a vida extrema -...

50
A Vida A Vida Extrema Extrema Mário Herrero Valeiro Edições ArcosOnline.com

Upload: truongminh

Post on 06-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

A VidaA VidaExtremaExtrema

Mário Herrero Valeiro

Edições ArcosOnline.com

TítuloA Vida Extrema

AutorMário Herrero Valeiro

EditorVictor Domingos

[email protected]

Data de ediçãoJunho de 2005

Edição

Edição apoiada por:CLS Macloja

www.macloja.pt

Este e-book é distribuído gratuitamente com a devida autorização do autor. Épermitida a sua impressão e redistribuição em papel ou em formato digital, desde queisso seja feito sem propósitos comerciais e todo o seu conteúdo se mantenha inalterado.Se pretender incluir este trabalho nalguma publicação digital ou em papel, por favorentre em contacto com o autor ou com a instituição editora.

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 2

Edições ArcosOnline.comwww.arcosonline.com

SOBRE O AUTOR

Mário J. Herrero Valeiro (Corunha –Galiza, 1968). Licenciado em FilologiaHispânica pela Universidade de Santiagode Compostela (1991) e Doutor emFilologia Hispânica pela Universidade daCorunha (2000). É tradutor autónomo etem publicado numerosos artigos de sociolinguística eglotopolítica em revistas galegas (Agália, Nós, Estudios deSociolingüística...) e internacionais (Plurilinguismes, RevistaIberoamericana de Discurso y Sociedad...).

Como poeta é autor dos livros No limiar do silêncio.Poemas da estrangeirice (VII Prémio de Poesia EspiralMaior, 1999) e Cartografia da Atrocidade (Edições Tema,2001), bem como o conjunto de poemas Espaços. Abismos(para uma leitura romântico-libertária do dous) em Agália.Revista da Associaçom Galega da Língua núm. 79-80 (2004).Participou também nos livros colectivos Mátria da Palavra.Antologia de poetas galego-lusofónos (Cadernos do Povo.Revista Internacional da Lusofonia, 1990), I CertameLiterário (Faculdade de Humanidades – Universidade daCorunha, 1993) e 7 Poetas (A. C. O Facho, 1995). Publicoupoemas em diversos números das revistas Nós. Revista daLusofonia e Temas de O Ensino de Linguística,Sociolinguística e Literatura, e no número 2 da revista Anto.Revista Semestral de Cultura (assinando como João Valeiro).Tem colaborado também com diversas revistas electrónicas,em especial com Çopyright. Pensamento, crítica e criação,em cujo número 68 pode ser ouvido um breve recitalpoético do autor (“desconheço o significado da cegueira” –http://www.udc.es/dep/lx/cac/sopirrait/sr068.htm).

A Vida Extrema é o final de uma trilogia, começada com Nolimiar do silêncio e continuada com Cartografia daAtrocidade, e, pelas palavras do autor, significa o seuabandono, talvez definitivo, da expressão poética.

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 3

A Vida ExtremaA Vida Extrema

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 4

Debaixo da pele o corpo é uma fábrica a fervere por fora.o doente brilha,reluz,com todos os poros,estilhaçados.

(Antonin Artaud, Van Gogh le suicidé de la societé, citado por GillesDeleuze e Félix Guattari em O Anti-Édipo. Capitalismo e esquizofrenia)

