a tradição e o movimento estudantil na uni. de coimbra

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    A tradio e o movimento estudantil na Universidade de Coimbra*

    Elsio Estanque**

    Resumo

    O presente texto centra-se na Universidade de Coimbra e na cultura estudantil, procurando caracterizar associabilidades, as prticas e as orientaes subjectivas dos estudantes, em particular no que se refere aaspectos como: a tradio festiva e ritualista da academia; as atitudes e subjectividades perante a vidasocial; o papel da associao de estudantes e a importncia das suas actividades; e a participao nasaces associativas e de protesto pblico. Discutem-se ainda alguns aspectos relacionados com achamada praxe acadmica (trote no Brasil), as divises entre diferentes sectores da populaoestudantil (nomeadamente entre os residentes nas Repblicas e os restantes, bem como as diferenas degnero), no contexto das mudanas que ocorreram nas ltimas dcadas, e que levaram regionalizao,democratizao e feminizao da UC. Estas questes so apresentadas e discutidas tendo como principalobjectivo reflectir sobre o movimento estudantil, o significado das suas lutas do passado e os desafios e

    dificuldades que se colocam hoje participao dos estudantes na vida associativa e na aco colectiva.

    Palavras-chave: aco coletiva, movimento estudantil e cultura estudantil.

    Abstract

    This text focuses on the University of Coimbra and culture student, trying to characterize the sociability,practices and guidelines for students subjective, particularly with regard to issues such as: a festive andritualistic tradition of the academy, the attitudes and subjectivity to the social life, the role of theassociation of students and the importance of their activities, and participation in the activities of

    associations and public protest. It also discussed some aspects related to the usual academic call ( "hoax"in Brazil), the divisions between different sectors of the student population (especially among residents inthe 'republican' and the other as well as of gender differences) in context of changes that have occurred inrecent decades, and that led to the regionalization, democratization and feminization of UC. These issuesare presented and discussed with the primary aim of reflecting on the student movement, the meaning oftheir struggles of the past and the challenges and difficulties faced today the participation of students inlife and associative action.

    Keywords: collective action, the student movement and student culture

    1. Introduo: o ritualismo e a luta estudantil

    *O presente texto parte da pesquisa Culturas Juvenis e Participao Cvica: diferena, indiferena enovos desafios democrticos,coordenada por Elsio Estanque e Rui Bebianoe realizada no Centro deEstudos Sociais da Universidade de Coimbra entre 2003 e 2006. Projecto financiado pela FCT Fundao para a Cincia e Tecnologia/ Ministrio da Cincia e do Ensino Superior, nPOCTI/SOC/45489/2002. Este testo foi publicado, com pequenas modificaes, na revista Teoria &Pesquisa Revista de Cincias Sociais, (51) vol. XVI, n 2, 2007 (revista do Departamento de CinciasSociais/ programa de ps-graduao, da UFScar, So Carlos).**Professor Doutor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, e investigador do Centro deEstudos Sociais CES. Email: [email protected]; Blogue: http://boasociedade.blogspot.com

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    Com mais de 700 anos de histria, a Universidade de Coimbra foi at 1911 anica universidade do pas. semelhana de outras universidades europeias ela foi,como se sabe, uma instituio fundamental na formao das elites politicas, culturaise intelectuais do pas atravs da transmisso de conhecimentos legtimos certificados

    pelos respectivos ttulos acadmicos, que, alis, eram (e so) por si ss portadores de

    prerrogativas distintivas e expresso de um elevadostatus.Mas, ao lado da aprendizagem adquirida nas bibliotecas e salas de aula porsucessivas geraes, h muitos sculos que na universidade, ou em torno dela, sosuscitados costumes e hbitos de vida intimamente associados presena de uma

    populao estudantil jovem, letrada, partilhando preocupaes e colectivamenteparticipando em muitos dos intensos debates acadmicos e polticos que, desdesempre, germinaram no interior das universidades. Esta longa tradio ajudou a forjarao longo dos tempos a identidade estudantil, apoiando-se nos inmeros rituaisacadmicos marcados pelo clima de festa e irreverncia, nas actividades dapraxe(trote)e no movimento das Repblicas1 (casas comunitrias de habitao estudantil). Nomenos importantes, em especial pelo seu significado cultural e poltico, foram os

    movimentos e experincias de luta colectiva desencadeados pela colectividadeestudantil de Coimbra, que desde os princpios do sculo XX passaram a constituir umelemento central do ambiente universitrio da cidade.

    Na dcada de 1960, em particular, a UC foi palco de intensas lutas estudantis, asquais, tendo decorrido no quadro do regime salazarista, tiveram um alcance muitosignificativo no desgaste do sistema e mobilizaram no s os estudantes e a cidade masa opinio pblica democrtica e a oposio ao Estado Novo. Estas experincias derebeldia decorreram no s num contexto poltico muito difcil, mas tambm num

    perodo em que a Universidade portuguesa era extremamente elitista e a UC congregavaestudantes oriundos do pas inteiro. O contexto estudantil dessa poca marcava a vidada cidade e animava o essencial da actividade cultural e associativa. Os movimentos

    pela democracia na universidade, contra o regime salazarista e a guerra colonial tiveramo seu momento culminante em 1969 (dia 17 de Abril desse ano), quando os estudantes

    boicotaram uma sesso oficial na presena do Ministro da Educao e do entoPresidente da Repblica, Amrico Toms. A Associao de estudantes (AAC Associao Acadmica de Coimbra) e os estudantes ligados s Repblicaseram entoas principais estruturas organizadas do movimento estudantil e possuam grandecapacidade de mobilizao. Na sequncia dessas lutas seguiu-se uma forte represso

    policial e muitos estudantes foram presos, outros expulsos da universidade oucompulsivamente recrutados para o servio militar e mobilizados para a guerra colonialque ento decorria em frica (Angola, Moambique e Guin-Bissau).

    certo que o activismo sempre foi privilgio de minorias, e por isso, tirandosituaes excepcionais de mobilizao de massas, so principalmente as vanguardas

    1As Repblicas so conotadas com uma certa imagem intelectual, com orientaes ideolgicas radicaise tambm com uma aura de marginalidade. Como diante se ver, estas casas tiveram um importantepapel na cultura acadmica de Coimbra nomeadamente no contexto das lutas estudantis dos anos 60 , e procuram preservar a sua identidade forjada ao longo de geraes. Organizam anualmente os seusaniversrios, conhecidos como os centenrios nos quais so convidados a participar todos os antigosmembros que passaram pela respectiva Repblica. Os seus nomes, em geral envoltos numa cargairnica ou mesmo poltica, deixam antever um pouco destas colectividades estudantis: Real repblica dosKgados; Real Repblica Rap-Taxo; Pr-Ky-Esto; Boa-Bay-Ela; Real Repblica Baco; Ay--Linda;Real Repblica dos Pyn-Guyns; Rosa Luxemburgo; Ninho dos Matules; Real Repblica Rs-te-Parta;Real Repblica Spreit Furo; Real Repblica Palcio da Loucura; Real Repblica Trunf Kopos; etc.Nos ltimos anos a procura destas casas por parte dos estudantes tem diminudo e o movimento geral

    das repblicas tem vindo a perder impacto na academia; mas, por outro lado, como adiante se mostrar, entre este segmento que parece mais forte a conscincia crtica e a vontade de participao na esferaassociativa.

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    que participam e formatam as condies da aco colectiva. Foi o que aconteceu comos movimentos estudantis dos anos 60, j que, como se sabe, a universidade era entouma instituio a que apenas tinham acesso os filhos das elites ou pouco mais. Mas,apesar disso, num regime autoritrio e conservador como foi o portugus entre 1926 e1974, o activismo vanguardista da juventude universitria no deixou de contribuir

    para a fragilizao do Estado Novo de Salazar e Caetano. Com efeito, as mobilizaesestudantis daquele perodo, dirigidas contra um sistema de ensino obsoleto e anti-democrtico, um Estado de cariz fascista e uma guerra colonial inqua e sem soluomilitar, tiveram um significado poltico relevante na consciencializao democrtica devrias geraes de estudantes e junto das correntes e foras oposicionistas da poca. Poroutro lado, ajudaram tambm na promoo das novas elites politicas que viriam aemergir aps o fim do regime salazarista.

