a subjetividade como noção fundamental do novo paradigma breve ensaio

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Capítulo 3 A Subjetividade como Noção Fundamental do Novo Paradigma: Breve Ensaio Maurício da Silva Neubern' Dentre as inúmeras indagações que a atual e plural crise de paradigma científico traz à tona (Prigogine e Stengers, 1997; Santos, 1987, 1989; Morin, 1998), as quais giram em torno da subjetividade, são não apenas de grande relevância, mas também parecem apontar, simultaneamente, para controvérsias e profundas incertezas. A revolução, que se processa na atualidade e que se dá muito mais em termos de paradigma do que de tecnologia, expõe uma contradição que talvez tenha sido, por muito tempo, camuflada por conta de seu teor herético: a ciência como uma construção humana. O tema da subjetividade parece ganhar relevância nesse sentido por surgir como um antigo proscrito que retorna à pátria após um longo e exaustivo exílio. Esse retorno parece estar envolto em um clima de vitória: após um período marcado por uma busca obsessiva de excluir a subjetividade (momento em que esteve presente como dimensão marginal do conhecimento), ela ressurge agora não apenas como uma dimensão reconhecida, mas também como uma necessidade. Dito de outro modo, faz-se cada vez mais necessário relacionar os processos humanos com o saber que constroem, com o qual se vinculam e influenciam, muitas vezes, de modo decisivo. A figura do observador (Bateson, 1998) é um exem- plo interessante nesse sentido. Todavia, esse retorno também ocorre de forma nebulosa, como se o exílio prolongado tivesse deixado suas marcas: não se sabe, ao certo, o que é a subjetividade e as diversas formas de relação que ela estabelece tanto com o universo científico como com o universo social. A pluralidade de teorias e de explicações existentes (Anderson e Goolishian, 1996; Gergen, 1996; González Rey, 1997; Morin, 1996; Neubern, 1999) parece indicar uma diversidade de idéias que ainda 1 Doutor em psicologia, professor do UniCEUB (Brasília) e psicoterapeuta.

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Captulo3 ASubjetividadecomoNoo FundamentaldoNovoParadi gma: BreveEnsaio MaurciodaSilvaNeubern' Dentreasinmerasindagaesqueaatualepluralcrisedeparadigma cientficotraztona(PrigogineeStengers,1997;Santos,1987,1989; Morin,1998),asquaisgiramemtornodasubjetividade,sonoapenas degranderelevncia,mastambmparecemapontar,simultaneamente, paracontrovrsiaseprofundasincertezas.Arevoluo,queseprocessa naatualidadeequesedmuitomaisemtermosdeparadigmadoquede tecnologia,expe uma contradioque talvez tenha sido,por muito tempo, camufladaporcontadeseuteorhertico:acinciacomoumaconstruo humana.Otemadasubjetividadepareceganharrelevncianessesentido porsurgircomoumantigoproscritoqueretornaptriaapsumlongo eexaustivoexlio.Esseretornopareceestarenvoltoemumclimade vitria:apsumperodomarcadoporumabuscaobsessivadeexcluira subjetividade(momentoemqueestevepresentecomodimensomarginal doconhecimento),elaressurgeagoranoapenascomoumadimenso reconhecida,mastambmcomoumanecessidade.Ditodeoutromodo, faz-secadavezmaisnecessriorelacionarosprocessoshumanoscomo saber que constroem,com o qualse vinculam e influenciam,muitasvezes, demododecisivo.Afiguradoobservador(Bateson,1998)umexem-plointeressantenessesentido.Todavia,esseretornotambmocorrede forma nebulosa,comose oexlio prolongado tivesse deixadosuasmarcas: nosesabe,aocerto,oqueasubjetividadeeasdiversasformasde relaoqueelaestabelecetantocomouniversocientficocomocom ouniversosocial.Apluralidadedeteoriasedeexplicaesexistentes (Anderson e Goolishian,1996;Gergen,1996;Gonzlez Rey,1997;Morin, 1996;Neubern,1999)pareceindicarumadiversidadedeidiasqueainda 1Dout orempsicologia,professordoUni CEUB(Braslia)epsi coterapeuta. 54Subj eti vi dade,Compl exi dadeePesqui saemPsi col ogi aEditoraThomson nose articulou comonoo fundamentalnoseiodo novo paradigma,que tambmaindanebulosoeincerto. Talproblemticacolocaa psicologiacomoumadisciplinaimprescin-dvel paraadiscusso,pois,apesardasmltiplasexclusesemutilaesa queseviuobrigadaa efetivarem relaoaosobjetosprpriosdouniverso dasubjetividade,trata-sedeumadasprimeirasdisciplinascientficas voltadasparaoestudoda psique.Issopoderrepresentarumamudana acentuadanaprpriaorganizaodoparadigma,comoobservaSantos (1987)aose referir gidedascinciassociaisnosurgimentodo paradig-ma emergente.Deumadisciplinapoucoconfivelemarginalizada,como ocorrenoparadigmadominante,elapodeviraocuparumaposiomais central,deondesuasvozespossamrepercutircommaiorpertinncia.No entanto,malgradoseupotencialdecontribuiesparataldiscusso-que vo desde sua ligao com campos marginais pluralidade de sistemas te-ricosquedesafiaramapretensodeumaverdadenica-,apsicologia, semdvidanenhuma,umadasdisciplinasmaisnecessitadasdeprofunda reflexocrtica eepistemolgica,em funodasinflunciassimplificado-rasdo paradigma(Neubern,2000,2001). Ejustamentenessepontoqueseconfiguraapropostadestecaptu-lo.Compreende-sequeumareflexocrticaepistemolgicasobreotema dasubjetividadenocenriodapsicologiaconsisteemumacontribuio relevanteparaareflexodotemanopanoramacientficomaisamploe tambmem termosdoprprioparadigmaemergente.Oobjetivodotraba-lho,portanto,esboar,sobuma reflexocrticaeem formade um breve ensaio,ostraosiniciaissobredoisaspectosdainflunciadoparadigma dominante(em queasubjetividademarginal),a fim desimultaneamente traar alguns pontos tambm iniciaissobre a posio fundamental da subje-tividade noseiode um novo paradigma.Osdoispontosem tornodosquais ocorreroasdiscussessoasubjetividadecomoobjetodeestudoeasua participaonaconstruoterica.Pelaprpriacomplexidadeenvolvida, nosedevecomentaraconstruointencionaldeumnovoparadigma, pois,umavezqueasidiassocriadas,elasescapamdasintenesedo controle dos sujeitos que as criam, mesmo que possam se impor a eles como realidade.Anoodeensaiorefere-semuitomaisconstruoinicialde novasidias,cujosdestinosnosepodemprevereasquaisremontama umatransformaoradicalque,atualmente,ocorreemnveldeparadig-ma2,e que transcende oslimitesde uma nica disciplina (Santos,1989). 2Oparadi gma,por t ant o,unoeml t i pl o.Ossistemasdeidiasmaisdi vergentes,comoocor r ecomfre-qnci anapsicologia,deri vamdeumni coparadi gmadenomi nadoporMor i n(1998)como"paradi gma domi nant edoOci dent e".Tambmderi vamdel e,al mdossistemasci entfi cos,osfi l osfi cos,artsticos, pol ti cos,desensocomumetc. ir:on A Subj eti vi dade como Noo Fundamental do Novo Paradigma: Breve EnsaioFernandoGonzlezRey(org.)gg A ReflexoCrticasobreosParadigmaseoProblema daSubjetividade A discusso epistemolgica,que tomou impulso nosculo XX,trouxe para seufocoumcontra-sensoemtornodoqualoconhecimentocientficose erigiu:aomesmotempoquebuscavasecaracterizarcomoconhecimento isomrfico e confivel do real,omitia-se quanto a uma reflexo mais apro-fundadasobreosdiversosprocessosqueadeterminavam(Santos,1987; Morin,1983,1998).Aspreocupaeseintenesmaispungentesdavam-sesobreasrelaescomoreal,buscandoamaioraproximaopossvel comestepormeiodenoescomovalidade,controle,predio,neutrali-dadeeprocedimentosexperimentaisquepudessemgarantirumprocesso livredecontaminaesprovenientesdosprocessossubjetivos(Gonziez Rey,1997;Morin,1983;Neubern,2000),oumesmodeoutrosramosdo conhecimento,comoosensocomum(Santos,1989).Dessemodo,como adefiniodoqueseriaacinciaseopunhasistematicamenteataisdi-menses,elaeraconcebidacomoumaempresapraticamentepartedos processossociais,econmicos,culturais,polticoseideolgicospresentes noprpriocenriodesuaconstruo.Asindagaessobreasdiversas possibilidadesde relaocom alguma matrizcomum,quedeterminasseas