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 5

Serei explícito. Sei que as pessoas que me conhecem não irão acreditar no quevou dizer, mas eu sou nómada e a minha vida é extrema. Não nasci nómada, mas sounómada e morrerei nómada. O meu percurso é lento, mas eu sou nómada. O meuventre é imenso, mas eu sou nómada. As minhas viagens, escassas. Mas eu sou nómada.E a minha vida, extrema. É por isso que, como escreveu Nietzsche, eu não sou umhomem, sou dinamite. Pois é minha a capacidade da implosão. Minha, a potênciacriadora. Atrás da minha face de burguês indolente, explode o apetite de destruição. Eusou da estirpe dos assassinos. Dos que querem a guerra. A morfina corre polas minhasveias. Sou quem cruza o deserto e derruba os templos. Se existisse uma pessoa quesoubesse compreender as minhas mãos, veria nelas os dedos compridos da pestelibertadora. A mão negra que é pulsão irreprimível de vida. Atrás da minha face demorto, assoma a visão espantosa do útero de deus. Porque, como tenho escrito, eu soua mão que dá a vida a deus. E quem lha rouba. Foi Baal quem edificou a minhabiblioteca. O Velho da Montanha mostrou-me os seus intestinos e neles vi o meucaminho. Sei que destruirei cidades, sei que levantarei ídolos. Sei que caçarei nasflorestas do Norte. Sei como são os vermes que irão crescer no meu ventre. Sei quaissão as palavras. Sei por que ainda me obstino em persistir no sacrifício. Sei muito bemqual a função dos sapos, qual, como mostrarei, a forma do inferno. Sei, enfim, por quedestruo o meu corpo, por que limito os espaços do poema. A minha é a experiência deuma vida extrema, a exploração sistemática do vazio que me envolve. O conhecimentocirúrgico da dor que nos funda. Isso que tem como nome doença. A vida extrema é oconhecimento exacto, a descrição minuciosa do que é a morte. Caminhar polo centroda rua com roupas burguesas e alma de caçador. A imaculada lentidão dos meus passosaté ao centro da praça onde, como escreveu Octavio Paz, a minha cabeça é uma fonte.E isso mana com força. Flui brutal polas ruas e as praças. Inunda a cidade. Devora osespaços. Cria a revolução e extermina os revolucionários. E os corpos explodem comosapos. E os sapos ocupam o lugar dos homens. E Baal ri enquanto queima a minhabiblioteca. Nos intestinos do Velho da Montanha eu vi a minha origem. E eu, emsilêncio na minha cadeira de pedra, estático e indolente, nómada, ofereço estes versospoderosos de vida, estes versos sociais que falam do inferno, que é a cidade, que é ofedor imundo do capital, que é uma casa, que é a geometria de um corpo quebrado,dos poros estilhaçados, que é a memória. E por isso ofereço hoje estes versos comodemonstração incontestável da experiência de viver uma vida extrema. Cruzando odeserto, eternamente. Cruzando o inferno, que é um jardim, que é um gestoautoritário, que é o esquecimento, que é a poesia.

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 6

I

MORREREMOS LENTOS

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 7

Frente al registro de lo no vivido, con su experiencia de imparablesprimicias, la vivencia del origen sólo puede ser autoritaria y violenta.

Santiago Alba Rico, La ciudad intangible. Ensayo sobre el fin del neolítico

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 8

1.

ocuparão os jardinscom fotografias velhas dos avósbrinquedos rotos, ossamentas,regras e biografiase nós calaremos,afogados polo peso da memória,sem sabermos como administrá-la,aqui, perdidos em pequenos quartosperdido todo o respeito polos nossos heróisvelhos, e as suas fotografiasocupando os jardins, os umbraise os pequenos quartos em que nos perdemos,cada vez mais, a construirmos livros,labirintos, uma casa, qualquer casamorreremos lentos,ancorados em biografias

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 9

2.

agora o corpo é como essa casade madeira quebrada, as traves caídassobre um soalho já inexistente, osmóveis não usados durante anos ocupamum espaço que não lhes corresponde,camas sem cadáveres, armários semroupa, cadeiras cobertas por umapoeira de séculos, retratos de famíliasque nunca existiram, agora o corpoé como esse crucifixo pendurado numaparede dessa casa de madeira quebrada,um corpo inerte, um corpo destruído,a lenta sombra de um fantasma

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 10

3.

quando era adolescente,era frágil e era falso,nisso muito não mudei,mas agora as sombrastêm outros cheiros, sãocomo peixes mortos oucomo os sons de um barde bairro, são pacientese continuam, a espreitaremtodos os meus passos, asminhas palavras, mesmoos meus escassos actos,são persistentes, tão pacientes,a esperar um erro, umaminúscula gralha numpoema que não terá leitorqualquer segundo de ansiedadee estão aí, com o seu cheiroa peixe morto, a órfão,a bar de bairro e a dinheiro,continuo, frágil e falsocontinuam, as sombras

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 11

4.

