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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO FRANCISCO ANTÔNIO CASCONI Juiz do Segundo Tribunal de Alçada Civil Professor de Direito Processual Civil da Universidade Paulista - UNIP-SP Mestrando em Direito Processual Civil INTRODUÇÃO Nos primórdios de nossa era, face à inexistência de qualquer norma reguladora da reparação do dano, predominava a vingança privada. Os primeiros vestígios de certa regulamentação da matéria surgem com o advento da Lei das Doze Tábuas quando esta primitiva forma de auto-reparação passa a ser disciplinada pelo poder público (lei de talião). O legislador, apropriando-se da iniciativa particular, passa a intervir declarando quando e em que condições a vítima teria direito de retaliação. Nesta fase, contudo, ainda não se distinguia responsabilidade civil da responsabilidade penal. O instituto da responsabilidade, consistente na idéia de punir o dano impondo ao causador sofrimento igual, constava do Código de Hamurabi, do Código de Manu e mesmo do direito hebreu, legislações anteriores ao direito romano. Contudo, foi o Direito Romano, inobstante a ausência de elaborações teóricas, que forneceu a base para a construção do sistema jurídico ocidental atual, e em especial no que pertine ao tema em estudo.

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INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

lstitucional do usucapião. -iedade e os direitos reais Saraiva, 1991.

Direito das coisas. Natal:

~. A propriedade rural na t, Carlos Alberto. A :onstituição de 1988. São

RESPONSABILIDADE CIVIL DO

'iucapião. 10 ed. Curitiba: ADVOGADO

ra. Usucapião especial FRANCISCO ANTÔNIO CASCONIdo Instituto de Pesquisas Juiz do Segundo Tribunal de Alçada Civil 1, (20): 243-266, dez/97­Professor de Direito Processual Civil da

Universidade Paulista - UNIP-SP Mestrando em Direito Processual Civil

INTRODUÇÃO

Nos primórdios de nossa era, face à inexistência de qualquer norma reguladora da reparação do dano, predominava a vingança privada. Os primeiros vestígios de certa regulamentação da matéria surgem com o advento da Lei das Doze Tábuas quando esta primitiva forma de auto-reparação passa a ser disciplinada pelo poder público (lei de talião). O legislador, apropriando-se da iniciativa particular, passa a intervir declarando quando e em que condições a vítima teria direito de retaliação. Nesta fase, contudo, ainda não se distinguia responsabilidade civil da responsabilidade penal.

O instituto da responsabilidade, consistente na idéia de punir o dano impondo ao causador sofrimento igual, já constava do Código de Hamurabi, do Código de Manu e mesmo do direito hebreu, legislações anteriores ao direito romano. Contudo, foi o Direito Romano, inobstante a ausência de elaborações teóricas, que forneceu a base para a construção do sistema jurídico ocidental atual, e em especial no que pertine ao tema em estudo.

142 FRANCISCO ANT6NIO CASCONIINSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

No direito romano a responsabilidade civil evoluiu da vingança privada Uustiça punitiva) para a distributiva, ficando a punição a cargo do Estado. Os casos de responsabilidade passam a contar com previsão legal, mediante as figuras delituais, realizando-se a distinção entre delito ou delicta (violação intencional da norma de conduta) e os quase delicta (infração cometida por agente que operando sem malícia, mas com negligência não escusável, vem a prejudicar outrem).

O surgimento da lex aquilia é considerado pelos doutrinadores como a verdadeira revolução no campo do direito da responsabilidade, marco tão acentuado que a ela se prende a denominação de aquiliana como designativo da responsabilidade extracontratual em oposição à contratual, e também a ela se imputa o surgimento do elemento "culpa", como essencial para a reparação do dano e substituição das multas fixas por uma pena proporcional ao dano causado. Partindo da figura do damnum os jurisconsultos e pretores alcançaram a noção de prejuízo, estabelecendo a máxima de que se o dano não causa prejuízo não enseja indenização. Desta forma, para que se configurasse o damnum injuria datum passou a ser necessário a coexistência de três elementos: a) damnum, ou lesão na coisa; b) injuria, ou ato contrário ao direito; e a c) culpa, quando o dano resultava de ato positivo do agente, praticado com dolo ou culpa. No último estágio do direito romano as ações de responsabilidade abrangiam não só os danos materiais como também os próprios danos morais.

