a sociedade capitalista e a educação do deficiente (artigo2)

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A Sociedade Capitalista e a Inclusão/ Exclusão. Saulo Rodrigues de Carvalho 1 Lígia Márcia Martins 2 Neste texto colocaremos em questão a natureza da sociedade capitalista em relação ao ideal de inclusão social nela proposto. Para além de questões morais a respeito do assunto, levantaremos indagações que entrecruzam a estrutura dessa sociedade e as reais possibilidades de inclusão social de pessoas com necessidades especiais de distintas origens, em especial, por meio da educação escolar. Nossa idéia central é a de que a natureza da sociedade capitalista não comporta, a rigor, um modelo de inclusão social, posto fundamentar-se no trabalho assalariado, ou seja, sob a exploração do trabalho humano. Ao considerarmos o trabalho como categoria fundante do mundo dos homens, como assegura Lukács, compreenderemos que todo fenômeno social, direta ou indiretamente, conjetura o trabalho com todas as suas implicações ontológicas. Desse modo buscaremos identificar na estrutura da sociedade os elementos determinantes que reproduzem as relações de exclusão – próprias do modelo produtivo do capital – para a superestrutura 1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciencias e Letras da UNESP/ Araraquara -SP. Pedagogo, Professor da Rede de Educação Pública Estadual de São Paulo. E-mail:[email protected] 2 Doutora em Educação, professora do Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências da UNESP/Bauru-SP e do Programa de Pós-graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências em Letras da UNESP de Araraquara – SP.

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Discussão sobre o processo de inclusão na sociedade capitalista. Publicado sob a forma de capítulo do Livro "A exclusão dos Incluídos: uma crítica da psicologia da educação à patologização e medicalização dos processos educativos" organizado por Marilda Facci, Marisa Melilo Meira e Silvana Tuleski. Maringá: EDUEM, 2012. Interessador ver link: http://revista.fct.unesp.br/index.php/Nuances/article/viewFile/2942/2535

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A Sociedade Capitalista e a Inclusão/ Exclusão.Saulo Rodrigues de Carvalho1

Lígia Márcia Martins2

Neste texto colocaremos em questão a natureza da sociedade capitalista em

relação ao ideal de inclusão social nela proposto. Para além de questões morais a

respeito do assunto, levantaremos indagações que entrecruzam a estrutura dessa

sociedade e as reais possibilidades de inclusão social de pessoas com necessidades

especiais de distintas origens, em especial, por meio da educação escolar.

Nossa idéia central é a de que a natureza da sociedade capitalista não comporta,

a rigor, um modelo de inclusão social, posto fundamentar-se no trabalho assalariado, ou

seja, sob a exploração do trabalho humano. Ao considerarmos o trabalho como

categoria fundante do mundo dos homens, como assegura Lukács, compreenderemos

que todo fenômeno social, direta ou indiretamente, conjetura o trabalho com todas as

suas implicações ontológicas.

Desse modo buscaremos identificar na estrutura da sociedade os elementos

determinantes que reproduzem as relações de exclusão – próprias do modelo produtivo

do capital – para a superestrutura social. Neste caminho, para alcançar o objetivo geral

proposto, recorremos aos pressupostos teóricos do materialismo-histórico-dialético, a

partir dos quais analisaremos os elementos ontológico-históricos da sociedade

capitalista, expressos, na propriedade privada, no trabalho alienado, na divisão das

classes sociais e nas relações sociais fetichizadas.

1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciencias e Letras da UNESP/ Araraquara -SP. Pedagogo, Professor da Rede de Educação Pública Estadual de São Paulo. E-mail:[email protected] Doutora em Educação, professora do Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências da UNESP/Bauru-SP e do Programa de Pós-graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências em Letras da UNESP de Araraquara – SP.

