a seguridade social, o sistema Único de saúd e a partilha dos recursos

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Sólon Magalhães Vianna

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  • A SEGURIDADE SOCIAL, O SISTEMA NICO DE SADE

    E A PARTILHA DOS RECURSOS*

    Solon Magalhes Vianna**

    * Texto baseado em exposio feita na Mesa Redonda sobre Financiamento da Sade no Brasil, realizada em 21-6-91 na Faculdade de Sade Pblica da USP (Ciclo de mesas-redondas: "A crise da sade: estrangula-mento, perspectiva e sada".

    ** Tcnico do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada - IPEAe Presidente da Associao Brasileira de Eco nomia da Sade ABrES.

    O artigo est centrado em quatro questes que, de alguma forma, afetam a partilha dos recur-sos do Oramento da Seguridade Social OSS, entre os componentes desse sistema (sade, previdncia e assistncia social): O papel do MTPS, "caixa" da seguridade e gestor de seu principal programa (beneficios previdencirios); a proposta de vincular os recursos da sade a determinado percentual do OSS; a controvrsia quanto s responsabilidades desse oramento, que tem sido usado para financiar polticas pblicas (saneamento, merenda escolar, pagamen-to de inativos e pensionistas da Unio, etc.) que antes eram custeadas pelo oramento fiscal (recursos ordinrios do Tesouro) e, finalmente, a repercusso da estratgia de contingencia mento adotada pelo governo, atingindo inclusive as contribuies sociais recolhidas pela Re-ceita Federal (FINSOCIAL, taxao sobre lucro e loterias). No final mencionada a criao de fonte especfica para sade e a forma de partio automtica entre Unio, Estados e Municpios. O autor conclue com cepticismo em relao a solues para o financiamento do SUS que no passe pela retomada do crescimento econmico, combate sonegao e inadimplncia de rgos pblicos e empresas privadas e, sobretudo, pela vontade poltica de fortalecer o sistema de sade.

    INTRODUO

    O conceito de seguridade social "um conjunto integrado de aes de iniciativa dos Poderes Pblicos e da Sociedade, destinados a assegurar os direitos relativos sade, previdncia e assistncia social" (C. F., Art. 194) constitui uma das mais importantes inovaes incorporadas Constituio de 88.

    A novidade estava ausente das intenes iniciais da Assemblia Nacional Constituinte ANC. As primeiras verses do texto constitucional no cogi-tavam integrar as trs reas. Inmeras propostas que, de alguma forma, sub-sidiaram esses ante-projetos, tanto as oriundas de grupos e entidades da so-ciedade civil (Rodrigues Neto, 1988) como, em especial, as recomendaes da VIII Conferncia Nacional de Sade - VIII CNS (1986) e da Comisso Nacional da Reforma Sanitria - CNRS (1987), propunham soluo

  • diametralmente oposta, ou seja, separar sade das reas de previdncia e as-sistncia social. Desta forma, o sistema de sade passaria a ser financiado com recursos tributrios, enquanto as contribuies sociais custeariam somente penses, aposentadorias e outras prestaes de cunho previdencirio e assis-tencial.

    A inovao constitucional trouxe implicaes na partio dos recursos da seguridade entre os seus componentes. Este texto analisa essas implica-es, em particular aquelas que mais diretamente incidem no sistema de sa-de.

    ANTECEDENTES

    At outubro de 88 o sistema pblico de sade disputava recursos, no nvel federal, em duas arenas distintas. Na primeira, situada na rbita previ denciria, repartia-se o oramento do Sistema Nacional de Previdncia e As-sistncia Social SINPAS, entre as trs grandes linhas programticas desse sistema: benefcios previdencirios, aes de assistncia social e ateno mdico-hospitalar.

    A partio ocorria autonomamente: o oramento do SINPAS no era apreciado pelo Congresso Nacional e, na prtica, sua elaborao no sofria interferncia do rgo oramentrio central. As receitas do SINPAS eram ar-recadadas pela prpria previdncia social no se confundindo, por conse-guinte, com os recursos que compunham o oramento fiscal. A contribuio da Unio para o SINPAS, retirada do oramento fiscal, era pouco mais que simblica: entre 1971 e 1988, apenas em dois anos (1971 e 1984) corres-pondeu a mais de 10% da receita total do SINPAS. Os dois ltimos anos da srie registraram as menores taxas (0,8% e 0,6%) (Tabela 1).

