a santidade na fé reformada

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A SANTIDADE NA FÉ REFORMADA Alderi Souza de Matos Introdução O cenário evangélico atual e suas maneiras de encarar a vida cristã. O tema da “santidade” e o tema correlato da “santificação” são muito importantes na teologia e na tradição reformada. A santificação aponta para um processo e a santidade para o resultado desse processo. Através da santificação, o cristão se torna santo, adquire santidade. Biblicamente, santidade significa: (a) separação das práticas pecaminosas do mundo; (b) consagração ao serviço de Deus. 1. Calvino Calvino não abordou esses tópicos em um capítulo ou tópico separado das Institutas, mas em conexão com os temas da regeneração e do arrependimento. Ele o fez no Livro III, que trata da vida cristã: “A maneira pela qual recebemos a graça de Cristo: que benefícios dela recebemos e quais os efeitos resultantes”. O capítulo 3 desse Livro é intitulado: “Nossa regeneração pela fé: arrependimento”. Mais especificamente, o reformador aborda essa temática nos capítulos 6 a 10, conhecidos como “O livro dourado da vida cristã”. Cap. 6 – A vida do homem cristão; Cap. 7

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A SANTIDADE NA F REFORMADAAlderi Souza de MatosIntroduoO cenrio evanglico atual e suas maneiras de encarar a vidacrist.O tema da santidade e o tema correlato da santifcao somuito importantes na teologia e na tradio reformada.A santifcao aponta para um processo e a santidade para oresultado desse processo. Atravs da santifcao, o cristo setorna santo, adquire santidade.Biblicamente, santidade signifca: (a) separao das prticaspecaminosas do mundo; (b) consagrao ao servio de Deus.1. CalvinoCalvino no abordou esses tpicos em um captulo ou tpicoseparado das Institutas, mas em conexo com os temas daregenerao e do arrependimento. Ele o fez no Livro III, que tratada vida crist: A maneira pela qual recebemos a graa de Cristo:que benefcios dela recebemos e quais os efeitos resultantes. O captulo 3 desse Livro intitulado: Nossa regenerao pela f:arrependimento. Mais especifcamente, o reformador aborda essatemtica nos captulos 6 a 10, conhecidos como O livro douradoda vida crist. Cap. 6 A vida do homem cristo; Cap. 7 A somada vida crist: a negao de ns mesmos; Cap. 8 Levar a cruz:uma parte da autonegao; Cap. 9 Meditao sobre a vidafutura; Cap. 10 Como devemos usar a presente vida e seusrecursos.Calvino acentua a transformao da alma denominadaregenerao. Ela acompanhada de um sincero arrependimentoque envolve a mortifcao da carne e a vivifcao do esprito.Quando participamos da morte de Cristo, a nossa velha natureza crucifcada, e quando partilhamos da sua ressurreio, somosrenovados segundo a imagem de Deus (Institutas 3.3.8-10).Arrependimento uma verdadeira converso da nossa vida aDeus, resultante de um sincero e srio temor de Deus. Consistena mortifcao da nossa carne e do velho homem e navivifcao do esprito (Institutas 3.3.5). Esse arrependimento no questo de um momento, de um dia ou de um ano; dura a vidainteira, e no h iseno dessa guerra seno na morte.Em suma, a santifcao o processo pelo qual progredimosna piedade no decurso da nossa vida e na busca de nossavocao.A santidade recebeu uma ateno toda especial da parte doscalvinistas ingleses, os puritanos, com sua grande nfase em umcristianismo prtico e experimental.2. Documentos confessionaisNo que diz respeito s confsses reformadas, aquelas que sereferem mais diretamente santifcao so: a Confsso Belga(1561), o Catecismo de Heidelberg (1563), os Cnones de Dort(1619) e especialmente os Padres de Westminster (1647-1648).Os tpicos especfcos so os seguintes:- Confsso Belga: Artigo 24 A santifcao do homem e asboas obras- Catecismo de Heidelberg: Perguntas 32, 43, 76, 86, 115, 122e 124.