    Os fortes movimentos populares que em 1974-1975 ocorreram em Portugal, coma Revoluo dos Cravos, num contexto de grande radicalismo poltico-ideolgico,atingiram elevadssimos nveis de participao, mas rapidamente deram lugar aoesgotamento, pois o desinteresse pela vida pblica decresceu medida que o regime

    democrtico estabilizou. Temos hoje uma democracia consolidada, que trouxe novasoportunidades e permitiu que a classe trabalhadora pudesse aceder a padres de vida eformas de consumo prximas da classe mdia (apesar da realidade econmica e socialdo pas revelar ainda muitos problemas quer no plano do desenvolvimento quer das

    persistentes desigualdades sociais). Foi neste quadro que a actual juventude cresceu e seformou. A vida universitria passou a funcionar segundo os princpios dedemocraticidade com representao de estudantes em todos os seus rgos de gesto(senado da universidade, assembleias de representantes, conselhos pedaggicos econselhos directivos das faculdades). Muito embora os perodos de maior mobilizao eactivismo apontem em geral o governo e o Ministrio da Educao como o principaladversrio, o certo que esse adversrio nem sempre fcil de identificar. No actual

    panorama tornou-se difcil eleger um inimigo que permita suscitar uma vontademassiva de contestao por parte dos estudantes.

    Ao longo das ltimas dcadas de vida democrtica o protesto estudantilcontinuou, evidentemente, a dar lugar a diversas aces e lutas associativas e polticas.Desde meados dos anos 1990 at recentemente as principais mobilizaes foramorganizadas sob a bandeira de luta contra o aumento das propinas (as mensalidadescobradas os estudantes pelas universidades, inclusive as pblicas)2. H cerca de dezanos atrs o movimento anti-propinas teve algum impacto, mas o seu significado

    poltico comeou a diminuir, principalmente porque a sociedade e a opinio pblicaquestionaram cada vez mais as razes dessa luta. Na verdade, perante um sistema

    universitrio em que no sector privado os estudantes pagavam desde h muito tempomensalidades muito elevadas (cerca de 300 euros por ms neste momento), para muitagente era injusto que se exigisse a defesa de um ensino superior pblico gratuito (at1997, quando foram aumentadas para cerca de 300 euros/ ano).

    Nos ltimos anos as universidades pblicas passaram a cobrar cerca de 900 eurospor ano, tendo o movimento estudantil invocado a lei constitucional que contempla odireito ao ensino superior tendencialmente gratuito. Porm, a mobilizao dosestudantes tem vindo a enfraquecer, limitando-se participao de escassas centenas de

    2At segunda metade dos anos 90 a universidade pblica era praticamente gratuita (havia apenas umpagamento simblico anual equivalente a cerca 15 euros por ano lectivo, ou prximo disso), mas a partirda as propinas tornaram-se uma obrigao e foram introduzidas em montantes variveis, segundo as

    universidades, mas regra geral esto actualmente fixadas em cerca de 900 euros/ ano, no caso do cursosde graduao, variando as ps-graduaes entre 1250 euros/ ano (o que acontece na maioria doscasos), mas podendo atingir valores bem maiores consoante os cursos e as reas.

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    estudantes (numa populao que, em Coimbra, actualmente de cerca de 25 milestudantes, incluindo a Universidade, o ensino Politcnico e as instituies privadas).Paralelamente, o contedo poltico da causa estudantil tem vindo a perder fora e nota-se um crescente afastamento das estruturas dirigentes em relao massa dosestudantes, apesar da descentralizao das estruturas de base, com a criao de ncleos

    por faculdade. Por outro lado, as festas e rituais estudantis continuam a congregar aateno da maioria dos estudantes da UC, mas as prticas da praxe aplicadas aoscaloiros so cada vez mais criticadas por encerrarem alguma violncia (havendo porvezes queixas de agresso e humilhao), parecem submetidas a uma lgicamercantilista e consumista em que os estudantes se procuram alienar, enveredando poratitudes de excitao, fuga e evaso e parecem cada vez mais indiferentes participaoem iniciativas e projectos com contedo cultural e substncia crtica.

    luz destas tendncias de transformao que se analisam aqui alguns aspectosdo ritualismo estudantil ligados Universidade de Coimbra como o caso do trote(em Portugal chamado de praxe acadmica) e das festas anuais como a Queima dasFitas e a Latada bem como as praticas, nveis de participao associativa e orientaes

    subjectivas dos estudantes perante a Universidade e o activismo cvico e associativo naactualidade. A anlise baseia-se nos dados recolhidos atravs de um questionrio aosestudantes da UC a partir de uma amostra de 2862 indivduos (ver nota na primeira

    pgina).

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    2. Tradio e Festas estudantis em Coimbra

    A praxe acadmica (trote)3 espelha a estreita ligao entre a Universidade e acultura acadmica estruturada ao longo dos tempos. Importa, antes do mais, enquadrar ofenmeno no seu contexto sociocultural e histrico para, seguidamente, procurar

    analisar um dos temas mais sensveis que tem sido associado praxe: o tema daviolncia. Esta , sem dvida, uma questo de grande importncia para a anlise dasatitudes e consumos culturais da populao estudantil, que ajudar a perceber astendncias recentes neste campo, nomeadamente atravs dos resultados do inquritoque adiante ser referido.

    A tradio e o conjunto de rituais historicamente ligados aos ambientesacadmicos reflectem o modo como a universidade se conjuga com as transformaessocioculturais mais vastas. Assim, pode dizer-se que as tradies acadmicas (nas quaisse inclui a praxe) derivam dessa relao: primeiro, as hierarquias bem definidas noseio da prpria instituio universitria e a necessidade de se perpetuarem; segundo, a

    germinao de culturas comunitrias resultantes do contacto entre a populaoestudantil e as atmosferas populares do contexto local.

    O primeiro aspecto prende-se com a evoluo da prpria universidade e acentralidade que ela ocupa na sociedade, sem esquecer a sua histrica ligao ao poder

    3No artigo 1 do Cdigo da Praxe, esta definida como o conjunto de usos e costumes tradicionalmenteexistentes entre os estudantes da Universidade de Coimbra e os que forem decretados pelo Conselho deVeteranos. Para se situar o fenmeno como objecto de leituras controversas vejam-se duas concepesopostas : 1 viso tradicional- A Praxe Acadmica um conjunto de tradies geradas entre estudantesuniversitrios e que h sculos vm a ser transmitidas de gerao em gerao. um modus vivendicaracterstico dos estudantes e que enriquece a cultura lusitana com tradies criadas e desenvolvidaspelos que nos antecederam no uso da Capa e Batina. A Praxe Acadmica cultura herdada que nos

    compete a ns preservar e transmitir s prximas geraes. preciso no esquecer o verdadeiropropsito e filosofia da Praxe Acadmica. Esta serve para ajudar o recm-chegado a integrar-se noambiente universitrio, a criar amizades e a desenvolver laos de slida camaradagem. atravs daPraxe que o estudante desenvolve um profundo amor e orgulho pela instituio que frequenta, a suasegunda casa. Mas ela tambm ajuda o indivduo a preparar-se para a futura vida profissional. Atravsdas vrias misses impossveis que o praxado tem de desempenhar, este vai-se tornando cada vezmais desinibido, habituando-se a improvisar em situaes para as quais no estava preparado. A funoeducativa tambm est presente na Praxe Acadmica. A sano de rapar um caloiro quando apanhadona rua a partir de certas horas tem origem na inteno de o obrigar a estudar, in(http://pwp.netcabo.pt/qvidpraxis/praxe.html); 2 viso crtica - A praxe tem-se vindo a desenvolver e acrescer sem controlo ou limite (...), em que j ningum sabe como agir para retomar a boa e velha praxe.Segundo estudos psicolgicos mostraram que o aluno caloiro suporta a praxe porque tem a ideia de quenum futuro prximo vai poder exercer esse mesmo poder (...) tudo uma questo de poder psicolgico,o aluno mais velho sente e pensa que mais que os novos alunos, pensa que mais importante, e atravs dessa exposio de fora e poder que mostra aos outros o quanto ele vale no acto de praxar.Havia antigamente um costume na praxe em que o caloiro tinha de ir arrumar a casa dos doutores, masesse gesto foi to criticado que hoje em dia proibido nos cdigos de praxe. As queixas de hoje sodiferentes das queixas do passado, mas o que se verifica que s mudaram os motivos pelos quais sequeixa porque de resto continuam a queixar-se; 3 viso moderada - A Praxe no pode nunca sersinnimo de humilhao ou de actos de violncia barata levados a cabo por uns quantos frustrados queno sabem o que so as tradies acadmicas e s usam um traje para se pavonearem na esperana deserem notados. So indivduos destes os responsveis pelo actual estado moribundo da verdadeiraPraxe Acadmica, in http://www.regiaocentro.net/lugares/coimbra/praxe/default.asp (...). Ns(universitrios) somos adultos, mas isso no quer dizer que tenhamos que ser apticos, sem vida. Temosque manter a jovialidade e o esprito criativo que as crianas e os adolescentes por natureza possuem,mas, claro est, com a responsabilidade e com a ponderao que a nossa idade impe. A praxe coimbr a nica no pas verdadeiramente democrtica e regulamentada, com direitos e deveres a terem de serrespeitados por todos. Quem no concordar com ela, tem o direito a escolher se se submete ou no.Declarando-se anti-praxe, o estudante perde alguns direitos, mas no ostracizado, no fica isolado dos

    seus colegas, nem perde a oportunidade de fazer amigos. Submetendo-se praxe, o caloiro integra-semuito mais depressa na vida de Coimbra e na sua nova etapa como estudante universitrio in.

