a responsabilidade civil do estado por danos ao meio ambiente

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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR DANOS AMBIENTAIS Fernando Braga Mestrando em Direito pela UFC (ano 2003) 01. Considerações iniciais Vemos hoje nossas belezas naturais serem devastadas a todo instante pela poluição e degradação do meio ambiente, devoradas pela ânsia de lucro. A Constituição Federal dispõe que ao Estado, em todas as esferas de governo, incumbe a defesa do meio ambiente (CF/88 - ). Nossa realidade, porém, mostra outro quadro. Como se não bastasse a falta de políticas públicas específicas e eficientes no combate à degradação ambiental, é o Estado um dos maiores, senão o maior, dos devastadores. Nesse contexto, resolveu-se tecer algumas considerações a respeito do tema responsabilidade civil do Estado por danos ao meio ambiente , que tem todas suas

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Page 1: A Responsabilidade Civil do Estado Por Danos ao Meio Ambiente

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR DANOS AMBIENTAIS

Fernando Braga

Mestrando em Direito pela UFC (ano 2003)

01. Considerações iniciais

Vemos hoje nossas belezas naturais serem devastadas a todo instante pela poluição e degradação do meio ambiente, devoradas pela ânsia de lucro.

A Constituição Federal dispõe que ao Estado, em todas as esferas de governo, incumbe a defesa do meio ambiente (CF/88 - ).

Nossa realidade, porém, mostra outro quadro. Como se não bastasse a falta de políticas públicas específicas e eficientes no combate à degradação ambiental, é o Estado um dos maiores, senão o maior, dos devastadores.

Nesse contexto, resolveu-se tecer algumas considerações a respeito do tema responsabilidade civil do Estado por danos ao meio ambiente, que tem todas suas particularidades decorrentes da natureza do bem a que se busca dar proteção.

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02. Meio Ambiente

Conceituar meio ambiente não é uma tarefa das mais fáceis. Sua definição sempre é feita de forma descritiva já que é impossível fazer a partir de sua essência.

A vida em todas as suas formas é condicionada/influenciada por uma série de fatores, bióticos e abióticos, naturais e artificiais ... É o conjunto dessas condições, leis e influências que se denomina meio ambiente.

Note-se que a vida (não só a humana) é o ponto de partida para que possamos intuir acerca da noção de meio ambiente, que abarca necessariamente tudo aquilo que a abriga, a permite, a rege.

Nos valemos da lição de José Afonso da Silva, para o qual "o conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a natureza, o artificial e original, bem como os bens culturais e correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arquitetônico. O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas suas formas".

O meio ambiente, segundo nosso ordenamento jurídico, possui o status de macrobem, ou

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seja, por uma ficção jurídica cria-se um novo bem de natureza coletiva distinto daqueles outros bens que o formam, os quais são chamados pela doutrina de elementos naturais, bens ambientais ou, ainda, recursos ambientais.

Assim não há que se confundir as expressões: "bem ambiental" e "o bem meio ambiente".

Chega-se a essa conclusão pela leitura do art. 225 da Constituição Federal de 1988: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo...". A propriedade dos recursos naturais continua a ser regida pelas normas de direito privado e público (CC – 528 e CF/88 – 22, III, v. g.), mas o meio ambiente como bem distinto daqueles é considerado pertencente a toda a coletividade, caracterizado-se por um autêntico bem de titularidade difusa.

03. Dano Ambiental

Dano ambiental é a alteração em qualquer recurso natural que venha a lesá-lo, degradando-o. É a alteração adversa ou in pejus (negativa) do equilíbrio ecológico.

Existe, é certo, um limite de tolerabilidade para que as alterações negativas a um recurso natural possam ser consideradas como dano ambiental e merecer, portanto, reparação.

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Apenas aqueles reconhecidamente gravosos, que venham a extrapolar o limite mínimo que o bem ambiental suporta, prejudicando sua qualidade e utilidade normal, é que podem configurar dano indenizável.

