a responsabilidade legal do enfermeiro taka oguisso1 · artigo de atualizaÇÃo a responsabilidade...

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ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO A RESPONSABIL IDADE LEGAL DO ENFERMEI RO Ta ka Oguisso 1 OGSSO, T. A responbdade legal do eerme " o. Rev. Bras. Enf . Brasília, 38(2) : 1 85-189. abr ./j u n . 1985. RESUMO. O trabalho define o termo r esponsabilidade no senti do geral, ana lisando em seguida a responsabil idade c iv il, penal e ética do enfermeiro à luz da legislação v igente. Identifica, a seguir , problemas que mais comumente podem adv ir da prática incorreta das ações a s sistenciais e o envolv imento do enferme iro e seu grau de responsabil idade em rel a- ção à gravida de dos danos decorrentes. Aconselha este profiss ional a m anter-se atu alizado em relação à evolução dos conhecimentos cien tíficos e aos aspectos éticos e legai s da pro- fis são. ABSTRACT. The term reonsibil i in a ge neral form is in it ial iy def ined i n this paper fol lowing of an analyse to the nurse' s civil, penal and ethics re spsib il it ies regard of actu al legis lation. I n a second pa, the aut hor identifies t he commom problems that can occur of an inaccurate p racti ce of the sis tencial act ions a nd the nurse' s implication s and their leve i of responsib ility in relation to the severity of the de riving r isk. At last, advise to the nurses to keep up atualized concerning to the scientific k nowledge evolutio n and to the ethics and lega l aspects of profiss ion . . INTRODUÇÃO O rápido desenvolvimento tecnolóco, vivido e sentido hoje intensamente por toda a humanida- de, traz para todos ua necessidade contínua de adaptação nos hábi tos cotidianos, desde o ambien- te do l. com seus eletrodomésti cos cada vez mai s sofisticados, até o campo da avidade profissional, invadi do também por modeos aparelhos elet rôni- cos e pela automação . Essas modificações nas atividades profissions estão igumente trazendo mud anças no papel do enfermei ro. que passam a exigir del e maior conhe- cimento , conseqüentemente , acarre tando aumen- to pr oporci onal de responsabidade . Em que consistiria, então , responsabilidade? No sendo geral, responbilidade tem o sii- ficado de obrigação, encargo, comprosso ou dever de satisfazer ou executar guma coisa que se convencionou deva ser satisfei ta ou executada ou, ainda, suportar as sanções ou penidades decor- rentes dessa ob rigação. O estudo do · probl ema da responbilide traz mpre em seu b oj o os aspect os de dever, de dano ou de prejuo e também de reparação do dano. O Código de ontol oa da Enfermagem declara: "quando o se r humano se apresenta sob as vestes de um profission, os deveres são norm de conduta que orien tam o exercício de suas ativida- Eeea e advogada. Professor Assistente Doutor da Escola de Enfermagem da USP. Chefe do Seiço de Enfer- magem do Hospil Brigade iro - INAMPS/SP. Rev. Bras. Enf . Brasíl. 38(2). Abr. /Mai. /Jun. 1 985 - 1 85

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ART I GO D E ATU A L I ZAÇÃO

A RESPON SAB I L IDADE LEG A L DO E N FE RME I RO

Ta ka Ogu isso 1

OGUI SSO, T. A responsabilidade legal do enferme"iro.

R ev. Bras. Enf . Brasília , 38( 2) : 1 85 - 1 89 . abr ./ju n .

1 98 5 .

R ESUMO. O traba lho def ine o termo responsab i l idade no sentido geral, ana l i sando em segu ida a responsab i l idade civ i l , pena l e ética do enferme i ro à l uz da leg i s lação vigente. I d entif ica, a segu i r , prob lemas que mais comu mente podem adv i r da prática i ncorreta das ações assi stenc ia i s e o envolvi mento do enferme i ro e seu grau de responsab i l idade em re l a­ção à grav idade dos danos decorrentes. Aconse lha este prof iss ional a m anter-se atual izado em rel ação à evolução dos conheci mentos c ientíficos e aos aspectos éticos e l egais da pro­f i ssão.

