesmos não conhecermos o falar de Deus direto ao nosso coração, com base na nova aliança, então, saímos como mensageiros de homens, e não como apóstolos de Deus.

Se Deus deseja o serviço de qualquer um de Seus filhos, Ele mesmo o irá chamar, e Ele mesmo o irá enviar. A primeíra exigên­cia na obra divina é um chamamento divino. Tudo depende disso. Um chamamento divino dá a Deus o lugar de direito, pois O reco­nhece como o Originador da obra. Onde não há chamamento de Deus, a obra que se realiza não tem origem divina e não tem valor espiritual. A obra divina deve ser divinamente iniciada. Um obrei­ro pode ser chamado diretamente pelo Espírito, ou indiretamente por meio da leitura da Palavra, pregação ou circunstâncias; mas qualquer que seja o meio usado por Deus para tornar Sua vontade conhecida do homem, Sua voz deve ser a única ouvida em meio a tantas vozes; Ele deve ser o que fala, não importando por meio de que instrumento venha o chamamento. Jamais devemos ser inde­pendentes dos demais membros do Corpo, mas jamais devemos esquecer que recebemos todas as orientações diretamente da Ca­beça; portanto devemos ser cuidadosos a fim de pn:servar nossa independência espiritual, até mesmo quando cultivamos um espírito

A SEPARAÇÃO E AS AÇÕES DOS APÓSTOLOS 23

de mútua dependência entre os membros. É errado rejeitar a opi­nião de cooperadores sob o pretexto de fazer a vontade ele Deus, mas também é errado aceitar suas opiniões como substitutas da orientação direta do Espírito de Deus.

SEPARAÇÃO DE OBREIROS

Sim, foi o Espírito Santo que chamou a Barnabé e a Saulo, mas Ele falou aos demais profetas e mestres assim como a eles: "Sepa­rai-Me agora Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho cha­mado". O Espírito Santo falou diretamente aos apóstolos, mas também falou indiretamente por meio dos profetas e mestres. O que foi dito em particular aos dois foj confirmado publicamente por meio dos outros três. Todos os apóstolos devem ter revelação pessoal da vontade de Deus, mas fazer disso a única base de sua saída não,_; suficiente. Por um lado, a opinião de outros, a despeito de quão e;:;pirituais e experientes sejam, não pode ser um substi­tuto para ; chamamento direto de Deus. Por outro, um chama­mento pe,,,,ual, a despeito de quão claro tenha sido, exige a confirmaçáo dos membros representativos do Corpo de Cristo na localidade da qual saem os obreiros.

Observemos que o Espírito Santo não falou à igreja em Antio­quia: "Separai-Me agora Barnabé e Saulo". Foi aos profetas e mestres que Ele falou. Deus tornar Sua vontade conhecida a toda a assembleia dificilmente seria algo prático. Alguns de seus mem­bros eram espiritualmente maduros, mas outros eram apenas bebês em Cristo. Alguns eram absolutamente consagrados ao Senhor, mas é altamente improvável que todos os membros bus­cassem o Senhor com tal singeleza de propósito que pudessem discernir claramente Seu chamamento de suas próprias ideias. Deus, portanto, falou a um grupo representativo na igreja, a homens de experiência espiritual que eram totalmente consagra­dos ao Seu interesse.

E este foi o resultado: "Então, tendo jejuado, e orado, e imposto-lhes as mãos, os rlespediram" (At 13:3). A separação du.,; apóstolos pelos profetas e mestres seguiu o chamamento que veio a eles proveniente do Espírito. O chamamento foi pessoal, a sepa­ração foi corporativa; e um não era completo sem o outro. Um

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chamamento direto de Deus e uma confirmação desse chama­mento na separação dos chamados por parte dus profetas e mestres são a provisão de Deus contra autônomos em Seu ~erviço.

O chamamento de um apóstolo é o Espírito Santo falando dire­tamente ao chamado. A separação de um apóstolo é o Espírito Santo falando indiretamente por meio dos cooperadores do após­tolo chamado. É o Espírito Santo que toma a iniciativa tanto de chamar como de separar os obreiros. Portanto, se os irmãos repre­sentativos de uma assembleia separam homens para o serviço do Senhor, devem perguntar-se: Fazemos isso por iniciativa própria ou como representantes do Espírito de Deus? Se eles se movem sem plena certeza de agír no interesse do Espírito Santo, a separa­ção de um obreiro não terá valor espiritual. Eles devem poder dizer a respeito de todos os obreiros que enviaram: Ele foi enviado pelo Espírito Santo, não por homens. Nenhuma separação de obreiros deveria ser feita precipitada ou levianamente. Pm essa razão o jejum e a oração precederam o envio de Barnabé e Saulo.

Quando Barnabé e Saulo foram separados para a obra, houve oração e jejum e a imposição de mãos. A oração e jejum não visa­vam meramente à necessidade imediata de discernimento claro da vontade de Deus, mas a necessidade vindoura, quando os após­tolos saíssem de fato. E a imposição de mãos não se deu como ordenação, pois Barnabé e Saulo já haviam sido ordenados pelo Espírito Santo. Tanto aqui como no Antigo Testamento, a imposi­ção de mãos era expressão de perfeita unidade entre dois grupos representados. Era como se os três que enviavam os dois disses­sem: "Quando vocês dois, membros do Corpo de Cristo, saírem, todos os outros membros irão com vocês. Sua saída é nossa saída, e sua obra é nossa obra". A imposição de mãos era um testemunho da unidade do Corpo de Cristo. Ela significava que os que ficaram para trás eram um com os que foram enviados, e em plena harmo­nia com eles; e que, quando eles saíram, os que estavam na base comprometiam-se a acompanhá-lns continuamente com interesse por meio de orações e terna solidariedade.

Quanto a todos os que foram enviados, estes devem prestar ;,tenção a esses dois aspectos em sua separação para o serviço de Deus. Por um lado, deve haver chamamento direto de Deus e

A SEPARAÇÃO E AS AÇÕES DOS APÓSTOLOS 25

reconhecimento pessoal desse chamamento. Por outro, deve haver confirmação desse chamamento pelos membros representativos do Corpo de Cristo. E quanto a todos que são responsáveis pelo envio de outros, devem, por um lado, estar em posição de receber a revelação do Espírito e a discernir a mente do Senhor; por outro, devem ser capazes de solidariamente entrar na experiência dos que eles, como membros representativos do Corpo de Cristo, enviam em nome do Senhor. O princípio que governou o envio dos primeiros apóstolos ainda governa o envio de todos os apóstolos que de fato são designados pelo Espírito para a obra de Deus.

A EXPRESSÃO DO CORPO

Sobre que base esses profetas e mestres separaram determina­dos homens coroo apóstolos, e a quem representavam esses profetas e mestres? Por que eles, e não toda a igreja, separavam obreiros? Qual é o significado de tal separação, e qual é a qualificação neces­sária para os que assumem a responsabilidade nessa questão?

A primeira coisa que devemos compreender é que Deus incor­porou todos os Seus filhos cm um Corpo. Ele não reconhece nenhuma divisão do Seu povo em várias "igrejas" e missões. Sua intenção é que todos os Seus vivam uma vida corporativa, a vida de um corpo cujos muitos membros têm considel'ação, amor e entendimento mútuos. E Ele propôs que não somente a vida, mas também o ministério dos Seus filhos estivesse no princípio do corpo, para que fosse uma questão ele ajuda, edificação e serviço mútuos: a atividade dos muitos membros de um só corpo. Há dois aspectos do Corpo de Cristo: vida e ministério. A primeira metade de Efésios 4 fala do Corpo em relação à sua vida. ''De quem todo o Corpo, bem ajustado e entrelaçado por meio de toda junta do rico suprimento e por meio da operação segundo a medida de cada parte, realiza o cresciment,) do próprio Corpo para a edificação de si mesmo em amor" (Ef 4:16). Aqui, o que está em questão é a obra. Mas no versículo 25 a questão é claramente a vida: "Portanto, tendo vos despojado da mentira, fale cada um a verdade com o seu próximo_, pois somos membros uns dos outros". Em Romanos 12 vemos como os membros devr.m cuidar uns dos outros, de maneira que a ideia ali é novamente a manifestação da única vida. Mas em

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1 Coríntios 12 vemos como os membros devem servir uns aos out~os, sendo a ideia daquela passagem a manifestação do único ministério.

Quando falamos do único Corpo, enfatizamos a unidade da vida de todos os filhos de Deus. Quando falamos de seus muitos membros, enfatizamos a diversidade de funções naquela unidade. A característica do Corpo é a vida; a dos membros é a obra. Num corpo físico, os membros diferem uns dos outros; contudo, funcio­nam como um, pois compartilham a mesma vida e têm como único alvo a edificação de todo o corpo.

Pelo fato de o Corpo de Cristo ter dois aspectos diferentes -vida e ministério - ele, consequentemente, tem duas manifesta­ções. A igreja em uma localidade é usada para expressar a vida do Corpo, e os dons na Igreja são usados para expressar o ministério de seus membros. Em outras palavras, cada igreja local deve estar na base do Corpo, considerando-se expressão da unidade da vida do Corpo, e não deve, de maneira alguma, admitir divisão, uma vez que ela existe como a manifestação de uma vida indivisível. Os diversos minish'os da igreja devem, igualmente, estar sobre a base do Corpo, considerando-se expressão da unidade de seus diversos ministérios. Comunhão e cooperação perfeitas devem caracterizar todas as suas atividades, pois ainda que suas funções sejam diver­sas, o ministério deles é na verdade um só. Nenhuma igreja local deveria ser dividida em diversas facções nem a~sociar-se com outras igrejas sob uma denominação, saindo, assim, da base do Corpo; e nenhum grupo de ministros deveria unir-se para f.irmar uma unidade separada, posicionando-se em outra base que não a do Corpo. Toda a sua obra deve ser feita como membros do Corpo, e não como membros de uma organização que existo à parte dele. Um obreiro pode empregar seus dons na qualidade de oficial de uma organização, mas ao fazê-lo ele sai da base do Corpo.

Uma leitura desatenta de Efésios 4:11-12 pode levar-nos a con­cluir que os aprí.:-:lolos, profetas, evangelistas e pastores e mestres funcionavam fora do Corpo, porque foram dados pelo Senhor à 8ua lgTeja, para sua edificação (v. 12). Mas o versículo 16 deixa claro que eles não estão fora do Corpo para edificá-lo; buscam edificá-lo do lado de dentro, Eles próprios são parte do Corpo, e somente

A SEPARAÇÃO E AS AÇÕES DOS APÓSTOLOS 27

quando tomam seu lugar correto nele, como membros que minis­tram, é que todo o Corpo é edificado.

É inquestionável que as igrejas são a expressão local do Corpo de Cristo, portanto não precisamos entrar nesse assunto aqui; mas é necessária alguma explicação quanto aos ministros dotados que Deus estabeleceu na Igreja como a expressão do ministério do Corpo. Em 1 Coríntios 12, Paulo lida claramente com a questão do serviço cristão. Ele assemelha os obreiros a diversos membros de um corpo, e mostra que cada membro tem um uso específico, e que todos servem ao corpo pertencendo a ele e não separadas dele. No versículo 27 ele escreve: "Ora, vós sois Corpo de Cristo, e, indivi­dualmente, membros desse Corpo"; e no versículo seguinte ele diz: "E a uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres; depois, obras de poder, depois, dons de curar, socorros, administrações, vários tipos de línguas". Um estudo desses dois versículos deixa claro que os ministros dotados do versículo 28 são os membros do versículo 27, e que a Igreja do versículo 28 é o Corpo do versículo 27; por­tanto, o que os ministros são para a Igreja, os membros são para o Corpo. Eles mantêm sua posição no Corpo por causa de suas fun­ções (a "audição" e o "olfato" do versículo 17). Os membros dotados são membros funcionantes do Corpo, e toda a sua operação se dá como membros. Eles são para a Igreja o que as mãos, pés, boca e cabeça são para o corpo físico. Os servos de Deus não ministram à Igreja como se estivessem separados dela, mas como sous mem­bros. Eles estão no Corpo, servindo-o pelo uso das faculdades que eles, crnno membros, possuem. Uma igreja em qualquer localidade é uma expressão da única vida do Corpo, enquanto seus ministros são a expressão da diferença e, ao mesmo tempo, unidade de ::;eu ministério.

Primeira aos Coríntios 12 trata do Corpo de CI'isto, não no aspecto da vida, mas da obra. Todo o capítulo é tomado com a ques­tão do minislério, e esse ministério é apresentado como o funcionar dos diversos membros, o que tmna evidente que no entender de Deus todos o::; ministério,, estão sobre a base do Corpo. O ministério é a expressão prática do Corpo, uma expressão da diversidade na unidade de .,;eus diversos membros. Portanto, vemos que quando o

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asp~cto de vida do Corpo de Cristo é expresso, ali você tem uma igreja local; e quando o aspecto da obra é expresso, ali você tem uma manifestação dos dons que Deus deu à Sua Igreja.

Ao ler 1 Coríntios 12:28 não se pode evitar a impressão cau­sada pela impressionante diferença entre a descrição dos primei­ros três dons e os cinco restantes. Paulo, sob a inspiração do Espírito, tem um cuidado especial ao enumerá-los: "Primeira­mente, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres". Os três primeiros são especificamente enumerados, mas não os demais; e eles são bem diferentes em natureza assim como em numeração_ Eles são homens; os demais são coisas. Os três dons do Senhor para Sua Igreja primeiramente nomeados (apósto­los, profetas e mestres) estão separados dos demais. Eles são ministros da Palavra de Deus, e sua função, edificar o Corpo de Cristo, é a mais importante na Igreja. Eles são os representantes do ministério do Cmpo.

O único registro bíblico do envio de apóstolos é encontrado em Atos 13, e ali vemos que são os profetas e mestres que os separam para o ministério. A Bíblia não dá precedente algum para a sepa­ração e envio de homens por um ou mais indivíduos, ou por alguma missão ou organização; até mesmo o envio de obreiros por uma igreja local é desconhecido na Palavra de Deus. O único exemplo dado a nós é a separação e o envio feito pelos profetas e mestres.

Qual é o signifícado disso? Em Antioquia os profetas e mestres foram escolhído::; de Deus para separar Barnabé e Saulo para o Seu serviço, porque eram os membros ministradores da i~reja, e essa separação dos apóstolos era uma questão de ministêrio e não de vida. Se estivesse relacionada com a vida, e não especifica­mente com o serviço, teria sidn alvo de preocupação de toda a igreja local, e nau meramente de seus membros ministt·adores. fi.'las note-se que, embora Barnabé e Saulo não tenham sido sepa­rados para a ohra por toda a igreja, eles foram enviados nàn '-'.orno

representantes de uns poucos membros selecionados, mas de todo o Corpo. O falo de terem sido c;eparados pelos profetas e mestres implicava qlte não saíram em linhas individualistas ou com ba:-;e em alguma organização, mas com a base do ministério do Corpo. A

A SEPARAÇÃO E AS AÇÕES DOS APÓSTOLOS 29

õnfase, como vimos, estava no ministério, e não na vida, mas era um ministério que representava toda a igreja, e não parte dela. Isso está claramente expresso pela imposição de mãos.

Corno vimos, a imposição dG mãos fala da unidade (Lv 1:4), e a única unidade entre os filhos de Deus é a unidade do Corpo de Cristo; portanto, ao impor as mãos sobre os apóstolos, os profetas e mestres definitivamente estavam sobre a base do Corpo, agindo como seus membros representantes. Sua ação identificou toda a igreja com os apóstolos e identificou os apóstolos com a igreja. Esses profetas e mestres não estavam sobre uma base individual ao enviar os apóstolos como seus representantes pessoais, nem estavam sobre a base de algum grupo seleto a enviá-los como representantes desse grupo; mas estavam sobre a base do Corpo, como seus membros ministradores, e separaram os dois para a obra do evangelho. Por sua vez, os dois, tendo sido separados dessa maneira, saíram, não para representar algum indivíduo em parti­cular ou determinada organização, mas apenas e tão-somente o Corpo de Cristo. Toda obra que é verdadeiramente bíblica e espiri­tual deve proceder do COTpo e ministrar para o Corpo. O Corpo deve ser a base sobre a qual o obreiro se posiciona, e a única esfera na qual ele trabalha.

Em duas ocasiões Paulo recebeu a imposição de mãos; a pri­meira foi quando creu no Senhor (At 9:17), e a segunda na ocasião que estamos vendo, quando foi enviado de Antioquia. A primeira expressou sua identificação com a vida do Corpo; a segunda, sua identificação com o ministério do Corpo. A primeira o declarou membro do Corpo por receber vida da Cabeça; a segunda, o decla­rou membro ministrador, não trabalhando como indivíduo isolado, mas relacír1n;1do com os demais membros, como parte do grande todo.

Ao enviar Barnabé e Saulo de Antioquia, os profetas e mestres não se posicionaram por nenhuma "igreja'' ou missão; elt"s repre­sentavam o miuistério do Corpo. Não eram toda a igreja; eram apenas um grupo de servos de Deus. Não tinham nenhum nome especial, não estavam vinculados a nenhruna organização particular e não estavam sujeitos a nenhuma regra fixa. Eles simplesmente submeteram-se ao controle do Espírito e separaram os que Ele

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sep<!rara para a obra a que os chama1·a. Eles não eram o Corpo, mas estavam sobre a base do Corpo, sob a autoridade da CiJ.beça. Sob tal autoridade, e sobre essa base, eles separaram homens para ser apóstolos; e sob a mesma autoridade, e sobre a mesma base, outros podem fazer o mesmo. A separação de apóstolos sob esse princípio significará que os homens enviados podem ser diferen­tes, os que enviam podem ser diferentes e o tempo e local do envio podem também ser diferentes; mas, como tudo está sob a direção da Cabeça e sobre a base do ünico Corpo, não haverá divisão. Se Antioquia envia homens com base no Corpo e Jerusalém envia homens com base no Corpo, ainda haverá unidade interna, ades­peito da diversidade externa. Que grandioso seria se não houvesse representantes de diversos corpos terrenos, mas somente repre­sentantes do Corpo, o Corpo de Cristo. Se milhares de igrejas locais, com milhares de profetas e mestres, enviassem milhares de obreiros, haveria imensa diversidade exterior, mas ainda poderia existir perfeita unidade interior, se todos tivessem sido enviados sob a direção da única Cabeça e sobre a base do único Corpo.

O fato de Cristo ser a Cabeça da Igreja é reconhecido, mas pre­cisa ser enfatizado no que se refere ao ministério e à vida da igreja. O ministério cristão é o ministério de toda a Igreja, e não meramente parte dela. Devemos ver que nossa obra não está em nenhuma base menor do que o Corpo de Cristo. Caso contrário, perdemos o encabeçamento de Cric;to, pois Cristo não é a Cabeça de nenhum sistema, missão ou organização: Ele é a Cabeça da Igreja. Se pertencemos a alguma organização humana, o encabe­çamento divino deixa de ser expresso em nossa obra.

Na Bib]ia não enrnntramos qualquer vestígío de organizações criadas pelo homem enviando homens para pregar o evangelho. Somente encontramos representantes do ministério da Igreja, sob a orientação do Espírito e sobre a base do Corpo, en vianda os que o Espírito já separou para a obra. Se os responsáveis pelo envio de obreiros os enviam não como representantes de si mesmos ou de alguma organização, mas apenas do Corpo de Cristo, e se os envia­dos não se posicionam sobre a base de uma ''igreja'' ou missão em particular, mas sobre a base da Igreja aJwnas, então, não impor­tando de que lugar tenham vindo os obreiros ou para que lugar

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tenham ido, sempre será possível haver cooperação e unidade, e muita confusão na obra será evitada.

SUAS AÇÕES

Depois que os apóstolos foram chamados pelo Espírito e sepa­rados para a obra pelos representantes do Corpo, que fizeram? Precisamos lembrar que os que os separaram apenas expressaram identificação e harmonia pela imposição de mãos; eles não tinham autoridade para controlar os apóstolos. Os profetas e mestres na base não assumiram nenhuma responsabilidade oficial por suas ações, métodos de trabalho ou provisão das necessidades financei­ras. Não se pode achar em nenhum lugar da Bíblia os apóstolos sob o controle de algum indivíduo ou de algum grupo organizado. Eles não tinham regulamento algum para aceitar nem superiores para obedecer. O Espírito Santo os chamou e eles seguiram Seu guiar e orientação; somente Ele era o Diretor deles.

Em Atos 13 e 14 encontramos o primeiro registro bíblico das ações missionárias. Embora hoje os lugares que visitamos e as condições que encontramos sejam grandemente diferentes dos que a Bíblia regisLra, contudo, em princípio, a experiência dos primei­ros apóstolos pode muito bem servir de exemplo para nós. Vejamos rapidamente esses dois capítulos.

"Estes, pois, pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia, e dali navegaram para Chipre. Tendo chegado a Salamina, anunciavam a palavra de Deus nas sinagogas dos judeus. E tinham também João como auxiliar. Havendo atravessado toda a ilha até Pafos, encontraram certo mágico" (At 13:4-6). Desde o começo, um movi­mento constante í'.aracterizava os enviados. Um verdadeiro após­tolo é viajante, e não alguém que se fixa.

''E, zarpando de Pafos, Paulo e seus companheiros chegaram a Perge da Panfília. João, porém, separando-se deles, voltou para Jerusalém. Mas eles, atravessando Perge chegaram a Antioquia da Pisídia. E, entrando na sinagoga em dia de sábado, assenta­ram-se" (At 13:13-14). (A Antioquia mencionada aqui não é a mesma da qual Barnabé e Saulo saíram para sua viagem missio­nária.) Os apóstolos moviam-se constantemente, proclamando a Palavra de Deus aonde quer que fossem, mas enquanto não

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chegaram a Antioquia da Pisídia nada nos é falado do resultado de seu labor. A partir desse ponto, há um desenvolvimento definido na obra.

"Terminada a reunião da sinagoga, muitos dos judeus e dos prosélitos devotos seguiram Paulo e Barnabé, os quais, falando­-lhes, os persuadiram a permanecer na graça de Deus" (At 13:43). Eis aqui o resultado de curto período de testemunho em Antioquia da Pisídia: muitos judeus e prosélitos devotos creram. Uma semana depois, quase toda a cidade se reunia para ouvir a Palavra (At 13:44), mas essa reação entusiástica por parte do povo encheu de inveja os judeus, que se opuseram aos apóstolos (At 13:45). Nesse momento os apóstolos voltaram-se para os gentios (At 13:46), e "creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna" (At 13:48). No sábado anterior, diversos judeus receberam a Palavra da vida. Nesse sábado, diversos gentios creram no Senhor. Assim, pouco depois da chegada dos apóstolos a Antioquia da Pisídia, encontramos ali uma igreja.

Mas os apóstolos não disseram: "Agora temos um grupo de crentes aqui. Devemos permanecer um pouco e pastoreá-los". Eles fundaram uma igreja local em Antioquia da Pisídia, mas não fica­ram para edificá-la. Prosseguiram divulgando a Palavra do Se­nhor "por toda rc::gíão" (At 13:49). Seu objetivo não era uma cidade, mas "toda região". O costume moderno de estabelecer-se em um lugar para pastorear determinado rebanho não tem precedente na Bíblía.

Depois disso, veio a perseguição (At 13:50). Os opositores da niPnsagem do evangelho expulsaram os apóstolos do seu territó­rio, os quais reagiram sacudindo o pó dos pés (At 13:51). Muitos missionários de hoje em dia não têm pó nos pés para sacudir! Mas os que não têm pó nos pés perdem a característica de apóstolo. Os primeiros apóstolos nunca se estabdeceram em casas confortá­veis, nem pararam por longo tempo para pastorear as igrejas que fundaram. Eles viajavam constantemente. Ser apóstolo significa ser enviado, ou seja, ir sempre. Um apóstolo estacionário é contra­dii;ão de palavras. Um verdadeiro apóstolo é o que, em momentos de perseguição, sempre terá pó para sacudir dos pés.

Que efeito produziu na jovem igreja essa primeira saída dos

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apóstolos? Aqui havia um grupo de novos crentes, verdadeiros bebês em Cristo, e seus pais na fé os abandonaram na infância. Será que eles disseram: "Por que os apóstolos deveriam temer a perseguição e nos deixar para enfrentar sozinhos a oposição?" Será que suplicaram aos apóstolos que permanecessem e cuidas­sem de sua luta espiritual? Será que disseram: "Se vocês nos deíxarnm agora ficaremos como ovelhas sem pastor. Se os dois não podem ficar, certamente um de vocês pode ficar e cuidar de nós. A perseguição é tão forte,jamais venceremos sem sua ajuda"? Quão surpreendente é o registro da Bíblia: "E os discípulos estavam cheios de alegria e do Espírito Santo" (At 13:52).

Não houve murmuração entre os discípulos quando os apósto­los se foram, mas grande alegria. Os discípulos estavam alegres, pois conheciam o Senhor; podiam muito bem regozijar-se, porque a partida dos apóstolos significava uma oportunidade para outros ouvirem o evangelho. O que era perda para eles era ganho para Icônio. Aqueles crentes não eram como os de hoje em dia, que espe­ram que um pastor os ensine, resolva seus problemas e os proteja de problemas. E aqueles apóstolos não eram como os de hoje em dia; eram desbravadores e não pessoas que se fixavam. Nàll espe­ravam até que os crentes amadurecessem para que se fossem. Eles ousavam deixá-los na infância, pois criam no poder da uida de Deus que estava neles.

Mas aqueles discípulos não apenas transbordavam de alegria; eles estavam cheios do Espírito Santo. Os apóstolos podiam ir embora, mas o Espírito permanecia. Se os apóstolos tivessem ficado para pastoreá-los, pouco importaria se eles estivessem ou não cheios do Espírito. Se tivessem um pastor para levar luz a todos os seus problemas, eles teriam sentido pouca necessidade da instrução do Espírito; e teriam sentido pouca necessidade do Seu poder se tivessem no seu meio alguém que assumisse toda ares­ponsabilidade pelo lado espiritual da obra, enquanto eles se importavam coni as coisas seculares. Na Bíblia não há o menor vestígio de que os apóstolos devem estabelecer-se para pastorear os que eles levaram para o Senhor. Há pastores na Bíblia, mas são simplesmente irmãos levantados por Deus entre os santos locais para cuidar de seus companheiros crentes. Uma das razões de

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mui_tos convertidos de hoje em dia não serem enchidos do Espírito é que os apóstolos se estabelecem para pastoreá-los, e t9mam sobre si a responsabilidade que pertence ao Espírito Santo.

Louvado seja Deus porque os apóstolos foram para Icônio, por­que "creu uma grande multidão" (At 14:1). Pouco depois, "divi­diu-se a multidão da cidade: uns estavam com os judeus; outros, com os apóstolos" (At 14:4). Os salvos obviamente eram uma gran­de multidão, uma vez que sua saída do meio dos não salvos afetou tão fortemente o lugar, a ponto de causar divisão na cidade. Ape­nas pouco tempo depois de os apóstolos terem deixado Antioquia da Pisídia, havia uma igreja estabelecida em Icônio; e ali, como no lugar anterior, a oposição foi intensa. Os apóstolos poderiam muito bem ter argumentado que deixar uma grande multidão de bebês em Cristo exposta a feroz perseguição seria algo covarde e, além disso, uma má política. Mas os apóstolos eram verdadeiros para com seu chamamento apostólico e partiram para "Listra e Derbe, cidades da Licaônia, e para a região circunvizinha" (At 14:6). E que fizeram quando chegaram a Listra? Como nos demais lugares, "anunciavam o evangelho" (At 14:7), e, corno nos demais lugares, ali também houve oposição e perseguição (v. 19). É difícil estimar o número de crentes em Listra, mas a julgar pelo comen­tário de que os discípulos rodearam a Paulo (v. 20), eles deveriam ser pelo menos meia dúzia, e podem ter sido dúzias ou centenas. Desse modo, a partir de então, passou a haver uma igreja em Lis­tra!

Será que Paulo fica para pastoreá-los por um pouco, ou pelo menos cuidar deles até que diminua a ferocidade da perseguição? Não! "No dia seguinte partiu com Barnabé para Derbe" ( v. 20). Ali, novamente. as boas novas são proclamadas e muitos discípulos são feitos(-,. ~1). Assim, outra igreja é formada! E com a fundação da igreja em Derbe, termina a primeira viagem missionária dos apóRtolos.

Olhando novamente para esses dois capítulos. notamos que um princípio fundamental governa as ações dos apóstolos. Eles via­jam de um lugar para outro, segundo a orientação do Espírito, pregando o evangelho e fundando igrejas. Não os encontramos em lugar algum fixando residência para pastorear e instruir os

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convertidos, ou para assumir a responsabilidade local nas igrejas que fundaram. Nos dias de paz os apóstolos moviam-se assim corno nos dias de perseguição. "Ide!" foi a palavra do Senhor, e "Ide!" era o lema dos apóstolos. A característica relevante de um enviado é sempre movimentar-se.

NA VOLTA DELES

Mas surge a pergunta: Como esses recém-convertidos foram apascentados e instruídos? Como as igrejas recém-fundadas fo. ram estabelecidas? Ao estudar a Palavra, vemos que a viagem missionária dos apóstolos consistiu em uma jornada pública com um retorno. Em sua viagem pública, a preocupação principal era fundar igrejas. Em sua viagem de volta, seu principal negócio foi edificá-los.

"E, tendo anunciado o evangelho àquela cidade e feito bom número de discípulos, voltaram para Listra, e para !cônico e para Antioquia, confirmando .a~. almas dos discípulos, exortando-os a permanecer na fé; e· dizendo que, através de muitas tribulações, nos é necessário entrar no reino de Deus" (vv. 21-22). Vemos aqui Paulo e Barnabé voltando para fazer alguma obra de edificação nas igrejas já fundadas; mas, assim como antes, em sua viagem pública, na sua volta também não se fixaram em nenhum lugar.

Fica claro, então, que os apóstuli>s não apenas moviam-se de um lugar para outro fundando igrejas, mas também faziam uma obra definitiva de edificação. Meramente fundar igrejas, sem esta­belecê-las, teria sido como deixar recém-nascidos à própria sorte. A questão a ser observada aqui é que, enquanto a instrução dos recém-convertidos e a edificação das igrejas eram parte muito vital da obra dos apóstolos, eles o fizeram, não fixando residência num lugar, mas visitando os lugares onde haviam estado antes. Nem em sua obra inicial de pregação do evangelho, nem em sua obra subsequente de estabelecer as igrejas, os apóstolos fixaram residência num lugar.

Antes de deixar um lugar onde fora fundada uma igreja e uma obra de edificação fora feita, eles designavam presbíteros para assumir a responsabilidade ali (At 14:23). Essa é uma das partes

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mais importantes da obra de um apóstolo. (Esse assunto será tra­tad~ com mais profundidade em capítulo posterior).

Assim, os primeiros apóstolos trabalharam, e a bênção do Senhor era com o seu labor. Faremos bem se seguirmos seus pas­sos, mas devemos perceber claramente que, mesmo que adotemos métodos apostólicos, se não tivermos consagração, fé e poder apos­tólicos, ainda não conseguiremos alcançar resultados apostólicos. Não ousamos subestimar o valor dos métodos apostólicos (eles são absolutamente essenciais se quisermos ter frutos apostólicos) mas não devemos ignorar a necessidade de espiritualidade apostólica, e não devemos temer a perseguição apostólica.

DE VOLTA A ANTIOQUIA

"E dali navegaram para Antioquia, onde tinham sido recomen­dados à graça de Deus para a obra que já haviam cumprido. Quando chegaram e reuniram a igreja, relataram quantas coisas fizera Deus com eles, e como abrira aos gentios a porta da fé" (At 14:26-27). No regresso a Antioquia, os apóstolos "relataram as coi­sas que Deus fizera com eles". Foi de Antioquia que Paulo e Barnabé saíram, assim era de se esperar que, em seu retorno, eles prestassem conta àqueles de onde haviam saído do que Deus fizera com ,,les. Fazer relatório da obra para os que verdadeira­mente estão levando o encargo conosco, é confirmado pela Palavra de Deus. Não é apenas permissível, mas necessário, que os filhos de Deus na base sejam informados do Seu agir no campo; mas fazemos bem em deixar claro que nossos relatórios não são feitos como propaganda.

Quanto ao relatório, devemos, por um lado, evitar toda discri­ção não natural e todo isolamento da alma; por outro, devemos guardar-nos cuidadosamente da intrusüo de qualquer interesse pessoal. Em todos os relatórios da obra, nosso alvo deve ser glorifi­car a Deus e trazer enriquecimento espiritual aos que o comparti­lham. Utilizar relatórios como meios de prnpaganda, com retorno material em vista, é extremamente vil e indigno de qualquer cris­tão. Quando o motivo é glorificar a Deus e beneficiar Seus filhos, mas ao mesmo tempo tornar conhecidas as necessidades da obra com vistas a receber ajuda material, ainda está longe de ser

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aceitável ao Senhor e é indigno de Seus servos. Nosso alvo deve ser apenas este: que Deus seja glorificado e Seus filhos abençoa­dos. So houvesse essa pureza de motivo perfeita em nossos relató­rios, quão diferentemente muitos deles seriam escritos!

Cada vez que escrevemos ou falamos da nossa obra, façamos três perguntas a nós mesmos: (1) Faço ü,so a fim de ganhar publi­cidade para mim e para minha obra? (2) Faço isso com a intenção dupla de glorificar o Senhor e de fazer propaganda da obra? (3) Faço isso apenas com o objetivo de que Deus seja glorificado e Seus filhos abençoados? Que o Senhor nos dê graça para fazer relató­rios com motivação sem mistura e perfeita pureza de coração!

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CAPÍTULO TRÊS

OS PRESBÍTEROS DESIGNADOS PELOS APÓSTOLOS

O termo ancião é urna designação que tem origem no Antigo

Testamento. Encontramos ali referência aos anciãos de Israel e também aos anciãos de várias cidades. Nos Evangelhos vemos

esse termo novamente, mas ainda em relação aos israelitas.

Mesmo os anciãos mencionados na primeira parte de Atos são da

ordem do Antigo Testamento (At 4:5, 8, 23; 6:12). .

Quando é que foram os presbíteros instituídos p�·la primeira vez na igreja? Atos 11:30 refere-se a eles em conexão ,-nm a igreja

em Jerusalém, e essa é a primeira menção de presb1,t·ros no que tange a uma igreja; mas embora a existência deles �eja mencio­nada, nada é dito acerca da sua origem. Apenas en Atos 14:23,

quando lemos que Paulo e Barnabé voltavam de sua primeira via­

gem missionária, é que descobrimos quem eram eles, como foram

designados e por quem. "E, tendo designado presbíteros em cada igreja, e orado com jejuns, os encomendaram ao Senhor."

A DESIGNAÇÃO

Vimos que os próprios apóstolos não podem ficar com os

recém-convertidos para apascentá-los e assumir a responsabili­

dade da obra localmente. Como, então, os novos convertidos

recebiam cuidado, e como era a obra levada a cabo? Os apóstolos

não exigiam que se enviassem pessoas de Antioquia para apascen­

tar os rebanhos, e nenhum deles ficou para trás a fim de assumir o

encargo das igrejas locais. O que faziam era simplesmente isto: "E,

tendo designado presbíteros em cada igreja, e orado com jejuns, os

encomendaram ao Senhor em quem haviam crido" (At 14:23).

Onde quer que uma igreja fosse fundada na viagem de ida deles,

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ele~ designavam presbíteros na viagem de volta. Não esperavam até que certo padrão arbitrário fosse atingido para designar pres­bíteros numa igTej a, mas "em cada igreja" escolhiam alguns dos membros mais maduros para cuidar dos demais irmãos.

O procedimento apostólico era bem simples. Os apóstolos visi­tavam um lugar, fundavam uma igreja, deixavam a igreja por algum tempo, depois voltavam para ·consolidá-la. Nesse ínterim, naturalmente ocorriam certos desenvolvimentos. Quando os após­tolos partiam, alguns dos que professavam ser cristãos saíam também. Outros continuavam a frequentar as reuniões, e prova­vam ser de fato do Senhor, mas não tinham o progresso desejado. Outros avançavam com avidez no conhecimento do Senhor e mos­travam verdadeira preocupação pelos Seus interesses. Os que tinham mais vida espiritual do que os demais espontaneamente ficavam à frente e assumiam a responsabilidade pelos irmãos mais fracos. Era pelo fato de terem provado que eram presbíteros que os apóstolos os designavam para o ofício de presbíteros, e era tarefa deles pastorear e instruir os demais cristãos, e superinten­der e controlar os assuntos da igreja.

Não houve lugar em que os apóstolos se estabelecessem e assu­missem a responsabilidade da igreja local, mas em cada igreja que fundavam eles escolhiam entre os irmãos locais os que eram fiéis, sobre os quais colocava-se tal responsabilidade. Quando esco­lhiam os presbíteros em cada igreja, com oração e jejuns eles os entregavam ao Senhor, assim como, com oração e jejum, eles mes­mos foram entregues ao Senhor pelos profetas e mestres quando estavam para partir no seu ministério apostólico. Se essa entr,\ga dos presbíteros ao Senhor deve ter algum valor espiritual, e nào mera cerimônia oficial, requer-se dos apóstolos um conhecimento vital do Senhor. É fácil alguém ficar tão ocupado com os problemas e necessidades da situação, que instintivamente toma a responsa­bilidade para si, mesmo admitindo a verdade de que o Senhor é responsável pela Sua Igreja. Precisamos conhecer Cristo como Cabeça da Sua Igreja, não apenas de modo intelectual, se vamos permitir que toda a administração passe de nossas mãos logo no início. Somente uma total desconfiança rlc si mesmos e uma confiança viva em Deus é que puderam capacitar os primeiros

OS PRESBÍTEROS DESIGNADOS PELOS APÓSTOLOS 41

apóstolos a entregar os assuntos de cada igreja local às mãos dos homens locais que acabaram de conhecer o Senhor. Todos os que se engajam na obra apostólica, e buscam seguir o exemplo dos pri­meiros apóstolos em deixar as igrejas ao cuidado dos presbíteros locais, devem estar espiritualmente equipados para essa tarefa; pois se as coisas passam das mãos humanas e não são comissiona­das em fé às mãos divinas, o resultado será um desastre. Oh! Como precisamos ter fé viva e conhecimento vivo do Deus vivo!

A Palavra de Deus deixa claro que a supervisão de uma igreja não é obra dos ãpóstolos, mas dos presbíteros. Embora Paulo per­manecesse em Corinto mais de um ano, em Roma por dois anos e em Éfeso por três anos, em nenhum desses lugares ele assumiu responsabilidade pela obra da igreja local. Nas Escrituras lemos sobre os presbíteros de Éfeso, mas nunca sobre os apóstolos de Éfeso. Não encontramos menção dos apóstolos de Filipos, mas encontramos referência aos bispos de Filipos. Os apóstolos são res­ponsáveis pelo prcíprio ministério particular, mas não pelas igre­jas que são fruto do seu ministério. Todo o fruto da obra dos apóstolos tinha dt> ser entregue aos cuidados dos presbíteros locais.

Em Seu plano, Deus fez provisões para a edificação das igrejas locais, e nesse plano pastores foram estabelecidos, mas jamais foi a ideia divina que os apóstolos assumissem o papel de pastores. O propósito de Deus é que os apóstolos sejam responsáveis pela obra em vários lugares, ao passo que os presbíteros são responsáveis num só lugar. A característica de um apóstolo é il; a de um presbí­tero é ficar. Não é necessário que os presbíteros deixem as profis­sões seculares e devotem-se exclusivamente aos deveres ligados à igreja. Eles são simplesmente homens locais que seguem suas ati­vidades comuns e ao mesmo tempo assumem responsabilidades especiais na igreja. Se os afazeres locais aumentarem, talvez devo­tem-se totalmente à obra espiritual, mas a característica de um presbítero não é ser um "obreiro cristão em tempo integral". É apenas que, como irmão local, ele assume a responsabilidade na igreja local. A localidade determina o limite da igreja, e é por essa razão que os presbíteros são sempre escolhidos entre os irmãos mais maduros num lugar, e não transferidos de outros lugares.

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Ass,im, preserva-se o caráter local das igrejas de Deus, e conse­quentemente também o seu governo independente e unidad.e espi­ritual.

Segundo o conceito comum das coisas, poder-se-ia pensar que é necessário passar muito tempo entre a fundação de uma igreja e a designação de presbíteros, mas isso não é segundo o padrão de Deus. A primeira viagem missionária dos apóstolos durou menos de dois anos, e nesse período eles pregaram o evangelho, conduzi­ram pecadores ao Senhor, formaram igrejas e designaram presbí­teros em cada lugar em que uma igreja foi formada. Os presbíteros foram escolhidos na viagem de volta dos apóstolos, e não na pri­meira visita a um lugar. Contudo, o intervalo entre essas duas visitas nunca era muito grande; era no máximo questão de meses. Na viagem de volta, os apóstolos naturalmente descobriam que alguns lugares progrediram mais favoravelmente do que outros, mas não arrazoavam que, por causa do baixo estado de uma igreja, eles abririam uma exceçi\o e não designariam presbíteros. Eles designavam presbíteros Clll cada igreja.

Alguns podem perguntar: se todos os membros de uma igreja estão em baixa condição espiritual, como é possível designar pres­bíteros enLre eles? Talvez resolva o problema de muitos se apenas considerarem a implicaçãn do termo "presbítero". A existência de um presbítero implica a existência de alguém mais jovem. O vocá­bulo presbítero é relativo, e não absoluto. Entre um grupo de homens de setenta e nove anos, é preciso haver alguém de oitenta para ser o presbítero deles; mas basta um menino de apenas oito anos para ser "presbítero", de um grupo de crianças de sete anos. Mesmo entre os espiritualmente imaturos há os que, comparativa­mente, são mais maduros e têm possibilidades espirituais, que é toda a qualificação de que precisam para ser presbíteros.

Uma igreja pode estar bem longe elo ideal, mas não podemos, por causa disso, privá-la da condição de igreja. Nossa responsabili­dade é servi-la e assim buscar condnzi-la para mais próximo do ideal. Da mesma forma, mesmo os comparativamente mais avan­çados numa localidade talvez não atinjam o ideal para serem pres­bíteros, mas não podemos, por essa razão, privá-los da condição de presbíteros. Em comparação aos presbíteros dH outros lugares,

OS PRESBÍTEROS DESIGNADOS PELOS APÓSTOLOS 43

eles parecem ser bem imaturos; se, porém, são mais avançados do que os outros irmãos da mesma localidade, então na igreja deles, eles são presbíteros. Ternos de nos lembrar que o oficio de presbí­tero segundo as Escrituras é limitado a uma localidadG. Ser pres­bítero em Nanking não qualifica ninguém a ser presbítero em Xangai; mas mesmo se seu estado espiritual estiver longe do que deveria ser, desde que seja mais avançado do que os demais irmãos na mesma igreja, ele está, então, qualificado a ser presbí­tero ali. Só pode haver presbíteros-modelo, onde há uma igreja­-modelo. Onde a igreja é imatura, os presbíteros são naturalmente imaturos; onde a igreja é madura, os presbíteros também o são. Os presbíteros-modelo de 1 Timóteo 3 e Tito 1 devem ser encontrados em igrejas-modelo.

A designação de irmãos comparativamente espirituais para presbíteros é um princípio estabelecido na Palavra de Deus, embora vá contra o conceito moderno das coisas. Todavia, mesmo reconhe­cendo esse princípio, não podemos tentar aplicá-lo de modo lega­lista. Isso espalharia morte. Não podemos forçar nada, mas estar continuamente receptivos à orientação do Espírito. Ele indicará o momento certo de designar presbíteros numa igreja. Se não houver direção do Espírito Santo, e as circunstâncias não permitirem a designação imediata de presbíteros na segunda visita dos apósto­los, então um Tito pode ser deixado para trás para cuidar da desig­nação deles mais tarde. Esse é o primeiro assunto do qual trata o livro de Tito, e é importantíssimo. Paulo dá a Tito prescrições para estabelecer presbíteros em cada cidade de Creta (Tt 1:5).