Outra preciosa fonte de inspiração e contribuição à construção do instituto da responsabilidade foi o Código Civil Francês, também conhecido como Código de Napoleão. Nele a reparação deixa de depender da gravidade da culpa, que passa a ser dividida em categorias: a que acarreta ao mesmo tempo a responsabilidade penal do agente, perante o Estado, e a responsabilidade civil, perante a vítima; culpa contratual, relativa às pessoas que descumprem as obrigações; e as que não são relacionadas nem a crime nem a delito, mas são originárias de negligência ou imprudência.

No direito pré-codificado pátrio, Caio Mário da Silva Pereira aponta três fases distintas, no que pertine à responsabilidade civil.

A primeira fase refere Ordenações do Reino paJ direito romano, por força 4

se com o Código Crimi ressarcimento. Na subseq Freitas, já há uma separa criminal, que passa a ser fl

TEORIA GERAL DA REi

a) conceito

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INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

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FRANCISCO ANTÔNIO CASCONI

A primeira fase refere-se à determinação constante das Ordenações do Reino para que se aplicasse subsidiariamente o direito romano, por força da Lei da Boa Razão. A segunda inicia­se com o Código Criminal de 1830 que esboça a idéia de ressarcimento. Na subseqüente, que inicia-se com Teixeira de Freitas, já há uma separação entre a responsabilidade civil e a criminal, que passa a ser fundamentada no conceito de culpa.

TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL

a) conceito

Leciona José de Aguiar Dias que "toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade. Isso talvez dificulte o problema de fixar o seu conceito, que varia tanto como os aspectos que pode abranger, conforme as teorias filosófico-jurídicas" (opus cit., p. 07).

A responsabilidade, como soberanamente aponta Aguiar Dias, não é um fenômeno exclusivo da vida jurídica, mas um fato social. O que interessa, contudo, para o direito é a violação da norma ou da obrigação pelo agente, situação que faz nascer a responsabilidade juridicamente relevante.

O instituto da responsabilidade é dinâmico, transformando-se e evoluindo conforme a época, assegurando o restabelecimento do equilíbrio desfeito em razão da ocorrência de um dano. Tal situação, se por um lado denota o princípio norteador da responsabilidade civil que é a pacificação e a manutenção do equilíbrio e harmonia da vida em sociedade nas diferentes épocas, por outro dificulta a formulação de l';"1a ~~oria llnitária e permanente do instituto.

A palavra responsabilidade, originária do latim re-spondere, significa garantia da restituição ou compensação do bem sacrificado, obrigação de restituir ou ressarcir. Evoca a situação daquele que, por qualquer título, deve arcar com as conseqüências de um fato danoso.

Mário da Silva Pereira à responsabilidade civil.

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l

144 FRANCISCO ANTÔNIO CASCONI INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

Verifica-se, portanto, que o termo "responsabilidade" traz intrínseca a idéia de obrigação, e por conseguinte culpa e imputabilidade.

Tentativas de se estabelecer um conceito aproximado do instituto.

Para Savatier a responsabilidade consistiria na obrigação de alguém reparar dano causado a outrem por fato seu, ou fato das pessoas ou coisas que dele dependam. A culpa e o risco não atuariam como fundamento mas como fontes da responsabilidade. Seriam títulos, modos, casos de responsabilidade. Por outro lado, para Josserand a responsabilidade considera o equilíbrio de interesses e direitos, comportando dois pólos, o objetivo, em que transparece o risco criado, e o subjetivo, onde predomina a culpa. Consoante Serpa Lopes, responsabilidade é a obrigação de reparar um dano, seja por decorrer de uma culpa ou de uma outra circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva. Caio Mário enuncia a responsabilidade como o princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano. Neste sentido, existindo a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, independentemente da existência ou não de culpa, presente a responsabilidade (opus cit., p. 11).

