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Page 1: A Tarefa Do Pens Amen To Na Possibilidade Do Pensar Deus

A TAREFA DO PENSAMENTO NA POSSIBILIDADE DO PENSAR OU NÃO A EXISTÊNCIA DE DEUS1

Fr. Victor Hugo de O. Marques2

Introdução, Objetivos e Fio Condutor

O que se propõe aqui, a priori, é uma tarefa de uma onerosidade tal, quase impossível ou já fadada ao fracasso. Pois, como pensar algo, mediante a razão, que lha escapa? Que critérios se teria para fazê-lo? Que ciências seriam capazes de traduzir tal conteúdo? Que corte epistemológico seria necessário? Estas e outras perguntas, inevitáveis por sinal, saltam imediatamente quando se dis-põe um objeto de tal complexidade.

Por isso, é necessário alguns esclarecimentos prévios. Esta comunicação não quer se fazer como um atestado apologético por parte de uma negação de Deus ou seu contrário. Muito menos tem-se a pretensão de, à luz das novas filosofias, ciências, e teologias, elocubrar, num liquidificador mental, uma nova maneira de se provar a existência de Deus como se fizera no passado. Tão menos ainda dizer a última palavra sobre a “Questão Deus”. Nada disso seria justo ou coerente com o pensamento.

O que se quer dizer quando se levanta a expressão “Questão Deus”, não se está pensando em nenhuma religião enquanto instituição em específico, em nenhum fenômeno religioso, em nenhum dogma ou preceito, nem muito menos questionar a possibilidade da fé, pois esta, como atestou Kant em seu tratado Crítica da Razão Pura é um “fato de nosso entendimento”3. Isto se faz salutar, uma vez que na história do pensamento muito se confundiu tais conceitos como religião, fé, expressão religiosa e Deus. Chegando a verdadeiros equívocos por não se ter uma clareza conceitual daquilo que de fato se abordava.

O que se quer, na verdade, enquanto conteúdo, é tocar aquilo que a filosofia reservou por Absoluto, Transcendente (em sentido metafísico-escolástico), Incondicionável (em linguagem kantina), o Sentido primeiro, a Fundamentação última ou aquilo que simplesmente é denominado: “Deus”. No fundo, o que se pretende é não “retomar” a questão, pois, acredito que ela jamais deixou de ser uma preocupação que intrigasse o pensamento enquanto tal. Por mais que hoje, pouco se discuta em âmbitos acadêmicos, ela sempre se constituirá uma temática que colocará perguntas para o pensamento. É neste sentido que se quer tocar a “bendita” questão, uma vez que ela propõe ao pensamento o perguntar e este por sua vez deve ser o fio condutor de toda esta questão.

Assim, justifico o título desta comunicação, pois, é tarefa do pensamento se debruçar sobre fenômenos que de um modo ou de outro imprimem questionamentos e indagações para o mesmo. A “Questão Deus” é um destes fenômenos que ainda instiga o pensamento, pois ele “põe” perguntas e não só, mas desafia-o a sempre superar sua

1 Comunicação para discentes da UCG. Dia: 30-08-2009. 2 Sobre o autor: Victor Hugo de Oliveira Marques é frade capuchinho, licenciado em Filosofia pela UCDB/MS; autor da obra Cristianismo e Filosofia nos três primeiros séculos da era cristã: análise dialético-histórica, pela Virtual Books; e membro do Grupo de Estudos de Filosofia da UCDB (GEFIL: http:// www.filosofianet.org).3 Segundo Kant, a crença, que é “o considerar-algo-verdadeiro” é um fato de nosso entendimento que repousa tanto sob princípios objetivos quanto subjetivos. Este pode se dar em três graus: opinião, ciência e fé. (CrP, p.577).

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própria capacidade como pensamento de dar respostas às perguntas a ele feita. É este o grande sentido porque se ainda discute tal questão, pois, na história do pensamento, é uma pergunta que sendo pela negação, sendo pela apologia, ainda continua uma incógnita fundamental.

Corte Epistemológico

É natural que se pergunte por onde navegar para que a “Questão Deus” possa, como fenômeno, se apresentar ao pensamento e propor suas perguntas. Com efeito, esta pergunta pelo corte epistemológico da questão, implica uma distinção fundamental nos modos de abordagem dos fenômenos. De um modo geral podemos dizer que existem quatro modos de se conhecer: o empírico, o científico, o filosófico e o teológico.