A Produção capitalista e a produção da exclusão/alienação

O fim da Idade Média é marcado pelo surgimento de novas forças econômicas

que lutavam pelo poder político da sociedade rivalizando com o império e o papado,

que viram os alicerces de sua hegemonia ruírem. Essas forças econômicas traziam

consigo o modelo de produção capitalista baseado na propriedade privada dos meios

de produção e propriedade intelectual, e na liberdade de contrato sobre estes bens

(livre-mercado), que superava o modelo feudal que regia a sociedade medieval.

Segundo Beer (2006):

O aparecimento constante de novas cidades, o aumento crescente da

população e o desenvolvimento do comércio e da indústria deram origem a

violentos antagonismos entre a burguesia e a aristocracia feudal. A nova forma

de produção, criada pelas ghildes e pelas corporações artesãs, era

intoleranvelmente entravada pelo sistema feudal. Não se podia desenvolver

dentro dos limites da velha sociedade. A nova economia trouxe consigo a

necessidade da livre locomoção popular. As novas relações sociais reclamavam

a mais ampla liberdade de comércio, o direito de cada qual se dedicar ao ofício

que lhe parecesse melhor e de alugar a sua força de trabalho ao proprietário de

qualquer empresa de produção. (p. 231)

Nasce assim a sociedade moderna caracterizada pelo desenvolvimento do

capitalismo como sistema de produção social e da burguesia como classe privilegiada

pelo novo sistema econômico. O modelo capitalista, impulsionado pelos ideais

iluministas e liberais, constituiu uma nova moral social. A moral burguesa. Esta,

caracterizada pela defesa da ciência e da razão como formas de explicar o universo

(iluminismo), e pela defesa intransigente da maximização das liberdades individuais,

liberdade de expressão e livre concorrência econômica (liberalismo).

A classe burguesa, outrora, revolucionária torna-se conservadora e reacionária,

buscando assegurar os privilégios conquistados com as transformações políticas e

econômicas da sociedade. Fundamentada sob a base do trabalho assalariado, a classe

detentora dos meios de produção, é também a classe de ideologia dominante. Em seus

pilares destaca-se a competitividade, o direito à livre iniciativa e o forte apelo a

2

meritocracia. Mas o que caracteriza a burguesia, de acordo com Michel Pinçon e

Monique Pinçon-Charlot é que:Mais do que qualquer outra classe, ela possui uma alta consciência de seus

interesses e manifesta uma intensa mobilização, ao mesmo tempo individual e

coletiva, visando a garantir sua realização e, por meio dela, a perpetuação de

sua situação dominante. (Le Monde diplomatique, julho 2000).

Desse ponto de vista temos uma sociedade moldada por uma mentalidade

produtiva. O “chavão” do liberalismo “laissez faire, laissez aller, laissez passer“, que

significa literalmente "deixai fazer, deixai ir, deixai passar" se faz presente nesta

sociedade. No entanto, essa produtividade é caracterizada pela extração cada vez

maior e mais eficiente da “Mais- valia”. A Mais-valia foi denominada por Karl Marx

(2006) como a diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao

trabalhador, que seria a base da exploração no sistema capitalista.

Ao comprar a força de trabalho do operário e ao pagar o seu valor, o capitalista

adquire, como qualquer outro comprador, o direito de consumir ou usar a

mercadoria que comprou. A força de trabalho de um homem é consumida, ou

usada, fazendo-o trabalhar, assim como se consome ou se usa uma máquina

fazendo-a funcionar. Portanto, ao comprar o valor diário, ou semanal, da força

de trabalho do operário, o capitalista adquire o direito de servir-se dela ou de

fazê-la funcionar durante todo o dia ou toda a semana. [...] como vendeu sua

sua força de trabalho ao capitalista, todo o valor ou todo produto por ele criado

[pelo operário] pertence ao capitalista, que é dono, por tempo indeterminado, de

sua força de trabalho. ( p.113-114)

Nesse sentido, as relações humanas transformam-se em relações entre

mercadorias. Por essa via são excluídos todos os indivíduos que não possuem

condições ideais para a participação na produção e no mercado consumidor. Os ideais

burgueses se mostraram, cada vez mais, defensores da liberdade individual apenas de

um pequeno grupo de pessoas e ao mesmo tempo, na prática, o liberalismo e o

capitalismo levaram ao mais alto grau a desumanização da pessoas.

