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A URBANIZAÇÃO E A PERCEPÇÃO DO LUGAR NO CÓRREGO JATOBÁ EM BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS Ícaro Neri Pereira de Souza¹ Thaís Francisco Couto² ¹Universidade Federal de Minas Gerais ([email protected]) ²Universidade Federal de Minas Gerais ([email protected]) INTRODUÇÃO A localidade no qual as pessoas vivem é um dos mais importantes aspectos na reprodução social, sendo que, o conceito de lugar, é uma das principais categorias e fonte de trabalhos e discussões em Geografia. Os aspectos físicos, naturais, estruturais, sociais além das relações humanas fomentam a percepção do indivíduo em relação à sua localidade, de modo a influenciar na maneira de que este percebe e reproduz socialmente na superfície da Terra. O conceito de “Lugar” é abordado com grande ênfase pelos estudos e autores que seguem uma linha teórica identificada como/pela Geografia Humanista/Fenomenológica, sendo que, outra vertente geográfica que também dá uma grande ênfase a esse conceito nas suas discussões é a Geografia Crítica. Segundo Lopes (2012), o conceito de lugar é: Na perspectiva humanista, preocupada fundamentalmente com a relação homem-natureza/ambiente sob o prisma da subjetividade, o interesse é fundamentar o lugar enquanto base da existência humana, mas existência enquanto experiência pessoal, mediatizada por símbolos e significas próprios, subjetivos. A Geografia Crítica aborda o conceito de lugar enquanto construção sócio-histórica, que cumpre determinadas atribuições na lógica social, sendo um meio de promoção da funcionalidade do mundo (LOPES, 2012). O “Lugar” então aparece nessa perspectiva, ao mesmo tempo como um recorte espacial que reproduz processos estimulados em outras escalas de ação e poder e também como palco de ações singulares nessa escala, que podem ou não estimular a criação de ações e identidades nesse recorte.

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A URBANIZAÇÃO E A PERCEPÇÃO DO LUGAR NO CÓRREGO JATOBÁ

EM BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS

Ícaro Neri Pereira de Souza¹

Thaís Francisco Couto²

¹Universidade Federal de Minas Gerais ([email protected])

²Universidade Federal de Minas Gerais ([email protected])

INTRODUÇÃO

A localidade no qual as pessoas vivem é um dos mais importantes aspectos na

reprodução social, sendo que, o conceito de lugar, é uma das principais categorias e

fonte de trabalhos e discussões em Geografia. Os aspectos físicos, naturais, estruturais,

sociais além das relações humanas fomentam a percepção do indivíduo em relação à sua

localidade, de modo a influenciar na maneira de que este percebe e reproduz

socialmente na superfície da Terra.

O conceito de “Lugar” é abordado com grande ênfase pelos estudos e autores que

seguem uma linha teórica identificada como/pela Geografia

Humanista/Fenomenológica, sendo que, outra vertente geográfica que também dá uma

grande ênfase a esse conceito nas suas discussões é a Geografia Crítica. Segundo Lopes

(2012), o conceito de lugar é:

Na perspectiva humanista, preocupada fundamentalmente com a relação

homem-natureza/ambiente sob o prisma da subjetividade, o interesse é

fundamentar o lugar enquanto base da existência humana, mas existência

enquanto experiência pessoal, mediatizada por símbolos e significas próprios,

subjetivos.

A Geografia Crítica aborda o conceito de lugar enquanto construção sócio-histórica, que

cumpre determinadas atribuições na lógica social, sendo um meio de promoção da

funcionalidade do mundo (LOPES, 2012). O “Lugar” então aparece nessa perspectiva,

ao mesmo tempo como um recorte espacial que reproduz processos estimulados em

outras escalas de ação e poder e também como palco de ações singulares nessa escala,

que podem ou não estimular a criação de ações e identidades nesse recorte.