ABSTRACT. The term respons ib i l ity in a genera l form is i n it ia l iy defined in th is paper fo l l owing of an anal yse to the n u rse's c iv i l , pena l and eth ics responsib i l it ies regard of actua l leg is lat ion. In a second part, the a uthor ident ifies the commom problems that ca n occur of an i naccurate pract ice of the assistencia l actions and the nurse's imp l i cations and the i r leve i of respons ib i l ity i n re l at ion to the sever ity of the deriv ing r isk. At l ast, adv i se to the nu rses to keep up atua l ized concern ing to the scientif ic knowledge evol ut ion and to the eth ics and lega l aspects of p rofiss ion . .

I NT R O D U ÇÃO

O rápido desenvolvimento tecnológico, vivido e sentido hoje intensamente por toda a humanida­de , traz para todos urna necessidade contínua de adaptação nos hábitos cotidi anos, desde o ambien­te do lar. com seus eletrodomésticos cada vez mais sofisticados, até o campo da atividade profissional , i nvadido também por modernos aparelhos eletrôni­cos e pela automação .

Essas modificações nas atividades profissionais estão igualmente trazendo mudanças no papel do enfermeiro . que passam a exigir dele maior conhe­cimento <!, conseqüentemente , acarretando aumen­to proporcional de responsabilidade .

Em que consistiria, então , responsabilidade? No sentido geral, responsabilidade tem o signi­

ficado de obrigação, encargo , compromisso ou dever de satisfazer ou executar alguma coisa que se convencionou deva ser satisfeita ou executada ou, ainda, suportar as sanções ou penali dades decor­rentes dessa obrigação .

O estudo do · problema da responsabilidade traz se mpre em seu bojo os aspectos de dever, de dano ou de preju ízo e também de reparação do dano.

O Código de Deontologia da Enfermagem declara : "quando o ser humano se apresenta sob as vestes de um profissional, os deveres são normas de conduta que o rientam o exerc ício de suas ativida-

E nfermeira e advogada. Professor Assistente Dou tor da E scola de Enfermagem da USP. Chefe do Serviço de Enfer­magem do Hospital Brigade iro - IN A M PS / S P .

R e v . Bras. Enf . Brasília. 38(2). A br. /Mai. /Jun. 1 985 - 1 85

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des , rias relações dos profissionais entre si , com seus clientes e com a comunidade".

A responsabilidade envolve ainda o aspecto do dano ou do preju ízo produzido por alguém que violou direito de terceiros. Sempre que ocorrerem tais danos ou preju ízos cabe reparação, restaura­ção , ou indenização do mal causado. Não haverá res­ponsabilidade jurídica se a violação de um dever não produzir dano, seja pessoal , material ou moral .

A R ESPONSAB I L I DADE C I V I L , P E NAL E ÉTICA DO E N F E RME I R O

o Código Civil Brasileiro acolheu, no art . 1 59 , o princípio d o dever d e reparar, dispondo :

-" . . . a­

quele que , por ação ou omissão voluntária, negli­gência ou imprudência violar direito ou causar pre­juízo a outrem, fica (lbrigado a reparar o dano".

O Código Penal também menciona esses aspec­tos ao definir o crime culposo (art . 1 8) como sen­do aquele em que o ... . . agente deu causa ao resul­tado por imprudência, negligência ou imperícia".

O Código de Infrações e Penalidades, promul­gado pelo Conselho Federal de Enfermagem , esta­belece : . . . . . responde pela infração quem a cometer ou de qualquer modo concorrer para a sua prática, ou dela se beneficiar".

É ainda o Código Civil que postula (art . 1 545) : . . . . . os médicos, cirurgiões , farmacêuticos , parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência ou imperícia, em atos profissionais , resultar morte , inabilitação de servir ou ferimento".

O enfermeiro não está expressamente incluído entre os profissionais relacionados, porque o Códi­go Civil foi aprovado 1 9 1 6 , portanto , antes da criação da primeira escola de enfermagem, dentro do sistema moderno.