paternidade

é uma criança diminutaou talvez uma árvore,uma prateleirada minha escassa biblioteca,uma forma de olhar o céuuma artimanha, duas palavrasque não sei interpretar, umprólogo impertinente,cinco segundosalguma tarde de Setembro,um não pensar na geometria dos corposuma apologia de Nietzsche, ou antes,um acto terrorista,sim. é isso,uma posição política,pola primeira vez na minha vidauma posição políticaque nasce de cinco segundos esquecidosuma tarde de Setembro,a antítese de um poema erótico,desses poemas eróticos em queo erotismo está desterradoe por isso é um acto de guerra,um desejo impertinenteenquanto os dias se deixam ire eu perco a minha história

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 12

5.

o amante adolescente

sonha o amantea geometria da sua tragédia,prevê as artimanhasdo inimigo, inventa truques,palavras, ousa esquissar algumpoema, sonha o amantea sua morte, como todos osamantes, e em língua estrangeiraassina um papel, talvezuma carta que não enviará,depois observa a sua face no espelho,arruma alguns livros no seu quarto,é madrugada, sonha o amanteser amante

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 13

6.

este é o inferno, isso é uma cousaque todos sabemos, este é o inferno,os sons que procedem do andar superior,as janelas fechadas, as luzes namadrugada, os livros de Foucaultnas prateleiras, o meu diploma dedoutor em filologia hispânica, asminhas pequenas teimas, a pele daminha adolescência, as lembrançasque são presente, e não os mortosinexistentes, não os poemas quenunca escreverei, não a minhamulher, não o meu filho, nemsequer o meu volumoso ventrefrente ao espelho, este é o inferno,como nessa formosa tradução deDylan Thomas, este é o infernoa mão ao assinar este papel

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 14

7.

este é o inferno, estas salas imensas,repletas de artefactos inúteis,armários enormes, papéis ecadáveres, estas salas imensasem que se acumula a memória

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 15

8.

ludopatia

tenho uma mão cheia de moedas,tenho uma garrafa de água,tenho um cão que devora os meus intestinos,tenho uma vida e não sei o que fazer com ela,tenho uma incerteza, uma cegueirapersistente, uma maré de pessoasque desfilam de forma ordenada,tenho uma mão cheia de moedase as horas decorrem, e já nem sequeracho refúgio na mentira do poemaeste é o inferno, horas nos barescom uma garrafa de água, hátantos anos que nem lembro o começo,tenho uma adaga, tenho as palavrase não sei o que fazer com elas

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 16

9.

Uma linha de ar é escóriaa seguinte são palavras de glória,duas, seis ou dez construem o ventoque perde a face no poema.

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 17

10.

Tenho linhas de ouro no peitoe o sémen que me inunda os olhos,tenho o espírito de uma velhaa apurar os últimos instantes no paraíso.

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 18

11.

Caminha o poeta polas ruas da cidade,uns papéis na mão esquerdasabem qual é a condenação:os olhos miram forabalbuciando a falácia da leitura.A rua é uma linha de fugana cartografia do inferno.

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 19

12.

É digno de inveja o assassinoquando desenha o estigma no ventre do mártir.O sangue construirá uma cruz gamada no chãoe esse é o signo dos tempos.Recuperaremos o mundoe cobraremos vingança: rezaremos em silêncioperante a cruz de sangue, os nossos joelhos sabempor que beijam a terra.

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 20

13.

espanta esse gesto autoritárioesse olhar que foge, esse ruídode crianças e de carros, essa rua,os meus dedos que percorrem o poema,espanta o decurso das horas,a imobilidade dos muros, a tuapassagem silenciosa polos quartos danossa casa, espanta esta ausênciainaudita de espanto, este jantareterno de cadáveres, estas salassem portas, esta persistente cegueira

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 21

14.

abril, 1992(les revoltes logiques)

um pouco de sangue entre os lençóis,as mãos oferecendo algumas lágrimas.Na rua já queimam os livros,a arder, a arder, pequenas profecias,a arder a ciência insuportável:a sede de cavalgar e os tuareguesno matadouro, cadáveres na areiado centro da cidade, nós somos os homensazuis, silêncio no deserto, a arderluz do inferno, demasiado espaçoocupa o vazio, a arder pequeno ocosedente, lume de inferno, leito de virgens,a arder, a arder tristes cadáveres,na rua as cinzas serão póa cavalgarem no vento

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 22

15.

a casa egoísta tinha nome de país,tinha nome de cultura, tinha nomede língua, de religião, de literatura,a casa egoísta queria todos os nomes,mas a mão de uma anarquistadeixou-a apenas com um nome,a casa queimada, ali onde ardempara sempre os mil nomes do desastre

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 23

16.