dimensesantescitadas,perderiamtotalsentidoeimportnciadianteda obsessode revelar ossegredosda natureza. Noentanto,medidaqueasdiscussesepistemolgicasavanaram, comeou-seacolocarsobsuspeitaapretensiosasuperioridadedacincia devidasuacapacidadede retratar,demodoconfivel,a realidade.Esses questionamentosseguiramumcursocurioso:aotomaremimpulso,na tentativadeBachelard(1971,1985,1996),dedesmistificaodacincia peloresgatedoespritocientfico,depararamcomainevitvelpresena dasubjetividadeemseuseio.Dasesegueque,deuma tentativa falida de definiroqueseriaacincia,isolando-adetudooquepudessedescarac-teriz-la,passou-seaumareflexocrticaacercadeseusprpriosfunda-mentos(Feyerabend,1975;Kuhn,1996),estendendo-seatasreflexes atuaisqueparecemcadavezmaistranscenderoslimitesdisciplinais, almdeinseriremadiscussoepistemolgicanoseiocomplexodasocie-dade(Demo,1997,2000;Morin,1996,1998;Santos,1987,1989,1995).3 Dquesedevedestacarnessesentidoodeslocamentodeperspectivas sobrea determinaodoconhecimentocientfico:nooacessoemsie 1SegundoSantos(1989),a obr a deBachelardremet e,aomesmo t empo,aopice da raci onal i dadedo anti go aaradi gmaeaoinciodeseudecl ni o.AsobrasdeKuhneFeyerabendjconsi stememepi stemol ogi asde degenerescnci a. 56Subj eti vi dade,Compl exi dadeePesquisaemPsi col ogi a EditoraThomson privilegiadorealidadequedeterminaoquecincia,masumconjunto depressupostospartilhadosnacomunidadecientfica4denominadopor Kuhn(1996)de paradigma.Apesardadiversidadedeperspectivasabertas a partir de tal contribuio,asdiscussesatuaisapontam para um conjunto complexodeprocessossubjetivos,microemacrossociais,fundamentais para osurgimentoea continuidadedaempresa cientfica,particularmente noquedizrespeitoaoconhecimentodarealidade,questoantesprimor-dialeexclusiva queagora passaaser relativizada. Dessemodo,enquantoGergen(1985,1996)aponta,radicalmente, para a construosocial da realidade,optandopor permanecer ontologica-mente mudo,e Lyotard (1979)destaca as metanarrativasdominantescomo momentosdeterminantesnacosmovisocientfica,Morin(1983)aponta paraumuniversodeintersubjetividade,criandocondiesparaosurgi-mentoda objetividade.Noentanto,esse ltimoautor nodeixa deatribuir umpapelativoobjetividadeque,mesmorepresentandoapontadeum icebergdosprocessosintersubjetivosmaisamplos,nodeixadeinfluen-ci-lointensamenteedemodorecursivo,consistindoemummomento imprescindvelda construodossistemascientficos. A influncia eocampodeaodos paradigmas,contudo,noocorre deformamecnicaefacilmenteperceptvel(Morin,1998).Inscrevendo-senoncleodossistemasdeidias,5osparadigmas,6aomesmotempo quedeterminamasvisesdemundoeoscamposdeinteligibilidade,so inacessveisaqualquerrefutaoouverificaoemprica.Organizadores invisveisdeprocessosvisveis(comoteoriasemtodos),elessefazem conhecersomenteporsuasmanifestaes,emboraatuemdecisivamente naconstruodeumsensoderealidadequedispensaaprprianoode paradigmaparaexplic-la,comosucedeucomoconhecimentocientfico at o sculo XX. Todaessadeterminaoquecriaevidnciasecondiesparaconfir-marseuspressupostosaomesmotempoqueseoculta foimarcanteparaa 4Logi camente,oacessoaorealnopassaaserdesconsi derado,mast orna-seumdospressupostospart i -lhadospelascomuni dadescientficas. 5SegundoMor i n(1998),osgrandessistemasdepensament o(comooscientficos,osfi l osfi coseos dout ri nri os)confi guram-secomosistemasdeidiasqueseconst i t uemem" umaconstelaode concei tosassociadosdemanei rasol i dri a,cuj oagenci amentoestabel eci doporvnculoslgicos(ou comtalaparncia),emvi r t udedeaxi omas,postul adosepri ncpi osdeorgani zaessubj acentes"(p.163). Compem- sedeumncl eo(det eoraxi omt i co),desubsistemasdependent esei nt erdependent es,ede umdi sposi ti voi munol gi codeprot eo. 6Segundoomesmoautor,oparadi gma,i nscrevendo-senoncl eodossistemasdeidias," cont m,para t odososdiscursosquesereal i zamsob seudom ni o,osconcei tosfundamentai souascategoriasmestrasde i ntel i gi bi l i dade,aomesmot empoqueot i poderelaeslgicasdeatrao-repul soent r eessesconcei tos ecategori as"(p.268). ir:on A Subj eti vi dade como Noo Fundamental do Novo Paradi gma: Breve EnsaioFernandoGonzlezRey(org. )gg construodasdiversasnoesdominantesnoconhecimentocientfico,o que repercutiu,deformadrstica,sobreuma nootornada marginalpara talsaber:asubjetividade.Umavezqueouniversoseriaesttico,eternoe a-histrico(Gonzlez Rey,1997),organizadomecanicamente em torno de leisinvisveiseuniversais(PrigogineeStengers,1997;Santos,1987),os sistemastericosemetodolgicosdeveriam primar por noesdeordem e deregularidade,noesintimamenteassociadasprevisoeaocontrole, ambosrevolucionrios.7Dessemodo,oarsenalmatemticoconsistiaem uminstrumentoconceituaiemetodolgicovaliosoparaaconfiabilidade doempreendimento,principalmente nosentidode permitir a descrio das regularidadessubjacentesesimplesquedeveriamserapartadasdacom-plexidade,consideradaaparenteesuperficial(Morin,1996;Santos,1987). Sobagidedeumramo,aFsica,8quepeloprprionomedenunciavaa pretensodoparadigma,procederam-seinmerastentativasdeexpurgo dequaisquerinflunciasindesejveisecontrriassnoesdominantes. Eassimqueaqumicasedivorciadaalquimia,enquantoamedicinaea astronomiaseguemomesmocaminhonotocantesnoesmsticase astrolgicas.Tudooquefosseirregular,desordenado,imprevisvel,quali-tativoou,ainda,remontassesdimensesdasignificao,dosentido,do cotidianoedaexistnciahumanosestariafadadoapermanecerdooutro ladodadivisocartesianadoparadigmaocidental(Santos,1987;Morin, 1998),noqualseencontravamramosconsideradosmenosconfiveis quantoaoacessorealidade,comoafilosofia,odireito,ateologiaeo sensocomum. Essa marcante influncia do paradigma decisiva paraa implantao dodilemaemqueapsicologiaseviuenvolvidadesdeoseunascimento: tornar-secinciadeveriaimplicar,necessariamente,mutilao,postoque a pretensodeumconhecimentolegitimadoemsua confiabilidadeera in-compatvelcomaimensagamadeprocessossubjetivosque,peloprprio nome9edestinao,estariafadadaatomarcomoobjetosdeestudo.Nas-cendo,decertomodo,repartidaentreoseixosdoparadigma,a psicologia parece recebera missode um esforosobre-humanopara ocumprimento do fazer cincia,comoa filha problemtica quedeveria apresentar melhor desempenho escolar queascinciasda natureza,equedeveria demonstrar 7Deve-seconsi derar queopoderi oea repercusso socialalcanadospela cincia estoi nt i mament eligados ascensoburguesaeRevoluoIndustri al .Deve-seconf eri rt ambmanoodeperformancequeLyo-t ar d(1979)consi deracomoumf undament o,porassimdizer,dal egi ti maoci entfi cai nt i mament eligada snoesderi quezaedejustiana ascensodocapi tal i smo. 8Dogregophysis,"natureza". 9Dogregopsych,"al ma". 