A esse respeito, é oportuna a citação de �ANASCOl l que afirma: " . . . até bem pouco tempo, o enfermeiro possuía, em relação ao médico , uma posiçao secundária. Atualmente , posicionando-se em n ível universitário semelhante ao do m�dico, sua responsabilidade adquiriu as mesmas caracte­rísticas deste " .

Apesar de ser um dos temas mais importantes dentro da teoria e prática da responsabilidade civil , pois que é um direito cuidar dos danos à saúde , da in tegridade física e da vida da pessoa humana. "esse direito , .afirma MAGALHÃES9 - não está ainda devidamente protegido pela doutrina e mui­to menos pela- jurisprudência, onde os julgados ,

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além de serem escassos . nem sempre dão como procedentes as ações que têm como fundamento prejuízos causados por culpa profissional".

Em direito, cabe ao autor do processo o ônus da prova ; em outras palavras, o prejudicado deve demonstrar a culpa do profissional .

A prova exigida é , geralmente , dific tlima por­que , além do provável silêncio dos outros eventuais participantes da ocorrência, a perícia judicial , muitas vezes, pronuncia-se contra o paciente . PANASCO l l , baseado em literatura estrangeira, denomina essa situação de "conspiração do silên­cio" ou de "confraternidade profiss�onal ", que nada tem a ver com sigilo profissional.

Voluntariamente ou não, o pessoal de enfer­magem pode estar participando de forma solidária, ativa ou passiva , dessa "conspiração".

Apesar desse quadro desanimador, MAGA­LHÃES9 declara que . . . . . nem tudo está perdido; porque continuam a existir ótimos , conscientes e competentes profissionais que nada têm a temer, e que também condenam os irresponsáveis que desonram a profissão". Além do mais, salienta-se o franco declínio da atitude de resignação e confor­midade passiva da própria população diante de danos físicos ou pessoais sofridos e na intensa repercussão nos meios de comunicação quando da ocorrência de acidentes durante anestesia , cirurgia e outros tratamentos.

Existe também o princípio geral que não pode ser esquecido : é a questão da co-autoria. O Código Penal prevê : (art . 29) : " . . . quem, de qualquer modo , concorre para o crime , incide nas penas a este co­minadas, na medida de sua culpabilidade ".

Segundo NORONHA 10 , na co-autoria ou co­-delinqüência " ... há convergência de vontades para um fim comum, aderindo uma pessoa à ação de outra , sem que seja necessário prévio ajuste entre elas" .

Na enfermagem, o Código de Deontologia, precei tua que é proibido ao " . . . enfermeiro ser conivente , ainda que a t ítulo de solidariedade , com crime . contravenção penal ou ato praticado por colega que infrinja postulado ético profissional '� (COFEN4 ).

Embora a natureza jurídica da responsabilida­de profissional constitua ainda matéria controver­tida , pode-se afirmar que , quando o enfermeiro se vincula à obrigação de prestar algum serviço , são aplicados os princípios da obrigação de .meio.

A obrigação · de meio é aquela em que um profissional · � . . . se obriga a usar de prudência e dili-

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gência normais na prestação de um serviço para

atingir um resultado , sem contudo , se vincular a obtê-lo " _

Da mesma forma, quem procura o médico, busca a recuperação de sua saúde ; mas esse resulta­do não é objeto de contrato _

A o brigação de resultado é aquela em que o cliente tem o direito de exigir

' do profissional a

produção de um resultado , como ocorre no caso de construção de obra por empreitada_

No campo da saúde , a jurisprudência já tem demonstrado a exigência de obrigação de resultado nos casos de cirurgia plástica .

I MP L I CAÇÕES L EGAIS NO EXE R C IC I O P R O F ISS IONAL D E E N F E RMA G E M

A Constituição assegura o "livre exerc ício de qualquer trabalho , ofício ou profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer",

Essa condição de capacidade não se refe re , eviden te men te , à capacidade o u aptidão física ou me�1tal e nem mesmo técnica, mas a uma capacida­de estabelecida por lei .