Antes de passarmos ao estudo dos pressupostos, parece conveniente breve distinção entre a responsabilidade civil e a penal. Tanto numa quanto na outra há uma infração a um dever por parte do agente. Contudo, nesta última o agente infringe uma norma de direito público, lesando um interesse da sociedade, perturbando a ordem social. Nesta hipótese é indiferente para a sociedade a existência ou não de prejuízo experimentado pela vítima. Já no ilfcito civil, o interesse diretamente lesado é o privado. O agente causa dano à vítima e deve repará-lo, ainda que seu ato não tenha infringido norma de ordem pública. Sendo de interesse apenas do prejudicado, se este permanecer inerte ou resignar-se com o prejuízo, o agente causador do dano não sofrerá qualquer conseqüência, exceto se o ato ilícito praticado repercutir também na esfera penal. A responsabilidade penal é pessoal e intransferível enquanto a civil é patrimonial. Na esfera penal, a

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b) Pressupostos da Resl

• Ação

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• Dano

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:ste permanecer inerte ou lsador do dano não sofrerá ilícito praticado repercutir lilidade penal é pessoal e rloniaI. Na esfera penal, a

FRANCISCO ANTÔNIO CASCONI

tipicidade é um dos requisitos genencos do crime. Na cível, qualquer omissão ou ação, desde que viole direito ou cause prejuízo a outrem, pode gerar a responsabilização.

b) Pressupostos da Responsabilidade Civil

• Ação

Não há responsabilidade se inexistir comportamento humano, positivo ou negativo, contrário à ordem jurídica. A ação ou omissão é, portanto, o elemento primário de todo ilícito, constituindo a base do resultado lesivo.

Todo e qualquer "ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado", circunscreve-se no âmbito da responsabilidade (Curso de Direito Civil Brasileiro, ]O volume, 11 a edição, 1997, p. 37).

A omissão caracteriza-se por um non facere relevante para o direito. Consoante leciona Frederico Marques, citado por Ruy Stoco, "a omissão é uma abstração, um conceito de linhagem puramente normativa, sem base naturalística. Ela aparece, assim, no fluxo causal que liga a conduta ao evento, porque o imperativo jurídico determina um facere para evitar a ocorrência do resultado e interromper a cadeia de causalidade natural, e aquele que deveria praticar o ato exigido, pelos mandamentos da ordem jurídica, permanece inerte ou pratica ação diversa da que lhe é imposta" (p. 55). Desta forma, para que se configure a responsabilidade por omissão é necessário que exista dever jurídico de praticar determinado ato e que se demonstre que, tendo sido praticado oportunamente, o dano teria sido evitado. Esse dever jurídico de não se omitir pode ser imposto por lei, resultar de convenção ou mesmo em razão da criação de alguma situação de perigo.

• Dano

Só haverá responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, se houver um dano a ser reparado, sendo imprescindível a prova

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concreta e real do prejuízo. A inexistência de prejuízo toma sem objeto a pretensão à sua reparação. Neste sentido, jurisprudência citada por Ruy Stoco: "somente danos diretos e efetivos, por efeito imediato do ato culposo, encontram no Código Civil suporte de ressarcimento. Se dano não houver, falta matéria para a indenização. Incerto e eventual é o dano quando resultaria de hipotético agravamento da lesão. (TiS? - r c. - Rei. Octávio Stucchi - RT 612/244)".

Em certas situações, contudo, a lei presume o dano, como ocorre na Lei de Imprensa em relação ao dano moral em casos de calúnia, injúria e difamação praticados pelos veículos de comunicação. O dano pode ser moral ou patrimonial, observando­se que quanto ao dano moral a reparação tem caráter satisfativo e de pena. Já o dano patrimonial compreende o dano emergente e os lucros cessantes.

• Nexo de causalidade

Nexo de causalidade também constitui elemento objetivo da responsabilidade civil, consistente no vínculo entre a ação e o dano produzido. Se houve o dano mas sua causa não estiver relacionada com a conduta do agente, inexiste a relação causal, o que afasta a obrigação de indenizar.

c) Excludentes do nexo de causalidade il

Não haverá nexo se o evento ocorrer por a) culpa exclusiva da vítima; b) compensação de culpas, isto é, as partes são simultaneamente vítimas e agentes, sendo as culpas equivalentes; c) culpa exclusiva de terceiro; d) força maior ou caso fortuito; e) existência de cláusula de não indenizar.

RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRA TUAL

Os atos ilícitos, aqueles praticados com infração ao dever legal de não lesar a outrem, estão regulados nos artigos 159 e 160 do Código Civil, e são fontes de obrigação: a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado, trata-se de responsabilidade

FRANCISCO ANTÔNIO CASCONI

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Contudo, não pode entre as duas respo convenção, enquanto dever genérico de nã contratual a culpa é pr descumprimento da c inexistência de culpa d fortuito ou outra exc extracontratual ao les, dolo do causador de vinculando-se contrat assistido por represent hipótese de malicio. responsabilidade pele hipóteses. Já na resI menor, entre dezessei: equiparando-se ao mai de atos ilícitos em que

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO FRANCISCO ANTÔNIO CASCONI

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extracontratual ou aquiliana (artigo 1.518 e seguintes). Mas se uma pessoa causa prejuízo a outrem por descumprir uma obrigação contratual, tal inadimplemento também acarreta a responsabilidade de indenizar as perdas e danos, nos termos dos artigos 956 e seguintes e 1.056 e seguintes, todos do Código Civil.

Muitos autores entendem que, sendo as duas responsabilidades de igual natureza, inexistiria razão para discipliná-las separadamente. E, com efeito, seus pressupostos são comuns: dano, culpa e nexo causal entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima. E se a responsabilidade se funda na culpa, e esta consiste na infração a uma obrigação preexistente, segundo Planiol, irrelevante distinguir-se a origem da obrigação violada, se derivada de contrato ou de qualquer outra fonte. Da mesma forma, no que pertine às perdas e danos, inócuo perquirir­se se a obrigação desafiada é de natureza contratual ou extracontratual vez que a indenização não é equivalente à obrigação descumprida, mas ao prejuízo sofrido.

Contudo, não podemos deixar de observar algumas distinções entre as duas responsabilidades: a) a contratual deriva de convenção, enquanto a extracontratual decorre da violação do dever genérico de não lesar a outrem; b) na responsabilidade contratual a culpa é presumida, isto é, demonstrado pelo credor o descumprimento da obrigação, compete ao devedor provar a inexistência de culpa de sua parte, ocorrência de força maior, caso fortuito ou outra excludente da responsabilidade; enquanto na extracontratual ao lesado incumbe o ônus de provar a culpa ou dolo do causador do dano; c) em matéria de capacidade, vinculando-se contratualmente o menor púbere somente se assistido por representante legal e, excepcionalmente, sem ele, na hipótese de maliciosamente ter se declarado maior, sua responsabilidade pelo inadimplemento restringe-se a estas hipóteses. Já na responsabilidade extracontratual, cumpre ao menor, entre dezesseis e vinte e um anos, reparar o prejuízo, equiparando-se ao maior quanto às responsabilidades decorrentes de atos ilícitos em que for culpado (artigo 156 do Código Civil).

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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO

Dispõe o artigo 133 da Constituição Federal que: "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. "

O Código de Ética e Disciplina da OAB, por sua vez, em seu artigo 2°, eleva o advogado à condição de "defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce."

Apesar da advocacia ser considerada por alguns autores um munus público, "o que impõe ao advogado uma correção especial no exercício da profissão", diferentemente do direito francês, no nosso ordenamento jurídico, salvo as situações especiais como o caso de assistência judiciária, o advogado não é obrigado a aceitar toda e qualquer causa. Sendo um profissional liberal, deve obedecer à sua própria consciência, não podendo ser compelido a aceitar o patrocínio de uma causa que afronte suas convicções ou princípios. Contudo, uma vez tenha recebido procuração para atuar em juízo, tem o dever de acompanhar o processo em todas as suas fases, cumprindo diligentemente todos os encargos, observando os prazos. O descumprimento destes deveres além de acarretar ao mesmo sanções disciplinares, previstas no Código de Ética Profissional e no Estatuto da Ordem dos Advogados, impõe o ressarcimento dos prejuízos que vier a causar.

Estabelece o artigo 32 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB ( Lei n° 8.906, de 04 de julho de 1994):

"o advogado é responsável pelos atos que, no exercícío profissional, praticar com dolo ou culpa".