- Cnones de Dort: Ttulo I Artigo 13; Ttulo IV Artigo 13- Confsso de F de Westminster: XIII Da santifcao- Breve Catecismo de Westminster: Pergunta 35 O que santifcao?- Catecismo Maior de Westminster: Perguntas 75 O que santifcao?; 77 Em que sentido a justifcao diferente dasantifcao?; 78 Donde procede a imperfeio da santifcaodos crentes?3. DefniesSantifcao a graciosa e contnua operao do Esprito Santomediante a qual ele purifca o pecador, renova toda a sua naturezasegundo a imagem de Deus e o capacita a praticar boas obras(Louis Berkhof).Santifcao a obra da livre graa de Deus pela qual somosrenovados em todo o nosso ser, segundo a imagem de Deus,habilitados a morrer cada vez mais para o pecado e a viver para aretido (Breve Catecismo, p./r. 35).Santifcao a operao graciosa do Esprito Santo, que envolvea nossa participao responsvel, por meio da qual, comopecadores justifcados, ele nos liberta da corrupo do pecado,renova toda a nossa natureza segundo a imagem de Deus e noshabilita a viver uma vida que agradvel a ele (A. Hoekema).4. Justifcao e santifcaoA santifcao distingue-se da justifcao nos seguintes aspectos(Berkhof):- Ocorre na vida interior da pessoa- No um ato legal, mas restaurador- Geralmente um longo processo- Nunca alcana a perfeio nesta vidaO Catecismo Maior de Wesminster (P/R 77) faz as seguintesdistines:- Na justifcao, Deus imputa a justia de Cristo; na santifcao,o seu Esprito infunde a graa e d foras para ser praticada.- Na justifcao, o pecado perdoado; na santifcao, ele subjugado.- A justifcao liberta a todos os crentes igualmente e de modoperfeito na presente vida, da ira vingadora de Deus, de modo quejamais caem em condenao; a santifcao no igual em todosos crentes, e nesta vida no perfeita em ningum, mas sempreavana para a perfeio.Para Calvino, a base da santifcao a justifcao; o alvo dajustifcao a nossa santifcao e glorifcao (Bloesch).5. Aspectos da santifcao uma obra sobrenatural de Deus (1 Ts 5.23; Hb 2.11), mas ocristo pode e deve cooperar na mesma pelo uso diligente dosmeios que Deus colocou sua disposio (2 Co 7.1; Cl 3.5-14; Hb12.14; 1 Pe 1.22).Da as contnuas advertncias contra os males e tentaes (Rm12.9,16-17; 1 Co 6.9s; Gl 5.16-23) e as constantes exortaes aum viver santo (Mq 6.8; Jo 15.4-7; Rm 8.12s; 12.1s; Gl 6.7s,15).Envolve dois aspectos: a remoo gradual da impureza ecorrupo da natureza humana (Rm6.6; Gl 5.24) e odesenvolvimento gradual da nova vida em consagrao a Deus(Rm 6.4-5; Cl 2.12; 3.1-2; Gl 2.19).Esses dois aspectos equivalem linguagembblica damortifcao do velho homem (Rm 6.6; Gl 5.24) e da vivifcaodo novo homem (Ef 4.24; Cl 3.10).Embora ocorra no corao do ser humano, a santifcao afetatodos os aspectos da vida (Rm 6.12; 1 Co 6.15, 20; 1 Ts 5.23). Atransformao do homem interior necessariamente ir acarretaruma mudana na vida exterior.6. Seu carter imperfeitoO desenvolvimento espiritual e moral dos crentes permaneceimperfeito nesta vida. Eles precisam defrontar-se com o pecadoenquanto viverem (1 Rs 8.46; Pv 20.9; Tg 3.2; 1 Jo 1.8).Suas vidas so caracterizadas por constante confite entre a carnee o esprito, e at mesmo os melhores deles ainda precisamconfessar pecados (J 9.3,20; Sl 32.5; 130.3; Pv 20.9; Is 64.6; Dn9.7; Rm 7.14; 1 Jo 1.9), suplicar perdo (Sl 51.1s; Dn 9.16; Mt6.12s; Tg 5.15) e buscar maior perfeio (Rm 7.7-26; Gl 5.17; Fp3.12-14).Ver CFW, 13.2; Cat. Maior, p./r. 78.7. PerfeccionismoEssa verdade negada pelos perfeccionistas, os quais sustentamque o ser humano pode alcanar a perfeio nesta vida. Elesapelam ao fato de a Bblia ordenar que os crentes sejam perfeitos(Mt 5.48; 1 Pe 1.16; Tg 1.4), fala de alguns deles como perfeitos(Gn 6.9; J 1.8; 1 Rs 15.14; Fp 3.15) e declara que aqueles quenascem de Deus no pecam (1 Jo 3.6,8s; 5.18).Todavia, o fato de que devemos lutar pela perfeio no prova quealguns j so perfeitos. Alm disso, a palavra