Na designação dos presbíteros, os apóstolos não seguiram suas preferências naturais; apenas designaram os que Deus já esco­lhera. É por isso que Paulo podia dizer aos presbíteros de Éfeso: "O Espírito Santo vos pôs por supervisores" (At 20:28). Os apóstolos não tomavam a iniciativa nessa questão. Apenas estabeleciam como presbíteros os que o Espírito Santo já tornara supervisores da igreja. Na organização feita pelo homem, a designação de alguém para um ofício dá a ele o direito de ocupar o cargo; mas não é assim na Igreja de Deus. 'l'udo ali está numa base espiritual, e é apenas a designação divina que qualifica alguém para um oficio. Se o Espírito Santo não fizer com que os homens se tornem bispos,

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nenhuma designação apostólica jamais poderá fazê-lo. Na Igreja déDeus tudo está sob a soberania do Espírito; o homem está fora. Presbíteros não são homens que se acham capazes de controlar os assuntos da igreja, ou homens que os apóstolos consideram ade­quados, e, sim, homens que o Espírito Santo já estabeleceu como supervisores na Igreja. Àqueles a quem o Espírito escolhe para ser pastores do rebanho, a esses Ele também concede graça e dons para qualificá-los para a liderança espiritual. É o chamamento espiritual e a qualificação espirítual deles, e não a designação ofi­cial, que os constitui presbíteros. No sentido espiritual, eles já são presbíteros antes de assumir a posição oficialmente, e é porque são de fato presbíteros que são publicamente designados como tais. Na Igreja primitiva era o Espírito Santo que primeiro assina­lava a Sua escolha de presbíteros; depois os apóstolos a confirma­vam designando-os para o ofício.

APÓSTOLOS E PRESBÍTEROS

Os presbíteros eram homens locais designados para supervi­sionar os assuntos na igreja local. O âmbito do ofício deles era limitado pela localidade. Um presbítero em Éfeso não era presbí­tero em Esmirna, e um presbítero em Esmirna não o era em Éfeso. Nas Escrituras não há apóstolos locais, nern há presbíteros extra­locais; todos os presbíteros são locais e todos os apóstolos são extralocais. A Palavra de Deus não fala em nenhum lugar de após­tolos administrando os assuntos da igTeja local, nem fala de presbíteros administrando os assuntos de várias igTejas locais. Os apóstolos eram os ministros para todas as igrejas, mas não tinham controle de nenhuma delas. Os presbíteros eram confinados a uma só igreja e apenas controlavam os assuntos dela. A responsabili­dade dos apóstolos era fundar igrejas. Fnrn vez estabelecida uma igreja, toda a responsabilidade era passada aos presbíteros locais e a parlir daí os apóstolos não exerciam controle sobre os assuntos dela. Toda a administração estava nas mãos dos presbíteros, e se eles julgassem correto, podiam até recusar o ingresso de um após­lolo cm sua igreja. Se tal coisa ocorresse, o apóstolo não teria autoridade nenhuma para insistir em ser recebido, visto que toda

OS PRESBÍTEROS DESIGNADOS PELOS APÓSTOLOS 45

a autoridade local já fora passada de suas mãos para as dos presbíteros.

Como foi que Paulo lidou com o irmão adúltero em Corinto'? Ele não notificou à igreja que ele simplesmente havia excomungado o homem. O máximo que pôde fazer foi instruir os seus membrns acerca da seriedade da situação e buscar admoestá-los a tirar o homem mau do meio deles (lCo 5:13). Se a igreja fosse correta espiritualmente, ela daria atenção a Paulo, mas se desconsideras­sem as exortações dele, embora estivessem errados espiritual­mente, não estariam errados legalmente. No caso de a igreja desprezar o conselho dele, Paulo só podia usar sua autoridade espiritual para suportar a situação. No nome do Senhor Jesus ele podía entregar essa pessoa a "Satanás para a destruição da carne" (lCo 5:5). Ele não tinha autoridade oficial para discipliná-lo, mas tinha autorídade espiritual para lidar com o caso. Ele tinha sua "vara" espiritual.

Os assuntos da igreja local são inteiramente independentes dos apóstolos. Uma vez que os presbíteros foram designados, todo o controle passa as mãos deles e, mesmo que depois disso o após­tolo ainda instrua e tente persuadir, ele jamais pode interferir. Todavia isso não impediu Paulo de falar com autoridade aos corín­tios. Mesmo um leitor desatento notará quanta autoridade tive­ram as frast·,:; dele nas duas Epístolas. Estava em sua alçada emitir seu juízo quanto a questões doutrinárias e morais, e quando o fazia, ele era extremamente enfático; mas o real cumpri­mento de tais juízos estava forn de sua alçada e era uma questão totalmente pertinente à igreja locaL

Um apóstolo pode lidar com as desordens de uma igreja sem­pre que seu conselho e advertência são solicitados, corno foi o caso de Paulo e a igreja em Corinto. Foi porque eles lhe perguntaram que ele pôde dizer-lhes: "Quanto às demais coisas, cu as porei em or·dem quando chegar" (lCo 11:34). Mas deve-se notar aqui que as demais coisas que Paulo qm)ria pôr em ordem quando fosse a Corinto deveriam ser atendidas do mesmo modo que aquelas com que ele lidara cm sua Epístola, e ele lidou com elas doutrinaria­mcnte. Do mesmo modo que os instruiu acerca de certos assuntos ali, assim também iria instruí-los acerca das questões restantes

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quando fosse ter com eles; mas os próprios coríntios, e não Paulo, é qU:e teriam de lidar com a situação. .

Visto que Pedro e João eram apóstolos, como ocorreu de serem presbíteros da igreja em Jerusalém (lPe 5:1; 2Jo 1; 3Jo 1)? Eles eram presbíteros bem como apóstolos pois não apenas eram res­ponsáveis pela obra em vários lugares mas também pela igreja na própria cidade onde estavam. Quando saíam, ministravam como apóstolos, com a responsabilidade pela obra em outras partes. Quando voltavam para casa, realizavam as tarefas de presbíteros, com a responsabilidade pela igreja local (somente tais apóstolos que não viajam muito podem ser presbíteros da igreja em sua loca­lidade). Quando Pedro e João estavam longe de sua igreja, eles eram apóstolos; quando voltavam, eram presbíteros. Não era o apostolado deles que lhes dava base para ser presbíteros em Jeru­salém; eles eram presbíteros ali porque eram homens locais com mais maturidade espiritual do que seus irmãos.

Não há precedentes nas Escrituras para um apóstolo visitante estabelecer-se como presbítero na igreja que visita; mas, uma vez que as círcunstâncias permitam-lhe estar em casa com frequência, ele pode ser presbítero em sua localidade, visto que é um irmão local. Se a característica local das igrejas de Deus deve ser preser­vada então o caráter extralocal dos apóstolos também deve sê-lo.

P;ulo foi enviado de Antioquia, e fundou uma igreja em Éfeso. Sabemos que ele não teve ofício de presbítero em nenhuma igreja, mas poderia ter sido presbítero em Antioquia, e não em Éfeso. Ele ficou tres anos em Éfeso, mas trabalhou ali como apóstolo, e não como presbítero; 011 seja, não assumiu responsabilidade nenhuma e não exerceu autoridade alguma nos assuntos locais, ,~, sím, ape­nas devotou-se ao seu ministério apostólico. Notemos bem que não há presbíteros na Igreja universal e não há apóstolos na igreja local.

AS RESPONSABILIDADES DELES

É responsabilídade de cada pessoa salva servir ·w Senhor segundo a sua capacidade e no seu âmbito. Deus não designou presbíteros para fazer a obra no lugar é.e seus irmãos. Após desig­nar os presbíteros, como antes, é ainda tarefa e privilégio dos

OS PRESBÍTEROS DESIGNADOS PELOS APÓSTOLOS 47

irmãos servir ao Senhor. Os presbíteros também são chamados de supervisores (At 20:28; Tt 1:5, 7). O termo presbítero relaciona-se à pessoa; o termo supervisor, à obra. O termo bispo quer dizer "supervisor", e um supervisor não é o que trabalha no lugar dos outros, mas alguém que supervisiona, superintende, os outros enquanto trabalham. Deus queria que cada cristão fosse um "obreiro cristão", e designou alguns para supervisionar a obra de modo que ela fosse realizada eficientemente. Jamais foi Sua inten­ção que a maioria dos cristãos se devotasse exclusivamente aos assuntos seculares e deixasse as questões da igreja a um grupo de especialistas espirituais. Jamais podemos deixar de ressaltar isso. Os presbíteros não são homens contratados para fa7.er a obra da igreja no lugar dos seus membros; são apenas os que superinten­dem os assuntos. Compete-lhes encorajar os que ficam para trás e restringir os precipitados, jamais fazendo a obra no lugar deles, mas simplesmente dirigindo-os na execução.

A responsabilidade de um presbítero relaciona-se a questões temporais e espirituais. São designados para "presidir", "ensinar" e "pastorear". "Os presbíteros que lideram bem elevem ser conside­mdos dignos de honra em dobro, especialmente os que laboram na palavra e no ensino" ClTm 5:17 ). "Apascentai o rebanho de Deus entre vós, supervisionando-o nào por constrangimento, mas volun­tariamente, segundo Deus; nem buscando ganho vergonhoso, mas de boa: vontade; nem como dominadores dos que vos foram confia­dos, mas tomando-vos modelos do rebanho'' ( 1 Pe 5:2-3).

A Palavra de Deus usa o termo "presidir" em relação à respon­~nbilidade de um presbítero. A ordenação do governo da igreja, a .1dministração dos assuntos e o cuidado das coisas materiais estão sob o controle deles. Mas temos de nos lembrar que uma igreja bíblica não consiste em um grupo ativo e outro passivo de irmãos, um que controla e outro que simplesmente submete-se ao crmtrole, ou um que assume todo o encargo ao passo que outro acomoda-se calmamente para desfrutar o benefício do labor de outros, "Mas que os nwmbros tenham igual cuidado uns pelos outros'" é o propó­sito de 1Jeus para a Igreja (lCo 12:25). Cada igreja seg1mdo o coração de Deus tem a estampa de "uns pelos outros" em toda a sua vida e atividade. A mutualidade é a sua característica principal. Se

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os presbíteros perderem isso de vista, a sua liderança na igreja logo será mudada em domínio. Mesmo enquanto exercem cont:r:ole nos assuntos da igreja, os presbíteros devem lembrar-se de que são apenas membros juntamente com os demais; somente Cristo é a Cabeça. Eles não foram designados senhores dos irmãos, mas modelos. Que é um modelo? É um exemplo para os outros Begui­rem. Visto que deviam ser modelo dos irmãos, obviamente a ideia de Deus não era que eles fizessem toda a obra e os demais nada fizessem, nem que os irmãos fizessem a obra enquanto eles sim­plesmente ficassem parados a dar ordens. Para os presbíteros, ser modelos dos irmãos implicava que os irmãos trabalhavam, e eles também trabalhavam. Também implicava que eles trabalhavam com diligência e cui.dado especiais, para que os irmãos tivessem bom exemplo a seguir. Eles eram supervisores, mas não senhores dos irmãos, ficando de fora e dando ordens; e eles dirigiam a obra, mas faziam isso mais por meio de l xcmplo do que por meio de ordens. Tal é o conceito bíblico da lidi,r·:mça dos presbíteros.

Contudo, a responsabilidade delef, -1.to se relaciona apenas com o lado material dos assuntos da ig-r ·Ja. Se Deus os equipou com dons espirituais, então eles também devem assumir responsabili­dade espiritual. Paulo escreveu a Timóteo: "Os presbíteros que lideram bem devem ser considerado;; dignos de honra em dobro, especialmente os que laboram na palavra e no ensino" (lTm 5:17). É responsabilidade de todos os presbíteros controlar os assuntos da igreja, mas os que têm dons especiais (como profetizar ou ensi­nar) estão livres para exercê-los com vistas à edificação espiritual da igreja. Paulo escreveu a Tito que um presbítero devia ser "capaz de exortar com o ensinamento saudável e de convencer os que se opõem" (Tt 1:9). A pregação e o ensino na igreja local não é dever dos apóstolos mas dos irmãos locais que estão no ministério, especialmente se são presbíteros. Como já vimos, a administração de uma igreja é de responsabilidade local; assim também o são o ensino e a pregação.

Do lado espiritual da obra, os presbíteros ajudam a edificar a igreja não apenas ensinando e pregando, mas também pela obra pastoral. Pastorear o rebanho é particularmente a obra do;-; pres­bíteros. Paulo disse aos pn~sbíteros de Éfeso: "Olhai por vós e por

OS PRESBÍTEROS DESIGNADOS PELOS APÓSTOLOS 49

todo o rebanho, no meio do qual o Espírito Santo vos pôs por supervisores, para apascentar a igreja de Deus" (At 20:28). E Pedro escreveu com a mesma ênfase aos presbíteros entre os san­tos da dispersão; "Apascentai o rebanho de Deus entre vós" (lPe 5:2). O conceito que se tem hoje em dia de pastores está muito dis­tante da ideia de Deus. A ideia de Deus era que os homens escolhidos entre os irmãos locais fossem pastores do rebanho, e não que homens viessem de outras partes pregar o evangelho, fun­dassem igrejas e se estabelecessem a fim de cuidar dessas igrejas. Um claro entendimento das respectivas responsabílidades dos apóstolos e dos presbíteros deve clarificar muitas dificuldades existentes na igreja hoje.

A PLURALIDADE DOS PRESBÍTEROS

Essa obra de presidir, ensinar e pastorear o rebanho, que vimos ser a tarefa especial dos presbíteros, não recai sobre um só homem num lugar. Ter pastores na igreja é bíblico, mas o sistema pastoral de hoje em dia é bem contrário à Bíblia; é invenção do homem.

Nas Escrituras vemos que sempre há mais de um presbítero ou supervisor numa igreja local. Não é a vontade de Deus que apenas um cristão seja eleito dentre seus irmãos para ocupar lugar de proeminência especial, ao passo que os demais sujeitem-se passi­vamente à vontade dele. Se a administração de toda a igreja repousa sobre um só homem, é muito fácil ele se tornar presun­çoso, estimando-se acima da medida e suprimindo os demais irmãos (3,Jo). Deus ordenou que vários presbíteros compartilhem a obra da igreja, para que ninguém individualmente possa gerir 11s coisas a seu bel-prazer, tratando a igreja como propriedade parti­cular e deixando na vida e obra dela a marca da sua personali­dade. Pôr a responsabilidade nas mãos de vários irmãos, em vez de nas mãos de um só, é a maneira divina de salvaguardar a ig!'8ja contra os males resultantes da dominação de uma personalidade forte. Deus propôs que vários irmãos assumam em conjunt() ares­ponsabilidade na igreja, para que, mesmo ao controlar os assuntos dela, eles tenham de depender uns dos outros e submeter-se uns aos outros. Assim, de modo prático, eles descobrem o significado de tomar a cruz e têm a oportunidade de dar expressão prática à

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verdade do Corpo de Cristo. Enquanto honram uns aos outros e confiam uns aos outros à dirf'ção do Espírito, não tomando nin­guém o lugar da Cabeça, porém cada um consíderando os outros como membros, o elemento da mutualidade, que é o fator de distin­

ção da igreja, será preservado.

CAPiTULO QUATRO

AS IGREJAS FUNDADAS PELOS APÓSTOLOS

A IGREJA E AS IGREJAS

A Palavra de Deus nos ensina que a Igreja é uma só. Por que, então, os apóstolos fundaram igrejas em cada lugar que visita­ram? Se a Igreja é o Corpo de Cristo, ela só pode ser uma. Assim, como podemos falar de igrejas?

O vocábulo "igreja'' quer dizer "os chamados para fora". Esse termo é usado duas vezes nos Evangelhos: uma vez em Mateus 16:18 e outra em 18:17. Além disso, achamos esse vocábulo fre­quentemente em Atos e nas Epístolas. Nos Evangelhos o termo é usado pelo Senhor nas duas ocasiões, mas é empregado em sentido diferente em cada vez.

"Também Eu te digo que tu és Pedro, e sobre essa rocha edifica­rei a Minha igreja, e as portas do Hadcs não prevalecerão contra ela" {Mt 16:18}. Que igreja é es,,a? Pedro confessara que Jesus era o Cristo, o Filho do Deus vivo, 1::· o nosso Senhor declarou que edifi­caria a Sua Igreja sobre essa confissão, a de que, quanto à Sua Pesso:'., Ele é o Filho de Deus, e, quanto à Sua obra, Ele é o Crísto de Deus. Essa Igreja compreende todos os salvos, sem referência a tempo ou a espaço, a saber, todos os que são redimidos no propó­sito de Deus por meio do sangue derramado do Senhor Jesus, e nasceram de novo mediante a operação do Seu Espírito. Essa é a Igreja universal, a Igreja de Deus, o Corpo de Cristo.

"E, se ele recusar ouvi-los, dize-o à igreja" (Mt 18:17). O vocá­bulo "igreja" é usado aqui num sentido bem diferente do de 16: 18. A esfera da igreja a que se refere o tenno aqui claramente nào é tão abrangente como a esfera da I~cj,1 mencionada na passagem anterior. Em 16:18, Igreja é a Igreja que não conhece tempo nem

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52 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

espaço, mas a igreja em 18:17 é obviamente limitada tanto ao tempo como ao espaço, pois pode-se falar a ela. A Igreja mencio­nada no capítulo dezesseis inclui todos os filhos de Deus em todas as localidades, ao passo que a igreja mencionada no capítulo dezoi­to inclui somente os filhos de Deus que vivem em uma localidade; e é por ser limitada a um só lugar que é possível dizer aos crentes que a compõem quais são as nossas dificuldades. É óbvio que a igreja aqui é local, e não universal, pois ninguém consegue falar de uma só vez a todos os filhos de Deus em todo o universo. Só é possível falar de uma só vez aos crentes que vivem nrnn só lugar.

Temos claramente perante nós dois aspectos da Igreja: a Igreja e as igrejas, ou seja, a Igreja universal e as igrejas locais. A Igreja é invisível; as igrejas são visíveis. A Igreja não tem organização; as igrejas são organizadas. A Igreja é espiritual; as igrejas são espiri­tuais, contudo, físicas. A Igreja é puramente um organismo; as igrejas são um organismo, contudo, são ao mesmo tempo organiza­das, fato esse comprovado por haver nela presbíteros e diáconos 1.

Todas as dificuldades da Igreja surgem em conexão com as igTejas locais, e não com a Igreja universal. Esta é invisível e espi­ritual; logo, ultrapassa o limite humano, ao passo que aquelas são visíveis e organizadas; logo, são passíveis de ser tocadas por mãos humanas. A Igreja celestial está tão distante do mundo que é pos­sível não ser afetada por ele, mas as igrejas terrenas estão tão próximas a nós que, se surgem problemas nelas, nós os sentimo" vividamente. A Igreja invisível não põe à prova a nossa obediência a Deus, mas as igrejas visíveis nos provam severamente, pondo­·nos frente a frente com questões no plano intensamente prático da vida terrena.

A BASE DAS IGREJAS

Na Palavra de Deus encontramos o termo igreja de Deus no singular (lCo 10:32), mas também temos a mesma expressão no plural: as igrejas de Deus (lTs 2:14). Como essa unidade tornou-se pluralidade? Como a Igreja que é essencialmente uma tornou-se

1 Ao longo deste livro seria bom ao leitor distinguir clai-amente entre a Igreja e a igreja.

AS IGREJAS FUNDADAS PELOS APÓSTOLOS 53

muitas? A Igreja de Deus foi dividida em igrejas de Deus na base única da diferença de localidade2 • A localidade é a única base bfblica para a divisão da Igreja em igrejas.

As sete ig~·ejas da Ásia, citadas em Apocalipse, compreendiam a igreja em Efeso, a igreja em Esmirna, a igreja em Pérgamo, a igreja em Tiatira, a igreja em Sardcs, a igreja em Filadélfia e a igreja em Laodiceia. Eram sete igrejas, e não uma. Cada uma era distinta das demais com base na diferença de localidade. Os san­tos só não pertenciam à mesma igreja porque não residiam no mesmo lugar. Havia sete igrejas simplesmente porque os crentes viviam em sete lugares. Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia são claramente topônimos, isto é, nomes próprios de lugar. Não apenas as sete igrejas da Ásia foram funda­das na base da localidade, mas todas as igrejas mencionadas nas Escrituras também foram fundadas na mesma base. Em toda a Palavra de Deus não podemos encontrar nenhum nome atrelado a uma igreja, exceto o nome próprio de um lugar, por exemplo, a igreja em Jerusalém, a igreja em Listra, a igreja em Derbe, a igreja em Colossos, a igreja em Trõade, a igreja em Tessalôníca, a igre­ja em Antioquia.Nunca é demais dizer que nas Escrituras nenhum nome, exceto o nome de uma localidade, jamais foi atrelado uma igreja, e a divisão da igreja em igrejas tem por base única a dife· rença de localidade.

Espiritualmente a Igreja de Deus é uma só; portanto, não pode ser dividida; fisicamente, porém, seus membros espalham-se por toda a terra; logo, não conseguem viver num só lugarJ. Contudo, é essencial que haja um ajuntamento físico dos cristãos. Não basta que estejam presentes "em espírito"; também precisam estar pre­sentes "na carne". Ora, uma igreja compõe-se de todos os "chama­dos para fnra reunidos" em um só lugar para adoracão oração comunhão e ministério. Essa assembleia é absolutam~n{e essen~ cial para a vida da igreja. Sem ela, talvez haja cristãos espalhados por toda a região, mas não há, de fato, uma igreja. A Igreja existe

" Apalavra "dividida" é usada aqui no sentido puro. 3 A má vontade que certos autores têm de u~ar a palavra "membro" em cone­

xão com a palavra "igreja", é simplesmente uma questão de palavras e não de fatos.

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54 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

poi: causa da existência dos membros, e isso não requer que eles se reúnam fisicamente; mas para a existência de uma igreja -é. essen­cial que seus membros se reúnam fisicamente. É nesse último sen­tido que o termo "igreja" é usado em 1 Coríntios 14. As expressões "na igTeja" (lCo 14: 19, 28) e "a igreja" (lCo 14:23) implicam as reu­niões da igreja. Uma igreja é uma igreja reunida. Esses cristãos não estão separados de outros em nenhum aspecto exceto o lugar onde moram. Enquanto continuarem na carne, estarão limitados pelo espaço, e essa limitação física, que em natureza torna impos­sível que o povo de Deus se reúna no mesmo lugar, é a única base permitida por Deus para formar igrejas separadas. Os cristãos pertencem a igrejas distintas somente pela razão de que vivem em lugares distintos. Essa divisão é meramente externa. Em realidade, a igTeja como Corpo de Cristo não pode ser dividida; portanto, mesmo quando a Palavra de Deus refere-se a várias congregações do Seu povo, os lugares mencionados variam, m_as ainda é a igreja em cada um desses lugares, como a "igreja em Efeso", "a igreja em Esmirna", "a igreja em Pérgamo".

No Novo Testamento há um método, e somente um, de dividir a Igreja em igrejas, e esse método ordenado por Deus é a divisão na base da localidade. Todo e qualquer outro método é manufaturado pelo homem, e não dado por Deus. Que o Espírito de Deus inscreva essa verdade profundamente em nosso coração, a saber, que a única razão para a divisão dos filhos de Deus em várias igrejas é a diferença dos lugares nos quais vivem.

Que é uma igreja neotestamentária? Não é um edifício, nem um salão de evangelüação, um centro de pregação, uma missão, uma obra, uma organização, um sistema, uma denominação ou uma facção. Talvez se aplique o termo igreja a qualquer um dos casos acima; não obstante, eles não são igrejas. Uma igreja neotes­tamentária é a reunião para adoração, oração, comunhão e aperfei­çoamento mútuo, de todo o povo de Deus em certa localídade, tendo por base o fato de que são cristãos na mesma localidade. A Igreja é o Corpo de Cristo; uma jgrej,1 é uma miniatura do Corpo de Cristo. Todos os cristãos numa localidade formam a igreja nessa locali­dade, e de algum modo, ainda que pequeno, eles têm de manifestar o que a igreja deve manifestar. Eles são o Corpo de Cristo nessa

AS IGREJAS FUNDADAS PELOS APÓSTOLOS 55

localidade, portanto têm de aprender a submeter-se ao encabeça­mento do Senhor e a manifestar a unidade entre todos os mem­bros, precavendo-se contra cisma e divisão,

O LIMITE DE UMA LOCALIDADE

Vimos que todas as igrejas nas Escrituras são locais, mas surge naturalmente a pergunta: Que é uma localidade, segundo a Bíblia? Se notarmos quais os lugares mencionados na Palavra de Deus em relação à fundação de igrejas, poderemos determinar qual deve ser a extensão de um lugar que justifique que ele seja considerado a unidade de formação da igreja. Nas Esc1·ituras o que determina o limite da igreja não são países, províncias ou dis­tritos. Em nenhum lugar lemos sobre uma igreja nacional, ou igreja provincial ou igreja distrital. Lemos sobre a igreja em Éfeso, a igreja em Roma, a igreja em Jerusalém, a igreja em Corinto, a igreja em Filipos e a igTeja em Icónio. Ora, que tipo de lugares são Éfeso, Roma, Jerusalém, Corinto, Filipos e Icônio? Não são países, nem províncias, nem distritos, mas simplesmente lugares de tamanho conveniente para se viver em certa medida de segurança e sociabilidade. F:m linguagem moderna, nós os chamamos de cidades. É evidente que as cidades eram os limites das igrejas nos dias dos apóstolos pois, por um lado, Paulo e Barnabé promoviam a designação "de presbíteros em cada igreja" (At 14:23) e, por outro, Paulo instruiu Tito a constituir presbíteros "em cada cidade" (Tt 1:5).

Na Palavra de Deus não vemos igr~ja que exceda os limites de uma cidade, nem encontramos igreja alguma que não cubra toda a área da cidade. Uma cidade é a unidade bíblica de localidade. A partir de Génesis e Josué vemos que as cidades na antiguidade eram o lugar onde as pessoas se agrupavam prrra viver; eram tam­bém a menor unidade de administração civil, e cada uma tinha nome independente. Todo e qualquer lugar em que as pessoas se agrupam para viver, com nome independente, e que seja a menor unidade política, está qualíficado a ser a unidade parn a fundação de uma igreja. Tal lugar é uma cidade bíblica e é o limite de uma igreja local. Cidades grandes como Roma e Jerusalém são apenas unidades, ao passo que cidades pequenas coroo lcônio e Trôade são

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56 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

igualmente unidades. Exceto tais lugares onde se vive a vida comunitária, não há outra unidade bíblica das igrejas de Deus.

Naturalmente surgirão pergunt<1s sobre grandes metrópoles como Londres. São consideradas uma só localidade unitária ou mais de uma? Londres claramente não é uma só cidade no sentido bíblico do termo, e não pode, portanto, ser considerada uma uni­dade. Até mesmo os moradores de Londres falam de "ir à cidade'', ou "ir ao centro", o que revela que, no modo de pensar deles, Lon­dres e "a cidade" não são sinônimos. As autoridades políticas e postais, bem como o cidadão comum, consideram Londres mais de uma unidade. Eles a dividem em burgos e distritos postais. O que eles consideram uma unidade administrativa, nós podemos consi­

derar uma unidade eclesiástica. Quanto aos povoados rurais, que não podem ser tecnicamente

chamados de cidade, também podem ser considerados "localidades unitárias". Diz-se que o nosso Senhor, enquanto estava na terra, passava pelas cidades e aldeias (Lc 13:22), donde vemos que povo­ados rurais. bem como vilarejos, são considerados unidades distin-

tas. Essa divisão de igrejas segundo a localidade é uma demonstra-

ção da maravilhosa sabedoria de Deus. Se Ele tivesse ordenado que a Igreja fosse dividida em igrejas tendo o país por limite, então, se um país fosse aniquilado ou absorvido por outro, a igreja teria de mudar de esfera. Se uma província marcasse o limite de uma igreja, a esfera das igrejas iria alterar-se sempre, com a fre­quente mudança dos limites provinciais. O mesmo se aplica ao distrito. A mais estável ele todas as unidades políticas é a cidade. Governos, dinastias e países podem mudar, mas as cidades rara­mente são afetadas pelas mudanças políticas. Há cidades que já passaram de um país para outro e ainda mantêm o nome original, e há cidades hoje que preservam o mesmo nome de séculos atrás. Portanto, vemos a sabedoria divina ao decretar que a localídade

deve fixar o limite de uma igreja. Visto que os limites de urna localidade marcam os limites de

uma igreja, nenhuma igreja, portanto, deve ser menor do que uma focalidade, nem maior. A Palavra de Deus reconhece somente duas igrejas: a Igreja universal e as igrejas locais; não há uma terceira

AS IGRE,JAS FUNDADAS PELOS APÓSTOLOS 57

cuja esfera seja menor do que a local, ou mais ampla do que a local, contudo menor do que a Igreja universal. Uma igreja local não admite divisão nem admite extensão. Não se pode estreitar O seu âmbito dividindo-a em várias igrejas menores, nem se pode ~m~liar o seu âmbito unindo várias igrejas locais. Toda e qualquer 1greJa menor do que a igreja local não é bíblica, e toda e qual­quer i~reja_maior do que uma igreja local, contudo, menor do que a IgreJa umversal, também não é bíblica.

NÃO É MAIS ESTREITA DO QUE UMA LOCALIDADE

Lemos em 1 Coríntios 1:2 acerca da "igreja de Deus que está em ?orinto". Corinto era uma localidade unitária, e a igreja em Cormto, uma igreja unitária. Quando a discórdia se entremeteu e s:us membros estavam a ponto de dividir a igreja em quatro f~c­çoes, Paulo escreveu, repreendendo-os: "Refiro-me ao fato de cada um de vó~ dizer: Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas, e eu, de Cnsto. (. .. ) Não sois homens carnais?'' (lCo 1:12: 3:4). Se tai: p~sso~s tive~sem formado quatro grupos, teriam sido facções, e nao 1gre1as, pois Corinto era uma cidade, e essa é a menor uni­dad~ que garante a formação de uma igreja. A igreja de Deus em Cormto não podia cobrir área menor do que a cidade inteira nem P?dia co~1preender menor número de cristãos do que 0 ~ que vrvrnm ah. Essa é a definição de Paulo da igreja em Corinto: ''Os santificados em Cristo Jesus, os santos chamados" (lCo 1:2). For­mar uma igreja em área menor do que uma localidade unitária é for_mú-la numa base menor do que a unidade bíblíca; por conse­gum:e, ela não pode ser uma igreja bíblica. Todo e qualquer grupo ~e cnstãos menor do que todos os cristãos num lugar não está qua­hficado a ser uma igrejn distinta. A unidade da igreja deve corresponder à unidade da localidade. Uma igreja tem de cobrir a meHma área da localidade na qual é fundada. Se uma igreja é men~r do que uma localidade, ela não é bíblica; é uma facção.

Dizer "Eu sou de Paulo", ou "Eu sou de Cefas", é obviamente faccioso; mas dizer "Eu sou de Cristo" também o é, embora seja menos óbvio. A confissão "Eu sou de Cristo" é boa como confissão, mas não é base adequada para formar uma igreja distinta, visto que exclui alguns filhos de Deus em certa localidade ao incluir

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58 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

apenas os que dizem "Eu sou de Cristo". É um fato que todos os qde creem pertencem a Cristo, quer esse fato seja declarado ou não· e fazer diferença entre os que proclamam isso e os que não o pro~lamam é condenado por Deus como algo carnal É o fato que importa, e não a declaração do fato. A esfera da igreja em qualquer lugar não somente inclui os que nesse lugar dizem: "Eu sou de Cristo", mas também todos os que são de Cristo nesse lugar. Ela se estende por toda a área da localidade, e inclui o número total dos

cristãos na localidade. Declarar-se de Cristo por si só é perfeitamente correto, mas

fazer divisão entre cristãos que tomam essa posição e os que não a tomam é totalmente errado. Estigmatizar como facciosos os que dizem "Eu sou de Paulo", ou "Eu sou de Cefas", e sentir-nos espiri­tualmente superiores quando nos separamos deles e ter comu­nhão somente com os que di,o;em "Eu sou de Cristo", faz-nos culpados do mesmo pecado que c:nndenamos nos outros. Se faze­mos do não-sectarismo a base da nossa comunhão, dividimos a igreja em outra base que não a que foi ordenada por Deus, e assim formamos outra facção. A base bíblica para uma igreja é uma loca· lidade e não a ausência de sectarismo. Toda e qualquer comunhão que não seja tão ampla quanto a localidade é facciosa. Todos os cristãos que vivem no mesmo lugar em que eu vivo estão na mesma igreja em que eu estou, e eu não ouso excluir ninguém. Eu reconheço como meu irmão e como membro da minha igreja, todo e qualquer filho de Deus que vive em minha localidade.

Havia muitíssimos cristãos em Jen1Salém. Lemos de uma mul­tidão que se voltou ao Senhor; contudo, todos eram citados como a igreja em Jerusalém, e não as igrejas em Jerusalém. Jerusalém era um só lugar, portanto, só podia ser contada como uma só uni· dade com vistas à formação de uma só igreja. Você não pode dividir a igreja a menos que possa dividir o lugar. Se há apenas uma localidade, só pode haver uma igreja. Em Corinto havia somente a igreja em Corinto; em Hankow há somente a igreja em Hankow. Não lemos sobre as igrejas em Jerusalém, ou as igrejas em Éfeso, ou as igrejas em Corinto. Cada um ddes era considerado um só lugar; portanto, só se permitia haver uma igreja em cada lugar. Enquanto Jerusalém, Éfeso e Corinto forem localidades

AS IGREJAS FUNDADAS PELOS APÓSTOLOS 59

unitárias, nelas só pode haver uma igreja unitária. Se uma locali· dade é indivisível, a igreja nela formada é indiví.r:dvel também.

NÃO É MAIS AMPLA DO QUE UMA LOCALIDADE

Acabamos de ver que o limite da igreja não pode ser menor do que a localidade à qual ela pertence. Por outro lado, seu limite não pode ser mais amplo do que a localidade. Na Palavra de Deus jamais lemos expressões como a igreja na Macedônia, ou a igreja na Galácia, ou a igreja na Judeia, ou a igreja na Galileia. Por quê? Porque a Macedônia e a Galileia erarn províncias, e a Judeia e a Galácia eram distritos. A província não é a unidade bíblica da localidade; nem o distrito o é. Tanto uma como o outro incluem várias cidades; portanto, podem conter várias igrejas distintas, e não uma só. Uma igreja provincial ou distrital não é bíblica, uma vez que não está na base da localidade, mas reúne várias localida­des. Todas as igrejas bíblicas são locais; é por isso que não há menção ele igrejas estatais, provinciais ou distritais na Palavra de Deus.

"Assim, pois, as igrejas em toda a Judeia, e Galileia, e Samaria tinham paz" (At 9:31 - ARC). O Espírito Santo não mencíonou aqui a igreja, e, sim, as igrejas. Visto que havia várias localidades, havia também várias igrejas. Não era o plano de Deus unir as igrejas de vários lugares numa igreja só, mas ter uma igreja em cada lugar. Havia tantas igrejas quanto havia lugares.

"E passou pela Síria e Cilícia, confirmando as igrejas" (At 15:41). Novamente a referência não é a uma só igreja, pois a Síria e a Cilícia eram vasLos distritos, cada um compreendendo vários lugares. É admissível em círculos políticos unir vários lugares num só distrito e chamar-lhe Síria ou Cilícia, mas Deus não uniu os cristãos de vários lugares e os chamou de a igreja na Síria ou a igreja na Cilícia. Pode haver uniões ou fusões no mundo comercíal ou político, mas Deus não aprova agrupamentos de igrejas. Cada lugar deue ter uma só igreja.

"Todas as igrejas dos gentios'' (Rm 16:4). As igrejas de Deus não foram formadas em fronteiras nacionais, ma,-; em fronteiras locais; portanto, não se menciona a igreja dos genti; '"', mas as igre­jas dos gentios.

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60 A VIDA NORMAL DA IGRE,JA CRIS1'Ã

, "As igrejas da Ásia vos saúdam" (lCo 16:19). "Às igrejas da Macedônia" (2Co 8:1). "Às igrejas da Galácia" (Gl 1:2). "E ?,S igre­jas da Judeia, que estão em Cristo, não me conheciam pessoal­mente" (Gl 1:22). A Ásia, a Macedônia, a Galácia e a Judeia eram áreas que compreendiam mais elo que uma localidade unitária; portanto, a Palavra de Deus refere-se às igrejas nessas áreas. Uma igreja, segundo o pensamento divino, é sempre em uma loca­lidade; todo e qualquer outro tipo de igreja é produto da mente humana.

Deus não aprova a divisão da igreja no limite ele uma locali­dade nem permite a combinação denominacional de igrejas em. várias localidades. Nas Escrituras sempre há uma só igreja num\ só lugar, e nunca várias igrejas num só lugar, ou urna igreja em vários lugares. Deus não reconhece nenhuma comunhão de Seus fil',os numa bflsc mais estreita, ou mais ampla, do que a loca­J:·!ude.

Nanquim é uma cidade, Soochow também. Visto que cada uma , idas é uma unidade distinta, cada uma tem, portanto, uma igreja distinta. Os dois lugares estão no mesmo pais, e até mesmo na mesma província, todavia, já que são cidades distintas, têm ele for­mar igrejas distintas. Politicamente Glasgow e Nanquim não perten­cem à mesma província, nem mesmo ao mesmo pais; contudo, a relação entre Nanquim e Soochow é a mesma que a de Nanquim e Glasgow. Nanquim e Soochow são unidades tão distintas como Nan­quim e Glasgow. Na divisão das igrejas, a questão do país ou ela pro­víncia não vem ao caso; trata-se apenas de cidades. Duas cidades no mesmo país, ou na mesma província, não têm relação mais próxima do que duas cifbdes em países distintos ou em províncias distintas. A intenção de I!eus é que uma igreja em qualquer localidade seja uma unidade, e na relação entre as igrejas cada uma preserve seu caráter local.

Quando o p1n:o de Deus em todo o mundo realmente vir o cará­ter local elas igrejas, apreciará a sua unidade em Cristo como nunca. As igr('.jas de Deus são locais, intensamente locais. Se algum fator entrar a fim ele destruir o caráter local das igrejas, elas já náo serão igrejas bíblicas.

AS IGREJAS FUNDADAS PELOS APÓSTOLOS 61

A INDEPENDÊNCIA DAS IGREJAS

Jamais foi o propósito ele Deus que várias igrejas se juntassem formando uma denominação ou organização; antes, que cada igreja seja independente. A responsabilidade elas igrejas era que fossem independentes; o mesmo se aplica ao governo das igrejas. Quando o Senhor enviou mensagens aos Seus filhos na Ásia, Ele não as endereçou "à igreja na Ásia", mas "às sete igrejas que estão na Ásia". Sua repreensão para Éfeso não se aplicava a Esmirna, pois Esmirna era independente de Éfeso. Não se podia pôr a culpa em Filadélfia pela confusão em Pérgamo, pois Filadélfia era inde­pendente de Pérgamo. E o orgulho de Laocliceia não podia ser atribuído a Sardes, visto que Sarcles era independente ele Laodi­ceia. Cada igreja permanecia nos próprios méritos e assumia a própria responsabilidade. Uma vez que os filhos ele Deus viviam em sete cidades distintas, consequentemente pertenciam a sete igrejas distintas, E visto que cada uma delas era independente ela outra, cada uma tinha a própria aprovação, exortação ou repreen­são.

Ademais, não apenas havia essas sete igrejas na terra; havia também sete candclubros que as representavam no céu. No Antigo Testamento havia apenas um candelabro com sete hastes, mas no Novo Testamento há sete candelabros distintos. Se a representação elo Novo Testamento fosse a mesma que a do Antigo, então os cris­tãos nas sete igrejas ela Ásia poderiam ter-se unido para formar uma só igreja; porém há agora sete candelabros separados, cada qual sobre sua base, de modo que o Senhor podia andar "no meio elos sete candelabros ele onro" (Ap 2:1). Por isso, embora todas as igrejas estejam sob a autoridade da Cabeça única e expressem a vida do Corpo único (pois são todas feitas de ouro), ainda assim não estão unidas por uma organização exterior, mas cada uma perma­nece sobre a própria base, assumindo a própria rnsponsabiliclacle, mantendo sua independência local.

ENTRE AS IGREJAS

Isso não implica que as várias igrejas locais não tenham coisa alguma a ver entre si, e que cada uma possa simplesmente fazer o

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62 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

que, bem entenda sem ter consideração pelas demais, pois a base de uma igreja é a base do Corpo. Embora sejam igrejas unjtárias na administração exterior, ainda assim a vida interior delas é uma só, e o Senhor foz os membros delas membros de um só Corpo. Não há organização exterior que as agrupe numa enorme unidade combinada, contudo, há um forte vínculo interior que as une no Senhor. Elas têm uma unidade de vida que desconhece os limites da localidade e as leva a uma ação uniformizada a despeito da ausência de organização exterior. Quanto à organização, as igrejas são totalmente independentes entre si, mas em vida são uma só, e consequentemente são interdependentes. Se uma igreja recebe revelação, as demais devem buscaT proveito disso. Se uma está em dificuldades, as demais devem prestaT-lhe socono. Mas enquanto ministrnm umas as outTas, devem sempre preservar sua indepen­dência de governo e responsabilidade.

Por um lado, cada igreja está diretamente sujeita à autoridade do Senhor e é responsável somente a Ele; por outro, cada qual ouve não apenas o Seu falar direto, mas o Seu falar por meio das demais. "Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas" é o que o Senhor recomenda a todas elas (Ap 2-3). Na introdução das Suas cartas às sete igrejas, descobrimos que o Senhor as ende­reça ao anjo de cada uma delas, mas no desfecho, vemos que a mensagem Dele a uma igreja específica destina-se também a todas elas. Isso deixa claro que o que uma igreja deve fazer, G:c;

demais também o devem. A responsabilidade das igrejas é indivi­dual, porém as ações delas devem ser uniformes. Esse equilíbrio da verdade deve ser cuidadosamente preservado.

Encontramos o mesmo ensinamento nas Epístolas: "Por esta causa vos enviei Timóteo,(. .. ) o qual vos lembrará os meus cami­nhos em Cristo, como ensino em todo lugar em todas as igrejas'' (lCo 4:17). O que Paulo ensinou "em todu lugar" e "em todas as igrejas", os coríntios são chamados a consú.lerar profundamente. Não há um tipo de instrução para Corinto, outro para outro lugar. O que os apóstolos ensinaram a certas igrejas, os cristãos em outras igrejas também têm de observar. E isso se aplica a manda­mentos bem como a doutrinas. "Ande cada um segundo o Senhor lhe repartiu. (. .. ) É assim que oriento em todas as igrejas" (lCo

AS IGREJAS FUNDADAS PELOS APÓSTOLOS 63

7:17). O Senhor jamais poderia dar um mandamento a uma igreja que de alguma forma contradiga o que Ele ordenou a outra igreja. Os Seus requisitos para um grupo de Seus filhos eram os Seus requisitos para todos eles. "Contudo, se alguém queT ser conten­cioso, saiba que nós não temos tal costU1Ue, nem as igrejas de Deus" (lCo 11:16). A igreja em COTinto era apta para tomar rumo próprio individualmente. Todas as demais prosseguiam juntas com o Senhor. Apenas Corinto estava fora do compasso; portanto, Paulo buscou alinhá-la novamente com as demais. Hoje, lamenta­velmente, não é apenas uma igreja que se afastou do caminho de Deus, mas a maioria das assim chamadas igrejas. É uma tragédia que hoje uma determinação para "todas as igrejas" conduza não à vontade de Deus, mas para longe dela!