Tal como analisado por Duarte (2004)

3

Numa sociedade de classes como ocorre no capitalismo, as relações entre a

vida individual e a cultura acumulada pelo gênero humano tornam-se

particularmente complexas e contraditórias em consequência da propriedade

privada dos meios de produção, da exploração da força de trabalho pelo capital

e de consequante divisão social do trabalho. Tanto ao longo da vida de cada

indivíduo como ao longo da história da humanidade, a humanização e a

alienação ocorrem muitas vezes de forma simultânea e no interior da mesma

processualidade sóciocultural (p.231)

E esta sociedade tem demonstrado históricamente sua incapacidade para

efetivar a igualdade, já que obriga os homens a entrar num conflito constante pela

sobrevivência. A supremacia de uma classe sobre a outra pressupõe que haja a

desigualdade como combustível para o desenvolvimento do tecido social.

Para o capitalismo, liberdade e igualdade se expressam pela capacidade que os

indivíduos têm de participar do mercado. A liberdade vista a apartir desse ângulo, não é

nada mais que a livre concorrência entre mercadorias. Se, portanto, a relação entre os

homens é considerada uma relação fetichizada entre mercadorias, a liberdade dos

indivíduos nada mais é do que a liberdade da circulação de mercadorias.

Referindo-se ao fenõmeno da fetichização, Duarte (2004) afirma:

O fetichismo da mercadoria não é um fetiche religioso, mas sim um fetiche que

contém uma naturalização de algo que é social. Um produto das relações

humanas é visto pelos próprios seres humanos como se fosse comandado por

forças da natureza, como se tivesse vida própria. Trata-se do que poderia ser

chamado de fetiche secularizado. A secularização dos fetiches é um fenômeno

da sociedade capitalista (p.11)

4

Diante desse cenário podemos, então, nos perguntar qual o espaço social

disponibilizado às pessoas que possuem necessidades especiais, sejam elas de origem

orgânica, psíquica ou social. Em face da estreita relação entre o ser e produzir, aqueles

que tenham a sua capacidade de produção reduzida terão menor, ou quase nenhuma

prioridade na escala social. Quanto a isso, Friedman (1985) deixa bem claro:

O principio ético que justificaria diretamente a distribuição de renda numa

sociedade de mercado livre seria “a cada um de acordo com o que ele e seus

instrumentos de trabalho produzem”. (p.147)

Desse modo, se o indivíduo não tem capacidade de produzir, ou tem essa

capacidade reduzida, a ele não será dado nada, ou será apenas reservado aquilo que

suas parcas forças de trabalho conseguiram produzir. A não ser que ele pertença à

classe burguesa e tenha outros indivíduos produzindo por ele, este indivíduo terá sua

participação limitada, ou estará simplesmente excluído da sociedade de mercado.

A liberdade e a igualdade numa sociedade de capitalismo competitivo são

reconhecidas apenas àqueles indivíduos considerados responsáveis. Segundo

Friedmam (id)A liberdade é um objetivo válido somente para indivíduos responsáveis. Não

acreditamos em liberdade para crianças e insanos. A necessidade de traçar

uma linha entre indivíduos responsáveis e outros é inevitável; contudo, significa

que existe uma ambigüidade essencial em nosso objetivo último de liberdade. O

paternalismo é inevitável para aqueles que definimos como irresponsáveis.

