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www.abdpc.org.br A VALORAÇÃO DA PROVA E A VEROSSIMILHANÇA NAS MEDIDAS DE URGÊNCIA Rudolfo Radaelli Nicoleit Pós-Graduado em Direito Processual Civil ABDPC – Academia Brasileira de Direito Processual Civil RESUMO Tem o presente texto o objetivo de contribuir para a reflexão acerca da valoração da prova e a verossimilhança nas medidas de urgência, assunto este que vem adquirindo importância crescente, especialmente em face do advento da Lei n. 8.952 de 1994 que estabeleceu o instituto da antecipação de tutela. Desta forma, a proposta deste estudo se inicia pela apresentação de uma breve pesquisa com o objetivo de elucidar alguns aspectos práticos da rotina forense, tecendo algumas importantes considerações sobre o posicionamento dos julgadores. Palavras-chave: Valoração da Prova; Medidas de Urgência, Lei n. 8.952. INTRODUÇÃO O processo civil moderno deve acompanhar a dinâmica de desenvolvimento de toda uma sociedade. Deve atender com efetividade aos anseios e necessidades sociais. Leciona Darci Guimarães Ribeiro: “Quando a parte busca a satisfação do seu direito via processo, há espaço de tempo ineliminável entre o início e o fim dessa realização. Esse espaço de tempo é que é o cerne de minhas preocupações. O tempo que é ineliminável senão dimensionado, distribuído entre autor e réu é abominável por

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A VALORAÇÃO DA PROVA E A VEROSSIMILHANÇA NAS MEDIDAS DE URGÊNCIA

Rudolfo Radaelli Nicoleit Pós-Graduado em Direito Processual Civil

ABDPC – Academia Brasileira de Direito Processual Civil

RESUMO

Tem o presente texto o objetivo de contribuir para a reflexão acerca da valoração da

prova e a verossimilhança nas medidas de urgência, assunto este que vem

adquirindo importância crescente, especialmente em face do advento da Lei n. 8.952

de 1994 que estabeleceu o instituto da antecipação de tutela. Desta forma, a

proposta deste estudo se inicia pela apresentação de uma breve pesquisa com o

objetivo de elucidar alguns aspectos práticos da rotina forense, tecendo algumas

importantes considerações sobre o posicionamento dos julgadores.

Palavras-chave: Valoração da Prova; Medidas de Urgência, Lei n. 8.952.

INTRODUÇÃO

O processo civil moderno deve acompanhar a dinâmica de

desenvolvimento de toda uma sociedade. Deve atender com efetividade aos anseios

e necessidades sociais.

Leciona Darci Guimarães Ribeiro:

“Quando a parte busca a satisfação do seu direito via

processo, há espaço de tempo ineliminável entre o início e o

fim dessa realização. Esse espaço de tempo é que é o cerne

de minhas preocupações. O tempo que é ineliminável senão

dimensionado, distribuído entre autor e réu é abominável por

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causar injustiças, pois segundo uma máxima de Rui Barbosa a

justiça tardia corresponde a verdadeira denegação de Justiça.”1

Dessa forma, foi realizada uma grande mudança no processo,

justamente para ser possível tutelar os direitos que se tornavam cada vez mais

imediatos, foi o advento da Lei n. 8.952 de 1994 que estabeleceu o instituto da

antecipação de tutela.

O artigo 273 do Código de Processo Civil, com redação dada

pela referida Lei n. 8.952 de 1994 assim estabelece:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. No presente estudo analisa-se apenas o “caput” e o inciso I do artigo 273, no que diz respeito à existência de prova inequívoca e verossimilhança (fumus boni iuris) e receio de dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora) para concessão da tutela antecipatória.

O processo contemporâneo não é capaz de dar a tutela

jurisdicional pretendida, obviamente a quem tem razão, num período curto de tempo,

ou ao menos razoável. A Constituição de 1988 abriu as portas do Poder Judiciário a

todo e qualquer cidadão, todavia sem ter efetivamente estrutura e efetivo para

suportar a demanda que cresceu e cresce assustadoramente.

Para que o processo pudesse ter efetividade em casos em que

precisava ter, sob pena de perecimento ou prejuízo do Direito surgiu a lei em

comento, qual seja, a lei que institui a antecipação de tutela. Sem esse importante

instituto o processo não seria capaz de tutelar uma série de Direitos postos em

Juízo.

1 Darci Guimarães Ribeiro. A instrumentalidade do processo e o princípio da verossimilhança como

decorrência do “due process of law”. Revista da Ajuris. mar/1994, p. 271.

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Como bem afirma OLIVEIRA,

[...] a sua vez, a efetividade está consagrada na Constituição Federal, artigo 5º, XXXV, pois não é suficiente tão-somente abrir a porta de entrada do Poder Judiciário, mas prestar jurisdição tanto quanto possível eficiente, efetiva e justa, mediante um processo sem dilações temporais ou formalismos excessivos, que conceda ao vencedor no plano jurídico e social tudo a que faça jus. Além disso, as dificuldades temporais atuais na administração da justiça e a mudança qualitativa dos litígios justificam a inaudito elastecimento da tutela cautelar em nossa época, assim como a concepção de remédios jurisdicionais de índole provisória, autônomos ou não, com caráter antecipatório e satisfativo do pretendido direito. Advirta-se, além disso, que a efetividade vigora, seja em relação ao direito já lesionado, seja quanto aquele simplesmente ameaçado (Constituição Federal, artigo 5º, XXXV), abrangendo assim a tutela preventiva substancial e definitiva, além da meramente provisória ou temporária.2

Apenas no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do

Sul, por dia, se tem em média setecentos recursos de agravo de instrumento com

pedido de efeito suspensivo ou ativo (informação verbal), 3 Atualmente, nesse

Tribunal há uma triagem dos pedidos liminares e só os mais urgentes são

distribuídos em pouco tempo ao Desembargador Relator competente.