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Não há interesse neste trabalho de encerrar um conceito de lugar, nem de discuti-lo com

maior profundidade, é objetivo abordá-lo nesta introdução para dar aporte às discussões

que estão por vir. Nesse trabalho, será utilizado um conceito formulado a partir das

discussões de Carlos (2007). Discutindo Santos1 (1995), Carlos (2007), mostra que,

numa definição de lugar, além das densidades técnica (presente na configuração do

território), informacional (que chega ao lugar tecnicamente estabelecido),

comunicacional (as pessoas interagindo) e normativa (o papel das normas em cada

território), deve se adicionar as dimensões do tempo, considerando os eventos no

presente e no passado e histórica, que entra e se realiza no plano do vivido e nas práticas

cotidianas, melhor se desenvolvendo e se realizando em função de

cultura/tradição/língua/hábitos, se construindo e se impondo como processo da

mundialização/globalização e do mundial. Carlos (2007) autora argumenta que o lugar é

a base para a reprodução da vida, e pode ser analisado pela tríade habitante-identidade-

lugar, sendo o espaço passível de ser sentido, pensado, apropriado e vivido através do

corpo.

Como ilustra Carlos (2007):

são os lugares que o homem habita dentro da cidade (ou da sua localidade)

que dizem respeito a seu cotidiano e a seu modo de vida onde se locomove,

trabalha, passeia, flana, isto é pelas formas através das quais o homem se

apropria e que vão ganhando o significado dado pelo uso. Trata-se de um

espaço palpável — a extensão exterior, o que é exterior a nós, no meio do

qual nos deslocamos. (CARLOS, 2007).

É notório que a urbanização deixa marcas no espaço; nesse contexto, o capital, o Estado

capitalista e a especulação imobiliária moldam a paisagem de acordo com os seus

interesses ao influenciar no preço da terra, cujo alto valor em áreas com melhor

infraestrutura excluem pessoas dessa “urbanização formal”, que buscam áreas

periféricas da cidade para morar.

Lefebvre (2002), mostra, dentro de uma discussão mais ampla, que no desenvolvimento

histórico das cidades na sociedade capitalista contemporânea, a Cidade Industrial

1 Encontro Nacional realizado em Aracajú em setembro de 1995, pela Associação Nacional de Pós-

Graduação em Geografia. Mesa Redonda “A redefinição do lugar“.

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(conceito definido por este autor), tendo suas relações e produção espacial moldada pelo

capital industrial e descrita como “uma aglomeração parcamente urbana, um

conglomerado, uma conurbação” precede a Zona Crítica, sendo que, no momento de

“implosão-explosão” ocorrem alguns fenômenos relacionados às cidades como

concentração urbana, êxodo rural, extensão do tecido urbano e etc., caso de Belo

Horizonte, uma cidade que teve parte do seu desenvolvimento feito a partir da expansão

do capital industrial, como no atual município de Contagem e na regional Barreiro.

Os cursos d’água que percorrem áreas posteriormente urbanizadas, principalmente nas

grandes cidades, apesar de serem fontes de recursos hídricos, muitas vezes foram e são

vistos como “problema” pelos planejadores e até mesmo pela população que ocupa as

suas margens, que por utilizá-los como destinatário de rejeitos, acaba por transformá-los

em fontes de transmissão de doenças, insetos e etc. Ademais, os cursos d’água em meio

urbano, muitas vezes são vistos como uma “barreira espacial” para a circulação de

pessoas e mercadorias, sendo estes cursos muitas vezes canalizados e cobertos,

excluídos da paisagem e do espaço urbano.

O Córrego Jatobá, localizado ao sul do município de Belo Horizonte, é formado pela

confluência de várias nascentes localizadas na Serra do Rola Moça, bem como em seu

vale, e é um dos afluentes do Ribeirão Arrudas, um dos principais canais de drenagem

de Belo Horizonte. Com cerca de quatro quilômetros de extensão, o Córrego Jatobá à

montante, percorre o seu leito fluvial original; entretanto, quando se aproxima do

perímetro urbano, mais à jusante, sofre canalizações, e é em partes coberto e em outras

partes percorre o seu leito original. Em torno do seu terceiro quilômetro, à partir da sua

nascente de 1ª ordem na Serra do Rola Moça, o Córrego Jatobá encontra o Córrego

Olaria e forma o Córrego-Olaria/Jatobá, sendo que, posteriormente, este canal de

drenagem é tributado e tributa outros canais de drenagem formando o Ribeirão Arrudas.