58Subj eti vi dade,Compl exi dadeePesqui saemPsi col ogi aEditoraThomson devezsua regeneraoque jamaisocorreria.Desse modo,embora coloca-escomoasdeChertok(1998)- segundoasquaisa experimentao per-miteaofsicoa possibilidadede invenoede reflexoabertas,enquanto paraopsiclogoconsisteemumaamarraburocrtica-possamconter certo exagero,nose pode negar que maisdo quea maioria doscientistas, opsiclogo,antesdaempresaexperimental,previne-secontraosriscos, muitasvezesfantasmticos,dequeseuempreendimentonosecaracte-rizecomocincia.Aprpriamultiplicidadedesistemasemquehojea psicologiasedividedeporiacontrasualegitimidade,promovendocerta desconfiananessesentido,umavezque,pelaperspectivadoparadigma dominante,a realidadeseria unvoca(Neubern,2001). Asconseqnciasdetaisdeterminaessodrsticas,particularmen-tenoquedizrespeitosubjetividade.10Almda jmencionadaausncia dediscussosobreseu papelna construodoconhecimento,marcantedo divrcioentrecinciaefilosofia,verificaram-setambm inmerasmutila-essobreosobjetosdeestudo,freqentementereconhecidosapenasem perspectivasatomsticas,reducionistasedisjuntivas.Logo,todaaaparente complexidade envolvendo fenmenoscomoasemoesera arbitrariamente descaracterizadaem um settingsimplificador:ocenriosocialecomplexo erasubstitudopelolaboratrioartificialecontrolado;asmltiplasarticu-laescom osdemaisprocessossubjetivoseram desconsideradasem favor dabuscapelasunidadesbsicasepassveisdeisolamento;asquestesde sentido cediam lugar s provasobjetivas,calcadasde preferncia em unida-desmensurveise,se possvel,orgnicase fsicas;a prpria relao com o sujeitoexperimentador,mesmoqueimportante porsua vinculao,deveria serfocodeviglia,poisconsistiaemumpossvelfocodecontaminaes paraavalidadedoexperimento11(Neubern,1999,2000).Deoutraparte, almdoconjuntodemutilaes,aexclusodetemasdeestudoconsistia emmaisumdosvestgiosdainflunciadoparadigma.Asdiversaspossi-bilidadesdefenmenodecorrentesda hipnosesomuitoilustrativasnesse sentido(Despret,1999).Provavelmente,porcausadasuairregularidade eimprevisibilidade,quepodemfacilmentedesbancarexpectativascomo 10Segundooparadi gmadomi nant e(quejmost r asinaisdefalncia),asubj eti vi dadeope-seobj et i vi dade. Adot a-se aquia defi ni odeGonzl ezRey:"EsIa const i t uci ndeIapsiquisenelsuj etoi ndi vi dual ,ei ntegra t ambi nlosprocesosyestadoscaractersti cosaestossujetosencadaunodelosmoment osdesuaccin social,losqualessoninseparablesdeisent i dosubj eti voquedi chosmoment ost endrnparal.Simultanea-ment eIasubj eti vi dadseexpresacomoconst i t ui nt edeIa vi dasocial,(...)ynosidi ferenci adeIai ndi vi dual por suori gensinoporelcenri odesuconst i t uci n"(1997,p.83). 11Aocont r r i odoquesepossasupor,talarti fi ci al i dadet ambmsedavanocont ext oclnicopormei ode noessubstancialistaseuniversaisquefavoreci amai mposi odepersi stentesobstcul osepi st emol gi -cosparaoestudodasubj eti vi dade( Neuber n,2001). ir:on A Subj eti vi dade como Noo Fundamental do Novo Paradi gma: Breve EnsaioFernandoGonzlezRey(org.)gg previsoereplicabilidade,bemcomooprpriocartermticocomoqual seenvolveuhistoricamente,propiciaramnascomunidadescientficasum desencorajamentosistemticodeseu interessecomoobjeto cientfico.Dito deoutromodo,possvelquesuaassociaocomabruxariatenhaper-manecidosoboutrasvestimentas,apesardeconsistiremvaliosafontede expressesda organizaocomplexa dasubjetividade.A partirdeChertok (1998),pode-seressaltarque,apesarda tentativadedesvencilh-ladaemi-nentetradiodemagnetizadoresdosculoXIXedaobtenodefatos irrefutveis,a inexistncia de um corpotericoe metodolgicoquesatisfi-zesseosditamesdavulgatacientficalegouaosprocessoshipnticosuma condiointensamente marginal nocampocientfico. Natentativa,portanto,deexplicarosproblemasda psiquecomcos-movisesconsagradas physis,oparadigmadominanteatuouporexclu-soemrelaosubjetividadetambmemtermosdeobjetodeestudo. Essaimportaodemetforasdeumcampodistintoparaaexplicao dosprocessospsquicos(AndersoneGoolishian,1996)consistiuapenas emumindicadordeumainflunciamaisampladoparadigmaquemais uma vezimpunhasuasnoesdominantessobreosfenmenosestudados, apesardasdeficinciasdesseartifcio.Dessemodo,ohomemcotidiano, comseusmomentosirregulares,contraditrioseirreversveis,expulso ecedelugaraumconstrutoindividualista,impessoal,determinadoeuni-versal,paraquemnoescomoao,construo,histria,intercmbio socialeculturasocomumenteaparnciasirrelevantes.Eledissolvido em construtosaliengenas(comoasestruturas,oinconsciente,ocondicio-namento),sendo destitudo de sua condio desujeito,cujascaractersticas ativas,interativas,intencionais(GonziezRey,1997),auto-eco-organiza-das(Morin,1996),esuainseroparticipativanomundosocial(Santos, 1995),cedem espao a uma noo transcendente e impessoal de indivduo. Torna-se,emmuitoscasos,umautmatodeterminadoporleisuniversais eimplacveis,paraquemsuasopesdeescolha,comoseusmomentos intencionais,somerasiluses.Nessa problemtica pode-selevantaroutra vezoquestionamentosobreseeatquepontoascinciasda psiqueestu-daram a subjetividade(Gonziez Rey,1997;Neubern,2000). A resposta a tais questes traz novamente tona o problema dos para-digmas.A grande maioria dos psiclogos,imbudosde noesdominantes doparadigma,provavelmenteresponderiamdemodoafirmativo,oque seriacoerentecomseuspressupostos.Noentanto,umavezquea reflexo crtica,emtermosdeepistemologiasedeparadigmas,relativamentere-centenosdiversoscamposdapsicologia,ainflunciainvisveleconside-rada real favorece que sejam mantidos inclumesosdiversos problemasde descaracterizaodasubjetividade(GonziezRey,1997;Neubern,2001), 60Subj eti vi dade,Compl exi dadeePesqui saemPsi col ogi aEditoraThomson sem quese levem em consideraoasimplicaeseosprejuzosligadosa eles.12Dessemodo,faz-senecessriaumadennciaepistemolgicasobre algunsdosprincipaispontosnosquaisainflunciadoparadigmamar-cante tanto nosentido de descaracterizao do objeto quanto a respeito das prpriascondiessubjetivasemtornodasquaisoconhecimentosurge. Essadenncia,porm,nodeixadeenvolverseusprpriosriscos,sobre-tudonocasodesemanteromesmoespritodeinvestigaoprpriodo paradigma dominante.Desse modo,alm doscuidadosque a tarefa episte-molgica inspiraquantospatologiasdosaber(Koch,1981;Morin,1990, 1996),deve-seatentar,sobretudo,paraaspequenasesutisdiferenasem relaosnoesdominantes,cujosmecanismosde homogeneizao pro-curam incutir no pensamentoo fato de que asidiasnovas,mesmo quando integradasa umaconstelaodenoesepistemolgicasrefletidascritica-mente,so nada maisque idiasantigassoboutrosenvoltrios. ASubjetividadecomoObjeto-SistemadeEstudo Aexclusosistemticadasubjetividadeem relaoaossistemasdeidias dascincias,particularmentedapsicologia,ocorreu,emgrandeparte, porcausadaformapeculiardeinserodanoodeobjetonoseiodo paradigmadominante.Aprincpio,almdasmltiplasdisjunesere-duesdequefoialvo,elaseinseriaemmeioaumcasamentoforado entre duasoutrasnoesvaliosase contrastantes:a cegueira sistematizada sobreospressupostosdeorigemdoconhecimentoeaobsessoporum conhecimentovlidodoreal.Sendoassim,aconceposobreoobjeto surgecompletamenteimbudadaprpriacosmovisosobreouniversoe anatureza(physis),queseriaorganizada pormeiodeleisordenadasere-gularesnasquaisnoescomohistriaecomplexidadenada maisseriam doqueaparnciasdorealinvisvel(Santos,1987).Mesmoparaa psique, anoodeobjetotorna-setranscendente,tantonosentidodeseudesven-cilhamento,dosprocessoshistricoseculturais,comonosentidodeuma naturezahumana.Comoa nfaseda inteligibilidadedeveria recairsobreo regular e sobre o universal,a irregularidade e osingular so desprezados e relegadosaumacondiomarginal,poucointeressanteouaindaperigosa paraaspretensesdoconhecimentovlido.Noporacasoqueosujeito 12Porm,umaresposta t ot al ment enegativaseriainaceitvel.Mesmoqueepi st emol ogi cament eprobl emt i -cas,ascont ri bui esdedi versosautoresedesistemas depsicologia propi ci aramque,aolongoda hi stri a, ocorressemasdiscusseseasprobl emati zaesatuaissobrea subj eti vi dade. ir:on A Subj eti vi dade como Noo Fundamental do Novo Paradi gma: Breve EnsaioFernandoGonzlezRey(org.)gg cotidianoeatualpassaaserdissolvidoemsistemasgeraiseimpessoais (Gergen,1996;GonziezRey,1997;Neubern,1999,2001),ouentona ironia contraditria deum indivduouniversal(Santos,1995). Nessesentido,umavezquetodaanoodeobjetodeveriaremontar aomundoda physis,postoqueasnoesprovenientesdooutroladoda divisocartesianaeramsuspeitaseperigosas,asescolasdepsicologia buscaram,demodosistemtico,metforasprpriasdomundofsicopara acompreensodosprocessossubjetivos.Eassimqueofisicalismoestar presentenasnoesbehavioristasdeestmuloeresposta,nasnoes psicanalticasdeeconomialibidinal,prpriasdamecnicadosfluidos (Neubern,1999),enasnoescibernticasecognitivistas,inspiradas nacomputao(AndersoneGoolishian,1996).Comoosobjetosque substituamasubjetividadeeramadequados,aindaqueforosamente,a