Quer-se com isso chamar a atenção de que o Poder Judiciário

tem que se adequar a essa nova realidade do andamento da Justiça. Não há mais

espaço para aquele magistrado que ainda acredita que julgará com a mais absoluta

certeza a questão lhe posta à análise e julgamento.

Nesse diapasão a antecipação dos efeitos da tutela acontece

quando o magistrado se convence da prova que foi apresentada nos autos em

conjunto com os fatos narrados na petição. Há um convencimento íntimo do

magistrado que acredita ser verossímil o direito alegado.

O juiz nesses casos urgentes pode e deve fazer uma livre

apreciação não somente das provas, como também das alegações de quem postula

2 Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo

excessivo. Revista de Processo. jul/2006, p. 15. 3 Dado coletado no Setor de Processamento de Recursos de Agravo de Instrumento do Tribunal de

Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em 23 de abril de 2009.

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a tutela de urgência. Inclusive na maior ou menor probabilidade das alegações o juiz

seria capaz de atribuir a prova do alegado pelo autor, a este ou até mesmo ao réu4.

Nessas ocasiões de necessidade da tutela de urgência onde,

além da verossimilhança, há ainda o perigo de se esperar a definição da questão

apenas quando da sentença (já transitada em julgado materialmente), se faz

imperativo seja deferida a antecipação dos efeitos daquela sentença que não se

pode esperar.

A antecipação de tutela se manejada corretamente não é

simplesmente uma medida que garante o direito alegado, mas sim o próprio direito

alegado. Efetiva-se esse direito em qualquer momento do processo antes ou na

própria sentença sempre que houver o preenchimento dos requisitos para sua

concessão.

É por isso que difere das medidas cautelares strictu sensu,

estas estão previstas no procedimento (processo) cautelar do livro III do Código de

Processo Civil. A medida cautelar se impõe para resguardar a possibilidade de

buscar algum direito que possa ter sua tutela frustrada pela situação fática

(periculum in mora), acontecido o dano, não será mais possível buscar a realização

do Direito, o processo restará inócuo. Exemplificando: o credor que ainda não

ajuizou ação executiva ou de cobrança para reaver os valores devidos junto ao

devedor. E este claramente está dilapidando o patrimônio para frustrar ao credor a

cobrança da dívida.

O credor tem a sua disposição a medida cautelar de arresto

(prevista no artigo 813 do CPC) 5 para que os bens do devedor sejam imediatamente

onerados judicialmente, ficando indisponíveis até levantamento do encargo. Feito

4 Giuseppe Chiovenda. Instituições de Direito Processual Civil. 2002, p. 52. 5 Artigo 813 do Código de Processo Civil: O arresto tem lugar: I - quando o devedor sem domicílio

certo intenta ausentar-se ou alienar os bens que possui, ou deixa de pagar a obrigação no prazo estipulado; II - quando o devedor, que tem domicílio: a) se ausenta ou tenta ausentar-se furtivamente; b) caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui; contrai ou tenta contrair dívidas extraordinárias; põe ou tenta pôr os seus bens em nome de terceiros; ou comete outro qualquer artifício fraudulento, a fim de frustrar a execução ou lesar credores; III - quando o devedor, que possui bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los ou dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembargados, equivalentes às dívidas; IV - nos demais casos expressos em lei.

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isso o credor tem 30 dias para ajuizar a ação principal, qual seja de execução ou

cobrança para pleitear o seu direito de crédito.

Nota-se a importância prática das tutelas de urgência, nesse

caso relatado, da tutela cautelar, 6 para realização de Direitos. De que adianta uma

sentença de procedência em uma ação de cobrança ou o processamento positivo de

uma ação de execução se o devedor não tem bens passíveis de penhora.

Em muitas ocasiões não há possibilidade de buscar o crédito

sem os mecanismos das tutelas de urgência. Seja tutela cautelar, seja tutela

antecipatória, entretanto não se quer aqui estabelecer com absoluta precisão e

diferença entre medidas cautelares e medidas antecipatórias.

1. A PROVA NAS MEDIDAS CAUTELARES E A PROVA NAS MEDIDAS ANTECIPATÓRIAS

No entendimento desse estudo se analisa no mesmo tópico a

prova na medida cautelar e na medida antecipatória.

Para ZAVASCKI 7 o juiz ao apreciar a prova nas medidas

cautelares deve vislumbrar a plausibilidade do direito e a probabilidade dos fatos

alegados. Nas medidas antecipatórias deve o juiz analisar a verossimilhança do

direito levando em consideração a relativa certeza dos fatos (prova inequívoca).