Conhecimento empírico é aquele que é fruto do ato espontâneo do espírito, mas permanece imperfeito, pois lhe falta maiores objetividades. O científico é aquele certo, geral, e metódico, ligado a observação e experimentação, isto é, verdades válidas para todos os casos ligados à causalidade mecânica. Contudo, este conceito positivista de ciência cada vez mais se dilui. Dentre vários epistemólogos que se debruçam sobre o que de fato é a ciência, cito Karl Popper com sua teoria da falseabilidade: “El carácter sensato de um enunciado se medirá por su capacidad de ser confirmado/falseado.”4. Esta noção de “ciência-processo”5 deu à ciência a concepção, também popperiana de corroboração. Nenhuma teoria é suficiente capaz de apreender absolutamente a verdade como de fato ela é, portanto, as teorias vão sendo corroboradas umas as outras e mesmo assim “não aumentam a probabilidade de que uma teoria seja verdadeira e toda a verdade.”6.

O que de fato determina os progressos científicos é o surgimento dos paradigmas, já vai dizer Kuhn. Os paradigmas não são novas verdades que surgem, mas “é apenas mais um modelo que se apresenta e que nos traz uma nova visão de parte do mundo”7. Isto significa dizer que, a descoberta de novos paradigmas retoma os velhos problemas em campos diferentes a fim de melhor entrelaçarem as lacunas que paradigmas anteriores não foram capazes ou suficientes de compreender. Isto, de certa forma, determina uma tipologia do conhecimento que possui um campo objetivo próprio.

O conhecimento filosófico, por sua vez, é aquele que perpassa racionalmente a realidade de modo a tentar aprofundar causas, razões, fundamentos, em sua relação de totalidade. Como diz Tilich (1984) não o todo da realidade mas a realidade como um todo. Não está preocupado com a comprovação empírica por um lado, mas não se afasta da realidade, como se diziam, por outro. É claro que este conceito é bem relativo, pois, a própria definição de filosofia é um problema filosófico. A filosofia, como a ciência também não tem a palavra última sobre a realidade, pois na marcha do pensamento ocidental várias foram as correntes que digladiaram na busca da verdade e da fundamentação da realidade. Também esta se constitui em si um modo de conhecimento autônomo, distinto das ciências.

E por fim o conhecimento teológico, que assim, como filosófico está preocupado com a fundamentação última da realidade, porém, com uma diferença fundamental.

4 POPPER apud AZUA. De Heidegger a Habermas, 1997, p.24.5 FREIRE-MAIA. Criação e Evolução, 1986, p.104.6 Id. Ibid. p. 106.7 Id. Ibid. p.110.

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Enquanto a filosofia está na busca desta verdade, mediante questionamentos sobre a realidade; a teologia parte de um dado concreto, i. é, o dado revelado. Sem entrar no mérito das discussões revelativas entre os diversos conteúdos dogmáticos e sua pretensão de verdade única, a teologia de modo geral elabora seu discurso numa dialética entre a fé e a razão, se autoderminando um modo de compreender.

Quando se define as áreas do pensamento em científico, filosófico e teológico, não se quer, contudo, dizer que tais conhecimentos estejam desvinculados ou fragmentados pensado cartesianamente. Ao contrário, cada vez mais se vê a necessidade da interrelação entre ambos. Freire-Maia (1986) demonstra como as ciências em determinados postulados extrapolam seus limites se transformando em verdadeiras filosofias, como é o caso do darwinismo e do marxismo. Rahner (1989), por sua vez, demonstra como na relação da elaboração teórica da fé está presente, tanto as ciências, (a história, a antropologia, etc); como a filosofia (a realidade ontológica do crente). Na história do pensamento estas áreas tiveram suas rupturas, por questões de autodefinição epistemológica, como na passagem da medievalidade para a modernidade que se deu a separação entre a teologia e filosofia e da modernidade para a contemporaneidade da filosofia para as ciências. Contudo, estas separações tiveram seus aspectos positivos, como a clareza fenomênica de cada campo epistemológico, e negativo a perda da interdependência e a fragmentação do pensamento.