(p.38)

Como é possível observar, a liberdade é negada justamente àqueles que têm

sua capacidade de produção e consumo reduzida, para os quais, fica reservado o

paternalismo, ou seja, a caridade por meio de instituições, estatais ou privadas. Ainda

segundo Friedmam (ibid)

O caso mais claro é talvez dos insanos. Estamos dispostos a não permitir que

desfrutem de liberdade, mas, ao mesmo tempo, não podemos permitir que os

5

eliminem. Seria ótimo se pudéssemos contar com a atividade voluntária de

indivíduos para alojar e cuidar dos insanos. Mas acho que não devemos afastar

a possibilidade de que tais atividades filantrópicas sejam inadequadas, quanto

menos por causa do efeito lateral envolvido no fato de eu me beneficiar se outro

homem contribuir para o cuiadado dos insanos. Por essa razão, podemos achar

mais conveniente deixar que sejam cuidados pelo governo.

É nesse intuito que grandes instituições passam a ter a responsabilidade sobre a

vida, instrução e educação de pessoas deficientes, atendo-se especialmente ao

atendimento e internação de deficientes mentais. Contudo, um grande contingente de

indivíduos, particularmente composto por aqueles que não conseguem atender as

exigências da escola, e/ou que não conseguem se manter no sistema produtivo passam

a ser considerados também como deficientes.

A educação para estes indivíduos começa e se generalizar no fim do século XIX,

com o objetivo de supostamente atender as necessidades especiais. Tendo em vista o

favorecimento da integração social posterior, a maioria dessas pessoas passa a ser

relegada a instituições que irão treiná-los para trabalhos de baixa complexidade e

remuneração a título dessa aparente inserção social.

A sociedade capitalista do século XX, porém passa a introduzir novos nichos de

mercado, a preleção do capital torna-se hegemônica e apodera-se de novos

trabalhadores e novos consumidores, aludindo de maneira camuflada as minorias à

inserção para o mercado.

É nesse contexto que a condição pós-moderna cria possibilidades de inclusão

dos excluídos. E que as políticas contemporâneas sugerem a prática da

inclusão social. Segundo Moreira, “(...) a modernidade, com a sua busca de um

código mestre, produz excluídos, enquanto a pós-modernidade, na aceitação da

diferença, busca a inclusão” (Moreira, 2003, p. 52). Se, pois, não temos mais

um único ideal de subjetividade, por que então não incluir a deficiência? Mas

que preço se paga para essa inclusão? Com efeito, a lógica suprema da pós-

modernidade é a lógica do mercado, que quer aproveitar tudo e todos para se

garantir a produção e o consumo, inclusive criando leis de inclusão das minorias

no mercado de trabalho. (OLIVEIRA et. Al. 2006, p.82)

6

A inclusão de quem tem qualquer défece ao livre mercado consumidor, não

elimina a questão da desigualdade, já que o mercado capitalista a pressupõe como um

elemento necessário à sua constituição. No cerne das relações nada foi alterado.

Entre os próprios capitalistas, a idéia de criação de leis que permitam que as

minorias sociais possam participar das relações econômicas e do mercado de trabalho

não é tão bem aceita. Entre os liberais mais radicais tal interferência legal é uma afronta

a liberdade individual. Conforme Friedmam (id)

Comissões que estudam as práticas discriminatórias na contratação de serviços

por motivos de raça, cor ou religião foram criadas em numerosos estados com a

tarefa de evitar a “discriminação”. A existência dessas comissões constitui clara

interferência na liberdade individual de estabelecer contratos de trabalho com

quem quer que seja. (p.103)

Friedmam (id.) também defende a liberdade de o empregador contratar o

indivíduo que melhor o satisfazer mesmo que isso expresse uma inúmera relação de

ranços e preconceitos, contanto que não o prejudique economicamente. Dessa forma,

descreve:Considerem, por exemplo, a situação de uma loja situada num bairro habitado

por pessoas que têm forte aversão a serem servidas por negros. Suponhamos

que uma destas lojas tenha vaga para um empregado, e o primeiro candidato a

se apresentar seja negro e preencha todas as exigências estabelecidas pelo

empregador. Suponhamos ainda que, como conseqüência da lei em questão, a

loja seja obrigada a contratá-lo. O efeito de tal ação será a redução do

movimento de negócios e a imposição de prejuízo ao proprietário. Se a

preferência do bairro é realmente firme, poderá levar ao fechamento da loja.

