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1 A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO DA CANA-DE-AÇÚCAR NA MICRORREGIÃO DE ITUIUTABA (MG): ANÁLISES DAS METAMORFOSES SOCIAIS E ECONÔMICAS Rosiane Mendes de Oliveira Universidade Federal de Uberlândia- FACIP-UFU i [email protected] Patrícia Francisca de Matos Universidade Federal de Uberlândia- FACIP-UFU [email protected] Resumo A ampliação das lavouras de cana-de-açúcar no Cerrado é reflexo da demanda global de etanol, especificamente, dos projetos do governo brasileiro em expandir esse setor. A expansão da cana-de-açúcar no espaço agrário do Triângulo Mineiro causou/a uma reorganização produtiva, pois, em muitos lugares “tomou” espaço de produção de algumas culturas como milho, arroz, feijão entre outras, da pecuária e também excluiu pequenos agricultores do campo. Os municípios da microrregião de Ituiutaba são exemplos que sofreram impactos da territorialização do agronegócio da cana-de-açúcar nas relações sociais e econômicas. Palavras-chave: Agronegócio. Cana-de-açúcar. Territorialização. Metamorfoses. Introdução A produção de cana-de-açúcar foi introduzida no Brasil na época em que o país ainda era colônia. Sua implantação se deu com o objetivo de atender uma demanda mundial, principalmente européia. Seu cultivo era de baixo custo, visto que a planta se adaptou ao clima quente e úmido e a mão-de-obra era escrava. Por volta da década de 1970, outro produto derivado da cana-de-açúcar, o álcool, ganhou destaque como uma alternativa de combustível, tornando sua produção interessante para o agronegócio, propiciando crescimento econômico para algumas regiões do Brasil. A produção do álcool ocorreu devido à crise na qual o petróleo, então maior e mais importante fonte de energia utilizada no mundo, entrou depois do fim da Segunda Guerra Mundial. A guerra causou grandes perdas para os países exportadores, reduzindo assim a oferta, visto que a natureza do petróleo é não renovável, o que causou uma elevação dos preços resultando então, numa crise econômica, o que induziu também o crescimento da fabricação e venda de carros movidos a álcool.

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Page 1: A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO DA CANA-DE-AÇÚCAR … · A tabela nos permite ainda notar o declínio que a cultura do arroz sofreu nessa região, tanto na área destinada

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A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO DA CANA-DE-AÇÚCAR NA MICRORREGIÃO DE ITUIUTABA (MG): ANÁLISES DAS METAMORFOSES

SOCIAIS E ECONÔMICAS

Rosiane Mendes de Oliveira Universidade Federal de Uberlândia- FACIP-UFUi

[email protected]

Patrícia Francisca de Matos Universidade Federal de Uberlândia- FACIP-UFU

[email protected]

Resumo A ampliação das lavouras de cana-de-açúcar no Cerrado é reflexo da demanda global de etanol, especificamente, dos projetos do governo brasileiro em expandir esse setor. A expansão da cana-de-açúcar no espaço agrário do Triângulo Mineiro causou/a uma reorganização produtiva, pois, em muitos lugares “tomou” espaço de produção de algumas culturas como milho, arroz, feijão entre outras, da pecuária e também excluiu pequenos agricultores do campo. Os municípios da microrregião de Ituiutaba são exemplos que sofreram impactos da territorialização do agronegócio da cana-de-açúcar nas relações sociais e econômicas. Palavras-chave: Agronegócio. Cana-de-açúcar. Territorialização. Metamorfoses. Introdução A produção de cana-de-açúcar foi introduzida no Brasil na época em que o país ainda

era colônia. Sua implantação se deu com o objetivo de atender uma demanda mundial,

principalmente européia. Seu cultivo era de baixo custo, visto que a planta se adaptou ao

clima quente e úmido e a mão-de-obra era escrava.

Por volta da década de 1970, outro produto derivado da cana-de-açúcar, o álcool,

ganhou destaque como uma alternativa de combustível, tornando sua produção

interessante para o agronegócio, propiciando crescimento econômico para algumas

regiões do Brasil. A produção do álcool ocorreu devido à crise na qual o petróleo, então

maior e mais importante fonte de energia utilizada no mundo, entrou depois do fim da

Segunda Guerra Mundial. A guerra causou grandes perdas para os países exportadores,

reduzindo assim a oferta, visto que a natureza do petróleo é não renovável, o que causou

uma elevação dos preços resultando então, numa crise econômica, o que induziu

também o crescimento da fabricação e venda de carros movidos a álcool.