Para o tocante da questão aqui discutida é importante dizer que, se, se aprisiona Deus em um campo específico, seja para negá-lo ou o seu contrário, poderia, muito frequentemente, reduzir a possibilidade da “Questão Deus” de propor perguntas ao pensamento. É muito fácil, a partir de uma ciência especifica, como a astrofísica ou a psicologia; para algumas correntes filosóficas, como o materialismo histórico ou o positivismo, negar a existência de Deus. Também como é muito fácil, se apropriar da teologia tomista ou de uma outra corrente teológica para, afirmá-lo. Mas será suficiente para que a “Questão Deus” cesse no seu postular perguntas ao pensamento? Consegue isoladamente se admitir uma palavra última a respeito da questão? Neste sentido, deve-se, urgentemente, perguntar pelos critérios aos quais deve-se tratar desta questão. Outros modos poderiam ser propostos, as possibilidades são infinitas, entretanto, gostaria de propor aquilo que diz Tilich: “o ponto de contato entre a investigação científica e teológica está no elemento filosófico de ambas, as ciências e a teologia”

As Provas da Existência de Deus

Quando se fala em provar a existência de Deus, logicamente se remete a escolástica medieval. Contudo, um dado interessante não é destacado. Segundo Inácio e Luca (1995) a passagem da razão para fé não se deu na Idade Média, propriamente dita, mas bem antes, em sua gestação.

Antecedendo o medievalismo, tem-se a decadência do mundo romano helenizado, que propagava pela Europa, tanto ocidental como oriental, correntes de pensamentos carregadas de elementos teológicos e místicos, como o epicurismo e o estoicismo. Isto mostra que, a filosofia dita “clássica”, já não era mais “pura” como em sua origem, mas já padecia com agregados religiosos que deram à filosofia um cunho mais teológico e menos racional.

Abordando as temáticas principais dos expoentes escolásticos como: Boécio, Anselmo, Boaventura, Tomás de Aquino, Duns Escoto e Guilherme de Ockham, nota-se que todos tiveram uma preocupação em comum: da sistematização da idéia de Deus como forma de demonstração de sua existência. É salutar ressaltar também, que antes mesmo da própria escolástica se consolidar Agostinho, patrístico do quarto século, já

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havia se detido, mesmo que indiretamente, sobre este tema8. Estas ditas provas da existência de Deus, tinham por base duas vias principais: a priori e a posteriori. A primeira diz respeito à demonstração de Anselmo da existência necessária do ser absoluto pela certeza apodítica. O segundo parte das propriedades causais dos seres contingentes até o ser Absoluto.

Em um mundo profundamente divinizado e marcado por fenômenos religiosos, haveria a real necessidade de se tentar provar a existência de Deus? Será que a experiência da fé, num quadro social de ignorância laical, já não estava dando conta mais de se sustentar, bem como suas estruturas hierárquicas, a partir da pressuposição de tal premissa? Quais as ordens de fatores filosóficos que levaram os escolásticos buscarem pela razão, a demonstração de algo que parecia um tanto quanto óbvio para sua época?

Talvez, o argumento mais convincente, do ponto de vista epistemológico, seja o proposto por Boehner e Gilson (1988), de que a filosofia teria de dar conta das provas racionais da existência de Deus a fim de “averiguar a força da razão em face da fé, e determinar até que ponto ela é capaz de penetrar no domínio da fé.”9. A Teologia, como já foi mencionado, adentrou a idade média muito antes dela mesma se formar, por isso as correntes filosóficas se tornaram especulações de cunho místico, não se distinguindo os aspectos filosóficos dos teológicos. Com a cristianização do ocidente, o saber se agregou a idéia do Deus cristão que permeou todo o conhecimento medieval. A distinção entre filosofia e teologia só foi possível a partir de Escoto que esforçou para caracterizar um do outro, mesmo tendo uma postura voltada para a tradição.