No caso do enfermeiro, a liberdade de exercer a profi ssão que a Constituição garante é limitada pelas condições de capacidade estabelecida na Lei nQ 2 ,604/55 ,

Essa Le i prescreve que . . . . _só poderão exercer. a enfermagem, em qualquer parte do território nacional , os profissionais cujos t ítulos tenham sido registrados . . . .. .

A titularidade constitui condição de capacida­de técnica para o exercício profissional , não ape­nas na enfermagem, mas também em qualquer

outra profissão . Daí a importância que a legislação confere à qualidade ou ao título profissional , de acordo com o grau de preparo e formação . Portan­to , na divisão do trabalho , as atividades mais com­plexas e de maior responsabilidade devem: ser atri­buídas a profissionais de maior p reparo acadêmico .

En t retan to , a legislação do exerc ício profissio­

nal de enfe rmagem, ainda em vigor, permite que todas as atividades assistenciais sejam realizadas por qualquer categoria , indistintamente , sem deli­mi tação alguma por todas as categorias que com­põem a e quipe de enfermagem, embora com a res­salva de que deve ser "sempre sob orientação de médico ou de enfermeiro " , excluídas as atividades administrativas e de ensino_

Além da capacidade técnica, adquirida pela formação curricular, o enfermeiro deve apresentar

também capacidade legal exigida pela Constitui­ção .

Essa capacidade legal é confe rida ao profissio­nal somente quando seu título de enfermeiro te­nha sido registrado no Conselho Regional de En­fermagem, conforme previsto no art, 1 5 da Lei 5,905 , de 1 2 de julho de 1 973 .

A P RÁTICA DA E N F E RMAG E M À L U Z DA L E G IS LAÇÃO C I V I L, P E N A L E ÉTICA

A peculiaridade das atribuições do pessoal que lida com vidas humanas obriga que sua atuação se coadune com os preceitos dos Códigos Civil e Penal, além do respectivo Códi go de Ética Profis­sional ,

Inúmeros . dispositivos poderiam ser estudados e discutidos ; p orém, a exigüidade do espaço e a especificidade do terna oficial do I Encontro Re­gional de Enfermagem da Região Sudeste sugerem a escolha de matérias que se relacionem mais com os atos lesivos contra a vida, lesões corporais e alguns tópicos sobre periclitação da vida e da saúde .

O enfermeiro e o pessoal de enfermagem podem ser envolvidos em crime de homicídio no exercício de suas funções?

Além dos aspectos ainda polêmicos da eutaná­sia, provocada através de ações deliberadas ou intencionais de desligamento de aparelhos e e qui­pamentos, ou provocada por omissões na prestação de assistência, surgem ainda inúmeras oportunida­des de formas culposas de homicídio, como autor ou co-autor. As formas culposas de crime são aque­las em que não há intenção ou vontade deliberada, mas esse fato culposo é decorrente de negligência , imprudência ou imperícia .

Injeção de substâncias estranhas . como dietas e sucos no intracatch; utilização de substâncias tóxicas ou cáu�ticas em enteroclisma, clister e curativos ; introdução inadvertida de ar por via venosa ; falta de controle quanto ao correto funcio­namento de equipamentos ligados , ou a serem ligados , em pacientes ; falta de vigilância permanen­te dos pacientes submetidos a tratamentos com ce rtos equipamentos ou aparelhos, mesmo que ele­trônicos ou automáticos, e sses são alguns dos inú­me ros exemplos de situações desagradáveis que podem ocorrer durante a execução de atividades de enfermagem no hospital, em ambulatório, em serviço de emergência ou mesmo em serviço a domi c ili o .

Rev. Bras. Enf , Brasz'lüz. 38(2) , A br. fMai. fJun. 1 985 - 1 8 7

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o Cól.!igo Penal dispõe que no .. . . .homicídio culposo, a pena é aumentada de um terço, se o crime resulta de inobservância de regra técnica de pro fi são , arte ou ofício , ou se o agente deixa de socorrer a vítima ou não procura diminuir as con­seqüências do seu ato .. . " .