"Ora, quanto à coleta para os santos, fazei também como orien­tei às igrejas da Galácia" (lCo 16:1). Paulo aqui efetivamente diz: "Embora vocês sejam independentes das demais igrejas, ainda assim não devem desconsiderar o exemplo delas". Estar dispostos a socorrer uns aos outros e aprender uns com os outros devem marcar a relação entre as igrejas. O que as igrejas mais maduras têm aprendido do Senhor, as menos experientes devem estar prontas a aprender com elas. "Pois vós, irmâos, vos tornastes imitadores das igrejas de Deus existentes na Judeia em Cristo Jesus", escreveu Paulo aos tessalonicenses (1 Ts 2:14). A igreja em Tessalônica na mais jovem do que as igrejas na Judeia; portanto, era bem conw,ui­ente que aprendesse com elas.

Há um equilíbrio maravilhoso no ensinamento da Palavra de Deus acerca da relação entre as igrcj as. Por um lado, elas são totalmente independentes umas das outras, em questões relacio­nadas com responsabilidade, governo e organização. Por outro lado, elas devem aprender urnas com as outras e devem manter a paz entre si. Em tudo, porém, é essencial ter tanto a direção do Espírito Santo como o padrão da santa Palavra de Deus.

O SUPREMO TRIBUNAL

Visto que há correlação espiritual entre as igrejas locais, nenhuma igreja pode tomar rumo pTóprio com base no individua­lismo e, aproveitando-se de sua independência, decidir coisas a

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seu bel-prazer. Cada uma deve, antes, cultivar relação com as demais, buscando a concordância delas e trabalhando com vistas ao bem espiritual delas. Por outro lado, visto que cada uma é total­mente independente das demais, a decisão de uma igreja em dada localídade é absolutamente conclusiva. Não há instância superior para a qual apelar; o tribunal local é o supremo tribunal. N5.o há organização a cujo controle ela deva submeter-se, nem há organi­zação sobre a qual exerça controle. Ela não tem superiores nem subordinados. Se alguém é recebido ou recusado por uma igreja local, o juízo dela sobro a questão deve ser considerado absoluta­mente decisivo. Mesmo que a decisão esteja errada, tudo o que se pode fazer é apelar que se reconsidere o caso. A igl'eja local é a suprema autoridade eclesiástica. Se outras igrejas fizerem obje­ção às decisões dela, tudo o que podem fazer é recorrer a persua­são e exortação. Não há caminho alternativo, pois a relação que existe entre as igrejas é puramente espiritual, e não oficial.

Se um irmão que foi disciplinado em Nanquim muda-se para Soochow e ali prova ser inocente das acusações que pesam contra ele, nesse caso 8oochow tem plena autoridade de recebê-lo, ades­peito do juízo de Nanquim. Soochow é responsável por suas ações perante Deus, e não perante Nanquim. Soochow é uma igTeja independente e. portanto, tem plena autoridade para agir como melhoT lhe aprouver. Mas, por causa da correlação espiritual que tem com Nanquim, é bom que <J irmão em questão não seja aco­lhido antes de se apontar para Nanquim o engano que ela cometeu ao julgá-lo daquela forma. Se a relação de Nanquim com o Senhor é correta, então ela prestará aten1,,ão ao que:: Soochow tem a dizer. Mas se ela recusar fazê-lo, Soochow não pode pressioná-la, pois, como igreja local, Nanquim é diretamente responsável perante o Senhor somente, e tem plena autoridade de decidir e agir independente­mente de Soochow. Se as igrejas são espirituais, não há dificuldade na relação entre elas. Mas se não são, e surgem dificuldades, não devemos buscar resolvê-las interferindo na independência delas, pois isso foi ordenado por um Deus plenamente sábio.

A organização de uma igreja não é superior à de outra, nem a sua autoridade maior. Muitos cristãos consideram Jerusalém a igreja matriz, que possui autoridade suprema, mas tal conceito

AS IGREJAS FUNDADAS PELOS APÓSTOLOS 65

tem origem na mente humana, e não na Palavra divina. Toda e qualquer igreja é localmente governada e diretamente responsá­vel perante Deus, e não perante outra igreja ou organização. Uma igreja local é a suprema instituição cristã na terra. Não há ne­nhuma outra acima dela a quem se possa apelar. Uma igreja local é a mais inferior unidade bíblica, mas é também a suprema orga­nização bíblica. As Escrituras não garantem nenhuma centraliza­ção em Roma que lhe possa dar autoridade sobre outras igrejas locais. Essa é a salvaguarda divina contra toda e qualquer infra­ção dos direitos de Seu Filho. Cristo é a Cabeça da Igreja, e não há outra cabeça no céu ou na terra.

Deve haver correlação espiritual entre as igrejas se se quiser preservar o testemunho do Corpo, porém deve ao mesmo tempo haver absoluta independência de governo se se quiser manter o testemunho da Cabeça. Cada igreja está sujeita ao controle imedi­ato de Cristo, e é diretamente responsável somente perante Ele.

Por que, então, quando surgiu uma questão sobre a circuncisão, Paulo e Barnabé subiram a Jerusalém para ver os apóstolos e presbíteros ali? É porque os que eram responsáveis pelo ensina­mento errôneo em Antioquia haviam descido de Jerusalém. Jeru­salém era o lugar onde originou-se o problema; portanto, foi a Jerusalém que os apóstolos foram a fim de solucioná-lo. Se um menino fosse visto a fazer travessut"a, nós informaríamos o pai dele. Ao ir para Jerusalém, Paulo e Barnabé conduziram o caso aos que tinham controle dos irmaos que criaram o problema, e, uma vez que levaram a questão à fonte responsável, houve solução rápida. Os presbíteros em questão não eram os presbíteros em Jerusalém, mas os presbíteros de Jerusalém; e os apóstolos não eram os apósto­los de Jerusalém, mas os apóstolos em Jerusalém. Os presbíteros representavam a igreja; os apóstolos, a obra. Paulo e Barnabé rela­taram a questão aos apóstolos e presbíteros, pois os apóstolos eram responsáveis por ensinar nas ig:rejas, e os presbíteros, por toda e qualquer decisão acerca de questões locais. Quando os apóstolos e presbíteros repudiaram a responsabilidade acerca do ensinamento propagado por esses irmãos causadores de problemas que desceram de Jenisalém, Paulo e Barnabé, ao visitar vários lugares mais tarde, puderam mostrar às igrejas "os decretos que haviam sido

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estabelecidos pelos apóstolos e presbíteros em Jerusalém" (At 16:4). Não devemos inferir que os presbíteros de Jerusalém tinham autoridade sobre as igrejas, mas apenas que eles, bem como os apóstolos, repudiaram os ensinamentos dos que haviam saído do meio deles. Alóm disso, em Jerusalém, alguns apóstolos ocupavam cargo duplo: de presbítero e de apóstolo.

COMO PRESERVAR O CARÁTER LOCAL DAS IGREJAS

Visto que as igrejas de Deus são locais, temos de tomar cuidado a fim de lhes preservar o caráter local, bem como a esfera e os limi­tes locais. Uma vez que uma igreja perde um desses itens, ela deixa de ser bíblica. Duas coisas demandam especial atenção se queremos salvaguardar a natureza local das igrejas.

Em primeiro lugar, nenhum apóstolo deve exercer controle sobre uma -igreja em caráter oficial. Isso é contrário à ordenação de Deus e destrói a natureza local da igreja, impondo-lhe o cunho de ministro extra-oficial. Nenhum apóstolo tem a autoridade de estabelecer uma igreja particular cm lugar algum. A igreja per­tence à localidade, e não ao obreiro. Quando as pessoas são salvas por meio de um homem, elas pertencem à igreja no lugar em que vivem, e não ao hnmem por meio de quem foram salvas, nem à organização que ele representa. Se uma ou mais igrejas são funda­das por certo apóstolo, e ele exerce autoridade sobre elas como se pertencessem a ele ou à sociedade dele, essas igrejas tornam-se facções, pois não é na base da diferença de localidade que elas se separam de outros cristãos (salvos por meio de outros apóstolos), e, sim, na base da diferença de quem foi usado para a salvação. Assim os apóstolos se tornam cabeças de várias denominações, e o âmbito deles torna-se o âmbito de suas respectivas denominações, enquanto as igrejas sobre as quctis eles exercem controle tor­nam-se faci:;ocs, cada qual com a característica particular do seu líder, e não de uma igreja local.

A Epístola aos Coríntios traz luz sobro esse assunto. Havia divisão entre os crentes em Corinto simplesmente porque deixa­ram de perceber o caráter local da igreja e buscaram fazor de vários apóstolos (Paulo, Apolo e Cefas) a base de sua comunhão. Se tivessem entendido a base ordenada por Deus para a divisào da

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Igreja,jamais teriam dito "Eu pertenço a Paulo", ou "Eu pertenço a Apolo", ou ainda "Eu pertenço a Cefas", pois, a despeito de seu amor especial por determinados líderes, eles teriam percebido que não pertenciam a nenhum deles, e, sim, à igi·eja na localidade em que viviam.

Nenhum obreiro pode exercer controle sobre uma igreja ou atrelar a ela o seu nome ou o nome da sociedade que representa. A desaprovação divina sempre incidirá sobre "a igreja de Paulo", ou "a igreja de Apolo", ou ainda "a igreja de Ccfas". Na história da Igreja frequentemente ocorreu que, quando Deus deu luz especial ou experiência a uma pessoa, essa pessoa ressaltou essa verdade em particular a ela revelada ou por ela experimentada, e reuniu à volta de si pessoas que apreciavam o seu ensinamento. O resul­tado disso é que o líder, ou a verdade que ele ressaltava, tornou-se a base da comunhão. Assim as facções se multiplicaram. Se o povo de Deus pudesse apenas ver que o objeto de todo o ministério é a fundação de igrejas locais, e não o agrupamento de cristãos ao redor de um indivíduo, ou de uma verdade, ou de uma experiência, ou ainda de uma organização específica, então a formação das fac­ções seria evitada. Nós, que servimos ao Senhor, devemos estar dispostos a abandonar o nosso apego por todos aqueles a quem ministramos, e deixar que todos os frutos de nosso ministério pas­sem para as igrejas locais governadas inteiramente por irmãos locais. Temos de ser escrupulosamente cuidadosos em não deixar a cor da nossa personalidade destruir o caráter local da igreja, e devemos sempre sen,ir a igreja, sem jamais controlá-la. Um após­tolo é servo de todos e não mestre de ninguém. Nenhuma igreja pertence a um obreiro; pertence à localidade. Se os que têm sido usados pôr Deus através da história da Igreja vissem claramente que todas as igrejas de Deus pertencem às suas respectivas loca­lidades, e não a um obreiro ou a uma orgrmização usada para fundá-las, então não Leríamos tantas denominações hoje.

Outra coisa essencial para a preservação do caráter local da igreja é que a sua esfera não pode tornar-se maior do que a esfera da localidade. O método corrente de ligar grupos cristãos de diver­sos lugares que têm os mesmos pontos de vista doutrinários e ajuntá-los numa igreja, não tem fundamento bíblico. O mesmo se

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aplica ao costume de considerar uma missão o centro, vinculando todos os que são por ela salvos e ajudados, a fim de fonn?r uma "igreja" dessa missão. Tais igrejas, por assim dizer, são na verdade facções, pois estão confinadas pelos limites de um credo esp~cífico, ou de uma missão em particular, e não pelos límites, e nos hmites,

de uma localidade. A razão de Deus não aprovar o estabelecimento de igrejas que

ajuntam grupos de cristãos em vários lugal'es é que a base divina­mente ordenada para a formação de igrejas é, desse modo, destruí­da. Toda e qualquer "igreja" formada tendo por centro uma missão certamente será algo mais do que local, pois onde quer que haja um centro, há também uma circunferência; e se o centro da igreja é uma missão, obviamente a circunferência não é a esfera bíblica da localidade, mas a esfera da missão. Isso claramente carece da característica de uma igreja, e só pode ser considerada uma facção. No p1·opósito de Deus, Jesus Cristo é o centm de todas as igrejas, e a

localidade é a circunferência. Sempre que um líder em especial, ou uma doutrina específica,

ou algumas experiências, ou um credo, ou uma organização, torna-se um centro que atrai cristãos de vários lugares, então, visto que o centro de tal federação de igrejas não é Cristo, acontece que a sua esfera, ou circunferência, será algo mais do que local. E semp1·e que a esfera divinamente designada da localidade é substituída por uma esfera de invenção humana, a aprovação divina não pode ali repousar. Os cristãos em tal esfera podem de fato amar au Senhor, mas têm outro centro que não é Ele, e é mais que natural que o segundo centro se torne o que controla. É con­trário à natureza humana ressaltar o que temos em comllm com outros; sempre enfati?.amos o que é nosso em particular. Cristo é o centro comum de todas as igrejas, mas todo e qualquer g-rupo de cristãos que tenha um líder, uma doutrina, uma experiência, um credo, ou uma organização como st·u centro de comunhão, desco­brirá que esse centro se torna o centro, e é esse o centro pelo qual eles determinam quem pertence a eles e quem não pertence. O centro sempre determina a circunferência, a esfera, e o segundo centro cria uma esfera que divide os que se ligam a ele dos que não

se ligam.

AS IGREJAS FUNDADAS PELOS APÓSTOLOS 69

Tudo que se torna um centro unificador dos cristãos de vários lugares criará uma esfera que inclui todos os cristãos que se ligam a esse centro e exclui todo:, os que a ele não se ligam. Essa linha divisória dei::truirá o limite divinamente ordenado da localidade, e consequentemente destruirá a própria natureza das igrejas de Deus. Por isso, os filhos de Deus têm de ver que não têm um centro de união que não seja Cristo, pois uma união de cristãos que exceda a localidade em torno de um centro que não seja o Senhor faz crescer a esfera da comunhão para além do límite da locali­dade, e assim se perde a caraterística específica das igrejas de Deus. Não há igrejas nas Escrituras que nào sejam locais!

OS BENEFÍCIOS DA INDEPENDÊNCIA

O método divino de fazer da localidade a linha demarcatória entre as igrejas tem várias vantagens óbvias:

1) Se cada igreja é governada localmente, e toda a autoridade está nas mãos dos presbíteros locais, não há espaço para um falso profeta capaz e ambicioso exibir seu talento organizador,juntando vários grupos de cristãos numa vasta federação, e assim satisfazer sua ambição constituindo-se a cabeya dela. Roma jamais poderia exercer o poder que exerce hoje se as igrejas de Deus tivessem mantido sua base local. Onde as igrejas não são afiliadas, e onde a autoridade local está nas mãos dos presbíteros locais, é impossível haver um papri. Onde há apenas igrejas locais, não pode hav"r Igreja Romaha. Foi a foder.:ição de vários grupos de cristãos que trouxe tais males corno intrometer política na Igreja de Deus. Há poder numa ··igreja" confede:rada, mas é poder carnal, e não espiri­tual. O pensamento de Deus para a Sua Igreja é que ela deve ser como um grão ele mostarda na terra, cheia de vitalidade, contudo, raramente notada. Foi a federação que conduziu a Igreja de hoje à condição de Ti atira. A falha do protestantismo é que ele substituiu a Igreja de Roma pelas igrejas organizadas (tanto as estatais corou as dissidentes), em vez de voltar ,b igrejas locais divinamente ordenadas.

2) Além disso, se as igrejas retiverem o caráter local, a propa­gação de uma heresia ou erro será evitada, pois se uma igreja for local, as heresias e erl'Os i:;erão locais também. Roma é uma

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esplêndida ilustração do lado oposto dessa verdade. O erro católico romano tem prevalecido por causa da federação católica romana. A esfera das igrejas federadas é vasta; por conseguinte, o erro é bem difundido. É comparativamente simples manter um erro cm qua­rentena numa igreja local, mas isolar um erro numa vasta federa­ção de igrejas é outro assunto.

3) A maior vantagem de ter a localidade como limite das igTe­jas é que isso obstrui toda possibilidade de facção. Talvez você tenha suas doutrinas especiais e eu as minhas, mas enquanto mantivermos o caráter bíblico das igrejas fazendo da localidade a única linha divisória entre elas, será impossível que estabeleça­mos uma igreja a fim de propagar nossas crenças particulares. Enquanto uma igreja preservar seu caráter local, ela estará prote­gida contra o denominaciona1ismo, mas assim que perdê-lo ela dará uma guinada em direção ao sectarismo. Um cristão é faccioso quando pertence a alguém ou a algo que não seja o Senhor e a loca­lidade. As facções e denominações só podem ser estabelecidas quando o caráter local da igreja é destruído.

Em Sua sabedoria, Deus decretou que todas as Suas igrejas sejam locais. Esse é o método divino de salvaguardá-las das fac­ções. Obviamente, isso só pode proteger a Igreja contra o secta­rismo na expressão. Ainda é po.c;sível que um espírito faccioso exista numa igreja não facciosa, e somente o espírito ele Deus pode lidar com isso. Que todos aprendamos a andar segundo o Espírito e não segundo a carne, para qur.. tanto na expressão exterior como na condição interior, as igrejas de Deus Lhe sejam agradáveis.

CAPiTULO CINCO

A BASE DA UNIÃO E DA DIVISÃO

A FORMAÇÃO DAS IGREJAS LOCAIS

No capítulo anterior observamos que a palavra "igreja" só ó mencionada duas vezes nos Evangelhos. É usada com frequência cm Atos, mas ali não nos é dito explicitamente como urna igreja é formada. Atos 2 fala da salvação de cerca de três mil homens, e o capítulo quatro de mais cinco mil. mas absolutamente nada é dito acerca de como esses crentes forw, t 111 a igreja. Sem uma só palavra de explicação, o capítulo seguint, · -<e refere neles como a igreja: "E sobreveio grande temor a toda a igreja" (At 5:11). Aqui as Escritu­ras chamam os filhos de Deus de a "igreja", sem mencionar como a igreja veio a existir. Em Atos 8:], logo após a morte de Estêvão, o vocábulo é usado novamente, e a conexão nesse caso é mais clara do que anteriormente. "Naquele dia, levantou-se grande persegui­ção contra a igreja que estava em Jerusalém." Por essa passagem fica evidente que os cristãos em Jerusalém são a igreja em Jerusa­lém. Assim sabemos agora o que é a igreja. Ela consiste em todos os salvos em dada localidade.

Mais tarde, na primeira viagem missionária de Paulo, muitos foram salvos em vários lugares pela pregação do evangelho. Nada é mencionado acerca de eles formarem a igreja, mas em Atos 14:23 é dito que Paulo e Barnabé designaram "presbíteros em cada igreja''. Os grupos de cristãos nesses vários lugares eram chama­dos igrejas sem qualquer explicação de como se tornaram igre.ias. Eram grupos de cristãos; logo, simplesmenLe eram igrejas. Sempre que algumas pessoas cm qualquer lugar são salvas, espontanea­mente tornam-se a igreja nesse lugar. Sem introdução ou explica­ção alguma, a Palavra de Deus apresenta-nos esse grupo de

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72 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

crentes como igreja. O método bíblico de fundar uma igreja é sim­plesmente pregar o evangelho; nada mais é necessário ou permi­tido. Se as pessoas ouvem o evangelho e recebem o Senhor como seu Salvador, elas são a igreja; não há necessidade de nenhum outro procedimento a fim de que se tornem a igreja.

Se, em certa cidade, alguóm crê no Senhor é logicamente natu­ral que ele faça parte da igreja nesse lugar; não há outro passo a ser dado a fim de fazer dele constituinte da igreja. Nenhuma afili­ação posterior é necessária. Desde que ele pertença ao Senhor, já pertence à igreja nessa localidade; e visto que já pertence à igreja, não há condição alguma para que pertença a ela. Se, antes de reco­nhecer alguém que creu no Senhor como membro da igreja, insis­tirmos que ele se afilie a nós ou que se desligue de outro lugar, então, a "nossa igreja" decisivamente não é uma das igrejas de Deus. Se impomos condições a um cristão na localidade para que se torne membro da igreja, imediatamente estamos numa posição não bíblica, pois a única condição para que alguém seja membro da igreja local é ser um crente na localídade. Todos os salvos que pertencem ao lugar no qual vivemos pertencem à mesma igreja que nós. Quando digo igreja quero dizer uma igreja bíblica, e não uma organização feita pelo homem. Uma igreja local é a que com­preenJe todos m: filhos de Deus em certa localidade.

Notemos bem que a base de acollH'r qualquer pe:sso;i na igreja é que o Senhor já a acolheu_ "Aco1hei o que é fraco na fé,( ... ) pois Deus o acolheu" (Rm 14:1, ~i). "Portanto, acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo vos acolheu" (Rm 15:7). Quando acolhemos alguém meramente reconhecemos que o Senhor já o acolheu. Quando o acolhemos isso não faz dele membro da igreja; antes, nós o acolhemos porque ele já é membro. Se ele é do Senhor, já está na igreja; se não é do Senhor, não está. Se exigimos algo além do fato de o Senhor o ter acolhido para admiti-lo na comunhão, simples­mente não somos a igreja, mas urna facção_

DENTRO E FORA llO CÍRCULO

Em todo e qualquer lugar cm que o evangelho foi proclamado e pessons creram no Senhor, chis são a igreja nesse lugctr. e são nos­sos irmãos. Nos dias do,:; apóstolos, a questão de pertencer ou não à

A BASE DA UNIÃO E DA D[VISÃO 73

igreja era extremamente simples. Mas as coisas já não são tão simples hoje; a questão ficou complicada por causa de tantas assim chamadas igrejas, que excluC'm os que devem estar na igreja, e incluem os que deveriam ficar fora. Que tipo de pessoa pode ser corretamente considerada membro da igreja? Qual é o requisito mínimo que podemos insistir em ter para admitir alguém na comunhão da igreja? Amenos que as qualificações para ser membro da igreja sejam claramente definidas, sempre haverá o perigo de excluir quem realmente pertence a ela e de incluir os que não pertencem.

Antes de passur a descobrir quem, de fato, pertence e quem não perlence a uma igreja local, vamos indagar quem pertence à Igreja uníversa1 e quem não pertence, visto que a condição de ser membro de uma igreja é essencialmente a mesma que a de ser membro d:t Igreja. Quando sabemos que tipo de pessoa pertence à Igreja, então sabemos também que tipo de pessoa pertence a uma igreja.

Como podemos saber quem é cristão e quem não é? "Mas se alguém nao tem o Espírito de Cristo, esse não é Dele" (Rm 8:9). De acordo com a Palavra de Deus, é um cristão verdadeiro toda pes­soa em cujo coração habita Cristo mediante o Seu Espírito. Os cristãos podem diferir um do outro em milhares de aspectos, mas não há diferenças entre eles nesta questão fundamental: todos têm u Espírito de Cristo neles. Se desejamos saber se alguém per­tence ao Senhor, somente precisamos descobrir se ele tem o EspÍ· rito de Cristo ou não. Todo u que tem o Espírito de Cristo em si está no círculo da Igreja, e todo o que não tem o Espírito de Cristo está fora do círculo. Um participante do Espírito de Deus é parte essencial da Igreja de Deus; quem não participa do Espírito de Deus não tem parte na Igreja. Isso é verdade na Igreja universal; isso também o é na igreja locaL "Examinai-vos a vós mesmos, para ver se estais na fé; provai a vós mesmos. Ou não reconheceis vós mesmos que Jesus Cristo está em vós? A não ser que já estejais reprovados" (2Co 13:5). Há uma linha subjetiva ele demarcação entre a Igreja e o mundo; todos os que estão dentrn dessa linha são salvos, e todos os que estão fora dela estão perdidos. Essa linha demarcatória é o Espírito de Cristo que neles habita.

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74 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

A UNIDADE DO ESPÍRITO

A Igreja de Deus inclui vasto número de crentes de épocas dis­tintas e espalhados por toda a terra. Como foi que todos foram unidos em uma só Igreja universal? Com tais diferenças de idade, posição social, instrução, antecedentes, aparência e tempera­mento, como todos eles poderiam tornar-se uma igreja? Qual é o segredo da unidade dos santos? Por quais meios o cristianismo fez com que essas pessoas, com suas centenas de diferenças, se tor­nassem de fato um? Não é que, por meio de grande convenção e com a concordância de serem um, os cristãos se uniram. A unidade cristã não 6 produto humano; é de origem puramente divina. Essa poderosa unidade misteriosa é plantada no coração de todos os que creem no momento em que recebem o Senhor. É a "unidade do Espírito" (Ef 4:3).

O Espírito que habíLa no coração de cada crente é um Espírito só; portanto, Ele faz com que todos aqueles em quem Ele habita sejam um, assim como Ele mesmo é um. Os cristãos podem diferir uns dos outros de inúmeras maneiras, mas todos os cristãos de todas as eras, com suas incontáveis diferenças, têm essa única semelhança fundamental: o Espírito de Deus habita em cada um deles. Esse é o segredo da unidade dos que creem, e esse é o segredo da sua separação do mundo. A razão para a unidade cristã e para a separação cristã é uma só.

É essa unidade inerente que torna todos os cristãos um só, e é essa unidade inerente que conta para não haver divisão entre eles, exceto por motivos geográficos. Os que não a têm são estranhos; os que a têm são nossos irmãos. Se você tem o Espírito de Cristo e eu O tenho também, ambos pertencemos à mesma Igreja. Não há necessidade de que sejamos unidos; já somos unidos pelo Espírito único que habita em nós. Paulo rogou a todos os cristãos que se esforçassem por "preservar a unidade do Espírito" (Ef 4:3); ele não nus exortou a ter a unidade, mas simplesmente a preservá-la. Nós já a temos, pois obviamente não podemos preservar o que não temos. Deus jamais nos disse que nos devemos tornar um com os demais cristãos; já somos um. Portanto, não precisamos criar a unidade; apenas preservá-la.

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Não podemos fabricar essa unidade, visto que pelo Espírito somos um só em Cristo, e não podemos quebrá-la, pois é um fato eterno em Cristo; mas podemos destruir os seus efeitos, de modo que se perca a sua expressão na Igreja. Que lástima! não apenas deixamos de preservar essa preciosa unidade, mas, na verdade, destruímos os frutos dela, a tal ponto que hoje quase não se vê traço dela entre os filhos ele Deus!

Como vamos determinar quem são nossos irmãos e membros juntamente conosco na Igreja de Deus? Não é perguntando se têm os mesmos pontos de vista doutrinários que temos ou têm tido as mesmas experiências espirituais; nem mesmo vendo se os costu­mes, modo de vida, interesses e preferências deles correspondem aos nossos. Apenas perguntamos: o Espírito de Deus habita no interior deles ou não? Não podemos insistir em unidade de opi­niões, ou de experiência, ou qualquer outra unidade entre os cristãos, exceto a unidade do Espírito. Essa unidade pode existir, e sempre deve existir, entre os filhos de Deus. Todos os que a têm estão na Igreja.

Em" suas viagens já não aconteceu de encontrar um estranho no barco ou no trem e após poucos minutos de conversa você desco­brir um amor puro por ele a jorrar do seu coração? Essa expressão espontânea de amor oconeu por causa do Espírito que habita no coração dos dois. Tal unidade espiritual transcende todas as dife­renças sociais, raciais e nacionais.

Como podemos saber se alguém tem essa unidade do Espírito? Logo após a exortação de Paulo a que preservemos a unidade do Espírito, ele explica o que têm cm comum os que possuem essa uni­dade. Não podemos esp~rnr q1w os cristãos sejam semelhantes em tudo, mas há sete itens que todos os que de foto creem comparti­lham.;:; pela existência ou ausência desses itens poclemos saber se uma pe::3soa tem ou não a unidade do Espírito. Muitos outros itens são importantes, mas esses sete são vitais. São indispensáveis para a comunhão espiritual e são ao mesmo tempo os requisitos mínimos e máximos que se faz a todo o qu,-: professe ser cristão também.

SETE FATORES DA UNIDADE ESPIRITUAL

"Um só Corpo e um só Espírito, como também fostes chamados

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em uma só esperança do vosso chamamento; um só Senhor, uma só fé,\m1 só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, por meio de todos e em todos" (Ef 4:4-6). A base de uma pe~soa ser membro da Igreja é ela ter a unidade do Espírito, e isso resultará em ela ser um com todos os cristãos nos sete itens acima. São os sete elementos da unidade do Espírito, que é a herança comum de todos os filhos de Deus. Ao traçar uma linha demarcatória entre os que pertencem à Igreja e os que não pertencem, nada podemos exi­gir alóm <lesses sete itens para que não venhamos a excluir ninguém que pertence à família de Deus; e não ousamos exigir nada menos, para que não venhamos a incluir alguém que não pertença à família divina. Todos os que têm esses sete itens per­tencem à Igreja; quem carece de algum deles não pertence à Igreja.

1) UM só CORPO. A questão da unidade principia com a questão de ser membro do Corpo de Cristo. A esfera da nossa comunhão é a esfera do Corpo. Quem está fora dessa esfeTa não tem relaciona­mento espiritual conosco, mas os que estão nessa esfera estão todos na comunhão conosco. Não podemos fazer nenhuma escolha de comunhão no Corpo, aceitando alguns membros e rejeitando outros. Somos todos parte de um só Corpo e nada pode separar-nos dele ou um do outro. Quem recebeu a Cristo pertence ao Corpo, e ele e nós somos um. Se não desejamos estender a comunhão a alguém, primeiro temos de ter certeza de que ele não pertence ao Corpo; se pertence, não temos por que rejeitá-lo (a menos que haja razões disciplinares como claramente determina a Pc1-lavra de Deus).

2) UM só ESPÍRITO. Se alguém busca ter comunhão conosco, embora seja diferente de nós na experiência ou aparência, uma vez que tenha o mesmo Espírito que temos, ele tem o direito de ser acolhido como irmão. Se ele recebeu o Espírito de Cristo, e nós recebe mos o Espírito de Cristo, então somos um no Senhor, e nada pode dividir-nos.

3) UMA só ESPERANÇA. Essa esperança, que é comum a todos os filhos de Deus, não é a esperança genérica, mas a esperança da nossa vocação, isto é, a esperança do nosso chamamento como cris­tãos. Como cristãos, que esperança temos? Esperamos estar com o

A BASE DA UNIÃO E DA DIVISAO 77

Senhor para todo o sempre na glória. Não há uma só alma que, de fato, seja do Senhor em cujo coração não haja tal esperança, pois ter Cristo em nós é ter a "esperança da glória" em nós (Cl 1:27). Se alguém diz ser do Senhor e não tem a esperança do céu ou da gló­ria, sua confissão é meramente vazia. Todos os que compartilham essa esperança única são um só, e, uma vez que temos a esperança de estar juntos na glória por toda a eternidade, como podemos estar divididos no tempo? Se vamos partilhar o mesmo futuro, não devemos partilhar alegremente o mesmo presente?

4) UM só SENHOR. Há apenas um Senhor, o Senhor Jesus, e todos que reconhecem que Deus fez de Jesus de Nazaré tanto Senhor como Cristo são um Nele. Se alguém confessa Jesus como Senhor, então o seu Senhor é o nosso, e visto que servimos aD mesmo Senhor, nada pode separar-nos.

5) UMA Só FÉ. A fü falada aqui é a. fé: não são as nossas crenças quanto à interpretaç:ão das Escrituras, mas a fé mediante a qual fomos salvos, que é a possessão comum dos crentes; a saber, a fé que Jesus é o Filho de Deus (que morreu pela salvação dos pecado­res e vive novamente para dar vida aos mortos). Todo o que carece dessa fé vital não pertence ao Senhor, mas todo o que a tem é do Senhor. Os filhos de Deus podem seguir muitas linhas de interpre­tação bíblica, contudo, quanto à fé funrlamental, todos são um. Os que carecem dessa fé não tfün parte na família de Deus, mas reco­nhecemos os que a possuem como nossos irmãos no Senhor.

6) UM Só BATISMO. É por imersão ou aspersão? É uma vez só ou três? Há várias formas de batismo :H.:eitas pelos filhos de Deus, portanto se fizermos da forma de batismo a linha divisória entre os que pertencem à igreja e os que não pertencem, vamos excluir da nossa comunhão muitos cristãos verdadeiros. Há filhos de Deus que até mesmo creem que o batismo físico não é necessário, mas, ; · ma vez que já são filho" de Deus, não ousamos excluí-los da nossa comunhão por esse motivo. Qual, então, é o significado de "um st, batismo" mencionado nessa passagem? Paulo lança luz sobre o assunto em sua primeira carta aos coríntios: "Está Cristo dividido'? Foi Paulo crucificado em favor de vós? Ou fostes batiza­dos em nome de Paulo?" (lCo 1:131. A ênfase não está na forma do batismo, mas no nome em que somos bati1,ados. A primeira questão

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78 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

não é se você foi batizado por aspersão ou imersão, mergulhado uma ou três vezes na água, batizado literal ou espiritualmente; o que importa é: em nome de quem você foi batizado? Se foi batizado em o nome do Senhor, essa é a sua qualíficação para ser membro da igreja. Se alguém é batizado em o nome do Senhor, eu lhe dou as boas vindas como meu irmão, não importando a maneira elo seu batismo. Dizendo isso não implicamos qzte não importa se somos batizados por aspersão ozt imersão, ou se nosso batismo é espiritual ou literal. A Palavra. de Deus ensina que o batismo é literal e por imersão, mas o ponto aqui é que o modo de batismo não é a base da nossa comunhão, e, sim, o nome em que somos batizados. Todos os que são batizados ern o nome do Senhor são um Nele.

7) UM só DEUS. Será que cremos no mesmo Deus pessoal e sobrenatural como nosso Pai? Se cremos, então pertencemos a uma só família, e não há motivo adequado para que sejamos divi­didos.

Os sete itens acima são os fatores dessa unidade divina que são a possessão de todos os membros da família divina, e constituem o único teste da confissão de mn cristão. São a possessão de todo e qualquer cristão verdadeiro, não importando o lugar ou a época a que pertença. Assim como um barbante de sete fios, a unidade do Espírito une todos os crentes no mundo todo; e não importa quão diversificado se.ia o caráter ou as circunstâncias, uma vez que ti:mham essas sete expressões de unidade interior, nada pode c",'pará-los.

Se impusermos condições de comunhão além desses sete itens, que são simplesmente o produto de uma vida espiritual, somos, então, culpados de sectarismo, pois fazemos divisão entre os que süo manifestos como filhos de Deus. Se aplicarmos um teste que não seja esses sete itens, tal como batismo por imer,-; io ou certas interpretações de profecia ou urna linha especial de Pnsinamento de santidade, ou uma assim chamada experiência pcntecostal, ou o desligamento de uma igreja denominacional, impum ,s condições que não são as estipuladas na Palavra de Deus. Todo,, os que têm esses sete itens em comum conosco são nossos irmãos, a despeito de sua experiência espiritual, visão doutrinária ou a assim cha­mada relação eclesiástica. Nossa unidade não se baseia em nosso

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apreço pela verdade da nossa unidade, nem em sair de tudo o que contradiga a nossa unidade, e, sim, no fato real de nossa unidade, que se tornou real em nossa experiência pelo Espírito de Deus que em nós habita.

IGREJAS LOCAIS

Ora, o que se aplica à Igreja universal aplica-se também à igreja local. A Igreja universal compreende todos os que têm a uni­dade do Espírito. A igreja local compreende todos os que, em certa localidade, têm a unidade do Espírito. A Igreja de Deus e as igre­jas de Deus não diferem em natureza; apenas em extensão. A primeira consiste em todos os que em todo o universo têm em si 0

Espí~·ito de Deus; as últimas consistem cm todos os que numa locahdade têm o Espfrito em si.

Todo o que deseja pertencer· a uma igreja em certa localidade, deve cumprir dois requisitos: ser filho de Deus e morar na locali­dade cm questão. Ser membro da Igreja de Deus é condicionado somente por ser filho de Deus, mas ser membro de uma igreja de Deus é condicionado, prímeiramente por ser filho de Deus e depois, por viver em certa localidade. '

Em natureza a Igreja é indivisível assim como o próprio Deus é

indivisível. Portanto, a divisão da Igreja em igrejas não é uma diuisã~ e.rn natureza, vida ou essência, mas somente em governo, organização e administração. Visto que a igreja terrenal é compos­ta. de vasto número de indivíduos, é indispem;áuel haver certa or1;anização. Fisicamente é impos.,iuel que todos os filhos de Deus, espalhados pelo mundo, i·ivam e reúnam-se num só lugar; e é ;su­mente por esse motivo que a Igreja de Deus foi dividida em igrejas.

. Tem~s de perceber claramente que a natureza de todas as igre­Jas locais é a mesma em todo o mundo. Não se trata de os constituintes ele uma igreja local serem de uma espécie e os de outra igreja local, de outra espécie. Em natureza não há diferença alguma. A única diferença está nas localidades que determinam os respectivos limites. A Igreja é indivisível; logo, em natureza as igrejas também o são. É apenas na esfera exterior que ha alguma possibilidade de riividi-las. As limitações físicas tornam inevitá,·8 í8

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as divisões geográficas, mas a unidade espiritual dos cristãos vence

todas as barreiras espaciais. . A localidade é a base divinamente designada para a divisão ela

Igreja, pois é a única divisão inevitável. Toda e qualquer ba~re~ra entre os que creem é evitável, exceto essa. Enquanto os cr1staos permanecem na carne não podem viver sem moradia; por isso as igrejas que consistem em tais cristãos não podem deixar de s:r restringidas pelas moradias deles. Distinções geográficas sao naturais, e não arbitrárias, e é apenas porque as limitações físicas dos filhos de Deus tornam inevitáveis as divisões geográficas, que Deus ordenou que a Sua Igreja fosse dividida em igrejas na base da localidade. Tal divisão é bíblica e todas as outras são carnais. Uma divisão dos filhos de Deus que não seja geográfica implica não ap,mas divisão de esfera, mas de natureza. A divisão local é a

única <fW< não toca a uida da Igreja. A ni:iioria dos cristãos está tão cega para a base bíblica de uma

igreja. i•,e se alguém perguntar: "A que igreja você pertence?", a pri­meirr1 :, leia que lhe vem à roente é a de uma linha específica de ensin. 11ncnto qne ele aprova, ou do grupo de pessoas com quem tem comunhão especial, ou de como o seu grupo de cristãos é diferente dos d1!mais, ou talvel o nome específico que o grupo tem, ou a forma de org-anização que adotaram; em suma, tudo menos o l1fgar onde mora. Poucos responderiam: "Eu pertenço à igreja em Efeso"; ou: "Eu pertenço à igreja em Xangai"; ou: "Eu pertenço a igreja em Los Angeles". É o fato de estarmos em Cristo que nos separa do mundo e é u fato de estarmos em uma localidade qLte nos separa dos demais cristãos. É só porque residimos em outro lugar que perten­cemos a outra ígreja. O único moLívo de eu não pertencei· à mesma igreja que os outros cristãos é que eu não moro no mesmo lugar que eles. Sr: desejo estar na mesma igreja, então tenho de mudar-me para o mesmo lugar. Se, por outro lado, desejo estar em outra igreja distinta dos demais cristãos da minha localidade, a única solução é mudar-me para outra localidade. A diferen\'.ª de localidade é a única justificativa para a divü,ào entre os cristãos.

SETE BASES UE DIVISÃO PROIBIDAS

no 1ado positivo já vimos a buse na. qual Deus ordenou que a

A BASE DA UNIÃO E DA DIVISÃO 81

Sua Igreja fosse dividida. Vejamos agora, do lado negativo, em que base a Igreja não pode ser dividida.

1) LfDERES ESPiRITUAIS. "Refiro-me ao fato de cada um de vós dizer: Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas, e eu, de Cristo'' OCo 1:12). Paulo aqui ressalta a carnalidade dos coríntios ao tentar dividir a igreja ele Deus em Corinto, que, pela ordenação divina, era indivisível, sendo já a menor unidade bíblica sobre a qual uma igreja podia ser estabelecida. Eles buscavam dividir a igreja com base em alguns líderes que foram especialmente usa­dos por Deus no meio deles. Cefas era ministro zeloso do evange­lho, Paulo sofrera muito por amor ao Senhor e Apolo fora usado por Deus em Seu serviço, porém, embora os três sem dúvida tives­sem estado nas mãos de Deus em Corinto, Deus jamais podia per­mitir que a igreja ali fizesse deles a base da divisão. Ele ordenou que a Sua Igreja fosse dividida com base cm localidades, e não em pessoas. Era correto haver a igreja em Corinto e a igreja em Éfeso, e muito correto haver as igrejas na Gálacia e várias na Macedónia, pois a diferença de localidade justificava a divisão em várias igre­jas. Também era correto que os cristãos esLimassem aqueles líde­res a quem Deus usara entre eles, mas era muito incorreto dividir as igrejas segundo os respectivos lídcrP.s de quem receberam ajuda.

Paulo, Cefas e Apolo eram servos sinceros de Deu.:i que não per­mitiam nenhum espírito faccioso que os separasse; eram os segui­dores deles que eram responsáveis pela separação. Adorar heróis é uma tendência da natureza humana, que se delicia cm mostrar preferência por quem de!>.perta nela simpatia. Visto que tantos filhos de Deus conhecem pouco ou nada do poder da cruz para lidar com a carne, essa tendência de adorar um homem sempre se expressou na Igreja de Deus e, consequentemente causou muita devastação. É da vontade de Deus que aprenda~os de homens espirituais e tenhamos proveito com a liderança deles, mas é total­mente contrário à vontade divina que tentemos dividir a Igreja segundo os homens que admiramos. A única base bíbliw para a formação de zuna igreja é a diferença. de localidade e não a dife­rença de líderes.

2) lNSTRU1tENTOS DE SA .. VAÇAO. Os líderes espirituais não são

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motivo correto para dividir a Igreja; os instrumentos usados por Deus em nossa salvação também não. Alguns coríntios diziam ser "de Cefas··, outros "de Paulo", outros "de Apolo". Eles ligavam o iní­cio de sua história espiritual a esses homens e assim pensavam pertencer a eles. É natural e comum que os salvos por meio de um obreiro, ou uma sociedade, considerem pertencer a esse obreiro ou sociedade. É igualmente natural e comum que um homem, ou mis­são, por cujos meios as pessoas foram salvas, considere que os salvos pertençam a eles. É natural, mas não espiritual. É comum, não obstante, porém, contrário à vontade de Deus. Que lástima que tantos servos de Deus ainda não tenham percebido que são servos da igreja local, e não mestres de uma "igreja" particular. As igrejas são diuididas com base na geografia, e não em instrumen­tos de salvaçào.

3) NAO SECTARISMO. Alguns crístãos pensam que sabem o que é melhor do que dü:cr: "Eu sou de Cefas"; ou: "Eu sou de Paulo"; ou: "Eu sou de Apolo". Eles dizem: "Eu sou de Cristo". Tais cristãos desprezam os outros, considerando-os facciosos e com base nisso iniciam outra comunidade. A atitude deles é: "Vocês são facciosos; eu não. Vocês são adoradores de heróis; nós adoramos somente no Senhor"'.

Mas a Palavra de Deus não apenas condena os que dizem: "Eu sou de Cefas", "Eu sou de Paulo" e "Eu sou de Apolo". Ela igual­mente denuncia definitiva e claramente os que dizem: "Eu sou de Cristo''. Não é l'rrado que nos consideremos somente de CrisLo; é correto e até essoncial. Nem é errado repudiar a.s divisões entre os filhos de Deus; é a! Lamente recomendável. Dem, não condena essa classe de cristãus por e:,;sas duas coisas; condena-os, isso sim, pelo próprio pecado que de;:; condenam nos outros: o sectarismo. Como protesto contra a divisfio entre os filhos de Deus, muitos crentes buscam dividir os que não dividem dos que dividem, e nem imagi­nam que eles mesmos causam divisão. A base da divisão deles talvez seja mais pl:-tusívcl do que a dos demais que dividem com base em diferern;:.;s doutrinárias ou preferêm.:ias pessoais por cer­tos líderes, mas o fato é que eles dividem os filhos de Deus. Mesmo enquanto repudiam as divisões cm outros lugares, eles mesmos sào divisivos.