Convém fazer uma pequena distinção entre culpa e dolo. Consiste o dolo, culpa lato sensu, na "contraveniência a uma norma jurídica, a vontade de promover o resultado maléfico"(Ruy Stoco, op. cit., p. 56). Já a culpa stricto sensu "é falta de

diligência na observât; desprezo, por parte d observá-la, com resulta( que o agente se detive. eventuais da sua atitude'

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relação à esta categoria, da prova, a proteção con Comentado, 2a edição, Rl

A responsabilidade de natureza contratual. Con assegurar um resultado po dc meio não sc cxige destl busca do resultado, mm diligência. Cumpre ao ad, melhor forma possível, interesses que lhe foram responsabilidade emerja demonstre a ocorrência de pelo mandatário no desen ensejar indenização o em isto é, ser grosseiro, denot

Neste sentido, ressalv: grave, como a desate desconhecimento de textc ou cabível ao caso, a intl autorizar a ação de inc traduzem evidente incúria

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INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO FRANCISCO ANTÔNIO CASCONI

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diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforçp necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das conseqüências eventuais da sua atitude" (Aguiar Dias, opus cit., p. 140).

A Lei n° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), afastou a responsabilidade objetiva para os profissionais liberais, categoria em que se enquadra a advocacia, ao afirmar expressamente em seu artigo 14, § 4° que a responsabilidade se baseia na culpa. Assim, a responsabilidade civil pelos danos decorrentes do serviço prestado por estes profissionais dependerá da existência e comprovação da culpa. Contudo, anota Arruda Alvim que "inobstante haja a exceção legal para os profissionais liberais do regime da responsabilidade objetiva, não se excepciona a aplicação dos demais dispositivos do Código com relação à esta categoria, como por exemplo a inversüo do ônus da prova, a proteção contratual etc." (in Código do Consumidor Comentado, 2a edição, RT, 1995, p. 139).

A responsabilidade do advogado em relação ao cliente é de natureza contratual. Contudo, não é possível para o advogado assegurar um resultado positivo. Em se tratando de uma obrigação de meio não se exige deste profissional uma conduta específica de busca do resultado, mas um dever genérico de prudência e diligência. Cumpre ao advogado representar o cliente em juízo da melhor forma possível, defendendo com eficiência e zelo os interesses que lhe foram confiados. Em princípio, para que sua responsabilidade emerja é necessário que o cliente lesado demonstre a ocorrência de erro de fato ou erro de direito cometido pelo mandatário no desempenho do mandato. Não bastasse, para ensejar indenização o erro deverá revestir-se de irrecusabilidade, isto é, ser grosseiro, denotando o desconhecimento do direito.

Neste sentido, ressalva José de Aguiar Dias que "só o erro grave, como a desatenção à jurisprudência corrente, o desconhecimento de texto expresso da lei de aplicação freqüente ou cabível ao caso, a interpretação abertamente absurda, podem autorizar a ação de indenização contra o advogado, porque traduzem evidente incúria, desatenção, desinteresse pelo estudo da

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causa ou do direito a aplicar ou, então, caracterizada ignorância, que se torna indesculpável, porque o profissional é obrigado a conhecer o seu ofício sem que seja obrigado a mostrar-se um valor excepcional na profissão" (Da Responsabilidade Civil, p. 327/328). Observa, também, o referido autor que o erro de direito, a despeito de exigir certa gravidade para possibilitar a reparação, não requer presença de culpa grave para ser caracterizada a responsabilidade do mandatário, isto é, o erro grave faz presumir a culpa inescusável.

Resumindo, entende o Mestre Pontes de Miranda que o advogado responde pelos danos que às partes cause por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, ou ignorância, que negligência é, pois o profissional deve cuidar dos seus estudos, a fim de não lesar o constituinte por saber mal, ou não saber o que se supõe incluso no seu ofício (Tratado de Direito Privado, § 5.524, p. 440).

Surge, então, uma questão pertinente: o advogado somente responde por culpa grave? Sustenta Fábio S. de Andrade que a culpa do advogado não é distinta da do homem comum e, em que pese possuir um conhecimento especializado, o que o diferencia do homem médio, "não se pode pretender que só a culpa grave onere o advogado, pois o cliente, normalmente, procura um profissional na expectativa de um atendimento marcado por um

~'l

razoável domínio e conhecimento dos segredos de sua atividade. De modo que a circunstância de a culpa ser leve não exclui o dever de indenizar. É certo que deve estar presente um grau de razoabilidade, na medida em que, em geral, se exige do profissional um conhecimento médio. Essa circunstância, porém, se modifica quando a escolha do profissional tiver sido feita com base na notória especialização. Há que se ter, portanto, uma exigência mais rigorosa quando esse advogado não agir com a eficiência que dele se espera e que lhe é natural. Adota-se, então, um conceito concreto de culpa" (op. cit., p. 92/93).