perfeito nemsempre signifca livre do pecado. No, J e Asa so chamadosperfeitos, mas a histria mostra que eles no estavam sem pecado.Joo quer dizer uma de duas coisas: ou que o novo homem nopeca ou ento que os crentes no vivem no pecado. Ele mesmo dizque, se dissermos que no temos pecado, enganamos a nsmesmos e a verdade no est em ns (1 Jo 1.8).8. Santifcao e boas obrasA santifcao naturalmente leva a uma vida de boas obras (osfrutos da santifcao). Boas obras no so obras perfeitas, masaquelas que derivam do princpio do amor a Deus ou da f nele(Mt 7.17s; 12.33,35; Hb 11.6), que so praticadas emconformidade consciente com a vontade revelada de Deus (Dt 6.2;1 Sm 15.22; Tg 2.8) e que tm como alvo fnal a glria de Deus (1Co 10.31; Cl 3.17,23).Somente os que so regenerados pelo Esprito de Deus podempraticar essas boas obras. Todavia, isso no signifca que osirregenerados no possam fazer o bem em qualquer sentido dapalavra (ver 2 Rs 10.29s; 12.2; 14.3; Lc 6.33; Rm 2.14). Emvirtude da graa comum de Deus eles podem praticar obras quepossuem conformidade exterior com a lei e servem a um propsitolouvvel. Mas as suas so sempre radicalmente defeituosas,porque esto divorciadas da raiz espiritual do amor a Deus, norepresentam uma verdadeira obedincia interior lei de Deus eno visam a glria de Deus.As boas obras dos crentes no so meritrias (Lc 17.9s; Ef 2.8-10;Tt 3.5), embora Deus prometa recompens-las comumarecompensa da livre graa (1 Co 3.14; Hb 11.26). Em oposio aoantinomismo, deve-se afrmar a necessidade das boas obras (Cl1.10; 2 Tm 2.21; Tt 2.14; Hb 10.24).9. Princpios sobre a santidade (Packer)- A natureza da santidade transformao atravs daconsagrao (Rm 12.1s).- O contexto da santidade a justifcao por meio da f emCristo.- A raiz da santidade a crucifcao e a ressurreio comCristo.- O agente da santidade o Esprito Santo que habita no crente(o poder de Deus).- A experincia da santidade exige esforo e confito (o valor dasprovaes).- A regra da santidade a lei de Deus (obedincia).- O corao da santidade o esprito de amor.10. Aspectos da santifcaoO prprio Jesus Cristo a nossa santifcao (1 Co 1.30). pelaunio com ele que a santifcao realizada em ns. Institutas2.16.19 (Ferguson, p. 50s).A santidade tem a ver com o corao, com o temperamento, com anossa humanidade, com os relacionamentos.Meios de santifcao (meio de graa): a Palavra, as aes daprovidncia (inclusive provas e afies), a comunho na igreja, ossacramentos.Objetivos da santifcao: (a) prximo: o aperfeioamento do povode Deus (1 Co 15.49; 1 Jo 3.2; Ef 5.27; Hb 12.23; Ap 22.14s); (b)fnal: a glria de Deus (Ef 1.6,12,14).Fontes:ALEXANDER, Donald L. (ed.). Christian spirituality: fve views ofsanctifcation Reformed, Lutheran, Wesleyan, Pentecostal,Contemplative. Downers Grove, Illinois: InterVarsity, 1988.Reformed view: Sinclair B. Ferguson (Westminster TheologicalSeminary).BEEKE, Joel R.; FERGUSON, Sinclair B. (eds.). Reformedconfessions harmonized. Grand Rapids: Baker, 1999.BERKHOF, Louis. Summary of Christian doctrine. Grand Rapids:Eerdmans, 1956.BLOESCH, Donald G. Sanctifcation. In Encyclopedia of theReformedfaith. Ed. by DonaldMcKim. Louisville:Westminster/John Knox, 1992.DIETER, Melvin E. et al. Five views on sanctifcation: Wesleyan,Reformed, Pentecostal, Keswick, Augustinian-Dispensational.Grand Rapids: Zondervan, 1987. Reformed view: Anthony A.Hoekema (Calvin Theological Seminary).PACKER, J.I. Rediscovering holiness. Ann Arbor, Michigan:Servant Publications, 1992.PARKER, T.H.L. Calvin: an introduction to his thought. Louisville:Westminster/John Knox, 1995.RYLE, J.C. Holiness: its nature, hindrances, difculties, and roots.Reprinted. Cambridge: James Clarke, 1956 [1879]. Foreword by D.Martyn Lloyd-Jones.WILES, J.P. Joo Calvino: As Institutas da Religio Crist umresumo. So Paulo: PES, 1984 [1920]. Introduo por J.I. Packer.