a Última performance - trabalho cap pós

11
7/23/2019 A Última Performance - Trabalho CAP Pós http://slidepdf.com/reader/full/a-ultima-performance-trabalho-cap-pos 1/11 Abstract This work is a reflection on a series of photographs created as a record of a  performance and subsequently found with the quality of  staged photographs . This text is made the connection between the sense of performance - the end of the collective scenic Grupo do Trecho - with the assumptions that define this type of photographic language, seeking to justify the poetic development through technical approach. It is also used for this reflection the concept of punctum of Time, of Roland Barthes. Words-keys: performance, staged photographs, punctum, puppets, Grupo do Trecho

Upload: luciano-mendes-de-jesus

Post on 18-Feb-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A Última Performance - Trabalho CAP Pós

7/23/2019 A Última Performance - Trabalho CAP Pós

http://slidepdf.com/reader/full/a-ultima-performance-trabalho-cap-pos 1/11

Abstract

This work is a reflection on a series of photographs created as a record of a

 performance and subsequently found with the quality of  staged photographs. This textis made the connection between the sense of performance - the end of the collectivescenic Grupo do Trecho - with the assumptions that define this type of photographiclanguage, seeking to justify the poetic development through technical approach. It isalso used for this reflection the concept of punctum of Time, of Roland Barthes.

Words-keys: performance, staged photographs, punctum, puppets, Grupo do Trecho

Page 2: A Última Performance - Trabalho CAP Pós

7/23/2019 A Última Performance - Trabalho CAP Pós

http://slidepdf.com/reader/full/a-ultima-performance-trabalho-cap-pos 2/11

A Última Performance

(The Last Performance)

 por

Luciano Mendes de Jesus (texto) e Tatiana Burg (fotos) 

 Não sou fotógrafo. Mas sempre gostei de fotografia. E até de fotografar. Mas fotografar assim

como uma criança que brinca, imitando o que algum adulto que admira faz. Inventando pretensos ângulos

sofisticados, achando instantes únicos já vistos por milhares de outros fotógrafos com olhares de águia.

Mas a minha corporeidade verdadeira acompanhava minha ignorância verdadeira. Daí que sou artista

cênico, buscando na alteridade de personagens, figurais, personas e todas as formas possíveis de atuação,

a construção do meu real responsável frente à realidade eloquente da vida. Sigo as palavras de Tadeuz

Kantor: “A arte deve responder à realidade”. Acredito nas palavras de Victor Flusser: “Ser responsável é

ter a capacidade de responder.” 

Quero que este trabalho tenha essa qualidade. A de responder às provocações desta disciplina

que realizei. Que para mim foi árida por diversas formas: pela língua estrangeira que ainda não domino, por desconhecer muitos referenciais fundamentais da fotografia contemporânea, por não ter um saber

Page 3: A Última Performance - Trabalho CAP Pós

7/23/2019 A Última Performance - Trabalho CAP Pós

http://slidepdf.com/reader/full/a-ultima-performance-trabalho-cap-pos 3/11

técnico desta arte. Mas como disse, o que escrevo é uma resposta dentro do meu entendimento e das

minhas capacidades, e que me surgiu como insight ou revelação no momento em que, junto com a artista

 plástica-e-milhares-de-outras-coisas-inclusive-fotógrafa  Tatiana Burg, ritualizávamos o fim de uma

história artística, de uma certa aventura criativa. Era a performance final que encerrava o caminho

 percorrido, juntos e com outros companheiros, por cerca de quatro anos, com o Grupo do Trecho.E daí vejo estas fotos, assisto a aula da professora Vesna Pavlov sobre fotografia e performance,

leio uma série de textos sobre o tema e digo: o que fizemos nesse dia, sem saber, ou conduzidos pela

 perfeita ordem do Grande Incognoscível, foi uma ação de fotografia encenada. E só pensávamos em

registrar os momentos pra “ posteridade”. No entanto, construímos uma narrativa visual sobre o fim de um

ciclo importante para nossas vidas artísticas. E se algo mais de honesto posso falar, após confessar minha

ignorância sobre o mundo das lentes, é desse dia e suas impressões sobre mim como experiência vivida,

através daquilo que a câmera registrou. Melhor dizendo, quase ignorância, pois sobre os  punctuns  de

Barthes conheço um pouco, tendo transplantado este conceito para estudos sobre o corpo do ator e da

cena teatral anos atrás. E será o melhor de fundamento teórico que posso colocar nesse pequeno trabalho

“ paracadêmico” que escrevo. Pois é isso: sou um pesquisador novato, mais do que nunca agora, falando

de dentro do seu objeto de estudo. Objeto este transitório, que não lhe pertence, mas com o qual se

encontrou, inesperada e integralmente, um dia, por muito pouco tempo. Será uma reflexão sobre as coisas

que acabam, seus finais.