umacosmovisocoerentecom aspretensescientficas,elespoderiamse tornar maisdceise menossubversivosa seus procedimentos.Asdiversas mutilaesefetivadassobreosobjetivosdeestudo,fossemquantoaseu contextoouquantosrelaesentreseusvariadoscomponentes,permiti-riam o isolamento em relao aoexperimentador,que dificilmente poderia conceberumaperspectivasistmicadesuaprpriapesquisa.Logo,adi-versidadequalitativadosobjetospassouaserreduzidaaumaexplicao simplificadora baseadaapenasem uma desuasfaces.Asubjetividadeera, portanto,excluda em detrimentodeuma noodeobjeto-coisa.Taisope-raespermitiramaconstruodeumobjetosubstancialepretensamente fsico,passivodemensuraesedeexperimentaesfundamentaispara a confirmao dos pressupostos cientficos.13 Contudo,asdiversastransformaesocorridasemtermosdapr-priaconcepoda physispropiciaramumperododecriseedereflexo marcadoporquestionamentosincisivossobrepressupostosconsagradose tidoscomoinquestionveissobaticadoparadigmadominante.14Acom-panhandoasreflexesdeSantos,percebe-sequeacosmovisosobrea di-visonatureza-homem passa por radicaistransformaes:ouniversalismo questionadopelarelatividadedeEinstein,naqualasmedidassocon-dicionadaspornoeslocaisdetempoeespao;oisolamentodoobjeto 13Issonosignificaquenapsicologiaasmesmasnoesfisicalistaseempi ri stasnot enhamconvi vi docom noesdistintaseatcontrri as,comonocasodapsicanlisedeFreud,emqueahi stri aealinguagem ocuparamlugardedestaque.Todavi a,asmetforasfsicaseanoodenaturezahumanagarant i amo legadocomoparadi gmadomi nant e. 14Destacam-senocaso,part i cul arment e,ast ransf ormaesnas"cinciasduras",emfunodapr pr i a posioporelasocupadacomooconheci ment oconfiveldoreal.Cont udo,valeressaltarqueset r at a deumaref l exoquet ambmatingeout roscampos,comoafi l osofi a(comoexempl odeWi t t genst ei nea ps-moderni dade)eascinciaspsquicas(Ausloos,Eri ckson,GergeneGonzi ezRey). 62Subj eti vi dade,Compl exi dadeePesqui saemPsi col ogi a EditoraThomson criticadopelasparticipaesdosujeitonoexperimentodamecnica quntica;origoreacompletudematemticasopostosemdvidapelo TeoremadeGdel;enoescarascomoeternidade,predio,controle edeterminismosocriticamentequestionadasportrabalhoscomoosde Prigogine,nasquaissurgemnoescomohistria,imprevisibilidade,ir-reversibilidade,evoluo,acaso,acidente,criatividadeeauto-organizao (1987, p. 28). Todaessagamadereflexes,quetranscendeosdomniosdeuma nicadisciplina,atingindocriticamenteoseixosdetodaamatrizdopa-radigma ocidental,traz tona,demodo peculiar,oproblema da subjetivi-dade.Noentanto,umavezquetalproblemasurgecercadodeincertezas (comoprpriodoparadigmaquecomeaaemergir),osapontamentos que se podem efetivar so encarados muito mais como desafios e caminhos para novasconcepessobre o tema do que como noes consolidadas nas comunidadescientficas.Essesapontamentosconsistememrelativizaras influnciasprovenientesdastradiesanteriores,quedemonstramsinais defalnciadiantedasnovasindagaese,aomesmotempo,em ratificar uma ruptura radicalcom taisinfluncias. Umdosprimeirospontosdedestaquequeasubjetividadeguarda muito mais proximidade com as noes dos sistemas complexos (LeMoigne, 1995,1996;Morin,1996,1997)doquecomasnoesmonolticasde objeto.Emvezdeunidadepuraeessencial,elasimultaneamenteunae mltipla,promovendointegraeseconflitosentredimensesclassica-menteopostasnatradiopsicolgica,semqueumaseesgotenaoutra (Morin,1996;Gonzlez Rey,1997). Um dos principais pontos que tais arti-culaespermitem a possibilidade de incluir o contraditrio como forma decompreender osprocessoseasrupturashumanas,em umatentativa de abordar a diversidade de questes presentes no sujeito cotidiano.Podem-se conceberosprocessossubjetivos,emmeiosmltiplasdimensesopos-tasqueosconstituemesoporelasconstitudos,comohistrico-atual, determinao-livre-arbtrio,autonomia-dependncia,individual-social, interno-externo,cognio-emoo,15entreoutros,semqueissoimplique aconstruodeumconhecimentopoucoconfivel.Aproposta,longede substancializareuniversalizaracontradiocomoumcontedopsquico, justamenteadebuscardesenvolvercondiesdedilogocomtalcom-plexidadequeascontradiesseconstituamcomomomentosintegrantes, no como fontes de disfuno e de patologia.O cotidiano da clnica psico-15Gonzl ezRey (1997)cont ri buisi gni fi cati vamentepara essa refl exo coma noo deconfi guraes,que so sistemassubj eti voscompost osporemoesecognies. ir:on A Subj eti vi dade como Noo Fundamental do Novo Paradi gma: Breve EnsaioFernandoGonzlezRey(org.)gg lgica,dasrelaesamorosasefamiliares,bem comodasinstituiesso-ciaistraz inmerosexemplosde processosque nose permitem apreender porumavisomonolticaerigorosamenteordenadasobreohumanonem consider-lolivre deincoerncias. Noentanto,asimplesinclusodedimensescontrastanteseopostas noresolveoproblema,correndo-se,assim,oriscodehaverumapreten-soabsolutista com pouco valor pragmtico,como no caso dasafirmaes dotipo"tudocomplexo".Um primeiropontoaser esclarecido relativo prprianoosistmica,tambmprovenienteda physis.Porm,deve-se ressaltarquetalnooremeteaumaconstelaodeconceitosemqueo conhecimento nose faz pelo domnioou pela apreenso do real,mas pelo dilogoestabelecidocomessereal.Logo,comoosprocessossubjetivos sosubversivoseativosquantosconstruesdopesquisador,faz-se necessriaumacosmovisoqueapontetantoparasuasarticulaes,que nadapossuemdedefinitivo,comoparaseusmovimentosirregularese imprevisveis.Ditodeoutromodo,comono possvelum conhecimento absoluto sobre o que se passa com ooutro, necessria uma teoria calcada empressupostosflexveisquepermitadialogarcomadiversidadedemo-vimentosedeexpressesdessesujeito,cuja infinidadedepotencialidades edediversidadede processosincutirna pesquisa a marca da incompletu-de(Gonzlez Rey,1999). Noentanto,anoosobreasubjetividadedeveprivilegiarsempre oscenriosdoprpriosujeito,cujasqualidadesemergentes,expressasna forma de linguagem,desentidose deconfiguraesespecficas,apontam paraumacomplexidadeprpriada psique,quesedistinguedequalquer outrosistema da physis.Trata-se de um ponto delicado nas escolas psicol-gicas,pois,tradicionalmente,oscenriosdossujeitosconstrudosemum processohistricoesociocultural(AndersoneGoolishian,1988;Gergen, 1996;Gergen e Kaye,1998;Gonzlez Rey,1997) foram suprimidosdiante desentidosuniversaisearbitrrios,muitocarossteorias,masnem sempre condizentescom osdilemascotidianos.16 E por essa razoque,em vezdeimporumacosmovisosobreumobjetodeestudocomprocessos distintos,opesquisadorreconheceaespecificidadedesuassignificaes edeseussentidos,comoanecessidadedeengajar-seemumprocesso interativoedialgico,demodoaoperar,conjuntamentecomossujeitos, asreconstruesqueemergironoandamentodoprocesso(Andersone Goolishian,1993;Anderson,1997;WhiteeEpston,1993).Entretanto, ascontribuiesdosautoresps-modernos,particularmenteosdocons-16Ocompl exodedipoumdosmai oresexempl osnessesenti do. 64Subj eti vi dade,Compl exi dadeePesqui saemPsi col ogi aEditoraThomson trucionismosocial,merecemumacrticaatenciosa(GonziezRey,1997; Neubern,1999,2000),pois,natentativadeumametforaexclusivamente humana,conferemumpapelhipertrofiadolinguagemepautainterati-vasquepassam aabsorverea esgotarasdemaisdimensessubjetivasea preconizarumamudezepistemolgica(Gergen,1996)diantedainterao com o real.Feitasessascrticaspode-seacreditar que essa qualificaodo humanopermiteconsiderar uma noodesistema que,acompanhada pela prpriaflexibilidadetericaeporumconjuntoespecficodepressupos-tosepistemolgicos(GonziezRey,1997;Morin,1997),torna-sesensvel snuanasecaractersticassingularesdasubjetividadecomoobjetode estudo humanoe complexo. A quebra com ofisicalismoabrange,ainda,outrospontosque funda-mentamboapartedainflunciaempiristaemcertasescolaspsicolgicas