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A crise de mercado do petróleo gerou oportunidade para o desenvolvimento do cultivo

da cana-de-açúcar em várias partes do território brasileiro. As áreas de relevo plano e a

vasta extensão do território brasileiro, juntamente com incentivos públicos e privados

interessados em seu desenvolvimento econômico fizeram a produção nacional de álcool

crescer e alcançar níveis mais altos que os mundiais.

Até por volta da década de 1990 a produção da cana se concentrava nos estados no

Norte e Nordeste do país, e em alguns do Centro-sul, com maior enfoque em São Paulo.

Atualmente já se expandiu para estados como Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso.

Minas Gerais e São Paulo são hoje os dois estados que mais produzem açúcar e álcool

oriundos da cana-de-açúcar, e conseqüentemente são os estados concentradores das

usinas sucroalcooleiras do país. O governo de Minas Gerais tem incentivado a

territorialização de usinas juntamente com a iniciativa privada desde meados de 1990, e

desde então tem crescido o número delas, principalmente no Triângulo Mineiro, onde as

condições climáticas e relevo são propícias para o cultivo da cana-de-açúcar.

Nesse sentido, o presente trabalho objetiva compreender as transformações sociais e

espaciais na microrregião de Ituiutaba decorrente da territorialização do agronegócio da

cana-de-açúcar. Para atingir os objetivos a pesquisa fundamentou-se em pesquisa

bibliográfica, coleta de dados no IBGE e pesquisa de campo com observações,

entrevista e registro fotográfico.

Vale ressaltar que o recorte temporal para esse trabalho foi o período pós 2000, em que

ocorre a expansão da cana-de-açúcar para a microrregião de Ituiutaba. Entretanto, não

foram eliminadas análises de períodos antecedentes, tendo em vista que cada município

apresenta suas particularidades no contexto de transformação econômica, espacial e

social que se torna relevante para compreender a reorganização produtiva com o

processo de expansão da cana-de-açúcar.

A expansão da cana-de-açúcar nas áreas de Cerrado Com a territorialização das usinas no espaço agrário do Cerrado muitos municípios

sofreu uma reorganização produtiva, ou seja, o aumento da produção da cana-de-açúcar

em detrimento da diminuição de cultivos como o arroz e o feijão. Um dos fatores desse

processo é que muitos proprietários foram seduzidos economicamente por essas usinas

para que, ou plantassem cana-de-açúcar, ou arrendassem suas terras para as mesmas.

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Sem condições de continuar no campo, famílias de agricultores se mudaram para as

cidades, causando antes de tudo, impactos na produção de alimentos.

Além disso, a implantação de usinas atraem trabalhadores de outras regiões e de outros

estados, sobretudo, do Nordeste. Um aspecto relevante no que diz respeito às condições

de moradia e qualidade de vida, já que o emprego é garantido apenas durante a safra,

fazendo com que o desemprego alcance nível preocupante na entressafra, já que as

regiões afetadas por essa expansão não se prepararam para tal.

No entanto, a expansão do cultivo da cana-de-açúcar continua acontecendo, já que o

governo vê nesse ramo uma grande oportunidade de crescimento econômico. O Cerrado

brasileiro apresenta condições topográficas (regiões planas que facilitam a mecanização

da produção, terras férteis e de grande potencial hídrico) e climáticas propícias ao

cultivo da cana, e então é o Cerrado o principal destino dessa expansão atualmente.

Para tanto, o apoio à implantação de usinas sucroalcooleiras por parte dos governos, as

usinas se utilizam, além da proposta de desenvolvimento econômico, a idéia de que o

etanol é um biocombustível limpo, e sendo assim, ecologicamente correto, sem

prejuízos ao ambiente, atestando sua viabilidade.

Essa questão se reflete em preocupações mundiais e ganha importância no que diz

respeito à economia e a preservação ambiental. E sendo o petróleo uma matéria-prima

fóssil, não renovável, sua extração, além de mais dispendiosa, pode estar ameaçada. A

produção de combustível ou outros produtos derivados também do petróleo, como por

exemplo, o plástico, e sua utilização e/ou descarte, causam maiores danos ao ambiente

no que diz respeito à poluição, seja do ar, terra ou águas.