Como se vê , não é tão difícil ser envolvido num crime de homicídio culposo em pleno exer­c ício da enfermagem, se não houver diligência, atenção é correta obserVância das regras técnicas da profissão .

A legislação penal estabelece ainda penalida­des a quem " . . .induzir ou irlstigar alguém a suici­dar-se , ou prestar-lhe aUXIlio para que o faça".

Circunstâncias especiais podem comprometer o pessoal de enfermagem, quando, por exemplo, acontece tecerem comentários inadvertidos em corredores ou mesmo em enfermarias sobre casos de prognóstico fechado ou moléstias de forte co­notação emocional , como era a tuberculose e a lepra no passado, e a síndrome de imun

'o-deficiên­

'cia adquirida (AIDS) atualmente . Tais comentá­rios , chegando ao conhecimento do paciente , podem desesperançá-lo, levando-o à prática de suic ídio. Evidentemente , não houve indução deli­berada ou instigação consciente , mas sim , impru­dência e leviandade que podem levar o paciente a uma atitude mais drástica e desesperada , suscitada pelos comentários ouvidos .

"Todo e qualquer dano ocasionado à normali­dade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisioló­gico ou mental" constitui uma lesão corporal . Por­tanto , a lei prevê dano à saúde que não precisa ser propriamente uma lesão ao corpo. E essa lesão pode ser cometida por ação ou omissão.

As lesões corporais são classificadas em : leves , graves , gravíssimas e seguidas de morte .

Na lesão leve , o dano ao corpo ou à saúde não deixa seqüela e nem incapacidade para as ocupa­ções habituais por mais de 30 dias ; exemplos : hematomas , provocação de náuseas e vômitos, não dar alimentação à boca de pessoa incapaci tada de fazê-lo por si . escara de decúbito, etc .

São consideradas graves as lesões que produ­zem incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias , provocam perigo de vida e debili­dade permanente de algum membro, sentido ou função e aceleração de parto .

No campo de enfermagem, o seu pessoal ·pode ser envolvido em situações que produzam: luxa­ções , fraturas, escaras ou feridas por falta de vigi-

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lância ; enfraquecimento , redução ou diminuição de capacidade ; ferimentos e contusões por queda do leito , da maca, da cadeira , etc . queimaduras por bolsa de água quente , berço excessivamente aque­cido, incubadoras desreguladas, pé equino, etc. Evidentemente , o profissional que opera um desses equipamentos ou aparelhos só poderá responder pela lesão ao paciente se ficar estabelecida sua culpa. Se a lesão aconteceu em decorrência de defeito do aparelho , a responsabilidade deve ser assumida por quem realiza os serviços de sua manutenção .

São lesões gravíssimas a s que geram incapaci­dade permanente para o trabalho , enfennidade in­curável , perda ou inutiliiação de algum membro , sentido ou função e defonnidade permanente . Exemplos : amputação de membros , ou parte deles , por gangrena causada por restrição mal feita e não vigiada ou por infIltração extravenosa de soluções hipenônicas ou tóxicas durante injeção endoveno­sa ou administração gota-a-gota, paresias ou parali­sias por lesão de nervo em infecções, etc .

Lesões corporais seguidas de morte são aque­las que evoluem para a morte como conseqüência da ofensa corporal . Exemplos : fratura de base de crânio por queda de maca ou mesa cirúrgica .

A título de sugestão, nos serviços de emergên­cia com quadro insuficiente de pessoal , esse risco pode ser reduzido bastando que se solicite à famí­lia permanecer junto ao paciente para vigiá-lo.