    Na segunda arena, a do oramento fiscal, os programas a cargo do Mi-nistrio da Sade, concorriam com educao, justia, transportes, defesa na-cional, previdncia do servidor pblico e demais responsabilidades da Unio*.

    * Os dois oramentos, fiscal e previdencirio, tiveram histricamente importncia bastante deferendada no financiamento do sistema de sade. Entre 1980 e 1986 o Tesouro teve participao relativa crescente (Ta-bela 2), embora nunca superior a 32,1%, caindo em 1987 para 27,1%.

  • A CONSTITUIO DE 88 E O OSS

    A nova Constituio alterou esse quadro. Seu grande avano foi fazer com que o Congresso Nacional passasse a apreciar (e emendar) no apenas o oramento fiscal que durante o regime autoritrio apenas homologava mas tambm os dois outros oramentos federais: o da seguridade social (OSS) e o investimento das empresas estatais.

    Com essa mudana o sistema de sade passou a disputar recursos em uma s arena, a do oramento da seguridade social, o que no se tornou necessariamente mais vantajoso para o setor, como se procura demonstrar mais adiante.

    Tambm por definio constitucional (C.F., Art. 195), a seguridade pas-sou a ser financiada, na esfera federal, com recursos do oramento da Unio e das seguintes contribuies sociais:

    "I dos empregadores, incidente sobre a folha de salrio, o faturamento e o lucro"

    " II dos trabalhadores" "III sobre a receita de concursos de prognsticos"

  • Com oramento prprio e fontes vinculadas, o passo seguinte para au-mentar o grau de autarquizao da seguridade social, seria atribuir-lhe com-petncia para o recolhimento de todas as contribuies sociais. Tal pretenso no prosperou. A responsabilidade sobre a arrecadao das contribuies sociais sobre o faturamento, lucro e concursos de prognsticos ficou com a Receita Federal. A seguridade social, manteve a prerrogativa histrica da pre-vidncia social, sobre o recolhimento das contribuies sobre folha de salrio (Lei n 8212/91, Art. 33). Essa fonte dever representar, em 1992, cerca de 47% dos recursos do OSS (Piola & Vianna, 1991).

    A PARTILHA ORAMENTRIA Ao se integrar previdncia e assistncia social, o SUS entrou em uma

  • competio que lhe desfavorvel. O custeio das prestaes a cargo do INSS (penses e aposentadorias, principalmente) demanda um volume crescente de recursos que, a mdio e longo prazo, tende a absorver a totalidade das contribuies sociais. Ao mesmo tempo, o governo tem mantido em valores insatisfatrios* as transferncias do Tesouro para o OSS previstas na Cons-tituio (C.F., Art. 195, caput e Art. 198, Pargrafo nico), como passou, ainda, a incluir entre as responsabilidades da seguridade social, o financia-mento de programas que, at 1980, eram atendidos pelo oramento fiscal.

    Tudo isto torna cada vez mais problemtico o financiamento do SUS. A fatia de 30% habitualmente pleiteada pela sade poucas vezes alcanada mesmo antes da Constituio de 88 embora sabidamente aqum do neces-srio para prover, com padres qualitativos aceitveis, o acesso universal e equalitrio s aes e servios de promoo, proteo e recuperao da sade (C.F., Art. 196), comea a configurar-se como uma imagem-objetivo cada vez mais distante. Entre 1971 e 1988 somente em 4 exerccios ora-mentrios as despesas do INAMPS atingiram percentual superior a 30% do dispndio total do SINPAS (Tabela 3); a mdia do perodo foi de 28,1% (Oliveira et al., 1990).