A BASE DA UNIÃO E DA DIVISÃO 83

Quando você diz: "Eu sou de Cristo", você quer dizer que os outros não são? É perfeitamente legítimo dizer: "Eu sou de Cristo", se essa afirmação apenas implica a quem você pertence; mas se implica: "Eu não sou faccioso; minha posição é bem dife­rente. da de vocês, facciosos", então ela faz diferença entre você e os demais cristãos. A própria ideia de distinguir os filhos de Deus tem origem na natureza carnal do homem e é facciosa. Se vemos os demais cristãos como facciosos e nos consideramos não sectários, ou não facciosos, imediatamente fazemos diferença entre o povo de Deus e assim manifestamos espírito faccioso mesmo no ato de con, denar a divisão. Não importa por qne meios façamos distinção entre os membros da família de Deus (mesmo que seja pelo pre­texto do próprio Cristo) somos culpados de divisão no Corpo.

Que é correto, então? Exclusão é errada. Inclusão (de todos os filhos verdadeiros de Deus) é correta. As denominações não são bíblicas, e não podemos ter parte nelas, mas se adotarmos uma atitude de crítica e pensarmos: "Eles são denominacionais; eu não. Eles pertencem a facções; eu só pertenço a Cristo", essa diferencia­ção é definitivamente faccíosa.

Sim, eu louvo a Deus pois sou de Cristo, mas minha comunhãll não é apenas com os que dizem: "Eu sou de Cristo", mas com todos os que silo de Cristo. O que é de vital importância não é a confis­são, e, sim, o fato. Embora todos os demais cristãos digam que sào de Paulo ou de Cefas ou de Apolo, contudo o fato t', que são df;;? Cristo_ Não me importo muito com o que eles dizem, mas com o que süo. Não pergunto se são denominacionais ou nau denorninacio­uais, facciosos ou não faccimrns; apenas pergunto: "São de Cristo'?" Se :::ao, então são meus irmãos.

Nt)SSa posição pessoal deve ser não denominacional, mas a base de nossa comunhão não é o "não dcnominacionalismo". Nós mesmo:; deuemo~- ser nào facciosos, mas nào ousanws insistir no não sectarismo como condição de conumhao. Nossa única base de comunhão é Crísto. Nossa comunhão deve ser com todos os crentes em nossa localidade e não apenas com todos os crentes não -5ectá­rios na .localidade. Eles talvez façam diferenças denominacionais, mas nós não podemos fazer exigências não denominacionais. Não ousamos fazer diferença entre nós e eles só porque eles fazem

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diferença entre eles e outros. Eles são os filhos de Deus e não dei­xam de sê-lo só porque fazem distinções entre eles e 011tros filhos de Deus. O denominacionalismo ou sectarismo deles significará que limitações severas se impõem sobre o Senhor quanto ao Seu propósito e vontade para eles e significará que eles jamais passa­rão de certa medida de crescimento e plenitude espiritual. Pode haver bênção, mas nunca a plenitude do propósito divino_

Todos os cristãos que vivem numa localidade pertencem à mesma igreja. Esse é um princípio imutável. Não ousamos alterar a expressão "todos os cristãos numa localidade'' por "todos os cris­tãos não denominacionais numa localidade". Se fizermos do não denominacionalismo ou elo não sectarismo o limite da nossa igreja, em vez da localidade, perderemos a posição local de igreja e nos tornaremos uma facção. Não buscamos uma igreja denominacio­nal nem uma igreja intcrdenominacional nem uma igreja não denominacional, e, sim, uma igreja local. A diferença entre uma igreja local e uma igreja não denominacional é tão vasta quanto a diferença entre o céu e a terra. Uma igreja local é não denomina­cional, mas uma igreja não denominacional é denominacional. "A ign:!JU em Corinto" é bíblica, mas "a igreja de todos os que dizem 'Eu sou de Cristo' em Corinto" não é. Nossa obra é positiva e cons­trutiva, e não negativa e destrutiva. Queremos estabelecer igre­jos, e não destruir as denominações. A natureza humana tende a exti·emos; é fácil para nós ser não denominacionais e exigir o não denominacionalismo dos outros, ou tolerar o denominacionalismo nos outros e gradualmente tornar-nos "denomínacionais". Temos de ser não clenominacionais, mas não podemos exigir o não deno­minacionalismo do outros cristãos como base de nossa comunhão.

Portanto, se formos a um lugar onde Cristo não é invocado, devemos pregar n evangelho, ganhar pessoas para o Senhor e fun­dar uma igreja local. Se formos a um lugar onde já há cristãos, mas em várias bases eles se separaram em igrejas denominacio­nais, nossa tarefa é exatamente a mesma que no outro: pregar o evangelho, conduzir as pessoas ao Senhor e formá-las numa ig1·eja na base bíblica d;1 localidade. Devemos sempre manter uma ati­tude dr~ inclusividade e não de exclusividade, pai·n com os cristãos que estão nas vári.:is facções, pois, assím como W).S, eles são filhos

A BASE DA UNIÃO E DA DIVISÃO 85

de Deus e vivem na mesma localidade; portanto, pertencem à mesma igreja que nós. Quanto a nós, não podemos unir-nos a nenhuma facção ou permanecer em uma, poís a nossa ligação na igreja só pode ser na base local, mas quanto aos demais, não pode­mos fazer do abandono da facção uma condição para a nossa comunhão com os que estão numa facção. Isso fará do não denomi­nacionalismo a nossa base da igreja, em vez da localidade. Tenhamos clareza nisto: urna igreja não denominacional não é uma igreja local. Há uma diferença enorme entre as duas. Uma igreja local é não denominacional e é positiva e inclusiva; uma igreja não denominacional não é local e é negativa e exclusiva.

Tenhamos clareza quanto à nossa posição. Não vamos sair para estabelecer igrejas não denomínacionais, mas igrejas locais. Procuramos fazer uma obra positiva. Se os cristãos podem ser con­duzidos a ver o que é uma igr~ja local (a expressão do Corpo de Cristo numa localidade), cel'tamente não irão permanecer numa facção. Por outro lado, é possível que vejam todos os males do sec­tarismo, e os deixem, sem conhecer o que é uma igreja local. Temos de ajudar aqueles a quem Deus se agrada que ajudemos a enten­der claramente a verdade com respeito às igrejas locais e não dar ênfase à questão das denominações. Eles têm de perceber que sempre que usam o termo "nós" em relação aos filhos de Deus, têm de incluir todos m:: filhos de Deus e não apenas os que se reúnem com eles. Se, quando dizemos "nossos irmãos", não incluímos todos os filhos de Deus, mas apenas os que continuamente se 1·cúnem conosco, somos divisivos.

Não desculpo o sectarismo e não creio que devemos pertencer a nenhuma facção, mas não é nosso negócio fazer com que as pes­soas deixem as facções_ Se a nossa maior preocupação for conduzir as pessoas ao verdadeiro conhecimento do Senhor e do poder da Sua cruz, então elas alegremente abandonarão a si mesmas entre­gando-se a Ele e aprenderão a andar no Espírito, repudiando as coisas da carne. Descobriremos que não haverá necessidade de ressaltar a questão das denominações, pois o próprio Espírito as iluminará. Se um cristão não aprendeu o caminho da cruz e a andar no Espírito, que se ganha com a sua saída de uma facção?

4) DIFEREt-;ÇAS DOUTRINÁRIAS. Em grego, o vocábulo traduzido

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por !yeresias em Gálatas 5:20 [VRC] não necessariamente indica a ideia de erro, e, sim, de divisão com base em doutrina. A Tra~ução Brasileira usa o termo partidos; a Versão Atualizada de Almeida usa o termo facções; ao passo que Darby, em sua Nova 'l'radução, usa o termo schools of opinion (escolas de opinião). A ideia aqui não é de diferença entre verdade e erro, e, sim, de divisão com base em doutrina. Meu ensinamento pode ser correto ou mesmo errado, mas se eu faço dele causa de divisão, então sou culpado da "here­sia" mencionada aqui.

Deus proíbe qualquer divisão com base doutrinária. Alguns creem que o arrebatamento ocorrerá antes da tribulação; outros, que será após a tribulação. Alguns creem que todos os santos entrarão no reino; outros, que apenas parte deles entrará. Alguns creem que o batismo é por imersão; outros, que é por aspersão. Alguns creem que as manifestações sobrenaturais devem acompa­nhar o batismo do Espírito Santo, ao passo que outros não. Nenhum desses pontos de vista doutrinários constituem base bíblica para separar os filhos de Deus. Embora alguns possam ser corretos e outros errados, Deus não autoriza nenhuma divisão com base em diferença de tais crenças1. Se um grupo de cristãos divide-se de uma igreja local no seu zelo por certo ensinamento segundo a Palavra de Deus, a nova "igreja" que estabelecem pode ter mais ensinamento bíblico, mas jamais poderia ser uma igreja bíblica. Introduzir erro na igreja é carnal, mas dividir a igreja com base no erro também é carnal. É a carnalidade que tão frequen­temente destrói a unidade da igreja em todos os lugares.

Se desejamos manter a posição bíblica, temos de atentar a que as igrejas que fundamos nos vários lugares somente representem localidades e não doutrinas. Se nossa "igreja" não é separada de outros filhos de Deus apenas com base na localidade, mas se firma na propagação de certas doutrinas específicas, decididamente somos urna facção, não obstante quão verdadeiro segundo a Pala­vra de Deus seja o nosso ensinamento. O propó~ito de Deus é que uma igreja represente os filhos de Deus num;t localidade, e não

1 Não lidamos aquí com o fu11damentn da fé, as doutrinas essenciais das Pes­soas divinas, fé em Cristo, expiação, etc, mas questões subsequentes.

A BASE DA UNIÃO E DA DIVISÃO 87

uma verdade específica ali. Uma igreja de Deus num lugar com­preende todos os filhos de Deus naquele lugar e não apenas os que têm o mesmo ponto de vista doutrinário.

Se chegamos a certo lugar onde a igreja já foi estabelecida na base clara da localidade e descobrimos que seus membros têm pontos de vista que consideramos não bíblicos ou que consideram os nossos pontos de vista como não bíblicos e se nos recusamos a reconhecê-los como igreja de Deus nessa localidade e afastamo­-nos da comunhão, somos assim faccíosos. A questão não é se eles concordam com a nossa apresentação da verdade, e, sim, se estão na base clara da igreja.

Se nosso coração está firme em preservar o caráter local das igrejas de Deus, não podemos deixar de enfrentar problemas em nossa obra. A menos que a cruz opere poderosamente, haverá infin­dáveis possibilidades de atrito se incluirmos numa só igreja todos os cristãos numa localidade com todos os seus diversos pontos de vista. Como a carne gostaria de incluir apenas os que têm os mes­mos pontos de vista qne nós temos e excluir aqueles cujos pontos de vista diferem dos nossos! Associar-nos constante e intimamente com pessoas cuja interpretação das Escrituras não necessaria­mente corresponde à nossa é difícil para a carne, mas bom para o espírito. Deus não usa a divisão para resolver o problema; ele usa a cruz. Ele quer que nos submetamos à cruz, para que, mediante as próprias dificuldades da situação, a mansidão, a paciência e o amor de Cristo sejam profundamente trabalhados em nossa vida. Sob tais circunstâncias, .se não conhecermos a cruz, provavelmente discutiremos, perderemos a calma e, por fim, tomaremos nosso caminho. Podemos ter pontos de vista corretos, mas Deus nos dá oportunidade de exibir uma atitude correta; podemos crer corre­tamente, mas Deus nos põe à prova para ver se amamos correta­mente. É fácil ter a mente bem equipada de ensinamento bíblico e o coração carente de amor verdadeiro. Os que diferem de nós serão ns meios na mão de Deus para pôr à prova se temos experiência ·.~piritual ou somente conhecimento bíblico, se as verdades que

1>roclamamos são questão de vida ou mera teoria, Romanos 14 mostra-nos como lidar com os que têm pontos de

vista diferentes dos nossos. Que faríamos se em nossa igreja

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88 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

houvesse vegetarianos ou sabatístas? Talvez pensássemos ser q1.Íase intolerável que numa mesma igreja alguns guardassem o domingo e outros guardassem o sábado e alguns comessem carne livremente, enquanto outros fossem totalmente vegetarianos. Era exatamente essa a situação que Paulo enfrentava. Vejamos as con­clusões dele: "Acolhei o que é fraco na fé, mas não para julgar suas opiniões" (Rm 14:1). "Quem és tu que julgas o servo alheio? Para o seu próprio senhor ele está em pé ou cai; mas será mantido em pé, porque o Senhor é poderoso para mantê-lo em pé" (Rm 14:4). "Por­tanto, não nos julguemos mais uns aos outros; pelo contrário, determinai não pôr tropeço ou escândalo ao vosso irmão" (Rm 14:13). Oh! que tolerância cristã! Oh! que amplitude de coração! Que lástima, porém, que tantos filhos de Deus sejam tão zelosos de suas doutrinas de estimação que logo rotulem de hereges, e os tratem como tais, todos aqueles cuja interpretação bíblica difira da deles. Deus quer que andemos em amor para com todos os que têm pontos de vista contrários aos que nos são tão caro" CRm 14:15).

Isso não significa que todos os membros de uma igreja p, ,:,;sam ter os pontos de vista que quiserem, mas quer dizer, isso sim, que a solução do problema de diferenças doutrinárias não reside em for­mar partidos distintos segundo os diferentes pontos de vista que temos, e, sim, andar cm amor para com aqueles cuja perspectiva difere da nossa. Pelo ensino paciente podemos ainda ajudar todos a chegar "à unidade da fé" (Ef 4:13). Enquanto esperamos pacien­temente no Senhor, Ele pode conceder graça aos outros a fim de mudar o ponto de vísta deles ou pode conceder graça a nós para que vejamos que não :somos tão bons mestres como pensávamos ser. Nada põe à prova a espiritualidade de um mestre como a oposição ao seu ensinamento.

Os mestres devem aprender a humildade, bem como todos os demais. Quando reconhecerem sua posição no Corpo, saberão que a ninguém é dado determinar questões de doutrina. Eles têm de aprender a submeter-se aos que foram equipados por Deus para o ministério específico de ensinar ao Seu povo. Dons espirituais e experiência espiritual são necessários parn o ensino; por conse­guinte, nem todos podem ensinar.

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"Tornai plena a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tendo o mesmo amor, unidos de alma, pensando uma só coisa. Nada fazendo por ambição egoísta ou por vanglória, mas com uma mente humilde, cada um considerando os outros superio­res a si mesmo; não considerando cada um suas próprias virtudes mas também as virtudes dos outros" (Fp 2:2-4). Quando as igrejas firmarem no coração o que Paulo escreveu à igreja em Filipos, será perfeitamente possível ter apenas uma igreja em cada localidade sem atrito algum entTe os muitos membros.

5) DIFERENÇAS RACL-\IS. "Pois também em um só Espírito todos nós fomos batizados em um só Corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito" (lCo 12:13). Os judeus sempre tiveram o preconceito racial mais forte de todos os povos. Eles consideravam as outras nações impuras e era-lhes proibido até comer com elas; mas Paulo deixou muito claro, ao escrever aos coríntios, que na Igreja tanto judeus como gentios são um. Todas as distinções em Adão foram eliminadas em Cristo. Uma "igreja" mcial não é reconhecida na Palavra de Deus. Ser membro de uma igreja é determinado pelo lugar de residência e não pela raça.

Hoje, em grandes metrópoles do mundo, há igrejas para os brancos e igrejas para os negros, igrejas para os europeus e igrejas para os asiáticos. Isso teve origem em não conseguirem entender que o limite de uma igreja é a cidade. Deus não permite nenhuma divisão dos Seus filhos com base na diferença de cor, costume ou modo de vida. Não importa a que raça pertençam, se pertencem à mesma localidade, pertencem à mesma igreja. Deus pôs os cris­tãos de várias raças em uma só localidade, para que, transcen­dendo todas as diferenças externas, eles mostrem em uma só igreja a vida única e o Espírito único do Seu Filho. Tudo o que vem a nós por natureza é vencido pela graça. Tudo o que era nosso em Adão foi expulso em Cristo. Toda a questão depende disto: será que todas as diferenças carnais estão eliminadas em Cristo ou ainda há lugar para a carne na Igreja? Acaso nossos recursos em Cristo são suficientes para vencer todas as barreiras naturais? Lembremo-nos de que a igrcj a em uma localidade inclui todos os cristãos que vivem ali e excluem os que vivem em outros lugares.

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6) DIFERENÇAS NACIONAIS. Judeus e gentios representam dis­tinções nacionais bem como raciais, mas na Igreja de Deus ~ião há judeu nem grego. Não há distinção racial aqui; também não há dis­tinção nacional. Todos os cristãos que vivem num lugar, não importa qual seja a sua nacionalidade, pertencem à úníca igreja ali. Na esfera natural há diferença entre chineses, franceses, ingleses e americanos, mas na esfera espiritual, não. Se um cristão chinês vive em Nanquim, ele pertence à igreja em Nanquim. Se um cristão francês vive ern Nanquim, ele também pertence à igreja em Nan­quim. O mesmo é verdade em relação aos ingleses, americanos e todas as outras nacionalidades, desde que tenham nascido de novo. A Palavra de Deus reconhece a igTeja em Roma, a igreja em Éfeso e a igreja em Tessalônica, mas não reconhece a igreja judaica ou a igreja chinesa ou a igreja anglicana. A razão de o nome da cidade aparecer nas Escrituras ligado às igrejas de Deus é que Deus só reconhece uma diferença entre Seus filhos: a do lugar em que vivem. A vida deles é essencialmente uma e, por consl?guinte, indi­visível; todavia o lugar onde essa vida é vivida varia enquanto os filhos de Deus estão na carne.

Visto que as igrejas são todas locais, se um cristão (indepen­dentemente de sua nacionalidade) mudar-se de um lugar para outro, ele imediatamcnt.i se torna membro da igreja ali, e pc:rde a ligação com a igreja no lugar onde antes morava. Você nüo pode vfrcr num lugar e ser membro da igreja 1,m outro. Não há extra­territorialidade em relação às igrejas de Deus. Assim que você sai do limite da cidade, sai também do limite da igreja. Se um irmüo chinês se muda de Nanquim para Hankow, torna-se membro da igreja em Hankow. Do m8smo modo, um irmão inglês que vem de Londres para Hankow imediatamente torna-se membro da igreja em Hankow. IVIudança de residência necessariamente envolve mudança de igreja, ao passo que a naturalização não tem efrito algum nos membros de uma igreja.

Nossos cooperadores que foram da China para as Ilhas do Paci­fico Sul devem ter cuidado para não formar ali uma "igreja chinesa além-mar". É possível ter uma Câmara de Comércio Chi­nesa Além-Mar on uma Universidade Chinesa Ultramarina ou um Clube Chinês Trnnsmarino. Tudo o que você quiser pode ser

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"chinês ultramarino", exceto a igreja. A igreja é sempre local! Se você vai a uma cidade em terra estrangeira, ê natural que per­tença à igreja nessa cidade. Não existe nada chinês nas igTejas de Deus.

Quão glorioso seria se os salvos em toda e qualquer cidade pudessem desconsiderar todas as diferenças naturais e considerar apenas a sua unidade espiritual. "Somos irmãos em Cristo em tal lugar" é a confissão mais refinada que um grupo de cristãos pode fazer. Se Cristo está em você ou não determina se você pertence ou não à Igreja; o lugar onde vive determina a igreja específica a que você pertence. A pergunta que Demi faz ao mundo é: "Eles perten­cem a Cristo?" A pergunta que Ele faz aos cristãos é: "Onde eles moram?" Não é a nacionalidade, e, sim, a localidade que é questio­nada. As igrejas de Deus são edificadas no limite da cidade e não no limíte nacional.

O conceito comum de uma igreja nativa, bastante correto em alguns aspectos, é fundamentalmente errado do ponto de vista mais vital. Uma vez que o método divino de dividir a Igreja é segundo a localidade, e não a nacionalidade, toda diferenciação entre países cristãos e pagãos é contrária à ideia divina. A Igreja de Deus não conhece judeus ou gregos; portanto, desconhece igual­mente nativos ou estrangeiros, país pagão ou país cristão. As Escrituras fazem diferença entre cidades e não entre países, pagãos ou cristãos. Logo, se quisermos ser plenamente seg-undo a mente de Deus não podemos fazer diferença entre igreja eh ínPsa e estrangeira, entre obreiro chinês e estrangeiro e entre tu:1dos chineses e estrangeiros.

A ideia da igreja nativa é que os nativos de um país devem autogovernar~se, autosutcntar-se e autopropagar-se, ao passo que a ideia de Deus é que os cristãos numa cidade (quer nativos quer estrangeiros) dec,•rn autogovernar-se, autosustentar-sc e autupro­pagar-se. Veja, pflr exemplo, Pequim. A teoria da igreja nativa faz distinção entre chineses e estrangeiro::; em Pequim, ao passo que a Palavra de Deus faz distinção entre os cl'istâos em Pequim (quer chinese:-; quer e::;trangeiros) e os cristãos que vivem em outra cidade . .É por isso que, nas Escrituras, lemos das igrejas dos gen­tios, mas nunca da igreja dos gentios. A tentativa de agregar todos

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os_cristãos chineses numa igreja mostra carência de entendimento com relação à base divina de formação de igrejas.

Por um lado, não há igreja dos gentios nas Escrituras; por outro, lemos "a igreja dos tessalonicenses", no plural. É sugestivo que seja apenas uma expressão única usada no Novo Testamento. A Palavra não fala de a igreja dos gregos (raça ou nação), mas da igreja dos tessalonicenses (cidade). No pensamento de Deus não existe a igreja dos chineses, ~as há a igreja dos pequinescs. As Escrituras não conhecem a igreja dos franceses, mas a igreja dos parisienses. Uma clara compreensão da base divina da formação da igreja (segundo a diferença de cidades e não de países) irá sal­var-nos do conceito enôneo da igreja nativa ou nacional. Numa localidade não deve haver distinção alguma entre cristãos chine­ses e estrangeiros, entre obreiros chineses e estrangeiros ou entre dinheiro chinês ou estrangeiro.

7) DISTINÇÕES SOCIAIS. Nos dias de Paulo, do ponto de vista social, havia grande abismo entre um homem livre e um escravo; contudo, eles adoravam lado a lado na mesma igreja. Em nossos dias, se um cule que puxa um riquixá e o presidente da república pertencem a Cristo e vivem no mesmo lugar, ambos pertencem à mesma igreja. Pode haver uma missão para cules de riquixá.s, mas jamais pode haver uma igreja para cules de riquixás. Distinções sociaü, não são base adequada para formar uma igreja separada. Na Igreja de Deus ·'não pode haver escravo nem livre".

As Escrituras referem-se a pelo menos sete itens específicos que sfio proibidos por Deus como motivos para dividir a Sua Igreja. Na verdade, esses sP.te itens apenas prefiguram todos os outros motivos que a mente humana inventa para dividir a igreja de Deus. Os dois mil anos da história da Igreja são um registro de invenções humanas para dr~struir a unidade da Igreja.

OS VENCEDORES

A esfera da igreja é local L' a igreja local não eleve ser dividida por motivo nenhum. A pergunta que surge naturalmente é: se a vida espiritual de uma igreja local (não denominacional) é muito baixa, será que alguns dos ,n1c!mbros mais espirituais podem ajun­tar-se e formar outra assembleia? A resposta da Palavra de Deus é

A BASE DA UNIÃO E DA DIVISÃO 93

enfática: Não! A Palavra de Deus somente dá garantias de estabe­lecimento de igrejas na base local. Mesmo a carência de espiritua­lidade não é motivo adequado para dividir a igreja. Ainda que os métodos, o governo e a organização local estejam longe de ser ide­ais, isso ainda não é motivo para divisão. Mesmo ensinamento errado (exceto 2Jo 9) não dá base para os que têm mais conheci­mento formar uma igreja separada. Temos de firmar em nosso coração que a diferença de localidade é a única base para dividir a Igreja de Deus. Nenhuma outra é bíblica.

Os que vivem numa mesma localidade não podem deixar de pertencer à mesma igreja. Isso é algo do qual não há escapatória. Se não estou satisfeito com a igreja local, a única coisa a fazer é mudar de localidade; assim automaticamente mudo de igreja. Podemos sair de uma denominação, mas jamais podemos sair de llma igreja. Deixar um;:t facção é justificável, mas deixar uma igreja (quer por causa de falta de espiritualidade, quer por dou­trina errada, quer por má organização) é totalmente injustificável. Se você deixar a igreja local e formar uma assembleia separada, talvez tenha mais espiritualidade, ensinamento mais puro e governo melhor; mns você não tem uma igreja, e, sim, uma facção apenas.

Em Apocalipse 2 e 3, vemos sete igrejas em sete localidades. Somente duas não foram repreendidas, mas, na verdade, foram louvadas pelo Senhor. As outras cinco foram todas censuradas. Espiritua:mente elas estavam num estado triste. Eram igrejas fracas e derrotadas; mas ainda eram igrejas e não facções. Espiri­tualmente estavam erradas, mas posicionalmente estavam corre­tas; portanto, Deus somente ordenou que os que estavam nelas fossem vencedores. O Senhor não disse uma só palavra acerca de deixar a igreja. Uma igreja local é uma igreja que não se pode dei­xar; só há que permanecer nela. Se você é mais espiritual do que os demais membros, deve usar sua influência espiritual e autori­dade na oração para reavivar essa igreja. Se a igreja não reage, você só tem duas alternativas: ou ficar ali, preservando-se incon­taminado, ou mudar-se para outra cidade. Mas isso não se aplica a uma facção. É futilidade buscar, mediante aplicação errônea de~­ses dois capítulos, preservar cristãos ensinados pelo Espírito

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numa facção, pois as sete igrejas referidas ali são igrejas locais e não "igrejas" facciosas. Não importa quão fracas sejam~ ainda estão na base bíblica do Corpo na localidade. A Palavra de Deus jamais autorizou alguém a deixar a igreja. Todos os grupos de crentes que baseiam sua comunhão noutra base além da locali­dade são facções, embora se chamem igrejas. É correto deixar uma facção, mas nunca é correto deixar uma igreja local. Se deixá-la, você o fará sem a autoridade do Senhor e se tornará culpado do pecado de cisma no Corpo.

Que tragédia que alguns membros espirituais deixem uma i_greja local e formem outra assembleia, simplesmente porque os demais membros são fracos e imaturos. Os mais fortes devem per­manecer nessa igreja como vencedores, buscando ajudar os mais fracos e clamando pela situação ao Senhor. Oh! corno somos pro­pensos a desprezar os cristãos que consideramos inforiores a nós e como gostamos de nos associar com aqueles com quem temos afini­dade especial na comunhão. Orgulho de coração e desfrute egoísta de coisas espirituais fazem com que desconsideremos o fato de que uma igreja em certo lugar deve consistir em t.odos os filhos de Deus nesse lugar; assim estreitamos a comunhão cristã e fazemos sele(,'.:10 entre os filhos de Deus. Isso é sectarismo e magoa o coração do Senhor.

CAPÍTULO SEIS

A OBRA E AS IGREJAS

OS APÓSTOLOS E AS IGREJAS

Com relação à Igreja universal, Deus primeiramente a trouxe à existência e a seguir estabeleceu apóstolos para ministrar a ela {lCo 12;28); mas, com relação às igrejas locais, a ordem é invei:sa. O estabelecimento dos apóstolos precedeu a fundação <las igrejas. O Senhor primeiramente comissionou os doze apóstolos e depois a igreja em Jerusalém veio a existir. O Espírito Santo primeira­mente chamou dois apóstolos (Paulo e Bam~bé) para a obra e depois várias igrejas brotaram em muitos lugares. Portanto está claro que o minis tório apostólico precede a existência das igrejas locais e, consequentemente, é óbvio que a obra dos apóstolos não pertence às igrejas locais.

Como já observamos, o Espírito Santo disSti: "Separai-Me agora Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado". O serviço que acompanhou a separação dos apóstolos, que geral­mente chamamos de campauhas missionárias, o Espírito Santo chamou de "a obra". "A obra" era o objetivo do chamamento do Espírito e tudo o que foi realizado por Paulo e seus companheiros nos dias e ano.s que se seguiram, tudo pelo qual eles eram respon­sáveis, estava incluído em um só termo; a obra (esse termo é usado num sentido específico neste livro e relaciona-se a tudo o que se inclui nos esforços missionários dos apóstolos).

Visto que as igrejas são o resultado da obra, certamente não podem incltúr a obra. Se quisermos entender a mente de Deus acerca da Sua obra, temos de fazer clara diferença entre a obra e as igrejas. São coisas bem distintas nas Escrituras e temos de evi­tar confundi-las; doutro modo, cometeremos sérios erros e a

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96 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

realização dos propósitos divinos sofrerá impedimento. O vocá­buÍo "ígrejas" aparece sempre nas Escrituras, portanto. é fácil entender o seu significado e conteúdo, mas o termo "obra", no sen­tido específico empregado aqui, não é tão frequente e, como resultado, prestamos pouca atenção a esse termo. 11-Ias o Espírito usou a expressão de maneira inclusiva para abordar tudo o que se relaciona com o propósito do chamamento apostólico. Vamos, então, ater-nos ao termo que o Espírito escolheu empregar.

Já foi repetido várias vezes, mas vamos ressaltar novamente, que as igrejas são locais e nada fora da localidade deve interferir nelas, nem elas devem interferir em coisas além da sua esfera. Os assuntos da igreja devem ser administrados pelos irmãos locais que, por causa de sua maturidade espiritual em comparação aos demais, são designados presbíteros. Visto que a obra dos apóstolos é pregar o evangelho e fundar igTejas e não assumir responsabili­dades nas igrejas já estabelecidas, o ofício deles não é um ofício da igreja. Se vão realizar a obra onde não há igreja, devem procurar estabelecer uma igreja pela pregação do evangelho; mas, se já existe, a obra deles deve ser distinta dela. Na vontade de Deus "a igreja" e "a obra" seguem linhas distintas.

A obra pertence aos apóstolos, ao passo que as igrejas perten­cem aos cristãos locais. Os apóstolos são responsáveis pela obra em qualquer lugar e a igreja é responsável por todos os filhos de Deus na localidade. Quanto à comunhão da igreja, os apóstolos consideram-se irmãos de todos os que creem em determinada cidade, mas no que tange à obra, eles se consideram i:1divíduos e mantêm distínção entre eles e a igreja. Como membro,; do Corpo, reúnem-se com todos os membros numa localidade, com vistas à edificação mútua; mas como membros que ministram no Corpo, o ministério específico deles faz deles um grupo de obreiros separa­dos da igreja. É errado que os apóstolos interfiram nos assuntos da ígreja, mas é igualmente errado que a igreja interfira nos assuntos da obra. Os apóstolos administram a obra; os presbíteros administram a igreja. Por conseguinte, devemos ter c1areza acerca do nosso chamamento. Deus nos chamou para ser presbíteros ou apóstolos? Se somos presbíteros, nossa responsabilidade é confinada aos assuntos locais; se somos apóstolos, nossa responsabilidade é

A OBRA E AS IGREJAS 97

extralocal. Se somos presbíteros, nossa esfera é a igreja; se somos apóstolos, nossa esfera está além da igreja, na obra.

O motivo de Deus chamar apóstolos e confiar-lhes a obra é que Ele deseja preservar o caráter local da igreja. Se uma igreja exerce controle sobre a obra em outra localidade, imediatamente torna-se extralocal e assim perde sua característica específica de igreja. A responsabilidade da obra em vários lugares é entregue aos apósto­los, cujo âmbito expande-se para a]ém da localidade. A responsabi­lidade da igreja é entregue aos presbíteros, cuja esfera é limítada à localidade. Um presbítero efésio é presbítero em Éfeso, mas deixa de ser presbítero quando vai a Filipos e vice-versa. O presbi­terato limita-se à localidade. Quando Paulo estava em Mileto desejava ver os membros representantes da igreja em Éfeso'. assim mandou chamar os presbíteros efésios. Mas não pediu que o apóstolo efésio fosse ter con. ele, pela simples razão de que não havia tal pessoa. Os apóstolos pertencem a lugares diferentes e não apenas a um lugar; já a esfera dos presbíteros é estritamente local e, por essa razão, eles não têm responsabilidade oficial que ultrapasse o lugar onde moram. Sempre que a igreja tenta contro­lar a obra, a igreja perde seu caráter local. Sempre que um após­tolo tenta controlar uma igreja, ele perde seu caráter extralocal. Já surgiu muita confusão por se perder de vista a linha demarca­tória entre as igrejns e a obra.

RESPONSABILIDADE: ESPIRITUAL E OFICIAL

Assim como os apóstolos têm responsabilidade espiritual, mas não oficial, coro relação à igreja, assim também os presbíteros, bem como a igreja toda, têm responsabilidade espiritual, mas não oficial, com relação à obra. É recomendável que uma igreja local busque auxiliar a obra; mas não tem obrigação oficial de f.nê-lo. Se os membros da igreja são espirituais, não podem deixar de con­:;iderar a obra de Deus como se fosse deles e nesse caso considera­rão motivo de alegria auxiliar de algum modo. Eles reconhecerão que, enquanto a responsabilidade oficial da obra repousa nos ombros dos apóstolos, a responsabilidade espiritual é comparti­lhada por todos os filhos dP. Deus e, consequentemente, por eles. Há enorme diferença entre responsabilidade espiritual e oficial. No que

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tange à responsabilidade oficial, há certas obrigações dete1·mjna­das e é um erro deixar de realizá-las. Porém, no que tange à responsabilidade espiritual, não há obrigações legais. Portanto, negligenciar uma responsabilidade não constitui deficiência ofi­cial, e, sim, baixo estado espiritual. Do ponto de vista oficial, ares­ponsabilidade da obra repousa sobre os apóstolos. Se eles carecem. da ajuda necessária, não podem exigi-la; mas se a igreja é espiri­tual, seus membros verão o significado do Corpo e de bom grado darão assistência à obra e ofertarão para ela. Se a igreja fracassa na responsabilidade espilitual, os apóstolos talvez tenham dificul­dades que não de~eriam ter e a igreja sofrerá espiritualmente. Por outro lado, a responsabilidade da igreja repousa oficialmente sobre os presbíteros; desse modo, os apóstolos não devem tomar sobre si a responsabilidade de fazer coisa alguma ali. Eles podem, e devem, prestar assistência à igreja aconselhando e exortando. Se os crentes locais são espirituais, estarão dispostos a receber tal ajuda; mas se não forem espirituais e, cm consequência, rejeita­rem a ajuda que os apóstolos oferecem, a falha deles será espiri­tual e não oficial, e os apóstolos não terão opção senão deixá-los aos próprios recursos. A igreja não entra na esfera da obra; por­tanto, está fora da esfera da autoridade da obra. Varnos repetir: as igrejas são lor:ais, intensamente locais; a, obra é extralocal, e sem­pre extralocal.

REPRESENTANTES DO MINISTÉRIO DO CORPO: INDIVÍDUOS, E NÃO IGREJAS

Há uma razão divina definitiva para que a obra seja confiada a apóstolos individualmente e não a igrejas locais; todavia, antes de entrar nessa questão, examinemos a diferença fundamental entre as atividades de uma igreja como um corpo e as atividades de um irmão como indivíduo. Talvez seja correto que um irmão (ou vários) abra um negócio, mas seria totalmente errado que uma igreja o fizesse. Talvez esteja em perfeita ordem que um ou mais irmãos abram um restaurante, ou hotel, mas não que uma igreja o faça. O que talvez seja perfeitamente permitido no caso de irmãos, como indivíduos, não é necessariamente permitido no caso de uma igreja, como entidade. O negócio das igrejas consiste no cuidado

A OBRA E AS IGREJAS 99

mütuo dos membros, como a conduta das reuniões para partir o pão, para o exercício dos dons espirituais, para o estudo da Pala­-vra, para oração, para comunhão e para a pregação do evangelho. A obra está além da esfera de uma igreja como um corpo coletivo; é responsabilidade de indivíduos, embora não individualmente.

Não há precedente bíblico para que uma obra seja empreen­dida por uma igreja, como, por exemplo, hospitais, escolas ou mesmo algo no plano mais definitivamente espiritual, como mis­sões estrangeiras. Está perfeitamente em ordem que um ou mais membros de uma igreja tenham um hospital, ou escola, ou sejam responsáveis por uma missão, mas não qLte uma igreja como um todo tenha tais empreendimentos. Uma igreja existe para o fim do cuidado mútuo em um lugar e não com o fim de ter responsabili­dade pela obra em vários lugares. De acordo com a Palavra de Deus, toda a obra é assunto pessoal de irmãos individualmente chamados e comissionados por Deus, como membros do Corpo e não da igreja como um corpo. É sempre uma ou mais pessoas que .:1.ssumero a responsabilidade da obra.

O ponto importante que devemos notar é que o Corpo de Cristo em seu aspecto ministerial não é representado pelas igrejas locais, e, sim, por pessoas que são dons dados por Deus à Sua Igreja. Uma igreja local não foi escolhida por Deus para representar o Corpo no <Jual se tem em vista o ministério. Quando Deus quer que um representante do Corpo expresse o ministério do Corpo, Ele esco­lhe certas pessoas, que são membros ativos, para representar esse Corpo. Esse assunto todo fica claro na última parte de 1 Coríntios 12.

O pensamento de Deus nunca foi de que a Sua obra fosse feita em outra base que não a do Corpo, pois é, na verdade, o funciona­mento natural do Corpo de Cristo. É a atividade, sob a direção da Cabeça, dos membros que têm faculdades especiais. Já ressalta­mos que a igreja local representa o Corpo no seu aspecto vital e os membros ativos representam o Corpo no seu aspecto ministerial. A igreja local é chamada a manifestar não tanto o serviço, mas a vida do Corpo, ao passo que os apóstolos, profetas e mestres, como tais, sào chamados a manifestar não tanto a vida, e, sim, o serviço do Corpo. É por isso que Deus não confiou a obra a uma igreja local

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como um corpo, e, sim, a pessoas. Mas são as pessoas, e não a igreja, que representam o Corpo, se elas forem membros .ativos do Corpo.

Portanto, descobrimos que os dois apóstolos que saíram de Antioquia não foram enviados para a obra por toda a igreja, mas por vários ministros na igreja, pois, no que diz respeito ao serviço e à obra, são os ministros na igreja e não a igreja que representam 0

Corpo. Desse modo, a obra é responsabilidade de indivíduos que são chamados e comissionados por Deus e não de toda a igreja.

Que fique bem claro que por indivíduos não queremos dizer pessoas individuais, e, sim, membros operantes que representam o Corpo. Deus jamais aprovou que alguém assumisse uma linha individualista em Sua obra. Independência, sem a devida coorde­nação com os membros do Corpo, jamais foi a maneira divina de trabalhar. Nunca é demais acentuar esse fato; nem é demais res­saltar que, cm Sua obra, Deus usa indivíduos e não jgrejas locais, para representar o Corpo. Portanto, embora seja a obra de respon­sabilidade de indivíduos, não é o negócio de qualquer indivíduo que queira assumi-la, mas somente dos que são chamados e envia­dos por Deus e são equipados com dons espirituais para a tarefa. Somente os que representam o ministério do Corpo é que podem a8sumir a responsabilidade oficial da obra. A obra é empreendida por indivíduos, porém somente pelos que r:epresentam o Corpo no seu aspecto ministerial, pois são eles, e não a igreja toda, os res­ponsáveis por ela. Não são pessoas individualistas que assumem a obra, mas indivíduos como representantes d.o Corpo de Cristo.

Se nossa obra é a de um apóstolo, deve ser claramente distin­guida da igreja local. Talvez pareça sem importância para alguns que se faça distinção entre a obra e a igreja. Talvez pensem que não há consequências se a responsabilidade da obra está nas mãos de membros individuais, e não da igreja toda, e que os apóstolos são responsáveis sumente pela obra, e não pela igreja; mas o prin­cípio é bíblico, e seu resultado, é de grande importância e tem tremenda eficácia, como ver·emos a seguir.

"NA SUA PRÓPRIA CASA ALUGADAn

A igreja em Roma é uma boa ilustração do que acabamos de

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dizer. Antes de visitar Roma, Paulo escrevera à igreja ali expres­sando interesse em vê-los (Rm 1:10-11). Pela sua carta é óbvio que a igreja fora estabelecida em Roma antes da chegada dele. Quando ele de fato foi a Roma, a igTeja ali não lhe transmitiu a responsabi­lidade local, nem disseram (como uma igreja hoje provavelmente diria): ''Agoru que um apóstolo veio ao nosso meio, ele deve assu­mir a responsabilidade e ser o nosso pastor". Antes, encontramos este trecho espantoso na Palavra: "E permaneceu dois anos intei­ros na sua própria casa alugada, e acolhia a todos os que vinham ter com ele, proclamando o reino de Deus e ensinando as coisas concernentes ao Senho1· Jesus Cristo com toda a intrepidez sem impedimento algum" (At 28:30-31). Por que Paulo vivia "na sua própria casa alugada", e ali proclamava e ensinava, e não na igreja em Roma já existente? Alguns sugerem que, por ser prisioneíro, ele não teria permissão de ir às reuniões da igreja; mas teria havido pouca diferença entre ir às reuniões da igreja e ter reu­niões em casa. Se ele teve permissão de alugar uma casa e proclamar e ensinar ali, por que não teria permissão de proclamar e ensinar em conexão com a igreja? Além do mais, precisamos lem­brar-nos que a Palavra não diz o motivo de Paulo ter alugado uma casa e ter proclamado e ensinado ali; somente menciona o fato. O fato é que ele alugou uma casa e proclamou e ensinou alí, e esse fato nos basta. É o suficiente para ter uma orientação. Além disso, Deus deixou claro que Paulo não tinha necessidade de fazer is..;o. Não havia pressão alguma sobre ele, pois ele agia ''eom toda a intrepidez, sem impedimento algum".

Eutão, qual é o sentido da casa que Paulo alugou? Temos de nos lembrar que as Escrituras economizam palavras e temos de perce­ber que nem a ocorrência nem o registro dela foi acidental. Não há a menor possibilidade de haver acontecimentos ao acaso ou regis­tros sem importância na Palavra de Deus. Tudo o qm: está escrito nela está escrito para aprendermos, e mesmo um comentário apa­rentemente for~uito pode desvendar uma lição preciosa. Além disso, trata-se do livro dos Atos dos Apóstolos, que agiam sob a ori­entação direta do Espírito Santo, portanto o registro em questão também é um dos atos elos apóstolos, e, desse modo, não é um acon­tecimento ao acaso, mas um ato sob a direção do Espírito Santo.

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Aqui, em duas frases breves, temos um princípio importante, a saber, que a obra apostólica e a igreja local são distint~s. Uma igreja já fora estabelecida em Roma; portanto, os membros tinham pelo menos um lugar para se reunir, mas não exigiram que Paulo assumisse o controle da igreja local, nem tornaram o local de reu­niões deles o centro da obra de Paulo. Paulo tinha a própria obra na própria casa, que alugara, à parte da igreja e à parte do local de reuniões deles, e não assumiu a responsabilidade dos assuntos da igreja local.

Todo apóstolo deve aprender a viver "na sua própria casa" alu­gada e trabalhar nela como seu centro, deixando a responsabili­dade da igreja local com os irmãos locais1. A obra de Deus pertence aos obreiros, mas a igreja de Deus pertence à localidade. Uma obra em certo lugar é apenas temporária, mas uma igreja em certo lugar é sempre permanento. A obra pode mudar-se; a igreja é fixa. Qtiando Deus indica que um apóstolo deve mudar-se, sua obra muda-se com ele, mas a igreja permanece.

Quando Paulo pensou em deixar Corint.o, o Senhor mostrou-lhe que tinha mais coisas para que ele ministrasse na cidade, assim ele ficou ali dezoito meses; não permanentemente. Quando deixou Corinto, sua obra também deixou, mas a igreja em Corinto conti­nuou, embora os frutos da sua obra ficassem na igreja. A igreja não deve ser influenciada pelos movimentos dos obreiros. Quer estejam presentes ou ausentes, a igreja deve avançar firmemente. Cada obreiro de Deus deve ter urna linha divisória bem clara entre a sua obra e a igreja no lugar onde ele trabalha.