que,emnomedeumadisciplinacientfica,condenaramaspossibilidades interpretativasaoexlio.comoseHermes,emsuasatribuiesdetra-duoeinterpretaoentremundostodiversos,fossereconhecidomuito maiscomoumperigodoquecomoumapossibilidadeparaaconstruo cientfica,maisinteressadaemconhecerdiretamenteoreal.17Aarticula-oentreestmuloserespostas,prpriadobehaviorismoradical(Skinner, 1993),apresentouconseqnciasdrsticasaoconsiderarosesquemasde reforoedecondicionamentobasicamentecomoexpressesfsicasobser-vveisoupassveisdetraduoparaumcomportamentoobservvel.Tal conjuntodeconcepesimplicouodesprezodeumuniversodeproces-sospeculiaressubjetividadequemaisacaracterizamcomohumana:as construese asconstituiesdesignificadose desentidos.Issosignifica considerarqueasrespostassoexpressesvisveisintegradasaproces-sossubjetivoscomplexoseindiretosquenelasnoseesgotam,masque, mesmoinvisveis,possuemumpapelfundamentalnospercursosdevida traadospelosujeito.Considera-sequeessereconhecimentodomundo deHermesumpassofundamentalparaaclnicaeparaapesquisaem psicologia,as quais podem sofrer srios prejuzos e riscos caso no o colo-quemem uma posiocentral.Em outraspalavras,essaauto-regulaoda subjetividade,quelhedeterminaacessosindiretos,implicaanecessidade deumconhecimentovivelcom basenainterpretaoque,remontandoa 17Hermes odeus gregoencarregadodelevar asmensagensdosdeusesaoshomens,embor a nunca o faa de modoclaroedi ret o.Era odeusdemercadores,viajantes,oradoreseladres.Emt er mosdeconheci mento, ahermenut i carefere-sespossibilidadesdedizer,expl i caret raduzi r(Palmer,1999),tradi oquet omou i mpul sonai nt erpret aodetextosbblicosequeatual menteseexpandepara out rossetoresdosaber.Con-sidera-se,nessecaso,queacompreensodosprocessossubjetivospossvelsoment epormei oi nterpre-tati vo,oquerequerresgatarasatribuieshermenuti cas.Noentanto,a tradi ocientfica,obcecadapelo conheci ment odi reto,parecet erreconheci doHermesapenascomodeusdosladresedosenganadores. ir:on A Subjetividade como Noo Fundamental do Novo Paradi gma: Breve EnsaioFernandoGonzlezRey(org.)gg umconjuntodepressupostosepistemolgicosdistintos(Mahoney,1991; Morin,1996,1998; Gonzlez Rey,1997,1999), efetiva uma ruptura radical com noes pretensamente similares,como a inferncia e o comportamen-to verbal,que se caracterizam mais pelo esforode confirmao das bases empiristasem quesesustentam. Outranoocaraaoparadigmadominanteeprofundamentearrai-gadanasconcepessobreapsiquefoiodeterminismo,cujapresena marcante e abrangente se constituiu como um dos principaisagentesde ex-clusodasubjetividade.Essa determinao,procedentede fontesdiversas, comooinconsciente,oambiente,agenticaeosistemasocial,entrelaa-va-se de tal modo com a regularidade e com a ordem que,alm de relegar o aleatrio,oacidenteea desordem aodesprezo,passavaa enxergar poucas possibilidadesdemudanada psique.Umavezdeterminadoodestinodo indivduo,comonocaso dasestruturasde personalidade(Bergeret,1988), seuvir-a-serestariairreversivelmentefadadoaumasentenaimutvel, comonocasodasneurosesedaspsicosesque,comtamanhaengenhosi-dade,alimentaramoprojetodeabsorver,emsuasclassificaes,todaa diversidade humana(Neubern,2001). Contudo,asprpriastendnciasatuaisdopensamentocientfico (Santos,1987,1989;Morin,1997,1998)epsicolgico(Ausloos,1995; Gergen,1996;GonzlezRey,1997)apontaramparaofatodequeesse apegocegoedemasiadoordem era incoerentecom a flexibilidadeecom a diversidade dasexpressessubjetivas.A questomerecia ser relativizada. No entanto, no seio de uma organizao complexa como essa, no se devem desconsiderar osdiversospadresenvolvidosnosprocessossubjetivos,que remontam a um ordenamentoindiscutvel prpriodasexpresseshumanas. Atendnciarepetioconsisteemumacaractersticaamplamentereco-nhecida nas diversas escolas de psicologia.O problema, porm,est no fato deconsider-la como pontoexclusivoeinquestionveldocotidianodossu-jeitos,comose no existissem tendnciasde ruptura,pequenasque fossem, com os padresestabelecidos. E nesse ponto que se deve incluir o problema da desordem.Aaosocial,em cujastramasosujeitoseenvolve,aliada considervelcomplexidadedeseusprocessosindividuais,confereeexige dasubjetividadeumaconsiderveldiversidadedepercursosmltiplosque promovam,em diferentes momentos,rupturascom os padres habituaisde cada um.AcitaodeMiltonErickson,sobreanecessidadedeguardara singularidade dos pacientes contra as generalizaesarbitrriasdasteorias, muitosignificativa nesse sentido: Seupacienteumapessoahoje,totalmenteoutraamanh,mais totalmenteoutraaindanasemanaquevem,nomsquevem,no 66Subj eti vi dade,Compl exi dadeePesqui saemPsi col ogi aEditoraThomson anoquevem.Daquiacinco,dez,vinteanosseroutraspessoas. bemverdadequetodostemosumbackgroundgenrico,mas somospessoasdiferentesacadadiadenossasvidas(Rossi,Ryan, Sharp,1993,apud 0' Hanlon,1994). Oquesedestacadaobservaodesseexcepcionalterapeutaaar-ticulaoentreasnoesdeordemededesordem,articulaoimposs-veldeserfeitanopensamentopsicolgicotradicional.Suacontribuio reconheceeutiliza-sedospadresorganizadosemtornodosproblemas dospacientes;porm,criam-secondiesparareconhecereenfatizaras pequenasdiferenasqueemergemnaefervescnciacotidianaeque,gra-dativamente, permitem o estabelecimento de novos padres. como se, no seiodaorganizaosubjetiva,adesordemespreitasseaordem,paraque, emcertosmomentos,investissesuaaosobreospadresestabelecidos, levandotalorganizaoanovasformasdeinteragircomomundoecon-sigomesma.Embora issoimpliqueo reconhecimentodoconflito,pode-se acrescentar,comMorin(1997),queasubjetividade,comoorganizao complexa,necessitadeambososmomentoscomafinalidadedecriar alternativasparaasuacontinuidade. Essa tamanha diversidade de processos mltiplos prprios da noo da subjetividadepermitetambm umacrticanoopatolgicadohumano, comumenteestabelecidanasescolaspsicanalticasepsicodinmicas.A tendnciapatologizante,emtornodaqualtaisescolasseconstituram, intrinsecamenterelacionadastendnciasdegeneralizao,dedetermi-nismoedeumterceiropontopoucoenfatizadoaqui:oindividualismo (Neubern,2001).Emtermosgerais,asoperaesdepensamentosoas mesmas:oindivduoaladocomofontedadoena,essencialmentenele estabelecidacomoum processodanaturezahumana.Aomesmotempo,a patologia,emumarroubodedeterminaesedegeneralizaes,impe-se como dominante no cenrio cientfico,descontextualizando o sujeito de sua vida socialou interior em relaoa todasasexpressessingularesque rompamcomaconcepodedoena.Praticamentenenhumaateno dada para noescomoconstruo(posto que a patologia no ,em si,um processotranscendente)eparaascompetnciasenvolvidascomoformas engenhosasdesoluo(AndersoneGoolishian,1993;Ausloos,1995).O problemaagrava-seaindamaisquandosedesconsideratodaatramacon-textualdasinstituies,dasrelaessociaisedaprpriaculturasobrea patologia (Goffman,1999; Gergen e Kaye,1998; White e Epston,1993). A questo,portanto,nonegaraexistnciadeprocessospatolgicos,mas refletircriticamentesobreasdiversasfacesdaquesto,demodoareco-nhec-lascomoumapossibilidadesubjetiva,enocomoumatendncia universaldoshumanos. ir:on A Subjetividade como Noo Fundamental do Novo Paradi gma: Breve EnsaioFernandoGonzlezRey(org.)gg Aquebracomoindividualismotemcaracterizadootrabalhode muitosautores,paraosquaisanoodeclnicaextrapolaasparedesfsi-cas,tericasemetodolgicasde um consultrio.Aabordagem dosproble-masde juventude e de drogadio(Sudbrack,1998;Carreteiro e Sudbrack, 2000),asrelaesentreoindivduo,acomunidadeeasociedade(Enri-quez,1995),easintegraesentreoindivduo,asrelaesfamiliares,as classeseastrajetriassociais(Gaulejac,1987,1999)soalgunsexemplos interessantes de tal quebra.Os prpriosautores ps-modernos(Anderson e