Data máxima vênia, entendia-se que, na opinião pessoal do

autor desse artigo, sem prejuízo do alegado no tópico anterior, não havia diferença

na apreciação dos elementos de prova na medida cautelar e na medida

antecipatória. Na prática o efeito pretendido era o mesmo, qual seja efetividade

processual.

6 Teori Albino Zavascki. Antecipação da Tutela. 2008, p. 8-9. A tutela cautelar de acordo com Teori

Albino Zavascki não realiza o próprio direito material, mas sim viabiliza a tutela cognitiva ou executória.

7 Teori Albino Zavascki. op. cit. p. 79.

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As duas análises são feitas em juízo de probabilidade baseado

na verossimilhança das alegações (tecnicamente verossimilhança nas antecipatórias

e fumus boni iuris nas cautelares stricto sensu).

Entretanto há de ser ter em mente que a causa de pedir e o

pedido são totalmente diferentes no tocante as antecipações de tutela e cautelares.

Na primeira a causa de pedir e o pedido é o próprio direito alegado pelo autor ou

réu. Na segunda é a probabilidade desse direito vir a ser deteriorado e inviabilizado.

São coisas distintas, por isso o juízo que incide na antecipação de tutela e na

cautelar deve ser diferente. Nas palavras de MARINONI,

A tutela cautelar, como já foi dito, visa assegurar a viabilidade da realização do direito. Assim, se afirmamos que a tutela cautelar pode realizar o próprio direito (por exemplo, a pretensão a alimentos), estaremos incidindo em contradição, pois uma vez realizado o direito material nada mais resta para ser assegurado. Ou seja, quando o direito é satisfeito nada é assegurado e nenhuma função cautelar é cumprida.8

O artigo 798 do Código de Processo Civil afirma que além dos

procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste

Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas,

quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause

ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.

O referido artigo relata em fundado receio. O já citado artigo

273 destaca a verossimilhança. Na verdade tudo isso se resume à plausibilidade do

direito alegado tendo o mínimo de demonstração de que a possibilidade do direito

existir é grande nas antecipações de tutela e de que a possibilidade desse direito vir

a ser inviabilizado é grande também nas cautelares, assim como a possibilidade

8 Luiz Guilherme Marinoni. Antecipação da Tutela. 2008, p. 187. No mesmo sentido apontado no presente trabalho: Ovídio Araújo Baptista da Silva. A antecipação

da tutela na recente reforma processual. In: Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.). A Reforma do Código de Processo Civil. 1996, p. 138; Cândido Rangel Dinamarco. A Reforma do Código de Processo Civil. 2001, p. 139-140; José Joaquim Calmon de Passos. Da antecipação de tutela. In: Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.). A Reforma do Código de Processo Civil. 1996, p. 190; Rodolfo de Camargo Mancuso. Tutela antecipada: uma interpretação do art. 273 do CPC. In: Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.). A Reforma do Código de Processo Civil. 1996, p. 183; Nelson Nery Junior. Atualidades sobre o Processo Civil: a reforma do Código de Processo Civil Brasileiro de dezembro de 1994. 1995, p. 57.

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(tanto do direito quanto da expectativa do direito) de causar gravame a parte, pela

demora na prestação jurisdicional é real.

Entretanto, boa doutrina vê de forma diferente a apreciação

das provas nas cautelares e nas antecipatórias. Diz-se que o fumus boni iuris é mais

brando que a verossimilhança. Ou seja, a verossimilhança precisa ser demonstrada

de forma mais evidente e até mesmo cabal.

Para corroborar o tudo referido, para Luiz Guilherme Marinoni

não há diferença na apreciação das provas tanto em cautelares como em

antecipatórias. Para essas duas medidas é preciso ter robusta demonstração do

Direito. Se isso se chama de fumus boni iuris ou verossimilhança pouco importa.

2. A VEROSSIMILHANÇA NAS ANTECIPAÇÕES DE TUTELA COM BASE EM PROVA INEQUÍVOCA

Como já visto, de acordo com o artigo 273 do Código de

Processo Civil, para o deferimento da medida de antecipação de tutela é preciso

demonstrar, com base em prova inequívoca a verossimilhança do Direito alegado,

mas de que jeito? É possível que na totalidade dos casos onde exista o direito

prestes a sofrer algum dano se exija a prova inequívoca das alegações? O presente

estudo procura causar alguma reflexão sobre o tema.

Evidente que não! Evidente que nem sempre o juiz poderá

exigir prova cabal, inequívoca nos termos da lei, para deferir ou não um pedido

liminar de antecipação de tutela. Há muitos e muitos casos em que o peticionário

tem o direito, mas não há como prová-lo, pelo menos não fora possível até o

momento. E o direito como fica? Apenas porque não há provas significa que o direito

não existe?

Mesma resposta, evidente que não! O juiz deve levar em

consideração sempre as características e especificidades dos casos concretos. Há

de ser ter uma análise do que é pior, não proteger o direito da parte ou correr o risco

de causar algum incomodo (na maioria dos casos perfeitamente reversível) a outra

parte que sofre a decisão liminar contrária aos seus interesses.

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Aqui o autor se baseia totalmente na doutrina de ZAVASCKI 9

quando analisa a prova inequívoca prevista no “caput” do artigo 273 do Código de

Processo Civil:

Assim, o que a lei exige não é, certamente, prova de verdade absoluta – que sempre será relativa, mesmo quando concluída a instrução –, mas uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária,10 aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo, de verdade.