Quando o proprietário de uma loja contrata empregados brancos em vez de

negros, no caso de não existir uma lei a respeito, ele pode não estar

manifestando preferência ou preconceito ou gosto próprios. Pode estar

simplesmente transmitindo os gostos da comunidade a que serve. Está na

realidade oferecendo aos consumidores os serviços que estes desejam

consumir. (p.103-104)

No exemplo de Friedmam podemos facilmente trocar o adjetivo negros por

deficientes. Ali, podemos verificar claramente que a preocupação do capital com a

liberdade e igualdade não está relacionada com a relação social entre os seres

humanos, mas com a mera relação econômica.

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Neste sentido qualquer tentativa de inclusão através do sistema capitalista, seja

por meio de uma educação inclusiva, seja por meio de leis que obriguem a inclusão ao

mercado de trabalho, está fadada ao fracasso. Isso, porque a natureza do capitalismo

não comporta uma sociedade igualitária, sendo assim, a inclusão de uns poucos não

prevê a inclusão de todos ao sistema, e mesmo tal inclusão é restrita a alguns setores e

produtos da sociedade.

Tecidas estas considerações gerais entendemos que duas observações são,

ainda, importantes. A primeira refer-se a expressão exclusão, pois efetivamente, não

exiset ninguém excluído, isto é, que exista fora da sociedade e que necessite ser nela

incluído. O que se convencionou chamar de exclusão, outra coisa não é, senão, mais

um dos reflexos da alienação dos indivíduos em realão ao patrimônio humano-

genérico3.

Nessa direção, qualquer análise que pretenda superar a artificialidade presente

nos ideários inclusivos não pode preterir a análise das bases econõmicas que

engendram a alienação, abortando os indivíduos do seu pleno processo de

humanização. Não podemos perder de vista que é no processo ativo e objetivo que

vincula o homem à realidade social que ele supera seus limites e desenvolve suas

potencialidades e capacidades, apropriando-se das conquistas humano-genéricas para,

de fato, alçar a condição de e para ser humano.

A segunda observação, em intima relação com a primeira, diz respeito à

naturalização que cerca os fenômenos da exclusão/alienação em geral, mas em

especial, aqueles referentes às anomalias físicas e mentais. Essa naturalização

induzindo visões reducionistas, preterem a análise das condições excludentes como

síntese de multiplas determinações expressa, fundamentalmente, no alijamento dos

indivíduos em relação aos direitos sociais básicos dentre os quais se destacam a

saúde e a educação.

Urge que analisemos as condições geradoras da exclusão numa via de mão

dupla: por um lado, a precariedade ou inoperância dos serviços de atenção à saúde e

educação destinados à classe trabalhadora corroboram para a produção de 3 Por patrimônio humano-genérico concebemos o produto do trabalho material e intelectual dos homens realizado ao longo da história.

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“necessidades especiais”, que, por outro lado, criam as “necessidades de inclusão”.

Como resultado, ficamos diante de uma “paradoxal exclusão includente” (Saviani, 2007,

p.4400).

Tal paradoxo encerra mais uma contradição do modelo capitalista, que ao nosso

ver, nele não se resolve. Assim sendo, cosideramos que as tentaivas de inclusão no

bojo desta organização social culminam em processos a meia, emso porque, a

inclusão de uns poucos a um pouco não prevê a inclusão de todos a tudo!

Educação Inclusiva: fato ou retórica?

Definido como grupo “à margem” da sociedade, as pessoas com défeces sofrem

as conseqüências por atitudes de discriminação e segregação produzidas pelas

sociedades. Na sociedade capitalista brasileira a realidade dessas pessoas não difere

muito da condição de exclusão mundial, contudo, o agravante da pobreza deixou esse

grupo, por muito tempo, em um completo esquecimento pelo poder público.

O Estado brasileiro, seguindo a lógica liberal, assumiu uma atitude caritativa e

voluntarista ante as questões levantadas em relação as pessoas com deficiência.