Goolishian,1988,1996; Anderson,1997; Gergen,1996) contribuem,signi-ficativamente,aoreconheceraexistnciadasmltiplasredesousistemas designificaesqueseorganizamemtornodeumproblema.Talpasso consisteem um avanoconsidervel, medida que rompecom a noode umaestrutura reificadanoindivduo,nafamliaounasociedadequeseja causa dosproblemassociais. Noentanto,maisdoque abranger ocampode reflexo,deve-se apro-fund-lonadiscussoepistemolgica,sobretudoquantoaumpontoes-pecialaser refletido,criticamente,notocantesubjetividadeeaosnovos paradigmas:osujeitocomoserativo.Atelamecanicista,a partirdaqual oparadigmatransmitiudemasiadamenteaimagemdeummundodeter-minadoe regular,ensinou tambma conceber oser humanocomo um au-tmatoregidoporleisinconscientes,sociolgicas,genticasediscursivas, comoseelefossemeramarionetedaspotnciasreguladorasdouniverso. Sobtamanhocondicionamento,todasassuasexpressesdeveriamser analisadasalmdasenganadorasaparncias,demodoacompreend-las comoprodutodeumaestruturamecnicamaisampla.Noentanto,oque seocultoudurantemuitotempoqueadeterminaoconsisteantesem umpressupostoepistemolgicodoqueemumaverdadeexperimental,de modo que,caso se busque compreender o sujeito ativo como uma aparncia dorealemvezdeumadimensoontolgicaecomplexa,eleserirreme-diavelmentedissolvidonasteiasde uma estrutura ousistema subjacente. Todavia,casosebusquecompreend-locomoumarealidadepsi-colgicaconcreta(GonziezRey,1997),possvelquehajaumamaior sensibilidadetericaparacompreenderque,emmeioconsidervelgama dedeterminaes,eleconstrisuaautonomia,quelhegaranterelativas possibilidadesdeopes.Efetivamente,trata-sede um momentodasubje-tividade,cujasexpresses,marcadaspor pequenasdiferenas,apresentam grandecoernciacomacitaodeEricksontranscritaanteriormente.E, portanto,emmeioaesseparadoxoentreautonomiaedeterminao,que seinsereedeveserproblematizadaaquestodosujeito(Morin,1996, 1997;GonziezRey,1997;Neubern,1999,2000).Osujeitosurgecomo qualidadeemergentedeprocessoscomplexos,marcadospormltiplas 68Subj eti vi dade,Compl exi dadeePesquisaemPsi col ogi aEditoraThomson determinaes;porm, medida queseconstituiemsuaaosocialeem suaspropriedadesauto-reguladorasegenerativas,eleseinsurge,podendo manter relativaautonomiaoumesmopodendoproduzirsignificativasrup-turasquantoaosprocessosqueo precedem. Asdificuldadesem aceitar taisidiassomuitontidas,uma vezque aprpriadivisocartesianadoparadigmanopoderiaadmitirqueosu-jeitohabitasse,simultaneamente,osseusdoiseixos.comoseosujeito pesquisador,aoestudar outrosujeito,devesseexclu-lo,afim deobter um conhecimentoconfivel,eliminandotodaequalquerpossibilidadedese reconhecernooutro.Contudo,entreasinmerasindagaesdiantedas quaisoparadigmacientficoseviuimpotente,particularmentenapsico-logia,restamaquelasreferentesao papelativoeintencionaldeseusmaio-respropagadores,osquais,emdiversosmomentosdabatalhaemtorno desuasidias,seportaramdetalmodoque,dificilmente,poderiamser concebidoscomosimplesprodutosdealgumamacroestrutura.Aquesto, portanto,a de um desafio,resumido por Santosda seguinte forma: Hojenosetratamaisdesobreviver,masdesaberviver.Paraisso necessriaumaoutraformadeconhecimento,umconhecimento compreensivoentimoquenonossepareeantesnosunapes-soalmenteaoqueestudamos.Aincertezadoconhecimento,que acinciamodernasempreviucomolimitaotcnicadestinada asucessivassuperaes,transforma-senachavedoentendimento deummundoquemaisdoquecontroladotemdesercontemplado (1987,p.53). A SubjetividadenaConstruoTerica Osmomentoshistricoseculturaisqueantecederameacompanharama construocientficacaracterizaram-sepormovimentosdecolonizao, cujasexpressespromoviamdiversasformasdeimposiosobrecultu-rasdistintas(Santos,1995).Talefervescnciaculturalmanteveestreitas relaescomompetodedominaopresentenospercursoshistricos dacincia,particularmentenaconstruoterica.Eranecessrioimpor-se tantona batalhacomasdemaisformasdeconhecimento,estabelecendoli-mites que fossem os mais ntidos possveis, como na relao com a realidade, na qual o termo conhecer encontrou fortesafinidades com a subjugao. Tornando-se um dosprincipaismarcosde refernciada inteligibilida-decientfica,asteorias,representantesvisveisdosparadigmas,por natu-rezainvisveis,trataram,desdeoincio,deprecaver-secontraosperigos na relao com a realidade:seusatributossubversivose irregulares no en-i r : onASubj eti vi dadecomoNooFundamentaldoNovoParadi gma:BreveEnsaioFernandoGonzlezRey(org.)gg contravamquaisquerrepercussoereconhecimentonouniversodesenhado pelo paradigma dominante. A dominao, no caso, no se referia apenas aos princpiosde controle e de predioem tornodosquaissedeveriam organi-zar os objetosde estudo;ela se referia,sobretudo,ao condicionamento18 que seimpunhavisodoscientistasparaenxergarecompreenderomundo. Assim,enquantonoescomoordem,regularidade,predio,determina-o,causalidadeegeneralizaotornam-serefernciascentraisemdetri-mentodadesordem,dairregularidade,daimprevisibilidade,daautonomia, do acaso e da singularidade,o pensamento cientfico fundamentava-se, cada vez mais,como forma desaber transcendente e universal. Semelhanteperspectivanotentasugerirqueacinciasejaobra puramentearbitrriadoespritohumano.Aocontrrio,necessrio reco-nhecerqueseuedifciotambm possuiimportantesalicercescalcadosno contatocom o real,comoasobservaessistemticas,asexperimentaes easaplicaesprticasemquesetornam possveisreconhecereretificar oseventuaiserrosdeproposio.Talfato,almdecontradizeraidiada cinciacomoumsimplescaprichointelectual,garantiu-lheopostode umadasformasdeconhecimentocommaiorimpactoerepercussonas sociedadesindustriaiseps-industriais(Lyotard,1979).Oproblemaque secolocamuitomaisvoltadoparaumnveldepressupostosdoconhe-cimento,noqualnohaviacoernciaesensibilidadecomosatributosde objetoscomoasubjetividade,queimpediamseureconhecimentoefetivo emtermostericos.Logo,comonohaviacondiesepistemolgicas paraoreconhecimentodacomplexidadesubjetiva(Morin,1996,1998), tais noesse impunham decisivamente na determinaodosensode rea-lidade.Oquefossecontrrioataisnoesseriaconsideradodesprezvel, ilusriooufontedeerro.Almdisso,arelaoconhecimento-mundo,no sentidodeumadescrioisomrficaeespecular,elegiaasviasempricas comoformasprivilegiadasdeproduodosaber,masnovislumbravaa possibilidade de uma relao recursiva do tipoconhecimento-conhecimen-to.Nessesentido,pormaisqueasabordagensmetodolgicaspudessem avanarepromovermodificaessignificativasemnvelterico,aorga-nizaomaisamplaeprofundadoconhecimentocientfico,epsicolgico emparticular,permaneciaintocada.Ospressupostosepistemolgicos,a determinaodavisodehomememundo,eoprpriopapelpermane-ciam praticamenteinvariveis,apesar dosditosavanos. Anecessidadeimpostapeloparadigmadeelegerdeterminadas noesedeexcluiroutrasconjugou-sedemodosintnicocomoutra 18oqueMor i n(1998)nomei adeimprintingenormal i zao. 70 Subj eti vi dade, Compl exi dade e Pesqui sa em Psi col ogi a Edi tora Thomson noofundamental,paradesenvolveropensamentonosparmetrosda teoria:acerteza.Obedecendoa um princpioisomrficode conhecimento do real,o pensamento terico,resistindosverificaesexperimentaisou prticas,favoreciaaelevaodacincia comoumconhecimentosuperior, umsaberlegtimocalcadonasolidezenacoernciadesuasafirmaes (Santos,1987;Gergen,1996; Morin,1998).Noentanto,a efetivaodessa formadeconhecimentotoconfivelrequeria,necessariamente,uma relaodesubjugaocomarealidadeecomasprpriasexpressesdo sujeito.Para explicar algum objeto em termos cientficos,era preciso haver umalinguagemmuitoespecficaetcnica,semespaoparacontradies ousuposiesdesensocomum(Santos,1987,1989).Emoutraspalavras, opesquisador,comosujeito,desempenhava,comomarcoterico,uma relaoservil,defidelidadequasedogmtica.Deveriaabdicar,aomenos na proposta,de toda e qualquer expressoe pensamento que fossem