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    eclesistico, que durante sculos controlou o ensino universitrio. Desde sempre opoder acadmico promoveu um conjunto de smbolos e rituais tendentes a afirmar ereproduzir o estatuto de superioridade institudo pelo saber legtimo e a correspondenteautoridade de que se reveste. Nessa medida, a simbologia distintiva alimentada pelainstituio atravs de um amplo conjunto de rituais de passagem (tambm eles com a

    sua prpria histria). Tais situaes marcam os momentos de transio entre asdiferentes etapas da carreira acadmica que, alm de celebraes pblicas, se assumemcomo actos de sacralizao e ostentao, vincando desse modo as hierarquias de

    poder da instituio. Por exemplo, o traje acadmico, com os seus diferentes adornos,cores, insgnias, mas tambm os ttulos, os anis de curso, a existncia de padrinhos etutores, entre outros, funcionam como elementos classificativos e cdigos de imposiode condutas de demarcao social. A hierarquia e a necessidade de exibi-la simboliza aolongo da histria a imagem dos sectores privilegiados da sociedade e, por consequncia,de dominao sobre os que deles dependem.

    O segundo aspecto diz respeito a uma outra dimenso exterior universidade, mas

    que, paradoxalmente, foi desde tempos recuados incorporada no ambiente acadmico.Trata-se da tradio popular e dos ambientes de bomia associados a um mundomasculino e marcado pela virilidade. Sobretudo a partir do sculo XIX, com ocrescimento das cidades, emergiram as novas classes mdias, os intelectuais, os artistas,os estudantes, cujo capital cultural deu lugar a novos estilos de vida descomprometidos,que se afastaram dos cdigos da cultura burguesa, introduzindo novas formas de gostotransgressivo, expresses de fascnio e atraco pela diferena, dando lugar a novasformas de contracultura. A cultura do riso carnavalesco, a imagem subversiva do corpo

    grotescode que falou Mikhail Bakhtin (1999)4, das celebraes populares originrias dapoca renascentista, tornaram-se smbolos da subverso popular face cultura e moralconvencional. Em oposio forma disciplinada e civilizada, que reprime a pardia, a

    blasfmia e o obsceno, emergiu nos ambientes urbanos uma imagem apotetica edesregrada da bomia, que se assume na comida gordurenta, nos contornos disformes,na algazarra, no consumo de lcool e na promiscuidade sexual. Ora, esta cultura e estesambientes bomios foram, ao longo da idade mdia, contagiando os ambientesestudantis nas cidades universitrias da Europa, atmosferas que ganharam particularvisibilidade nas casas comunitrias, nas Naes e nas Repblicas de Coimbra.

    Atravs de formas dinmicas de apropriao e recriao cultural, associadas aoteatro, msica, poesia, entre outras formas de expresso artstica, a intelectualidadeestudantil estimulou o comportamento crtico, o humor, a stira, a caricatura e todo umconjunto de prticas subversivas que, desde sempre transportaram elementos deviolncia. No entanto, bom que se diga que, no caso particular das praxes acadmicas,elas assumiram-se desde o incio como manifestaes simblicas de uma hierarquizaode estatutos, em que os aspectos ldicos encerravam igualmente uma lgica disciplinare mecanismos de poder dotados de grande rigidez. Assim, os julgamentos, as trupes, osrapanos, as touradas, onde os novatos eram o alvo principal da chacota, foramconstantemente recriados e reinvestidos de lgicas prprias de cada contexto histrico.De resto, como lembra A. Frias (2003), tais prticas no so historicamente umexclusivo da universidade e dos colgios de ensino superior, antes fizeram parte dainstituio escolar no seu conjunto, onde as colectividades jovens, celibatrias e

    4O corpo baixo da impureza, da desproporo, est em oposio ao corpo clssico, que esttico,

    bonito, simtrico. A cultura do carnavalesco invoca, por um lado, uma viso do mundo que remete para apossibilidade de um segundo nascimento a partir do esprito do riso e, por outro lado, enaltece a celebrao festiva e a morfologia do extra-ordinrio da cultura que corri as instituies (Bakhtin, 1999).

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    masculinas promoviam e recriavam os seus cdigos de conduta, submetendo os maisnovos e recm chegados autoridade dos mais velhos. Acresce que a violncia foi, aolongo de muito tempo e sob diversas formas como o uso da rgua, da colher de pau oudo ponteiro considerada como um ingrediente fundamental da educao e dainstituio escolar no seu todo, ou seja, educao, civilidade, vigilncia e disciplina

    esto intimamente ligados (Foucault, 1977; Caron, 1999; Elias, 1989)Porm, a componente de violncia sempre foi acompanhada de contestao dos

    abusos. Assim, por exemplo, os castigos sobre os mais novos, mistura com brigaspor questes de honra e hierarquia, com os caneles e as investidas, aces que erampraticadas em Coimbra j no sculo XVIII, deram lugar a alguns tumultos e vozescrticas contra os que incomodavam os novatos,levando, por exemplo, o rei D. Joo Va decretar em 1727 a suspenso desses rituais, devido a mortais investidas contra osnovatos perante a quase impunidade dos universitrios: Hey por bem e mando quetodo e qualquer estudante que por obra ou palavra ofender a outros com o pretexto denovato, ainda que seja levemente, lhe sejam riscados os cursos (Lamy, 1990).

    3. As Repblicas estudantis e a praxe

    O ambiente estudantil dos anos 60 em Coimbra, tanto na vertente das prticasculturais como na vertente associativa, misturava-se claramente com a dimensoritualista e festiva da tradio acadmica de Coimbra. A questo da praxe e da violnciadiluam-se nessa poca em atmosferas socioculturais onde germinaram os movimentosde luta estudantil. At ao incio do luto acadmico, que se seguiu chamada criseacadmica de 1969, esse ritualismo estendia-se tambm s Repblicas e inseria-se noclima geral de irreverncia e de dissidncia poltico-cultural. Todavia, importa referirque ao longo dessa dcada o fenmeno dapraxe(trote) caiu em desuso, uma vez que os

    problemas e preocupaes sociais dessa gerao eram de natureza diferente e o

    envolvimento sociocultural obedecia a outro tipo de orientaes e interessesintelectuais.

    As casas comunitrias de estudantes (correntemente conhecidas por Repblicas)expandiram-se em Coimbra em finais do sculo XIX, mas tm uma origem mais remotae difcil de situar com exactido. Supe-se que as primeiras casas destinadas a serocupadas por grupos de estudantes tero sido construdas no incio do sculo XIV pelorei D. Dinis na zona de Almedina (Carreiro, 2002). Uma medida que dever ter algumarelao com a existncia das Naes, igualmente residncias colectivas de estudantes(e, em alguns casos, tambm dos seus mestres) que proliferaram na Idade Mdia pelos

    plos universitrios europeus (Moulin, 1994).O ambiente das Repblicas sempre foi marcado pelo ritualismo festivo onde se

    inclui a prpria praxe (trote) , genericamente partilhado pelos estudantes deCoimbra. Ao longo do perodo salazarista (1933-1974) as Repblicas no s

    participavam activamente nas festividades estudantis como tiveram um papel decisivonas lutas acadmicas durante a dcada de 60, atravs do Conselho Repblicas (CR),estrutura que, nessa poca, foi particularmente activa na interveno poltica, tanto no

    plano associativo local, integrando e promovendo listas que chegaram a vencer eleiespara a Direco Geral da Associao Acadmica de Coimbra (AAC)5, como a nvelpoltico mais geral na luta clandestina contra o Estado Novo (Namorado, 1989;Bebiano, 2003; Cruzeiro e Bebiano, 2006).