Mesmo com tal hipótese epistemológica, as ditas Provas da Existência de Deus perduraram para a modernidade que, se libertando da teologia como pressuposto de verdade, buscou outras formas de se sustentar. Mesmo desvinculado da teologia, Deus continuou sendo um pressuposto epistemológico, como se vê nos racionalistas Descartes, Spinosa e Leibniz. Contudo com uma diferença. Para se tratar de Deus, não mais era necessário o uso da revelação. Isto marcou a passagem do teísmo para o deísmo10, já como Hebert de Cherbury (1582-1648), mas que ficou muito expresso principalmente com os iluministas Voltaire, no qual formulou o conceito de religião natural11 e Kant. Este é um dado fundamental, pois, crítica travada na Questão Deus, não está mais focada na questão de Deus em si, mas na forma como ela foi decodificada pelas religiões. O deísmo foi uma tentativa de libertar Deus das religiões. A Questão Deus, tratada até então mediante as provas metafísico-escolásticas de cunho cristão, na sua resignificação moderna deísta, tem como marco a quebra da lógica da teoria da caudalidade e a crise da metafísica proporcionada pelo filósofo empírico e cético Hume em seu Ensaio sobre o Entendimento Humano, que atribuiu toda associação a um mero costume. Isto fez com que Kant “despertasse de seu sono metafísico”, como ele mesmo afirmou, e tentasse repensar a Metafísica, ciência da qual se tratou da Questão Deus por longos séculos.

Para tentar pensar uma nova Metafísica, Kant inaugura seu pensamento crítico com seu clássico tratado a Crítica da Razão Pura, na qual, embutida nos seus números artigos e secções, trata da impossibilidade da demonstração racional a priori de Deus. Para Kant, resgatando as ditas provas da existência de Deus, tece três grandes argumentos da impossibilidade da razão em se demonstrar a existência de Deus: Impossibilidade Ontológica, Impossibilidade Cosmológica e Impossibilidade Físico-

8 Cf. Boehner, Philotheus e Gilson, Etiene. História da Filosofia Cristã, p. 152-157.9 Boehner, P. e Gilson, E. Op. Cit., p.494.10 STORIG. História Geral da Filosofia, 2008. p.269 e 330.11 STACCONE. Filosofia da Religiao, 1989, p.77.

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Teológica12. A primeira questiona a existência necessária de um conceito que é a priori pura possibilidade. A segunda trata do fracasso de se postular um ser absoluto necessário sem o auxilio do dado empírico. O fundamento empírico nada diz do ser necessário, quanto mais do ser necessário em absoluto, tanto mais de sua existência. E o terceira, na impossibilidade da prova físico-teológica, o que a razão pode conseguir determinar está encerrado nos limites possíveis da experiência sensível. Por mais que se pense em um ser capaz de criar e guardar a ordem do universo, o máximo que se apreende deste argumento é a contingência das formas, já que da matéria, nada se sabe13. Neste sentido, atribuir um ser absolutamente necessário mediante a contingência das formas é cair no mesmo erro das provas cosmológicas que no fundo está equivocadamente encerrado nas provas ontológicas e não se sustentam.

Dizendo da possibilidade do ser absoluto, somente se diz de sua realidade possível, i. é, ontológica. Agora, sendo possível, nada se diz de sua existência. Um ser possível, não garante que sua existência esteja implicitamente pressuposta, como já objetava Kant. A determinação do possível, apenas sustenta o nível do ser, que é algo a priori, comprometendo, dizer que daí se intui sua existência.

E se conseguisse provar que tal ser absoluto, possível de fato existe, por qualquer argumento, seja lógico ou experimental, ainda nos restaria uma questão: como dizer que tal ser absoluto, de fato, corresponde a noção que se tem de Deus? A idéia de Deus não é uma noção propriamente filosófica, mas possui seu ambiente gestor nas religiões e suas mitologias. A identificação de um ser absoluto existente com a idéia religiosa de Deus não é demonstrado pelo escolástico. Se afirma que tal ser absoluto é Deus, mas como? Uma identificação assim deveria ser minimamente demonstrada mediante as propriedades de tais seres, o que não ocorre quando posta as provas da existência de Deus. Mesmo que intuitivamente se aceite tal identificação, e para tanto se utilize a propriedade absoluta para tal conexão, outras propriedade não são analisadas para que a analogia possa se fundamentar. No fundo, os escolásticos faz uma inferência de conceitos e converge Deus para dentro da filosofia sem uma meticulosa analise se de fato tal inferência é possível.

