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A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
Ana Garcia Marques Serviço do Agente junto do TEDH
7 de outubro de 2013
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
• Tribunal internacional sedeado em Estrasburgo.
• É bilingue – inglês/francês.
• É composto por 47 juízes, tantos quantos Estados membros do Conselho
da Europa.
• Tem por missão aplicar a Convenção Europeia dos Direitos do
Homem e garantir que os Estados respeitam os direitos e
liberdades consagrados na Convenção.
• Cabe ao Tribunal Europeu decidir das petições/queixas
apresentadas por indivíduos, associações, empresas ou
organizações não governamentais que se consideram
diretamente prejudicados ou afetados pela violação de um
(ou mais) direitos ou liberdades garantidos pela Convenção.
Acesso direto e fácil ao TEDH
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
• A queixa ou petição individual pode ser apresentada
diretamente pelo interessado junto do Tribunal Europeu, sem
necessidade de representação por advogado, na fase inicial.
• Nesta fase inicial, os interessados podem dirigir-se ao
Tribunal Europeu e formular a sua queixa em português (ou na
sua língua materna desde que seja uma das línguas oficiais de algum dos
47 Estados membros do Conselho da Europa).
• Não há lugar ao pagamento de custas.
• No momento em que a queixa é comunicada ao Governo (do
Estado demandado) para elaboração de observações iniciais
passa a ser necessária a constituição de mandatário e o uso
de uma das línguas oficiais do TEDH.
Contra quem pode ser deduzida a queixa?
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
• A queixa ou petição individual pode ser deduzida contra um
ou mais Estados contratantes, pela violação que lhe seja
imputada de um ou mais direitos garantidos pela Convenção.
• O ato ou omissão imputável ao Estado que possa configurar
uma violação da Convenção tem de ser da responsabilidade
de uma autoridade pública (por ex. de um tribunal ou
autoridade administrativa).
• O TEDH não é competente para decidir de queixas dirigidas
contra particulares ou instituições privadas.
• O TEDH não é um tribunal de recurso.
Objeto da queixa
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
• A queixa ou petição individual será sempre relativa a um dos direitos
garantidos pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
• E as alegadas violações podem compreender um vasto leque de “matérias”:
• Tortura ou tratamento desumano e degradante;
• Privação da liberdade – legalidade da detenção;
• Processo equitativo – atrasos da justiça, igualdade de armas,
presunção de inocência;
• Direito ao respeito da vida privada e familiar, respeito do
domicílio e da correspondência;
• Liberdade de expressão – liberdade de imprensa;
• Liberdade de pensamento, de consciência e de religião;
• Discriminação no exercício de um direito protegido pela
Convenção;
• Proteção da propriedade – reforma agrária, expropriações.
Grande diversidade
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
• De situações, de temáticas e de ramos de direito
O desafio que isso representa para a tradução.
O nosso “modus operandi”:
• Observações iniciais (português →francês)
• Fases posteriores – ex: pedido de reparação razoável
• Acórdão e sua execução
A “linguagem” do Tribunal Europeu
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
• O “alisamento” do texto da decisão – linguagem
“uniformizada”
• Em favor de uma maior (mais vasta) compreensão por
parte do público leitor
• Universo de 47 estados membros – especificidades
nacionais.
Tradução como garantia processual
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
Dispõe o artigo 5º, nº 2 da Convenção, a propósito da privação da
liberdade:
“Qualquer pessoa presa deve ser informada, no
mais curto espaço de tempo e em língua que
compreenda, das razões da sua prisão e de
qualquer acusação formulada contra ela.”
Tradução como garantia processual
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
“NUMA LÍNGUA QUE COMPREENDA” – a Convenção garante o
direito de acesso a um intérprete. Todavia, a necessidade de
tradução da informação não obriga a que se faça na língua
materna do interessado, mas numa língua que ele compreenda.
Nos termos do artigo 5º, nº 2, os motivos que determinaram a
detenção devem ser explicados de forma SIMPLES e ACESSÍVEL
[não numa linguagem muito técnica, nem muito “jurídica”] .
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
• Este dever de informação (acerca das razões que presidem à
privação de liberdade) pode bastar-se com uma informação
sucinta acerca do delito de que se vem indiciado.
É uma obrigação menos estrita que a prevista no art. 6º, nº 3 al. a) da Convenção
(conteúdo da acusação).
• Não se exige que as autoridades façam uma descrição completa
das suspeitas que pesam contra si ou do conteúdo do processo.
• A informação prestada deve, no entanto, ser suficiente de modo a
permitir à pessoa detida contestar o bem fundado, a regularidade,
da medida privativa de liberdade – cfr. art. 5º, nº 4 da Convenção.
Tradução e o processo equitativo
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
Ainda no âmbito do processo penal, dispõe o artigo 6º,
nº 3, als. a) e e), da Convenção:
“3 - O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:
a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que
entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da
acusação contra ele formulada;
(…)
e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não
compreender ou não falar a língua usada no processo.”
Os direitos de defesa
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
O artigo 6º, nº 3 consagra o direito à tradução e à
assistência por intérprete no âmbito dos direitos de defesa
que assistem ao acusado, de maneira a que este possa
fazer valer os seus meios de defesa, os seus argumentos,
expor o seu caso (a sua versão dos factos), e bem assim
rebater os argumentos da acusação e os depoimentos das
testemunhas por ela apresentadas.