    Porm, com a crise de 1969, e sobretudo aps o 17 de Abril desse ano, com a

    greve estudantil e o encerramento da Universidade de Coimbra, no contexto da5A estrutura representativa dos estudantes de Coimbra, que a maior associao estudantil do pas.

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    represso que ento foi exercida contra os dirigentes associativos e os estudantes, oConselho de Repblicas (CR) decretou o luto acadmico, como forma de protestocontra o regime, deciso que formalmente no foi revogada at hoje. Como tambm jfoi referido, desde 1969, passando pelo perodo revolucionrio de 1974-1975, at finaldos anos 70, as festas acadmicas foram abandonadas pela maioria dos estudantes

    universitrios, e s no inicio dos anos 1980 a praxe e os desfiles em especial o cortejoda Queima das Fitas e a Festa das Latas comearam a ser reactivados, alis num climade grandes contradies e de alguma conflitualidade. Apesar disso, estas festas e rituaisforam plenamente relanados no incio dos anos em 1982-83.

    Porm, os estudantes residentes nas Repblicas e o prprio CR mantiveram (regrageral) uma posio de recusa do chamado esprito praxista, apesar de algumas dasRepblicas terem aos poucos adoptado uma atitude mais complacente e tolerante

    perante a praxe. Importa, portanto, sublinhar que, tal como a populao estudantil secaracteriza pela sua pluralidade, tambm o universo das repblicas plural eheterogneo. Pode dizer-se que existem actualmente Repblicas abertamente anti-praxe,

    outras onde no permitida a praxe hierrquico-punitiva e o uso do traje, e ainda outrasque no permitem a praxe, mas admitem que os seus membros a faam no exterior darepblica e aceitam o uso do traje acadmico. Para alm disso, outras h que no tomam

    posio sobre o tema, dando liberdade aos seus membros, e existem ainda aquelas ondese segue escrupulosamente a tradio acadmica.

    Como se pode observar no Quadro 1, notria a clivagem entre os estudantesrepblicos e os restantes, no que se refere s atitudes perante a praxe. Sobressai,desde logo, em termos gerais, uma menor valorizao dos diversos rituais acadmicos

    por parte dos estudantes das Repblicas. Entre estes, as percentagens mais elevadas deimportncia so atribudas s actividades mais mediatizadas e que se tornaram as

    principais bandeiras das festas acadmicas, tais como as Noites do Parque, Cortejo da

    Latada e o Cortejo da Queima das Fitas. Mas, mesmo quanto a estes itens, osrepblicos atribuem-lhes cerca de metade da importncia que lhes reconhecem osrestantes estudantes da UC, enquanto s demais rubricas atribuda uma importncia

    bem mais modesta.

    Destacam-se, por exemplo, os escassos 20,6% dos repblicos que assinalaramcomo importante a praxe acadmica aos caloiros,contra 44,8% da restante populaoestudantil, mas os maiores contrastes situam-se em torno das questes mais abertamenteconotadas com a solenidade dos rituais. o caso da bno das pastas (8,6% contra56,9%), do baile de gala (6,9% contra 34,5%) e do uso do traje acadmico (14,1%contra 72,9%).

    QUADRO 1: Importncia dada s festas e rituais acadmicos (%)*

    Prticas/ Rituais Repblicas Outros Total

    Bno das Pastas 8,6 56,9 55,9

    Praxe Acadmica aos Caloiros 20,6 44,8 44,3

    Garraiada 8,6 20,5 20,3

    Noites do Parque 31,0 62,6 62,0

    Cortejo da Latada 34,5 66,0 65,4

    Cortejo da Queima das Fitas 36,2 79,5 78,5

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    Queima do Grelo 8,6 56,3 55,4

    Seguir no Carro no Cortejo 15,5 60,4 59,5

    Baile de Gala 6,9 34,5 34,0

    Viagem de Finalistas 12,1 51,1 50,2

    Usar o Traje Acadmico 14,1 72,9 71,7* Estas percentagens somam as respostas assinaladas nas colunas 4 e 5 (na escala

    de 1 a 5, em que 1 = nada importante e 5 = muito importante).

    Relativamente s opinies acerca de alguns dos rituais da praxe, podemigualmente observar-se (Quadro 2) evidentes contrastes entre a populao estudantilmais geral e aqueles que vivem nas Repblicas. Em primeiro lugar, destaca-se aafirmao mais assinalada segundo a qual, a praxe deve ser facultativa e respeitar quemno quiser aderir(56,9% repblicos/ Rs contra 72,1% dos outros estudantes/ Outrs).

    QUADRO 2: Atitudes perante a praxe acadmica (%)*

    Opinio sobre a praxe Repblicas Outros Total

    Deve-se manter tal como est 6,9 15,1 15,0Deve ser revista no sentido da no discriminaoentre homens e mulheres

    13,8 18,4 18,3

    Deve ser revista de forma a receber melhor os novosalunos

    22,4 52,1 51,5

    Deve ser completamente abolida, pois umaviolncia

    39,7 2,6 3,3

    Deve ser limitada aos cerimoniais acadmicos 10,3 7,9 8,0Deve ser rigorosamente aplicada de acordo com oCdigo da Praxe

    6,9 28,3 27,8

    Deve repudiar qualquer forma de violncia fsica ousimblica

    44,8 67,8 67,3

    Deve ser facultativa e respeitar quem no quiseraderir

    56,9 72,1 71,8

    * Estas respostas correspondem s respostas (no exclusivas) assinaladas pelosinquiridos, em que selhes pedia que indicassem um mximo de 3 afirmaes com as quais mais

    concordavam.

    No mesmo sentido, vai a segunda afirmao mais assinalada, segundo a qual apraxe deve repudiar qualquer forma de violncia fsica ou simblica (44,8% Rs, 67,8%outros), tal como a terceira: deve ser revista de forma a receber melhor os novosalunos, que recolhe apenas 22,4% de adeso da parte dos estudantes das Repblicascontra 52,1% dos restantes. Como j se observou no quadro anterior, existe entre estesector dos estudantes uma perspectiva mais crtica e de menor valorizao dos rituaisacadmicos. Embora estes ltimos resultados possam parecer contraditrios com essaideia j que os valores nestas trs rubricas so relativamente mais baixos , tal no se

    deve a um menor sentido crtico em relao praxe. Pelo contrrio, uma percentagemsignificativa de repblicos assinalou a afirmao mais radical da lista apresentada,

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    segundo a qual a praxe deve ser completamente abolida, pois uma violncia,recolhendo a 39,7% face a uns nfimos 2,6% do restante universo estudantil. Por seulado, a ideia de que a mesma deve manter-se como estrevela a concordncia de apenas6,9% dos repblicos, contra 15,1% dos restantes e, finalmente, a afirmao de que a

    praxe deve ser rigorosamente aplicada de acordo com o Cdigo da Praxe6, tambm

    revela um claro contraste entre ambas as amostras, ou seja, apenas 6,9% da populaodas Repblicas contra 28,3% dos outros estudantes, o que mostra bem o alheamentodeste sector em relao ao prprio cdigo da praxe.

    4. Atitudes e orientaes perante a vida em sociedade

    As orientaes perante a vida social e pessoal so aqui abordadas recorrendo auma tipologia que j foi utilizada em estudos anteriores sobre as atitudes estudantis(Machado, et al., 1990; Estanque e Nunes, 2003). Este modelo fundamenta-seteoricamente na combinao de quatro princpios ou orientaes subjectivas que podemarticular-se de diferentes modos, segundo dois eixos: no primeiro contrapem-se o

    princpio do investimento no individuo versusinvestimento no colectivo; e no segundocontrapem-se o princpio do investimento no dia-a-dia versuso investimento no longoou mdio prazo.

    Uma vez cruzadas, estas dimenses do lugar a quatro orientaes subjectivasperante a vida e a sociedade: 1) um modelo de quotidiano autocentrado,ou seja, ummodelo que d primazia ao quotidiano e aos interesses individuais; 2)um modelo de

    projecto sociocentrado, ou seja, um modelo centrado num projecto futuro, comprimazia do envolvimento social e do interesse colectivo; 3) um modelo de projectoautocentrado, ou seja, um modelo centrado num projecto futuro, com primazia dointeresse individual; 4)um modelo de quotidiano sociocentrado, ou seja, um modeloque d primazia ao quotidiano com envolvncia social e colectiva.