Entretanto, não é nesta obra que, de fato, o deísmo é declarado. Em 1793, Kant pública uma outra obra: A Religião nos limites da simples razão. A impossibilidade de se pensar metafisicamente a priori Deus, leva Kant a perceber que Deus, sob o ponto de vista racional é um conteúdo da razão prática e deve reger as relações éticas. Este deísmo perpassa a filosofia hegeliana: “no processo dialético do reconhecimento de si, a religião é um momento de passagem, e sua verdade deve ser suprassumida num conhecimento superior, que é a Filosofia”14.

O Ateísmo

Também o deísmo não durará por muito tempo. A passagem do deísmo para o ateísmo se dá apenas no século XIX, e isto é importante dizer, pois, muitos afirma que a filosofia (considerada em sua totalidade) retira a fé !!! Esta se dá com o avanço do materialismo já no século XVIII com o filósofo empirista Julien Offray de La Mettrie (1709-1751). Sua intenção era “erigir uma cosmovisão materialista e atéia” para elaborar uma moral em acordo com o determinismo biológico.15. Contudo, seus maiores

12 KANT. Crítica da Razão Pura. 2004, p.450-456.13 Para Kant, a substância da qual é o substrato da matéria é algo noumênico, isto é, não temos acesso a ela, pois a razão só consegue apreender fenômenos.14 STACCONE. Filosofia da Religião, 1989, p.92.15 JOAQUIM e PIVA. La Mettrie e Sade: Ciência e literatura no materialismo francês do século XVIII, 2007, p. 49.

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representantes foram Feuerbach e depois a tradição do materialismo histórico. A partir do século XIX, as ciências despontam-se enquanto tais, na luta pela independência da filosofia. É neste período que grandes ciências são estruturadas como a biologia, a geologia, a história, a psicologia, a sociologia, entre outras.

O materialismo como contraponto ao idealismo alemão se fortaleceu juntamente com as ciências. Feuerbach procura resolver em realidade antropológica a complicada dialética hegeliana da relação finito-Infinito, afirmando: “A consciência que o homem tem de Deus é o conhecimento que o homem tem de si”16. Neste sentido, a noção de projeção é nítida neste pensador que depois será apropriada por Freud na psicanálise. Contrapondo Feuerbach, o jovem Marx traça suas criticas contra o materialismo antropológico. Primeiramente, Marx acredita que o objeto de qualquer religião deve ser o ser do homem. Porém, deve-se dar passos a mais do que se pensar em Deus apenas nas dimensões antropológicas mas pensar na história das próprias religiões, na qual se deu o processo de alienação do homem às metafísicas. Por segundo, Marx, em conformidade com Hegel acredita, de fato, numa totalidade unitária ontológica, contudo, não mais a ontologia idealista e sim o ser da natureza, isto é, não existem realidades transcendentes. Em terceiro lugar, Marx percebe o ser como objetivo e relacionado com a natureza. Não se pode ter um ser isolado para si, como pensava Feuerbach, mas um ser relação-historial. Assim, um ser que escapasse desta relação-historial, não existiria, pois não seria objetivo. Mesmo assim, objeta-se Marx quanto as questões cosmológicas, ou seja, quem criou tudo? E por fim, em quarto lugar responde Marx se apropriando da geogenia, i. é, a Terra deve ser pensada como processo de geração espontânea. O homem existe por si e para si. Posteriormente, Marx desloca suas críticas as relações sociais entre Estado e Igreja, na qual originou o famoso chavão: “a religião é o ópio do povo”.

Ultrapassando o Ateísmo

Com o desenvolvimento do pensamento de Marx, o próprio revela que: “o ateísmo (...) não mais faz sentido, pois ele é uma negação de Deus e procura afirmar, por essa negação, a existência do homem”17. Autoafirmado a totalidade do ser nas relações históricas homem-natureza, na qual a tarefa deste é buscar a consciência de si mesmo num mundo sensível, a negação do transcendente passa a ser algo desnecessário, pois, o comunismo seria, dentro da lógica dialética, a negação da negação onde a autoconsciência humana excluiria qualquer possibilidade para o transcendente. Há de se combater todo e qualquer processo religioso pela sua peculiaridade alienante, pois retira a autoconsciência do homem lançando-o para o transcendente.