Somente à partir da década de 1980, quando uma hecatombe de movimentos sociais

impulsionados pela resolução da Assembléia geral da ONU, que declarou 1981 como o

"Ano Internacional das Pessoas Deficientes", mudanças significativas começaram a ser

realizadas por pressão da sociedade civil.

Até 1986, entidades de deficientes estiveram reunidas com o objetivo de

organizar uma proposta que envolvesse as pessoas com deficiência para a elaboração

de um documento a ser apresentado às comissões, para ser arrolado à nova

Constituição Federal. Dentre essas entidades podemos citar a FEBEC- Federação

Brasileira de Entidades de Cegos, a ONEDEF – Organização Nacional de Entidades de

Deficientes Físicos, a FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração de

Surdos (NEVES Acesso em: 9 set 2007)

O documento entregue, com quatorze itens apontados, foi acatado em sua

quase totalidade e seu conteúdo passou a fazer parte da Constituição Federal de 1988.

9

Apesar dessa inclusão no texto constitucional, a grande maioria dos itens dependia de

regulamentação sendo para isso, necessária força dos movimentos organizados, cujo

poder de pressão e mobilização impulsionou o seu processo.

Como expressão desses movimentos, a Constituição de 1988 garantiu, em seu

Artigo 206, a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola: a

educação como direito de todos é dever do Estado e da família (Art. 205) e deve

estender-se também ao atendimento educacional especializado, quer dizer, aos

deficientes (Art. 208, III), preferencialmente na rede regular de ensino.

A nova Constituição rompeu com o modelo assistencialista predominante, pois

embora a Convenção 159 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)4 já existisse;

preconizando a plena integração das pessoas com deficiência na vida social; nosso

país ainda não havia disponibilizado qualquer ferramenta jurídica hábil nessa direção.

Em 1986 o Decreto nº 9.3841/86 tinha instituído a Coordenadoria Nacional para

Integração da Pessoa Deficiente (CORDE), órgão responsável pela gestão de políticas

públicas, voltadas para a integração. Seu principal objetivo é garantir que o Ministério

Público Federal e Estadual defenda em todas as instâncias a pessoa com deficiência.

Desse modo, a regulamentação pelo Decreto nº 3.298 da Lei nº 7.853/89, que

dispõe sobre o apoio a essas pessoas, dez anos depois é um fato historicamente

relevante, possibilitando a concretização de princípios constitucionais. No final da

década de 80, foram criados em todo o país vários órgãos voltados para sua

integração, tendo como eixo principal a defesa dos seus direitos e promoção da

cidadania.

É contudo, nos meados da década de 1990, que se inicia com maior relevância

a discussão sobre a inclusão social no país, através da educação. Assim reafirmando

as declarações de Jomtiem5 e Salamanca6, o Governo brasileiro atende as orientações

4 Conferência da OIT realizada em Genebra, no dia 1° de junho de 1983. O texto da convenção previa uma política de reabilitação e inclusão ao mercado de trabalho, para pessoas com deficiência. Ratificava que todo o país membro da organização deveria dispor em suas leis de dispositivos que garantissem a “plena participação” de pessoas com deficiência na vida social. 5 Conferência Mundial sobre Educação Para Todos, realizada em Jomtien na Tailândia de 5 a 9 de março de 1990, financiado pela UNESCO UNICEF, PNUD e Banco Mundial.

6 Conferencia Mundial de Educação Especial, realizada em Salamanca na Espanha entre 7 e 10 de junho de 1994.

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dos organismos internacionais visando erradicar o analfabetismo e universalizar o

ensino em resposta aos desafios do mercado mundial. (FRIGOTTO & CIAVATTA 2003)

Segue-se, portanto, uma política pública de Estado que visa à publicização dos

serviços destinados à educação especial, com o viés neoliberal de “correção” das

desigualdades sociais através do crescimento econômico do país. A aplicação de

medidas de inclusão social acompanha, no entanto, as necessidades do mercado e

atende as suas leis.