A obra dos apóstolos e a da igreja local correm paralelas; não convergem. Quando os apóstolos trabalham num lugar, a obra deles segue em paralelo com a o;!ra da igreja. As duas nunca coin­eidem, nem pode uma substituir n outra. Ao deixar um lugar, um apóstolo deve entregar à igreja local todos os frutos de sua obra. Não é a vontade de Deus que a obra de um apóstolo substitua a obra da igreja, ou seja identificada com ela de alguma forma.

O princípio de Paulo viver em ::>na casa alugada mostra claramente

1 Nota: Isso não sígnifica que mn ilpóstolo não irá a uma igreja local para ministrar. Ver páginas 198-199.

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que a obra da igreja não é afetada pela presença ou ausência dos apóstolos. Após a chegada de Paulo a Roma, a obra da igreja se­guiu como antes, independentemente dele. Visto que era indepen­dente dele quer em sua origem quer em sua continuidade, não seria afetada pela sua partida. Obra é obra, e igreja é igreja, e essas duas linhas jamais convergem; antes, correm em paralelo uma à outra.

Suponha que nós vamos para Kweiyang a fim de fazer a obra; qual deve ser nosso procedimento? Ao chegar ali devemos ir para um hotel ou alugar uma sala e começar a pregar o evangelho. Quando os homens forem salvos, que devemos fazer? Devemos encorajá-los a ler a Bíblia, orar, ofertar, dar testemunho e reunir­-se para ter comunhão e ministrar a palavra. Um dos erros trági­cos dos últimos cem anos das missões estrangeiras na China (que Deus tenha misericórdia de mim se eu disser algo errado!) é que após um obreiro conduzir pessoas a Cristo, ele preparava um lugar e as convidava para reunir-se ali, em vez de encorajá-las a reunir-se por elas mesmas. Houve muito esforço para encorajar os recém-convertidos a ler a Palavra por si sós, orar por si sós, dar testemunho por si sós, mas nunca a reunir-se por si sós. Os obreiros jamais pensam em ler, orar e dar testemunho por eles, mas não veem mal algum em arranjar reuniões por eles. Precisamos mos­trar aos recém-convertidos que tarefas como ler, orar, testemu­nhar, ofertar e reunir-se são os requisitos mínimos dos cristãos. Devemos ensinar-lhes a ter suas próprias reuniões no próprio local de reuníões. Digamos a eles: ''Assim como não podemos ler a Bíblia, orar ou testemunhar por vocês, também não podemos assu­mir a responsabilidade de preparar um local de reuniões para vocês e dirigir as suas reuniões. Vocês devem buscar um local ade­quado e conduzir as próprias reuniões. As suas reuniões são res­ponsabilidade de vocês e as suas reuniões regulares são uma das suas principais tarefas e privilégios".

Muitos obreiros consideram as suas reuniões e as da igreja como uma coisa só; mas não são (ver capítulo nove). Portanto, assim que algumas pessoas creem e são salvas, temos de ins­truí-las a assumir plena responsabilidade pela leitura, oração e testemunho, em caráter pessoal, bem como pelas reuniões públi­cas da igreja.

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Quanto a nós, enquanto prosseguimos na obra e a mantemos distinta da obra da igreja, devemos ir e ter comunhão. com os irmãos nas reuniões locais deles. Devemos ir e partir o pão corn eles, juntar-nos a eles no exercício dos dons espirituais e tomar parte nas reuniões de oração deles. Quando não há uma igreja eru certo lugar a que Deus nos enviou, somos apenas obreiros ali, mas assim que haja uma igreja local, somos irmãos e também obreiros. Na qualidade de obreiros não podemos assumir nenhuma respon­sabilidade na igreja local, mas na qualidade de irmãos locais, vamos e nos reunimos com todos os membros da igreja como mem­bros juntamente com eles.

Assim que houver uma igreja local no lugar em que laboramos, automaticamente tornamo-nos membros. Eis aqui um ponto im­portante a observar no relacionamento entre a igreja e a obra: um obreiro deve deixar que os cristãos iniciem e conduzam suas pró­prias reuniões no próprio local de reuniões, e então deve ir a eles e tomar parte nas reuniões deles, e não pedir-lhes que vão a ele e tomem parte nas reuniões dele. Doutra forma, ficaremos estabele­cidos num 1 ugar e mudaremos nosso ofício de apóstolo para pastor; então, quando por fim sairmos dali, teremos de conseguir um sucessor para levar a cabo a obra da igreja. Se mantivermos "igreja" e "obra" em paralelo e não deixarmos as duas linhas con­vergirem, descobriremos que não serú preciso fazer ajustes na igreja quando partirmos, pois ela não terá perdido um "pastor", e, sim, apenas um irmão. A menos que façamos clara diferença na mente entre a igreja e a obra, iremos misturar as duas; haverá confusão nas duas direções 1:, u crescimento de ambas será impe­dido.

''Governo próprio, sustento próprio e propagação própria" tem sid,J o lema de muitos obreiros por muitos anos. A necessidade de lidar com essas questões surgiu por causa da confusão entre a igreja e a obra. Numa missé~u, quando as pessoas são salvas, os missionários preparam um salão para elas, arranjam reuniões de ora(,:ão e cursos bíblicos, e alguns até administram os negócios bem como os assuntos espirituais da igreja. A missão faz a obra da igreja local! Portanto, não é surpresa que, à medida que o tempo passa, surjam problemas com relação ao governo próprio, sustento

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próprio e propagação própria.Na própria natureza das coisas, tais problemas jamais seriam levados em consideração se os princípios a nós mostrados na Palavra de Deus fossem mantidos desde o início.

A todo aquele que se interessa em ser cristão deve ser ensinado desde o início quais são as implicações. Os cristãos devem orar por si sós, estudar a Bíblia por si sós e reunir-se por si sós e não apenas ir a um local de reuniões preparado por outro~ e sentar-se ali para ouvir a pregação dos outros. Ir a urna missão para ouvir a Palavra não é a reunião bíblica, pois está nas mãos de um missionário ou de uma missão e não nas mãos da igreja local. É uma mistura da obra com a igreja. Se desde o início os cristãos aprenderem a reu­nir-se segundo as Escrituras, muitos problemas serão evitados.

OS RESULTADOS DA OBRA

Quando um servo de Deus chega a um novo lugar, sua primeira tarefa é fundar uma igreja local, a menos que já haja uma ali. Nesse caso, sua única preocupação deve ser ajudar a igreja. O único alvo da obra num lugar é a edificação da igreja ali. Todos os frutos do labor do obreiro devem ir para o aumento da igreja. A obra em um lugar só existe para a igreja e não para si mesma. A meta do apóstolo é edificar a igreja e não a sua obra ou um grupo de pessoas que o tenham enviado.

Onde reside a falha das missões hoje? Elas retêm os resultados da sua obra nas próprias mãos. Em outras palavras, consideram os seus convertídos como membros da sua missa.o ou da igreja da sua missão, em vez de formar com eles uma igreja local 01.1

entregá-los aos cuidados da igreja local. O resultado é que a mis­são se expande sobremaneira e se torna uma organização imposi­tiva, mas as igrejas locais raramente são fundadas. E por não haver igrejas locais, a missão tem de enviar obreiros a vários luga­res como "pastores" dos grupos de cristãos. Assim a igreja não é a igreja e a obra não é a obra, mas ambas são uma miscelânea das duas. Parece não haver garantia bíblica para a formação de missões a partir de um grupo de obreiros; embora não seja definitivamente antibíblico considerar uma missão como companhia apostólica, o

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fa~o de as missões ampliarem a própria organização em vez de estabelecerem igrejas locais distintamente é antibíblico.

DUAS LINHAS DE TRABALHO

Um apóstolo deve ir e trabalhar em certo lugar se urna igreja local o convida ou se ele mesmo recebeu revelação do Senhor para fazê-lo. Neste caso, se há uma igreja no lugar, ele pode escrever notificando os irmãos da sua ida, assim como Paulo notificou as igrejas em Corinto e em Roma. Estas são as duas linhas que regu­lam a obra de um apóstolo: ele deve ter a revelação direta da vontade de Deus ou a revelação indireta mediante o convite de uma igreja.

Aonde quer que um apóstolo vá, ele deve aprender a assumir a própria responsabilidade, tendo a própria casa alugada. Pode ser correto trabalhar num lugar, vivendo corno convidado da igreja local, mas não está correto impor-se aos santos ali tirando vanta­~em da hospitalidade deles por muito tempo. Se um obreiro espera ficar muito tempo num lugar, deve tm o próprio centro da obra e não somente deve assumir as próprias responsabilidades pessoais corno também todas as que dizem respeito à obTa. Uma igreja local deve ass1.1mir a responsabilidade total ela obra dela e o obreiro a da dele. A igreja como tal não pode ser envolvida em nenhuma despesa financeira relacionada com a obra; somente o obreiro deve arcar com as despesas devidas e tem de aprender desde o início do seu ministério a esperar no Senhor pelo suprimento de suas neces­;mlades. Naturalmente, se uma igreja é espiritual, seus membros reconhecerão a responsabílidade espiritual que lhes cabe e estarão di;;postos a assistir materialmente a obra de Deus para que ela prossiga. O obreiro, porém, não deve tomar isso por certo; deve, antes, arcar com todo o encargo financeiro, para que seja manifes­tado que a igr~ja e a obra são absolutamente distintas. . ~uando um apóstolo chega a um lugar onde já existe uma igre1a local, ele jamai~ !eve esquecer-se que sobre eh, não recai nenhuma autoridade 1u igreja. Se desejar trabalhar num lugar onde a igreja local não deseja que ele trabalhe, tudo o que ele pode fazer é ir a outro lugar. A igreja tem plena autoridade de receber ou rejeitar um obreiro. Mesmo que o obreiro em questão tenha

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sido usado por Deus para fundar a igreja que o rejeita, ele não pode reivindicar nenhuma autoridade na igreja por isso.

Caso ele saiba inequivocadamente que Deus o enviou a traba­lhar nesse lugar, contudo, a igreja ali se recusa a dar-lhe as boas vindas, se ela persistir nessa atitude, então ele deve obedecer à ordem de Deus e ir e trabalhar ali a despeito da igreja. Todavia não deve reunir ao redor de si os que crerem nem formar de modo algum uma igreja distinta. Só pode haver uma igreja em um lugar. Se ele formar um grupo distinto de cristãos onde já há uma igrnja local, formará uma facção e não uma igreja. Igrejas são fundadas na base da localidade e não na base de receber certo apóstolo. Mesmo se a igreja local recusar-se a recebê-lo, e sua obra tiver sido feita sem a simpatia e cooperação dela ou mesmo com a oposição dela, ainda assim todos os resultados dos labores dele têm de ser para o beneficio da igreja ali. A despeito da atitude dela para com o apóstolo pessoalmente, todo o fruto dos labores dele devem con­tribufr para a igreja. O único objetivo de toda obra para Deus é o aumento e edificação das igrejas locais. Se elas dão as boas vindas ao obreiro, o resultado dos labores dele vai para elas; se elas o rejeitam, o resultado vai para elas da mesma forma.

Devemos ter experiência espiritual mais profunda e luz espiri­tual mais clara se queremos ser obreiros aceitáveis a Deus e à Sua Igreja. Se queremos vencer as dificuldades, devemos aprender a vencer pela espiritualidade e não pela autoridade oficial. Se somos espirituais, iremos submeteT-nos à autoridade das igrejas locais. É a falta de submissão da parte dos servos de Deus que é responsável por formar tantas facções. Muitas ditas igrejas foram estabelecidas, porque os obreiros foram rejeítados pelas igrejas e ajuntaram ao redor de si gTupos de pessoa,-;, que os sustentam e as doutrinas que eles ensinam. Esse procedimento é faccioso.

Se somos, de fato, conduzidos por Deus, certamente podemos confiar que Ele nos abrirá ª"' portas. Se 1.una igreja nos recebe, devemos louvá-Lo; se não, esperemos confianternente Nele para que Ele destranque as portas. Muitos servos de Deus confiam que Ele lhes abra as verdades espirituais, mas não conseguem confiar que Ele lhes abra as portas para a receptividade dessas verdades. Eles têm fé para crer que Deus lhes dará luz, mas não para crer

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que Ele também os suprirá de chaves para abrir o coração dos hómcns para a luz que Ele lhes deu. Assim eles lançam mão de métodos humanos e a consequência é muita divisão entre os filhos de Deus. Se o próprio Deus não remove os obstáculos em nossas circunstâncias, devemos calmamente ficar onde estamos e não lançar mão de meios naturais, que certamente devastarão a Igreja de Deus.

OS MINISTÉRIOS ESPECÍFICOS DA PALAVRA

Todos os servos de Deus estão envolvidos no ministério da edi. ficação do Corpo de Cristo, mas isso não resulta que, uma vez que todos estejam no ministério da Palavra, todos os ministérios sejam iguais. Cada um tem uma línha diferente de ministério. Vez por outra Deus tem levantado novas testemunhas ou grupo de teste­rnunhas, dando a elas nova luz proveniente da Sua Palavra, de modo que elas possam dar testemunho especial por Ele numa época ou circunstâncias específicas nas quais vivem. Todo esse ministério é novo e específico e de grande valia para a Igreja; mas temos de nos lembrar bem que, se um homem recebe de Deus um minihtério específico com relação a certas verdades, ele não deve fazer desse seu ministério particular ou dessa sua linha particular da verdade, a base de uma nova "igreja". Nenhum servo de Deus deve cultivar a ambição de que essa verdade seja aceita corno a verdade. Se as portas estão fechadas para tal verdade, que o obrei­ro espere pacientemente no Deus que a deu a ele até que Ele abra as portas para que ela seja aceita. Nenhuma "igreja" distinta deve ser formada para ter um testemunho à parte. A obra de Deus não apro'-'ª o estabelecimento de uma igreja para a propagação de uma linh.i t·specífica de ensinamento. Ela só conhece um tipo ele igreja: a igreja local; não mna igreja facciosa, mas uma igreja n,·otesta· mentária.

Gravemos em nosso coração que nossa obra visa ao nosso ministério e nosso mini.';tério visa às igrejas. Nenhuma igreja deve submeter-se a um ministério específico, mas todos os ministérios devem submeter-se à igreja. Que devastação tem sido causada na Igreja pelo fato de que sous ministros têm buscado conduzir as igre­jas para debaixo do ministério deles, em vez de, pelo ministério

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deles, servir as igrejas. Assim que são conduzidas para debaixo de algum ministério, as igrejas cessam de ser locais e passam a ser facciosas.

Quando um ministério específico é levantado por Deus para satisfazer uma necessidade específica na Sua Igreja, qual deve ser a atitude do ministro? Sempre que uma nova verdade é procla· mada, ela terá novos seguidores. O obreiro a quem Deus deu nova luz sobre a Sua verdade deve encorajar a todos os que a receberam a fortalecer as fileiras da igreja local e não a se agrupar ao redor dele. Doutra forma, as igrejas irão servir ao ministério e não o ministério às igrejas; e as "igrejas" estabelecidas serão "igrejas" ministeriais e não locais. A esfera de uma igreja não é a esfera de um ministério, e, sim, a esfera da localidade. Sempre que o minis­tério tem a oportunidade de formar uma igreja, aí há o início de urna nova denominação. Estudando a história da Igreja podemos ver que quase todos os novos ministérios conduziram a novos adeptos e novos adeptos resultaram em novas organizações. Desse modo, "igrejas" ministeriais foram estabelecidas e denominações, multiplicadas.

Se o Senhor tardar a Sua vinda e Seus servos permanecerem fiéis a Ele, Ele certamente levantará novos ministérios na Pala· vra. Descortinará verdades especiais para satisfazer necessidades específicas dos Seus filhos. Alguns dos ouvintes questionarão as verdades, outros as rejeitarão e ainda outros as condenarão, ao passo que haverá quem reaja positivamente a elas com alegria. Qual deve ser a atitude dos servos de Deus? Devem estar plena­mente convictos na mente de que só pode haver uma iguija num lugar e que toda verdade visa ao enriquecimento dessa igreja. Se ela receber as verdades que os ministros de Deus proclamam, que eles louvem a Deus; se não, que ainda O louvem. Não se deve fomentar a ideia de formar uma "igreja" distinta para abarcar os que apóiam as doutrinas e;-;peciais enfatizadas. Se na igreja local vários irmãos recebem o en;;inamento desses apóstolos, eles ainda devem permanecer na igreja. Nenhuma obra facciosa deve ser feita numa igreja local. Os que recebem a verdade podem usar seu ensi­namento espiritual e poder espiritual para ajudar os demais membros, mas não devem usar métodos facciosos para apoiar a

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verdade que abraçaram. Se sempre tivermos em mente que as igréjas de Deus só são formadas na base da localidade, mui~a divi­são entre os filhos de Deus será evitada.

Se Deus confiar-nos um ministério especial e conduzir-nos a um lugar onde não há igreja, nossa primeira obrigação é estabele­cer uma igreja nessa localidade e, então, fazer com que nosso ministério contribua para ela. Podemos estabelecer igrejas locais e fazer com que nosso ministério contribua para elas, mas não ousamos estabelecer igrejas ministeriais.

Quero ilustrar a relação entre os ministérios e as igrejas locais. Um homem é florista e outro tem uma mercearia. O modo mais óbvio de expandirem seus negócios é estabelecer lojas em vários distritos. O florista abre uma loja para vender flores e o dono da mercearia, uma loja para vender gêneros alimentícios. Isso é exa­tamente como vários ministros tentando estabelecer "igrejas" segundo os seus ministérios. O plano de Deus para a Sua Igreja está numa linha bem diferente. Não é que o dono da mercearia e o florista busquem cada um abrir o maior número possível de loji,rs para vender seus respectivos produtos, mas o dono da mercearia ou o florista, chegando a certo lugar, abre uma loja de departa­mentos e nma vez devidamente estabelecida, ele fornece seus produtos a ela, e outro comerciante contribui com os seus artigos para i mesma loja. Uma loja de departamentos não trabalha ape­nas com uma linha de produtos; ela tem e::-;toque variado. A ideia de Deus não é que abramos floriculturas ou mercearias ou lojas especializadas em outras linhas, mas lojas de departamentos. O plano divino é que os Seus servos estabeleçam apenas uma igreja local e então contribuam para ela com os seus vários ministérios. A igreja não é controlada por um ministério, mas servida por todos eles. Se um grupo de filhos de Deus está aberto para receber ape­nas uma verdade, é uma facção.

Como apóstolos, nossa primeira preocupação ao chegar a urn lugar que não tenha igreja é fundar uma ali. Assim que for for­mada, devemos buscar servir a ela com o ministério que o Senhor nos confiou, e então deixá-la. Ousamos exercer fielmente o nosso ministério, mas uma vez feito isso, ousamos deixar a igreja aberta para outro ministério. Essa deve ser a atitude de todos os servos

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de Deus. Jamais devemos alimentar a esperança de que somente o "nosso" ensinamento será aceito por uma igreja. Não deve haver a ideia de dominar uma igreja com a nossa personalidade ou nosso ministério; o campo deve ser deixado aberto para todos os servos de Deus. Não é preciso edificar um muro de proteção ao redor do "nosso rebanho" particular a fim de guardá-lo dos ensinamentos de outros. Se o fizermos, nossa obra segue a linha papista. Pode­mos seguramente confiar a Deus a proteção do nosso ministério e temos de nos lembrar que "tendo em vista ao aperfeiçoamento dos santos" são necessários os vários ministérios de todos os servos fiéis de Deus. A responsabilidade local é dos presbíteros; eles é que devem velar pelos interesses do rebanho na questão dos ministé­rios.

INSTITUIÇÕES DE FÉ

Não devemos inferir pelo que já dissemos que Deus não tenha outros trabalhadores que não õs apóstolos e -vwios ministros da Palavra. Os que trabalham no ministério da Palavra são apenas uma seção dos servos de Deus. A obra não é a única obra. Deus tem muitos servos que assumem o encargo das várias obras de fé, como escolas, orfanatos e hospitais. Olhando superficialmente, a obra deles não parece tão espiritual como a obra dos apóstolos e minis­tros a que nos referimos há pouco, mas na verdade é. Embora tais obreiros dr: fé não saiam como apóstolos nem ensinem a Palavra como os ministros especiais, são, contudo, usados por Deus, tanto definitivamente quanto os demais, para fortalecer a Igreja de Deus.

O orfanato de George Müller é uma dessas obras de fé. Ela resultou na salvação de muitas almas. A pergunta que surge é: para onde devem ir os frutos dessa obra? Não para uma "igreja" do orfanato, mas para uma igreja local. Uma obra como essa não é uma unidade suficientemente ampla para formar uma igreja. É a cidade que é a unidade da igreja e não uma instituição. Não importa quão próspera seja uma obra de fé nem quantas almas sejam salvas por ela, nenhuma igreja pode ser formada em tal base; pois se houvesse vários obreiros em uma cidade envolvidos em vários tipos de obras, haveria tantas igrejas quantas instituições

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houvesse. O limite da igreja é a cidade e não uma instituição numa cidáde.

Muitos anos atrás, eu estive em Tsinan. Alguns irmãos que estudavam na Universidade Cheloo perguntaram-me se eu acha­va que estava na hora de eles começarem a ter uma reunião de partir do pão. Eu lhes perguntei: "Vocês representam a Universi­dade Cheloo ou a cidade de Tsinan?" Eles responderam: "Cheloo". "Então, não acho que seja correto", respondi. Naturalmente eles queriam saber por quê. Eu expliquei: "A Palavra de Deus aprova a formação de uma igreja em Tsinan, mas não em Cheloo. A esfera de Cheloo é pequena demais para justificar a existência de uma igreja separada. A unidade bíblica padrão para a formação de uma igreja é urna cidade e não uma universidade".

Os frutos que resultam das várias instituições de fé não devem ser retidos por elas. Todos devem ser transferidos para a igreja local. Os obreiros não devem argumentar que, visto que eles são os meios de salvação para certas almas, eles têm portanto uma rei­vindicação especial sobre elas e uma responsabilidade especial por elas e, consequentemente, dcs as retêm de se unir aos demais crit,taos da localidade. Mesmo que haja orações regulares e prega­ção, e muitas reuniões ligadas a uma instituição cristã, nada disso pode servir de Rubstituto para a comunhão da igreja e nenhuma instituição, embora espiritual, pode ser considerada igreja visto que não é fundada na base divinamente instituída da localidade. Todos os cristãos empenhados nos esforços desse tipo devem dife­renciar claramente a igreja da obra ~, devem perceber que toda e qualquer esfera menor do que a localidade não justifica a forma­ção de uma igreja separada. Eles não ousam gahar-se de sua obra bem-sucedida e pensam que ela serve bem como igreja, mas devem humildemente unir-se cm comunhão com todos os outros membros do Corpo de Cristo no lugar onde vivem.

Todos os ministérios dados por Deus têm um só alvo: o estabe­lecimento de igr~jas locais. No pensamento de Deus, só existe um grupo de pessoas e todos os seus desígnios de grava estão concen­trados nesse grupo: a Sua Igreja. A obra não é uma meta cm si mesma; é apenas o meio para atingi1· o fim. Se considerarmos nossa obra um fim em si mesmo, então o propósito é diferente do

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de Deus, pois o Dele é a Igreja. O que consideramos um fim em si mesmo é apenas o meio para a finalidade de Deus.

Há três coisas que devemos ter bem claras na mente: 1) A obra e outras obras são preocupação especial dos obreiros

e não das igrejas, e a esfera de toda e qualquer obra não é ampla o suficiente para justificar ser considerada uma igreja.

2) Todos os obreiros devem ser suficientemente humildes para colocar os irmãos na igreja local. Na esfera da obra deles, eles têm a posição de servos de Deus, mas na esfera da igreja, são apenas irmãos. Na igreja há somente filhos de Deus; portanto, nenhum dos seus membros é "obreiro"; são todos irmãos.

3) A meta de toda obra é o estabelecimento de igrejas locais. Se fazemos da nossa obra a base de uma unidade separada do povo de Deus, edificamos uma facção e não uma igreja.

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CAPITULO SETB

ENTRE OS OBREIROS

As igrejas nas Escrituras são intensamente locais. Jamais encontramos ali uma federação de igrejas; elas são todas unidades independentes. A posição é bem ao contrário no que diz respeito aos obreiros. Entre eles encontramos certo grau de associação; vemos aqui um pequeno grupo e outro acolá, ligados entre si para a obra. Paulo e os que estavam com ele (como por exemplo Lucas, Silas, Timóteo, Títo P. Apolo) formavam um grupo. Pedro, Tiago, João e outros com eles formavam outro. Um grupo procedia de Antioquia; outro, de Jerusalém. Paulo refere-se aos que estavam com ele (At 20:34), o que indica que, embora não houvesse nenhuma organização de obreiros em missões, eles ainda tinham os seus companheiros na obra. Mesmo no início, quando o Senhor escolheu os doze, Ele os enviou de dois em dois. Todos eram coope­radores, mas cada um tinha o próprio cooperador. Esse agrupa­mento de obreiros foi determinado e ordenado pelo Senhor.

Esses grupos apostólicos não se formaram ao longo de linhas partidárias ou doutrinárias; formaram-se sob a soberania do Espírito, que assim ordenou as circunstâncias dos vários obreiro;:; para vinculá-los na obra. Não é que eles estavam realmente divi­didos dos demais, mas apenas que, quando o Espírito ordenou os caminhos deles, uns não se associaram a outros. Foi o Espírito Santo, e não os homens, que disse: "Separai-Me agora Barnabé e Saulo". Tudo dependia da soberania do Espírito. Os grupos de apóstolos estavam sujeitos à vontade e à ordenação do Senhor. Como já vimos, os doze foram divididos em pares, mas isso não foi deixado ao critério deles; foi 0 Senhor que ajuntou os pares e os enviou. Cada um tinha um cooperador especial, mas esse cooperador foi designado

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116 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

pel9 Senhor e não escolhido por eles mesmos. Não foi pela afinidade natural que eles se associaram especialmente a uns, nem Pº:1" causa das diferenças em doutrina ou prática que não se associaram a outros. O fator decisivo foi sempre a ordenação do Senhor.

Reconhecemos que o Senhor é a Cabeça da Igreja e os apóstolos foram "estabelecidos" em primeiro lugar pelo Senhor na Igreja (lCo 12:28). Embora fossem ajuntados em grupos, tendo seus cooperado­res especiais designados pelo Senhor, eles ainda não tinham nome, sistema ou organização especial. Eles não formavam um grupo menor do que o Corpo como base da sua obra; tudo estava na base do Corpo. Portanto, embora, no que tange à diferença de localidade e ordenação providencial dos seus caminhos, formassem grupos dis­tintos, eles ainda não tinham organização fora do Corpo; a obra deles era sempre uma expressão do ministério do Corpo. Eles for­mavam grupos separados, mas cada grupo firmava-se na base do Corpo, a expressar o ministério do Corpo.

O Senhor é a Cabeça do Corpo e não a Cabeça de uma organi­zação; portanto, sempre que trabalhamos para uma sociedade, missão ou instituição e não para o Corpo apenas, perdemos o enca­beçamento do Senhor. Precisamos ver claramente que a obra é do Corpo de Cristo e que, embora o Senhor de fato tenha dividido os obreiros em grupos distintos (e não organizações distintas), a obra deles era sempre na base do Corpo. E temos d,· reconhecer que todo obreiro e todo grupo representam o ministerio do Corpo de Cristo, cle:cwmpenhando cada oficio no Corpo e com vistas ao pro­gresso da obra de Deus. Depois, e somente depois, podemos ter um R(Í ministério: a edificação do Corpo de Cristo. Se reconhecêssemos claramente a unidade do Corpo, que resultados benditos vería­mos! Onde quer que opere o princípio da unidade do Corpo, é expulsa toda possibilidade de rivalidade. Não importa S<: eu dimi­nuo e você aumenta; não haverá inveja da minha parte nem orgulho da sua. Uma vez que vejamos que toda a obra e todos os seus frutos são para o aumento do Corpo de Cristo, nenhum homem será considerado seu ou meu; logo, não importará se você será usado ou eu. Toda contenda carnal entre os obreiros de Deus findará uma vez que o Corpo é claramente visto como o princípio da obra. Mas vida e obra no Corpo precísarn que lidemos drasticamente com a ,,·

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carne e tal lidar, por sua vez, precisa ter profundo conhecimento da cruz de Cristo.

Os primeiros apóstolos nunca foram independentes; sempre trabalharam juntos. No dia de Pentecostes lemos que "Pedro, porém, pondo-se em pé com os onze" (At 2:14). Na Porta Formosa, vemos Pedro a trabalhar juntamente com João, e novamente foram os dois que visitaram Samaria. Quando Pedro foi à casa de Cornélia, seis irmãos o acompanharam. Quando os apóstolos saíam, era sempre em grupos ou pelo menos aos pares, nunca sozi­nhos. A obra deles não era individual, mas corporativa. Quanto aos que estavam com Paulo em Antioquia e noutros lugares, é pena que se dê tanta ênfase a Paulo, como indivíduo, que o resul­tado é que quase desaparecem de vista os seus cooperadores. Vemos que em Trôade, Lucas juntou-se ao grupo e era de uma só mente com Paulo ao pensar que deveriam responder ao chamado da Macedônia. Mais tarde, quando regressaram de Macedônia, trouxeram consigo como cooperadores Sópatro, Aristarco, Secun­do, Gaio, Timóteo, Tíquico e Trófimo. Depois encontramos Apolo, Príscila e Áquila. Vemos ainda que Paulo envia Timóteo a Corinto e encorajou Apolo e Tito a ir lá; e algum tempo depois vemos Epa­frodito juntar-se a eles como cooperador. E é bom ler nos cabeça­lhos das Epístolas de Paulo frases como: "Paulo (. .. ) e o irmão Sóstenes"; "Paulo( ... ) e o irmão Timóteo"; "Paulo, Silvano e Timó­teo".

Portanto, por um lado não vemos indício de missões organiza­das nas Escrituras, nem vemos, por outro, cooperadores saindo individualmente, cada um constituindo lei para si mesmo. Eles se ajuntavam em grupos, mas tais grupos estão na base espiritual e não na base organizacional. Por um lado, a Bíblia não nos dá nenhuma garantia para se organiiar uma missão; por outro, ela não autoriza nenhuma obra independente: tanto uma como a outra estão bem distantes do pensamento de Deus. Desse modo, enquanto temos de nos guardar da cilada das organizações manu­faturadas pelo homem, também temos de nos guardar do perigo de ser individualistas demais. Não podemos organizar-nos numa missão e assim tornar-nos cismáticos; ao mesmo tempo, temos de

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ter companheiros na obra com os quais cooperamos sobre uma base espiritual e, assim, manter o testemunho do Corpo.

Precisamos frisar este fato: os apóstolos trabalhavam em asso­ciação com outros, mas o gTupo que formavam não era organizado. O relacionamento deles era apenas espiritual. Eles amavam e ser­viam ao mesmo Senhor, tinham um só chamamento e comíssiona­mento e tinham a mesma mente. O Senhor os unia; portanto, tornaram-se cooperadores. Alguns estavam juntos desde o início; outros juntaram-se a eles mais tarde. Eles compunham um só grupo, contudo não tinham organização e não havia distribuição de ofícios ou posições. Os que se uniam a eles não vieram em res­posta a um anúncio de classificados, nem vieram porque eram capacitados por um treinamento especial. Nas viagens que fa­ziam, o Senhor ordenava as circunstâncias que eles enfrentavam; Ele os atraía uns aos outros e sendo de uma só mente e um só espí­rito, unidos e vinculados pelo Senhor, espontaneamente torna­vam-se cooperadores. Para juntar-se a esse grupo, não havia necessidade de passar por exames, cumprir requisitos especiais, preencher certos formulários nem de passar por certas cerimô­nias. O Senhor é que determinava tudo. Ele ordenava; o homem apenas concordava. Em tais grupos, ninguém tinha posição ou ofi­cio especial; não havia diretor, presidente nem superintendente. Qualquer que fosse o ministério que o Senhor lhes incumbisse, isso é que constituía a posição deles. Eles não recebiam desígna­ções da associação. O relacionamento que havia entre os membros era puramente espiritual e não oficial. Eles foram constituídos cooperadores, não por uma organização humana, mas por um vín­culo espiritual.

A AUTORIDADE ESPIRITUAL

Antes de considerar a questão da autoridade espiritnal, leiamos algumas passagens que mostram o relacionamento entre os coope­radores, visto que trazem luz considerável sobre o assunto. "E eis havia ali um discípulo, de nome Timóteo. (. .. ) Quis Paulo que este fosse com ele" (At 16:1-3). "Assim que [Paulo] teve a visão, imediata­mente procuramos partir para a Macedônia, concluindo que Deus nos havia chamado para lhes anunciar o evangelho" (At 16:10). "Os

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que acompanhavam Paulo levaram-no até Atenas; e tendo rece­bido ordem para Silas e Timóteo irem ter com ele, o mais depressa possível, partiram" (At 17:15). Paulo "determinou voltar pela Macedônia. Acompanharam-no Sópatro, de Bereia, filho de Pirro, Aristarco e Secundo, dos tessalonicenses; Gaio, de Derbe, e Timó­teo; e Tíquico e Trófimo, da Ásia" (At 20:3-4). "Nós, porém, seguindo à frente, embarcamos e zarpamos para Assôs, onde devíamos receber Paulo, porque assim determinara" (At 20:13). "E, se Timóteo for, vede que esteja sem temor entre vós. (. .. ) Mas encaminhai-o em paz, para que venha encontrar-se comigo.( ... ) E quanto ao irmão Apolo, muito lhe roguei que fosse até vós" (lCo 16:10-12). "De maneira que rogamos a Tito" (2Co 8:6). "Tito (. .. ) atendeu à súplica,{ ... ) e com ele, enviamos o irmão" (2Co 8:16-18). "Enviamos com eles nosso irmão" (2Co 8:22). "Tíquico, o irmão amado e fiel( ... ) o qual vos enviei para isto mesmo"· Ef 6:21-22). "Contudo, julguei necessário enviar-vos Epafrodito" (Fp 2:25). "Tíquico (. .. ) vos informará de tudo a meu respeito" (Cl 4:7). "Saúda-vos Lucas, o médico amado, e também Demas" (Cl 4:14). "E dizei a Arquipo: cuida do ministério" (Cl 4:17). "Enviamos Ti­móteo, nosso irmão" (lTs 3:1-2). "Procura com diligência vir depressa ao meu encontro.(. .. ) Toma contigo Marcos e traze-o( ... ) Quanto a Tíquico, enviei-o a Éfeso" (2Tm 4:9-12). "Quanto a Tró­fimo, deixei-o doente em Mileto. Procura com diligência vir antes do inverno" (~Tm 4:20-21). "Por esta causa te deixei em Creta, para que pusesses em ordem as coisas que comecei e que restam, bem como constituísses presbíteros em cada cidade conforme te orientei (Tt 1:5). "Quando te enviar Artemas ou Tíquico, procura com diligência vir até Nicópolis ao meu encontro, poi;; decidi passar o inverno ali. Encaminha diligentemente Zenas, o intér­prete da lei, e Apolo, a fim de que não lhes falte coisa alguma" (Tt 3:12-13).

Os trechos bíblicos acima mostram-nos que, entre os obreiros de Deus, a dependência Dele não nos confere independência uns dos outros. Vimos que Paulo deixou Tito cm Creta para completar a obra que ele mesmo deixara inacabada e depois enviou Artemas e Tíquico para substituí-lo quando ele o instruiu a ir para Nicópo­lis. Em várias ocasiões ele designou Timóteo e Tíquico para que

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fizessem certa obra e lemos que recomendou a Tito e a Apolo que ficassem em Corinto. Observamos que esses obreiros não .apenas aprenderam a trabalhar em equipe, mns os menos experientes aprendiam a submeter-se à direção dos mais espirituais. Os obrei­ros de Deus devem aprender a ser deixados, enviados e a receber recomendações.

É importante reconhecer n diferença entre autoridade oficial e espiritual. Numa organização toda autoridade é oficial e não espiri­tual. Numa boa organização, quem detém o cargo tem tanto autori­dade oficial como espiritual; numa má organização, a autoridade exercida é somente oficial. Mas em toda e qualquer organização, não importa se o próprio detentor do ofício tem ou não autoridade espiritual, a autoridade que ele detém na organização geralmente é apenas oficial. Qual é o significado da autoridade oficial? Significa que, visto que um homem detém o ofício, ele exerce autoridade. A autoridade é exercida somente por causa do ofício que ele detém. Somente enquanto o detentor do ofício mantiver sua posição é que pode exercer autoridade; assim que ele renunciar ao oficio, sua autoridade termina. Tal autoridade é totalmente objetiva; não é inerente ao homem em si. Está ligada não ao homem, mas mera­mente à posição dele. Se ele tem o oficio de superintendente, segue-se que naturalmente supervisiona os negócios, a despeito de ser espiritualmente qualificado para isso ou não. Se tiver o oficio de diretor, ele automaticamente dirige, mesmo que a falta de espiritu­alidade realmente o desqualifique de exercer controle sobre outras vidas. A vida de uma organização é a posição; é a posição que deter­mino a autoridade.

Nos grupos divinamente instituídoi:; de obreiros, no entanto, não há necessidade de organização. Há ;wtoridade exercida entre eles, mas tal autoridade é espiritual, e não oficial. É uma autori­dade baseada na espiritualidade, autoridade resultante de pro­fundo conhecimento do Senhor e íntima comunhão com Ele. A vida espiritual é a fonte originadora dessa autoridade. A razão de Paulo ter orientado os outros não era a sua posição superior, mas a espiritualidade maior. Se ele tivesse perdido a espiritualidade, teria perdido a autoridade. Numa organização, os que são espiri­tuais não necessariamente detêm um ofício e os que detêm ofício

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não são, necessariamente, espirituais. Nas Escrituras porém é 0

contrário. Nelas, os que conhecem o Senhor supervision~ os negócios. São os espirituais que orientam os demais e se os outros são espirituais, reconhecerão a autoridade espiritual e irão sub­meter-se a ela. Numa organização, seus obreiros são obrigados a obedecer, mas numa associação espiritual, não; e do ponto de vista oficial, nenhuma falta lhes pode ser atribuída. se não obedecerem. Numa associação espiritual não há compulsão; tanto a orientação como a submissão baseiam-se na espiritualidade.

Além da autoridade espiritual há também os ministérios dis­tintos. Todos os servos do Senhor estão no ministério e cada um tem o próprio ministério especial. Numa organização, as posições são determinadas pelo homem, mas numa obra espiritual os ministérios são designados pelo Senhor. Por causa da diferença de ministério, temos de, por um lado, obedecer ao Senhor e, por outro, aos irmãos. Tal obediência não se baseia na posição superior deles, mas é porque o ministério deles difere do nosso, e ainda assim ambos estão intimamente relacionados, Se a cabeça move a ponta dos dedos, os músculos do braço não podem ter uma atitude inde­pendente e recusar mover-se com eles. O princípio de estar num só Corpo necessita de que os memhros intimamente relacionados movam-se uns com os outros. Ao nos movermos com outros mem­bros, na verdade, não lhes obedecemos; obedecemos, isto sim, à Cabeça. Em muitas coisas podemos reivindicar a orientação direta da Cabeça, mas igualmente em muitas coisas a Cabeça move outros membros e nós simplesmente movemo-nos com eles. O movimento delcR é motivo suficiente para que nós venhamos a agir também. É importantíssimo reconhecer essa reciprocidade dos vários ministérios no Corpo de Cristo. Temos de saber qual é 0

nosso ministério e reconhecer o dos outros, assim podemos agir como quem obedece a quem tem ministfrio mais grandioso. Visto que o nosso ministério está int~rrelacionado desse modo, não ousamos ter nenhuma atitude individual ou independente.

!odas _as pos~ç~es mantidas pelos mini,;tros de Deus são espiri­tuais e nao oficiais. Que lástima, porém, que os homens tenham visto apenas metade da verdade e, assin:. rentem organizar a obra e designar um diretor para superintendi::r o serviço de outros. A

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orientação deles, todavia, baseia-se na sua posição na organização e n·ão na posição que têm no ministério. A razão de Paulo dirigir os outros diretamente era que o ministério a ele confiado pelo Senhor o punha numa posição de autoridade sobre eles; e a razão de Tito, Timóteo e Tíquico submeterem-se ao seu direcionamento era que o ministério a eles confiado pelo Senhor os punha numa posição sob a autoridade de Paulo. Infolizmente, a direção hoje não se baseia nem na profundidade espiritual nem na grandeza do ministério.

Timóteo era um homem de Deus. Ele vivia próximo ao Senhor, obedecendo-Lhe e servindo-O fielmente; contudo, muitas vezes era enviado aqui e ali por Paulo. Ele não dizia: "Você me julga incapaz de trabalhar sozinho? Pensa que não sei pregar o evange­lho e fundar igrejas? Acha que não sei andar sozinho?" Embora soubesse muito, Timóteo estava disposto a obedecer a Paulo. Na obra espiritual há tal coisa como ser dirigido por outros; há a posi­ção de alguém como Paulo e há também a posição de alguém como Timóteo, mas são posições espirituais e não oficiais.

Hoje, por um lado, temos de aprender a manter um relaciona­mento correto com nossos cooperadores e, por outro, a ser guiados pelo Espírito Santo. Temos de manter os dois relacionamentos e também manter o equilíbrio entre eles. Nas duas Epístolas a Timóteo há muitas passagens que ilustram como os cooperadores deviam trabalhar juntos e como um jovem obreiro devia sujei­tar-se a um mais vdho. Um jovem corno Timóteo deve obedecer ao mandamento do Espírito Santo, mas também tem de receber ins­truções de alguém mais velho como Paulo. Timóteo foi enviado por Paulo, Timóteo foi deixado por Paulo em Éfeso e Timóteo obedecia a Paulo no Senhor_ Aqui e,;tá um exemplo para os jovens servos de Deus. Na obra do Senhor é importantíssimo aprender a ser guiado pelo Espírito e, ao mesmo tempo, trabalhar em conjunto com os cooperadores. A responsabilidade não deve estar somente nos ombros de Timóteo; nem deve estar apenas nos ombros de Paulo. Na obra, Timóteo deve aprender a 1~ncaixar-se com Paulo e Paulo, com Timóteo. Não apenas os mais jovens devem aprender a sub­meter-se às instruções dos mais velhos, mas os mais velhos devem aprender a instruir os maí.-.: novos. Quem está na posição de deixar, enviar e recomendar deve aprender a não seguir os ditames da

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própria natureza, agindo segundo a inclinação ou desejo pessoal, pois nesse caso causará dificuldades aos que estão sob sua autori­dade. Paulo deve orientar Timóteo de tal modo que este não ache difícil obedecer tanto ao Espírito Santo como ao apóstolo.

Os servos de Deus devem trabalhar juntos em grupos, mas há um tipo de cooperação que deve ser evitado, a saber, cooperar em organização fabricada pelo homem que restringe seus membros para que não consigam reagir de fato à orientação do Espírito Santo. Quando os obreiros estão inteiramente sujeitos à direção dos homens, a obra deles não é fruto de encargo espiritual dado a eles por Deus, mas apenas a produção de uma obra em resposta aos ditames dos que detêm posições mais elevadas do que eles. O problema hoje é que os homens tomam o lugar do Espírito Santo e a vontade dos homens em posição oficial substitui a vontade de Deus. Os obreiros não têm conhecimento direto da vontade divina, mas simplesmente fazem a vontade dos qne têm autoridade sobre e1es, sem eucargo pessoal dado pelo Senhor para a Sua obra.

Outros há que conhecem a mente ele Deus, têm um chama­mento da parte Dele e dependem inteiramente Dele para a provisão de todas as suas necessidades; mas enquanto conhecem o que é ser guiado por Ele individualmente, fantasiam que podem simplesmente seguir o próprio caminho e fazer a própria obra sem depender de outros.