Neste trabalho, por uma questão prática, e sem prejuízo acadêmico, será utilizado

somente o termo "Córrego Jatobá", mesmo quando a área abordada já estiver num leito

fluvial formado pelos Córrego Olaria e Jatobá, pois mesmo pela proposta de

hierarquização fluvial de Horton (1945), os canais fluviais de maior extensão

apresentam maior hierarquia, caso este do Córrego Jatobá em relação ao Córrego Olaria.

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A urbanização das áreas à margem do córrego tem o seu começo datado nos anos 1960

e 1970, com a criação de loteamentos por parte da prefeitura de Belo Horizonte e por

programas de habitação do governo federal da época. No começo da urbanização da

região o córrego ainda percorria o seu leito natural, porém, com o crescimento urbano, o

córrego Jatobá foi poluído e seu leito sofreu intensas modificações.

A figura 1 mostra a localização do Córrego Jatobá no município de Belo Horizonte:

Figura 1: Localização do Córrego Jatobá em Belo Horizonte – MG

OBJETIVOS

O objetivo deste trabalho é criar um breve histórico sobre a ocupação urbana nas

margens do Córrego Jatobá, em Belo Horizonte, e analisar as principais mudanças na

percepção do lugar, da paisagem e a reprodução social da população local.

METODOLOGIA

Os métodos para a elaboração desta pesquisa se baseiam em consultas a bibliografia que

dizem respeito à produção do espaço urbano frente aos recursos hídricos, bem como as

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dinâmicas das drenagens urbanas de Belo Horizonte. Além disso, foi realizada visita a

campo para a caracterização da área percorrida pelo Córrego Jatobá, com levantamento

de informações e entrevistas com a população residente. As entrevistas realizadas se

pautaram nas seguintes questões:

1- Em qual bairro você mora? E há quanto tempo?

2- Qual é a sua relação com o córrego Jatobá?

3- No seu ponto de vista, que mudou no bairro com o tempo?

4- No seu ponto de vista, o que mudou com o córrego com o tempo?

5- A sua vida melhorou?

6- Em relação ao rio: A situação atual está melhor do que era antes?

7- Você queria que alguma coisa em relação ao rio fosse diferente? Por quê?

Foram entrevistadas 24 pessoas, sendo 13 homens de 18 a 71 anos e 11 mulheres de 22

a 67 anos.

RESULTADOS PRELIMINARES

A história da urbanização da área da bacia do Córrego Jatobá começou em meados das

décadas de 1960 e 1970. Sofrendo um forte impulso de industrialização neste período,

principalmente sob a influência da Cidade Industrial de Contagem, da inauguração da

unidade da multinacional de automóveis italiana FIAT em Betim, no ano de 1973

(TONUCCI-FILHO, 2012) e de alguns distritos industriais na região, como por

exemplo os distritos industriais Jatobá I, II, III e IV (atuais bairros Vila Santa Rita, Vila

Pinho e Vila Castanheira) (ARREGUY e RIBEIRO, 2008), e sob a égide de governos

civis-militares autoritários, foram criados alguns bairros (alguns como conjuntos

habitacionais) e outros surgiram pela própria organização e ocupação da população na

região, com pouquíssimo ou nenhum auxílio do Estado. Segundo Tonucci-Filho (2012):

A aceleração da industrialização intensificou as migrações do campo para as

grandes cidades, que cresciam a taxas vertiginosas, e cujas bases sociais

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também se ampliavam, através do aumento das classes médias e do

proletariado industrial. Essa dinâmica econômica e demográfica acarretou

numa acentuada expansão física das cidades, dando fôlego também ao

mercado imobiliário, concentrando nos processos de parcelamento em novas

frentes de expansão seguindo os novos eixos viários, e na verticalização de

centros urbanos (PLAMBEL, 1986).

No período de 1950-1960 a população do município de Belo Horizonte teve um

crescimento demográfico anual médio de 7,0% enquanto que no período de 1960-1970

o incremento anual médio da população deste município foi de 6,1%.