incoe-rentescomavulgatacientfica,promovendointensavigilnciasobresi, demodoanocontaminarsuasreflexesegarantirocarterimpessoal deseutrabalho.Era,pois,necessriolivrarareflexotericadoprprio sujeitoquea produzia,distanciando-adesua aocriativaebuscandoen-fatiz-la comoobra transcendentale nohumana. Seria precisotambm procederaumasriededescaracterizaesdo objeto,conforme jdescrito,a fimdeexcluir tudooquecontradissesses noesconsagradas.Assim,noseriaexageroafirmarque,paraatingir umateoriamarcadapelacertezaepelaordem,seriaprecisoaplicaruma severaapreensodosobjetosquedeveria,necessariamente,distorc-los edespeda-los(PrigogineeStengers,1997).comoseessefatofosse semelhanteaumacrianaque,paraconheceralgo,desajeitadaeingenua-mente,devesse faz-lo em pedaos.Contudo,caso oobjeto fosse um pouco maisresistente,restariamduasopescuriosidadecientfica.Umaseria utilizar-seaindamaisderecursosparaoperarasdisjuneseasredues necessrias,demodoapoderabsorv-lonaspossibilidadesexplicativas,o queMorin(1998)denominoudecausaeficiente.Nessaperspectiva,tudo aquiloquepropostocomoobjetoaserestudadodeveserexplicadocom base nos princpiose nos mecanismos do sistema de idias,ao qual a teoria se presta.Conforme mencionado inicialmente, o estudo das emoes(Gon-zlez Rey,1997; Despret,1999; Neubern, 2000) talvez seja um dos maiores exemplosnessesentido.Muitasescolasecomunidadespsicolgicas,im-buindo-sedapropostacientficadequestionaromundosemquestionara siprprias,acabampromovendoesseprocessodepensamentoavanando cada vezmaissobreobjetosecamposdistintosdooriginalmenteabordado. Noentanto,acausaeficientepode,facilmente,tornar-se patolgica,sobre-tudonoscasosemqueossistemastericospassamacomportar-secomo doutrinrios(Morin,1998). ir:on A Subjetividade como Noo Fundamental do Novo Paradi gma: Breve EnsaioFernandoGonzlezRey(org.)gg Deoutraparte,casonofossepossvelempenharmaisforaeast-eiaparaquebr-lo,restariaaindaaopodelan-loaolixodahistria, isto,optar porexclu-locomoobjetointeligvel.Aquiloquenopudesse tornar-seobjetodeestudodacinciadeixariadeexistirem termosdeum conhecimentoconfivel.Deacordocomessepensamento,mesmopro-cessosdegrandepotencialparaoestudoda psique,comoahipnose19ea parapsicologia(Chertok,1998),umavezquepadeceramdetalmaldio, foram,explcitaouimplicitamente,concebidoscomoterrenosproibidos de interesse. Entretanto,opercursohistricopareceterpregadoumadesconcer-tante surpresa para a pretenso cientfica,fazendo-a passar por radicais re-formulaes:ocontedolanadonolixosofreum ricoeintensoprocesso de fermentaoqueoestelevandodeum lugar marginalpara uma posi-ocentralnocenriodediscusses.Talefervescnciaculturalpromove, naatualidade,principalmentenapsicologia,incisivosquestionamentos sobreopapeldateoria.Trata-sedeummomentodecrucialimportncia porcausadarelaoentreasfissurasemseuespritodedominaoea importnciagradativaqueconcedeposturadecontemplao(Santos, 1987,1989).Nessesentido,a teoria parece anistiar asnoesanteriormen-teconsideradasherticas,comoosujeito,ainterpretaoearelaode dilogo com osobjetos do real. Aproliferaodequestionamentossobreospapisdateoriaparece apontar,deincio,parasuacompletainutilidade,pois,seosobjetosde estudoeospressupostosdoconhecimentoimplicamnoesirregulares, irreversveis,incertaseautnomas,torna-seimpossvelqualquersistema-tizao baseada nospressupostostericostradicionais.E provvelqueesse sejaomotivopeloqualdeterminadosautoresjamaistenhamsepreocu-padoemteorizarsobresuasprpriasexperincias,comoMiltonErickson (Erickson, Rossi e Rossi,1976; Erickson e Rossi,1989;0'Hanlon,1994) ou tenhamassumidoexplicitamentenopossuirumateoriadasubjetividade (Anderson e Goolishian,1988; Boscolo,Cecchin, Hoffman e Penn,1993). Porm,aradicalidadeenvolvendoasmudanasrelativasaopapelda teorianoconsisteemabandon-ladefinitivamente,masemmodificar profundamenteseu papelesua contextualizaonosistemade idias.Em vez de uma apreenso abrupta e mutilante do real, confere-se a seus objetos umcartersistmicoeautnomo,emquesuasmltiplasexpressesno 19Existeumcrescenteinteresse,jfazalgunsanos,pel ousodahipnose,pri nci pal ment enoquedizrespei t o aoreconheci ment odeseusrecursost eraput i cos(CFP,2001).Noent ant o,tal vezsejaaindapr emat ur o af i rmaralgosobreoi mpact oepi st emol gi coqueaenvol ve,apesardehaverobrasqueparecemapont ar nessesenti do(Stengers,1993;Despret ,1999). 72Subj eti vi dade,Compl exi dadeePesqui saemPsi col ogi aEditoraThomson soaparncias de uma realidade subjacente, masso mincias importantes deseusprocessoscomplexos.Noquedizrespeitosubjetividade,a noo deconstruofundamental(Morin,1996;LeMoigne,1995,1996).As construescotidianasdosujeito nose esgotam em uma estrutura estvel e profunda (isto ,constituda),sendoconsideradasmomentosto relevan-tesquantoosnveisconstitudos20(Mahoney,1991;GonzlezRey,1997). Elasdesempenhamentresiumdilogocomplexoeimprevisvelquepode lev-lasasignificativasmudanas.Taisprocessoslevamopesquisadora considerarumanovaformadecompreensoemquesedevemconsiderar tantoamultiplicidadedeprocessos,aindaqueaparentementeirrelevantes, comoadiversidadedesuasarticulaes,dasquaispodememergirnovos processos. Naperspectivadaneutralidade,oconhecimentodoacessoexclusivo e nicoao realtorna-se,portanto,impossvel.Em termosepistemolgicos, arelaocomorealocorrenaformadeumdilogoinacabado,noqual osujeitoconstriseupensamento,masemfunodacomplexidadeedo papelativo - e,por vezes,subversivo - do real,promove reformulaesem seusconstrutos.Acadamomento,novasfacespodemsermostradaseo pesquisadorpercebeanecessidadedequalific-lasemseusprocessosde construo.Dessa maneira,a teoria passa a ser feita a partir dosprincpios deumaconstruo(GonzlezRey,1997,1999),naqualosujeito,como condiofundamental,evocaconstantementeafiguradeHermes.Essa caractersticainterpretativa,prpriadaconstruoterica,nodevepre-tenderoesgotamentoabsolutodosprocessosestudados,masdevemanter abertaa possibilidadedearticulaesentreasmltiplasfacesquesurgem ao longodainvestigao. Nessesentido,deve-seconceber quea teoria j trazemsiopotencial autodestrutivo,presentenasrelaestensasentreasconstrueste-ricasdossujeitoseseusmarcostericosdereferncia.Casoelanod condiesparaquesejaativado,correoriscodetransformar-seemuma doutrina,oquenodeixadeser tambmumaespciedemorteda teoria. Aconstruotericadeve,aprincpio,emergircomoumacontecimento emvezdeemergircomoumareproduodeestruturaspredeterminadas, conformesalienta Morin: Umateorianooconhecimento;elapermiteoconhecimento. Umateorianoumachegada;apossibilidadedeumapartida. Umateorianoumasoluo;apossibilidadedetratarumpro-20Trata-sedenveisemqueadet ermi naohi st ri casefazpresente.Aconst ruoporelainfluenciada, masnot ot al ment e,poisosuj ei toati voeaut o-regul ado. ir:on A Subjetividade como Noo Fundamental do Novo Paradi gma: Breve EnsaioFernandoGonzlezRey(org. )gg blema.Emoutraspalavras,umateoriasrealizaseupapelcogni-tivo,sganhavidacomoplenoempregodaatividadementaldo sujeito(1996,p.335). Ocartersingularqueaconstruotericaadquirepermiteadiver-sidadedeperspectivasentredistintospesquisadores,masnoconsisteem umsubjetivismo.Trata-sedeumoutronveldecomplexidade,odosiste-ma-observador(Morin,1996,1997).Porm,eletrazconsigoosmarcos tericosdereferncia,dosquaisprovmosconceitoseasnoesquelhe permitemdialogarcomomundo.Omarcotericoremontaaumacomu-nidadecientfica,naqualosujeitotantopartilhaboapartedeseuspres-supostoscomodesempenhaseupapelnasregrasdojogorelacionai,nas tramas passionais,em suas ideologias e em mitos implcitos ou no;enfim, participadetodoseuuniversointersubjetivo.Tamanhoconvviofavorece, muitasvezes,osurgimentode uma excessiva fidelidadeaomarcoterico, de modo a podar a liberdade de pensamento dosujeito,como ocorre em