Até porque, para encerrar a questão uma prova inequívoca não

leva a um juízo de verossimilhança, mas sim a um juízo de certeza! Nesse diapasão

o processo não é apto a produzir a chamada verdade material. A determinação dos

fatos pode coincidir ou não com a realidade.11

Além do mais o caput do artigo 273 do Código de Processo

Civil autoriza expressamente o magistrado decidir com base na verossimilhança das

alegações.

Fácil demais elucidar com um exemplo tal questão. O cidadão

segurado da previdência sofre uma queda e fica impossibilitado para o trabalho. A

Previdência Social nega o auxílio-doença a que o cidadão fazia jus pela tendência

notória dessa instituição em negar benefícios desse tipo e por alguma orientação

interna, não considerar a incapacidade para o trabalho.

Normalmente isso acontece com pessoas de baixa renda, que

necessitam do salário todo o mês para sobreviver. Ingressa-se no Poder Judiciário

para que a Previdência pague o valor do benefício e na ação se pede a antecipação

dos efeitos da tutela antes mesmo de ser agendada a perícia para comprovar a

moléstia. Obviamente o pedido deve ser acompanhado de robustos e claros

9 Teori Albino Zavascki. op. cit. p. 80. 10 A cognição pode ser horizontal (extensão) e vertical (profundidade). Na cognição horizontal a

cognição pode ser plena ou limitada. Na cognição vertical exauriente ou sumária e nesta última o magistrado poderá dispensar o contraditório, pois já formou um juízo de valor com base na verossimilhança. Tudo isso em sede de cognição vertical sumária, não há qualquer óbice para que isso aconteça.

11 Daisson Flach. A Verossimilhança no Processo Civil e sua aplicação prática. 2009, p. 49.

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atestados médicos, ainda que particulares, comprovando a incapacidade para o

trabalho.

Deferida a tutela o INSS passa a depositar o valor do benefício

por alguns meses até a marcação da perícia. Esta conclui pela capacidade laboral.

Vê-se que o INSS pagou algum poucos meses o que não precisaria pagar. Perdeu

baixos valores.

Indeferida a tutela o segurado não tem mais recursos para se

manter e cuidar da sua moléstia. Adoece ainda mais e sua piora é definitiva. Feita a

perícia conclui-se pela incapacidade do segurado. Nos meses anteriores o segurado

não recebeu qualquer valor, teve piora definitiva que não será sanada nem mesmo

pela antecipação de tutela imediatamente após a conclusão da perícia.

No primeiro caso o INSS despendeu poucos valores pelo

deferimento liminar. No segundo caso o segurado passou meses a toda à sorte, com

sofrimento humano incalculável e irreversível. E tudo isso pela singela decisão do

julgador de não considerar a situação concreta apresentada, por não se convencer

da verossimilhança das alegações pela falta de prova inequívoca.

Importante salientar que não se está defendendo o deferimento

liminar a qualquer processo com tal pedido e sem o mínimo de critério, muito pelo

contrário, é imprescindível analisar criteriosamente cada caso concreto.

Ainda no caso em pauta, a ação previdenciária se for julgada

improcedente possibilitará ao INSS encerrar os pagamentos. Note-se que por esse

prisma a tutela deferida inicialmente se mostra totalmente reversível, ainda que os

valores pagos não sejam devolvidos.

Esse trabalho quer resgatar, ou em alguns casos, demonstrar a

toda a sociedade e principalmente aos operadores do direito de que é necessário

não só analisar o texto de lei na sua forma literal. Não há decisão que se aproxime

da justiça sem que o julgador tenha bom senso. Não se pode exigir prova

inequívoca. A decisão inequívoca é proferida na sentença.

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Isso sem falar nos casos em que, se o autor conseguiu obter a

prova que o julgador exige dele é porque o fato já aconteceu e consequentemente o

direito já foi lesionado. Aqui também fácil pensar num exemplo concreto. Uma menor

que tem vários indícios de sofrer abuso sexual por parte dos parentes. Só o que se

tem são documentos do conselho tutelar orientando pela mudança de guarda e

depoimento dos irmãos menores. Porém o julgador exige um atestado médico que

comprova a violação. Ora! Se a parte interessada obtivesse esse documento não

haveria mais que se falar em probabilidade de acontecer o dano, o periculum in

mora não mais existe, pois o dano já se concretizou!

Importantíssima abordagem de MARINONI sobre o tema que

assim refere:

[...] não há como deixar de considerar a dificuldade de produção da prova, peculiar a uma dada situação de direito material, quando se pensa na convicção – seja ao final ou no curso do processo -, pena de se negar a tutela jurisdicional adequada a determinados direitos. É nesse sentido – isto é, considerando que a dificuldade de prova pode decorrer de uma específica situação substancial – que se afirma que o juiz deve se satisfazer – para conceder a tutela final ou antecipatória – com a prova possível da alegação.12

O renomado autor prossegue em sua consideração mais

relevante: “A lógica é bastante simples, pois todos sabem que não se pode exigir de

quem tem um direito algo que inviabilize o seu exercício (no caso o direito a tutela

jurisdicional).” 13

Claro que em cada caso concreto o juiz fará uma análise

atenciosa dos fatos apresentados com suas peculiaridades. Tudo isso visando

extrair a verossimilhança necessária para deferimento da medida liminar.