O Córrego Jatobá percorre áreas da antiga Fazenda Jatobá, sendo que nesta área, na

década de 1960, foi criado o Conjunto Habitacional Vale do Jatobá. Suas casas eram

muito parecidas e as pessoas que se mudaram para lá, em muitos casos, eram vítimas de

enchentes e moradores de favelas que foram removidas, principalmente nos arredores da

área central de Belo Horizonte (ARREGUY e RIBEIRO, 2008). Na década de 1970,

com a criação da Administração Regional Barreiro, veio o projeto da instalação de

distritos industriais em áreas da antiga Fazenda Jatobá, que também ajudou na atração

de novos moradores para a região da bacia do Córrego Jatobá. 10 anos depois, já

existiam outros bairros que também ocupam atualmente a bacia do córrego: Santa

Cecília, Petrópolis, Mangueiras, Independência e Mineirão. A população desta área

enfrentou muitas dificuldades ao longo do tempo, principalmente no começo da

urbanização e criação destes bairros, principalmente no que diz respeito ao transporte

público (ARREGUY e RIBEIRO, 2008). O que se viu a partir daí foi o adensamento

destes bairros, com mudanças em vários aspectos sociais, infraestruturais e econômicos,

inclusive na calha do Córrego Jatobá.

Em relação à calha do córrego, o que se vê é uma descaracterização quase que completa

do mesmo em relação ao seu estado original: durante todo o seu percurso alguma

modificação ou uso ostensivo das suas margens e do canal de drenagem (inclusive no

leito vazante) é observado: O córrego é utilizado como destino de rejeitos domésticos e

industriais, inclusive com encanamentos despejando esgoto in natura na sua calha; em

outras partes ele é canalizado, porém ainda correndo a céu aberto, em outras partes além

de canalizado ele é coberto, no que é chamado de "avenidas sanitária" e no ponto mais à

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jusante do córrego, na área de estudo, já quando o Córrego Jatobá encontra as águas do

Córrego Olaria, uma grande obra de tratamento e alargamento do fundo do vale do rio e

de contenção das águas nas cheias foi feita, completada em 2014. Em um dos seus

tributários, o Córrego do Túnel, uma obra de canalização e outra posterior de

"urbanização", com a instalação de uma grande passarela, formando um Boulevard,

sobre a calha do rio foi feita, em meados da década de 2010.

A figura 2 mostra a localização dos pontos onde foram coletadas as imagens e

informações para este trabalho enquanto as figuras 3 a 6 exibem imagens do córrego

Jatobá, ilustrando o que foi retratado anteriormente:

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Figura 2: Localização dos pontos de coleta de informações e imagens para o trabalho.

Figura 3: Ponto 1 - Obras de contenção e alargamento do fundo do vale do Córrego Jatobá, após a sua

confluência com o córrego Olaria.

Figura 4: Ponto 2 - Passarela construída sobre o Córrego do Túnel, um dos afluentes do córrego Jatobá.

Figura 5: Canalizações e coberturas executadas no Córrego Jatobá nos pontos 3, 4 e 5. No ponto 3 o

córrego é canalizado e coberto sob a Avenida Senador Levindo Coelho, no 4 o córrego é completamente

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coberto para dar lugar a uma rua e no 5 o seu canal de drenagem é canalizado logo após entrar na área

urbana, sendo coberto completamente antes disso.

Figura 6: Ponto 4 - Córrego Jatobá desembocando da cobertura feita na Avenida Perimetral e correndo a

céu aberto.

Figura 7: Ponto 6 - Área próxima a uma nascente de um dos canais de drenagem que formam o Córrego

Jatobá. Já se percebe que o local é destinatário de lixo e também se vê uma das primeiras canalizações e

coberturas sofridas pelo córrego.

Em relação à percepção dos moradores em relação ao Córrego Jatobá se percebe que há

mudanças em relação à localização geográfica da moradia da pessoa (principalmente

pela relação montante/jusante) e também em relação à idade dos entrevistados.