di-versosmomentosda histriada psicologia.Apesardaseguranaquepode proporcionar pela consagraodeseuspressupostos,a teoria tende,muitas vezes,a transformar-seem umconjuntorgidoderestriesiniciativae criatividadedopesquisadorouterapeuta.Apossibilidadecriativadestes podeatser considerada em termostericosouprticos,masraramente concebidacomonooepistemolgica. Noentanto,eleprocuraprivilegiarocontatocomorealemum pro-cessoque qualifica seuscenrios,mesmoque issooferea contradiesao marcoterico.Opapeldascategorias21odeconferirinteligibilidades construessemseimporaosprocessosestudados,natentativadecom-preendersuasmltiplasarticulaeseasqualidadesquedaemergem. Ditodeoutromodo,aconstruoterica promovetantouma relaocom omundocomoumprocessoauto-reflexivocompotencialdeconflitoe reformulaonotocanteao prpriomarcotericoqueasustenta.Passa-se aumanovaposturadiantedoreal:omarcoterico,comoummapafor-necendo refernciaspara a exploraode um grandeecomplexo labirinto; eaconstruoterica,comoopensamentodosujeitonosdiversosmo-mentosdaexplorao.Porm,comoolabirintose modificavez por outra, exige-sedaconstruodosujeitoedomarcotericoapossibilidadede transformaosoba pena de permanecerem presos. Volta-se,novamente,ao problema dosujeitoe da subjetividade, posto queo prprio marco tericouma construocoletiva eindividualquese 21ocasodasconfi guraes,dossenti dos,dasnecessidadese dosmot i vos(Gonzl ezRey,1997)quenose i mpemcomocont edosuniversais,pri vi l egi andoasingularidadesubj eti va. 74Subjetividade,Compl exi dadeePesquisaemPsi col ogi aEditoraThomson passaemummomentohistrico.Oproblematorna-se,porisso,umcen-riodemltiplasvias,postoquereconhecerasubjetividadenaconstruo dopensamentotericoabreespaonoapenasparaumdilogodistinto comomundo,mastambm,eprincipalmente,paracomohumanonas mltiplasdimensesdasquaisemerge(Neubern,2001).Aprincpio,isso significaquestionarerefletirprofundamente,poissetratadainclusode uma noocom aqualo pensamentocientficonosehabituou.Aolongo dahistriadacincia,umserpensante,autnomoecrticodiantedos prpriosmarcostericosparececonsistirmuitomaisemexcees,que fizeramadiferena,doqueemumpressupostoepistemologicamenteas-sumido.Porm,trata-sede uma nova egrandiosaabertura reflexo,pois osujeitopesquisador-comooprprioobjetodeestudoaquidiscutido, que asubjetividade - implica inmerasdimensesque relativizam e con-fundem oslimitesdoque consideradocincia.Afinal,se o observador includonacincia,torna-senecessrioiralm;deve-sebuscarresponder questo sobre quem ele ,conhecendoe contextualizandoseus processos em sua histria eemseucotidiano. Concluso:A SubjetividadeumaQuestodeDiferena Quandosequestionou,aolongodotrabalho,seapsicologiateriaefetiva-mente estudadoa subjetividade,no haviaa intenode cometer injustias quantosimportantescontribuiesdesenvolvidasnasdiversasescolas dessacincia.Seriamesmoabsurdoconsiderar,demodoabsoluto,que. emnenhummomentodeseussistemasdeidia,acinciavoltadaparaa psiquenohouvesseestudadoedesenvolvidoumasriedecosmovises sobre ela.Noentanto,seria igualmente ingnuo desconsiderar osinmeros processosdeexclusoede mutilaoqueessa mesma cincia impssobre talobjeto.Oquesepretendeudestacarcomtaisquestionamentosforam asdiversasinflunciassimplificadorasdoparadigmaquedeterminaram modosdeconceb-lacom gravesimplicaes. Nesse sentido, acompanhando o pensamento de Santos (1989), o estudo sobreasubjetividadedeveenvolverummovimentoduploderecuperao edesuspeita.Nosepodefugirdodilogocomasdiversascontribuies esoluesconstrudasportaissistemasdiantedosdilemascomplexosda subjetividade.Enquantoserefugiaramemguetos,elegendoumaououtra dimensocomoeixoexplicativo,osdistintossistemasdapsicologiacons-truramumaproveitosadiversidadedeconceitos,teoriasemtodosque. apesardainexistnciadedilogo,apontamparaamultiplicidade,para acomplexidadedosprocessosdapsique.Antesdeconstituir-se,porsi ir:on A Subjetividade como Noo Fundamental do Novo Paradi gma: Breve EnsaioFernandoGonzlezRey(org.)gg mesma,em um indciodeinferioridade,nosentidode uma pr-cincia,tal proliferaodeidiasdistintaspodesercompreendidacomoumdesafio potentequantovisonicadoreal.Deve-se,portanto,procederauma tarefadedilogo(Neubern,1999),compreendendosuasnoesemsuas prprias referncias,de modoa conceber a pertinncia de suas narrativas. Contudo,necessriohaverumquestionamentocrtico,colocando sobsuspeitaascontribuiesdessessistemas,sobretudonosvariados pontosemqueconfirmamaticasimplificadoradoparadigmadominan-te.Nesseponto,oconflitooinevitvelcaminhoparaconstruironovo. Nosetratadeumconjuntodemodificaes,caprichosamentedesenha-dos,masdeumprocessodereflexesmaisabrangente,noqualasnovas construessepautamapartirdenovosreferenciais,conformeesboados neste captulo.Issogera uma conseqncia toimediata quantoimportante, masdificilmentepercebida:asubjetividade,talcomoaquidiscutida,no 6apenasum conceitoouumacategoria nova;ela remetea umconjuntode modificaesradicalmentedistintosdoconhecimentocientficoepsicol-gico,constituindo-seemumeixofundamentalparaareflexodessenovo paradigma (Santos,1987,1989,1995; Morin,1996,1997,1998). nessecampodereflexesquesedeveconsideraroproblemada subjetividade.primeira vista,suaapresentaopodenodespertar inte-resseenosugerirqualquernovidadecomoconceito,principalmenteem determinadosramosdapsicologiaquemaisenfatizaramanecessidadede reconhecimentodohumanodoqueaconstruodeumapsicologiacien-tfica.Noporacasoque,nosbastidoresdascomunidadescientficas, escuta-se a freqente crtica de que se trata de um conceito antigo revestido denovasroupagens,condizentescomomodismoacadmico.Entretanto, aanlisedessaspequenasdiferenas,noquadrodaatualcrisedepara-digmas,confere-lhestamanhovalorqualitativoapontodetransform-las emgrandesdiscrepncias.necessrio,portanto,nocometeromesmo erroemqueoparadigmadominantetantoseesmerouaonoscondicionar a subestimar aspequenasdiferenas.Deve-se mesmoqualific-lasnoseio deumadiscussomaisabrangenteeprofunda,naqualsetornepossvel compreend-lasemsuagrandiosamagnitude.Daanoodomtodode Morin(1997,1998). Toca-se,dessemodo,emumltimoponto,queodoslimitese dasrelaesentreossistemasdeidias.Ainfinidadedessaspequenas diferenasfazcomqueoconhecimentosobreasubjetividadesetorne impossvelnaperspectivatradicional.Suaintrnsecacomplexidadeno permitequeelasejaabordadaemumaposturaautocntrica,comoseuma formanicadepensarpudesseabord-laeconsider-lacomoprivilgio exclusivo.Instaura-se,assim,um grande dilema,pois ossistemasde idias 76Subj eti vi dade,Compl exi dadeePesqui saemPsi col ogi aEditoraThomson sevemobrigadosabuscarnovasarticulaes,emborapartamdematri-zesautocntricasetotalitrias.Damesmaformaqueodilogotorna-se umanecessidade,oconfrontotorna-seinevitvel(Neubern,1999,2000). Contudo,nosesabeaocertooqueocorrer,nemsesabeaocertosetal possibilidadedearticulao-umdospontoscentraisdacomplexidade -nopassadeutopia.Pode-semesmoconsiderarque,emvistadetodoo percursohistricodacinciaedapsicologiacalcadoexclusivamentenas prpriasreferncias,talinversosejainconcebvel,trazendo,deincio, perspectivasdesanimadoras.Noentanto,prefere-sefazer corocom Morin (1990),segundooqualomomentovivenciadooda pr-histriadopen-samentohumano.Eesta uma visomuitootimista. RefernciasBibliogrficas ANDERSON,H.Conversation,languageandpossibilities:apostmodernapproach to therapy. Nova York:BasicBooks,1997. ANDERSON,H.;GOOLISHIAN,H.Humansystemsasalinguisticsystems:preli-minaryandevolvingideasabouttheimplicationforclinicaitheory.Family Process, 27,1998, p. 371-393. Oclienteoespecialista.NovaPerspectivaSistmica,3,1993, p. 8-24. Narrativaeself:algunsdilemasps-modernosdapsicoterapia. In:FRIED-SCHNITMAN,D.Novosparadigmas,culturaesubjetividade.Trad.J. 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