As regiões brasileiras antes conhecidas como principais produtoras de gado, alimentos e

grãos, como o Cerrado, já são conhecidas como potenciais produtoras de cana-de-

açúcar. Levando em consideração que a expansão dessa produção não ocupou apenas

pequenas propriedades como também os proprietários de grandes terrenos também

foram “seduzidos” a cultivar a cana.

Em resposta aos incentivos às usinas sucroalcooleiras, o Brasil responde hoje pela maior

produção mundial de cana-de-açúcar, aliando o menor custo de produção e aos

melhores índices de produtividade.

É importante considerar que a produção de açúcar e álcool causa desenvolvimento

econômico, aumentando arrecadação de impostos e injetando dinheiro no município.

Porém, gera também a concentração de renda. Acontece ainda a incidência da

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monocultura em regiões antes movidas pela pluralidade de culturas. Nesse sentido,

Mendonça (2004) afirma: [...] cabe aos geógrafos compreender a efetiva materialidade e subjetividade do capital e do trabalho, apontando por meio das leituras geográficas as possibilidades emancipatórias construídas no processo cada vez mais forte de controle do capital nas áreas de Cerrado. (p. 174).

O crescimento da quantidade de usinas instaladas no Cerrado se reflete no volume de

produção que cresce a cada ano. Dessa maneira, é possível afirmar que o

desenvolvimento e expansão do agronegócio da cana-de-açúcar é tentador aos “olhos”

do governo e de grupos econômicos. Mas em contrapartida, gera discussões no que

tange a manutenção e desenvolvimento de outras atividades agrícolas, e está ligado a

problemas ambientais (desmatamento e degradação do solo, poluição e degradação dos

recursos hídricos), migrações, concentração de renda, exclusão dos pequenos produtores

rurais e também exploração de trabalho.

Logo, observa-se que, como em qualquer outra atividade, os ônus e bônus devem ser

avaliados para que se encontre uma solução com o menor número possível de impactos

negativos, possibilitando assim, o desenvolvimento econômico aliado à preservação

ambiental e desenvolvimento social.

Trata-se aqui então de uma temática inserida em uma realidade não apenas local e

regional, mas a nível nacional e mundial em função do novo modelo energético

constituído por um discurso de energia limpa e ecologicamente correta. E no caso do

Brasil o produto para fabricação da combustível menos poluente que está sendo

utilizado por conta da produtividade é a cana-de-açúcar.

Na microrregião de Ituiutaba a expansão da cana coincide justamente com a expansão

dos agrobicombustíveis no Brasil incentivado amplamente pelo governo. A primeira

usina sucroalcooleira da região da referida microrregião - a Triálcool, foi instalada no

município de Canápolis (cidade vizinha à Ituiutaba, mas pertencente à microrregião

geográfica de Uberlândia-MG) em 1988, mas é no inicio do século XXI que ocorre a

expansão do agronegócio da cana-de-açúcar, provocando, portanto, graves impactos

tanto no âmbito social, quanto ambiental. As principais usinas da microrregião de

Ituiutaba são a Ituiutaba Bioenergia Ltda em Ituiutaba, a Companhia Energética Vale do

São Simão em Santa Vitória e a Laginha Agro Industrial S/A em Capinópolis.

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Territorialização do agronegócio da cana-de-açúcar na microrregião de Ituiutaba A microrregião geográfica de Ituiutaba compreende as cidades de Ituiutaba, Cachoeira

Dourada, Capinópolis, Gurinhatã, Ipiaçu e Santa Vitória e tem histórico de grande

produtora de grãos e gêneros alimentícios como, arroz e milho, e nas últimas décadas

tem vivido uma transição dessas e de outras culturas menos expressivas na região para a

monocultura da cana-de-açúcar visando produção em larga escala de açúcar e álcool.

Tal situação é claramente observada nos dados do IBGE e também na própria paisagem

dos municípios. Na tabela 1 pode se observar a grande expansão da área agricultável

nos municípios da microrregião de Iuiutaba nos últimos 20 anos. Em Cachoeira

Dourada a área plantada teve aumento de 76,85% quando passou de 7.301ha em 1990 à

12.912ha em 2010. Em Capinópolis aumentou em 80,39% nessa mesma época.

Gurinhatã teve um aumento chegando à marca dos 166,35% de aumento da área. Ipiaçu

teve o menor aumento proporcional em relação às demais cidades quando expandiu sua

área cultivada em 49,30%. Já Ituiutaba ampliou sua área de 20.056ha em 1990 para

38.269ha em 2010, um aumento de 90,81% Mas o município que se sobressaiu nesse

quesito foi Santa Vitória, que elevou a área plantada de 7.376ha para 26.385ha no

mesmo período de tempo, evidenciando impressionantes 257,71% de aumento de área.