O ensinamento da Palavra de Deus é que, por um lado, as orga­nizações humanas não controbm os servos de Deus; por outro, Seus servos devem aprender a submeter-se a uma autoridade espiritual baseada na diferença de ministério. Não há cooperação organizada, contudo, há comunhão espiritual e unidade espiritual. Individualismo e organização humana estão igualmente desali­nhados com a vontade de Deus. Devemos buscar conhecer a Sua vontade, não independentemente, mas em conjunto com os outros membros ministrantes do Corpo. O chamamento de Paulo e Bar­nabé seguiu esse princípio. Não foi um caso de dois profetas e mestres apenas, mas de cinco, esperando em Deus para saber a Sua vontade. Atos 13 nos dá bom exemplo de um grupo de traba­lho, com todos os obreiros mutuamente relacionados e com a orientação de um confirmada pelos demais.

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O ÂMBITO DA OBRA

O âmbito da obra, diferentemente do âmbito da igreja local, é muito amplo. Alguns obreiros são enviados a Éfeso, outros vão até Paulo em Nicópolis, alguns ficam em Corinto, outros são deixados em Mileto, alguns permanecem em Creta, outros regressam a Tes­salônica e ainda outros vão para a Galácia. Tal é a obra! Vemos aqui não movimentos de uma igreja local, mas da obra, pois os movimentos da igreja local são sempre confinados à localidade. Éfeso somente administra os negócios de Éfeso, e Roma, os de Roma. A igreja está confinada a questões da própria localidade. Não há necessidade de a igreja em Éfeso enviar um homem a Cor.into ou de a igreja em Corinto deixar um homem em Roma. A igreja aqui é local, a obra é extralocal. Éfeso, Corinto e Roma são preocupação dos obreiros. A igreja somente administra os assun­tos em dada localidade, mas os obreiros de Deus consideram como sua "paróquia" a esfera que o Senhor mediu para eles.

SEM CONTROLE CENTRAL, E, SIM, COMUNHÃO

Nas Escrituras, os obreiros formavam grupos, mas isso não implica que todos os apóstolos juntavam-se num só grupo e punham tudo sob um só contmle central. Embora Paulo tivesse os que o acompanhavam e Pedro tivesse seus companheiros, eles compreendiam somente alguns apóstolos, e não todos_ A Palavra de Deus não nos mostra que todos os apóstolos deveriarn formar um só grupo. Está perfeitamente em ordem que dezenas de homens ou mesmo centenas, que tenham recebido a mesma incumbência de Deus, unam-se na mesma obra; mas nas Escritu­ras não encontramos centralização ele autoridade para controlar todos os apóstolos. Há um grupo ele apóstolos, mas não é grande o suficiente para incluir todos eles. Isso é coisa do catolicismo e não

da Bíblia. Os partidos mencionados em Filipenses 1:15-17, 2 Coríntios

11:12-13, 22-23 e Gálatas 4:17 indicam que toda a obra nos pri­meiros dias não e1·a centralizada. Se fosse, esses grupos não poderiam ter continuado a existir, pois a obra os teria eliminado eficazmente. As Escrituras mostr un que na obra divina nao há

ENTRE OS OBREIROS 125

organização universal nem controle central, considerando-se que o apóstolo não teve autoridade para lidar com esses grupos de pes­soas que causavam tal dificuldade nas igrejas.

A explicação é esta: Deus não deseja que o poder da organização substitua o poder do Espírito Santo. Muito embora não haja con­trole central, desde que todos os obreiros sigam a direção do Espírito, tudo correrá bem e satisfatoriamente e haverá a coordena­ção de um corpo. Sempre que as pessoas param de obedecer ao Espírito e laboram no poder da carne, é melhor que a obra simples­mente se esfacele. Uma boa organização sempre serve de mau substituto para o poder do Espírito Santo, mantendo a obra unida mesmo depois de sua vitalidade ter chegado ao fim. Quando a vida aparta-se da obra e os andaimes da organização ainda a sustentam, evita-se o seu colapso; mas isso é um ganho duvidoso, pois uma organização exteriormente esplêndida pode cegar os servos de Deus quanto a uma profunda necessidade interior. Deus prefere que Sua obra cesse a que prossiga com tal imitação de poder espiri­tual. Quando a glória de Deus deixou o templo, Ele mesmo o deixou para a total destruição. Deus deseja que as condições exteriores e interiores correspondam-se de modo que, se a morte invade uma obra, os obreiros Dc,1, acordem imediatamente para a própria necessidade e com humildade de coração busquem a face divina.

O controle central tem muitos males. Torna fácil para os sen-os de Deus desconsiderar a orientação do Espírito e, prontamente, desenvolve-se num sistema papal, tornando-se um grande poder mundano. É um fato bíblico que os servos de Deus juntein-se em grupos, mas eles não formam um grupo só.

Contudo, isso não quer dizer que cada grupo possa prosseguir de modo independente, desconhecendo a relação e a comunhão com outros grupos. O princípio da unidade do Corpo confirma-se aqui como em todos os outros relacionamentos entre os filhos de Deus. Nas Escrituras não apenas vemos o princípio da "imposição de mãos", mas também o de estender "a mão direita" (Gl 2;9). O primeiro fala da identificação; o segundo, da comunhão. Em Antio­quia impuseram as mãos s1,bre Paulo e Barnabé; em Jerusalém não houve imposição de mãos, mas Tiago, Cefas e ,João lhes esten­deram a mão direita da comunhão. Em Antioquia, o âmbito que se

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tinha em vista era o de um só grupo de apóstolos, e o que era enfa­ti;ado era a identificação; consequentemente, houve impo~ição de mãos . .Mas em Jerusalém o âmbito que se tinha ern vista era a relação entre os vários grupos de apóstolos e o ponto enfatizado era a comunhão; consequentemente, a mão direita da comunhão

lhe foi estendida. Muitos são chamados para a obra do Senhor, mas o seu âmbito

do serviço não é o mesmo, então o que acontece é que seus compa­nheiros não podem ser os mesmos. Mas os vários grupos devem ser todos identificados com o Corpo, sujeitando-se ao encabeçamento do Senhor e tendo comunhão entre eles. Não há imposição de mãos em Antioquia e Jerusalém, mas há estender da mão direita da comunhão. Assim a palavra de Deus não apoia a formação de um grupo central, nem apoia a formação de vários grupos espalhados sem estarem relacionados e que estejam isolados. Não há um só lugar central para impor as mãos, nem há meramente a imposição de mãos e nada mais em nenhum dos grupos. Entre eles também não há o estender mútuo da mão direita de comunhão. Cada grupo deve reconhecer o que Deus faz com os outros grupos e deve estender-lhes a comunhão, admitindo que também são ministros no Corpo. Sob a ordenação de Deus, eles podem trabalhar em gru­pos diferentes, mas todos devem trabalhar como um só Corpo. O estender · la mão direita da comunhão implica o reconhecimento de que outrtts pessoas estão no Corpo e estamos em comunhão com elas, trabalhando em conjunto, como membros ativos do mesmo Corpo. "Antes, pelo contrário, quando viram que a mim fora confi­ado o evangelho da incircuncisão ( ... ) e conhecendo a graça que me foi dada, Tiago, Cefas e ,foão, que eram considcradiJs colunas, estenderam a mim e a Barnabé a mão direita da comuLüi.o, para que nós fôssemos para os gentios, e ele", para a circuncisao" (Gl 2:7-9). As organi:,;ações não relacionadas, espalhadas, separrrdas e conflitantes no cristianismo, que não reconhecem o princípio do Corpo e não se submetem à soberania e encabec;amento de Cristo, nunca estão de acordo com a mente do Senhor.

l"'flOPERAÇÃO ENTRE OS OBRI~!ROS

Uma questão surge naturalmente: Como devem cooperar os

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ENTRE OS OBREIROS 127

obreiros e as associações da obra? A um grupo, Deus dá um tipo de ministério e a outro, uma forma totalmente diferente de ministé­rio. Como devem cooperar os vários grupos? Pedro e seus compa­nheiros e Paulo e os que estavam com ele, foram designados para âmbitos distintos, mas se ocorrer que a obra de um entrar no âmbito da obra do outro, como devem agir? Visto que não há cen­tralização da obra, contudo ao mesmo tempo há vários grupos de trabalhadores, como devem tais grupos cooperar? Temos de notar dois itens fundamentais relacionados com a obra:

1) A primeira responsabilidade de todo e qualquer obreiro (não importa qual seja o seu ministério ou que linha especial de obra faça), sempre que chega a um lugar onde não haja igreja local é estabelecer uma igreja ali. (O que se aplica a obreiros individual­mente aplica-se também a qualquer grupo de obreiros.)

2) Se ele for a um lugar onrle já existe uma igreja local, todo o seu ensino e experiência deven'. .~r-r contribuídos à igreja, para que ela seja fortalecida e aperfeiçoada e não deve haver nenhuma ten­tativa de atrelar a igreja a ele ou à sociedade que ele representa.

Se um obreiro vai a um lugar onde não há igreja e funda uma ali com vistas à prop:i~·nção de sua doütrina particular, não pode­mos cooperar com cl,•, pois o que ele edifica ó uma facção e não uma igreja. Por outro lado, se um obreiro for a um lugar onde já existe uma igreja local e. em vez de seu ensinamento e experiência contribuírem parn a edificação da igreja, ele fizer dela uma filial da sociedade a que ele pertence, novamente é impossível cooperar com ele, pois o que ele edifica é uma denominação. A base da comunbão na ignja é a posse comum da vida em Cristo e o viver na mesma localidade. A base da cooperação na igreja é a meta comum de fundar e ed ;ficar igrejas locais. Afiliações denominacio­nais não nos impodem de reconhecer que alguém pertence ao Corpo, mas a meta da extensão denominacional certamente nos impedirá de cooperar no serviço a Deus. O maior dano que um obreiro pode causar, em vez de estabelecer e erlificar as igrejas locais, é atrelar à sua sociedade os crentes que ele encontra em dado lugar ou fazer dos que são conduzidos ao Senhor mediante a obra dele uma filial de sua denominação específica. Os dois proce­dimentos são condenados pela Palavra de Deus.

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128 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

Paulo foi de Antioquia para Corinto e ali pregou o evangelho. Pessoas creram e foram salvas, e logo havia um grupo de santos em Corinto. Que tipo de igreja Paulo fez deles? A igreja em Corinto. Paulo não estabeleceu uma igreja antioquiana em Co­rinto. Ele não formou em Corinto uma filial da igreja em Antio­quia, mas simplesmente estabeleceu a igreja em Corinto. Depois disso Pedro foi a Corinto e pregou o evangelho, que resultou em outr; grupo de pessoas que creram. Será que Pedro disse: "Paulo veio de Antioquia, mas eu vim de Jerusalém, logo devo estabolecer outra igreja: estabelecerei a igreja jerusalemita em Corinto"? Ou será que disse: "Formarei uma filial da igreja em Jerusalém em Corinto"? Não, ele entregou todos os que conduziu ao Senhor à igreja local já existente em Corínto. Tempos depois, Apolo surgiu. Novamente pessoas foram salvas e de novo todos os salvos foram acrescentados à igreja local. Portanto, em Corinto havia apenas uma igreja de Deus; não havia denominações cismáticas. Se Paulo tivesse aberto o precedente de fundar uma igreja em Corinto para aumentar a esfera da igreja da qual ele viera, chamando-a de "a igreja antioquiana em Corinto", então, quamlo Pedro fosse a Corinto, ele poderia muito bem ter argumentado: "Está certo que Paulo tenha fundado uma igreja antioquiana em Corinto, pois ele veio de Antioquia, mas eu não tenho coisa alguma a ver com An­tioquia; minha igreja está em Jerusalém, logo tenho de estabele­cer uma igreja jerusalemita aqui". Ao ir a Corinto, Apolo teria, por sua vez, 81:guido o exemplo deles e estabelecido outra igreja como filial daquela de onde ele viera. Se cada obreiro tentasse formar mna filiai da igreja que ele representava, fmtão seria inevitável que surgissem facções e denominações. Se a meta _de ~m obreir? em todo e qualquer lugar não for estabelecer uma 1grcJa local ah, mas aumentar a igreja da qual ele saiu, então ele não estabelece uma igreja de Deus nessa localidade, mas apenas edifica a sua sociedade. Sob tais círcunstâncias, não há possibilidade de coope­ração.

As condicões mudaram grandemente desde u.,; dias dos primei­ros apóstoloªs. O cristianismo perdeu sua purez.a original e tudo que diz respeito a ele está numa condição falsa e confusa. A de;;­pcito disso, nossa obra hoje ainda é a mesma que nos di.as dos

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primeiros apóstolos: fundar e edificar igrejas locais, que são as expressões locais do Corpo de Cristo. Portanto, se estamos num lugar onde não há igreja, elevemos buscar a face do Senhor para que Ele nos capacite a ganhar almas para Ele e juntá-las numa igreja local. Se estamos num lugar onde já há missões ou igrejas que se firmam numa base facciosa ou dcnominacional mas nenhuma igreja que se firme na base do Corpo e da localidade, nossa tarefa, então, ainda é a mesma, a saber, fundar e edificar uma igreja local. Muitos ainda persistem nas suas velhas manei­ras; por isso, as pessoas que :,;e firmam na clara base local podem ser bem menos do que o total de cristãos numa localidade. Mas a área d~ ba~e em que se posicionam é tão ampla quanto aquela na qual a 1gTeJa se deve firmar, por isso ainda é nossa responsabili­dade manter essa base. Só podemos cooperar com os quo edificam o Corpo de Cristo expresso em igrejas locais e não com os que edifi­cam algo mais. A ligação denominacional não nos impede de ter comunhão no Senhor, mas a extensão denominacional nos impede de cooperar na obra de Deus.

Aqui está o princípio mais importante da obra de Deus: um obreir~ não deve buscar estabelecer uma filial da igreja da qual ele sai; mas estabelecer uma igreja na localidade a que vai. Ele não faz da igreja no lugar ao qual é enviado uma extensão da igreja da qual saiu, mas funda uma igreja naquela localidade. A~nde quer qu~ vá'. ele estabelece uma igreja naquele lugar. Ele nao estende a 1gre1a do seu lugar de origem, mas estabelec,· a ~grej~ no lu?ar que adota. Visto que nas Escrituras todas as igre­Jas sao locais, Jerusalém e Antioquia não podem ter filiais. Não podemos estender uma igreja local até outra localidade; somente podemos formar m_na nova igreja ali. A igreja que os apóstolos estabeleceram em Bfeso é a igreja em Éfeso; a que estabeleceram em Filipos é a igreja em Filipos; as que estabelecl:'ram em outros lugares são as igrejas nesses lugares. Não há JJrecedentes nas Esc~itu~as para u estabelecimento de outra coisa senão igrejas locais. E correto c)stender a igreja de Deus, mas é totalmente errado estender uma_ igreja local de Deus. Qual é O lugar em que pretendo trabalhar'.' E a igreja nesse lugar que devo buscar estabe­lecer.

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, Agora há dois tipos de obreiros, a saber: os que firmam na base bíblica e os que se firmam na base da denominação ou miss.ão. Mas mesmo para esses últimos, o princípio da cooperação é o mesmo: a meta única de fundar e edificar a igreja local.

A obra de evangelização visa primariamente à salvação de pecadores, mas o resultado espontâneo disso é uma igreja no lugar om que essa obra é feita. O objetivo imediato é a salvação dos homens, mas o resultado extremo é a formação das igrejas. O perig·o que confronta o missionário é formar os que ele conduziu para o Senhor numa filial da sociedade que representa. Visto que os obreiros representam várias sociedades, naturalmente formam várias filiais dessas respectivas sociedades, e a consequência é grande confusão na obra e nas igrejas de Deus. A meta imediata dos vários obreiros é, sem dúvida, a mesma, pois que pregador não espera que muitas almas sejam ganhas para o Senhor? Porém há falta de clareza e definição com relação ao resultado final. Alguns obreiros, graças ao Senhor, saem para estabelecer igrejas locais; outros, que lástima, saem para estender a própria denominação ou formar igrejas missionárias.

Esse é um ponto em que meus cooperadores e eu não podemos ver sob o mesmo prisma que muitos filhos de Deus. Das profunde­zas de nosso coi·ação agradecemos a Deus que, no século passado, enviou tantos servos fiéis à China, para que os que se assentavam nas trevas ouvissem o evangelho e cressem no Senhor. O sacrifício, a diligência e a piedade deles têm sido um exemplo verdadeiro para nós. Muitas vezes, quando olhávamos para a face dos mi;;c.;io­nários que sofreram por causa do evangelho, fomos comovicl,,-., a orar: "Senhor, faze-nos viver como eles". Que Deus os abençoe e recompense! Heconhecemos que somos totalmente indignos de ter parte na obra de Deus, porém, pela graça de Deus, somos o que somos e, visto que Deus cm Sua graça chamou-nos para o Seu ser­viço, só podemos buscar ser fiéis. Nada temos que críticar, e temos muito que admirar, quanto à obra evangelística de nossos irmãos missionários; contudo, não podemos deixar de questionar os méto­dos deles ao lidar com os frutos de sua obra, pois, nos últimos quatrocentos anos, o resultado não foi a edificação de igrejas locais e, sim, a formação de igr~ja8 missionárias ou filiais das várias

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denominações que eles representavam. Em nossa opinião isso é contrário à Palavra de Dem:. Não existe tal coisa nas Escrituras como a edificação de denominações; só podemos ver igrejas ali. Que o Senhor me perdoe se eu estiver errado!

IGREJAS LOCAIS E IGREJAS MISSIONÁRIAS

Permita-me mencionar um incidente pessoal. Há algum tempo encontrei um missionário em Xangai que me perguntou se seria possível que eu cooperasse com sua missão. Não sabendo exata­mente o que dizer, não me comprometi. Mais tarde, encontrei-o em outra parte do país e novamente ele repetiu seu pedido e pergun­tou-me se eu tinha algo contra a missão. Respondi: "Não ouso criticar a sua missão, embora não creia que esteja de acordo com o pensamento completo de Deus. Creio que foi a vontade de Deus ,:,stabelecê-la para que os servos de Deus do Ocidente pudessem vir para a China pregar o evangelho. Nada tenho que dizer a res­peito da missão como um corpo, pois as Escrituras falam de grupos de obreiros, e se vocês sentem que a missão deve ser organizada, ter diretores e um nome especifico, vocês terão de responder dire­tamente a Deus por isso, e não aos homens. Quem sou eu para criticar os servos do Senhor? Mas, mesmo não criticando, não posso imitá-los, pois Deus não revelou que essa é a Sua vontade e maneíra para mim. Com relação à missão como tal, nada tenho a dizer, mas tenho sérias dúvidas com relação às igrejas formadas pela missão. Para ilustrar, você representa a Missão 'X'. Agora, será que os que são salvos por seu intermédio formam a Igreja 'X', ou tornam-se a igreja na localidade em que vivem? Pode ser cor­reto que os missionários pertençam à Missão 'X', mas é totalmente errado que formem os frutos da missão na Igreja 'X'. A Palavra de Deus não proíbe definitivamente a formação de uma Missão 'X'. mas claramente não aprova a fundação de outra coisa que não sejam as igrejas locais".

Depois disso mencionei os exemplos dos apóstolos, ressaltando que eles sempre buscavam fundar ou edificar igrejas na localidade em que labutavam com o fruto de tais labores. Eles jamais usaram esse fruto para formar filiais do grupo em que trabalhavam;

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do1Jtra sorte, a Igreja de Deus teria sido dividida em várias facções desde o início.

A seguir, usei como ilustração a obra em T .... "Em T ... ", eu disse, "Deus o usou para ganhar muitas almas. Se as pessoas sal­vas por seu intermédio são a igreja em T ... , então, se eu vou a T .. . , certamente devo juntar-me a eles, não importa qual seja o estado espiritual deles, ou qual seja a forma de organização que eles tenham; doutrn modo, eu serei culpado ele ser faccioso. Mas se você edifica uma Igreja 'X' em T ... com as pessoas salvas ali, então você não edifica a Igreja de Deus em T ... , e a essa 'igreja', lamento dizer, não posso unir-me. Serei obrigado a fazer uma obra sepa­rada em T ... , a menos que haja uma igreja ali que se firme na base bíblica da localidade.

"Se todos saímos para estabelecer igrejas locais, logo há toda possibilidade de cooperação. É permissível estabelecer urna Mis­são 'X', mas não é bíblico estabelecer uma Igreja 'X'. Suponha que a sua Missão 'X' vá a T ... e estabeleça uma Igreja 'X'. Depois disso várias outras missões vão a T ... , e cada uma estabeleça uma 'ig:re­ja' missionária distinta. Isso seria o mesmo que Paulo estabelecer uma igreja antioquiana em Corinto e Pecl:ro ir ali logo depois e estabelecer uma igreja jerusalemita. Nessa base é impossível haver cooperação, pois iTíamos desrespeitar o padrão que Deus claramente mostrou-nos na Sua Palavra: o estabelecimento das igrejas locais.

"Se che,-:amos a um lugar e fundamos uma igreja, ela eleve ser local, inlo1:samente local, sem coisa alguma estranha que a usurpe, por menos que seja, de seu carúter local. Se vocr: vai para T ... tendo por meta única o estabelecimento da igreja em T ... , e eu vou a T ... tendo por meta única o estabelecimento da igreja em T ... , a cooperação não será problema. Mesmo se cento o um missio­nários, que representem cento e uma missões, vão a T ... com essa única meta de estabelecer a igreja em T ... , não há a menor possibi· lídade de sectarismo e a cooperação será natural e lóg·ica. Se o alvo da Missão 'X' é apenas pregar o evangelho, é possível que traba­lhemos juntos; mas se há uma meta dupla: pregar o evangelho e estabelecer uma cxten:;;ão da missão, não é possível cooperar. S,, um obreiro busca por um lado pregar o evangelho e por outro

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estender sua sociedade, é impossível que trabalhemos juntos". Se um homem sai ou nãu para estabelecer igrejas locais determina se pudemos cooperar com ele ou não. Não importa a que missão um homem pertence, se vai a certo lugar sem buscar estabelecer a própria "igreja" e, sim, uma igreja na localidade, estamos pe:rfeita­mente dispostos a trabalhar com ele. Embora não sejamos uma missão, estamos bem preparados para cooperar com toda e qual­quer missão se eles não tiverem cm vista um fim particular, e, sim, o fim único que Deus mostrou como Sua vontade com respeito à Sua obra.

Que Deus nos conceda graça para ver que as Suas igrejas são todas locais.

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CAPÍTULO ÜJTO

A QUESTÃO DAS FINANÇAS

É notável que, enquanto o livro de Atos fornece muitos deta­lhes minuciosos acerca da obra de um apóstolo, não se aborda de modo algum o único assunto que, do ponto de vista humano, é de suprema importância ao levar a cabo qualquer obra. Não há infor­mação nenhuma acerca de como se obtinha provisão para as necessidades da obra e as necessidades pessoais dos obreiros. Isso certamente é espantoso! O que os homens consideram de suprema importância, OS" apóstolos consideravam de menor consequência. Nos primórdios da Igreja, os enviados de Deus saíam sob o cons­trangimento do amor divino. A obra deles não era apenas a sua profissão e a sua fé em Deus não era intelectual, mas espiritual; não era teórica, mas intensamente prática. O amor e a fidelidade de Deus eram realidade para eles e, sendo assim, não surg·iu na mente deles nenhuma questão acerca da provisão de suas necessi­dades temporais. Hoje, assim como então, a questão das finanças não apresentará problema aos que têm fé vital cm Deus e amor real por Ele.

Essa questão de finanças tem resultados importantíssimos, portanto iremos devotar algum tempo a ela. Em graça, Deus é o mais grandioso poder, mas, no mundo, mamom é o maior. Se os ser­vos de Deus não resolverem a questão elas finanças claramente, acabarão por deixar inúmeras outrac< questões não resolvidas também. Uma vez que o problema financeiro é resolvido, é espan­toso como tantos outros automaticamente o são. A atitude dos obreiros cristãos para com as questões financeiras será uma boa indicação de eles terem ou não sido comissionados por Deus. Se a obra é de Deus, será espiritual; e se é espiritual, o modo de supri-la

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é espiritual. Se a provisão não está no plano espiritual, a obra e1n si rápidamente cairá no plano do negócio secular. Se a espirjtuali. dade não caracterizar o lado financeiro da obra, a espiritualidade dos demais departamentos da obra não passa de teoria. Não há nenhum aspecto da obra que toque os assuntos práticos tão verda­deiramente quanto o financeiro. Você pode ser teórico em qual. quer outro departamento, mas nesse não.

A IMPORTÂNCIA DA VIDA DE FÉ

Todo obreiro, a despeito de qual seja o seu ministério, deve exercitar a fé para satisfazer todas as suas necessidades pessoais e todas as necessidades da sua obra. Na Palavra de Deus não vemos nenhum obreiro pedir salário pelos seus serviços, nem rece· ber salário. Paulo não assinou contrato com a igreja em Éfeso, nem com nenhuma outra igreja, para receber certa remuneração por determinado período de serviço. Não há precedentes nas Escritu. ras de que os servos de Deus dependam de fontes humanas para receber provisão de suas necessidades. Lemos, sim, sobre Balaão que buscou mercadejar o seu dom de profetizar, mas ele é denunci. ado em termos que não deixam dúvidas. Lemos também sobre Geazi que buscou obter lucro da graça de Deus, mas foi acometido de lepra pelo seu pecado.Nenhum servo de Deus deve depender de agente humano, quer individual quer coletivo, para satisfaze!' suas necessidades temporais. Se elas podem ser satisfeitas pelo trabalho das próprias mãos ou de renda particular, tudo está muito bem. Do contrário, para obter suprimento ele deve depender diretamente de Deus apenas, assim como dependeram os primei· ros apóstolos. Os doze apóstolos enviados pelo Senhor não tinham salário fixo nem o teve qualquer dos apóstolos enviados pelo Espí­rito. Eles simplesmente dependiam do Senhor para satisfazer todas as suas necessidades. Os apóstolos de hoje, assim como os dos primórdios, não devem considerar nenhum homem como seu empregador, mas devem confiar que quem os enviou frá arcar com tudo o que envolve a execução da Sua vontade, em questões tem­porais bem como espirituais.

Se um homem pode confiar em Deus, que saia e trabalhe para Ele; se não, que fique em casa, pois falta·lhe a primeira qualificação

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para a obra. Há urna ideia prevalecente de que se um obreiro tem renda fixa ele pode ter mais horas vagas para a obra e consequente· mente fazê.la melhor. Contudo, de fato, na obra espiritual há a necessidade de renda não.fixa, pois isso necessita de comunhão íntima com Deus, revelação clara e constante da Sua vontade e sus· tento divino direto. No mundo dos negócíos, tudo o que um traba· lhador precisa em termos de equipamento é vontade e talento; mas o zelo humano e o dom natural não são equipamentos para o serviço espiritual. Total dependência de Deus é necessária se a obra for de acordo com a Sua vontade; portanto, Deus deseja que Seus obreiros recorram somente a Ele para obter provisão financeira e assim não façam outra coisa a não ser andar em íntima comunhão com Ele e aprender a confiar Nele continuamente. Renda fixa não esti· mula a confiança em Deus e a comunhão com Ele; mas a total dependência Dele para satisfazer as necessidades, sim. Quanto mais incerto for o viver de um obreiro, mais ele recorrerá a Deus; e quanto mais for cultivada uma atitude de dependência de Deus, mais espiritual será a obra. Portanto, está claro que a natureza da obra e a fonte da sua provisão estão intimamente relacionadas. Se um obreiro recebe salário definido do homem, a obra produzida jamais pode ser puramente divina.

A fé é o fator mais importante no serviço de Deus, pois sem ela não pode haver obra espiritual verdadeira. Contudo, nossa fé requer treinamento e fortalecimento e as necessidades materiais são meios usados nas mãos de Deus para esse fim. Podemos pro· fessar ter fé em Deus por uma vasta vaTícdadc de coisas intangí· veis e podemos enganar a nós mesmos crendo que realmente confiamos Nele quando não temos confiança alguma, simples. mente porque não há nada concreto para demonstrar nossa des· confiança. Quando, porém, trata.se de necessidades financeiras, a questão é tão prática que a realidade da nossa fé é imediatamente posta à prova. Se não podemos confiar em Deus para obter provi· são das necessidades temporais, não podemos confiar Nele para obter provisão das necessidades espirituais. Contudo, se de fato provamos a confiabilidade Dele no âmbito muito prático das necessidades materiais, poderemos também confiar Nele quando as dificuldades espirituais se levantarem com relação à obra ou à

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vida pessoal. Que contradição é proclamar aos outros que Deus é o Deu~ vivo, contudo nós mesmos não ousamos confiar Nele para a satisfação de nossas necessidades materiais.

Além disso, quem tem a bolsa tem autoridade. Se somos sus­tentados polos homens, nossa obra será controlada por homens. Só se pode esperar que, se recebemos renda de certa fonte, devamos prestar contas pelos nossos atos a essa fonte. Sempre que nossa confiança é depositada nos homens, nossa obra não pode deixar de ser influenciada por eles. É um juízo falso e muito sério imaginar que podemos tomar dinheiro dos homens para fazer a obra de Deus. Se somos sustentados pelos homens, então temos de buscar agradar a homens e, em muitos casos, é impossível agradar aos homens e a Deus ao mesmo tempo.

Em Sua obra, Deus deve ser o único a dirigir. É por isso que Ele deseja que não dependamos de nenhuma fonte hum:1 na para obter provisão financeira. Muitos de nós já experimentam ,,; que, repeti­das vezes, Deus controlou-nos por meio de questÕ('" financeiras. Quando estávamos no centro da Sua vontade, as p ,visões eram certas, mas, assim que nos afastávamos do contato vital com Ele, elas foram incertas. Por vezes, imaginávamos que Deus queria que fizéssemos certa coisa, mas Ele nos mostrou que não era a Sua vontade retendo a provisão financeira. Portanto temos estado sob a constante direção do Senhor e tal direção é preciosíssima. Se dei­xamos de ser dependentes Dele, como pode a nossa confiança desenvolver-se?

A primeira questão que deve enfrentar todo o que crê ser de fato chamado por Deus é a questão financeira. Se não pode depen­der apenas do Senhor para prover todas as necessidades diárías, ele não está qualificado a envolver-se na Sua obra, pois se o obrei­ro não é financeiramente independente dos homens, a obra tam­bém não pode ser independente dos homens. Se ele não pode confiar em Deus para obter provisão dos fundos necessários, será que pode confiar Nele em todos os problemas e dificuldades da obra? Se somos totalmente dependentes de Deus quanto à nossa provisão, somos responsáveis apenas a Ele pela obra que fazemos e nesse caso ela não precisa estar sob a direção humana. Per­mita-me aconselhar todos os que não estão preparados para andar

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pela fé que continuem seus deveres seculares e não se envolvam no serviço espiritual. Todo obreiro de Deus deve ser capaz de con­fiar Nele.

Se temos fé real em Deus, então temos de assumir toda a res­ponsabilidade pelas nossas necessidades e pelas da obra. Não podemos esperar secretamente pela ajuda de alguma fonte hu­mana. Temos de ter fé apenas em Deus e não em Deus mais o homem. Se os irmãos demonstram amor, agradeçamos a Deus, roas se não o fazem, ainda devemos agradecer-Lhe. É vergonhoso um servo de Deus ter um olho Nele e outro no homem ou nas cir­cunstâncias. É indigno de um obreiro cristão professar ter confi­ança em Deus e ainda assim esperar auxílio de outras fontes. Isso é completa falta de fé. Tenho sempre dito, e digo novamente, que, assim que os nossos olhos se voltam para os irmãos, trazemos des­graça aos nossos cooperadores e ao nome do Senhor. Nosso viver pela fé deve ser absolutamente real e não pode deteriorar-se con­vertendo-se num "viver por caridade". Ousamos ser totalmente independentes dos homens nas questões financeiras, pois ousa­mos crer totalmente em Deus; ousamos lançar fora toda a nossa esperança nos homens pois temos plena confiança Nele.

Se nossa esperança está nos homens, quando os recursos deles secam, os nossos secam também. Não temos respaldo, mas temos uma Rocha sob nossos pés; e todo o que se firma nessa Rocha jamais será envergonhado. Os homens e as circunstâncias podem mudar, mas nós avançaremos em passo firme se nossa confiança está em Deus. Toda a prata e o ouro são Dele e todo o que anda na Sua vontade jamais passará necessidade. Ternos a tendência de confiar nos filhos do Senhor que no passado fizeram ofertas para nós, mas todos eles passarão. Temos de fixar os olhos no Deus imu­tável cuja graça e fidelidade! continuam eternamente.

Os dois passos iniciais da obra de Deus são: 1) oração de fé pelos fundos necessários; 2) a verdadeira execução da obra .. Hoje, é de se lamentar, muitos servos de Deus não têm fé; contudo, bus­cam servi-Lo. Empreendem a obra sem ter a qualificação essencial para isso. Desse modo, o que fazem não tem valor espirítual. A fé é o primeiro item essencial em toda e qualquer obra feita para Deus e deve ser exercida em relação às necessidades materiais bem

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como às outras. Se não há fé para a obtenção de fundos, não importa quão boa seja a obra, cedo ou tarde fracassará. Quando o

dinheiro para, a obra para também.

VIVER DO EVANGELHO

O nosso Senhor disse: "Digno é o trabalhador do seu salário" (Lc 10:7); e Paulo escreveu aos coríntios: "Assim também o Senhor determinou aos que anunciam o evangelho, que vivam do evange­lho" (lCo 9:14). Qual é o sentido de viver do evangelho? Não quer dizer que o servo de Deus deva receber certo subsídio da igreja, pois o sistema moderno de serviço remunerado na obra de Deus não era conhecido nos dias de Paulo. Significa, isso sim, que os pregadores do evangelho podem receber ofertas dos irmãos; mas nenhuma estipulação é feita com relação a essas ofertas. Não se estipula determinado período de tempo, quantia de dinheiro nem responsabilidade definitiva. É tudo voluntário. Quando o coração dos crentes é tocado por Deus, eles fazem ofertas aos Seus servos para que, enquanto recebem ofertas por meio de holl;ens, a confi­ança dos servos ainda esteja inteiramente em Deus. E Nele que os olhos deles estão fixos, é a Ele que as necessidades são ditas e é Ele que toca o coração dos Seus filhos para, ofertar. É isso que Paulo queria dizer quando falou de viver do evangelho. Ele mesmo recebera a oferta da igreja em Filipos (Fp 4:16) e quando estava em Corinto, foi ajudado pelos irmãos da Macedônia (2Co 11:9). Esses são exemplos de viver do evangelho. Paulo recebia ofertas ocasionais de indivíduos e das igrejas, mas não recebia remunera­

ção definitiva para pregar. Sim, "digno é o trabalhador do seu salário", e certamente ele

deve viver do evangelho. Mas fazemos bem em nos perguntar: De quem somos trabalhadores? Se somos trabalhadores de homens, então dependamos de homens para obter sustento; mas, se somos trabalhadores de Deus, temos de depender somente Dele e de nin­guém mais, embora Ele talvez satisfac;a nossas necessidades por meio de homens como nós. A questão toda depende disto: Foi Deus quem nos chamou e enviou? Se o chamamento e comissionamento vieram Dele, Ele deve ser e certamente ::;erá responsável por tudo o que envolve a nossa obediência a Ele. Quando fazemos conhecidas

'i·'. !;

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diante Dele as nossas necessidades, Ele certamente ouve e move o coração dos homens para suprir-nos de tudo o que necessitamos. Se somos apenas voluntários no serviço de Deus, Ele não será respon­sável pelos compromissos financeiros em que incorremos; assim, seremos incapazes de viver do evangelho.

Quando a senhorita M. E. Barber pensou em vir para a China a fim de servir ao Senhor, ela anteviu as dificuldades de uma mu­lher ir sozinha para um país estrangeiro, portanto pediu o con­selho do senhor Wilkinson da Missão Mildmay para os Judeus, que lhe disse: "Um país estrangeiro, a falta de promessa de sus­tento, a falta de respaldo de uma sociedade, tudo isso não apre­senta problema. A questão é: Você vai por iniciativa própria ou é enviada por Deus?" "Deus é que me envia", replicou ela. "Então isso dispensa todas as outras perguntas", disse ele, "pois se Deus a envia, Ele tem de ser responsável". Sim, se vamos por iniciativa própria, aflição e vergonha aguardam-nos, mas se vamos como enviados de Deus, toda a responsabilidade é Dele e jamais precisa­mos inquirir como Ele irá arcar com ela.

Em Corinto, todavia, Paulo não viveu do evangelho; ele fez ten­das com as próprias mãos. Portanto há evidentemente dois modos pelos quais as necessidades dos servos de Deus são satisfeitas: ou eles dependem de que Deus toque o coração dos Seus filhos para ofertar o que é necessário ou eles o ganham com uma ocupação secular de tempo parcial. Trabalhar com as próprias mãos pode ser muito bom, mas precisamos notar que Paulo não considera isso comum. É algo excepcional, um meio a que se recorre em circuns­tâncias especiais.

"Se nós vos semeamos as coisas espirituais, será muito colher­mos de vós as coisas materiais? Se outros participam desse direito sobre vós, não o temos nós ainda mais? Contudo, não exercemos esse direito; pelo contrário, suportamos tudo, para não criarmos nenhum obstáculo ao evangelho de Cristo. Não sabeis que os que laboram nas coisas sagradas se alimentam das coi~as do templo? Que us que cuidam do altar, do altar recebem a sua porção? Assim também o Senhor determinou aos que anunciam o evangelho, que vivam do evangelho. Eu, porém, não tenho utilizado nenhuma des­sas coisas; e não escrevo isto para que assim se faça comigo,

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porque melhor me seria morrer que ... Ninguém tornará vã minha glóría. (. .. ) Qual é, então, a minha recompensa? É que, ao pregar o evangelho, eu o apresente de graça, para não usar plenam~nte o meu direito no evangelho" (lCo 9:11-15, 18). Há certos direitos que são privilégio de todos os pregadores do evangelho. Paulo não recebeu nada dos coríntios, pois estava em circunstâncias espe­ciais na época; mas, embora não se beneficiasse de seus privilégios como pregador do evangelho na ocasião, fica bem claro que ele o faz em outras ocasiões. "Porventura, cometi algum pecado ao humilhar-me para que vós fôsseis exaltados, anunciando-vos gra­tuitamente o evangelho de Deus? Despojei outras igrejas, rece­bendo sustento, para ministrar a vós. E, estando entre vós, ao passar por necessidades, não fui pesado a ninguém; pois os irmãos que vieram da Macedônia supriram o que me faltava; em tudo, me guardei de vos ser pesado e ainda me guardarei. Assim como a veracidade de Cristo está em mim, não me será tirada esta glória nas regiões da Acaia" (2Co 11:7-10).

O PRINCÍPIO DE RECEBER OFERTAS

Não é permissível receber salário específico de uma igreja e por vezes não é nem permissível receber uma oferta não específica. Paulo demonstrou esse principio ao não receber coisa alguma da igreja em Corinto. Se alguém nos dá uma ofcrb por ter dó de nós, tmtão por amor ao Senhor não ousamos accit:,-la; ou se receber certas ofertas nos coloca sob obrigação dos que a,; ofertam ou sob o controle deles, devemos recusá-las também. Tiidos os servos de Deus não apenas devem confiar inteiramente Nele para obter a provisâo de suas necessidades, mas, quando se lhes fazem ofertas, eles devem ser capazes de discernir claramente se tais ofertas podem ou não ser recebidas por Deus.

No Antigo Testamento os dízimos dos israelitas eram destim1. elos aos levitas. Os israelitas faziam suas ofertas para Deus, o nfio para os levitas, mas estes ficavam no lugar de Deus para recebê-las. Hoje estamos na posição dos levitas e as ofertas que nos são desti­nadas são na verdade oferecidas a Deus. Não recebemos ofertas do nenhum homem; portanto, não estamos obrigados para com nin­guém. Se alguém quer agradecimentos, deve buscá-los de Deu::;,

A QUESTÃO DAS FINANÇAS 143

pois é Ele que recebe as ofertas. Assim, sempre que uma oferta nos é dada, é essencial que tenhamos clareza se Deus a pode receber ou não. Se Deus não a pode receber, nós também não ousamos fazê-lo. Não ousamos aceitar ofertas indiscriminadamente para que não coloquemos Deus numa posição falsa (digo isso com toda a reverên­cia). Há muitos cuja vida não é agradável a Deus; como então poderia Deus receber ofertas deles? Se Ele não pode, não ousamos fazê-lo em Seu lugar. Somente devemos receber dinheiro quando isso não envolve obrigação da nossa parte e, da parte de Deus, não há representação enganosa de nenhuma natureza.

Pode acontecer de, às vezes, a oferta ser correta e também a ati­tude do que a dá; mas pela força da sua oferta o ofertante possa considerar-se no direito de dizer alguma coisa na obra. É correto que o ofertante especifique em que direção sua oferta seja usada, mas não está correto ele decidir como a obra deva ser feita. Nenhum servo de Dous deve sacrificar sua liberdade de seguir a orientação divina nceilando algum dinheiro que o ponha sob con­trole humano. O doador tem toda a liberdade de estipular qual uso sua oferta deve ter, mas assim que ela é dada, ele deve retirar as mãos e não buscar utilizá-la com o meio de exercer controle indi­reto na obra. Se elo pode confiar num servo de Deus, que confie; se não, não precisa dar dinheiro a ele.

Na obra secular, o homem que provê os meios exerce autori­dau.e no âmbito ao qual seus meios são devotados, mas não é assim na obra espiritual. Toda autoridade exercida na obra reside com o

que foi chamado por Deus para fazê-la. Na esfera espiritual, ó o obreiro que controla o dinheiro, e não o dinheiro ao obreiro. Quem recebeu o chamamento e a incumbência da obra de Deus é que tem de Deus a revelação do como a obra deve ser realizada, e ele não ousa receber dinheiro de quem usaria sua oferta para interferir na vontade do Senhor a ele revelada acerca da obra. Se um doador é espiritual, alegremente buscamos seu conselho, mas seu com:elho pode ser buscado apenas na base da sua espiritualidade e ruia na base da sua oferta. Se ele pode confiar em nós, e se tem clareza de que o Senhor o conduz a ofertar a nós, podemos receber sua oferta; caso contrário, guarde ele o seu dinheiro, e nós avançamos com a

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obra de Deus do modo como Ele nos dirigiu, dependendo apenas Delé para suprir as necessidades da obra e as nossas. .

Em todo o nosso serviço a Deus temos de manter uma atitude de total dependência Dele. Quer os fundos sejam abundantes quer não, perseveremos em buscar a nossa obra, reconhecendo que ela nos foi confiada por Deus e é algo pelo que devemos responder somente a Ele. "Procuro agradar a homens? Se ainda estivesse tentando agradar a homens, não seria escravo de Cristo" (GI 1:10). Temos de permanecer absolutamente independentes dos homens com respeito ao lado financeiro da obra, mas mesmo em nossa independência temos de preservar uma atitude de verdadeira humildade e disposição de aceitar o conselho de todo membro do Corpo que está em estreito contato com a Cabeça; e devemos espe­rar por meio deles a confirmação da direção que recebemos direto de Deus. 1fos todo o conselho que buscamos e recebemos dos outros é por,· nlta da espiritualidade deles e não por conta da posi­ção financci r I cleles. Estamos dispostos a buscar o conselho do membro mai.-< ri'co do Corpo, não por causa do seu dinheiro nem a despeito dcL· e estamos igualmente prontos a buscar conselho do membro maí::; pobre, não por causa da sua pobreza nem a despeito dela. Em questões financeiras temos de manter esta base: é apenas com Deus que temos de lidar. Que a jactância de Paulo seja a nossa também!

A ATITUDE COM RELAÇÃO AOS GENTIOS

O princípio é: "Nada aceitando dos gentios" (3Jo 7). Não ousa­mos receber nenhum sustento para a obra de Deus dos que não O conhecem. Se Deus não aceitou um homem, Ele jamais pode acei­tar seu dinheiro e somente o que Deus pode aceitar é que seus servos ousam aceitar. Se alg·uém envolvido no serviço de Deus aceita dinheiro de quem não foi salvo para o avanço da obra, ele virtualmente coloca Deus sob obrigação de pecadores. Jamais recebamos em nome de Deus, um dinheiro, que faça com que um pecador perante o gTande trono branco cobre a Deus de ter levado vantagem sobre ele. Contudo, isso não quer dizer que precisemos rejeitar até mesmo a hospitalidade dos gentios. Se na providência divina visitamos alguns "Miletos", então devemos fazer bem em

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aceitar a hospitalidade de um "Públio" amigo, mas isso deve ser definitivamente sob a ordem de Deus e não deve ocorrer regular­mente. Nosso princípio deve ser sempre o de não tomar nada dos gentios. Quando começamos a usar o dinheiro deles, a nossa obra cairá num estado deplorável.