No que pertine aos pareceres e conselhos emitidos pelo advogado, divergem os doutrinadores. Alguns, como Carvalho Santos, entendem que o advogado não responde civilmente pelos pareceres dados, senão em caso de dolo. Outros, como José de

FRANCISCO ANT6NIO CASCONI

Aguiar Dias, consie visivelmente desautol jurisprudência, pode ainda que ausente doll

A causa mais fTe<

todavia, é o descumpi na perda de prazo f proceder constitui em legais, dispostos eXI advogado os ignore.

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Quanto ao fato inicialmente que não recorrer sempre e ser aconselhar o constítu situações, convencendc lícito que não interpo caso, somente pode ser omitido tinha algum~

Contudo, há entendime existir recurso contra u e portanto, face ao pri prudente que o advoga liberá-lo desse dever. E numa relação de co profissional cabe conci processo, a um certo , cliente e sua conduta ne

Por outro lado, a int, francamente incabíveis também pode causar p deve ser observado que em seu §2°, acrescentac que "quando manifesta

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO FRANCISCO ANTÔNIO CASCONI

caracterizada ignorância, rofissional é obrigado a do a mostrar-se um valor )onsabilidade Civil, p. Itor que o erro de direito, . possibilitar a reparação, >ara ser caracterizada a erro grave faz presumir a

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Aguiar Dias, consideram que um parecer ou um conselho ~lis~velm:nte. desautorizado pela doutrina, pela lei ou mesmo pela JUrIsprudencIa, pode acarretar responsabilização do advogado ainda que ausente dolo no ato. '

A causa mais freqüente de responsabilização do advogado, todavia, é o descumprimento do dever de diligência, configurado na perda de prazo fatal. Consoante a doutrina dominante, tal proceder constitui erro grave, inescusável, vez que os prazos são legais, dispostos expressamente, não sendo tolerável que o advogado os ignore.

Da mesma forma, responde o advogado pela omissão de providências que se tomadas a tempo teriam impedido o perecimento do direito do cliente.

Quanto ao fato de não ter recorrido, de observar-se inicialmente que não parece razoável obrigar o advogado a recorrer sempre e sempre. Pela mesma razão que lhe é lícito aconselhar o constituinte a desistir da demanda, em certas situações, convencendo-se do insucesso do recurso, é possível e lícito que não interponha o recurso. A responsabilidade, neste caso, somente pode ser-lhe imposta se ficar provado que o recurso omitido tinha alguma probabilidade de reformar a decisão. C~nt~do, há entendimento doutrinário no sentido de que enquanto eXIstIr recurso contra uma decisão há possibilidade de reformá-la, e portanto, face ao princípio do duplo grau de jurisdição, mais prudente que o advogado consulte o cliente, pois só este poderia liberá-lo desse dever. Efetivamente, sendo uma atividade fundada numa relação de confiança, característica do mandato, ao profissional cabe conciliar a aleatoriedade, em geral imanente ao processo, a um certo grau de segurança na sua relação com o cliente e sua conduta no acompanhamento da demanda.

Por outro lado, a interposição de recursos indevidos ou quando francamente incabíveis, com intuito meramente procrastinatório, também pode causar prejuízo ao cliente. Quanto a este aspecto, deve ser observado que o artigo 557 do Código de Processo Civil, em seu §2°, acrescentado pela Lei n° 9.756 de 17.12.98, estabelece que "quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo,

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o tribunal condenará o aRravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor".

O descumprimento do dever de prudência, como por exemplo a desobediência às instruções do constituinte, sej a di vergindo das disposições traçadas, seja excedendo os poderes ou utilizando-os de forma prejudicial ao cliente é outro tipo de infração ensejadora de responsabilidade. Consoante Carlos Roberto Gonçalves, "a desobediência às instruções do cliente sempre pode acarretar a responsabilidade do advogado, já que tem ele direito de renunciar ao mandato, se com elas não concordar" (Responsabilidade Civil, Editora Saraiva, p. 275).