  • Esse cenrio em uma conjuntura econmica recessiva, onde as receitas pblicas costumam decrescer, gera uma disputa perversa por recursos escas-sos. De um lado, penses e aposentadorias, de outro, os servios de sade. certo que essa disputa j existia no SINPAS: a assistncia mdica concorria com os benefcios previdencirios e a assistncia social. A diferena que, agora, a competio no se limita a assistncia mdico-hospitalar, mas alcana todos os servios de sade.

    Estes dificilmente deixam de ser sacrificados: uma coisa competir com iniciativas de prioridade duvidosa, como os projetos de construo do caa subsnico AMX, do submarino nuclear ou da ferrovia norte/sul, o que acon-teceria se sade fosse financiada com recursos tributrios, conforme propos-to pela VIII CNS. A luta no seria fcil, mas a opinio pblica, reforada pela presso internacional em favor da reduo dos gastos militares, estaria a fa-vor. Outra coisa, porm, concorrer com mais de 12 milhes de aposentados e pensionistas cuja sobrevivncia est, na grande maioria dos casos, condicio-nada ao recebimento regular de modestos benefcios.

    ALGUMAS QUESTES

    O Papel do MTPS

    A primeira questo no necessariamente a mais importante envol-vendo a partilha dos recursos dentro da seguridade social, est relacionada com o duplo papel do Ministrio do Trabalho e Previdncia Social. O MTPS , simultaneamente, gestor dos programas de maior porte financeiro como pen-ses, aposentadorias, seguro desemprego e sade do trabalhador e o caixa da seguridade social. As contribuies sociais diretamente arrecadas pelo MTPS (taxao sobre folha de salrio) representaram em 1990 mais de 80% da receita global da Seguridade Social (Informe de Previdncia Social, n 4, 1991).

    Essa situao peculiar concentra poder poltico nas mos do titular do MTPS, dados os inmeros instrumentos sua disposio que permitiriam fa-vorecer os programas sob sua gesto em inevitvel detrimento dos demais. Em contrapartida torna-o alvo preferencial das presses dos lobbies seto-riais para liberao de recursos, o que, se de um lado, pode ser eventual

  • mente desconfortvel, de outro, representa uma valiosa oportunidade para exercer poder poltico. Por exemplo: se o MS atrasar o pagamento de mdicos e hospitais contratados ou retardar repasses para Estados e Municipios por no ter recebido recursos do MTPS, nada mais natural que a Associao M-dica Brasileira, a Federao Brasileira de Hospitais FBH ou governadores e prefeitos, desviem o foco de suas presses para o Ministro da Previdncia Social de forma a terem seus crditos liberados.

    No h evidncia de que situaes como essa tenham ocorrido. Mas a sua possibilidade, dada as caractersticas de nossa prtica poltica, um risco sempre presente: a integrao conceitual, inerente definio constitucional de Seguridade social, no se reproduziu sob a tica organizacional, o que aconteceria com a integrao da sade, assistncia e previdncia social em um s Ministrio (Ministrio da Seguridade Social). Entretanto, a unidade de comando, princpio coerente com o conceito de seguridade e com a tentativa de enxugamento da mquina federal anunciado nos primeiros dias do atual governo, no se concretizou. Ao contrrio, aes tpicas da seguridade esto hoje diluidas em pelo menos quatro ministrios: Educao, Sade, Trabalho e Previdncia Social e Ao Social.

    A vinculao

    Uma suposta soluo, repetidamente apontada (Rodrigues Neto, 1988) para garantir recursos para sade a fixao de um percentual mnimo do OSS para esse setor. Esse singelo expediente tem mero efeito "psicolgico"; a vinculao na prtica, se l imita a posio oramentr ia inicial que pode ser c o m o t e m s ido bas tan te a l terada ao longo d o exerccio finan-cei ro (Piola & Vianna, 1991).

    Por determinao constitucional (CF., ADCT, Art. 55), 30%, no mnimo, do OSS excludo o seguro desemprego deveriam ser destinados sade, at que fosse aprovada a primeira Lei de Diretrizes Oramentrias LDO, uma outra inovao da nova Constituio (C.F., Art. 165). A tentativa prote-cionista no teve eficcia. A nova Constituio s entrou em vigor em outubro de 88, o que impediu a adoo do OSS em 89. Estimativas para esse ano (1989) sugerem que no conjunto dos gastos com sade, previdncia e assis-tncia social, a primeira rea tenha recebido 28,6% do total dos recursos (Azeredo & Lobo, 1991).