AS IGREJAS E OS OBREIROS

Devem as igrejas satisfazer as necessidades dos obreiros? A palavra de Deus dá-nos resposta clara para essa pergunta. Vemos ali que o dinheiro coletado pelas igrejas é usado de três modos:

1) Para os santos pobres_ As Escrituras prestam muita atenção aos filhos de Deus necessitados e grande proporção de ofertas locais destina-se a aliviar a aflição deles.

2) Para os presbíteros da igreja local. Talvez as circunstâncias tornem necessário que os presbíteros deixem seus negócios co­muns a fim de devotar~sc totalmente aos interesses da igreja. Nesse caso os irmãos locais devem perceber que têm responsabili­dade financeira para com eles e buscar pelo menos em certa medida compensá-los pelo que eles têm sacrificado por amor à igreja (lTm 5:17-18).

3) Para os irmãos que atuam na obra e para a obra. Isso pode ser considerado uma oferta a Deus, e não um salário pago a eles.

"Despojei outras igrejas, recebendo sustento, para ministrar a vós. E, estando entre vós, ao passar por necessidades, não fui pesado a ninguém; pois os irmãos que vieram da Macedônia supri­ram o que me faltava; em tudo me guardei de vos ser pesado e ainda me guardarei" (2Co 11:8-9). "E vós mesmos também sabeis, ó filipenses, que, no início do evangelho, quando parti da Macedô­nia, nenhuma igreja participou comigo na conta de dar e receber, a não ser vós. (. .. ) Recebi tudo e tenho abundância; estou plena­mente suprido, tendo recebido de Epafrodito o que enviastes; aroma suave, sacrificio aceitável e agradável a Deus" (Fp 4:15, 18). Quando os membros de uma igreja são espírituais, não podem dei­xar de importar-se com os interesses du Senhor em lugares além de sua localidade e o amor do Senhor os constrange a ofertar tanto para os obreiros como para a obra. Se os membros não são espiri~ tuais, provavelmente arrazoarão que, visto que a igreja e a obra

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146 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

são _separadas, eles não têm obrigações para com a obra e basta que assumam a responsabilidade da igreja. Mas os membro,s que são espirituais sempre estarão vivos para com a sua responsabili­dade no tocante à obra e aos obreiros e jamais buscarão evadir-se pelo fato de que não têm nenhuma responsabilidade oficial. Eles considerarão tanto um dever como um deleite promover os inte­resses do Senhor por meio de suas ofertas.

Enquanto nas Epístolas as igrejas são incentivadas a ofertar aos santos pobres e também aos presbíteros e mestres locais, não há menção de incentivo às ofertas para os apóstolos ou para a obra na qual estão envolvidos. A razão é óbvia. Os autores das Epísto­las eram os próprios apóstolos; logo, não lhes seria adequado pedir ofertas para eles mesmos ou para a obra deles nem tinham a liber­dade do Senhor para fazê-lo. Era perfeitamente correto para eles encorajar os santos a ofertar para os outros, mas para satisfazer as próprias necessidades e as necessidades da obra, eles só podiam depender de Deus. Enquanto cuidavam das necessidades dos outros, Deus não negligenciaria as deles e Ele mesmo comoveria o coração dos Seus santos para prover tudo o que era necessário. Desse modo, os obreiros hoje devem fazer como os apóstolos de outrora, preocupando-se apenas com as necessidades dos outros e Deus tomará todos os cuidados deles para Si.

Essa foi uma grandiosa e nobre declaração que nosso iTmão Paulo fez aos filipenses. Ele ousou dizer aos que eram quase os únicos que o sustentavam: "Recebi tudo e tenho em abundância". Ele não deu indício de necessidade, mas tomou a posição de um filho abastado de um Pai rico e não tinha temores de que, ao fazê-lo, outras prnvisões não lhe chegassem. Era corretíssimo que os apóstolos dissessem a um incrédulo em angústia: ··Não possuo nem prata nem ouro", mas jamais seria adequado que um apóstolo em necessidade dissesse isso aos cristãos que estivessem prontos a responder a um apelo de auxílio. É uma desonra para o Senhor que um de Seus representantes desvende necessidades que provo­quem pena aos outros. Se temos fé viva cm Deus, ;:;cmpre nos gloriaremos Nele e ousaremos proclamar em toda e qualquer cir­cunstância: "Recebi tndo e tenho em abundância". Não há nada insignificante ou mesquinho acerca dos verdadeiros servos de

A QUESTÃO DAS FINANÇAS 147

Deus; eles são todos almas g-:randiosas. Os seguintes versos foram escritos pela senhora M. E. Barber com base om Salmos 23:5, quando ela usou seu último dólar:

Sempre nos sobeja algo Ao provarmos o Senhor;

Todo cálice transborda, Suprimento de valor.

Nada escasso ou mesquinho Seu tesouro concedeu;

Mas medida plena, rica, Transbordante dá aos Seus.

Sempre nos sobeja algo Ao tomarmos a porção

Que das mãos do Pai procede, Com louvor e gratidão.

Que satisfação profunda Aos necessitados há!

Coração que prova a Cristo Satisfeito sempre está.

Sempre nos sobeja algo Ao gozarmos Seu amor,

De imensa profundeza, De altura superior.

Não conseguem nossos lábios Tal meiguice expressar;

Só podemos bendizê-Lo, E Seu nome exaltar.

Somos os representantes de Deus no mundo e estamos aqui para provar a Sua fidelidade; portanto, acima de tudo nas ques­tões financeiras temos de ser totalmente independentes dos homens e absolutamente dependentes de Deus. Nossa atitude, palavras e ações devem declarar que apenas Ele é a nossa fonte de suprimento. Se houver alguma fraqueza nisso, Ele será roubado da glória que Lhe é devida. Como servos de Deus, temos de exibir os recursos abundantes do nosso Deus. Não devemos ter medo de parecer ricos perante as pessoas. Jamais podemos ser fabos, mas

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tal atitude é perfeitamente coerente com a honestidade. :tviante­nlrn~os nossas necessidades financeiras em secreto, mesmo que nosso segredo love os homens a concluir que estamos "bem de vida" quando não temos nada. Aquele que vê em secreto not~rá todas as nossas necessidades e Ele as satisfará, não com medida restrita, mas "segundo as suas riquezas em glória em Cristo Jesus" (Fp 4:19). Ousamos dificultar as coisas a Deus, pois Ele não precisa de nossa assistência a fim de realizar Seus milagres.

Pelo estudo da Palavra de Deus notamos duas coisas acerca da atitude dos Seus filhos com relação às questões financeiras. Por um lado os obreiros devem ser cuidadosos em desvendar suas necessid~des apenas e tão-somente a Deus; por outro, as igrejas devem ser fiéis em lembrar-se das necessidades tanto dos obreiros como da obra deles e não devem apenas enviar ofertas aos que tra­balham nas proximidades ou aos que foram chamados no meio dela::--. mas, assim como os filipenses e os macedônios, devem sem­pre ministrar a um Paulo que esteja distante. O horizonte das igrejas deve ser muito mais amplo do que é. O método atual de uma igreja sustentar apenas seus "ministros" ou seus missioná­rios era algo desconhecido nos dias dos apóstolos. Se, com as facilidades atuais de envio de dinheiro a lugares longínquos, os filhos ele Deus ministrarem apenas às necessidades materiais dos que estão na própria localidade, eles certamente carecem ele visão espiritual e largueza de coração. Quanto aos obreiros, não deve haver expectativa da parte do homem e, quanto às igrejas, deve haver plena lembrança da obra e dos obreiros tanto próximos como distantes. É essencial para a vida espiritual das igrejas que elas cuidem dos interesses práticos da obra. Um obreiro incrédulo e urna igreja sem amor não têm utilidade para Deus.

A clistincão entre a igrtJja e a obra deve ser claramente definida na mente d; obreiro, especialmente com relação às questões finan· ceiras. Se um obreiro fizer uma visita rápida a certo lugar a convite da igreja, então é bem correto que ele receba a hospitalidade dela. Mas se ele .ficar por tempo indettJrminado, deve assumir o encargo sozinho diante de Deus; doutro modo, sua fé em Deus minguará. Mesmo que um irmão voluntariamente lhe oforeça hospitalidade gratuita, esta deve ser declinada, pois a vida ele fé deve ser

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cuidadosamente mantida. É correto que os irmãos deem ofertas ocasionais aos obreiros, como fizeram os filipenses para com Paulo, mas eles não devem assumir a responsabilidade por nenhum obreiro. As igrejas não têm obrigações oficiais para com os obreiros e estes devem atentar para que elas não assumam tais obrigações. Deus nos permite aceitar ofertas, mas não é a Sua von­tade que outros se tornem responsáveis por nós. Ofertas de amor podem ser enviadas aos obreiros dos seus irmãos no Senhor, mas nenhum cristão deve considerar-se sob obrigação legal para com eles. As igrejas não são responsáveis nem por sua alimentação, hospedagem e despesas de viagens. A total responsabilidade financeira da obra repousa sobre os ombros daqueles a quem a obra foi comissionada por Deus.

"A ninguém tratamos com injustiça, a ninguém corrompemos, a ninguém exploramos" (2Co 7:2). "Não serei um peso" (2Co 12:14). "Pois nunca usamos de palavras de bajulação, como sabeis, nem de pretexto para ganância; Deus ó testemunha" ( 1 Ts 2:5). "Nem comemos de graça o pão de pessoa alguma; pelo contrário, em labor e fadiga, trabalhamos noite e dia, a fim de não sermos pesa­dos a nenhum de vós" (2Ts 3:8). Por essas passagens vemos claramente a atitude do apóstolo. Ele não estava disposto a impor nenhum peso sobre os outros nem a explorar ninguém de forma nenhuma. Essa também deve ser a nossa atitude. Não apenas não dt>vemos receber nenhum salário, mas também devemos ser cui­rbdosos em não levar a menor vantagem sobre nenhum de nossos irmãos. Os apóstolos devem estar dispostos a qne os outros levem vantagens sobre eles, mas de forma alguma devem levar vantagem sobre outros. É vergonhoso professar confrança em Deus e ainda assím fazer o papel de mendigo, desvendando a outl'O:i a:; necessida­des pessoais e prouocando neles o sentimento de dó. Um servo de Deus que realmente vê a glória de Deus e a própria posição gloriosa como um dos Seus trabalhadores pode bem suportar ser indepen­dente elos outros e até mesmo liberal. É-nos correto apenas desfrutar a hospitalidade dos irmãos por pouco tempo, mas deve­mos guardar-nos rigidamente de levar vantagem sobre eles em ninharias r.omo pernoite, refeição ocasional ou o ttso de lu:c: ou car­vão ou utensílios domésticos ou mesmo um jornal. N ad;1 revela a

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peqqenez ele caráter tão prontamente como levar vantagens mes­quinhas. Se não tomarmos cuidado com tais questões, podemos também desistir de nossa tarefa.

Os obreiros afetam vitalmente a obra em todos os movimentos e, a menos que tenhamos confiança viva em Deus, nossos movi­mentos podem ser determinados por rendas em perspectiva. O dinheiro tem grande poder de influenciar os homens e, a menos que tenhamos fé viva em Deus e coração verdadeiro para fazer a Sua vontade, provavelmente seremos influenciados pelo aumento ou queda de fundos. Se nossos movimentos são governados pelas provisões financeiras, somos mercenáríos que tTabalham apenas pelo pagamento ou mendigos a pedir esmolas e somos uma des­graça para o nome do Senhor. Jamais devemos ir a um lugar pela brilhante perspectiva financeira de trabalhar ali, nem devemos refrear-nos de ir lá porque o panorama financeiro é escuro. Em todos os nossos movimentos devemos perguntar-nos: "Estou na vontade de Deus? Ou sou influenciado pelas considerações finan­ceiras?" Saímos para servir ao Senhor e não para ganhar a vida.

OS OBREIROS E SUA OBRA

Tenhamos clareza de que não apenas devemos assumir o encargo de nossas despesas pessoais, mas também das necessida­des da obra. Se Deus nos chamou para determinada obra, totln :1

despesa com ela relaci,mada também é nossa responsabilidade. Aonde quer que vamos, .-;omos responsáveis por todas Dei despesas, do início ao fim. Se somos chamados por Deus para fazer uma obra pioneira, mesmo que as despesas de aluguel, mobília e viagem perfaçam soma considerável, apenas nós é que somos responsá­veis por elas. Não é digno de ser chamado servo de Deus quem não pode ser responsável pelas próprias necessidades e pelas necessi­dades da obra a que Deus o chamou. Não é a igreja local e, s,m, aquele a quem a obra foi comissionada, que deve arcar com todos O'.; encargos financeiros 1i6 .1dos a ela.

Outro item a que devemos prestar atenção é a clara distinção entre ofertas destinadas ao uso pessoal e as destinadas para a obra. Parece supérfluo mencionar isso, mas é preciso enfatizá-lo; nenhum clinhefro dado para a obra pode ser usado pelo obreiro

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para satisfazer suas necessidades pessoais. Ou deve ser usado para custear despesas ligadas com a sua obra ou deve ser enviado para outro obreiro. Temos de aprender ajustiça em relação a todas as questões materiais. Se houver alguma carência em relação à obra, o obreiro deve arcar com ela e se houver sobejo, ele não pode desviá-lo para satisfazer as próprias necessidades.

Assim que comecei a servir ao Senhor, li sobre um incidente na vida de Hudson Taylor que foi de grande ajuda para mim. Se me lembro corretamente, o ponto central é este: o senhor Taylor estava em St. Louis, Estados Unidos e devia ir a Spring-field para participar de algumas reuniões. A carruagem que o levava à esta­ção estava atrasada e o resultado foi que, quando ele chegou lá, o trem já havia partido, e parecia não haver meios de ele cumprir o compromisso. Mas, voltando-se para o doutor J. H. Brookes, ele disse: "Meu Pai dirige os trens; vou chegar a tempo". Perguntando ao funcionário, descobriram um trem que partia de St. Louis em outra direção, que cruzava a linha que ia para Springfielcl; mas o trem ela outra linha sempre partia dez minutos antes de esse trem chegar, visto que estavam em ferrovias opostas. Sem a menor hesi­tação, o senhor Taylor disse que iria naquela direção, a despeito de o funcionário dizer-lhe que não se faziam conexões ali. Enquanto esperavam, um cavalheiro foi à estação e passou ao senhor Taylor algum dinheiro. Ele voltou-se ao doutor Brookes com o comentário: "Não vê que o meu Pai acaba de enviar-me a passagem do trem?", querendo dizer que, se ele tivesse chegado a tempo de pegar o trem que perdera, ele não o teria pegado. O doutor Brookes ficou sur­preso. Ele sabia que o senhor Taylor tinha grande soma de dinheiro na mão, que lhe fora dada para a obra na China, assim perguntou: "Que quer dizer? Você não tinha dinheiro para a passagem?" O senhor Taylor replicou: "Nunca 11so para despesas pessoais o que é especificado para a obra. O dinheiro destinado para uso próprio acaba de chegar!" Talvez peb primeira vez na história daquela ferrovia o trem de St. Louis chegou primeiro do que o outro e o senhor Taylor foi capaz de manter o compromisso em Springfield!

TORNAR CONHECIDAS AS NOSSAS NECESSIDADES

Já dissemos que um apóstolo pode encorajar o povo de Deus a

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lembrar-se das necessidades elos santos e elos presbíteros, mas não pode mencionar nada acerca das próprias necessidades ou das necessidades da obra. Que ele apenas dirija a atenção das igrejas para as carências dos outros e Deus atrairá a atenção dos outros para as carências dele. Que se preocupe com as necessidades dos santos e dos presbíteros e Deus usará os santos e presbíteros para atrair a atenção das igrejas para as necessidades dele.

Temos de evitar toda propaganda relacionada com a obra. Com toda a honestidade ele coração, temos ele confiar em Deus e fazer nossas necessidades conhecidas apenas Dele. Se o Senhor assim nos dirigir, podemos falar, para a glória Dele, do que Ele operou por meio ele nós (ver At 14:27; 15:3-4). Mas nada deve ser feito na forma de propaganda, na esperança ele receber ajuda material. Isso desagrada a Deus e é nocivo para nós. Se por questão finan­ceira nossa fé enfraquece, vamos fracassar quando as dificuldades relacionadas mm a obra a puserem à prova. Além disso, se sabe­mos algo elo poder da cruz para lidar com a vida do ego, como podemos recorrer à propaganda para a nossa obra e assim tirar coisas das mãos de Deus e realizá-las por esforço próprio?

Sei de obras que, no início, baseavam-se puramente na fé e a bênção do Senhor repousava sobre elas. Logo os obreiros sentiram que precisavam estender a obra e na verdade eles a estenderam além da renda costumeira_ Consequentemente tiveram de recor­rer a propaganda indireta a fim de satisfazer as obrigaçõe,;, Devemos acautelar-nos de estender a obra por nós mesmos, pois se a extensão é do homem, teremos de usar métodos humanos para ~atisfazer as novas exigências. Se Deus vê que a obra precü,,1 estender-se, Ele mesmo a estenderá e, se Ele a estender, Ele seri responsável por satisfazer as necessidades crescentes. É devido ao fato de que métodos humanm, são empregados para estender uma obra que meios humanos devem ser planejados para satisfazer as novas necessidades. Desse modo, recorre-se a anúncios e propagan­das a fim ele resolver o problema. Cartas circularns, relatórios, '·evistas, representantes, agenLes especiais e centros ele negócios r:spociais têm sido meios muito usados por obreiros cristãos para obtenção de fundos para a obra. Os homens não estão dispostos a deixar que Deus a estenda cm Seu tempo e, visto que não podem

l. A QUESTÃO DAS FINANÇAS 153

esperar pacientemente pelo seu desenvolvimento espontâneo, mas forçam um crescimento artificial, eles não têm escolha senão lançar mão de atividade natural para satisfazer a exigência desse crescimento. Eles apressaram desenvolvimentos, logo eles é que têm de elaborar maneiras e meios para a obtenção de provisões crescentes. O crescimento espontâneo da obra de Deus não neces­sita de atividades de natureza humana, pois Deus satisfaz todas as exigências que Ele cria.

A propaganda se tornou uma arte no sécu10 atual, mas se tiver­mos de tomar nosso exemplo ele empresários e usar métodos modernos de propaganda para fazer da nossa obra um sucesso, então devemos desistir do ministério e mudar o nosso chama­mento. A sabedoria do mundo declara que "o fim justifica os meios", mas nunca é assim no âmbito espiritual. Nosso fim deve ser espiritual, mas nossos meios devem ser espirituais também_ A cruz não é um mero símbolo; é um fato e um princípio que deve governar toda a obra de Deus.

Temos de permitir que o Espírito Santo nos impeça onde Ele quiser e não devemos buscar apressar as coisas tocando a obra divina com mãos humanas_ Não há necessidade de elaborar meios para atrair a atenção para a nossa obra. Deus, em Sua soberania e providência, pode muito bem assumir toda a responsabilidade. Se Ele move os homens a nos ajudar, tudo está bem; mas se nós busca­mos mover os homens por nós mesmos, tanto nós como a obra sofreremos dano. Se de fato cremos em Deus, deixaremos toda a questão nas mãos Dele.

Todos confiamos em Deus quanto ao viver, mas que necessi­dade há de fazê-lo conhecido? Sinto repulsa quando ouço servos de Deus enfatizar que vivem pela fé. Será que, de fato, cremos na soberania e providência de Deus? Se cremos, certamente podemos confiar que Ele fará conhecidas as nossm, necessidades aos Seus santos, e assim ordenará as coisas para que as nossas necessidades sejam satisfeitas sem que tentemos fazê-las conhecidas. Mesmo se as pessoas concluírem, pelo nosso modo de vida, que temos renda particular e, em consequência disso, retiverem suas ofertas, não nos importamos. Quero aconselhar meus irmãos mais novos no minis­tério que não falem de si.ias necessidades pessoais, ou de sua fé em

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Deus, para que possam prová-Lo melhor. Quanto mais fé existir menos conversa sobre ela haverá. '

ENTRE OS COOPERADORES

No Antigo Testamento lemos que, embora os levitas ficassem no lugar de Deus ao receber os dízimos do povo, eles mesmos ofere­ciam dízimos a Deus. O servo do Senhor deve aprender a ofertar assim como receber. Louvamos a Deus pelo modo generoso corno os obreiros do passado ofertaram aos seus cooperadores, mas ainda precisamos ser mais atenciosos com as necessidades materiais de todos os nossos irmãos na obra. Temos de nos lembrar das pala­vras de Paulo: "Estas mãos supriram as minhas necessidades e as dos que estavam comigo" (At 20:34). Nossa expectativa não pode ser apenas a de ter o suficiente para gastar com nós mesmos e com nossa obra, mas temos de depender de Deus para prover-nos do suficiente para ofertar aos outros também. Se nos ocupamos ape­nas com a ideia de nossas necessidades pessoais e as de nossa obra e esquecemos as de nossoB cooperadores, o plano de nossa vida espiritual é baixo demais. Assim como Paulo, temos de constante­mente pensar nos que estão conosco e auxiliá-los em suas necessi­dades. Se alguém entre nós é apenas um "recebedor" e não "doa­dor", é indigno de quem o enviou a ele e aos que trabalham com ele.

O intuito do nosso pensamento no que tange às necessidades materiais deve sempre basear-se em "as minhas necessidades e as dos que estavam comigo". O dinheiro que Deus me envia não é apenas para mim, mas também para os que (·~tão comigo. Um irmão certa vez sugeriu que Deus certamente supre as necessida­des de todos os nossos cooperadores, assim não precisamos ficar tão preocupados com eles, especialmente porque não somos uma missão nem temos obrigações financeiras para com eles. Ma" o uosso irmão esqueceu-se ele que não somos apenas responsáveis pelas nossas necessidadeti e pelas da nossa obra, mas também, de modo espiritual, assim como Paulo, somos responsáveis também pelos que estão conosco. Se somos bons cooperadores ou não, fica evidente pela medida ele nossa consideração pelos nossos irmãos na obra.

A QUESTÃO DAS FINANÇAS 155

Visto que não estamos numa missão e não temos organização feita pelo homem, nem quartéis-generais, centralização de fundos e consequentemente não temos um centro distribuidor, como é que as necessidades de todos os nossos cooperadores podem ser satis­feitas? Essa pergunta tem sido repetidamente feita a mim por irmãos interessados. A resposta é esta: todas as necessidades serão satisfeitas se cada um perceber esta responsabilidade tripla: 1) no que diz respeito à sua família e necessidades pessoais; 2) no que tange às necessidades da sua obra; e 3) no tocante às necessi­dades de seus colaboradores. Não apenas temos de depender de Deus para suprir nossas necessidades e dos que se relacionam com a nossa obra, mas definitivamente temos de depender Dele também para que nos envie fundos extras que nos possibilitem ter algo para mandar aos que se associam a nós na obra. Natural­mente não temos obrigação oficial para com eles, mas não pode­mos ignorar nossa responsabilidade espiritual.

As necessidades dos obreiros variam, bem como as da obra, além do que, o poder de oração difere em vários indivíduos e a medida de fé também. Segue-se, portanto, que nossa renda não será a mesma; mas todos entre nós devem definitivamente exerci­tar a fé para prover os fundos necessários a fim de satisfazer as necessidades de outros. As quantias que recebemos e damos podem diferir, mas o mesmo princípio aplica-se a todos nós. Traba­lhando nessa base, não é preciso ter quartel-general; pois cada um de nós age como uma espécie de quartel-general e centro distribui­dor. Naturalmente isso nâo quer dizer que temos de mandar quantia igual a todos os que se associam conosco; isso é questão de orientação individual. Confiamos na soberania e providência de Deus e deixamos que Deus regule o repassar das ofertas de modo que ninguém tenha em excesso e ninguém tenha falta. Se Deus nos dirigir a enviar dinheiro regularmente a certo obreiro, é bom fazê-lo por meio ele um irmão numa vez e por meio de outro, noutra vez, para que o que doa seja menos notado pelo f1Ue recebe.

O princípio do governo de Deus comrelação às questões finan­ceiras é: "O que muito colheu não teve demais; e o que pouco, não teve falta" (2Co S:15). O que muito colheu deve estar disposto a não ter demais, pois somente entâo é que o que pouco colheu não tem

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falta. Alguns de nós já provamos na experiência que, quando temos o encargo pelos que colhem pouco, Deus providencia pai:a que colhamos muito; mas se apenas pensamos em nossas necessidades, o máximo que podemos espernr é colher muito e não ter falta. É um privilégio poder auxiliar nossos irmãos na obra e ser capazes de dar mesmo a maior porção de nossa renda. Os que aprenderam apenas a receber raramente recebem; mas os que aprenderam a dar sem­pre recebem e sempre dão mais. Quanto mais dinheiro você gasta com outros, mais sua renda aumenta; quanto mais você tenta eco­nomizar, mais será incomodado pela ferrugem e pelos ladrões C'.\lt 6:19-20).

Não podemos confinar nossas ofertas aos que estão imediata­mente associados a nós, mas lembrar-nos de obreiros em outras partes e buscar ministrar às suas necessidades. Aos irmãos entre quem trabalhamos temos de constantemente lembrar dos outros obreiros e das necessidades deles, e encorajá-los a ofertar para eles, nunca temendo que Deus irá abençoar mais aos outros obrei­ros do que a nós. Não podemos ceder terreno para temor ou inveja. Será que de fato cremos na soberania de Deus? Se cremos, jamais temeremos que nada que Deus tem intenção de dar-nos deixará de alcançar-nos. As necessidades de Paulo e seus cooperadores eram grandes e, embora ele sempre levasse as necessidades dos santos e dos presbíteros perante as igrejas, Deus cuidou elas necessidades dele e dos que estavam com ele.

Se a sua obra há de ser conduzicb por um caminho que agrade a Deus, é absolutamente essencial que a soberania de Deus seja um fator operante em sua experiência e não apenas leoria. Quando você conhece a soberania di, ina, mesmo que os homens pare~am mover-se ao seu redor de modo aleatório e as circunstân­cias pareçam girar ao sabor do acaso, você ainda confiará na certeza de que Deus é quem ordena cada detalhe do seu caminho para a glória Dele e para o seu bem. As necessidades dos outros podem ser conhecidas dos homens, enquanto nínguêm talvez saiba das suas nem se preocupem com elas, mas você não terá ansiedade nenhuma se a soberania ele Deus é realidade para você; pois então você verá todas essas circunstâncias fortuitas e toda essa gente indiferente e mesmo as hostes maligna::; que se opõem

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A QUESTÃO DAS FINANÇAS 157

ser silenciosamente subordínadas à vontade divina; e todas as for­ças desconexas estarão todas relacionadas como se fo;,sem uma só a fim de servir ao propósito divino e ao propósito daqueles cuja vontade é uma com a Dele. Sim, "sabemos que todas as coisas coo­peram para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o Seu propósito" (Rm 8:28).

Portanto, a pergunta não é: "Nossas necessidades são grandes ou pequenas?"; nem: "São conhecidas ou desconhecidas?"; mas apenas: "Estamos na vontade de Deus?" Nossa fé pode ser posta à prova e nossa paciência também, mas se estamos dispostos a dei­xar as coisas nas mãos de Deus e calmamente esperar por Ele, não deixaremos de ver uma coordenação cuidadosa dos eventos e um encaixe primoroso das circunstâncias e emergindo ele um labirinto sem sentido contemplaremos uma correspondência perfeita entre a nossa necessidade e a provisão.

POR QUE NÃO UMA MISSÃO DE FÉ?

Alguns têm perguntado: "Já que vocês creem que todos os ser­vos de Deus devem confiar Ne1e quanto às net:essidadcs diárias e j ri. que vocês têm um grupo de cooperadores, por que não se tornam uma missãD de fé organizada?"

Por duas razões: primeiro, na Palavra de Deus, toda associação de obreiros é em base espiritual e não oficia}. Assim que você tem uma organização oficial, você muda o relacionamento espiritual que existe entre os cooperadores num relacionamento oficial. Se­gundo, a dependência somente de Deus para satisfazer todas as necessidades materiais não exige uma fé tão ativa da parte de uma organização oficial como da parte de indivíduos relacionados apenas numa comunhão espiritual. É muito mais fácil confiar em Deus como missão do que como indivíduo.

Nas Escrituras vemos fé individual, mas não "fé organizacional". Numa organização deve haver alguma renda e cada membro certa­mente recebe parte, quer exercite a fé, quer não. Isso abre caminho para que entrem na missão pessoas que não tenham fé ativa em Deus. E no caso dos que têm fü quando entram, há a possibilidade de a confiança pessoal no SenhfH" aos poL1cos enfraquecer pela falta de exercício, visto que as provisões vêm com certa regularidade, quer os

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158 A VIDA NORMAL DA IGREJA CRISTÃ

membros da missão individualmente exercitem a fé ou não. É muito fácil perder a fé em Deus e simplesmente confiar numa organ,ização. Os que conhecem a :fragilidade da carne percebem qu~o propensos somos a depender de tudo e de todos, exceto de Deus. E muito mais f:' cil pôr a expectativa em remessa de valores de uma missão do que a <li

nos corvos do céu. Amados, não é essa a verdade? Se eu sse algo impróprio, que Deus e os homens me perdoem.

Por causa da nossa tendência de olhar para o balde e esquecer a fonte, Deus sempre mudou os Seus meios de provisão a fim que manter nossos olhos fixos na fonte. Portanto, os céus que uma vez enviaram-nos chuvas bem-vindas tornaram-se bronze e os rios que nos refrescaram tiveram permissão de secar e os corvos q~e nos trouxeram o pão diário já não nos visitam; mas Deus, entao, surpreende-nos suprindo-nos as necessidades por meio de uma

obre viúva e assim provamos os maravilhosos recursos de Deus. ~é de organização não estimula a confiança pessoal em Deus e é esta que Ele procura desenvolver.

Sei que, num corpo organizado, muitas dificuldades desapa~·e­cem automaticamente. Humanamente falando, isso garante muito maior renda, pois muitos filhos de Deus preferem ofertar às orga­nizações em vez de aos indivíduos. Além disso, a obra org_anizada _é muito mais notada pelos filhos de Deus do que uma nao-orgam-

d M as perguntas como estas desafiam-nos continuamente: za a. e

Você realmente crê em Deus? Será que os princípios híbli-:os devem ser sacrificados por causa da conveniência? Você realmente quer O melhor de Deu.,, com todas as dificuldades qu~ o aco~pa­nham? Nós queremos e por isso não temos alternativa senao a obra na base do Corpo de Cristo em associação espiritual com outros que se firmam na mesma base. .

Quen,mos ressaltar, porém. que, embora nós mesmos não seJa~ mos uma missão, não nos opomos a elas. Nosso testemunh~ e positivo e não negativo. Cremos que na Palavra de Deus os vários grupos de enviados que se associaram na ~bra fir1:°-aram-se todos na base do Corpo, e que nenhum deles f01 orgamzado for~ando uma missão. Ainda assim, se nossos irmãos sentirem-se gmados por Deus. a formar tal organização, nada te";"-os a ~izer contra isso. Somente dizemos: Deus os abençoe! Para nos sena errado formar

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A Ql!ESTÃO DAS FINANÇAS 159

uma missão porque outros filhos de Deus o fazem, visto que não vemos base bíblica para tanto e não ternos a orientação do Espírito nessa direção. Todavia, quer trabalhemos numa comunhão cujos relacionamentos sejam apenas espirituais, quer numa organiza­ção cujos relacionamentos sejam oficiais, que Deus nos faça absolutamente um nisto: que não busquemos aumento ou expan­são do grupo para o qual trabalhamos e, sim, que o nosso único objetivo seja trabalhar exclusivamente para fundar e edificar igrejas locais.

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CAPÍTULO NovE

A ORGANIZAÇÃO DAS IGREJAS LOCAIS

Uma vez que já observamos a diferença entre a obra e as igre­jas, entre os apóstolos e os presbíteros, entre a base de uma igreja bíblica e as facções, podemos agora passar a ver como uma igreja local se organiza.

De acordo com o conceito atual, três coisas são consideradas essenciais para a existência de uma igreja, além de um grupo de cristãos que constituem seus membros. Essas três coisas são: um "ministro", um edifício e os "serviços da igreja". O mundo cristão questionaria a existência de uma igreja se um desses três faltasse.

Que você diria de urna igreja sem "ministro" nestes dias? Chame-o de pastor ou qualquer outro título que queira, mas tal homem certamente deve existir. Via de regra, ele é especialmente treinado para a obra da igreja, mas pode ser tanto alguém local como um obreiro transferidn de outro lugar. Quaisquer que sejam os seus antecedentes e qualificações, ele se entrega exclusiva­mente aos assuntos da igreja. Assim, os que estão nas igrejas dividem-se em duas classes: o clero, que tem por negócio cuidar de questões espirituais, e os leigos, que se devotam a cuisas seculares. Naturalmente, então, deve haver serviços da igreja, pelos quais o ministro é responsável e o mais essencial deles é o ajuntamento do domingo de manhã. Chame-o de culto, de reunião nu do que quer que seja, mas tal ajuntamento deve ocorrer pelo menos cada domingo, quando os membros da igreja sentam-s0, nos bancos e ouvem o sermão que o ministro preparou. E naturalmente deve haver um edificío. Chame-o de salão, local de reuniões, capela ou igreja; mas o que quer que seja, tal lugar deve existir. Doutra forma, corno alguém poderia "ir à igreja" no domingo? Porém, o

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que é considerado essencial para uma igreja hoje era considerado toLalmente desnecessário nos primórdios da história da Igreja. Vejamos o que diz a Palavra de Deus a esse respeito.

O "MINISTRO", OU OBREIRO, NO GOVERNO DA IGREJA

"Paulo e Timóteo, escravos de Cristo Jesus, a todos os santos em Cristo Jesus, q1.1e estão em Filipos, inclusive supervisores e diáconos" (Fp 1:1). Em nenhuma igreja sequer encontramos men­ção de que um "ministro" controle seus assuntos; essa posição é sempre ocupada por um grupo de presbíteros locais. E em nenhum lugar obtemos uma apresentação mais clara e abrangente do con­junto de ofícios de uma igreja do que no versículo de Filipenses que acabamos de citar. A igreja consiste de todos os santos, inclu­sive supervisores e diáconos. Os diáconos são os homens designa­dos para servir às mesas (At 6:2-6), isto é, os que cuidam exclusivamente do lado prático das coisas. Os supervisores são os presbíteros, que supervisionam todas as questões da igreja (Atos 20:17, 28 e Tito 1:5, 7 deixam isso bem claro). E, além dos supervi­sores e diáconos, há todos os santos. Essas três classes compreen­dem a igreja toda e nenhuma outra classe de pessoas pode ser introduzida numa igreja sem fazer disso uma organização não

bíblica. Antes de estudar os presbíteros, devemos ver brevemente os

diáconos. Eles não ocupam posição tão importante como os presbí­teros, que governam a igreja; são escolhidos pela igreja para servi-la. São os executores que levam a cabo as decisões do Espí­rito Santo por meio dos presbíteros e da igreja. Visto que os diáconos estão, na verdade, mai::; relacionados com a vida da 1.'jreja do que com a obra, achamos que basta fazer uma breve menção

deles. Há dois tópicos relacionados com os presbíteros que merecem

especial atenção. Primeiro, ele;;; são escolhidos entre os irmãos comuns. Não são obreiros que mm chamamento especíal de Deus para devotar-se exclusivamente à obra espiritual. Via de regra, têm família e responsabilidades nos negócios, e são irmãos comuns de boa reputação. Segundo, os presbíteros são escolhidos entre os irmãos locais. Não são transferidos de outros lugares,

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mas são separados exatamente no lugar em que vivem e não são chamados a deixar suas ocupações comnns, mas simplesmente devotam seu tempo livre às responsabilidades da igreja. Os mem­bros da igreja são locais e, como os presbíteros são escolhidos dentre os membros comuns, segue-se que são também locais (At 14:23; Tt 1:5).

E visto que todos os presbíteros bíblicos são irmãos locais se transferimos alguém de outro lugar para controlar uma igreja, ~ós nos afast~mo~ da base bíblica. Aqui novamente vemos a diferença entre as 1greJas e a obra. Um irmão pode ser transferido para outro lugar a fim de cuidar da obra ali, mas nenhum irmão pode ser enviado de sua cidade para assumir os encargos da igreja em outro lugar. As igrejas de Deus são todas governadas por presbíte­ros e os presbíteros são todos escolhidos entre os irmãos locais.

Se um grupo de homens é salvo em certo lugar e um obreiro é encarregado de cuidar deles, então é incorreto dizer que esse gTUpo seja a igreja. Se os assuntos ainda estão nas mãos do obreiro e não passaram para as mãos dos irmãos locais, isso ainda é a obra; não é a igreja. Façamos clara distinção: a obra está sempre nas mãos dos obreiros e a igreja está sempre nas mãos dos irmãos locais. Sempre que um obreiro está no controle dos assuntos trata-se da obra e não da igreja. '

Já foi ressaltado que na Palavra de Deus há presbíteros locais, mas não apóstolos locais. Quando Paulo deixou Tito em Creta seu objetivo não era que Tito administrasse os assuntos da igrej; ali, mas designasse presbíteros em cada lugar para que eles cuidas­sem dos assuntos da igTeja. O negócio dos obreiros é fundar igrejas ~ designar presbíteros e nunca assumir diretamente a responsabi­lidade das igndas. Se em certo lugar um apóstolo assume a responsabilidade dos assuntos da igreja local, ou ele muda a natu­reza do seu oficio ou a natureza da igreja. Nenhum apóstolo que venha de outro lugar está qualificado para o ofício de presbítero local; o posto só pode ser ocupado por homens locais.

Nós que fomos chamados por Deus para a obra, estejamos abso­lutamente cientes disto: jamais fomos chamados para estabele­cer-nos como pastores em lugar algum. Podemos visitar novamente as igrejas que fundamos e ajudar os crentes que antes conduzimos

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ao Senhor, mas jamais podemos tornar-nos "ministros" e assumir a responsabilidade dos assuntos espirituais no lugar deles .. Eles devem estar satisfeitos com os presbíteros designados pelos apósto­los e aprender a honrá-los e obedecer-lhes_ Obviamente é preciso mais graça da parte dos crentes para submeterem-se aos que são contados com eles e têm a mesma posição, do que ceder· o controle a alguém que vem de fora e tem qualificações especiais para a obra espiritual. Mas Deus assim ordenou e nós nos curvamos à Sua

sabedoria. A relação entre a obra e a igreja é realmente muito simples.

Um obreiro prega o evangelho, almas são salvas e pouco tempo depois alguns dos que, comparativamente falando, avançaram mais, são escolhidos entre eles para ser responsáveis pelos assun­tos locais. Assim uma igreja é estabelecida! O apóstolo, então, segue a direção do Espírito e vai parn outro lugar e a história se repete. Assim, a vida e atividade espirituais da igreja desenvol­vem-se, pois os crentes assumem a própria responsabilidade; e a obra propaga-se com constância porque os apóstolos estão livres pru·a mudar-se de um lugar para outro a pregar o evangelho e

fundar igrejas. A primeira pergunta que geralmente se faz em relação à igreja

é: "Quem é o ministro?" A ideia de quem pergunta é: "Quem é o responsável por ministrar e administrar as coisas espirituais nesta igreja?" O sistema clerical da administração da igreja é excedentemente popular, mas a ideia toda é estranha às Escritu­ras, nas quais encontramos a responsabilidade da igreja comissio­nada a presbíteros e não a "ministros" como tais. E os presbíteros somente assumem a supervisão da ubra da igreja; eles não a reali­zam em lugar dos irmãos. Se, num grupo de irmãos, o ministro é ativo e os membros da igreja são todos passivos, o grupo é uma missão e não uma igreja. Numa igreja, todos os membros são ati­vos. A diferença entre os presbíteros e os demais membros é que estes últimos trabalham, enquanto os primeiros tanto trabalham quanto supervisionam os demais no trabalho. Visto que já lidamos com a questão dos presb{teros em outro trecho, não faremos refe-

rência a isso aqui.

A ORGANIZAÇÃO DAS IGREJAS LOCAIS 165

O LUGAR DE REUNIÕES

Outra coisa que é considerada de vital importância para a exis­tência de uma igreja é o edifício. A ideia de uma igreja é tão frequentemente associada com o edifício que o próprio edifício geralmente é chamado de "igreja". Mas na Palavra de Deus são os crentes vivos que são chamados de igreja e não os tijolos e a arga­massa (ver At 5:11; Mt 18:17). Segundo as Escrituras, nem mesmo é necessário que uma igreja tenha lugar definitivamente estabele­cido para comunhão. Os judeus sempre tiveram seu lugar especial de reuniões e aonde quer que fossem, eles faziam questão de ter um edifício como sinagoga na qual adoravam a Deus. Os primeiros apóstolos eram judeus e a tendência judaica de edificar lugares especiais de adoração era natural para elos. Se o cristianismo exi­gisse que se separassem lugares para o propósito específico de adorar ao Senhor, os primeiros apóstolos, com seus antecedentes judaicos e tendências naturais, estariam prontos para edificá-los. O assombroso é que, não apenas não levantaram eclificios especi­ais, mas parece que intencionalmente ignoraram o assunto por inteiro. É o judaísmo, e não o cristianismo, que ensina que deve haver lugares santificados para adoração divina. O templo do Novo Testamento não é um edifício material; consiste de pessoas vivas, todas crentes no Senhor. Visto que o templo neotestamentá­rio é espiritual, a questão do lugar de reunÍÕ!)s para os cristãos ou locais de adoração é de menor importântLi. Voltemos ao Novo Testamento e vejamos como se lida com a questão dos locais de reuniões.

Quando estava na terra, o Senhor se reunia com os discípulos às vezes no monte e às vezes na praia. Ele os reunia ao Seu redor ora numa casa, ora num barco e houve vezes em que Ele se afastou com eles para o aposento superior. Mas não havia local consa­grado, onde habitualmente se reunia com os Seus. No Pentecostes os discípulos estavam reunidos num aposento superior e após o Pentecostes reuniam-se todos no templo ou separadamente em casas (At 2:46) ou às vezes no pórtico de Salomão (At 5:12). Eles se reuniam para orar em várias casas, uma delas era a de Maria (At 12:12), e lemos que, em certa ocasião, reuniram-se num aposento

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no te:rceiro andar de uma casa (At 20:8). Julgando por essas passa­gens, os cristãos congregavam-se em grande variedade de lugares e não tinham local oficial de reuniões. Eles simplesmente lança­vam mão de um edifício que fosse adequado para as necessidades deles, quer fosse uma casa particular ou apenas um aposento numa casa ou mesmo em grandes edifícios públicos como o templo ou mesmo um espaço amplo como o pórtico de Salomão. Eles não tinham edifícios especialmente preparados para o uso da igreja; eles nada tinham que correspondesse à "igreja" de hoje.

"No primeiro dia da semana, estando nós reunidos para partir o pão, Paulo( ... ) conversava com eles.( ... ) Havia muitas lâmpadas na sala superior onde estávamos reunidos. E certo jovem, de nome Êutico, que estava sentado na janela" (At 20:7-9). Em Trôade, encontramos os cristãos reunidos no terceiro andar de um edifício. Há um ar deliciosamente não oficial acerca dessa reunião, um con­traste com os cultos convencionais de hoje, com os membros da igreja todos sentados empertigados nos bancos. Mas essa reunião em Trôade era uma verdadeira reunião bíblica. Não havia a estampa oficial nela; ela tinha as marcas da vida real, em perfeita naturalidade e pura simplicidade. Era corretíssimo que alguns dos santos sentassem numa janela ou outros no assoalho como fizera Maria muito tempo antes. Em nossas assembleias temos de voltar ao princípio da sala superior. O primeiro andar é para negó­cios, em que homrns vêm e vão; mas há mais atmosfera caseira na sala superior e as reuniões dos filhos de Deus são familiares. A última ceia foi numa sala superior; assim também o Pentecostes, e novamente a reunião em Trôade. Deus quer que a intimidade da sala superior marque as reuni6es dos Seus filhos e não a formali­dade rígida de um imponente ,idifício público.