E nesse aspecto a toda a evidência que a mentalidade dos

julgadores tem que mudar. Medida de urgência não é um bicho que fica dentro de

uma jaula. Por muitas vezes é medida que se impõe. Hoje em dia qualquer decisão

judicial prestigia um princípio em detrimento de outro.

12 Luiz Guilherme Marinoni. op.cit. p. 187. 13 Idem. Ibidem. p. 187.

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Há casos em que o contraditório e a ampla defesa não poderão

ser instaurados sem antes de isso ocorrer alguma medida que privilegia o princípio

da efetividade processual e principalmente o direito.

O princípio do contraditório muitas vezes serve de máscara

para muitos criminosos no âmbito do Direito Penal e Direito Processual Penal, na

seara Cível esse princípio também, por vezes não é interpretado com bom senso.

Clarividente que o princípio do contraditório deve constar

dentro de um processo, não pode jamais ser suprimido. O que acontece nas

decisões em sede de cognição sumária é que o contraditório se torna diferido no

tempo. Ou seja, fica para um momento processual posterior.

Ainda fazendo um parêntese sobre o contraditório, com todo o

respeito e admiração que merece o autor em referência, não se observa

possibilidade de ser exceção a antecipação de tutela antes de ouvido o demandado.

A prática forense mostra exatamente o oposto, ou seja, a regra

da tutela antecipada é justamente ser deferida antes da ouvida do demandado, até

porque em muitos casos seria a ruína de tal medida de urgência se dela tivesse

ciência o demandado. O nobre processualista entende que as medidas de urgência

(antecipação de tutela) somente poderão ser deferidas após a contestação do

demandado. Para MARINONI14 o deferimento de liminar antecipatória inaudita altera

pars é exceção.

Entretanto, com a responsabilidade e lucidez que lhe são

peculiar, MARINONI15 corrobora o entendimento desse estudo, qual seja, que a

antecipação de tutela deve ser deferida antes de ouvido o demandado se houver

perigo de frustração da mesma se instaurado o contraditório.

Voltando ao tema, não é de graça a admiração ao outrora

advogado, e agora desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio

de Janeiro, Alexandre Freitas Câmara. Para este pioneiro autor, a análise da prova

14 Luiz Guilherme Marinoni. op.cit. p. 159. 15 Idem. Ibidem. p. 159.

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em medidas de urgência (cautelares e antecipatórias) é feita com menos rigor.

Leciona CÂMARA,

[...] a concessão da medida cautelar não pode estar condicionada à demonstração da existência do direito substancial afirmado pelo demandante, devendo o Estado-Juiz contentar-se com a demonstração da aparência de tal direito. Em outros termos, o que se quer dizer é que a tutela jurisdicional cautelar deve ser prestada com base em cognição sumária, o que significa dizer que a medida cautelar será deferida ou não conforme juízo de probabilidade.16

Importante salientar que esse mesmo autor, na linha de

entendimento desse artigo, não vê diferença no fumus boni iuris (verossimilhança)

nas cautelares e antecipatórias.17 Ressalva-se aqui o referenciado na introdução de

que a causa de pedir e o pedido são totalmente diferentes na antecipação de tutela

e na cautelar.

Nota-se que não pode ser qualquer questão levada à

apreciação do Poder Judiciário. Sem prejuízo de tudo exposto até agora a medida

de urgência ainda é exceção no processo. As decisões proferidas nele têm de ser

apreciadas com um nível de cognição maior do qual é empregado na apreciação das

medidas de urgência.

Todavia o instituto estudado aqui tem a nobre missão de

impedir que o direito da parte pereça pela demora natural do processo.

3. PROVA INEQUÍVOCA

Seguindo o exposto no tópico anterior não é plausível que se

exija prova inequívoca da parte que pleiteia medida de urgência. Isso porque todas

16 Alexandre Freitas Câmara. op. cit. p. 35. 17 Luiz Guilherme Marinoni. op.cit. p. 37. Além disso, é de bom alvitre afirmar que o “fumus boni iuris”

não se apresenta, apenas, como requisito da tutela jurisdicional cautelar, sendo sua presença necessária para a concessão de qualquer modalidade de tutela jurisdicional sumária (como, e.g., a tutela antecipatória prevista no artigo 273 do CPC).

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as provas se bem analisadas se reduzem a um juízo de verossimilhança. Não existe

verdade absoluta18.

Importante conceituar o que é a prova inequívoca, o que a

doutrina considera que seja prova inequívoca. BARBOSA MOREIRA19 afirma que a

prova inequívoca é a prova que não dá margens a interpretação, ou seja, só tem um

sentido.

Essa conceituação é criticada por MARINONI20 que afirma que

a verossimilhança não pode ser exercida pela prova que só tem um sentido.

Entendo que isso seja até impossível de acontecer, qualquer prova, qualquer fato

sempre dará margem para interpretações diferentes. Ainda pelo estudo do autor em

referência, o mesmo relata que a prova que seria equívoca, isto é que aponta para

mais de um sentido poderia ser valorada e dela se extrair a verossimilhança

necessária para deferimento de antecipação de tutela.

A conceituação de BARBOSA MOREIRA21 é gramatical e

esbarra no dia a dia forense.