Hipótese interessante ocorre quando a causa é de duvidoso êxito, diante da jurisprudência dominante, e o advogado recusa acordo proposto, contra o desejo do próprio cliente, que posteriormente vem a perder a demanda. Nesta situação, há entendimento de que deve ressarcir o constituinte pelo valor que este teria recebido não fosse a obstinação do advogado.

Associando-se o advogado na defesa da causa a ele confiada a um colega de profissão, responde perante o cliente pelos atos prejudiciais praticados pelo colega.

O Código Civil determina que se apliquem ao advogado as disposições relativas ao mandatário (artigo 1.300). Os atos que praticar no estrito cumprimento do mandato reputam-se do mandante e este responde. Mas se o advogado procede "ultra vires mandati", responde pessoalmente pelos abusos e excesso de poder. Sob este prisma, todos os atos praticados pelo procurador que, não importando defesa do direito do constituinte, cause prejuízo a terceiro, circunscrevem-se no âmbito da responsabilidade do advogado.

Estabelecem o~ artigos 25 e 26 do Código de Ética Profissional que o advogado não deve divulgar o que eventualmente tomar conhecimento em razão do seu ofício ou lhe manifestar o cliente, sob confiança, devendo guardar sigilo mesmo em depoimento judicial. O segredo profissional é imposição de ordem pública e

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Ao advogado, da mesma forma que qualquer mandatário ou gestor de negócios, compete prestar contas ao constituinte, transferindo-lhe eventuais vantagens auferidas no exercício do mandato (artigo 1.301 do Código Civil).

Em todas as situações, contudo, como exposto anteriormente, para ocorrer a responsabilidade civil do advogado e indispensável a comprovação do prejuízo. E esta prova oferece algumas dificuldades. Por primeiro deve-se configurar o dano a ser reparado e, posteriormente, precisar a sua extensão. Contudo, a principal característica a ser verificada é a do dano ser certo, isto é, para ser ressarcido não pode haver qualquer dúvida de que o lesado teria uma situação melhor se o agente não tivesse praticado o ato gerador de responsabilidade civil. Prejuízos hipotéticos são, portanto, excluídos.

Freqüente é a hipótese em que a parte perde a "chance" de ter um resultado, eventualmente, favorável, por exemplo porque por culpa do advogado o juiz ou tribunal deixa de apreciar o mérito da ação. Ainda que submetida a um certo grau de aleatoriedade, e a despeito da existência de incerteza quanto à existência do dano, a perda de uma chance pelo cliente não seria caso de configurar a responsabilização do advogado? Por outro lado, como saber se o autor venceria a causa?

No nosso direito, não estampam exemplos desse tipo de prejuízo, fulcrado na "perda de uma chance pelo cliente". Trata­se, contudo, de questão interessante. Fábio S. de Andrade revela que tais situações são freqüentes em outros países, citando a França, em que o Tribunal de Aix de Provence considerou que "se tem sempre uma chance de ganhar o pior processo", ou mesmo a Corte de Poitiers que entendeu que "mesmo que o recurso perdido pelo advogado esteja destinado ao fracasso, um dano deve ser reparado se a vítima podia, em toda sua boa-fé, acreditar em obter ganho de causa". Logicamente tais situações somente se aplicam desde que o cliente prove a existência de alguma possibilidade para o sucesso da causa.

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Considerando, contudo, que a atuação ou mesmo a omissão do advogado deve ser apreciada face ao caso concreto, não vejo impedimento para que, provando o cliente, a existência de virtual e boa chance de ter obtido sucesso na demanda, possa o profissional ser responsabilizado pelo mau resultado obtido. Como por exemplo, na hipótese de não ter o advogado interposto o recurso cabível, quando notório que o entendimento de parte dos componentes do tribunal, quanto à matéria, era favorável ao seu cliente, ou existência de súmula sobre a matéria.