  • A primeira LDO (Lei n 7800/89) editada para orientar a elaborao do oramento de 1990, bem como a segunda (Lei n 8074/90), dispondo sobre as diretrizes oramentrias para 1991, no mantiveram a vinculao, resta-belecida, entretanto, para o oramento de 92 (Lei n 8211/91).

    A vinculao, por si s, no assegura maiores recursos, particularmente em um ambiente de crise fiscal ou quando a prioridade da rea beneficiria no tem contornos ntidos.

    Um bom exemplo dessa incerteza e da fragilidade da vinculao como panacia para um problema de escassez de recursos e/ou de vontade poltica, pode ser encontrado na rea de educao. A despeito de protegida pela Constituio (C.F., Art. 212) que obriga a Unio a aplicar no desenvolvimento da educao, 18% da receita de impostos*, os recursos federais para esse setor tiveram queda real em 1990 em relao ao ano anterior. Conforme o critrio adotado para contabilizar os gastos educacionais, a queda pode ter chegado ao desastroso patamar de 30% (Piola, Vianna & Camargo, 1992) ou ter sido meramente residual (Marques, 1991).

    Ademais, o mandamento constitucional negligenciado. Muitos Esta-dos e Municpios no o cumprem. E a Unio, para efeito de d-lo como aten-dido, computa como em educao despesas que, em outras circunstncias, so consideradas como pertencentes s Funes "Sade e Saneamento" e "Previdncia e Assistncia" **.

    A afronta recai tambm sobre o dispositivo que obriga o Poder Pblico a aplicar nos dez primeiros anos de promulgao da Constituio, " pelo menos, cinqenta por cento dos recursos a que se refere o art. 212 da Cons-tituio, para eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental" (C.F., ADCT, Art. 60). Neste caso o descumprimento no de Estados e Mu-nicpios. Estes j vinham exercitando essa poltica mesmo antes de promul

    * Estados e Municpios: 25%. ** Gastos com merenda escolar (sub-programa Alimentao e Nutrio e com o pagamento de pessoal inativo

    do MEC (Lei n 7348/85), por exemplo.

  • gada a atual Constituio. A Unio que se julga desobrigada de faz-lo, ale-gando no ter sob sua responsabilidade uma rede de ensino fundamental, como acontece com os demais entes federativos. Sob esse argumento desti-nou em 1990 apenas 6,6% de sua receita de impostos para o ensino bsico (Amaral Sobrinho, 1991).

    Responsabilidades do OSS

    O terceiro problema da partilha de recursos dentro da seguridade social diz respeito a controvrsia em torno do que pode ou no pode ser financiado pelo OSS.

    A Constituio e a, assim chamada, lei orgnica da sade (Lei n 8080/90) no so como as trs Leis de Diretrizes Oramentrias j pro-mulgadas no foram suficientemente explcitas sobre a matria. a inde-finio ou a ambigidade que, ao fim e ao cabo, abrem a brecha necessria para contrabandear para dentro do OSS, programas que antes de 88 no com-punham o oramento da sade, da previdncia ou da assistncia social.

    Assim, a proposta oramentria para 1992 obedeceu a LDO (Lei n 8211/91, Art. 28, Pargrafo 3) destinando para sade 30,6% do oramento da seguridade social, excluindo o PIS/PASEP. Esse percentual, no entanto, s foi alcanado com a incluso no mbito da sade, dos gastos com saneamento bsico, apoio nutricional, hospitais universitrios, sade do trabalhador, sade escolar, merenda escolar, assistncia mdico-odontolgica de servi-dores pblicos e construo de CIACs, alm de encargos com inativos e pen-sionistas do MS. A maior parte dessas despesas, at 1988, era atendida com recursos tributrios que conformam o oramento fiscal e no pelas contri-buies sociais, principal fonte do OSS (Britto, 1991).