MARINONI 22 atenta para a dificuldade da doutrina em

entender como uma prova inequívoca pode resultar apenas em um juízo de

verossimilhança. Admitida a prova inequívoca na literalidade do artigo 273 estar-se-

ia diante de uma prova capaz de gerar um juízo de certeza, o que é totalmente

incompatível com o procedimento das medidas de urgência que encontram arrimo

num juízo de verossimilhança, ou como queiram probabilidade.

A prova existe para convencer o juiz, de modo que chega a ser

absurdo identificar prova com convencimento, como se pudesse existir prova de

18 Sérgio Cruz Arenhart. A Verdade e a Prova no Processo Civil. Disponível em:

<http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Sérgio%20Cruz%20Arenhart(2)%20-%20formatado.pdf> Acesso em: 4/abr/2009.

19 José Carlos Barbosa Moreira. Temas de Direito Processual. 2004, p. 94. 20 Luiz Guilherme Marinoni. op.cit. p. 168. 21 José Carlos Barbosa Moreira. op. cit. p. 95. 22 Luiz Guilherme Marinoni. op. cit. p. 168.

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verossimilhança ou prova de verdade. A intenção da parte, ao produzir a prova, é

sempre a de convencer o juiz.23

A prova é meio, não fim. Não é o próprio fato, mas meio para

comprovar que aquele fato foi desse ou daquele jeito e sobre ele deve incidir esse

ou aquele direito.

Volto à questão do bom senso dos julgadores. Este é

imprescindível para uma decisão se aproximar ao máximo da justiça e da certeza e

não ser plenamente justa e certa quando isso não existe.

É importante que o julgador não trate a verdade no processo

de modo absoluto, mas sim em termos de probabilidade e verossimilhança. Como

bem salienta FLACH,

[...] compreender a importância da verdade na estrutura do processo e da decisão mesma, sem o fetichismo que lhe é habitualmente associado, é condição para pensar um processo mais célere e justo, em que se harmonizem os vários valores que lhe são estruturais. Com o processo se alcança a verdade possível, não a verdade “real”.24

A batalha processual está em aproximar ao máximo a verdade

real da verdade que foi possível extrair do processo.

Claro que isso é tarefa difícil do julgador, por mais que não se

tenha certeza de um fato, o juiz tem de julgá-lo. Para tal supre à incerteza em

relação ao fato, decidindo à questão com base em probabilidades, atribuindo à

certeza jurídica de que é revestida a decisão. Esses percalços da natureza humana

(e os julgadores são humanos) são inevitáveis.

CALAMANDREI aponta para esse caminho,

Para consegui-lo (sanar a incerteza), vê-se forçado como extrema ratio a contentar-se com aquela que alguns continuam

23 Idem. ibidem. p. 168. 24 Daisson Flach. op. cit. p. 18.

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denominando “verdade formal”, alcançada mediante o artifício das provas legais e o mecanismo autônomo da distribuição do ônus da prova; mas, mesmo que no sistema das provas “livres” possa parecer que a liberdade de avaliação seja o instrumento mais apropriado para a consecução da chamada “verdade substancial” a avaliação, embora livre, leva sempre a um juízo de probabilidade e de verossimilhança, não de verdade absoluta.25

Esse fato não deve desanimar os operadores do direito, mas

sim impor a reflexão se o texto frio de lei é realmente condizente com a realidade e

dinâmica sociais. Aliás, o supra citado jurista italiano foi pioneiro ao tratar do tema da

verossimilhança. Até então se acreditava e se trabalhava tão somente na confecção

de um juízo de certeza.

Na década de 50 do século XX o Direito já permitia, por

intermédio de seus estudiosos, incorporarem pensamentos filosóficos que

quebravam o estigma da certeza no agir do Poder Judiciário.

Troca-se, por influência principal de Aristóteles, a lógica formal

para lógica do razoável.26 Começava aí uma estruturação do raciocínio jurídico de

muito maior abrangência.

Heidegger expõe a contingência histórica das pretensões de

verdade. Ao fazer isso, permitiu-se ao homem uma análise histórica para

aproximação da verdade do ser. Foucault propõe o afastamento da citada lógica

formal para a busca de novas formas de compreender as relações do pensar e do

agir. De saber qual a conduta do homem médio de fronte a determinada situação.

Esses estudos são de extrema importância, são responsáveis

por toda uma virada no modo de pensar do homem. A verossimilhança nasce daí.

Aplica-se permissa vênia, o pensamento desenvolvido

anteriormente para situações do cotidiano do Poder Judiciário e da Advocacia. Tem-

se um fato, mas não há prova inequívoca que acompanhe esse fato, apenas

alegações. Numa lógica formal utilizada por muito tempo, a apreciação de pedido 25 Piero Calamandrei. Instituições de Direito Processual Civil. 2003, p. 276. 26 Daisson Flach. op. cit. p. 19.

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liminar seria tranquilamente no sentido do indeferimento, pois como dito, não há

prova robusta a embutir no alegado, o juízo de certeza.

Entretanto com o desenvolvimento do pensamento e

consequentemente do processo, pela lógica do razoável a apreciação do pedido

liminar para o mesmo fato poderia ser no sentido do deferimento. Dependendo das

alegações do postulante, por esse raciocínio que leva em conta essas relações do

pensar e do agir seria realmente muito possível acontecer a lesão ao Direito do

postulante.

