a doutrina reformada acerca da revelação

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A Doutrina Reformada acerca da Revelao - Paulo Anglada

Biblioteca Reformada ARPAV

A Doutrina Reformada acerca da Revelao*Paulo R. B. Anglada

Ainda que a luz da natureza e as obras da criao e da providncia manifestam de tal modo a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os homens ficam inescusveis, todavia no so suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e da sua vontade, necessrio salvao; por isso foi o Senhor servido, em diversos tempos e diferentes modos revelar-se e declarar sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservao e propagao da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupo da carne e malcia de Satans e do mundo, foi igualmente servido faz-la escrever toda. Isto torna a Escritura Sagrada indispensvel, tendo cessado aqueles antigos modos de Deus revelar a sua vontade ao seu povo (Confisso de F de Westminster, 1:1)

O primeiro captulo da Confisso de F de Westminster comea tratando da bibliologia, a doutrina das Escrituras. Isto apropriado. No porque a doutrina das Escrituras seja mais importante do que outras doutrinas, como a pessoa e obra de Deus (a teologia propriamente dita) e de Cristo (a cristologia). Mas porque a doutrina das Escrituras a base, a fonte de todas as demais doutrinas.

Com o princpio reformado resumido na expresso latina sola Scriptura, os reformadores rejeitaram a autoridade das tradies eclesisticas e das supostas novas revelaes do Esprito. E restabeleceram as Escrituras como nica regra de f e prtica, como nica fonte autoritativa em matria de doutrina e prtica eclesistica.

DIVISO DO ASSUNTO

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A Doutrina Reformada acerca da Revelao - Paulo Anglada

As seguintes doutrinas so tratadas neste captulo da Confisso de F :

Doutrina da Revelao (pargrafo I)

O Cnon e a Inspirao das Escrituras (pargrafos II e III)

Autoridade das Escrituras (pargrafos IV e V)

Suficincia das Escrituras (pargrafo VI)

Clareza das Escrituras (pargrafo VII)

Preservao e Traduo das Escrituras (pargrafo VIII)

Interpretao das Escrituras (pargrafo IX)

O Juiz Supremo das Controvrsias Religiosas (pargrafo X)

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A Doutrina Reformada acerca da Revelao - Paulo Anglada

REVELAO NATURAL A Confisso de F de Westminster comea professando a doutrina da revelao natural: Deus se revela por meio das obras que foram criadas e da prpria conscincia do homem, na qual est impregnado um padro moral, ainda que imperfeito por causa da queda.

Biblicamente falando, o universo fsico uma pregao. O cosmos proclama os atributos de Deus. O macrocosmos (as estrelas, os planetas, os satlites, com sua imensido, grandeza e leis), o cosmos (a terra, os mares, as montanhas, os vegetais, os animais, o homem), e o microcosmos (os microorganismos, a constituio dos elementos, etc.) revelam muita coisa a respeito da pessoa e da obra de Deus. O Autor de tal obra tem de ser infinitamente sbio e poderoso.

O prprio ser humano, como criatura de Deus, independentemente do aprendizado, j nasce com uma conscincia, uma verso da lei de Deus impregnada no seu ser que o habilita a discernir entre o bem e o mal e3 / 25

A Doutrina Reformada acerca da Revelao - Paulo Anglada

com um instinto que o induz adorao da divindade. Este o ensino bblico do Antigo e do Novo Testamento:

Os cus proclamam a glria de Deus e o firmamento anuncia as obras das suas mos. Um dia discursa a outro dia e uma noite revela conhecimento a outra noite. No h linguagem, nem h palavras, e deles no se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras at aos confins do mundo (Sl 19:1-4).

Porquanto o que de Deus se pode conhecer manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisveis de Deus, assim o seu eterno poder como tambm a sua prpria divindade, claramente se reconhecem, desde o princpio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas (Rm 1:19-20).

Quando, pois, os gentios que no tm lei procedem por4 / 25

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natureza de conformidade com a lei, no tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram a norma da lei gravada nos seus coraes, testemunhando-lhes tambm a conscincia, e os seus pensamentos mutuamente acusando-se ou defendendo-se (Rm 2:14-15).

Ao estudar a criao, o homem deveria procurar ver Deus nela, pois obra dele, e revelam os seus atributos. As cincias podem at ser consideradas departamentos da teologia, especializaes que estudam a criao e a providncia. O estudo da qumica, da fsica, da matemtica, da biologia, da geografia, da poltica, da antropologia, da histria, etc., deve ter por fim ltimo a glria de Deus. No sem razo que muitos dos primeiros cientistas dignos do nome eram cristos sinceros, como Isaac Newton e Faraday.