    Por essa razo, o Deputado Antonio Britto entende que " em 1992, ns, da sade, sentiremos saudades do ano que passou", pois 20% dos recursos setoriais vo para atividades que antes no eram compreendidas pelo setor (Britto, 1991).

    A questo controvertida em boa parte pela falta de definio sobre o que seja ou no responsabilidade do setor de sade ou, mais amplamente, da

  • seguridade social. o caso das atividades acima mencionadas e tambm do pagamento de inativos e pensionistas da Unio que sempre foi atendido com recursos do Tesouro. Desde que foi criado o OSS essa prestao passou a ser custeada com recursos do FINSOCIAL. Em 1990, somente para essa finalidade foram utilizados cerca de Cr$ 89 bilhes, o equivalente a 18% da arrecadao do FINSOCIAL.

    A manuteno de hospitais universitrios e a execuo de programas de sade ocupacional, eram antes do advento da seguridade social custea-das com recursos do oramento (Tesouro) do MEC e do MTb, respectiva-mente. Os recursos da Previdncia (INAMPS) repassados, atravs de conv-nio, aos hospitais universitrios destinavam-se a remunerar a ateno mdica prestada clientela previdenciria. So, todavia, servios de sade de carter universal e definidos na lei orgnica da sade como de responsabilidade do SUS (Lei n 8080/90) e, portanto, da seguridade social (C.F., Arts. 198 e 200).

    A construo de CIACs, porm, s poderia ser atendida pelo OSS no seu componente mdico-sanitrio e de assistncia social. O projeto pedaggico deve onerar o oramento da educao e parece que assim est acontecendo, embora o Ministro da Sade (Alceni Guerra) no considere os CIACs como escola (Constncio, 1991.)

    A questo do saneamento menos trivial. Investimentos em gua e es-goto so atendidos majoritariamente com recursos do FGTS. Mas o Ministrio da Sade MS, atravs da Fundao Nacional de Sade FNS, sempre apli-cou recursos do Tesouro a fundo perdido em saneamento como estratgia para combater doenas de veiculao hdrica. Em mdia, entre 1980 e 1987 perto de 20% desses investimentos foram financiados pelo Tesouro (IPEA, 1989).

    Aparentemente, no questionvel que o OSS financie aes nesse campo. Afinal o saneamento contribue de forma significativa para melhorar o nvel de sade. Alm disso, cabe ao SUS participar da formulao da poltica e da execuo das aes de saneamento bsico (C.F., Art. 200, IV). Nada obs-tante, poder-se-ia alegar que os programas de saneamento no tm exclusiva finalidade sanitria. E participar da execuo, como cabe ao SUS, no signi-fica, obrigatoriamente, que as aes respectivas tenham que ser custeadas pelas contribuies sociais. Por que no custe-las com as transferncias (re-

  • cursos ordinrios do Tesouro) da Unio para o OSS?

    J o financiamento da assistncia mdico-odontolgica de servidores pblicos leva a um outro tipo de conflito conceituai. Financi-la pelo OSS, vale dizer, com as contribuies sociais, se justificaria apenas pela "lgica" de se tratar de servio de sade e, como tal, atribuio da seguridade social.

    O que se configura inusitado, para valer-se de um eufemismo, o uso das contribuies sociais, fonte exclusiva da seguridade social, para atender esse compromisso. o criar o SUS institucionalizando o acesso universal e igualitrio aos servios de sade (C.F., Art. 196), a Constituio Federal teria vedado, ainda que no explicitamente, o uso de recursos da seguridade para subsidiar, total ou parcialmente, servios diferenciados para clientelas fe-chadas. Estimativas, ainda que pouco recentes, indicam que o gasto governa-mental per capita com a sade do servidor pblico federal* seria cerca de 30% e 750% superior s despesas de finalidade similar com a populao ur-bana e rural, respectivamente (Vianna, 1989). magnitude da diferena d bem a medida do grau de desigualdade do sistema de sade brasileiro.