Em outras palavras, o dano ambiental se dá quando o homem deixa de usar do bem ambiental e passa a abusar dele, vindo a afetar o equilíbrio do meio ambiente como um todo.

A lesão a um recurso natural normalmente causa prejuízo patrimonial (ou moral) a determinada pessoa ou grupo de pessoas. P. ex.: a poluição das águas da Baía de Guanabara causada por derramamento de óleo, onde um número determinado de pescadores sofreram prejuízos decorrentes dos lucros cessantes, face à impossibilidade da pesca na região por certo período.

O dano ambiental, porém, para merecer reparação, não precisa ser individualizado, não se confunde ele com o dano individual (moral ou patrimonial) causado a determinada pessoa (ou grupo), embora guardem ambos uma relação de causa-efeito. 1

É propriamente a lesão ao macrobem meio ambiente que se denomina de dano ambiental, não que se considere de todo errado assim chamar aquele dano individual, reflexo ou indireto, considerando que, nesta hipótese, eventual demanda 1 A maioria da doutrina utiliza a expressão dano ambiental para identificar tanto o dano o individual, chamado de especial ..., como o extrapatrimonial coletivo ...

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teria como base um interesse próprio do indivíduo ao microbem ambiental, mas que, de forma incidental, repercute na proteção do macrobem ambiental que é da coletividade.

04. A Reparação do Dano Ambiental

Um dos princípios basilares do direito ambiental é o da precaução, segundo qual todas as ações do poder público devem objetivar sejam evitados quaisquer danos ao meio ambiente, princípio este a ser seguido quando do licenciamento e fiscalização ambientais.

Apenas se impossível uma atuação preventiva totalmente eficaz é que se deverá pensar na responsabilização daquele de causou um dano ambiental.

Não se pode fomentar a idéia de que a reparação de um dano causado, que poderia ter sido evitado, satisfaz a necessidade coletiva na preservação ecológica. No dizer de Paulo Affonso Leme Machado: "um carrinho de dinheiro não substitui o sono recuperador, a saúde dos brônquios, ou a boa formação do feto".

No entanto, a noção de responsabilidade civil advém da reparação do dano, ou seja na busca de se levar ao status quo ante aquele bem já atingido.

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O meio ambiente, ao ser atingido por uma agressão, pode ter sua reparação operada através da repristinação (ou recomposição), compensação ou indenização.

Não se pode confundir, mais uma vez, o macrobem ambiental com o recurso natural atingido pela conduta danosa (microbem ambiental ou bem ambiental), o que evitará alguns equívocos perpetrados por profissionais do direito, como afirmar que a morte de um animal não pode ser reparada, ou a destruição de um morro para retirada de areia etc2.

O bem meio ambiente, pelo menos em tese, sempre pode ser reparado, quando não o puder será o nosso fim.

A repristinação é a busca da recuperação do bem ambiental afetado, deve ser feita sempre com base em solução técnica proveniente do órgão público competente. É o caso de um madeireiro ser compelido a promover o replantio de floresta devastada.

A compensação, como o próprio nome diz, se dá quando aquele que degradou um bem ambiental é obrigado a recuperar outro. V. g., um caçador apanhado com vários animais abatidos, pode ser compelido a promover o plantio de determinadas espécies vegetais nativas.

2 O elemento natural é que na maioria das vezes não pode ser recuperado, mas isso não significa dizer que o dano ambiental seja de impossível reparação.

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O Juiz ou o órgão ambiental, ao optarem pela compensação, deverão buscar uma certa ligação entre o recurso afetado e o recuperado, buscando evitar áreas extremamente diversas, vez que não poderão restabelecer o ecossistema, além de pouco contribuir para o efeito pedagógico da reparação.

No exemplo dado, poderia ser determinado ao autor do dano o plantio de espécies vegetais típicas do habitat onde os animais viviam, o que de alguma forma facilitaria a procriação e a perpetuação da espécie dos animais caçados.