    No Quadro 3, abaixo, so comparados os resultados de dois questionrios (oprimeiro realizado em 2000, e o segundo em 2006), o que nos permite observardiversas evolues no campo nas orientaes subjectivas dos estudantes ao longo desse

    perodo. Em primeiro lugar, fica claro que as atitudes estudantis reorientaram-se hojemais num sentido individualista do que seis anos antes. Isto , enquanto em 2000 amaioria dos inquiridos revelou uma preferncia pelas opes sociocentradas, fosse noquotidiano (33,3%) fosse no projecto (32,7%), na actualidade essas tendncias surgemem parte invertidas. Em geral, os resultados de 2006 continuam a revelar uma ligeiramaioria de respostas de orientao sociocentrada (50,2%, somando as variantesprojecto e quotidiano) sobre as de orientao autocentrada (que somam 49,8%),

    se bem que agora haja um quase equilbrio em comparao com os resultadosanteriores, que revelaram um claro desequilbrio a favor das opes sociocentradas

    6O regulamento que estabelece as condies, limites e regras de aplicao das obrigaes a que oscaloiros (ou novatos) devem submeter-se perante os mais velhos, segundo a hierarquia ou estatuto decada um: bichos (estudantes do ensino secundrio), pra-quedistas (candidatos que ainda noingressaram), pastranos, caloiros, semi-putos, quartanistas, quintanistas e veteranos.Cdigo da Praxe da UC: . O Conselho e Veteranos,composto pelos veteranos (os que possuem um nmero de matrculas superior ao nmero de anos dedurao do respectivo curso), o rgo responsvel pela aplicao correcta do cdigo. Refira-se queessa aplicao correcta (supostamente dentro dos limites que impeam prticas abusivas de violnciasobre os caloiros) jamais cumprida, como reconhecem os prprios veteranos, a comear pelaautoridade mxima daquele conselho, o Dux Veteranrum (actualmente um estudante com cerca de40 anos de idade, mas que nunca concluiu o curso, o requisito para conservar aquele estatuto). Esta

    situao, bem como o prprio cdigo da praxe so actualmente objecto de discusso com vista a suaadaptao em face das mudanas introduzidas pela legislao dos acordos de Bolonha (nomeadamentea reduo do nmero de anos dos cursos).

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    (66% contra 34%). De facto, no ltimo inqurito aumentaram significativamente asopes conotadas com atitudes autocentradas, seja na vertente projecto (35,7%contra 24,7% em 1999), seja na vertente quotidiano (14% contra 9,4% em 1999). Noentanto, o projecto sociocentradosurge na actual gerao como o segundo item maisescolhido (32,7%), logo a seguir ao projecto autocentrado (35,7%), aparecendo em

    terceiro lugar a opo quotidiano sociocentrado (22,1%) e em quarto lugar oquotidiano autocentrado (14%). Isto significa que, apesar do aumento do nmerodaqueles que preferem as orientaes autocentradas, estas s aparecem maioritrias(maioria relativa) na variante projecto e no na variante quotidiano.

    QUADRO 3: Forma como se posiciona perante a vida, segundo o sexo (%)

    QuotidianoAutocentrado

    ProjectoSociocentrado

    ProjectoAutocentrado

    QuotidianoSociocentrado

    2000* 2006 2000* 2006 2000* 2006 2000* 2006

    Feminino 7,4 10,7 34,4 26,1 22,0 38,4 36,2 24,9

    Masculino 13,1 20,5 31,4 31,7 27,8 30,7 27,8 17,1

    Total9,3

    (186)14,1(390)

    33,4(669)

    28,1(775)

    23,9(480)

    35,7(985)

    33,4(670)

    22,1(611)

    * Inqurito aos Estudantes da UC (1999-2000), cf. Estanque, Elsio e Nunes, J.Arriscado, 2003.

    Quanto distribuio segundo o sexo, a comparao apresenta igualmenteresultados interessantes. Em 1999 as mulheres eram maioritrias em itens como

    projecto sociocentrado (34,4% Ms contra 31,4% Hs) e quotidiano sociocentrado(36,2% contra 27,8%) e eram claramente minoritrias nos dois restantes tipos derepresentaes sociais, quer noprojecto sociocentrado(22% Ms contra 27,8% Hs) querno quotidiano autocentrado(7,4% Ms contra 13,1% Hs). Isto permite-nos concluir queno anterior estudo se deveu sobretudo s mulheres o facto de a maioria dos inquiridoster revelado uma maior preferncia por subjectividades com maior envolvncia social eno colectivo.

    Os resultados de 2006 mostram que, no caso da opo projecto sociocentrado,o

    sector feminino passou a estar em minoria, e a uma distncia significativa do sexooposto, (26,1% Ms, 31,7% Hs), enquanto antes acontecia o contrrio. Esta situao seinverte no item projecto autocentrado (38,4% Ms, 30,7% Hs) e no quotidiano

    sociocentrado (24,9% Ms, 17,1% Hs) onde as mulheres aparecem em clara maioria.Quer no quotidiano autocentrado (10,7% Ms, 20,5% Hs), quer no projecto

    sociocentrado (26,1% Ms, 31,7% Hs) so os rapazes que esto em maioria, tendo nesteltimo caso aumentado a diferena a favor das moas, sobretudo custa da reduo daadeso delas a esta opo.

    Daqui se conclui que ao, longo deste perodo, os estudantes parecem terdesinvestido nas orientaes sociocentradas e passado a investir mais nas orientaesautocentradas, muito embora no caso dos rapazes se mantenha uma maior aposta no

    projecto sociocentrado (que se reforou ligeiramente). No caso do quotidianoautocentrado nota-se um aumento muito significativo de ambos os sexos, mas

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    sobretudo entre os rapazes, enquanto no projecto sociocentrado eles mantm essaorientao, ao passo que elas diminuem claramente. Trata-se neste caso, claramente, deum efeito que deriva do aumento das dificuldades no acesso ao emprego. Ou seja, a

    presso do mercado de trabalho e o desemprego de licenciados parecem resultar nummaior investimento na defesa do interesse individual, tanto no imediato como no mdio

    ou longo prazo. Por outro lado, a persistncia dos rapazes no projecto sociocentradoprende-se aparentemente com a sua participao mais assdua nas estruturasorganizativas da sociedade e no movimento estudantil (como adiante se ver), o quesem dvida contribui para reforar o sentido de partilha e o envolvimento social dos

    jovens na construo do futuro colectivo.

    GRFICO 1: Orientaes perante a vida (2006)

    quotid.autocentrado

    proj.sociocentrado

    proj.autocentrado

    quotid.sociocentrado

    forma como se posiciona perante a vida

    0

    10

    20

    30

    40

    Percent

    Sexo do Inquirido

    Sexo Feminino

    Sexo Masculino

    Refira-se que, na anlise individualizada por curso, se destacam os seguintesresultados: ao projecto autocentradoaderem principalmente os cursos de EngenhariaQumica, Gesto de Empresas, Economia, Engenharia Mecnica, Desporto e Farmcia;ao projecto sociocentrado aderem sobretudo os cursos de Geografia, RelaesInternacionais, Histria e Arquitectura; ao quotidiano sociocentrado, aderem acima detudo os cursos de Sociologia, Histria e Psicologia; e no caso do quotidianoautocentrado destacam-se os cursos de Engenharia Informtica, EngenhariaElectrnica e Engenharia Mecnica.

    Tambm a este propsito, vale a pena comparar as diferenas entre os estudantesdas Repblicas e os restantes. De facto, quer a tradio e a memria histrica que estintimamente associada a estas casas comunitrias, quer a prpria experincia vividaem colectividade conferem-lhes caractersticas especficas. Como se pode ver noQuadro 4, entre a minoria de estudantes repblicos e os restantes so patentes oscontrastes nas respectivas atitudes subjectivas. semelhana do que antes foiassinalado a propsito da praxe acadmica, as orientaes destes jovens exprimem umaevidente clivagem na forma como se posicionam perante a sociedade e a vida em geral.

    QUADRO 4: Posicionamento perante a vida, comparao entre osestudantes das Repblicas e os outros (%)

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    Posicionamento

    perante a vida

    Repblicas Outros Total (N)

    QuotidianoAutocentrado

    10,7 14,2 14,1(390)

    Projecto Sociocentrado 41,1 27,8 28,1(774)

    Projecto Autocentrado 7,1 36,3 35,7(984)

    QuotidianoSociocentrado

    41,1 21,7 22,1(610)

    A preferncia por orientaes sociocentradas muito evidente no caso dos

    estudantes das Repblicas, enquanto que o chamado projecto autocentrado(que comoj se viu recolhe a maioria de respostas da totalidade da amostra) rejeitado quase emabsoluto por este segmento da populao estudantil de Coimbra. Aparentemente, osrepblicos so mais sensveis ao envolvimento com os outros, o que se dever

    prender com o facto de no interior das casas em que vivem prevalecer uma cultura departilha e corresponsabilizao na diviso das tarefas quotidianas no espao dahabitao, mas esta sensibilidade menos individualista no ser alheia a outros factoressocioculturais que envolvem as Repblicas.