    A nica justificativa razovel para que essas atividades sejam custeadas com recursos pblicos, est em consider-las como fringe benefits dentro da poltica de recursos humanos para o setor governamental; aceita esta hip-tese, a fonte de financiamento teria de ser a receita fiscal da Unio.

    A favor da incluso do custeio da merenda escolar pelo OSS pesa o fato de se tratar de atividade enquadrada em Alimentao e Nutrio um sub-progama oramentrio tpico do Programa Sade (Funo Sade e Sanea-mento). Acresce a essa peculiaridade, o mandamento constitucional se-gundo o qual a alimentao e a assistncia sade escolar devem ser financiadas com recursos provenientes de contribuies sociais e ou-tros recursos oramentrios. (C.F., Art. 212, Pargrafo 4).

    * Excludos os trabalhadores e dependentes das empresas estatais. A incluso dessa clientela certamente elevaria o gasto per capita com sade dos servidores pblicos.

  • Em oposio a essa tese, sustenta-se que o financiamento poderia ser atendido por outra contribuio social, no caso em questo o salrio-educa o, e no por aquelas que foram definidas (C.F., Art. 195) para compor o OSS. No contexto brasileiro a merenda escolar tem impacto meramente resi-dual na elevao do status sanitrio. Trata-se de programa cujos objetivos so essencialmente educacionais: reduzir o absentismo escolar e melhorar o aprendizado, pouco ou nada tem a ver, ao menos diretamente, com as prio-ridades do sistema de sade. Essas prioridades no campo da alimentao e nutrio contemplam essencialmente gestantes, nutrizes e pr-escolares.

    Enquadrar a merenda no campo da assistncia social para justificar o seu financiamento pela seguridade, impediria a extenso dessa ao a toda a rede oficial de ensino. Por definio constitucional (C.F., Art. 203) a assistn-cia social destina-se proteo da populao carente no tendo, portanto, o carter universal das aes desenvolvidas pela escola pblica.

    O contingenciamento

    A centralizao da receita de todas as contribuies sociais no Instituto Nacional de Seguridade Social INSS, se fosse efetivada, diminuiria a inter-ferncia das autoridades fazendrias. Nesse caso apenas uma parte da receita federal (Imposto de Renda, IPI, IOF, etc...) continuaria sob sua gesto. A outra parcela, representada pelos novos "impostos" vinculados (taxao sobre o lucro das empresas, o faturamento e a receita das loterias) previstos no Art. 195 da Constituio Federal e, ainda, a tradicional contribuio sobre a folha de salrio, seriam arrecadadas e geridas pelo INSS.

    A idia oposta visava a unificao de todas as receitas federais no Minis-trio da Economia, Fazenda e Planejamento MEFP. Esta opo, defensvel sob o ponto de vista da administrao financeira, no tem tido viabilidade poltica. Entidades de trabalhadores e de empresrios, aliadas burocracia previdenciria tem oposto forte resistncia tese integracionista.

    Prevalece a alternativa intermediria, mantendo inalterada a correlao de foras entre as burocracias fazendria e previdenciria. O INSS fiscaliza e arrecada a contribuio sobre folha de salrio, como fazia antes dele o IAPAS, enquanto a Receita Federal preserva sua hegemonia sobre os " impostos" in-cidentes no faturamento e lucro das empresas e nos concursos de progns

  • ticos.

    Satisfatria como soluo de compromisso para pr fim a disputas, a alternativa adotada, entretanto, pode ter facilitado o contingenciamento de parte expressiva da receita gerada pelas contribuies sobre o lucro e sobre o faturamento das empresas.

    Em 1990, segundo dados do prprio MEFP, dos Cr$ 168 bilhes arre-cadados como contribuio sobre o lucro das empresas, Cr$ 58,5 bilhes (34,6%) ficaram retidos no Tesouro. De um total arrecadado de Cr$ 482,5 bilhes, como taxao sobre o lucro das empresas, Cr$ 101 bilhes (21%) tambm no foram liberados at dezembro. No aconteceu diferente com a receita gerada pelos concursos de prognsticos: recolhidos Cr$ 21,8 bilhes, foram contingenciados Cr$ 7,4 bilhes ou 33% (Britto, 1991).