A última forma de reparação do dano ambiental é a indenização em dinheiro, a qual reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais (Lei 7.347/85 – 13), que deverá ser aplicado na recuperação da área ou bem atingido ou na promoção de atividades científicas ou educativas relacionadas à modalidade do dano causado.

05. O Princípio do Poluidor-Pagador (ou da Responsabilidade)

Tal princípio parte da premissa que o meio ambiente é bem da coletividade e, conseqüentemente, se alguém, no exercício de atividade produtiva vier a lesar tal bem (causando perdas externas), é obrigado a reparar seus verdadeiros titulares, ou seja, repele-se a velha fórmula da privatização dos lucros e socialização dos prejuízos.

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O empreendedor, assim, deve computar os danos eventualmente causados ao meio ambiente como custos da produção.

Não se deve ver o princípio como se se estivesse tolerando a degradação mediante um preço, mas sim como uma medida que visa de modo genérico evitar o dano, coibindo degradações futuras.

É sobre tal princípio que se funda toda a teoria da responsabilidade objetiva por dano ao meio ambiente.

06. A Responsabilidade Civil por Danos ao Meio Ambiente

Foi em 1977, a primeira vez que a responsabilidade objetiva foi adotada em nosso ordenamento positivo. O Decreto 79.347, de 28/3/1977, promulgou a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo. Logo após, em 17/10/1977, foi editada a Lei 6.453, que acolheu a responsabilidade objetiva relativamente aos danos provenientes de atividade nuclear.

Em 1981, foi publicada a Lei 6.938/81, dispondo em seu art. 14, §1o, que, "sem prejuízo das penas administrativas previstas nos incisos do artigo, o poluidor é obrigado, independentemente de

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culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiro, afetados por sua atividade".

Embora a doutrina majoritária defenda que o Constituinte de 1988 elevou a nível constitucional a responsabilidade objetiva por danos ambientais, a interpretação do seu art. 225, §3o não parece conduzir com facilidade a essa conclusão, vez que menciona que "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados".

Embora valha-se do imperativo sujeitarão, o texto constitucional não se utiliza da expressão "independentemente de culpa". Ademais, como bem critica Michele Dantas de Carvalho, "uma análise perfunctória do texto da Carta Magna permite observar a utilização do termo infratores. Sob esta denominação englobam-se aqueles que violam a lei, ou seja, descumprem um mandamento legal. Nesse sentido poder-se-ia concluir que a apuração da responsabilidade civil estaria condicionada à desobediência da lei pelo poluidor. Do oposto sendo lícita a atividade danosa, o agressor ficaria incólume quanto à obrigação de ressarcir."

Todavia, embora tenha total razão a autora, a falta de técnica não foi capaz de desvirtuar a ratio da norma. Não seria agora em que o meio ambiente tornou-se alvo de maior atenção, merecendo inclusive capítulo na Constituição, que o constituinte iria regredir quanto à responsabilidade objetiva já adotada por nosso

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direito positivo.

De qualquer sorte, as disposições legais acima referidas mostram-se compatíveis com o novo texto constitucional, estando, portanto, em pleno vigor.

Uma interpretação literal dessas disposições normativas, no entanto, não esclarecem se o Direito positivo brasileiro abraçou a teoria da responsabilidade objetiva do risco (criado) – que admite determinadas excludentes - ou do risco integral – que inadmite tais excludentes.

Quanto ao debate, preferimos a lição de Sérgio Ferraz, que afirma que a responsabilidade objetiva por dano ao meio ambiente deve se fundamentar na teoria do risco integral e que esta responsabilidade é solidária. Vejamos suas considerações, verbis:

"Não tenho dúvida em dizer que o próprio esquema de responsabilidade objetiva tem que ser, por seu turno, encarado como uma certa ousadia (...) A doutrina e jurisprudência têm afirmado uma certa repulsa ao princípio do risco integral (...) Creio que , em termos de ano ecológico, não e pode pensar em outra colocação que não seja a do risco integral. Não se pode pensar em outra malha se não a malha realmente bem apertada que

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possa, na primeira jogada da rede, colher todo e qualquer possível responsável pelo prejuízo ambiental..."