Os moradores mais antigos que moram mais à montante do Córrego Jatobá,

principalmente nos bairros Independência, Mangueiras e Vale do Jatobá, relataram que,

ainda no processo de loteamento e/ou ocupação e criação dos bairros, o leito do córrego

era utilizado para lazer (como natação e outras atividades recreativas, por exemplo) e

também como fonte de água para consumo próprio. Mais à jusante, já nos atuais bairros

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Santa Cecília, Tirol e Olaria os moradores relataram que tinham mais contato com o

córrego do que têm hoje, com destaque para atividades recreativas e de lazer às margens

do córrego, porém a maioria relatou que não havia já nessa época utilização do córrego

para natação, devido à já existente poluição nele existente. O córrego, no geral, ainda

consistia como fator positivo na vida das pessoas.

Os moradores, que no geral tem idade entre 30 e 45 anos que foram entrevistados, no

geral relataram aspectos negativos em relação ao seu convívio com o Córrego Jatobá: o

córrego é descrito como um grande gerador de problemas nas suas infâncias,

adolescência e fase adulta. Foram citados desde problemas como alagamento, mau odor,

esgoto, foco de acúmulo de lixo e de vetor de doenças. No geral, o convívio destas

pessoas com o córrego parecia mais forçado, pela proximidade das moradias e com a

obrigatoriedade de ter que encontrar com o rio em algum momento, do que uma relação

espontânea de convívio. As obras citadas anteriormente ao longo leito fluvial são vistas

como aspectos positivos, pois no geral estas obras ajudaram a esconder o mau odor, o

lixo, o esgoto e evitando alagamentos, jogando os problemas enfrentados no rio para

longe das suas vistas. Apesar disso, foi relatado de que, no geral a vida melhorou e para

as pessoas que moravam um pouco mais longe da calha do rio este nunca fez grande

diferença em suas vidas, nem positivamente e nem negativamente.

Por fim, os moradores mais jovens entrevistados, demonstraram, no geral, grande

indiferença em relação ao rio, sendo que, alguns dos entrevistados, nem sabiam que

passava um rio sob os seus pés numa avenida sanitária. Para estas pessoas, o Córrego

Jatobá não fazia parte nem da paisagem. Os que citaram alguma relação com ó córrego

que não fosse de indiferença no geral foram citados aspectos negativos, citando

problemas com mau cheiro e acúmulo de lixo.

Conclui-se que na ocupação das margens do Córrego Jatobá que ao longo do tempo não

foi feito um planejamento, ao menos abrangente para toda a sua calha, no sentido de

preservá-lo no seu “estado original”, ou ao menos num uso preocupado em manter a

qualidade de sua água própria para consumo humano, sendo este, como acontece em

muitos outros rios que correm por áreas urbanas nas grandes cidades brasileiras,

canalizado, coberto, desviado, retificado e até mesmo sofrendo um alargamento do seu

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fundo de vale. Tudo isso foi feito no sentido de evitar ou suprimir os problemas

causados por um modelo de urbanização e de uso ostensivo do córrego que não o

considerou como aspecto positivo nesta urbanização e na vida das pessoas. Claro, há de

se considerar que, levando em conta o contexto desta(s) ocupação(ões), o Estado, em

muitos casos, deu pouco ou nenhum auxílio aos moradores, sendo que muitos destes,

não tiveram nenhuma ou pouca ajuda estatal em relação às suas moradias e ao

saneamento básico; desta maneira, o Córrego Jatobá e suas margens eram, e ainda são

necessários, por vezes tanto para moradia, consumo próprio e para descarte de rejeitos.

A partir desta conclusão abrem-se caminhos para muitas outras discussões em diversas

escalas geográficas e transitando por várias outras disciplinas e áreas da ciência, sendo

que este trabalho procurou demonstrar, na visão das pessoas, os efeitos da urbanização

sobre o Córrego Jatobá e a relação disso com as suas vidas. Sugere-se para os próximos

trabalhos nesta discussão um maior rigor estatístico no tratamento dos dados relativos às

entrevistas feitas.

BIBLIOGRAFIA

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LOPES, J. G. As especificidades de análise do espaço, lugar, paisagem e território na

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TONUCCI FILHO, João Bosco Moura. Dois momentos no planejamento

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PDDI-RMBH. Dissertação (mestrado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,

Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.