    A esperana de soluo para problemas como a reteno dos recursos arrecadados pelo MEFP e a utilizao do FINSOCIAL para custear o pagamen-to de inativos e pensionistas da Unio* pode estar na Lei Orgnica da Segu-ridade Social.

    Por essa Lei (Lei n 8212/91, Art. 19), o Tesouro fica obrigado a repassar a receita de contribuies vinculadas seguridade social, nos mesmos prazos em que ocorre a distribuio dos recursos do Fundo de Participao dos Es-tados FPE e Fundo de Participao dos Municpios FPM.

    O mesmo ato (Lei n 8212/91, Art. 17) estipula um cronograma at 1995 para diminuio gradual da utilizao dos recursos da seguridade social no pagamento de inativos e pensionistas da Unio, bem como estabelece as con-dies para o uso das contribuies sociais no pagamento de pessoal e cus-teio da administrao geral dos rgos que compem a seguridade social (Lei n 8212/91, Art. 18).

    CONSIDERAES FINAIS De qualquer forma a partilha dos recursos do OSS poderia estar sendo

    ainda mais desfavorvel ao sistema de sade. No o foi porque o gasto do

    * At o advento da seguridade social essas despesas eram atendidas pelo Oramento Fiscal (recursos ordi-nrios do Tesouro) da Unio e, o que nao mudou, pelas contribuies dos servidores ativos.

  • INSS com prestaes em dinheiro (pagamento de penses e aposentadorias, principalmente), foi mantido represado at o ano passado.

    A demora na implementao da Lei de Custeio da Previdncia Social (Lei n 8212/91), retardou por mais de 2 anos a adoo das novas regras para o clculo do valor das aposentadorias, mais favorveis ao trabalhador (C.F., Art. 201, Pargrafo 3) e a equiparao dos benefcios rurais aos urbanos. At mesmo o dispositivo constitucional (C.F., Art. 201, Pargrafo 5) que se su-punha auto aplicvel, segundo o qual nenhum benefcio pode ter valor men-sal inferior ao salrio mnimo, teve que esperar a instituio do Plano de Custeio para a sua efetivao. Enquanto o veto total Lei Orgnica da Assis-tncia Social, adiou indefinidamente as despesas com o pagamento de um salrio mnimo mensal para os deficientes carentes (C.F., Art. 203, V). Se essas medidas estivessem em vigor desde 89, provavelmente o financiamento do SUS teria sido ainda mais insatisfatrio.

    A uma conjuntura recessiva se contrape uma abundante safra de pro-jetos para criar recursos novos. As sugestes vo desde o puro e simples aumento das alquotas de contribuies at a inovao do imposto nico sobre transaes financeiras. A primeira, tentada recentemente, foi repelida pelo Congresso Nacional. A segunda, porm, dado o inegvel fascnio da simplificao do seu recolhimento, pode concretizar-se no bojo de mais uma reforma tributria, ainda que ironicamente como um imposto adicional, para enredar ainda mais o cipoal tributrio brasileiro. Ambas so politica-mente difceis, quer pela resistncia, generalizada na sociedade, voracidade fiscal, quer, no caso do imposto "nico", pelo temor de mudanas radicais, se esse imposto vier a ser adotado na forma em que foi originalmente con-cebido.

    Como habitualmente acontece quando se discute o financiamento do sistema de sade, retorna a pauta a proposta da instituio de fonte(s) espe-cfica(s) para o setor. A par dos conhecidos inconvenientes das vinculaes, a idia tem dois mritos. Por um lado anula a disputa entre "aposentadorias e hospitalizaes" referida neste texto. Por outro, cria a oportunidade de au-tomatizar a partilha de recursos entre os entes federativos (Unio, Estados e Municpios) integrantes do SUS; a partio ocorreria em modalidade similar ao FPE e FPM. Com isto estaria neutralizando o casusmo inerente s trans-ferncias negociadas e dar-se-ia efetividade ao princpio constitucional da

  • descentralizao do sistema de sade.