Isso decorre do princípio do poluidor-pagador: empreendedor tem que computar o dano ao meio ambiente como custo de sua atividade e não repassar à coletividade esse ônus.

Assim, em se tratando de dano ao meio ambiente, a responsabilidade deverá ser objetiva e com as seguintes características: a) inversão do ônus da prova sobre o nexo de causalidade; b) solidariedade; c) inoponibilidade de excludentes e d) irrelevância da licitude da atividade.

Basta, pois, a demonstração do dano, da(s) conduta(s) e do nexo de causalidade entre ambos, para fazer surgir o dever de reparação.

6.1 A demonstração do nexo deve ser atenuada por exigência das próprias características do bem tutelado... "Basta que potencialmente a atividade dos agente possa acarretar prejuízo ecológico para que se inverta imediatamente o ônus da prova, para que imediatamente se produza a presunção de responsabilidade, reservando, portanto, para o eventual acionado o ônus de procurar excluir sua imputação" (Mancuso).

6.2 A responsabilidade será solidária, ou

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seja, eventual ação poderá cobrar a reparação integral do dano de qualquer um dos que tenham contribuído para sua ocorrência. Estes que, posteriormente, em ação própria discutam a parcela de responsabilidade de cada um.

Hely Lopes, referindo-se à Lei 7.347/85, afirmou que "a legitimação passiva estende-se a todos os responsáveis pelas situações ou fatos ensejadores da ação, sejam pessoas físicas ou jurídicas inclusive as estatais, autarquias e paraestatais, porque tanto estas como aquelas podem infringir normas de direito material de proteção ao meio ambiente ...".

Veja-se, ainda, a propósito decisão do egrégio Superior Tribunal de Justiça "A ação civil pública pode se proposta contra o responsável direto, contra o responsável indireto ou contra ambos, pelos danos causados ao meio ambiente. Trata-se de caso de responsabilidade solidária, ensejadora de litisconsórcio facultativo (CPC-46, I) e não do litisconsórcio necessário (CPC – 47)"3.

6.3 A própria natureza difusa do bem afetado torna inoponíveis as chamadas excludentes de responsabilização – culpa da vítima, caso fortuito e força maior.

Como alegar culpa da vítima se a vítima é toda a coletividade. Qualquer pretensão nesse sentido será resolvida com a aplicação da responsabilização solidária – todos deverão ser

3 RESP 37.354-9/SP

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responsabilizados (incluindo-se, aí, a pretensa vítima).

Quanto ao caso fortuito e força maior, tem-se que é o empreendedor deve suportar os riscos de seu negócio e não a coletividade, ainda que o dano advenha de força da natureza, não seria justo que toda a coletividade responda por tal custo adicional, já que as receitas com certeza serão privatizadas.

Mancuso diz que no tocante aos danos ao meio ambiente não devem ser aceitas as clássicas exclusões de responsabilidade (caso fortuito, força maior ...), aderindo a posição de Nelson Nery Junior que diz "... não se operam como causas excludentes da responsabilidade o caso fortuito e a força maior. Ainda que a indústria tenha tomado todas as precauções para evitar acidentes danosos ao meio ambiente, se p. ex. explode um reator controlador da emissão de agentes químicos poluidores (caso fortuito), subsiste o dever de indenizar. Do mesmo modo, se por um fato da natureza ocorrer derramamento de substância tóxica existente no depósito de uma indústria (força maior), pelo simples fato de existir a atividade há o dever de indenizar".