Nas máximas de experiência oriundas dessa mudança de

pensamento, é perfeitamente possível ter uma intuição razoavelmente segura de

que a postura do cidadão que lesou ou está prestes a lesar o direito de outrem será

de um determinado modo.27

As máximas de experiência são verdadeiros pontos de partida

para formação da convicção jurídica relacionada a determinado fato que se quer

provar de modo positivo ou negativo. Arrisco dizer que tal processo é indutivo com

base em dados e fatos concretos acontecidos alhures.

Nessa mesma linha, como assevera MARINONI, “Se o juiz

deve julgar com base em critérios racionais, não há como a motivação esquecer de

demonstrar a racionalidade das regras de experiência, sejam comuns ou técnicas.”28

O uso das máximas de experiência está expressamente

autorizado nos termos do artigo 335 do Código de Processo Civil que assim refere:

Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência

comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as

regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.

27 Adroaldo Furtado Fabrício apud Daisson Flach. op. cit. p. 53. “São aquelas que o magistrado,

como homem integrado ao seu universo cultural, terá induzido observação – ou mesmo da vivência – de fatos repetidos que costumam invariavelmente conduzir a determinados resultados”.

28 Luiz Guilherme Marinoni. op.cit. p. 223.

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Corriqueira ação declaratória de inexistência de débito com

pedido de antecipação de tutela, onde o requerente busca ver declarado inexistente

a dívida e retirado seu nome dos cadastros restritivos de crédito. O requerente

pleiteia ao magistrado da causa, antes mesmo de julgar se há ou não há a dívida

referida que determine a exclusão ainda que temporária de seu nome dos cadastros

restritivos de crédito. Pela lógica do razoável de onde derivam as máximas da

experiência é preciso que o magistrado se questione.

Será mesmo que o autor ingressaria com esse pedido se

realmente tivesse a dívida? Será que o autor arriscaria ver a ação que propôs ser

julgada improcedente e ter que arcar com os ônus da sucumbência e, inclusive, com

os honorários do advogado constituído?

Pela conduta do homem médio analisado dentro dessa lógica

do razoável a questão pode ser facilmente resolvida prescindindo do juízo de

certeza. É isso que o Poder Judiciário tem que entender, suas ações e condutas

devem ser baseadas no bom senso o tempo todo citado nesse estudo. Por isso

normalmente Desembargadores e Ministros são de idade mais avançada, porque

têm vivência e experiência que em muitos casos serão decisivas para solução da

questão.

Tratando da evolução do pensamento humano sem qualquer

pretensão de aprofundar tenho a convicção de que é importantíssimo para o

presente trabalho referir o pensamento de Aristóteles aprimorado por Viehweg que é

desenvolvido no âmbito do opinável e do verossímil.29

Não há pretensão da verdade absoluta (que como já visto e,

ainda conforme CALAMANDREI30, não existe), a verdade não é desconsiderada

obviamente, ela tem o importante papel balizadora das situações fáticas. O Direito

29 Boaventura de Souza Santos apud Daisson Flach. op. cit. p. 28. “A verdade é a retórica da

verdade. Se a verdade é o resultado, provisório e momentâneo, da negociação de sentido que tem lugar na comunidade cientifica, a verdade é intersubjetivamente e, uma vez que esta subjetividade é discursiva, o discurso retórico é o campo privilegiado da negociação de sentido. A verdade é, pois, o efeito do convencimento dos vários discursos de verdade em presença. A verdade de um discurso de verdade não é algo que lhe pertença inerentemente, acontece-lhe no curso do discurso em luta com outros discursos, num auditório de participantes competentes e razoáveis”.

30 Piero Calamandrei. op. cit. p. 276.

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não se resume a letra fria da lei, a hermenêutica jurídica é inafastável para a mais

justa solução dos casos concretos.

4. O POSICIONAMENTO DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

A jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do

Rio Grande do Sul aponta para o sentido de que deve a parte postulante demonstrar

a verossimilhança do seu direito mediante apresentação de prova inequívoca.

No caso citado a seguir, o julgador, em sede de agravo de

instrumento, entendeu que não seria o caso de deferimento de antecipação de

tutela, pois não há prova inequívoca nos autos, assim decidiu Excelentíssimo

Magistrado:

A questão a ser decidida no presente agravo de instrumento envolve a análise da presença ou não dos requisitos autorizadores da antecipação dos efeitos da tutela, abrangendo a discussão das cláusulas do contrato celebrado.

Em que pese os argumentos da parte agravante e a possibilidade de inversão do ônus da prova à hipótese em análise, estão ausentes os requisitos previstos no art. 273 do CPC, a saber, a presença de prova inequívoca que convença da verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, a incidir em face da demora na prestação jurisdicional.

Não veio cópia do contrato ajustado entre as partes, pelo que não há como conhecer, em sede de antecipação dos efeitos da tutela, as condições pactuadas. A parte postulante suscita diversas questões a respeito do débito e dos juros cobrados, que deverão ser decididas na demanda principal. O ônus da juntada do contrato incumbia à parte agravante, conforme redação do artigo 333, inciso I, combinado com os artigos 525, inciso II e 273, todos do CPC.

Inviabiliza-se a concessão da liminar de antecipação porque ausente documento essencial para o deslinde da controvérsia. Não foi trazido, no caso, qualquer subsídio que possibilite a alteração dos fundamentos da decisão agravada.