Ao se estudar a criao, em qualquer esfera, deveria se descobrir nela as mos de Deus e as mos do diabo. Por um lado, observa-se nela impressionante e substancial lgica, ordem, harmonia, sabedoria e poder.5 / 25

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Por outro lado, pode-se tambm perceber na natureza os traos da corrupo, desordem, conflito e degenerao decorrentes da queda. Mas a educao do nosso sculo, especialmente no nosso pas, embora, em geral, reivindique ser crist, tornou-se na verdade materialista. Onde, nas escolas e universidades, essas disciplinas so estudadas com essa perspectiva e com esse propsito?!

a culpa humana Se o homem no houvesse cado, a revelao natural seria suficiente para que ele compreendesse as verdades com relao a Deus, criao, ao prprio homem, etc.; de modo a submeter-se a Deus e a ador-lo, rendendo-lhe a graa, o louvor e a honra que lhe so devidas.

Mesmo cado, a revelao natural ainda suficiente para torn-lo indesculpvel, pois o6 / 25

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homem natural deturpa a revelao natural. Ele no d ouvidos pregao da natureza que o convida a glorificar a Deus. Ele no se submete proclamao do cosmo, nem reconhece a origem divina das leis que regem o universo. O homem natural tambm no se submete s leis da sua prpria conscincia, transgredindo-as constante e deliberadamente. Recusando-se rebeldemente a reconhecer a soberania do Criador e a ador-lo, o homem natural prefere adorar a criatura.

Tais homens so por isso indesculpveis; porquanto tendo conhecimento de Deus no o glorificaram como Deus, nem lhe deram graas, antes se tornaram nulos em seus prprios raciocnios, obscurecendo-se-lhes o corao insensato. Inculcando-se por sbios, tornaram-se loucos, e mudaram a glria do Deus incorruptvel em semelhana da imagem de homem corruptvel, bem como de aves,7 / 25

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quadrpedes e rpteis... pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura, em lugar do Criador, o qual bendito eternamente. Amm (Rm 1:21-23, 25).

Este diagnstico igualmente verdadeiro, quer aplicado filosofia dos sofistas, epicureus e gnsticos da Grcia Antiga, quer aplicado ao humanismo renascentista, quer aplicado cincia materialista moderna. Onde, insisto, nas escolas e universidades de nosso pas, estuda-se a criao pela perspectiva das Escrituras e com o propsito de glorificar a Deus?

O homem natural confunde o Criador com a criao (e cr no pantesmo), isola o Criador da criao (e prega o desmo), rejeita o Criador (e8 / 25

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professa o materialismo), ou d-se por satisfeito com a criao (dando origem ao naturalismo). Na sua louca cegueira, o homem natural rebelde vai alm: ele prefere atribuir os traos de corrupo, desordem e conflito percebidos na criao ao Criador, e explicar a substancial lgica, ordem, harmonia, sabedoria e poder nela percebidos s foras cegas da natureza, evoluo natural, seleo natural, ou mesmo a mutaes genticas.

Por isso o homem indesculpvel. Por isso justamente culpado: por se recusar a andar conforme o grau da revelao que recebe, seja da natureza, seja da conscincia, e se entregar rebelde e arrogantemente a todo tipo de impiedade. Ora, conhecendo eles a sentena de Deus, de que so passveis de morte os que tais coisas praticam, no somente as fazem, mas tambm aprovam os que assim procedem (Rm 1:32).9 / 25

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insuficincia da revelao natural A revelao natural , portanto, suficiente para condenar, mas no para salvar. Devido ao estado decado do homem, a revelao natural no nem clara nem suficiente para que as verdades necessrias sua salvao sejam compreendidas.

A religio natural ensina que a revelao da natureza suficiente para a salvao do homem. Para os que assim pensam, a mente humana desassistida pode compreender tudo o que necessrio salvao. Mas tal10 / 25

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ensino contradiz frontalmente a revelao bblica. De acordo com as Escrituras, o homem natural no aceita as coisas do Esprito de Deus, porque lhe so loucura; e no pode entend-las porque elas se discernem espiritualmente (1 Co 2:14). Segundo as Escrituras, aprouve a Deus salvar aos que crem, pela loucura da pregao (1 Co 1:21). por isso que o apstolo Paulo exclama: Todo aquele que invocar o nome do Senhor ser salvo. Como, porm, invocaro aquele em que no creram? E como crero naquele de quem nada ouviram? E como ouviro, se no h quem pregue? (Rm 10:13-14). Qual a concluso? Logo, a f vem pela pregao (pelo ouvir) e a pregao (o ouvir), pela11 / 25

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palavra de Cristo (Rm 10:17).