Por incrível que pareça, e isto digo por mim, é contributo para o próprio esquecimento da “Questão Deus” e da superação do ateísmo, a postura das próprias religiões neste período. O período marcado pelo avanço do marxismo fez com que as religiões se posicionassem contra tal movimento sob um ponto de vista, muito mais, sócio-político, do que ideológico-religioso. As frentes anti-comunistas estavam muito mais preocupadas com as conseqüências econômico-políticas dos paises socialistas e daí muitas alianças com os estados capitalistas; do que se perguntarem pelas conseqüências não-teístas provindas dos mesmos. Até mesmo os movimentos católicos aderentes às lutas de base do século XX na América Latina, não desmerecendo sua importância social para estes países, há de se questionar se a “Questão Deus”estava em jogo na luta

16 FEUERBACH apud STACCONE. Filosofia da Religião, 1989, p. 95.17 MARX apud STACCONE. Ibid. p. 100.

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pela libertação, ou se, não se tinha uma preocupação mais sócio-política. Enfim, é uma questão e não uma afirmação.

Entre esquerda e direita hegeliana o século XIX chega ao seu fim com o grande anúncio: “Deus está morto”. Nietzsche, no limiar da contemporaneidade percebe que a modernidade fez o papel de matar a Deus. Ao contrário do que muitos pensam Nietzsche não é o assassino de Deus. O que este pensador faz é apenas constatar mediante seus escritos aquilo que a modernidade da passagem do deísmo para o ateísmo fez: matou Deus, e pôs em seu lugar o próprio homem. Contudo, a morte de Deus, sinalizava muito mais do que uma simples perda do transcendente. Implicava nela uma total perda de sentido na qual Nietzsche denomina de niilismo. E para que este possa ser superado, necessário seriam transvalorar os valores, para que um novo homem pudesse nascer: “O homem é a corda estendida entre o animal e o Super-homem (...) o que se pode amar no homem é ele ser uma passagem e um acabamento”18 Com o anúncio da morte de Deus, a instalação do niilismo e a necessidade da valoração da vida como vontade de poder, o eterno retorno e a busca pelo além-homem, estaria de fato superado o próprio ateísmo, pois, este novo homem jamais conheceria tal elemento, pois ele seria “fiel à Terra”. Mesmo aqueles que tentassem resgatar as metafísicas, estes estariam para Nietzsche em um niilismo reativo e enquanto este existir, não apareceria o novo homem.

Também dá-se por superado o próprio ateísmo quando na contemporaneidade, chamada por Heidegger de Era Atômica, a promessa da total felicidade pela modernidade ateísta é esvaziada com a falência da razão mediante duas grandes guerras. Surge, neste período, apalpando-se na fenomenologia husserliana – última tentativa contemporânea de salvaguardar a subjetividade – o movimento existencialista que põe o homem diante de si mesmo e sua condição trágica da angústia, da finitude e da liberdade. Não há porque pensar em Deus. Como pensar em Deus na tensa relação bélica entre as potências? Onde estaria ele? O que ele estava fazendo enquanto as potências se massacravam e muitos eram dizimados? O que se tem é a existência enquanto essência finita do ser humano. Dentre eles está Heidegger, que percebe que na história do pensamento se esqueceu do ser o substituindo pela figura de Deus, como fizera a escolástica. Este pensamento deve ser superado na relação direta entre o da-sein e o ser na qual há um círculo hermenêutico inegável dado através da linguagem. Outras correntes surgem a partir daí, como a filosofia analítica, o positivismo, o pragmatismo, a epistemologia, a teoria do caos, a hermenêutica, o historicismo, e cogitou-se até mesmo o próprio fim da filosofia entre outras, que não mais se perguntam pela “Questão Deus”.. Esta é por fim silenciada pelo pós-ateísmo, muito pior que a negação de Deus é a sua total indiferença.