(Agravo de Instrumento n. 70034029223, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Luiz Reis de Azambuja, Julgado em 23/12/2009).

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Noutro caso, também do Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul o magistrado se convenceu da verossimilhança das alegações, mas

entendeu que não houve demonstração do periculum in mora. É importante saber

que a prova inequívoca deve aflorar não só a verossimilhança do direito em si, como

também a urgência de se tutelar esse direito, sob pena de ser indeferido o pedido

com base no artigo 273, inciso I, do Código de Processo Civil. Cita-se esse

entendimento:

A antecipação de tutela, regida pelo art. 273 do Código de Processo Civil, exige (a) prova inequívoca, (b) convencimento pelo juízo da verossimilhança das alegações e (c) uma de duas circunstâncias: fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório.

No caso presente, neste momento, não obstante a aparência de verossimilhança na alegação dos autores de que seriam os efetivos proprietários de metade ideal do imóvel de matrícula n.º 84.773, não me convenci, em juízo perfunctório, do fundado receio de dano irreparável.

O material probatório anexado aos autos da ação originária, reproduzido no instrumento, mostra-se insuficiente e inadequado a provar a existência do periculum in mora necessário à medida antecipatória inaudita altera parte.

(Agravo de Instrumento n. 70034014456, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 22/12/2009).

Apenas para ilustrar a prática do nosso Tribunal quando do

deferimento de medidas antecipatórias, in verbis:

No caso dos autos, resta incontroversa a necessidade da internação pelo agravante, segundo documento que comprova a gravidade e necessidade do tratamento requerido. (fls.22-25).

Com efeito, necessário se faz, para a concessão da tutela antecipatória, o preenchimento de seus requisitos autorizadores, quais sejam: a verossimilhança do direito alegado, a reversibilidade da medida e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

A antecipação de tutela contra o Estado (lato sensu) é admissível quando em jogo direitos fundamentais como o de prestar saúde a toda a coletividade.

(Agravo de Instrumento n. 70033839564, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado de Souza Júnior, Julgado em 30/12/2009).

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O posicionamento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça é

muito semelhante ao do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e só

para constar transcreve-se dois julgados a seguir:

1. A antecipação de tutela em feito rescisório é medida excepcional, devendo para tanto o magistrado (art. 273 do CPC), verificar a presença de prova inequívoca, convencendo-se da verossimilhança da alegação. 2. Nos termos do art. 489 do CPC, a concessão da medida liminar aqui pleiteada só poderá ser feita caso presentes os pressupostos legais (art. 273 do CPC) e, ainda, caso imprescindível a medida. Precedente: AgRg na AR 3715/PR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 27.6.2007, DJ 27.8.2007 p. 172). 3. Deve ser mantida a decisão que indeferiu o pedido de antecipação de tutela, uma vez que ausentes o requisitos para a sua concessão.Agravo regimental improvido. (AgRg na AR 4.165/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, Julgado em 09/12/2009, DJe 18/12/2009)”

1. É inviável o agravo regimental que não impugna especificamente os fundamentos da decisão agravada. Aplicação do disposto na Súmula 182 desta Corte. Precedentes. 2. As questões relacionadas à configuração dos requisitos necessários para a antecipação dos efeitos da tutela, constituem matéria de fato e não de direito, porquanto os conceitos de "prova inequívoca" e "verossimilhança" estão intrinsecamente ligados ao conjunto fático-probatório dos autos. 3. Agravo regimental não conhecido. (AgRg no REsp 1058852/RJ, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), Terceira Turma, Julgado em 19/11/2009, DJe 03/12/2009).

Estes julgados demonstram o entendimento majoritário dos

Tribunais Pátrios em relação às tutelas de urgência, qual seja, deve ser

demonstrado o preenchimento dos requisitos para sua concessão. O presente

estudo aponta no sentido de que por vezes o próprio caso concreto já preenche tais

requisitos sem a necessidade de esmiuçar os fatos e o Direito.

CONCLUSÃO

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Acredita-se intimamente que qualquer Juízo está apto a

oferecer a tutela jurisdicional ao cidadão que a requer. Ainda que nem sempre

observe o procedimento adequado. A fungibilidade entre cautelares e antecipatórias

tem previsão expressa no artigo 273, §7º, do Código de Processo Civil,31 e autoriza

ao Magistrado tão somente a apreciação de tutela cautelar como se antecipatória

fosse.

Entretanto, pelo princípio da efetividade processual, entende-se

que seria também possível o deferimento de medida de urgência requerida como

cautelar mesmo sendo na verdade antecipatória. Não é razoável que o

procedimento inviabilize a realização dos Direitos.

Para ir mais além e ainda pelo princípio da efetividade

processual entende-se que é possível em casos urgentes seja deferida medida

antecipatória ou cautelar por Juízo relativamente ou absolutamente competente.

O processo deve ser acima de tudo um meio para que se atinja

o máximo de Justiça na realização do Direito.

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FERREIRA, William Santos. As garantias constitucionais do jurisdicionado e a competência nas tutelas de urgência: um enfrentamento positivo. In: WAMBIER, 31 Artigo 273 do Código de Processo Civil: §7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer

providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.

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FONTES ON LINE

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