6.4 A alegativa de licitude da conduta que ocasionou o dano não pode afastar o dever de indenizar. A conduta em si pode até ser lícita, mas nosso ordenamento não abre hipótese para - não torna lícito(a)-: a existência de direito subjetivo de degradar o meio ambiente ou eximir de responsabilidade qualquer um que o faça.

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Nas palavras de José Afonso da Silva, "não exonera, pois, o poluidor ou degradador a prova de que sua atividade é normal e lícita, de acordo com as técnicas mais modernas. Lembra Helli Alves de Oliveira a doutrina da normalidade da causa e anormalidade do resultado, que fundamenta a reparação no caso da responsabilidade objetiva. Não libera o responsável nem, mesmo a prova de que a atividade foi licenciada de acordo com o respectivo processo legal, já que as autorizações e licenças são outorgadas com a inerente ressalva de direitos de terceiros, nem que exerce a atividade poluidora dentro dos padrões fixados, pois isso não exonera o agente de verificar, por si mesmo, se sua atividade é ou não prejudicial, está ou não causando dano."

Em suma pode-se afirmar que, para exonerar-se da obrigação de reparar o dano ambiental, cabe duas alegativas: a)não integrou o nexo etiológico (não houve conduta ou não há nexo de causalidade), ou seja não praticou qualquer conduta que contribuísse para o resultado danoso; ou b) não houve dano.

07. A Responsabilidade Civil do Estado por Danos ao Meio Ambiente

Todas as disposições normativas referidas no item anterior, por óbvio, também se aplicam ao dano causado pelo Estado. Não há o mínimo de respaldo em pretender qualquer privilégio para a administração pública nessa seara, pelo contrário.

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Outrossim, não se pode deixar de lado o disposto no art. 37, §6o da Constituição Federal de 1988, que se aplica sem restrições com relação aos danos causados ao meio ambiente. Trata-se da regra geral sobre a responsabilidade civil do Estado.

7.1 Assim, se o dano ao meio ambiente foi causado por uma pessoa jurídica de direito público ou privada prestadora de serviço público, será a mesma responsabilizada independentemente da ausência de culpa do agente ou da demonstração de licitude de sua conduta.

O mesmo pode ser afirmado se o Estado age sobre a forma de pessoa jurídica de direito privado prestando uma atividade comercial, p. ex..

Em todas as situações, pela aplicação dos artigos 14, §1o, da Lei 6.938/81, 225, §3o, da Constituição Federal, alcançar-se-ia a responsabilidade objetiva do ente estatal causador do dano.

Assim, por qualquer dos caminhos, não há maiores complicações para a responsabilização estatal quando o dano provenha de uma conduta comissiva de um agente seu, v.g, quando uma empresa estatal produtora de aço joga poluentes em um rio, ou quando um prefeito municipal determina a disposição dos resíduos sólidos nos chamados "lixões", vindo a poluir o lençol freático com chorume.

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Necessário tão-somente a demonstração do nexo de causalidade entre o comportamento positivo estatal e o dano.

7.2 Questão mais complicada se dá quando o dano provenha de um particular, uma indústria privada, v. g..

Devemos lembrar do dito acima, acerca da responsabilidade solidária por danos ambientais.

Assim, diante de um dano causado por um terceiro, responderá o Estado solidariamente se de alguma forma houver contribuído para sua ocorrência.

7.2.1 Quando tal "contribuição" se der por um ato comissivo de um agente estatal, a questão se resumirá à identificação do nexo de causalidade entre tal conduta e o dano, a responsabilidade, aí, é objetiva. P. ex. se um agente do estado licencia uma atividade para que se desenvolva em determinados padrões e, posteriormente, se vê que houve degradação ambiental. Responderá o Estado independentemente da demonstração de culpa do seu agente ou de falha no serviço.

Relembre-se, aí, a irrelevância da licitude da conduta.