    Entretanto, para que haja aporte de recursos novos haveria a necessi-dade de fonte adicional, o que remete polmica sobre a j excessiva carga fiscal. Na verdade, dados os constrangimentos gerados por uma economia em crise, parece difcil outra alternativa que no envolva: um forte combate sonegao e inadimplncia de empresas privadas e rgos pblicos, sobre-tudo em relao s contribuies sociais, a retomada do crescimento econ-mico e a vontade poltica de fortalecer o sistema de sade sem o que, mesmo resolvidas as duas primeiras questes, o financiamento da sade no Brasil continuar nos seus histricos nveis de pobreza.

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    7 BRASIL. Lei n 7.348, de 24 jul. 1985: dispe sobre a execuo do pargrafo 4 da Constituio Federal e d outras providncias. Dirio Oficial, Seo I. Braslia.

    8 BRASIL. Lei n 7.800, de 10 jul. 1989: dispe sobre as diretrizes oramentrias para o ano de 1990 e d outras providncias. Dirio Oficial, Seo I, Braslia, 11 jul. 1989, p. 11388.

    9 BRASIL. Lei n 8.074, de 31 jul. 1990: dispe sobre as diretrizes oramentrias para o ano de 1991 e d outras providncias. Dirio Oficial, Seo I, Braslia, 1 ago. 1990. p. 14631.

    10 BRASIL. Lei 8.080, de 19 de set. de 1990: dispe sobre as condies para a promoo, proteo e recu-perao da sade, a organizao e o funcionamento dos servios correspondentes e d outras provi-dncias. Dirio Oficial, Braslia, 20 set., 1990. p. 18055-9.

    11 BRASIL. Lei n 8.211, de 22 jul. 1991: dispe sobre as diretrizes oramentrias para o ano de 1992 e d outras providncias. Dirio Oficial, Seo I, Braslia, 23 jul. 1991. p. 14601.

    12 BRASIL. Lei n 8.212, de 24 de jul. 1991: dispe sobre a organizao da seguridade social, institui plano de custeio e d outras providncias. Dirio Oficial, Seo I, Braslia, 25 jul. 1991. p. 14801.

    13 BRASIL. Ministrio do Trabalho e Previdncia Social. Informe de Previdncia Social. n 4. Braslia, 1991. 14 BRITTO, A. Anlise comparativa preliminar do oramento da seguridade social: 1991 e 1992. Braslia:

  • Cmara dos Deputados. Diretoria Legislativa, 1991. 15 . BRIITO reclama do oramento. Correio Brasiliense, Braslia, 7 dez. 1991. 16 . Nota do Deputado Antnio Brito sobre as informaes prestadas pela ministra Zlia Cardoso de

    Mello (referente ao FINSOCIAL e contribuio de Pessoa Jurdica). 17 CONSTNCIO, P. Calmon prope verba dos CIACs para universidades. Correio Brasiliense, Braslia, 8 dez.

    1991. p. 11. 18 MARQUES, A. E. Despesas governamentais com educao: 1986-1990. Braslia, NIPEA, 1991 (Texto para

    discusso n 243). 19 OLIVEIRA, F. et al. Metodologia de projeo dos gastos previdencirios e assistenciais. Rio de Janeiro: IPEA,

    1990 (Estudos sobre Economia do Setor Publico n 4) 20 PIOLA, S. F.; VIANNA, S. M.; CAMARGO, S. F. Conta social consolidada (1980-1990); Verso preliminar.

    Braslia, IPEA, 1992. 21 PIOLA, S. F. & VIANNA, S. M. Polticas e prioridades do Sistema nico de Sade:Verso preliminar. Braslia,

    1991. 22 RODRIGUEZ NETO, E. Sade: promessas e limites da Constituio. So Paulo, 1988. [Tese de Doutora-

    mento Faculdade de Medicina da USP]. 23 VIANNA, S. M. Eqidade dos servios de sade. Braslia, IPEA, 1989. (Texto para discusso n 24).

    [Nota dos Ed.] O desmembramento do Ministrio do Trablho e Previdncia Social, posterior ao recebimento do artigo, no invalida as consideraes do Autor.