Page 4: A Última Performance - Trabalho CAP Pós

7/23/2019 A Última Performance - Trabalho CAP Pós

http://slidepdf.com/reader/full/a-ultima-performance-trabalho-cap-pos 4/11

 

O Grupo do Trecho foi um coletivo cênico fundado em 2007, no contexto da UNICAMP

(Universidade Estadual de Campinas). Nossos pressupostos de trabalho eram a fronteira ficção-realidade

o uso dos espaços públicos e institucionais e a integração de linguagens artísticas. Nossas práticas

estavam baseadas na criação de espetáculos, intervenções públicas e performances. Em quase quatro anos

de existência tivemos uma produção extremamente ativa, contando sempre com patrocínios públicos.

Chegamos a receber dois prêmios pela Cooperativa Paulista de Teatro: o de melhor espetáculo de rua e

grupo revelação, no ano de 2009. Rodamos muito por São Paulo, algumas cidades do interior e no estado

de Santa Catarina. Desenvolvemos nossos projetos em muitas ruas, três albergues e uma penitenciária.

Um conjunto de experiências intensas, agressivas e contundentes. Literalmente em muitas vezes, pois em

algumas ocasiões recebi agressões físicas desconcertantes. Criamos nossa poética peculiar tendo como

 parâmetro literário a prosa de Mia Couto. Resistimos a nós mesmos até o início de 2011. O núcleo duro

eram Carolina Nóbrega, Nadia Recioli, Tatiana Burg e eu. Muitas outras pessoas colaboraram conosco.

Mas acabamos sem afirmar o fim. Ensaiou-se a continuidade, mas não haviam disposições

internas para isso. E não se sabia o que fazer com o muito que havia sido feito, vivido. E o tempo, como

eternamente, passou. Cada qual caminhando seu passo, seu trecho pessoal (trecho significa percurso). Eas reticências eram sabidas que existiam. E um certo dia de 2013 combinamos como por o ponto final.

Page 5: A Última Performance - Trabalho CAP Pós

7/23/2019 A Última Performance - Trabalho CAP Pós

http://slidepdf.com/reader/full/a-ultima-performance-trabalho-cap-pos 5/11

Os bonecos que criamos para nosso primeiro trabalho “Sapato Sujo na Soleira da Porta” seriam

os personagens principais da nossa última performance. As revistas que publicamos no final do segundo

 projeto, “Contos de Lua no Chão”, e do terceiro, “Ausências”, e que restaram, seriam nossas cartas de

despedida. Assim voltamos para o Largo de Santa Cecília, lugar onde residimos artisticamente em 2009 e

criamos os“

Contos...”

. Lugar também onde nasci e cresci até a adolescência. Espaço de potentesmemórias e importância afetiva. Enfim, um lugar significativo para todos nós.

Como refletir sobre essa performance, que se concebeu como cênica e se descobriu como

fotográfica? Estas fotos registram um percurso preciso de ações, sobre uma dramaturgia radicalmente

diáfana. Seu desenvolvimento guarda e revela dois sentidos: o do “ Isso foi” de Barthes e o do “ Isso é”,

que tomo a licença de achar que invento agora, por não saber de nenhuma outra referência neste termo.

“ Isso foi”  é o que ela revela dela mesma, através das fotos. Seus passos, sua construção de

história nos instantes que capturou e que, para nós, era um ritual de fechamento, um despacho pós-

contemporâneo.