E agora? O mundo contemporâneo, fruto da modernidade atéia, é um mundo secularizado

que se tende ao secularismo19. Estas novas correntes filosóficas, que não só se afixaram no campo da filosofia, mas se expandiram abrangendo às ciências, como o pragmatismo que é referencial teórico para as tecnociências, o positivismo, no avanço experimental e na determinação objetiva do que se pode dizer de científico entre outras levaram o homem a um pós-ateísmo. A questão pensamento não é mais negar a existência de Deus mediante as correntes, mas a Questão Deus já não é nem mais cogitada como possibilidade. Como mostra a estranheza pela pergunta de Deus no aforisma nitiniano,

18 NIETZSCHE. Assim falava Zaratustra, p.9.19 Entendendo Secularizacao como a emancipacao da sociedade da religiao, conservado-a ao campo privado; e Secularismo como a total ausencia religiosa.

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depois do diálogo entre Zaratustra e o santo, na qual o santo interpela a Zaratustra a louvar a Deus este pensa consigo: “Zaratustra, porém, ao ficar sozinho falou assim ao seu coração: Será possível que este santo ancião ainda não ouviu no seu bosque que Deus já morreu?”20.

O que fazer então? Será que, Pascal estaria certo, i. é, Deus é uma mera Questão de Aposta? Se de fato Pascal tem razão, então há de se concordar que a Questão Deus deixou de ser tarefa do pensamento e caiu a mera subjetividade como pensa a secularização? Constata Staccone (1989, p.255) o pós-ateismo: “De fato, hoje, de Deus só falam os teólogos, como teólogos; enquanto os filósofos calam-se e parecem afirmar: Deus? Nunca penso nele!” Estaria então morta a Questão Deus?

Ao que me parece nem tudo está perdido. Existem algumas pistas que apontam que a Questão Deus nunca deixou de fazer o seu papel: propor perguntas ao pensamento. Como já dito, o projeto da modernidade enquanto racionalidade universal ruiu um abismo se abriu para a contemporaneidade. A linguagem que anteriormente era vista como mero instrumento do pensamento passa para o centro do pensamento. De outro modo, não é mais o conteúdo que define o pensar e sim a lógica lingüística do pensamento: “A língua não é uma imagem especular dó mundo; a língua possui sua própria ordem, aproxima essa ordem da realidade, sim, impõe-na sobre ela”21. Além deste imperativo lingüístico sobre a realidade, ela, segundo As Investigações Lógicas, de Wittgentein, só possuem sua validade dentro de seu uso prático, ou seja, dentro de um jogo de linguagem. Assim, as verdades apodíticas começam a entrar em crise e com elas as próprias verdades científicas.

Outra pista na qual se pode citar está no contexto nilismo. As conseqüências do relativismo ao extremo proporcionaram ao pensamento a busca pelo sentido, pergunta esta de caráter fundamental a qualquer realidade humana. Tanto é verdade que obras como Em busca de Sentido, de Viktor Franklin ou Ter ou Ser?, de Erich Fromm, entre tantas outras, são sintomáticas e propõem ao pensamento a busca de um fundamento ou um sentido. Uma outra pista que se pode levantar é a ascendência da ética como prioridade do pensamento. Hodiernamente, se investe pesadamente em produções literárias em pesquisas em ética e seus desdobramentos e as propostas são diversos. Deve-se mencionar, mas apenas de passagem os estudos feitos na contemporaneidade sobre as religiões, como fez Weber, na sociologia da religião, Rudolf Otto, na fenomenologia da religião, Jung, na psicologia da Religião e outros.

Ainda poder-se-ia acrescentar a eclosão das manifestações religiosas do século XXI, entretanto, prefiro não as considerar, pois poderiam soar como um “forçar a barra” ou mesmo se questionar se tais manifestações são de fato um levantar da Questão Deus ou uma espécie de niilismo reativo. Por isto, opto por manter o fio condutor da questão que é propor questões ao pensamento.

Afinal, o que estas pistas dizem ao pensamento? O que elas possuem em comum, se é que possuem tal coisa? Sob um aspecto, tanto o novo paradigma da linguagem, as filosofias do sentido e os estudos éticos, revelam internamente ao pensamento uma coisa: parece que tudo não foi dito, como se arrogou a modernidade. A exclusão total da própria pergunta por Deus, levou o pensamento a se perguntar por outras questões que de um modo ou de outro funcionava, sob uma ótica funcionalista, como a Questão Deus no âmbito do pensamento. Não está se querendo dizer que a Questão Deus deve voltar e toda paz se reinará, mas se sinaliza que a própria ausência da Questão Deus no pensamento pôs outras questões de equivalentes sentidos. Sob esta

20 NIETZSCHE. Assim falava Zaratustra, p.7.21 WITTIGENTEIN apud STÖRIG. História Gerald a Filosofia, 2008, p. 574.

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perspectiva, a Questão Deus não deixou de exercer o seu papel para o pensamento, mesmo quando estava oculta.