    Para alm das conotaes que ligam, como antes foi referido, o ambiente dasRepblicas ao passado de luta do movimento estudantil coimbro, subsiste o

    tradicional esprito de tertlia, caracterizado pela presena de uma cultura de bomia naqual se combinam o sentido de irreverncia e o estilo de vida alternativo ousupostamente vanguardista, quer no plano poltico quer no plano esttico e dosconsumos culturais. Com todas as suas tonalidades e sem esquecer a heterogeneidadeque desde sempre acompanhou a vida nas Repblicas, esta imagem subsiste entre aactual gerao de estudantes. Muitos lanam sobre este pequeno sector de estudantesum olhar de reprovao ou desconfiana, associando-os a irresponsabilidade, excessode consumo de lcool e fraco aproveitamento escolar. De resto, o nosso questionrioconfirmou isso mesmo ao mostrar, por exemplo, que as festas e convvios emrepblicas ou residncias so as actividades de convvio e lazer menos procuradas

    pelos estudantes, apesar de se saber que as sadas a bares e discotecas so constantes e

    de as referidas festas das repblicas serem, regra geral, de porta aberta. Esta imagemnegativa que a comunidade mais geral parece construir acerca das repblicas umaimagem porventura distorcida e preconceituosa relaciona-se por sua vez com aatitude cptica por parte dos repblicos em relao praxe estudantil, que em partederiva do luto acadmico que entre eles vigora desde 1969, mas tambm, comoresultado de uma clara demarcao de modelos de referncia nos planos cultural eideolgico. Seja como for, o modo de vida e as orientaes subjectivas desta minoriareflectem-se em atitudes e prticas notoriamente distintas, como pode verificar-senoutros resultados do nosso estudo.

    5. Prticas e atitudes perante o associativismo estudantil

    A anlise dos resultados mais directamente relacionadas com o movimentoestudantil permite perceber mais em detalhe as dificuldades de participao associativa

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    da gerao actual dos estudantes de Coimbra. Efectivamente, tanto no que respeita sprticas como s atitudes perante a estrutura dirigente (AAC), ou ainda no que respeitas expectativas e prioridades acerca das pautas a merecer prioridade assumem-se aquicomo dimenses interessantes de anlise.

    Como se sabe, a escassa participao cvica e associativa dos portugueses umarealidade que nas ltimas dcadas se tem vindo a agravar. Apesar de se verificaremainda nveis assinalveis de filiao associativa no nosso pas, segundo estudosrecentes, houve uma quebra clara na ltima dcada do sculo passado: de 34% defiliao associativa, em 1990, passou a 25,6%, em 1999. Por outro lado, os valores ditos

    ps-materialistastendem a consolidar-se no mbito da UE e tambm em Portugal, masno nosso pas esto ainda distantes da mdia europeia (Delicado, 2003). Acresce que a

    participao no a mesma coisa do que a simples filiao. Alis, no caso da AAC que a maior associao estudantil do pas os nveis de filiao so elevados porqueos estudantes da UC so automaticamente membros da associao no prprio acto dainscrio na universidade.

    QUADRO 5: Participao em protestos pblicos e actividades associativas (%)**

    Aces em que participou Muitasvezes*

    Algumasvezes

    Poucasvezes

    Nunca

    Assembleia Magna 4,5 8,1 20,8 66,5Reunies ncleo/ curso 11,3 12,4 22,1 54,2Manifestaes de mbito estudantil 4,3 11 24,9 69,8Outro tipo de manifestaes 2,3 6,5 20,0 71,2Greves 7,0 15,2 25,6 52,1

    Abaixo-assinados campanhas cvicas 11,2 23,7 29,6 35,4ONGs ou associaes culturais ecvicas 5,2 8,8 17,0 69,0

    Aces de solidariedade 6,8 18,3 23,4 51,1Particip em listas para rgosestudantis ou outros 5,1 9,4 15,0 70,0

    * Os resultados desta coluna correspondem ao somatrio dos nveis de maiorregularidade de participao (soma das respostas sempre + muitas vezes).** Questionava-se com que regularidade, ao longo do ano transacto, o inquirido tinha

    participado nessas actividades.

    Nas eleies para a Direco Geral da AAC os nveis de abstencionismo somuito elevados. Ora, se quanto aos nveis de filiao associativa e de participao emactos eleitorais o panorama j bastante preocupante (apenas 30-35% de votantes),quando se passa para o plano da interveno activa na vida das associaes ou daactividade regular nas estruturas organizadas da sociedade civil o problema ganha aindamais evidncia. E o mesmo que se passa na sociedade mais geral passa-se tambm naesfera do associativismo estudantil. Olhando os dados do Quadro 5 (acima), podemfacilmente constatar-se os baixssimos volumes de participao activa dos estudantes daUC, quer nas estruturas e iniciativas directamente ligadas AAC, quer noutro tipo de

    aces e iniciativas pblicas. Considerando, em primeiro lugar, os resultados globais,verifica-se que da lista de iniciativas apresentada aos inquiridos, apenas em duas delas

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    os que indicam participar muitas vezes revelam valores ligeiramente acima dos 10%.So os casos da participao em reunies de ncleo (estruturas estudantis que seorganizam por curso, no espao das faculdades ou departamentos), com 11,3% de

    participao assdua, e o da adeso a abaixo-assinados ecampanhas cvicas(11,2%). Ocenrio aqui traado evidencia bem o divrcio existente entre as estruturas dirigentes e

    a generalidade dos estudantes. Basta olhar os valores da ultima coluna do quadro paraconfirmar aquilo que muitas vezes constatmos, quando assistimos s assembleiasmagnas e a outras manifestaes promovidas pela AAC, ou seja, volumes de

    participao extremamente baixos. Sublinhem-se apenas alguns destes nmeros: 66,5%dos estudantes nunca foram a uma assembleia magna;69,8% nunca participaram numamanifestao estudantil;71,2% jamais aderiram a qualquer outro tipo de manifestao

    pblica; e mesmo em campanhas de abaixo-assinados ou nas reunies de ncleo/ curso(as iniciativas em que se verifica maior participao), os volumes de abstencionismoso elevados, com 35,4% e 54,2%, respectivamente, daqueles que afirmaram nunca ter

    participado.

    QUADRO 6: Participao em protestos pblicos e actividades associativas,comparao entre os estudantes das Repblicas e os outros (%)*

    Aces em que participou** Repblicas Outros Total

    Assembleia magna 31,0 4,0 4,6Reunies de ncleo/ curso 15,8 11,3 11,4Manifestaes de mbito estudantil 39,7 3,7 4,4Outro tipo de manifestaes 26,3 1,8 2,3

    Greves 29,8 6,6 7,1Abaixo-assinados campanhas cvicas 29,9 10,9 11,3ONGs ou associaes culturais ecvicas

    13,7 5,1 5,2

    Aces de solidariedade 8,6 7,1 7,1Listas para rgos estudantis ououtros

    5,1 5,8 5,7

    * Os resultados correspondem ao somatrio dos nveis de maior regularidade departicipao (soma as

    respostas sempre + muitas vezes, num leque que continha ainda as opes

    algumas vezes, poucas vezes e nunca).** questionava-se, ao longo do ano transacto, com que regularidade tinhaparticipado nessas actividades.