Essa coluna é a trave de Deusmantendo em pé o edifício: estamos mortosvivendo na escuridão e na terra,abramos amorosos os braçose beijemos as águas. O peixe azulestá a esperar por nós.

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 24

17.

os cães que vivempor cima do meu crâniobatem no chãocom as suas línguas húmidase os seus falos cantam a canção do ódio:o sangue dança, o sexo vibra,tão formoso, tão formoso,os cães uivamàs portas, torturando os tímpanos,fechando os olhos ao abri-los.Atrás das janelas,vive a ânsia do assassino.

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 25

18.

tenho o estigma cravado no teu ventre:não deixes nunca que o filhose erga sobre as duas pernasnão deixes que te busque o seio.uma língua débil percorrendo o intestinolembra o passado quando enchia uma bocae mesmo duas e um sexo inominado,obsceno como um pequeno deus que sonhana erecção primeira e real, em pôr-se de pépara morder um seio que alguns chamaram mãe.

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 26

19.

heroína, capital

lembro a procissão dos mortos,rua abaixo via-os todos os dias da minha janelaas suas faces eram unaarrastando as pernas com passos curtose rápidos, cambaleando, agitando as mãos.balbuciando palavras desconhecidaslembro a procissão dos mortos,vejo-os ainda da minha janelarua abaixo, as suas faces são una,a caminharem altivos e rápidos,as suas faces em desprezo, satisfeitos,balbuciando palavras desconhecidasdiversas são as formas da miragemdiversas as línguas da barbáriediversas as faces dos mortosque vejo ainda da minha janela

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 27

20.

em jogo de drama elevarás os olhose a luz será ferida na tua pele,será lume abrindo a vida através de algum versoou incidente quotidiano, catástrofe ridículapara satisfeitos ou amantes, mestresde línguas menores e paixões mínimas,olhos de anho por mulheres sem alma,por homens sem voz lágrimas de sexo,em jogo de drama, em estratégia de derrota,a luz é ferida nos rostos dos que me seguem,dança da morte, poesia que nasce de três palavras,escasso vocabulário para sobreviver neste mundode inverno, insensível às súplicasda música dos desesperados: nunca será feridana pele dos que derrotam, os que comigo estãocertificando sem piedade a catástrofeda minha vida, em burla de drama,em comédia menor mas com língua de deuses

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 28

21.

eu não quero esse desertoque surge da minha boca,eu só quero a imensidadeque me oferece o silêncio

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 29

22.

na reconstrução de uma vidasurgem das mãos do poetamares imensos de impotência:nos olhos que se erguemverá a sua morte

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 30

23.

e dizes mortee eu compreendocriação do poemaexcremento das alimáriasque percorrem o teu corpo

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 31

24.

o que eu sou

agora deveria ser feliz,democraticamente feliz,e só sou um imenso ventresobre duas pernas cansadassobre dous pés inúteisporque este é o inferno,neste falso Agosto, nestecemitério espanhol, e seique a nada tenho direito,que sou um usurpadorde espaços, um ladrãode momentos, um perversorde versos de outros, umplagiador sem vergonhacom duas pernas cansadase dous pés inúteis, eternizandorituais, fazendo o prólogode um poema sem final,eu, eu sou o que habitaesse espaço falso, entrea doença e as sombras,eu sou a doençaeu sou as sombraseu sou mais um habitante do inferno

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 32

II

ISSO, SEMPRE

(poemas sobre a vida extrema)

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 33

El enemigo es el hombrey soypastor del excrementoseñor único de la nadarey del vientopágina en que ladra un perro

Leopoldo María Panero, Conversación

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 34

1.