“ Isso é” está como o seu significado secreto para nós que performamos - sem que soubéssemos,

 por duas vezes, paralelas e simultâneas  –  em ação cênica e fotográfica. Linguagem cifrada de imagens

que disparam em nós, os artistas responsáveis por elas, reminiscências e evidências das experiências

vividas juntos e que estão sintetizadas nas revistas fotografadas, confirmação de um conteúdo

determinado. Linguagem presente nas naturezas mortas, nos termos de Fritz Franz Vogel, que são os

 próprios bonecos: os guardiões, os espantalhos, os pedintes e os esqueletos da nossa memória depositada

no chão da estação do metrô.

Bonecos que são muitas das coisas que o mesmo Vogel ainda diz:

- fotografia mortuária (da nossa história como grupo)

- corpo nu como forma de consumo visual (precário como os corpos que éramos e que criamos)

- mistificação como poesia surrealista (não, para nós são a ausência de transcendência pelo realismo

fantástico dos objetos do mais baixo escalão)

Page 6: A Última Performance - Trabalho CAP Pós

7/23/2019 A Última Performance - Trabalho CAP Pós

http://slidepdf.com/reader/full/a-ultima-performance-trabalho-cap-pos 6/11

- eu como o outro (também não: o outro como eu, que não podia e não queria ficar ali a distribuir revistas,

mas também representante do nosso cansaço e do nosso desejo de um bom fim de trecho)

Page 7: A Última Performance - Trabalho CAP Pós

7/23/2019 A Última Performance - Trabalho CAP Pós

http://slidepdf.com/reader/full/a-ultima-performance-trabalho-cap-pos 7/11

- criadores de diversão e tédio (isso as imagens mostram)

- multiplicidade de egos (o que fotografamos de longe, os bonecos viram de perto)

- encenação do dia-a-dia (até aqui as linhas imaginárias resistiram, mas queriam ser atravessadas)

- o cruzamento entre personagem e auto-biografia (ah, uma evidência do nosso caminho certo!)

- tentativa frustrada de auto-terapia (não, a nossa foi boa e eficiente)

- modelos e natureza morta como um mundo vivo (no qual há movimento e imobilidade em diálogo

radical: bonecos estáticos  –  pessoas transeuntes  –  fotografias tensionadas)

Dessa ação objetiva de performar com nossos bonecos

- nossas naturezas mortas de fato, visto que seus rostos foram moldados sobre nossos rostos  –  emergiu um

ato narrativo significante, que se manteve escondido até a revelação das fotos.

A revelação das fotos. Ainda que extremamente rápida hoje, ainda assim uma revelação. Seu

núcleo apocalíptico permanece inalterado. Seu poder de causar constrangimentos, escândalos, vinganças,

decadências. Apaziguamento e nostalgia.

Ato narrativo orgânico, autopoiético porque feito à nossa revelia, gerindo-se na ordenação e

significação dos tempos registrados pela câmera com independência, deixando para nós apenas o trabalho

 bruto de definir os espaços: cenografia e cenotécnica.

Da fotografia encenada diz-se que os autores das imagens e as figuras representadas são osmesmos. Confirmamos essa observação, mas problematizando o tópico, sutilmente. Os autores das

Page 8: A Última Performance - Trabalho CAP Pós

7/23/2019 A Última Performance - Trabalho CAP Pós

http://slidepdf.com/reader/full/a-ultima-performance-trabalho-cap-pos 8/11

imagens (não fotografei, fui fotografado em simples afazeres, mas me considero um co-autor das

imagens) são representados pelas figuras representadas. O futuro desses bonecos: serão deixados pra trás,

desaparecerão cedo ou tarde ou no momento exato, irão embora pra um lugar imaginado, mas não

conhecido. As fotos contam essa história contando a nossa história como grupo artístico. Contam não.

Revelam. Quem conta são os bonecos e seus encontros com as gentes. O espaço entre eles e as pessoassão os espaços de relações que o Grupo do Trecho criou existindo. Onde couberam dentes à mostra.

Olhos desconfiados. Mãos estendidas. Cabeças confusas. Corações cansados. Espíritos reflexivos.