    Podem ainda observar-se os mesmos resultados, comparando os que residem nasRepblicas com a restante populao estudantil de Coimbra. O Quadro 6 revela, umavez mais, as diferenas entre estes dois universos. Se j atrs se verificaram opes e

    padres de gosto bem distintos entre ambos os segmentos (no plano dos consumosculturais e actividades de lazer), agora, no que respeita s prticas de participaoassociativa, tambm fica claro o maior envolvimento da minoria dos repblicos no

    plano da participao cvica e associativa. Na verdade, a avaliar por estes resultados, oactivismo deste sector muitssimo maior. Importa, contudo, ressalvar que este quadroapenas se refere a valores dos que participaram muitas vezes ou sempre, mas isso

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    no lhe retira significado. Os maiores contrastes notam-se em aces como aparticipao em assembleias magnas da AAC (31% de repblicos participaram muitocontra apenas 4% dos restantes); em manifestaes de mbito estudantil (39,7% contra3,7%); e outro tipo de manifestaes (26,3% contra 1,8%). O nico item em que osector aqui minoritrio revela menor actividade do que os seus colegas o que se refere

    participao em listas para os rgos estudantis (5,1% contra 5,8%). Este ltimo dadopode parecer contraditrio, mas pode compreender-se, j que o radicalismo dosestudantes das Repblicas perpassado por orientaes e subjectividades que seassumem na demarcao face massa estudantil e no combate lgica dominante nagesto da associao. A presena de correntes organizadas, como a chamada Ruptura,conotada com uma faco do Bloco de Esquerda, que mantm ligaes ao mundo dasRepblicas, dever ter aqui alguma influncia, designadamente ao promover a

    participao em iniciativas publicas da AAC (como as manifestaes e as assembleiasmagnas), contribuindo para estimular a aco do sector mais radical num sentidocombativo e, por assim dizer, anti-sistema, o que aparentemente se traduz numarejeio da lgica eleitoral instituda.

    6. Atitudes perante o associativismo e luta estudantil

    Os resultados do Quadro 7, abaixo, referem-se s opinies dos inquiridos quantoao funcionamento da estrutura dirigente da AAC. Antes de mais, um dos indicadoresmais surpreendentes a este respeito o que revela uma elevada percentagem deinquiridos (49%) que considera que a Direco geral da AAC um organismo elitistaque promove o acesso poltica. Este , na verdade, um resultado contundente que,uma vez mais, confirma o divrcio que atrs j foi assinalado. Diga-se, por outro lado,que as afirmaes mais positivas7quanto ao papel da AAC obtiveram tambm valoressignificativos de adeso, como o caso da opinio de que a mesma fundamental para

    a imagem e coeso da UC(42,4%), ou a afirmao de que a AAC representa e defendeos interesses dos estudantes (39,8%) ou ainda a convico de que a Associao importante para o desenvolvimento do esprito acadmico(33,6%).

    Porm, as opinies de sentido crtico, para alm da que j se referiu umorganismo elitista que promove o acesso poltica , recolheram nveis de adesoigualmente reveladoras, como acontece com a que nos diz que a AAC est um poucodistante dos interesses e dos problemas dos estudantes (34%) ou ainda a que aconsidera uma estrutura centralizada e desligada das faculdades(23,2%).

    QUADRO 7: Opinio sobre a DG/AAC, comparaes entre os estudantesdas Repblicas e os outros, e segundo o sexo (%)

    Compar. C/Repblicas Sexo

    Opinio sobre a AAC

    Repblicas

    OutrosMs Hs

    Total

    1. Representa e defende osinteresses dos estudantes

    19,0 40,2 40,9 37,7 39,8

    2. Est um pouco distantedos interesses e dos

    41,4 33,8 31,4 38,7 34,0

    7 Da lista de seis formulaes apresentadas assinalam-se no quadro com os sinais + ou -respectivamente as de sentido positivo e negativo.

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    problemas dos estudantes

    3. um organismo elitistaque promove o acesso

    poltica77,6 48,6 45,0 56,3 49,2

    4. importante para o

    desenvolvimento doesprito acadmico

    10,3 34,1 36,9 27,4 33,6

    5. uma estruturacentralizada e desligadadas faculdades

    25,9 23,3 20,4 28,4 23,3

    6. fundamental para aimagem e a coeso da UC

    20,7 42,9 44,7 38,4 42,4

    Destes dados sobressai uma certa sintonia de opinies entre o sector dosrepblicos quanto s apreciaes mais criticas a cerca da AAC. Mais uma vez se

    reflecte aqui um distanciamento crtico por parte deste segmento minoritrio, queprivilegia as afirmaes de sinal negativo (numeradas por 2., 3. e 5.), ao contrrio dosoutros estudantes, que maioritariamente preferem subscrever as afirmaes de sinalpositivo em relao actividade da associao (numeradas por 1., 4. e 6.). O maiorcontraste refere-se opinio de que a AAC um organismo elitista que promove oacesso poltica(que partilhada por 77,6% dos repblicos e por apenas 48,6% dosrestantes inquiridos).

    J quando se trata de comparar estas opinies segundo o sexo, verifica-se que asmulheres so em geral bem mais simpticas que os homens na avaliao que

    perfilham sobre a AAC, isto , elas indicam numa maioria clara subscrever as opinies

    de sinal mais favorvel associao estudantil. A diferena mais evidente dirige-se,neste caso, para a avaliao segundo a qual a AAC importante para odesenvolvimento do esprito acadmico(36,9% Ms contra 27,4% Hs).

    Na mesma linha de anlise, o Quadro 8 refere-se s oposies entre repblicos eoutros, mas agora a respeito das prioridades que na opinio dos inquiridos devero guiara aco estudantil nos prximos tempos. Considerando os resultados no seu conjunto,

    pode dizer-se que aspectos como a ligao ao mercado de trabalho(94,6%), o apoio investigao cientfica (80,8%), as condies de estudo (78,9%) e o apoio acosocial, com mais e melhores bolsas de estudo (76,6%), constituem os pontos quemerecem maior ateno dos estudantes. Sublinhe-se que estes resultados so muitointeressantes, na medida em que revelam, por um lado, algum sentido pragmtico que

    vai ao encontro do actual cenrio de mudanas e de crise do sistema universitrioportugus, e, por outro lado, mostra um relativo afastamento das velhas bandeiras domovimento estudantil (no perodo recente), como sejam a luta anti-propinas e contra onumerus clausus.

    QUADRO 8: Opinio sobre as prioridades das lutas/ reivindicaes estudantis(%)*

    Reivindicaes prioritrias Repblicas Outros Total

    Mais e melhores bolsas 84,5 76,4 76,6

    Criao de novos cursos 24,6 27,8 27,7Maior ligao ao merc. trabalho 70,7 92,1 94,6

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    Mais bibliotecas 63,1 60,8 60,8Luta contra as propinas 74,2 57,9 58,2Fim do numerus clausus 64,2 28,8 29,5Mais apoio investigaocientfica

    75,4 80,2 80,8

    Mais residncias universitrias 79,3 63,8 64,2Mais infra-estruturas desportivas 63,8 57,4 57,6Mais salas de aula/estudo 74,1 78,1 78,9Melhores cantinas 65,5 66,8 66,8Paridade nos rgos de gesto 69,6 50,6 51,0Pedagogia 79,3 81,4 81,5

    * Estas percentagens correspondem ao somatrio das respostas que assinalaramas colunas 4 e 5, numleque de opes que oscilava entre 1 e 5 (em que 1 = no prioritrio; e 5 =

    muito prioritrio). curioso tambm assinalar a preocupao da populao estudantil relativamente

    ao apoio investigao cientfica. No geral, estes resultados contrariam a imagem deradicalismo e at de irresponsabilidade que por vezes tem sido associada ao activismoestudantil. Todavia, convm ao mesmo tempo ter presente que estas orientaes agorarecolhidas no tm, por enquanto, sido coincidentes com os objectivos fundamentaisdos protestos estudantis, nem em Coimbra nem no pas.

    As diferenas mais dignas de registo traduzem tambm preocupaesrelativamente contraditrias entre o sector das Repblicas e os restantes inquiridos, jque, enquanto os primeiros tendem a colocar a nfase no plano da luta e das aces

    de protesto, os segundos do maior importncia, como se disse, aos aspectos do acessoao emprego, actividade cientfica e s condies sociais e pedaggicas. Onde osrepblicos se mostram claramente mais empenhados que os seus restantes colegas em aspectos como a luta pelo fim do numerus clausus(64,2% Rs contra 28,8% Outrs),o combate s propinas(74,2% Rs, 57,9% Outrs), a defesa daparidade nos rgos de

    gesto (69,6% Rs, 50,6% Outrs), a revindicao de mais residncias universitrias(79,3% Rs, 63,8% Outrs), e a exigncia de mais emelhores bolsas de estudo(84,5%Rs, 76,4% Outrs). Estas tendncias vo, portanto, de encontro aos maiores ndices de

    participao associativa e cvica, j apontados a este sector, bem como s suas opiniesmais crticas acerca do funcionamento das estruturas dirigentes da AAC.