Nessa perspectiva o país aprova em 03 de julho de 2001 o parecer nº 17/2001,

da Câmara de Educação básica, que dá as diretrizes para a educação especial neste

seguimento educacional. Dispõem como ponto de partida a necessidade de

regulamentação das ações referentes aos alunos com necessidades educacionais

especiais. Ao dispor sobre as diretrizes do país para a educação especial,o referido

parecer torna-se base para a implementação de políticas de educação especial. Por

essa via, a inclusão escolar institui-se como meta, em consonância aos delineamentos

da ”Educação para todos”.

Tais diretrizes apresentam os princípios da inclusão das pessoas com

necessidades educacionais especiais e uma discussão sobre o significado de não mais

integrar o deficiente, mas projetar ações que viabilizem a sua inclusão, entendida como

acesso aos direitos e representativa dos princípios de igualdade de oportunidades e

valorização da diversidade.

O texto do documento apresenta uma profunda conformidade com as

declarações dos órgãos internacionais do começo da década de 1990. Os termos como

“igualdade de oportunidades”, “valorização da diversidade”, “acesso aos bens e

serviços”, presentes em Jomtien, Salamanca e nos documentos da UNESCO, UNICEF,

Banco Mundial, FMI, entre outros, aqui ganham um amplo espaço. Alinhado à política

dessas organizações os fundamentos do nosso parecer, subsidiado pelo artigo 227 da

Constituição Federal de 1988, nos deixa algumas pistas do que se tratam tais políticas

de inclusão. De acordo com o Art. 227:

II - § 1º - Criação de programas de prevenção e atendimento especializado para

os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de

integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o

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treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens

e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos

arquitetônicos.

§ 2º - A lei disporá normas de construção dos logradouros e dos edifícios de

uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir

acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. (grifo nosso)

A partir da leitura do documento, dois termos nos chamam a atenção: o

“treinamento” para o trabalho e a “disposição” de normas para a adequação de prédios

e transporte público. No primeiro caso o significado da palavra treinamento tem o

sentido restrito de adestrar, habilitar o indivíduo para determinada atividade e vem de

encontro ao panorama histórico exposto por nó s, acerca do lugar destinado às pessoas

com deficiência na sociedade produtiva. Se compreendermos a educação como um

processo amplo de humanização, veremos que o termo “treinar”, em questão, não

comporta tal sentido universalizante do ato de educar.

No segundo caso, a “disposição” das normas que visam a acessibilidade, os

fatos nos mostram os limites ainda presentes para a efetivação das mesmas. Entre

“dispor” e “realizar” existe uma diferença. Aparentemente o Estado se predispõe a

organizar normas para a adaptação das construções, áreas de circulação e dos

transportes públicos às necessidades de pessoas com deficiente. Contudo, em nenhum

momento se compromete a realizar tais adequações. Dessa forma e invariavelmente,

reafirma a lógica do modelo neoliberal e das implicações do Estado Mínimo7, que

conforme Frigotto & Ciavatta (2003), assume um papel de regulador e fiscalizador de

políticas públicas de natureza instrumental, subordinadas à lógica do mercado.

Contudo, não poderíamos negar que tal documento representa um avanço

qualitativo na esteira das conquistas da Educação Especial no Brasil, saindo de uma

quase completa inexistência de atendimento de qualquer tipo à proposição e

“efetivação” de políticas de integração social. Entretanto, o amplo debate e a instituição

de leis para garantir a inclusão escolar não conseguiu alterar significativamente a

situação das minorias atípicas no país.

Podemos ter um panorama da situação a partir de uma rápida reflexão acerca

das informações apresentadas pelo Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e 7 Segundo Frigotto e Ciavatta (2003), o Estado Mínimo assume uma característica cada vez mais reguladora e ficalizadora, do que executiva na sociedade.