Deus se revela na criao, sim. Esta revelao suficiente para tornar a raa humana indesculpvel. Mas, por causa da queda, no suficiente para a salvao de ningum.

REVELAO ESPECIAL No sendo a revelao natural suficiente para salvar o homem em funo da queda, aprouve a Deus revelar-se diretamente igreja.

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Assim, Deus preparou um povo, Israel, na Antiga Aliana, e a greja, na Nova Aliana, para revelar-lhe diretamente o conhecimento necessrio salvao. De modo direto e sobrenatural, por meio do seu Esprito, atravs de revelao direta, teofanias, anjos, sonhos, vises, pela inspirao de pessoas escolhidas e pelo seu prprio Filho, Deus comunicou progressivamente igreja, no curso dos sculos, as verdades necessrias salvao, as quais, de outro modo, seriam inacessveis ao homem.

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Foi assim que Deus revelou-se a No, a Abrao, a Moiss, aos profetas, a Davi, a Salomo, aos seus apstolos e, especialmente, em Cristo. neste sentido que o autor da Epstola aos Hebreus afirma que, Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes ltimos dias nos falou pelo Filho a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual tambm fez o universo (Hb 1:1-2). Cristo a revelao final de Deus.

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este tambm o sentido das palavras do apstolo Paulo endereada aos glatas: Fao-vos, porm, saber, irmos, que o evangelho por mim anunciado no segundo o homem; porque eu no o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelao de Jesus Cristo (Gl 1:11-12).

igreja de Deus, portanto, foram confiados os orculos de Deus, uma revelao especial, inspirada, clara, precisa, autoritativa,15 / 25

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suficiente para ensinar ao homem o que ele deve conhecer e crer e o que dele requerido, com vistas sua prpria salvao e glria de Deus.

REVELAO ESCRITA Tendo em vista a insuficincia da revelao natural e a absoluta necessidade da revelao especial, aprouve a Deus ordenar que esta revelao fosse toda escrita, a fim de que pudesse ser16 / 25

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preservada e permanecesse disponvel, para a consecuo dos seus propsitos eternos. Deus conhece perfeitamente a natureza humana corrompida. Ele conhece tambm a malcia de Satans, bem como a perverso do mundo. Ele sabe que revelar a sua vontade igreja no seria suficiente, pois seria fatalmente corrompida e deturpada. Basta observar as tradies religiosas, mesmo as ditas crists; como tendem inexoravelmente para o erro!17 / 25

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Por isso Deus fez com que todas as verdades necessrias salvao, santificao, culto, servio e vida do homem, fossem escritas e preservadas, para que pudessem ser conhecidas, cridas e obedecidas. Com este propsito, o prprio Deus, por meio do seu Esprito, inspirou os autores bblicos, a fim de que pudessem escrever a revelao especial, sem erro algum.

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Toda Escritura inspirada por Deus e til para o ensino, para a repreenso, para a correo, para a educao na justia, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra (2 Tm 3:16).

Temos assim tanto mais confirmada a palavra proftica, e fazeis bem em atend-la, como a uma candeia que19 / 25

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brilha em lugar tenebroso, at que o dia clareie e a estrela da alva nasa em vossos coraes; sabendo, primeiramente, isto, que nenhuma profecia da Escritura provm de particular elucidao; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretanto homens santos falaram da parte de Deus movidos pelo Esprito Santo (2 Pe 1:19-21).

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De acordo com este pargrafo da Confisso, portanto, a revelao escrita expresso da graa de Deus com vistas preservao da integridade da verdadeira religio e salvao, edificao e conforto do seu povo.

NECESSIDADE DAS ESCRITURAS Sendo a Palavra escrita o21 / 25

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meio escolhido por Deus para revelar a sua vontade ao homem, ela no pode ser dispensada, igualada, acrescentada nem suplantada. Nem o Esprito agiria em detrimento ou parte dela, mas com e por ela. neste sentido que as Escrituras so necessrias e indispensveis para a comunicao das verdades necessrias salvao. A22 / 25

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Igreja Catlica tm a tradio oral. Os reformadores radicais tinham a palavra interior. Outras denominaes modernas tm novas revelaes do Esprito. A f reformada se fundamenta inteiramente nas Escrituras.

* Extrado de Paulo R. B.23 / 25

A Doutrina Reformada acerca da Revelao - Paulo Anglada

Anglada, Sola Scriptura: A Doutrina Reformada das Escrituras (So Paulo: Editora Os Puritanos , 1998), 25-31.

[1] Ler Salmo 19:1-4; Romanos 1:19-22; 1 Corntios 1:21; e Romanos 10:13-14,17.

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