Assim como tudo existe para acabar num livro, como alguém já disse, talvez tudo também existahoje para acabar numa fotografia. Afinal é fonte segura contra a corrosão da memória pelo tempo. Tempo

que é o gerador do fenômeno fotográfico, seu pai sanguíneo. O tempo-punctum  de Barthes, intenso o

suficiente para trespassar aquele dito “ Isso foi”. Assim é que a fotografia atualiza não apenas o que foi,

mas nos faz rememorar as possibilidades. “ Isso poderia” ao lado dos outros isso e aquilo. É o lado triste

das fotos. Registram as falhas. Silenciando um pouco e deixando a palavra à Barthes: “(...) A fotografia

me diz a morte no futuro. O que me punge é a descoberta dessa equivalência. (...) Qualquer fotografia é

essa catástrofe. (...) Nela há um esmagamento do Tempo: isso está morto e isso vai morrer.” 

Esta série de fotografias mostram para nós mesmos o que construímos e seu fim, não sua

destruição. As escolhas do que criar. Os lugares para onde ir com essas criações. Mais ainda, os lugares

onde se dariam essas criações. Com a narrativa destas imagens, espécie de documentário ou arquivo,

entendemos a nós mesmos como artistas que criaram juntos num determinado período do Tempo. E

vemos o que estava morto e precisava de um lugar para repousar como indelével lembrança. Duradoura

lembrança de uma possibilidade e suas realizações concretas. Extinguido enquanto ruído que ainda

incomodava a nós mesmos. Era o que precisava ser feito. As exéquias do Trecho terminam não com o

sepultamento da sua obra, mas com seu espalhamento pelos inúmeros caminhos das pessoas e os rumos

dos veículos. Um dente-de-leão dissolvendo-se no ar. A esperança ridícula de uma semente cair numa

fresta no asfalto de uma quebrada lá no fundão de alguém, e outra inútil e necessária planta vir a crescer.

Page 9: A Última Performance - Trabalho CAP Pós

7/23/2019 A Última Performance - Trabalho CAP Pós

http://slidepdf.com/reader/full/a-ultima-performance-trabalho-cap-pos 9/11

Os bonecos nessas fotos, diria Michael Köhler, são o nosso “super-símbolo da realidade”. São

imagens que elaboramos de nós mesmos, como indivíduos. Juntos são uma história coletiva, escrita a

muitas mãos, suja de rolar na brita. Fizemos nessa última performance tudo o que ele diz. Imagens vivas

encenadas (graças a imagens sem vida), montagem de objetos e esculturas de equilíbrio precário (por

objetos/esculturas que de precário não tem apenas o equilíbrio). E que não haverão de ter mais qualqueroutro registro, além desses que estão neste trabalho que apresento. E tudo o que fizemos antes,

 performando, encenando ou intervindo, cabem nos termos de Vogel sobre a fotografia encenada, que

descubro agora. Em tudo o que fizemos  –  e que outras câmeras registraram  –  há as tensões: “o trágico ao

lado do irônico; preocupação ao lado da zombaria, timidez ao lado da super-exposição; piada ao lado do

trágico; a manifestação de uma força mística ao lado do que é cotidiano.” 

Os bonecos se foram. Tão logo viramos as costas, a assepsia do metrô recolheu-os. Cremos

nisso. Ou alguém extremamente apaixonado por eles levou-os com total discrição.

Faltaram as fotos desses lugares vazios que ficaram.

A ausência como lápide é apropriada para o fim do nosso Trecho.

Adeus.

Page 10: A Última Performance - Trabalho CAP Pós

7/23/2019 A Última Performance - Trabalho CAP Pós

http://slidepdf.com/reader/full/a-ultima-performance-trabalho-cap-pos 10/11

 

Page 11: A Última Performance - Trabalho CAP Pós

7/23/2019 A Última Performance - Trabalho CAP Pós

http://slidepdf.com/reader/full/a-ultima-performance-trabalho-cap-pos 11/11

Bibliografia:

Barthes, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

Kantor, Tadeusz. O Teatro da Morte. São Paulo: Perspectiva, 2008.

Köhler, Michael. Das konstruierte bild. Stuttgart: Stemmle, 1989. Resumo e livre adaptação do texto“Arrangiert, konstruiert und inszeniert  –  von Bilder-Finden zun Bild-Erfinden” por Mario Ramiro

Vogel, Fritz Franz. The Cindy Shermans inszenierte identitäten - fotogeschichten von 1840 bis 2005.Köln, Weimar, Wien: Böhlau, 2006. Resumo e livre adaptação do texto “Inszenierte fotografie-staged

 photography” por Mario Ramiro