É por isso que na Palavra de Deus encontramos os Seus filhos reunidos numa atmosfera familiar num lar. Lemos sobre a igreja na casa de Priscib e Aquila (Rm 16:5; lCo 16:19), a igreja nn casa de Ninfa (Cl 4:15)" a igreja na casa de Filemon (Fl 2). O Novo Tes­tamento menciom1 :,ielo menos essas três igrejas que estavam na casa dos crentes. Como as igrejas foram parar nessas casas? ,S,, em certo lugar havia po,1cos crentes e um deles tinha casa suficiente­mente grande para acomodar a todos, eles naturalmente se

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reuniam ali e os cristãos naquela localidade eram chamados de "a igreja na casa de Fulano de Tal".

Tudo deve começar no início. Quando uma igreja é fundada, os crentes desde o princípio devem aprender a reunir-se por si sós, quer na própria casa quer em algum outro edifício que possam ter. Naturalmente, nem toda igreja é uma igreja numa casa, mas uma igreja numa casa deve ser encorajada em vez de ser considerada um retrocesso. Se o número de crentes é grande e a esfera da loca­lidade é ampla, eles talvez precisem reunir-se, como faziam os santos em Jerusalém, em várias casas (o que pode significar lares, lugares ou outro edifício qualquer) em vez de numa só. Havia somente uma igreja em Jerusalém, mas seus membros congrega­vam-se em várias casas. O princípio das casas aplica-se ainda hoje. Isso não quer dizer que a igreja toda irá sempre reunir-se separadamente; na verdade, é importante e de grande proveito que todos os crentes reúnam-se com certa regularidade num único lugar (lCo 14:23). Para tornar possíveis essas reuniões, podem tomar emprestado ou alugar um lugar público para a ocasião ou, se tiverem meios suficientes, podem adquirir um local perma­nente para esse fim. Mas o local de reuniões dos crentes pode geralmente ser uma casa particular. Se esta não estiver disponível e não for adequada, naturalmente devem conseguir outros edifí­cios. Mas devemos tentar encorajar reuniões nas casas dos cristãos.

Os grandes edifícios de hoje, com seus pináculos imponentes, falam do mundo e da carne, e não elo Espírito, e em muitos aspec­tos não chegam perto de ser adequados para o propósito de uma assembleia cristã como as casas do povo de Deus. Em primeiro lugar, as pessoas sentem-se muito mais à vontade em folar de coi­sas espirituais na atmosfera não convPncional de uma casa do q11e

nos edifícios •·spaçosos da igreja ondP tudo é conduzido de modo formal; além disso, não há a mesma possibilidade de mutualidade ali. De alguma forma, assim que as pessoas entram nesses edifí­cios especiais, involuntariamente caem na passividade e ic,"peram que se pregue para elas. Uma atmosfera familiar deve saturar todas as reuniões dos filhos de Deus, para que os irmlos até mesmo sinta:n-se livres para fazer perguntas (lCo 14:3:i i. Tudo

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deve e~tar sob o controle do Espírito, mas deve haver a liberdade do Espírito também. Além do mais, se as igrejas estão nas casas dos irmãos, naturalmente eles sentem que todo o interesse da igreja ó o interesse deles. Há o sentido de proximidade no relacio­namento entre eles e a igreja. Muitos cristãos sentem que os negócios da igreja são algo muito distante deles. Não têm preocu­pação íntima, pois em primeiro lugar têm o seu "ministro" que é especialmente responsável por todos esses assuntos e depois têm um grandioso edifício que parece tão alheio à casa deles, e onde as questões são conduzidas tão sistematicamente e com tal precisão que eles se sentem sobrepujados e atados no espírito.

Ainda mais, as reuniões na casa dos crentes podem ser um tes­temunho frutífero aos vizinhos e fornecem oportunidade para testemunhos e pregação do evangelho. Muitos que não estão dis­postos a ir à "igreja" ficarão contentes em ir à casa de alguém. E a influência é muito útil para as famílias dos crí,-,1..ios. Desde cedo os filhos de Deus serão rodeados por uma atm ,-.;fera espiritual e terão constante oportunidade de ver a realidad· de coisas eternas. Novamente dizemos que, se as reuniões são na L'.,isa dos cristãos, a Igreja é salva de muita perda material. Uma das razões de os cris­tãos terem sobrevivido às perseguições romanas nos primeiros séculos da história da Igreja é que eles não tinham edifícios espe­ciais para adoração, mas reuniam-se em porões e cavernas e ouLrus lugares não notórios. Tais locais de reuniões não foram prontamente descobertos pelos seus perseguidores; mas os edifí­cios grandes e caros de hoje seriam facilmente localizados e destruídos e as igrejas seriam rapidamente varridas da face da te~ra. As estruturas imponentes dos tempos modernos transmi­tem a impressão do mundo em vez da de Cristo cujo nome das ostentam ! os prédios e outros locais necessários para a obra ;-;ão outra questão; falamos aqui apenas das igrejas).

Portanto, o método bíblico da organização da igreja é extrema­mente simples. Assim que h:t alg1 ms crentes num lugar, ,.:lns começam a reunir-se na casa de um deles. Se o número aumenta a ponto de ser impraticável reunir-se numa casa, podem reunir-se em várias casas, mas todo o grupo de crentes pode reunir-se de vez em quando em algum lugar público. Um local para tais fins pode

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ser emprestado, alugado ou construído, segundo a condição finan­ceira da igreja; mas temos de nos lembrar que o local ideal de reuniões dos santos é a casa de cada um deles.

As reuniões ligadas com a obra são arranjadas segundo linhas totalmente diferentes e estão inteiramente sob os auspícios dos obreiros. Elas estão no princípio da casa que Paulo alugou em Roma. Corno já vimos, quando Paulo chegou a Roma, a igreja já existia ali e os crentes já tinham suas reuniões regulares. Ele não usou o local de reuniões da igreja para a sua obra, mas alugou um local separado, visto que ficaria em Roma por longo tempo. Em Trôade ele ficou apenas uma semana, portanto não alugou ne­nhum lugar ali, mas simplesmente aceitou a hospitalidade da igreja. Quando ele foi embora, as reuniões especiais que ele condu­zia cessaram, mas os irmãos em Trôade ainda continuaram suas próprias reuniões. Se um obreiro pretende permanecer muito tempo num lugar, deve obter um centro separado para a sua obra e não fazer uso do local de reuniões da igreja. Esse centro quase sem· pre requer acomodações maiores do que o local de reuniões da igreja. Se o Senhor chamar alguns de Seus servos para manter um testemunho permanente em certo lugar, o motivo de um edifício especial ligado com a obra pode ser muito maior do que a necessi­dade de locais ligados à igreja. É quase essencial ter um local se a obra for levada a cabo nuia lugar, ao passo que as casas dos santos quase sempre satisfarão as necessidades das reuniões da igreja.

A REUNIÃO

Antes de considerar a questão da reunião, digamos primeira­mente algumas palavras acerca da natureza da igreja. Cristo é a Cabeça da Igrcj a e ''nós, que somos muitos, somos um só Corpo em Cristo, e individualmente membros uns dos outros" (Rm 12:5). Sem Cristo, a lfo.1Tej a não tem cabeça; todos os cristãos são apenas membros e são "membro!'\ uns dos outros". A mutualidade expres­sa a natureza da Igreja, pois todos os relacionamentos entre os crentes são de um membro cont <l outro e nunca da cabeça com os membros. Todos os que comp ·,,_,m uma igreja tomam lugar de membros do Corpo e não a posic,:jo da cabeça. Toda a vida da igreja

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e todas as suas atividades dev-em ser estampadas por essa característica de mutualidade.

A natureza da obra, porém, é bem diferente da naturez~ da igreja. Na obra, há gTupos ativos e passivos. Os apóstolos são ati­vos e aqueles entre os quais eles trabalham são passivos, ao passo que na igreja todos são ativos. Na obra a atividade é de um só lado; na igreja é para todos os lados.

Quando reconhecemos a diferença fundamental entre a natu­reza da obra e a da igreja, facilmente entendemos o ensinamento bíblico acerca das reuniões que estamos para considerar. Há duas categorias de reuniões nas Escrituras: a reunião da igreja e a reu­nião apostólíca. Se vamos diferenciar claramente as duas, primei­ro temos de entender a natureza diferente da igreja e da obra. Uma vez que vemos isso claramente, uma olhadela na natureza de certa reunião tornará óbvio a que esfera ela pertence; mas se dei­xarmos de perceber a distinção, constantemente confundiremos a igreja com a obra. Na Igreja primitiva havia reuniões que definiti­vamente estavam ligadas com as igrejas e outras que definitiva­mente estavam ligadas com a obra. Nas reuniões ligadas com a obra, apenas um homem falava e todos os demais eram a sua audiência. Um ficava em pé perante os outros e, ao fala1·, direcio­nava os pensamentos e corações dos que sentavam e ouviam em silêncio. Esse tipo de reunião pode ser logo reconhecido como uma reunião ligada com a obra apostólica, pois tem o caráte1· de obra, ou seja, atividade de um larlo e passividade de outro. Não há a estampa de mutualidade m,la. Nas reuniões da igreja "cada um tem salmo, tem ensinamento, tem revelação, tem outra língua, tem interpretação" (lCo 14:26). Aqui não é o caso de uma pessoa

· dirigindo e os demais seguindo, mas de cada um contribuir com sua porção de ajuda espiritual. É verdade que apenas alguns dos presentes participam, mas todos podem; somente alguns real­mente contribuem com a reunião, mas todos são contribuintes em potencial. As Escrituras mostram esses dois tipos distintos de reu­niões: as reuniões apostólicas, dirigídas por um só homem, e as reuniões da igreja, das quais todos os irmãos locais são livres para participar.

As reuniões apostólicas podem ser divididas em duas classes:

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para crentes e para incrédulos. A reunião que houve logo após a Igreja ter passado a existir foi uma reunião apostólica para incré­dulos (At 2:14). As reuniões no pórtico de Salomão (At 3:11) e na casa de Cornélio (At 10) tinham a mesma natureza, e ainda há outros registros de reuniões similares no livro de Atos. Eram cla­ramente reuniões apostólicas, e não reuniões da igreja, pois havia um só homem a falar e os demais a ouvir. A pregação de Paulo em Trôade era para os irmãos (At 20). Quer fosse na igreja quer não, ainda era apostólica em natureza, pois tinha apenas o apóstolo que falava a toda a assembleia, e não membros variados partici­pando para aperfeiçoamento mútuo. Paulo pregou aos irmãos em 'frôade pois passava por lá e nenhum apóstolo que passe por um lugar como ele fez está livre de receber o convite dos irmãos para ajudá-los espiritualmente. Quando Paulo, então, estava em Roma, os irmãos iam à casa que ele alugara para ouvi-lo testificar (At 20:23, 30-31). Essa obra, de novo, é especificamente apostólica em natureza, pois um só homem está ativo ao passo que os outros estão passivos.

O segundo tipo de reunião é mencionado em 1 Coríntios: "Se, portanto, toda a igreja se reunir no mesmo lugar

e todos se puserem a falar em línguas, no caso de entra­rem alguns não instruídos em línguas ou incrédulos, não dirão, porventura, que estais loucos?( ... ) Que fazer, pois, irmãos? Quando vos reunis, cada um tem salmo, tem ensinamento, tem revelação, tem outra língua, tem interpretação. Seja tudo feito para edificação. Se al­guém falar em outra língua, que sejam dois ou quando muito três, um de cada vez, e um deve interpretar. Mas, se não houver intérprete, fiqm~ calado na igreja, e fale consigo mesmo e com Deus. Quanto a profeta,;, falem dois ou três e os outros julguem. Se, porém, for revelado algo a outro que esteja sentado, o primeiro deve ca­lar-se. Porque todos podeis profetizar, um de cada vez, para todos aprenderem e serem encorajados. Os espíri­tos dos profetas estão sujeitos aos próprios prnfetas; pois Deus não é de confusão, e sim de paz. Como cm todas as igrejas dos santos" (lCo 14:23, 26-33).

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Es~a é obviamente uma reunião da igreja, pois não há um só homem dirigindo enquanto os demais seguem, mas cada membro dotado contribui para a reunião como o Espírito o dirige. Nas reu­niões apostólicas há distinção definida entre pregador e audiên­cia, mas nesse tipo de reunião todo e qualquer membro dotado da igreja pode ser pregador e todos podem ser a audiência. Nada é determinado pelo homem e cada um participa à medida que o Espírito o dirige. Não é um ministério de "todos os homens", mas um ministério do Espírito Santo. Os profetas e mestres ministram a Palavra que o Senhor lhes dá, ao passo que os demais ministram à assembleia de outras formas. Nem todos podem profetizar e ensinar, mas todos podem buscar profetizar e ensinar (lCo 14:1). Há oportunidade para todos os membros da igreja ajudarem os outros e serem ajudados também. Um irmão pode falar num momento da reunião e outro mais tarde; você pode ser escolhido pelo Espírito para ajudar os outros numa hora e eu em outra hora. Tudo na reunião é governado pelo princípio de "dois ou três" (lCo 14:27, '.29). Até mesmo os dois ou três profetas não são pennanen­temente designados para ministrar às reuniões, mas em cada reu­nião o Espírito escolhe quaisquer dois ou três dentre todos os profetas pn:'sentes. Vê-se logo que tais reuniões são reuniões da igreja, poic: :t estampa da mutualidade está claramente em todos os procedi mentas.

Há apenas um versículo no Novo Testamento que fala da importância de os cristãos reunirem-se; é Hebreus 10:25: "Não deixando de nos reunir, como é costume de alguns; pelo contl"ário, exortando uns aos outros, e tanto mais quanto vedes que o dia se ap.roxima". Esse versículo mostra que o objeto de tal reunião é admoestar, ou exortar, "uns aos outros". Essa obviamente não é uma reunião apostólica, pois não é o caso de um só homem exortar toda a cor1gTegação, e, sim, de todos os membros cerem igual res­ponsabilidade de exortar uns aos outros. Uma reunião da igreja tem a eRtampa "uns aos outros" sobre si.

Há vários propósitos pelos quais a igreja se n,Cme, como regis­tram as Escrituras. Primeiro, orar (At 2:42; 4:24, :31; 12:5); segundo, ler (Cl 4:16; lTs 5:27;At2:42; 15:21, 30-:~1'); terceiro, o partir do pão, que não são reuniões presididas por alguém individualmente que

A ORGANIZAÇÃO DAS IGREJAS LOCAIS 173

assume a responsabilidade, visto que há referência ao "cálice da bênção que abençoamos (. .. ) pão que partimos" (lCo 10:16-17; At 2:42; 20:7); e quarto, o exercício dos dons espirituais (lCo 14). O último tipo é a reunião da igreja, pois a expressão "na igreja" é usada várias vezes na passagem que a descreve (lCo 14:28, 34-35). Esse trecho diz que nessa reunião todos podem profetizar. Como isso é diferente de um homem a pregar e todos os outros sen­tados quietos nos bancos a ouvir o sermão[ Essa reunião não tem lugar entre os vários ajuntamentos da igreja, pois sua natureza evidencia que é uma reunião apostólica e, como tal, pertence à esfera da obra, e não da igreja. As reuniões em que só há atividade de um lado não entram no escopo da igreja, pois carecem do traço distinto de todos os ajuntamentos da igreja; e quando se faz qual­quer tentativa de encaixá-la no programa da igreja, certamente resulta em muitos problemas. ·

Hoje, infelizmente, esse estilo de reunião é o traço principal das igrejas. Nenhuma reunião tem frequência tão regular como essa. Quem é considerado um cristão de fato bom? Não é o que comparece a cinquenta e dois cultos dominicais no ano para ouvir o pregador? Mas isso é passividade e prenuncia a morte. Mesmo o que frequenta a "igreja" cinquenta e dois domingos no ano, na ver­dade, não esteve nenhuma vez numa verdadeira reunião da igreja. Ele apenas foi a reuniões ligadas à obra. Não quero com isso dizer que jamais devemos ter esse tipo de reunião, mas o ponto é que tal reunião é parte da obra e não da igreja. Se você tem um obreiro em sua localidade, talvez tenha esse tipo de reunião, caso contrário, não. A igreja local, como igreja, não tem tais reuniões. Onde há tais reuniões ligadas à igreja, devemos desencorajá-las e ajudar os crentes a ver que as reuniões da igreja são conduzidas pela igreja. Se as reuniões apostólicas substituem as reuniões da igreja, os membros da igreja tornam-se passivos e indolentes, sempre à espera de ajuda, em vez de buscar, na dependência do Espírito, ser úteis aos demais membros. É contrário aos princípios do Novo Tes­tamento de ajuda mútua e aperfeiçoamento mútuo. A razão ele as igrejas na China ::;erem ainda tão fracas, após cem anos ele missões cristãs, é que os servos de Deus introduziram nas igrejas locais o tipo de reunião que realmente pertence à obra e os membros das

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igrejaq naturalmente concluíram que se frequentarem tais cultos e apenas receberem passivamente o que lhes ê ensinado ali, terão realizado a maior parte de seu dever cristão. A responsabilidade individual foi perdida de vista e a passividade tem impedido o desenvolvimento da vida espiritual de todas as igrejas.

Além disso, para manter o sermão do domingo de manhã, você tem de ter um bom pregador. Por isso, um obreiro não apenas é necessário para administrar os assuntos da igreja como também para manter as reuniões para enlevo espiritual. É natural, se um bom sermão é dado cada domingo, que as igrejas esperem por alguém que seja mais bem qualificado para pregar do que os irmãos locais recém-convertidos. Como podem esperar produzir um bom sermão por semana? E quem pode esperar pregar melhor do que um servo especialmente chamado por Deus? Assim, um apóstolo é estabelecido como pastor da igreja e, consequente­mente, a,.; igrejas e a obra perdem seus traços distintos. O resul­tado é urna séria perda nas duas direções. Por um lado, os irmãos tornam-,.;e preguiçosos e egoístas, pois sua ideia está centrada apenas neles mesmos e na ajuda que podem receber; por outro, territórios não evangelizados são deixados sem obreiros, pois os apóstolos estabeleceram-se como presbíteros. Por falta de ativi­dade espiritual, o crnscirnento das igrejas é suspenso, e por falta de apóstolos a propagação da obra também o é.

Visto que muita devastação foi gerada pela introdução de um traço da obra nas igrejas, e assim despojou a verdadeira natureza de ambas, temos de fazer clara diferença entre as reuniões que pertencem especificamente à obra e as que pertencem especifica-

. mente à igreja. Quando Deus abençoa os nossos esforços em um lugar quanto à salvação de almas, temos de cuidar para que os sal­,os entendam, desde o início, que as reuniões que resultaram na c:alvação deles pertencem à obra e não à igreja, e que eles são a igreja e devem, portanto, ter as próprias reuniões da igreja. Devem reunir-se em casa e em outros lugares para orar, estudar a Pala­vra, partir o pão e exercitar os dons e:;pirituais; e em tais reuniões o objetivo deles deve ser a ajuda mútua e o aperfeiçoamtmto mútuo. Cada indivíduo deve ter sua porção de responsabilidade e passar aos outros o que ele mesmo recebeu do Senhor. A conduta

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das reuniões deve ser o encargo não de um indivíduo, mas todos os membros devem assumir a responsabilidade juntos e devem bus­car ajudar uns aos outros, dependendo do ensinamento e orienta­ção do Espírito, e dependendo do Seu poder também. Assim que as pessoas são salvas, devem começar a reunir-se regularmente. Essas reuniões de santos locais são as verdadeiras reuniões da igi·eja.

As reuniões ligadas com a obra são apenas uma instituicão temporária (a menos que o objetivo seja manter um testemu~ho especial num lugar especial). Mas a reunião dos cristãos com vis­tas a comunhão e encorajamento mútuo é permanente. Mesmo que os crentes sejam muito imaturos, e suas reuniões pareçam muito infantis, devem aprender a contentar-se com a ajuda que recebem uns dos outros e não esperar poder sentar-se e ouvir um bom sermão. Devem buscar revelação, dons espirituais e palavra da parte de Deus; e se a necessidade deles os lança sobre Deus, resultará em enriquecimento de toda a igreja. As reuniões dos recém-salvos naturalmente terão a estampa da imaturidade no começo, mas se um obreiro assumir a responsabilidade de tais reu­niões, isso irá retardar o crescimento deles, e não nutri-los. É a condição das reuniões da igi·eja, e não das reuniões ligadas com a obra, que indica o estado espiritual da igreja numa localidade. Quando um apóstolo prega um sermão grandioso, e todos os cris­tãos acenam com a cabeça concordando e dizem "améns" frequen­tes e fervorosos, quão profundamente espiritual parece ser a congregação! Nias é quando se reúnem por si mesmos que o verda­deiro estado espiritual deles vem à luz.

A reunião apostólica não é parte intrínseca da vida da igreja; é meramente parte da obra e cessa com a partida do obreiro. Mas as reuniões da igreja prosseguem ininterruptamente, quer o obreiro esteja presente ou ausente. Pela falta de percepção ela diferença entre as reuniões da igreja e as da obra é que sempre ocorreu aos irmãos que é preciso cessar de congregar-se quando o obreiro se vai. Uma das fontes mais frutíferas de fracasso espiritual hoje é que os filhos de Deus consideram a igreja parte da obra; logo, quando há um sermão para ouvir, eles formam uma audifrncia bem disposta, mas se não há pregador, as reuniões automaticamente

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cessam e não há a menor ideia de simplesmente reunir-se para auxiliár uns aos outros.

Todavia, como podem os crentes locais ser preparados para ministrar uns aos outros? Nos dias dos apóstolos, tinha-se por cer­tos que o Espírito viria sobre todos os crentes assim que se voltas­sem para o Senhor e, com a vinda elo Espírito, os dons espirituais eram infundidos, pelo exercício dos quais as igrejas eram edifica­das. O método comum que Deus ordenou para a edificação das igrejas são as reuniões comuns da igreja e não as reuniões condu­zidas pelos obreiros. A razão de as igrejas serem tão fracas nos dias atuais é que os obreiros buscam edificá-las, mediante as reu­niões que estão sob os seus cuidados, em vez de deixar à responsa­bilidade dos próprios cristã.os o edificar uns aos outros mediante as reuniões adequadas da igreja. Por que as reuniões da igreja de 1 Coríntios 14 deixaram de ser parte da vida da igreja? É porque muitos dentre o povo de Deus carecem da experiência da vinda do Espírito, sem a qual uma reunião conduzida na linha de 1 Corín­tios 14 não passa de forma vazia. A menos que os que conduzimos ao Senhor tenham uma experiência definitiva do Espírito Santo vindo sobre eles, será de pouco uso instruí-los a conduzir suas reu­niões da igreja, pois tais reuniões serão sem poder e ineficazes. Se o Espírito Santo está sobre os crentes, como nos dias da Igreja pri­mitiva, Ele dará dons aos homens e tais homens serão capazes de fortalecer os santos e edificar o Corpo de Cristo. Vemos pela Pri­meira Epístola de Paulo aos Coríntios que Deus preparou os cris­tãos dessa forma com dons espirituais para que possam levar a cabo a obra de edificação das igrejas bem independentemente dos ap'óstolos. (Isso não implica que já não precisassem da ajuda dos apóstolos. Deuididamente precisavam.) Lamentavelmente hoje muitos dentre o povo de Deus dão maior importância aos servos de Deus do que ao Espírito Santo! Contentam-se em ser ministrados pelus dons de um obreiro, em vez de buscar por si mesmos os dons do Espírito; portanto as verdadeiras reuniões da igreja deram lugar a reuniões sob os auspícios dos obreiros.

Em 1 Coríntios 14, trecho que aborda as reuniões da igreja, os apóstolos foram deixados totalmente fora! Não há lugar para eles nas reuniões de uma igreja local. Quando os membros de uma

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igreja reúnem-se e os dons espirituais são utilizados, então são exercitados a profecia e outros dons, mas não há menção dos após­tolos, pela simples razão de que estes não têm 1 ugar designado nas reuniões da igreja local; são designados para a obra. Quando a igreja local se reúne, o que se utiliza são os dons; os ofícios não têm lugar ali, nem mesmo o de apóstolo. Mas isso de forma alguma impede que um apóstolo visitante fale numa reunião da igreja. Isso é ilustrado pelo fato de Paulo ter participado da reunião em Trôade. Mas o ponto que deve ser notado é que ele estava apenas de passagem por Trôade, portanto o seu discurso ali foi mera­mente um arranjo temporário a fim de que os santos locais beneficiassem dos dons espirituais e conhecimento do Senhor que Paulo tinha; não foi uma instituição permanente.

Os apóstolos, como tais, representam um oficio na obra e não um dom específico; portanto, aqui são ignorados totalmente. Não se faz menção alguma deles nessa reunião da igreja local. Na orga­nização da igreja eles não têm lugar nenhum, pois seu ministério, como apóstolos, não visava às igrejas, e, sim, à obra. Como já ob­servamos, os apóstolos nãu tinham voz na administração dns as­suntos de nenhuma igreja; mas, pelo fato ele que não lhes cabia nenhum quinhão nas reuniões locais para aperfeiçoamento mú­tuo, fica claro que Deus nem mesmo queria que eles assumissem a responsabilidade do ministério espiritual nas igrejas. Deus deu dons aos irmãos locais para que eles sejam profetas, evangelistas, pastores e mestres e, assim preparados, levem a cabo o encargo do ministério espiritual na localidade. Os apóstolos não têm respon­sabilidade nem do lado espiritual nem do lado material dos assun­tos de nenhuma igreja; os presbíteros é que são responsáveis pela administração local e os profetas e outros ministros, pelo ministé­rio local.

Então, será que os apóstolos nada têm a ver com a igreja local? Certamente! Ainda há um âmbito vasto para que auxiliem as igre­jas, mas não na competência de apóstolos. Do lado da administra­ção dos assuntos da igreja eles podem ajudar indiretamente dando conselho aos presbíteros, que lidam diretamente com tais assm1tos; do lado espiritual nas reuniões da igreja eles podem ministrar com quaisquer dous espirituais que tenham, como profetizar e en,iinar.

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O ofício apostólico não tem valor na reunião da igreja com vistas ao exerclcio dos dons espirituais. Como apóstolos, eles não podem exercer nenhum dom apostólico, mas como irmãos, podem minis­trar aos que com eles creem, usando qualquer dom com que o Espí­rito os tenha dotado.

Não apenas os apóstolos, mas até mesmo os presbíteros como tais, não têm parte nas reuniões. Em 1 Coríntios 14, os presbíteros não têm lugar nenhum. Eles nem sequer são mencionados. Já res­saltamos que os presbíteros visam ao ofício e não ao ministério. Eles são designados para o governo da igreja e não para o ministé­rio. Um ofício é para o governo e os dons são para o ministério. Nas reuniões que são para o ministério, quem conta são os que foram dotados por Deus e não os que detêm um ofício; assim, nas reu­niões da igreja, quem toma a dianteira são os profetas, mestres e evangelistas, e não os presbíteros. Eles são os dotados da igreja 1.

Temos de ver a diferença entre a obra dos presbíteros e a dos profotas e mestres. A obra deles é diferente, mas eles mesmos não são necessariamente pessoas diferentes. É bem possível que uma só pessoa aja nas duas competências. Os presbíteros são os que têm ofício na igreja local; os profetas e mestres são ministros dotados na igreja local. Os presbíteros são para o governo da igreja o tempo todo; os profetas e mestres são para o ministério nas reu­niões da igreja. Onde quer que haja uma igreja, o Senhor não apenas designa presbíteros para o governo, mas também dá dons a alguns para constituí-los ministros para as reuniões. Isso não quer dizer, todavia, que os presbíteros nada tenham a ver com as reuniões. Sempre que o governo se faz necessário nas reuniões, eles podem exercer autoridade ali. Quanto a ministrar, embora não pos­sam ministrar como presbíteros, se são profetas ou mestres, podem ministrar nessa competência. É quase imperativo que os presbíteros sejam profetas e mestres; doutro modo, não podem gouernar a igreja com eficiência.

1 Atos 20:28 deveria ser traduzido assim: "Olhai por vós mesmos e por todo o rebanho, no meio elo qual o Espírito Santo vos pôs por supervisores, parn :.tf.i,tscentar a igreja de Deus". De acordo com 1 Pedro 5:2, esse apascentar é feito 1,.,., iiante supervisão: "Apa~nmtai o rebanho de Deus entre vós, supervisionando-o".

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O que deve ser lembrado é que as reuniões da igreja são o âmbito para o ministério da Palavra, e não para o exercício de nenhum ofício. São para o exercício dos dons com vistas à edifica­ção. Visto que o apostolado e o presbiterato são ofícios, um na obra e outro na igreja, quem os detém, como tal, está totalmente fora das reuniões. Mas Deus concederá graça para a Sua igreja, dando dons para a sua edificação. As reuniões da igreja são o lugar para o uso desses dons que visam a ajuda mútua.

Todas as reuniões no princípio de "mesa redonda" são reuniões da igreja e todas as reuniões no princípio do "púlpito e bancos" são reuniões que pertencem à obra. Estas últimas são de natureza passiva, e não necessariamente uma instituição permanente, ao passo que as primeiras são um aspecto regular da vida da igreja. Uma mesa redonda o torna capaz de passar algo para mim e eu para você. Isso dá oportunidade para uma expressão de mutuali­dade, aspecto essencial de todos os relacionamentos na igreja. Nas igrejas locais, devemos desencorajar todas as reuniões que este­jam no princípio "púlpito e bancos", para que, por um lado, os obreiros de Deus sejam livres p;c.1ra viajar para longe proclamando as boas novas aos pecadores e, por outro, para que os recém­-convertidos dependam do Senhor para obter a qualificação neces­sária para servir uns aos outros. Assim as igrejas, tendo de assumir a própria responsabilidade, desenvolverão a própria vida espiritual e dons mediante o exercício. É correto ter uma reunião apostólica quando um obreiro visita a localidade, mas quando ele parte, as reuniões do tipo "púlpito" devem cessar. Os profetas, mestres e evangelistas na igreja local também podem assumir essas reuniões de vez em quando, mas devem ser consideradas excepcionais, pois estimulam a passividade e não se prestam ao desenvolvimento espiritual das igrejas.

Consultemos o livro de Atos a fim de ver o exemplo que Deus estabeleceu para a Sua Igreja no início: "E perseveravam no ensi­namento e na comunhão dos apóstolos, no partir do pão e nas orações.(. .. ) E, diariamente, perseverando unânimes no templo e partindo pão de casa em casa partilhavam o alimento com grande alegria e singeleza de coração" (At 2:42, 46). Tais eram as condi­ções nos primeiros dias da história da Igreja. Os apóstolos não

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esta~eleceram um local de reuniões central para os crentes, mas estes "perseveravam no ensinamento e na comunhão dos apósto­los, no partir do pão e nas orações". Eles iam de casa em casa tendo comunhão uns com os outros.

Podemos agora tirar as próprias conclusões dos três pontos que consideramos: 1) Onde há um grupo de crentes, alguns dos mais maduros são escolhidos dentre eles para cuidar dos outros; depois disso toda a responsabilidade local reside sobre eles. Desde o iní­cio, deve ficar claro para os recém-convertidos que é pela desig­nação divina que a administração da igreja é confiada aos presbíteros locais e não a algum obreiro de outro lugar. 2) Não há lugar oficial de reuniões necessário para a igreja. Os membros reúnem-se em uma ou mais casas, segundo o número deles, e se for preciso reunir-se em várias casas, é bom que toda a igreja reúna-se, de tempos em tempos, em um só lugar. Para tais reu­niões, um lugar especial pode ser obtido quer para a ocasião, quer em caráter permanente:, segundo as condições existentes na igreja. 3) AB reuniões da igreja não são de responsabilidade dos obreiros. Os santos locais devem aprender a usar os dons espiritu­ais que Deus lhes confiou para ministrar aos irmãos que estão com eles. O princípio no qual todas as reuniões da igreja são conduzi­das é o de "mesa redonda" e não de "púlpito e bancos". Quando algum apóstolo visita um lugar, pode conduzír uma série de reu­niões para a igreja local, mas tais reuniões são excepcionais. Geralmente nas reuniões da igreja os santos devem dar sua con­tribuição especial no poder do Espírito e sob a direção do Espírito. Mas para que essas reuniões tenham valor definitivo é essencial que os crentes recebam dons espirituais, revelação e palavra; por isso, os obreiros devem encarar com grande preocupação a questão de todos os seus convertidos experimentarem o poder do Espírito derramado.

Se os exemplos que Deus nos mostrou na Sua palavra forem seguidos, não haverá dúvidas nas igrejas acerca do governo pró­prio, do sustento próprio e da propagação própria. E as igrejas ri:1s

várias localidades consequentemente serão salvas de gasto desne­cessano, o que as capacitará a ajudar livremente os crentes necessitados, como fizeram os coríntios, ou ajudar os obreiros,

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como fizeram os filipenses. Se as igrejas seguirem as linhas que o próprio Deus estabeleceu para eles, a obra divina prosseguirá sem empecilho e o Seu reino se expandirá na terra.

O MINISTÉRIO, A OBRA E AS IGREJAS

Nos primeiros capítulos deste livro já vimos o que são o minis­tério, a obra e as igrejas locais. Neste capítulo, vimos a ligação entre o ministério e a igreja local, e também a diferença entre a igreja e a obra. Agora vamos considerar mais minuciosamente a relação entre o ministério, a obra e as igrejas, para ver claramente a posição deles, como funcionam, quais os seus respectivos âmbi­tos e como estão interrelacionados.

Em Atos 13 vimos que Deus estabeleceu urna de Suas igrejas em certa localidade; depois deu dons a alguns indivíduos nessa igreja para prepará-los para o ministério ali como profetas e mes­tres, de modo que a igreja fosse edificada. Esses profetas e mestres constituíam o ministério nessa igreja. Quando no aspecto da vida e nos dons esses ministros atingiram certo estágio de maturidade espiritual, Deus enviou dois deles para a obra em outros lugares; e a história repetiu-se nas igrejas estabelecidas por esses dois apóstolos.

Você não vê aqui a relação entre as igrejas, o ministério e a obra? 1) Deus estabelece uma igreja numa localidade. 2) Ele sus­cita homens dotados na igreja para o ministério. 3) Ele envia para a obn alguns desses homens especialmente preparados. 4) Esses homens estabelecem igrejas em vários lugares. 5) Deus suscita outros homens dotados entre essas igrejas para o ministério da edificação das igrejas. 6) Alguns deles, por sua vez, são enviados para a obra cm outros campos. Assim, a obra diretamente produz as igrejas e as igrejas indiretamente produzem a obra. Portanto, as igrejas e a obra progridem, movendo-se num círculo recorrente: a obra sempre resulta diretamente na fundação de igrejas e as igrejas sempre resultam indiretamente em mais obra.

Quanto aos homens dotados levantados por Deus para o minis­tério, eles labutam tanto nas igrejas como na obra. Quando estão na própria localidade, buscam edificar a igreja. Quando estão em outros lugares, assumem o encargo da obra. Quando estão na igreja

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local, são profetas e mestres. Quando são enviados a outros lugares, são ápóstolos. As pessoas são as mesmas, quer em casa quer fora, mas seus ministérios diferem segundo o âmbito de seu serviço. Os profetas e mestres (e pastores e evangelistas), cujo âmbito é local, mais os apóstolos, cujo âmbito é extralocal, constituem o ministério. Visto que aqueles servem as igrejas e estes servem a obra, o minis­tério é designado por Deus para satisfazer a necessidade espiritual dos dois âmbitos. Aqui novamente vemos a relação entre as igrejas, o ministério e a obra. A obra é produzida pelas igrejas, as igrejas são fundadas como resultado da obra, e o ministério serve tanto às igrejas como à obra,

Em Efésios 4, vemos que o âmbito do ministério é o Corpo de Cristo, que pode ser expresso localmente como igreja ou extralo­calmente como obra. É por essa razão também que os apóstolos, prnfetas, evangelistas e mestres estão ligados uns aos outros, embora, na verdade, a esfera da obra de um apóstolo seja bem dife­rente da esfera dos outros três. Mas todos pertencem a um só ministérío, cujo âmbito de serviço é o Corpo de Cristo. Esses dois grupos de homens são responsáveis pela obra do ministério, um grupo é dotado pelo Espírito para servir a igreja local, o outro é chamado dentre os irmãos dotados, para servir ao Senhor em vários lugares e com um ofício além dos dons. Os que foram dota­dos usam seus dons para servir a Igreja servindo à igreja em sua localidade. Os que têm tanto dons como comissionamento apostó­lico servem a Igreja servindo as igrejas em várias localidades.

Deus usa esses homens para dispensar Sua graça à Igreja. Os vários dons deles os capacitam a transmitir graça da Cabeça para o Corpo. O ministério espiritual nada mais é do que ministrar Cristo ao Seu povo. A ideia de Deus ao dar esses homens como dons para a Sua Igreja era que um Cristo, pessoalmente conhecido e experimentado por eles, fosse ministrado ao Seu povo por meio dos dons do Espírito. Eles foram dados à igreja "tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos para a obra do ministério, para a edi­ficação do Corpo de Cristo''.

No ministério, portanto, temos os profetas e outros ministros que usam seus dons para servir a igreja local, ao passo que os apóstolos, pelo seu ofício e dons, servem a todas as igrejas. O

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ministério desses dois grupos de homens é de grande importância, pois toda a obra de Deus, local e cxtralocal, está nas mãos deles. É por isso que a Palavra de Deus declara que a Igreja de Deus é edi­ficada sobre o fundamento dos apóstolos e profetas.

E nos ofícios instituídos por Deus, temos os presbíteros que ocupam o lugar principal na igreja local, ao passo que os apóstolos não têm ofício nenhum ali. Os apóstolos, por outro lado, têm o principal ofício na obra, ao passo que os presbíteros não têm lugar ali. Os apóstolos têm a posição mais importante na Igreja univer­sal e os presbíteros têm a posição mais importante na igreja local. Quando virmos a distinção entre os respectivos ofícios dos apósto­los e presbíteros, entenderemos por que os dois, estão sempre ligados (At 15:2, 4, 6, 22-23). Os apóstolos e presbíteros são os representantes mais elevados da Igreja e das igrejas. Os apóstolos têm o ofício mais elevado na obra, mas na igreja local eles, como apóstolos, não têm ofício nenhum; os presbíteros, por outro lado, têm o principal ofício na igreja local, mas como presbíteros eles não têm lugar na obra.

E na igreja local não bá dois departamentos de serviços, um relacionado com a administração da igre.fa e outro com o ministé­rio espiritual. Os ofícios estão ligados com a administração da igreja e são realizados pelos presbíteros e diáconos. Os dons estão ligados com o ministério da igreja e são exercidos pelos profetas e mestres (e evangelistas). Os presbíteros e diáconos são responsá­veis pela administração da igreja, ao passo que os profetas e mestres preocupam-se principalmente com as reuniões da igreja. Se os diáconos e presbíteros também forem profetas e mestres, então podem administrar os assuntos da igreja e, ao mesmo tempo, ministrar à igreja nas reuniões. Temos de diferenciar os presbíteros dos ministros. Na vida diária, os presbíteros é que governam a igreja, mas nas reuniões para edificação, os ministros é que são ordenad"s por Deus para à igreja. É preciso dizer nova­mente que os presbíteros, como tais, são designados para o governo da igreja, e não para as reuniões a fim de edificar a igreja. Em 1 Coríntios 14, trecho que enfoca as reuniões, os presbíteros nem entram. 1\fas os presbíteros, a fim de ser eficazes, devem ter o dom de profeta, mestre, pastor ou evangelista. Contudo, devemos

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lembrar-nos que quando ministram nas reuniões, eles o fazem, não na competência de presbíteros, e, sim, como profetas, mestres ou outros ministros. É assim que têm parte no ministério. Primei­ra a Timóteo 5:17 deixa claro que a esfera comum do serviço deles é liderar, mas alguns deles (não necessariamente todos) também podem ensinar e ministrar.

Portanto, ministério, a obra e as igrejas são bem diferentes em função e âmbito, mas estão realmente coordenados e interrelacio­nados. Efésios 4 fala do Corpo de Cristo, mas não se faz ali nenhuma discriminação entre as igrejas, a obra e o ministério. Os santos das igrejas, os apóstolos da obra e os vários ministros do ministério são todos considerados na luz do Corpo de Cristo e em relação ao Corpo de Cristo, pois, quer seja a igreja local, o ministé­rio ou a obra, todos estão na igreja. Sft0 realmente um só; logo enquanto é necessário distingui-los a fim de melhor entendê-los, não podemos, de fato, separá-los. Os que estão em âmbitos diferen­tes da Igreja precisam ver a realidade do Corpo de Cristo e agir em relação uns aos outros, como um corpo. Não elevem, por c.J.usa da diferença de responsabilidades, estabelecer-se em compartimen­tos estanques. "À igreja, a qual é o Seu Corpo", incluí as igrejas, o ministério e a obra. As igrejas são o Corpo expresso localmente, o ministério é o Corpo em função e a obra é o Corpo buscando aumento. Todos os três são manifestações diversas de um só Corpo, portanto são todos interdependentes e i:>stão interrelacio­nados. Nenhum deles pode mover-se e nem mcs mo existir por si só. Na verdade, a relação deles é tão íntima e vital que nenhum deles pode estar correto em si mesmo sem estar corretamente ajustado com os demais. A igreja não pode avançar sem receber a ajuda do ministério e sem auxiliar a obra; a obra não pode existir sem a concordância do ministério e o respaldo da igreja; e o ministério só pode exercer sua função quando há a igreja e a obra.

Isso é important[.ssirno. Nos capítulos anteriores buscamos mostrar a função e âmbito respectivos de cada item; agora o perigo é que, deixando de entender a natureza espíritual das coisas de Deus, tentemos não apenas distingui-los, mas esquartejá-los em unidades separadas, perdendo :1ssim o interrelacionamento do Corpo. Por mais clara que seja a distinção entre eles, temos de nos

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lembrar que estão todos na Igreja. Por conseguinte, devem mover­-se e agir como um só, pois não importa quais sejam as funções e âmbitos específicos deles, ainda estão todos em um só Corpo.

Portanto, por um lado, fazemos diferença entre eles a fim de entendê-los e, por outro, temos em mente que estão todos relacio­nados, como um corpo. Não é que alguns homens dotados, reconhe­cendo a própria habilidade, tomem sobre si o encargo de ministrar como os dons que têm; ou que algumas pessoas, conscientes do chamamento, unam-se para formar urna associação da obra, nem que alguns cristãos com o mesmo parecer unam-se e denomi­nem-se igreja. Todos devem estar na base do Corpo. A igreja é a vida do Corpo em miniatura; o ministério é o funcionamento do Corpo no serviço, a obra é o alcance do Corpo em crescimento. Nem a igreja nem o ministério nem a obra podem existir como algo em si mesmo. Cada um tem de extrair sua existência do Corpo, encon­trar seu lugar no Corpo e trabalhar para o bem do Corpo. Todos os três procedem do Corpo, estão no Corpo e visam ao Corpo. Se esse princípio de reciprocidade com o Corpo e interdependência entre os seus membros não for reconhecido, não poderá haver igreja nem ministério nem obra. Nunca é demais ressaltar a importância desse princípio, pois sem ele tudo é feito por mãos humanas e não criado por Deus. O princípio básico do ministério é o Corpo. O prin­cípio básico da obra é o Corpo. O princípio básico das igTejas é u

Corpo. O Corpo é a lei governante da vida e obra dos filhos de Deus hoje.