A tabela nos permite ainda notar o declínio que a cultura do arroz sofreu nessa região,

tanto na área destinada ao plantio em hectares quanto ao proporcional em relação à área

total cultivada. A exemplo Cachoeira Dourada cultivava, em 1990, 850ha de arroz

(11,64% da área total plantada), e em 2010, mesmo aumentando a área total, diminuiu

para apenas 12ha plantados com arroz, o que equivale a apenas 0,09% da área total. O

mesmo acontece em todas os outros municípios. Em alguns como Capinópolis e Ipiaçu,

a área plantada destinada ao arroz já era pequena em 1990 foi diminuindo e chegou a

zerar nos últimos anos. Gurinhatã chama a atenção, pois, em 1990, mais de 47% da área

plantada do município era destinada ao arroz. Mas em 2010 a área total quase triplicou,

o cultivo do arroz passou a ocupar apenas 0,72% da área total (50 ha).

O município de Ituiutaba e Santa Vitória praticamente extinguiu a produção do arroz

nos últimos 20 anos, destinando à essa produção apenas 0,1% e 0,018%

respectivamente de suas áreas totais cultivadas ao plantio do grão.

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Tabela 1: Microrregião de Ituiutaba: área plantada total e área destinada ao plantio de arroz de 1990 a 2010 (anos selecionados)

Município Lavoura temporária Variável X Ano

Área plantada (Hectares) 1990 1995 2000 2005 2010

Cachoeira Dourada Total 7301 13814 8812 9660 12912 Arroz 850 980 8 30 12

Capinópolis Total 28150 30368 27594 36846 50782 Arroz 900 470 230 - -

Gurinhatã Total 2598 4250 1932 3909 6920 Arroz 1233 1960 530 182 50

Ipiaçu Total 7819 6638 8077 10955 11674 Arroz 675 685 180 25 -

Ituiutaba Total 20056 16781 18441 39105 38269 Arroz 3403 3750 600 200 40

Santa Vitória Total 7376 9517 3880 7763 26385 Arroz 1270 2360 265 230 5

Fonte: IBGE - Produção Agrícola Municipal. Org.: OLIVEIRA, R. M, 2012

O gráfico 1 mostra os dados da produção de arroz nos municípios da microrregião de

Ituiutaba, cuja expressividade de produção foi ate o ano de 1995, e logo após, caiu

drasticamente em todos os municípios. A produção mais representativa é de Ituiutaba,

que em períodos anteriores a década de 1990, foi tida como a “capital do arroz” em

função da produção. A partir de 1991 o arroz deixou de exercer grande influência na

economia da cidade, principalmente a partir de 1995, quando produziu 6.262t do

alimento e a partir daí, diminuiu a produção, que chegando a apenas 60 toneladas no

ano de 2010.

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Gráfico 1: Microrregião de Ituiutaba: quantidade produzida (t) de arroz de 1990 a 2010 (anos selecionados).

Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal. Org.: OLIVEIRA, R. M. 2012.

Em relação o cultivo de milho, observa-se que em Cachoeira Dourada o número de

hectares plantados reduziu cerca da metade, mas a proporção em relação à área total

caiu drasticamente, já que em 1990 mais de 30% da área plantada era ocupada pelo grão

e em 2010 caiu para menos de 8%. A área plantada com milho em Capinópolis caiu de

15.000ha no ano de 1990 para 2.050 em 2010, ocupando agora cerca de 4% da área

total. Gurinhatã foi o único município que aumentou a área plantada de milho nesse

período, passando de 900 para 2.000ha. Mas em relação a área total, diminuiu sua

representatividade de 34,64% para 28,9%, já que a área total plantada do município

aumentou 166,35% em tal período. Mesmo com aumento de área total, Ipiaçu reduziu a

plantação de milho de 5.000ha (63,94%) em 1990 para apenas 700ha no ano de 2010,

pouco mais de 5% da área total. Ituiutaba segue a mesma linha de Ipiaçu, reduzindo a

área de 10.000ha (49,86% do total) de milho em 1990 para apenas 2.000ha (5,22% do

total atual que é de 38.269ha) no ano de 2010. Santa Vitória teve a maior queda de área

destinada ao cultivo do milho em relação à área total. No ano de 1990, o município

cultivava 5.200ha (70,49% do total) de milho, com oscilações nos próximos períodos e

em 2010 cultivou apenas 500ha do grão, cerca de 1,9% da área total que cresceu nesses

20 anos, 257,71%. Pelos dados do gráfico 2, percebe-se a diminuição da produção de

milho em todos os municípios.