Algumas lesões dependem da evolução e seqüelas para suas classificação numa das catego­rills citadas . Uma escara , por exemplo , se tratada em tempo, pode ser curada em menos de 30 dias.: nesse caso, será uma lesão leve . Da mesma forma, a administração de me dicação trocada, ou medica­ção correta mas aplicada de forma errada em sua dosagem ou via , ou ainda em pacientes trocados as conseqüências podem ser nulas e , numa escala cres­cente , variar para náuseas . vômitos, choque anafilá­tico e até morte . O tipo de conseqüência acarreta­do é que irá definir se se trata de lesão leve , grave , gravíssima ou seguida de morte . E , de acordo com essa graduação , também a graduação da penalida­de .

Da mesma forma , se um paciente contrair uma moléstia no hospital , da qual não era portador antes de sua admissão (como ocorre nos casos de infecção hospitalar e cruzada), a per ícia técnica irá classificar a lesão corporal a partir da avaliação das seqüelas deixadas e das incacidades resultantes . isto é . se foram transitórias ou permanentes. se

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foram por mais de 30 dias ou não . En tre os crimes considerados como d e pericli­

tação da vida e da saúde , apresentam maior relação com o tema "infecção hospitalar" os seguinte�: perigo de contágio de moléstia grave , perigo para a vida ou saúde de outrem, e maus tratos .

Constitui , pois , crime praticar ato capaz de produzir contágio. com o fim de transmitir a ou­trem moléstia grave de que está contaminado .

Atualmente . o portador de s índrome de imuno-deficiência adquirida (AIDS), que reage não acei tando a doença, precisa ser firmemente orien­tado para não transmitir a doença a outros .

Também expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente é uma situação que , com freqüência , pode ocorrer em ambulatórios, com problemas de esterilização de material . Por exem­plo , a utilização de espéculos não e sterilizados , em ginecologia, podem transmitir doenças venéreas , infecções e outros males de uma paciente para outra . �os hospitais, igualmente podem ocorrer situações semelhantes ligadas a problema de' desin­fecção terminal de unidade após alta ou óbito de pacientes .

O pessoal médico e de enfermagem tem possi­bilidade de transformar-se num ve ículo importante na transmissão de moléstias graves . A execução de cuidados elementares , tais como lavar as mãos após terminar os cuidados de um paciente , utilizar cor­retamente as técnicas de avental, gorro , etc . , espe­cialmente nos casos de isolamento reverso, podem reduzir os riscos de infecção .

Pelo Código Penal , constitui crime de maus tratos (art . 1 3 5) " . . . expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade , guarda ou vigi­lância , para fim de educação, ensino, �tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis . . . "

Na si tuação hospitalar, o pessoal de enferma­gem pode incorrer nesse crime não auxiliando, por exemplo , a criança ou o paciente debili tado a se alimen tar . ou não rTÚnistrando os cuidados indis­pensáveis de higiene e tratamentos, não assistindo às necessidades de elirTÚnações acarre tando com isso não apenas mal-estar e desconforto , mas, por vezes . infecções , sofrimento intenso ou agravamen­to de sua moléstia .

Conforme as ci rcunstâncias , essas falhas po­dem ser caracte rizadas também como lesões corpo­r;üs leves ou graves .

NORONHA 10 refere que o crime de maus tratos constitui delito especial praticável peios

pais, professores e enfermeiros, entre outros , seja privando a pessoa de alimentos, seja privando de cuidados indispensáveis à saúde causando dano à incolurTÚdade do ofendido.

CONC LUSÕES

A continuar a escala ascendente de queixas­-crime , denúncias e demandas judiciais com pedido de ressarcimento por danos sofridos pelos pacien­tes cada vez mais esclarecidos , os profissionais da saúde terão que constituir, como sugere STREN­GER 12 " • • • um fundo de garantia e adotar um sistema automático de indenizações por danos resultantes de acidentes corporais causados pela atividade profissional" .

Os enfermeiros precisam estudar e acompa­nhar a evolução dos conhecimentos científicos , mantendo-se atualizados , especialmente quanto às responsabilidades legais da profissão .

O Profe ssor F A VER06 denominava "charla­tães inconscientes os médicos estacionários que continuavam a exercer a profissão, escudados apenas na própria experiência . . . sem acompanhar a evolução da medicina, sem estudar, aferrados aos conhecimentos antigos, firmes em idéias atrasa­das" .