o que é a doença

a doença não é uma artimanha,não um disfarce, nem um artefacto,a doença é real, a doença éa realidade, é o que sinto emtodo o meu corpo e em redor dele,a doença é isso, it, ça, isso dói,dói, dói, dói dentro e em redor, issodói, dói sempre, dói agora, dóiuma dor física, tão tangível queaqui não há lugar para existencialismonem religião, a dor, mesmoalém do niilismo, a dor éo único real, por dentro e em redor,neste monólogo interminável sobreisso, sobre a mão que escreve,sobre os olhos que não sabem ler,sobre este apetite de destruiçãosobre a inutilidade das palavras

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 35

2.

se esta fosse a minha línguaeu seria a faca que corta as palavrase delimita as fronteiras dos sintagmas,eu seria o oráculo que conheceas palavras de ordem ea arquitectura dos versos futuroseu seria o poeta que habitano estômago dos genocidas,no crânio dos dementes,nas mãos dos assassinos,nas entranhas dos sacerdotesse esta fosse a minha línguacoseria a minha boca com fios de açopara que ninguém ma roubasse.se esta fosse a minha língua

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 36

3.

about it

confundo os signos,os seus nomesneste jogo em quea intuição jogaa procurar os objectos,os seus nomes,naquele quarto em que fui torturado,ou neste,em que me consumoconfundindo os signos,os seus nomes,observando o labirinto lentodo meu corpoque esquece cousasentre os dedose confunde os nomes,os seus nomes

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 37

4.

about it (II)

é uma perseguição lenta,todo o demorada que pode sera descrição pormenorizada domedo que dá forma ao doenteo doente tem a face de um cãoe as suas mãos são armáriosque contêm relatórios médicos,centenas talvez, o doentediria que milhares, nada grave.bem é certo, masa perseguição é lenta,a destruição sistemática,desapiedada, como o percursodas crianças polas ruas

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 38

5.

o refúgio é o nome de uma casa de putasna estrada de Carvalho

a Tom Waits

fui concebido no estômago de deusde novo o crânio começa a sua dança,eis a canção do cão, o hino das cloacascom a voz rouca de um piano esquizofréniconão há tecto sobre a minha cabeçaimpávido assisto à destruição do poemafui concebido no crânio de deusde novo o estômago começa a sua dança

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 39

6.

lógica poética

é o desejo profundo de cortar as mãos,de cortá-las, na procura constantedas pegadas no ar, na terra, na pele,no percurso que desenham os rastosde sangue nas ruas, manifestemo-nosna nossa vacuidade, príncipes dos sapos,senhores do mármore e do metal,avarentos acumuladores de livros e ossos,nosso é o vasto território da mentira,nossos são os poemas de ferro e cegueira,nossa é a cartografia dos cemitériosa lógica criminal do desejo

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 40

7.

quando a ira me invadetenho face de corvoe as minhas mãos são de areia,sou amo de facas e versos,e as paredes quebram-se como papelna minha presença,quando a ira me inundatenho face de areiae as minhas mãos são de corvo

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 41

8.

Os lábios de uma velha selarão o apocalipse:homens medíocres ocuparão âmbitos pútridose os desalmados descerão do céu.Com o ventre aberto observarei o rio seco.Destas mãos já mais nada sairá:escrever com sangue aquele Evangelho.Ler em sangue por fim um livro.Um livro por fim fechado.Benções para os desesperados.Os avisos chegammas ninguém parece escutá-los:chegará o poder negroque vos aniquile da terra. É justo.Horas de matança são necessárias.Desejo a pureza que se me negou.Quero ser uma virgem saindo da água.Quero estar presente quando queimem as cruzes.Quero ser um morto quando Deus por fim se ajoelhe.Porque não pude ser a sombra de Peter Pan?Ai daqueles que não sabem balbuciar,mal irão buscar o sangue e a demêncianos versos do filho que mora entre os muros de pedrapois não há duas linhas de vento iguaisnas ruas medíocres desta vigília:mal irão buscar a clemêncianas faces daqueles que conhecem a morte.E não saberão ler. Já o sabemos.O discurso limpo passará por cima de nós.Passará. Vozes limpas para a tortura.Vozes limpas que chegam do mais fundo.Por nós. Por nós. Para a nossa aniquilação.Balbucio para imitar jogo.Não, não, os satisfeitos não sabem.Os satisfeitos são.Comem e fodem.Este é o tempo dos cabrões.Sei-o desde esta dor tão real.Um nada de sangueque entra na águae lhe dá cor.