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Gráfico 2: Microrregião de Ituiutaba: quantidade produzida de milho (t) de 1990 a 2010 (anos selecionados).

Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal. Org.: OLIVEIRA, R. M 2012.

A diminuição de milho e arroz em todos os municípios da microrregião de Ituituaba

ocorre em função principalmente do crescimento da cana. A tabela 2 mostra que até o

ano 2000 alguns municípios não mantinham nem um hectare plantado, como Ipiaçu e

Cachoeira Dourada. Ituiutaba e Santa Vitória eram as mais representativas em área

plantada com a cana. Em 2010 essa representatividade continuou e tais municípios

aumentaram essa área em 6.000% e 9.580%, respectivamente, em relação ao ano de

1990.

Nos demais municípios implantaram o cultivo de cana-de-açúcar especialmente a partir

do ano 2000, justamente na época em que aumentou a demanda internacional de

biocombustível e o número de usinas cresceu de forma surpreendente. Gurinhatã

aumentou sua área plantada de cana-de-açúcar de 175 ha em 1990 para 4.000ha em

2000. Área esta que corresponde ao dobro da área destinada ao cultivo de milho, mesmo

sendo o município, como visto anteriormente, o único que aumentou também a área

destinada ao plantio deste grão. Isso nos permite afirmar que, mesmo continuando a

produzir milho, o município não resistiu aos “encantos” econômicos que a cana-de-

açúcar causa nos agricultores e gestores públicos da região. Opinião que não prevalece

em todo território nacional, ou mesmo em todo o Cerrado, já que agricultores do Mato

Grosso, por exemplo, se interessam mais em cultivar soja e algodão.

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Tabela 2: Microrregião de Ituiutaba: are á produzida de lavouras temporárias e de cana-de-açúcar de 1990 a 2010 (anos selecionados).

Município Lavouras temporárias Variável X Ano

Área plantada (Hectares) 1990 1995 2000 2005 2010

Cachoeira Dourada total 7301 13814 8812 9660 12912 cana-de-açúcar - - - 150 1600

Capinópolis total 28150 30368 27594 36846 50782 cana-de-açúcar - 20 20 5150 8450

Gurinhatã total 2598 4250 1932 3909 6920 cana-de-açúcar 175 20 20 30 4000

Ipiaçu total 7819 6638 8077 10955 11674 cana-de-açúcar - - 15 2100 4750

Ituiutaba total 20056 16781 18441 39105 38269 cana-de-açúcar 400 400 500 6700 24000

Santa Vitória total 7376 9517 3880 7763 26385 cana-de-açúcar 270 50 40 5 25867

Fonte: IBGE - Produção Agrícola Municipal a 2010. Org.: OLIVEIRA, R. M. 2012.

No gráfico 3 fica nítida a expansão do cultivo da cana-de-açúcar na microrregião de

Ituiutaba. As toneladas produzidas materializadas nos dados mostra que, antes do ano

de 2005, os municípios concernentes à essa microrregião praticamente não produziam

cana. Capinópolis, Ituiutaba e Santa Vitória são municípios que juntos produziram

4.467.610 toneladas de cana-de-açúcar no ano de 2010. E de acordo com os dados do

IBGE, é possível afirmar que a melhor produtividade foi obtida em Capinópolis, já que

conseguiu colher 85t/ha, seguida por Santa Vitória com 80t/ha, e Ituiutaba com 70t/ha.

Dos três municípios, Ituiutaba é a de menor produtividade mesmo mantendo maior

número de hectares plantados em relação às demais cidades de sua microrregião.

Santa Vitória é o município que mais chama a atenção em relação à produção de cana-

de-açúcar, pois até o ano de 2005 seu histórico era de diminuição de área plantada e

produção de cana como mostra a tabela 2. De 2005 para 2010 o município aumentou

sua produção de forma muito significativa

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Gráfico 3: Microrregião de Ituiutaba: quantidade produzida de cana-de-açúcar (T) de 1990 a 2010 (anos selecionados).

Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal. Org.: OLIVEIRA, R. M. 2012.