Assistência de intérprete
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
A assistência de um intérprete deve ser assegurada nos
interrogatórios policiais, na fase do inquérito, da instrução
e, claro, na audiência de julgamento – ou seja, em todos
os atos do processo que o acusado tenha a necessidade
de compreender para beneficiar de um processo
equitativo.
Gratuitidade da assistência de intérprete
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
A assistência de intérprete é gratuita independentemente
da sorte do processo.
A gratuitidade dessa assistência é assegurada a todos os
arguidos (que dela precisem para compreenderem o
processo e nele se defenderem) independentemente dos
seus recursos ou rendimentos.
Qualidade da interpretação Caso Panasenko c. Portugal,
acórdão de 22 julho 2008
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
«A assistência prestada em matéria de interpretação deve
permitir ao arguido saber o que lhe é imputado e defender-
se, nomeadamente, fornecendo ao tribunal a sua versão
dos factos. O direito assim garantido deve ser concreto e
efetivo.
A obrigação das autoridades competentes não se limita a
designar um intérprete. Incumbe-lhes, além disso, logo que
alertadas para dada situação, exercer um certo controlo
ulterior da qualidade de interpretação prestada. »
Qualidade da interpretação Caso Panasenko c. Portugal,
acórdão de 22 julho 2008
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
O requerente alegava que a má qualidade da interpretação
durante a audiência o teria prejudicado.
Todavia, não esclareceu em que medida os problemas
suscitados [pela alegada falta de qualidade da interpretação] teriam
afetado o carácter equitativo do processo.»
O processo mostra que o requerente pôde compreender o
essencial da audiência e apresentar a sua versão dos
factos, pelo que o Tribunal concluiu que a queixa era,
também nesta parte, manifestamente infundada.
Respeito da correspondência
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
As línguas raras
Caso Mueen Chisti c. Portugal, dec.de 2 de outubro de 2003
A retenção de correspondência entre o requerente e os seus Pais
constituiu uma ingerência no seu direito ao respeito da
correspondência.
O artigo 8º da Convenção protege não apenas o conteúdo da
correspondência, mas também a possibilidade de se enviar e
receber correspondência, o que para os reclusos em
estabelecimento prisional representa por vezes o único contacto
com o mundo exterior.
Caso Mueen Chisti c. Portugal, dec.de 2 de outubro de 2003
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
Em todo o caso a ingerência visava um fim legítimo: a
prevenção do crime.
Além disso, o Tribunal Europeu tem reconhecido que é
necessário algum controlo sobre os contactos dos reclusos
com o mundo exterior, o que não é incompatível com a
Convenção.
MAS a proibição imposta no caso concreto era passível de
poder contrair o artigo 8º, já que o requerente era um
recluso estrangeiro sem família a residir em Portugal,
onde cumpria pena.
Caso Mueen Chisti c. Portugal, dec.de 2 de outubro de 2003
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
• Todavia, o facto de se ter encontrado uma solução, oferecida
pela Embaixada Americana e sem custos para o Requerente,
que teria permitido a troca de correspondência entre o
Requerente e os seus familiares [solução que o requerente recusou
sem que as suas razões convencessem o Tribunal], e bem assim
• O facto de as autoridades prisionais – em duas alturas (pelo
Natal em 1998 e 1999) – terem autorizado, a título
excecional, o envio de correspondência pelo requerente
redigida em urdu,
permitiram ao Tribunal considerar que a ingerência aqui em
causa era proporcional ao fim legítimo prosseguido, e declarar a
queixa inadmissível.
A liberdade de expressão
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
Um caso paradigmático.
Um editorial do jornal Público, de 1993, dará
início a um longo processo penal, que levou à
condenação do seu autor por difamação.
Chamado a decidir o TEDH profere, em 28 de
setembro de 2000, a primeira condenação contra
Portugal em matéria de liberdade de expressão.
Este caso levantou desafios vários, entre eles de
TRADUÇÃO.
Caso Lopes Gomes da Silva c. Portugal, acórdão de 28 de setembro de 2000
“ Basta ler os excertos dos artigos recentes (…) no “Jornal do
Dia”, que publicamos nestas páginas, para se fazer uma ideia
da personagem (…). Será inverosímil e grotesco – mas é
verdadeiro. Nem nas arcas mais arqueológicas e bafientas do
salazarismo seria possível desencantar um candidato
ideologicamente mais grotesco e boçal, uma mistura tão
inacreditável de reaccionarismo alarve, sacristanismo
fascista e anti-semitismo ordinário. Qualquer figura
destacada do Estado Novo ou qualquer presidente de Câmara
de Lisboa durante o anterior regime passariam por insignes
progressistas em comparação com este brilhante achado
(…).»
Jornal “Público”, excerto do Editorial de 10 de junho de 1993
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
Caso Lopes Gomes da Silva c. Portugal, acórdão de 28 de setembro de 2000
Tradução adotada pelo TEDH:
“ Il suffit de lire les extraits des articles récents (…) dans le « Jornal
do dia », que l’on publie dans ces pages, pour se faire une idée du
personnage (…). Cela apparaîtra comme invraisemblable et
grotesque – mais vrai. Même dans les arches les plus
archéologiques et les plus moisies du salazarisme, on ne saurait
dénicher un candidat idéologiquement plus grotesque et plus
rustre, un mélange aussi incroyable de grossièreté réactionnaire, de
bigoterie fasciste et d’antisémitisme vulgaire. N’importe quelle
personnalité importante de l’ État Nouveau ou n’importe quel maire
de Lisbonne dans l’ancien régime passeraient pour de
remarquables progressistes par rapport à cette brillante trouvaille
(…).”
A Tradução para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
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