Ainda Vale a pena Falar de Deus?

Quero concluir esta comunicação com a fala do teólogo Rudolf\ Bultmann no seu ensaio Que sentido faz falar de Deus? Bultmann, primeiramente se utiliza da crítica da linguagem para se aproximar de Deus. Segundo ele, a partir do momento que se tenta falar de Deus em sentido de “falar sobre” Deus, já estamos fora daquilo que desejamos. Pois, falar de algo é ter em mente um objeto e a filosofia moderna já comprovou que Deus não é objeto do pensamento. Outro problema na fala sobre Deus é que quem fala, fala a partir de fora do objeto, como pretendia a teoria do conhecimento moderna. Neste sentido, não se fala fora de Deus. Este é o problema das críticas científicas para a fé. Elas falam do lado de fora de seu objeto, na pretensa ilusão que se pode haver uma distancia entre sujeito e objeto. Isto a contemporaneidade já desconstruiu, tanto nas reflexões da linguagem, quanto na intencionalidade fenomenológica, quanto na ontologia original de Heidegger e faço as dele as minhas palavras, não há homem fora do mundo, não sujeito para objeto e mas sim o da-sein que é o próprio ser-no-mundo.

Na continuidade, Bultmann, faz uma analogia no modo de dizer de Deus: “não se pode falar com sentido sobre Deus, da mesma forma como não se pode falar sobre o amor” Como falar do amor sem amor? Neste sentido, tal teólogo tendo por base a teologia existencial22, parte do pressuposto que assim como na constituição do homem está o mundo, assim na constituição do homem está também Deus. Mas, então Deus cairia na crítica existencialista, de ser a própria realidade humana. Quanto a isso, Bultmann retoma o desdobramento do EU fenomenológico. Quando o pensamento se volta para o Eu, há ai uma cisão de um EU existencial e um EU ilusório. Falar de Deus não é cisar ilusoriamente, mas, ele, é “a realidade que determina nossa existência”23. Destarte, Bultmann correlaciona Deus à existência humana numa co-pertença entre homem e Deus. Pois, para ele, todo a Questão Deus, foi vista como um falar de Deus enquanto objeto, não levando em conta a existência humana e sua co-pertença nele.

O que se pretende citando Bultmann? Defender uma das correntes das novas teologias? Atestar aquilo que já dito, que Deus somente se reduziu ao campo teológico? De fato, esta não é a intenção. Retomando o fio condutor da Questão Deus, acredita-se que por mais que ser humano se negue a se perguntar por Deus, como um pressuposto já morto, as perguntas por si ainda o perseguem. Neste sentido a ausência da pergunta por Deus leva o homem ao encontro de sua existência e a partir dela levanta questionamentos. É neste sentido que acredito Bultmann tem algo a contribuir, enquanto o ser humano achar que Deus é um mero objeto que com ele se pode provar empiricamente (partícula Deus ou ponto Deus), negar (niilismo) ou mesmo defender (teologias) não se está tocando na pretensa Questão. O se auto-perguntar e propor desafios para o pensamento a partir da própria existência do homem deve ser condição de possibilidade para que tal questão comece a se revelar. O homem não é um ser absoluto, como se pensou o marxismo, mas finito, como provou o existencialismo e suas perguntas pela própria finitude nos revela uma clareira da qual a Questão Deus pode pleitear sua revelação. Não estou retomando a argumentação cartesiana que do finito se intui o infinito, mas a partir das próprias realidades finitas o ser humano se auto-questiona e se questiona não racionalmente como os racionalistas, mas

22 Cf. GIBELLINI. A Teologia do Século XX, 1998.23 BULTMANN, Crer e Compreender, 1987, p. 51.

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existencialmente e este autoquestionar existencialmente pode tocar naquilo que denominamos Questão Deus, uma vez que faz parte de uma questão o abrir-se para... E neste abrir-se para si mesmo, se revela a própria Questão Deus.

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