De acordo com o IBGE, o Brasil produziu, em 2010, 717.462.101 toneladas de cana-de

açúcar, 5.240.690 toneladas (0,73% do total), produzidas na microrregião de Ituiutaba, e

desses, 38,48% produzidos somente no município de Santa Vitória.

Esses dados nos reportam à situação que surge como conseqüência desse visível

domínio que o cultivo da cana-de-açúcar exerce nessa microrregião. Uma dessas

consequências é o aumento do preço dos gêneros alimentícios pela diminuição da oferta

do produto no mercado. Outra, é o crescimento desordenado das cidades devido ao

aumento da população vinda do campo (pequenos proprietários que venderam ou

arrendaram suas terras para as usinas se expandirem) e de trabalhadores migrantes em

busca de emprego nessas usinas.

Na tabela 3 verifica-se que a população rural de todos os municípios da microrregião

estudada diminuiu, indicando a realidade de êxodo rural. Com exceção de Gurinhatã,

cuja população urbana das demais cidades aumentaram, com destaque à Ituiutaba e

Santa Vitória, com aumentos mais significativos e se relacionando à maior atividade

sucroalcooleira (produção e produtividade) nessas cidades, como visto anteriormente.

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Tabela 3 - População rural e urbana na microrregião de Ituiutaba-1991 a 2010 (anos selecionados).

Variável: População residente (pessoas)

Município Situação do domicílio Ano 1991 2000 2010

Cachoeira Dourada Urbana 1728 1993 2225 Rural 556 312 280

Capinópolis Urbana 13172 13140 14302 Rural 1888 1263 988

Gurinhatã Urbana 2715 2834 2692 Rural 4925 4049 3445

Ipiaçu Urbana 3454 3511 3741 Rural 668 515 366

Ituiutaba Urbana 78205 83853 93125 Rural 6372 5238 4046

Santa Vitória Urbana 12196 12544 14926 Rural 4387 3821 3212

Fonte: IBGE – Censos demográficos. Org.: OLIVEIRA, R. M., 2012.

Os dados apresentados nos leva a refletir as conseqüências sociais e ambientais da

expansão da cana-de-açúcar no Cerrado e mais especificamente na microrregião de

Ituiutaba, que tem passado por uma reestruturação produtiva em função do crescimento

da cana-de-açúcar. Os efeitos negativos dessa expansão podem ser visualizados não

apenas nos dados, como também na paisagem do espaço agrário e urbano desses

municípios.

Considerações finais A produção da cana-de-açúcar vem gradativamente ocupando espaço na produção dos

municípios da microrregião de Ituiutaba, expandindo a área plantada bem como a

produção, acompanhando a lógica da expansão e territorialização das usinas

sucroalcooleiras no Cerrado, que por sua vez, acompanha à exigência mundial pelos

biocombustíveis e energia verde/limpa, impulsionada principalmente na última década.

A expansão da cana nas áreas de Cerrado tem gerado conseqüências como diminuição

da produção de gêneros alimentícios principalmente pela falta de políticas públicas

eficientes para a agricultura familiar. Outra conseqüência é a degradação do Cerrado.

Nos municípios da microrregião de Ituiutaba é visível os impactos ambientais na

paisagem do espaço agrário e do urbano. No espaço agrário os efeitos são os

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desmatamentos, degradação dos recursos hídricos por meio da poluição com

agrotóxicos e a irrigação de lavouras de cana. Já no espaço urbano um dos principais

impactos ambientais refere-se a poluição do ar e a fuligem em função das queimadas

dos canaviais no período da colheita.

Assim, é fundamental perceber que este novo cenário produtivo da cana tende

efetivamente uma proposta de crescimento econômico. Especificamente no que se

refere à Microrregião de Ituiutaba, considerado uma das principais áreas para a

expansão dos canaviais de Minas Gerais, ainda que se afirme a contribuição dessa

monocultura para o crescimento econômico, é mais uma atividade agrícola responsável

por inúmeros prejuízos sociais e ambientais.

Notas

i Discente do Curso de Geografia da FACIP-UFU. Bolsista de Iniciação Cientifica com o projeto intitulado a territorialização do agronegócio da cana-de-açúcar na microrregião de Ituiutaba (MG): análises das metamorfoses sociais, econômicas e ambientais, sob orientação da Prof. Dra. Patrícia Francisca de Matos.

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Page 13: A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO DA CANA-DE-AÇÚCAR … · A tabela nos permite ainda notar o declínio que a cultura do arroz sofreu nessa região, tanto na área destinada

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