Se o órgão ambiental licencia

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atividade obedecendo as normas que disciplinam o tratamento de resíduos líquidos de determinado tipo de indústria, permite que após determinado processamento tal líquido possa ser jogado em curso d'água e, posteriormente, vê-se que, mesmo seguindo a risca tais exigências, houve poluição, com morte de espécimes, haverá indubitavelmente a responsabilidade do ente estatal por ação, independentemente de ter que se demonstrar que houve falha da administração (por haver se equivocado quando da fixação de padrões etc).

7.2.2 Agora se o Estado não integra a cadeia de causalidade por um ato comissivo de seu agente, mas se vê que foi exatamente a omissão estatal que "contribuiu" para a ocorrência do dano, sua responsabilização só poderá se dar através da demonstração da culpa do serviço.

Sabe-se que, do nada, nada provém, ou seja jamais se poderia utilizar a regra da causalidade natural para se imputar um resultado a alguém que nada fez.

Só se poderá atribuir um resultado à uma omissão estatal se se demonstrar que o serviço não funcionou, funcionou mal ou funcionou intempestivamente, ou seja se se demonstrar a culpa do serviço público.

Voltemos ao nosso exemplo: se o órgão ambiental licenciou a atividade para funcionar atendendo a determinados padrões - para que processe o resíduo antes de despejá-lo no curso d'água - e o

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empreendedor descumpre tais condições, jogando o resíduo na natureza antes de processá-lo conforme determinado, responderá solidariamente o Estado somente se se reconhecer que o mesmo não procedeu a uma fiscalização constante, considerada razoável, exigível de uma administração padrão.

O mesmo se diz daquele que inicia atividade sem a autorização do órgão ambiental competente.

"O fato de incumbir ao Poder Público o dever de proteger o meio ambiente não obriga a estar presente em toda e qualquer situação, onde quer que seja, impedindo agressões, como se ele fosse capaz de adivinhar tudo. É preciso que se veja a questão com razoabilidade e não se exija do Estado o impossível ou inviável."

7.3 O mesmo tratamento (responsabilidade por culpa do serviço) deverá ser dado, quando o dano proveio de um evento da natureza, p. ex. uma tempestade que fez um rio transbordar por falta de constante limpeza (omissão) de canal por onde passava o curso d'água.

08. Conclusões

Em resumo, pode-se dizer que responderá o Estado por danos ao meio ambiente:

a) objetivamente, se de alguma forma integrou, por ação de agente seu, o nexo etiológico.

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b) subjetivamente, se não agiu para impedir a efetivação do dano.

Deve-se, no entanto, agir com razoabilidade, ao aplicar na prática tal entendimento, sob pena de se tentar responsabilizar o Estado por todo e qualquer dano que venha a ser causado ao meio ambiente, o que, na verdade, provocaria o retorno à velha fórmula "socialização dos prejuízos e privatização dos lucros".

Não se pode pretender buscar por todos os modos enxergar um ato (ou omissão) estatal como tendo sido também causa de um dano nitidamente provocado por uma atividade privada, pois, assim, estar-se-ia a penalizar a própria vítima (a coletividade), já que seria ela, indiretamente, a que responderia por tais danos.

08. Bibliografia

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Limonad, p. 299/328

Jucovsky, Vera Lúcia R. S. – Responsabilidade Civil do Estado por Danos Ambientais – Editora Juarez de Oliveira - 2000

Leite, José Rubens Morato – Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial – Editora Revista dos Tribunais – 1a

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Machado, Paulo Affonso Leme – Direito Ambiental Brasileiro – Editora Malheiros – 3a Edição

Mancuso, Rodolfo de Camargo – Ação Civil Pública - Editora Revista dos Tribunais – 6a Edição

Milaré Édis – Direito do Ambiente – Editora Revista dos Tribunais – 1a Edição

Mukai, Toshio – Direito Ambiental Sistematizado – Editora Forense - 2002

Silva, José Afonso da – Direito Ambiental Constitucional – Editora Malheiros – 3a

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