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 42

9.

porfiria

ver como apodrece a pele, comose afundem os olhos, comofedem as vísceras e caem as unhas,o cabelo, as palavras, os dias,todos os dias, todos os dias,observar incrédulo a degradação do meu corpoe sentir sempre o desejo,uma sede infinita, o frio nos ossos ea tua face no espelhoa recusar a minha presençano vazio da tua memóriabeberei do teu corpocomerei da tua almaserá o meu alimentoo sumo que mana dos teus braçoscomerei do teu corpobeberei da tua almae serei o teu alimentoo vazio que espera ao final da memória

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 43

10.

porfiria(variação)

beberei do teu corpocomerei da tua almae serei da matéria que formaa estrutura maldita do poema

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 44

11.

na caverna do meu estômagono vácuo do meu crâniouma ossamenta de metale as roupas que fedemo inimigo é o homem

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 45

12.

deixarei cair os meus óculos,e amarei essa visão incertado que é o mundo, essa luzescassa que penetra pelaspersianas quase fechadas,aqui, neste quarto em silêncio,longe da biblioteca, deixareicair os meus óculose, por fim, tentarei veros porquês da minha cegueira

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 46

13.

auto-retrato

só a poeirasó os rastos nos olhossó o perímetro do meu ventresó esta queda infinitaquando o dia nunca finalizainexacto o nome do poemaque é poeira e rasto nos olhos,que é infinitoque é o meu ventreque nunca finaliza

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 47

Sabia que na nossa página da Internet

pode contactar com os autores das

nossas obras

?

www.arcosonline.comwww.arcosonline.com

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 48

O Livro Verde das VerdadesAutor: Cezar EsturbaGénero: Poesia

Obra incomum e inventiva que não se enquadra nos cânones tradicionais da poesia deexpressão portuguesa, “O Livro Verde das Verdades” é todo ele uma provocação, doinício ao fim. O leitor não poderá ficar indiferente, e certamente algo em si terámudado quando voltar a última página deste livro!

Histórias Que Acabam AquiTexto: Teresa LopesIlustrações: Sara CostaGénero: Contos para a infância

O livro “Histórias Que Acabam Aqui” é composto por um conjunto de seis "contospara a infância" que, no dizer da própria autora, não se destinam apenas a crianças,mas a leitores de todas as idades.

As Sete FontesAutora: Concha RousiaGénero: Romance

Edição comemorativa  do Dia das Letras Galegas 2005

A acção deste romance anda à volta do misterioso desaparecimento de uma peça de artesacra em exposição no Museu Arqueológico de Ourense. O estranho sucedido éacompanhado de forma entusiástica pela comunicação social e pela população, dandoorigem a um conjunto de acontecimentos hilariantes. Dois estranhos investigadorescomeçam também a investigar o caso, interrogando os habitantes das redondezas.Entretanto, um padre fora de actividade, um pedreiro e um alcaide com problemas deconsciência percorrem no silêncio das noites os caminhos da província, numaperegrinação que fará a sua passagem por sete fontes, até chegar a...

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 49

Edições ArcosOnline.comwww.arcosonline.com

Literaturaode a um poeta naturalista (narrativa)A Busca Entre o Vazio (narrativa)O Livro Verde das Verdades (poesia)é preciso calar o monólogo (poesia)Antes do Fim (narrativa)Histórias Que Acabam Aqui (contos para a infância)As Sete Fontes (romance)A Vida Extrema (poesia)

Actualidade e culturaA Língua Portuguesa no Alto Minho (ensaio)European Writings on Psychology (textos científicos)

HumorO Bando dos 6 ou 7 (crónicas)O Malogrado Capitão Osório (folhetim)

Em preparação:Erótica (poesia)Sobras de Deus (narrativa)O Salústio Nogueira (romance)Lince Ibérico – Revista Literária de Expressão Ibérica

Edições ArcosOnline.com, A Vida ExtremaA Vida Extrema 50

Edições ArcosOnline.comwww.arcosonline.com