Quantos enfermeiros estarão nessa condição? Sem assumir efetivamente a responsabilidade

inerente à titularidade de enfermeiro, será muito difícil , se não impossível , que o público reconheça e valorize a profissão do enfermeiro.

OGUISSO, T . Nurse's legal respo nsabili ty . Rev. Bras. Enf . 38( 2) : 1 8 5 -1 8 9 , abro J u n . 1 9 85 .

R E F E R Ê N C I AS B I B L I O GR Á FICAS

1 . BRASIL. Leis, Decre tos , etc. Decreto-lei n<) 2.84 8 , de 7 . 1 2.40, atual, pela lei n<) 7 . 209 , d e 1 l . 7 .84, In : -- . Código penal. Organização d os te x­tos, notas remissivas e índices por Juarez dc Oli­vcira . 23 . ed. São Paulo , Saraiva, 1 98 5 .

2 . -- . De cre tos. e t c . L e i n9 3 .0 7 1 , de 1 . 1 . 1 6 . com a s alteraçõ<;s po ste riore s . I n : -- . CÓ· digo civil brasileiro. 1 9 . ed . São Pau l o , Sara iva ,

1 96 8 . 3 . -- . Constituição da República Federath'a do

Brasil: emend a consti tucional 11 9 1 . de 1 7 . 1 0 .69 e emenda s posteriores. São Paulo . CEPAM , s/d .

4. CONSELHO FEDE RAL DE ENFERMAGEM . Códi­go de deontologia de enfermagem. Resolução COFEN n <) 9 / 7 5 . Brasllia, 1 9 7 5 .

R eI'. Bras. Enf , BrasaÚl, 38(2), A br. /Mai. /Jun. 1 985 - ·189

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5 . . Código d e i nfrações e penalidades. I n : Co nsl:l l lO Fe deral de E n fermal!e m . Documen­tos bdsicos do COFEN. Rio de J;neiro. 1 9 8 3 . p. 1 1 21 1 1 6 .

6 . F Á VE RO, F . Código penol comen tado. São Pau l o , Saraiva, 1 95 0 . v. 9.

7. LEI Nq 2 .604/5 5 , de 1 7 de setembro de 1 9 5 5 : regu la o exercício da e nfermagem p rofissional . - I n : BRAS I L . Mini stério da S aúde . f u n dação S ESP. Enfennagem . legislação e assun tos correlatos. 3 . cd . Rio de J aneiro, 1 9 74 . v. I , p. 1 7 7 / 1 7 9 .

8. L E I N q 5 . 9 05 / 7 3 , d e 1 2 d e julho d e 1 9 73 : dispõe . sobre a criação dos Co nselhos federa! c Regionais

de Enfermagem e dá outras providências. I n : B R A S I L . Ministério d a S aúd e . f u ndação S ESP.

/ 90 - R ev. Bras. Enj: , Brasz'lia. 38(]I. A br. /Mai. ;Jun. / 985

Enfermagem , leJ,;'islação e assun tos correlaros. 3 . e d . Rio d e Janeiro . 1 9 74 . v . 3 , p . 7 5 9/ 7 6 3 .

9 . MAGALHÃES. T.A . L. Responsabil idade civil dos méd icos. In : CAI I A LI , Y . S . Responsabilidade civil - doutrino e jurisprudência. São Paulo, S araiva. 1 9 84 . p . 309/3 54 .

1 0 . NO RON H A , E.M . Direito penol: parte especial. 1 6 . c d . São Paulo. S araiva. 1 9 80. v. 2 .

1 1 . PA.'II ASCO. W . L . A responsabilidade cM/. penol e ética dos médicos. R io de J ane iro. Forense, 1 9 7 9 .

1 2 . STRENG E R , I . Erro médico e responsabil idade . Rev. Paul. Hosp .. São Paulo , 31 ( 5 -<; ) : 1 3 2- 1 34 , mai . ! j u n . , 1 98 3 .