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    7. Concluso: tendncias e desafios actuais

    Como acabei de mostrar, os resultados do inqurito revelam uma escassaparticipao dos estudantes nas actividades associativas e tambm nos actos eleitoraisda Associao de Estudantes (AAC). Esta situao sem dvida expresso das

    tendncias mais gerais das democracias ocidentais onde se assiste a um crescentedivrcio entre a aco poltica e os cidados.

    Assim, necessrio atender a que as formas tradicionais de interveno pblica eas modalidades de activismo poltico que vigoraram ao longo da segunda metade dosculo XX se encontram em profunda transformao. Por um lado, assistiu-se emergncia de todo um conjunto de novas dinmicas e formas de mobilidade social eterritorial, intensificao dos fluxos globais de todos os tipos, presena crescente dasnovas tecnologias da informao, ao aumento da concentrao urbana etc., o queconduziu a mudanas drsticas nos modos de vida em sociedade e a uma maiorindividualizao das relaes sociais. Por outro lado, depois da queda do muro deBerlim e do imprio sovitico esbateram-se largamente as ideologias que durante maisde um sculo inspiraram os principais movimentos sociais sob formas de acocolectiva inspiradas em modelos utpicos de cariz emancipatrio (Santos, 2004 e 2006;Estanque, 2006).

    No caso da Universidade de Coimbra, os processos de massificao, o quotidianoda vida estudantil e a crescente feminizao alteraram as atmosferas da cidade e osncleos em que germinam sociabilidades alternativas so, na verdade, muito escassos.Em primeiro lugar, os estudantes na sua maioria (que, como mostrei antes, sosobretudo oriundos da regio Centro), ou habitam com os pais na cidade ou visitam assuas famlias semanalmente, saindo muitas vezes sexta-feira e regressando segunda-feira. Isto retira logo algum sentido capacidade de reforo das identidades de grupo e

    promoo de actividades de ndole intelectual e associativa.Em segundo lugar, o acentuar da evaso regular/ semanal para fora da cidadeprende-se tambm com a maior presena de filhos da classe trabalhadora e de jovensmulheres. Ou seja, com esta composio das origens sociais tende a existir uma maior

    presso da famlia, no sentido da concluso do curso dos filhos com maior brevidade,tendo em vista alcanar rapidamente uma posio no mercado de trabalho. Alm disso,no s a famlia e o acesso ao mercado de trabalho so hoje em dia os principaisfactores de preocupao apontados pelos estudantes, como o sector feminino revela emgeral uma maior dedicao famlia, recordando que elas esto em maioria sobretudoentre o segmento dos que so filhos da classe trabalhadora (cerca de 31%).

    Em terceiro lugar, o fenmeno da feminizao introduziu uma importante

    dissonncia na cultura estudantil de Coimbra, uma vez que a tradio acadmica fortemente masculinizada. Os rituais festivos, os cortejos, as brincadeiras da praxe, asprprias canes associadas ao simbolismo da universidade so todos eles imbudos devalores patriarcais e de atitudes onde persiste algum marialvismo. Nuns casos aviolncia (simblica ou fsica), noutros as prticas sexistas tendem ainda a relegar asmoas para um estatuto secundrio em relao aos rapazes. Por exemplo, no

    permitido s mulheres cantarem o fado de Coimbra (no sendo proibido, h no entantouma resistncia da parte dos mais acrrimos defensores da tradio); os dirigentesassociativos e os activistas em geral so maioritariamente rapazes; mesmo as jovens queocupam posies na estrutura dirigente da associao ou nos ncleos de curso nasfaculdades, em geral mostram-se apenas na segunda ou na terceira fila nos diversos

    cerimoniais onde essas estruturas so chamadas. Em contrapartida, e pela mesma ordemde razes, algumas das (poucas) iniciativas de crtica praxe acadmica e ao machismo

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    de que a tradio acadmica est imbuda foram, nos ltimos cinco anos, dinamizadaspor ncleos de mulheres (nomeadamente as repblicas femininas como a RosaLuxemburgo ou as Marias do Loureiro), contribuindo para sensibilizar algumasconscincias a este respeito. Tal contestao, porm, no tem tido grande continuidadee ultimamente. Apenas em situaes muito pontuais, como foi o caso do lanamento de

    um novo disco de fados de Coimbra cantados por uma mulher (Cristina Cruz, CoimbraMenina do Meu Olhar, Aeminium Records, 2006), a problemtica das relaes degnero na UC surge como tema de debate.

    No actual momento, em que a universidade se debate com um processo geral dereestruturao no mbito dos acordos de Bolonha difcil avanar prognsticosacerca dos impactos da mudana em curso, quer na esfera do ritualismo e dos consumosculturais quer no que respeita s actividades associativas e ao movimento estudantil. Asalteraes ao regime jurdico do ensino superior j decididas pelo governo, em especialo facto de os estudantes perderem praticamente toda a representatividade que detinhamnos rgos de gesto da universidade e das faculdades, s agora esto a serimplementadas, exigindo para breve uma readaptao dos estatutos das instituies

    universitrias a esse novo regime jurdico. Aparentemente, este novo cenrio parecefavorecer o desencadear de novas aces de contestao. Mas o panorama que hoje sevive em Portugal marcado pela indiferena. A juventude universitria hoje pouco

    politizada e os sectores que o so tendem a fechar-se no seu ciclo restrito e numdiscurso marcado pelo radicalismo e pelo dogmatismo por exemplo, h sinais de quea minoria dos que vivem nas repblicas, apesar da sua postura de esquerda, mostramacima de tudo um evidente desprezo pela massa dos estudantes deixandotransparecer o seu ethos elitista e, portanto, a falta de capacidade ou de vontade parauma efectiva ligao aos problemas do estudante comum.

    Por seu lado as estruturas associativas so, como se viu, conotadas pela maioriados estudantes com o jogo poltico e com estratgias de interesse oportunista no

    protagonismo que os cargos dirigentes sempre propiciam. O facto de muitos ex-dirigentes ocuparem actualmente cargos polticos ou profissionais de relevo fornecetambm um motivo acrescido para que grande parte da juventude universitria olhe comcepticismo para os seus dirigentes ou simplesmente no participe em qualqueractividade associativa, nem mesmo nos actos eleitorais. No actual contexto de mudanano funcionamento do sistema universitrio e de recomposio da populao estudantilde Coimbra, a construo das sociabilidades estudantis e a sua ligao cidade alteram-se substancialmente.

    A maior proximidade geogrfica dos estudantes em relao s suas terras deorigem (hoje, mais de 40% dos estudantes so oriundos do distrito de Coimbra e 70%

    da Regio Centro do pas, onde se localiza a cidade), ao contrrio do que pudesseesperar-se, no est a facilitar a fixao da populao estudantil nem parece contribuirpara reforar a identidade colectiva dos estudantes no espao da cidade. De facto, essasituao aliada maior facilidade de transportes e ao facto dos estudantes serem hojemais dependentes do apoio financeiro das famlias (muitas delas de classe-mdia/trabalhadora), so factores que favorecem o aumento dos fluxos pendulares de fim desemana, levando muitos estudantes a sair sexta-feira e regressar segunda-feira,reduzindo-se assim o tempo de estada na cidade. Assim, as vivncias e sociabilidadesda juventude estudantil no espao urbano passaram a ser mais frgeis e volteis,contribuindo para esbater a identificao dos estudantes com a cidade de Coimbra,tornada para eles um lugar de passagem. Tudo isso somado s condicionantes sociais

    mais gerais, onde prevalece o individualismo, o desinteresse pelo conhecimento e pelaactividade cultural, a indiferena perante a vida pblica, o associativismo e o exerccio

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    da cidadania, etc, apresenta-nos um conjunto de factores justificativos da fragilidade domovimento estudantil na Universidade de Coimbra.

    Todavia, se a universidade e a populao estudantil continuam a ser as principaisreferncias da identidade coimbr, importa que as instituies locais em especial o

    poder municipal e as autoridades acadmicas prestem ateno s tendncias

    preocupantes que hoje se desenham neste campo, por forma a procurar invert-las. Paracompreender a realidade actual de Coimbra importa ter presente o significado e oprestgio granjeados no passado, mas importa tambm, se queremos fazer jus a esseprestigio, evitar que essa tradio seja confundida com uma pea de museu. inegvela importncia fulcral que representa o envolvimento e a fixao dos estudantes egraduados na vida cultural e econmica de Coimbra, bem como o seu potencialcontributo para a dinamizao, desenvolvimento e projeco nacional e internacional dacidade que (justamente pela importncia da sua universidade) se tornou conhecidacomo a lusa Atenas.

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