12

Estatística (IBGE). Segundo os dados, cerca de 14,5% da população brasileira

apresentavam algum tipo de incapacidade ou deficiência. Se este percentual estiver

correto, levando em conta que no ano de 2000 atingimos aproximadamente os 170

milhões de habitantes, teremos cerca de 24,65 milhões de pessoas com necessidades

especiais.

De acordo com a Sinopse Estatística da Educação Básica/Censo Escolar de

2000, do MEC/INEP, havia 300.520 alunos matriculados em estabelecimentos

escolares. Se tomarmos estes dados como referência, os pouco mais de 300 mil alunos

que se encontravam matriculados, podem ser considerados como uma ínfima parte

desta população.

O que será que deu errado? Por que a mudança de mentalidade em relação ao

deficiente não foi capaz de garantir o pleno acesso à educação? Mesmo com a

mobilização da sociedade civil e a abertura do Estado brasileiro em discutir e implantar

leis e medidas para a inclusão da pessoa com deficiência na sociedade, os dados

demonstram haver um grande número de pessoas ainda sem acesso à educação.

Quase doze anos após a adoção da constituição federal o governo demonstrou

muita debilidade na implementação das almejadas medidas inclusivas, vide os

escassos investimentos destinados à estrutura e infra-estrutura das escolas do país e

sob tais condições, o saldo advindo parece não ser o de, realmente, promover a

inclusão dos excluídos, haja vista que sequer foi vencido o desafio de não se excluir os

excluídos.

Como afirma Souza (s.d):Todas as alterações são proclamadas como saltos qualitativos quanto ao que

se concebe por deficiência, ao que se pensa e se faz na educação especial,

quanto ao tipo de relação possível a partir de uma educação inclusiva. Há, no

entanto, elementos que nos dizem que as alterações estruturais não são, na

mesma proporção, modificação de concepções.

Como podemos observar, existe uma ação no sentido de provocar uma mudança

de caráter moral e pedagógico. Porém, uma profunda transformação no seio da

sociedade e no sistema escolar, que exige uma ampla reorganização dos espaços

físicos e das instituições, concentrando uma série de esforços econômicos e políticos,

ainda não nos foi apresentada.

13

Considerações finais

Desde meados da década de 90, vemos em cena uma ampla discussão sobre

inclusão social no país, particularmente por meio da educação escolar e da inserção no

mercado de trabalho. Um debate em aberto que tem de um lado, a comunidade de

pessoas com necessidades especiais reivindicando um atendimento público que seja

cada vez mais igualitário e justo, e do outro lado, um modelo de organização social sob

a égide do estado mínimo.

Não discordamos que o país deu um salto qualitativo ao normatizar os direitos

destas pessoas, especialmente no âmbito da educação escolar ao implementar

políticas de educação especial orientadas pela meta da inclusão e da ”educação para

todos”. Entretanto, a sociedade capitalista nos mostra, sem tréguas, a sua incapacidade

para assegurar aos indivíduos um lugar de igualdade, ampliando a olhos vistos

inúmeras formas de exclusão/alienação.

      Os documentos e os defensores da inclusão insistem em proclamar a criação de

uma nova mentalidade que tememos estar longe de ser alcançada. Até o presente, em

nada se alterou o padrão burguês de normalidade que continua a ser o indivíduo

competente, competitivo, hábil e empreendedor. Outrossim, é previsível que em uma

sociedade na qual as condições de vida revelam um quadro contraditório de máxima

riqueza e máxima miserabilidade, as crenças na ascensão social e nas conquistas pelo

mérito pessoal são necessariamente mantidas.

Nesse sentido as dificuldades em relação à inclusão ultrapassam a esfera da

deficiência para encontrar respostas no próprio modelo de sociedade que se

estabelece. Ainda que se busque a inclusão por meio de leis e mecanismos que insiram

o deficiente no livre mercado e na escola, sua condição de desigualdade o

acompanhará dentro desses sistemas, uma vez que real e concretamente inexistem as

condições objetivas para a almejada inclusão social.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

BRASIL. Constituição, 1988. Constituição: República Federativa do Brasil.

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