A atividade do advogado tem-se tornado cada vez mais imprescindível e requisitada na nossa sociedade. Contudo, a responsabilidade profissional do advogado ainda representa aspecto pouco estudado e mesmo pouco enfrentado pelos tribunais brasileiros. Fábio Siebeneichler de Andrade aponta três causas para a ausência de casos na jurisprudência nacional: o fato de ser uma obrigação de meio, circunstância que por si já dificulta a apuração da responsabilidade do profissional no resultado da lide patrocinada; existência de um corporativismo extremado; e a desinformação, principalmente por parte dos lesados, clientes prejudicados pela má atuação dos profissionais contratados ("in" artigo publicado na Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul- AJURIS, n° 59, novembro de 1993, p. 91), aos quais podemos acrescentar a precariedade de acesso à Justiça pela população em geral. Trata-se, efetivamente, de um terreno movediço, de difícil transposição, pois se de um lado não se pode debitar sempre ao advogado a responsabilidade por um resultado adverso, em se tratando de obrigação de meio, por outro lado, a demonstração do dano efetivo, face à aleatoriedade que permeia o desenvolvimento do processo, contribui para obstaculizar eventual responsabilização. Contudo, a situação tende a se modificar, seja em razão da criação dos juizados especiais de pequenas causas, ou da atuação de entidades que prestam assistência judiciária, e até mesmo com o surgimento do Código de Defesa do Consumidor, instrumentos que contribuem não só para ampliação do acesso à justiça pela população em geral, como servem também para proporcionar maior nível de conhecimento e informação, colocados à disposição de todos os cidadãos, que mais exigentes,

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JURISPRUDÊNCIA

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INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO FRANCISCO ANTÔNIO CASCONI

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buscam os direitos com mais empenho e segurança. O tema da responsabilidade civil do advogado hoje adquire especial relevo e atualidade, merecendo maior reflexão, como indicam precedentes jurisprudenciais colacionados.

JURISPRUDÊNCIA

Responsabilidade civil - Advogado - Indenizatória ajuizada contra escritório de advocacia por cliente que perdeu a demanda ­Pretensão ao ressarcimento do prejuízo sofrido com a sucumbência sob alegação de que houve erro inescusável do causídico ao não argüir a prescrição da ação - Acolhimento ­

Indenizatória procedente - Sentença mantida - Voto vencido (1° TACSP - 2a C. - ReI. Jacobina Rabello - JTACSP-RT 123/45).

Indenizatória - Mandato - Não interposição de recurso contra sentença que julga extinto o processo em face do reconhecimento da prescrição - Desídia e negligência do mandatário no desempenho do mandato judicial - Descaracterização - À falta do nexo de causalidade não pode o advogado ser responsabilizado por prejuízo sofrido pela parte que teve reconhecida em juízo a prescrição de ação indenizatória intentada em face de terceiro,

porquanto futuro incerto do êxito da referida pretensão. (Ap. c/ Rev. n° 522.139-0/0 - Relator Juiz Ferraz Arruda).

Indenização - Responsabilidade Civil - Advogado - Propositura de ação inadequada - Circunstância que não proporcionou, automaticamente, o direito a eventual ressarcimento pelos danos sofridos - Necessidade de comprovação da total inépcia do profissional e de sua autoria como causador direto do dano ­Inocorrência na espécie - Ação improcedente - Sentença

confirmada. (TJSP - la C. - ReI. Luiz de Azevedo - j. 15.2.90 - RJTJSP 125/176).

Ação de Indenização. Mandato. Responsabilidade principal. Serviços profissionais não realizados. Age com dolo Advogado que recebe razoável valor em dinheiro, para promover Ação de

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Despejo e, decorridos alguns meses, não tendo praticado nenhum ato, apura-se, por certidão expedida pela Ordem dos Advogados

do Brasil, que estava suspensa há longo período (Ap. c/ Ver. N° 523.221-0/9 - São Paulo - ReI. Irineu Pedrotti).

Advogado - Extravio de autos judiciais - Responsabilidade civil - Restauração não promovida pelo causídico, motivando prescrição do direito do mandante - Indenização devida ­Incumbência que competia ao procurador, ainda que sem culpa ­Inaplicabilidade da "exceptio non adimpleti contractus" ­

Aplicação dos arts. 87, XVII, da Lei n° 4.215/63 e 1.092 do Cc.

(RT 6581150). Ação - Reparação de danos - Responsabilidade Civil ­

Advogado - Sociedade Civil para colaboração recíproca ­Extinção do processo com fundamento nos artigos 267, VI e 301, X, ambos do Código de Processo Civil - Não cabimento ­Ocorrência de responsabilidade civil dos sócios de forma solidária e ilimitada por danos causados ao cliente - Recurso provido do

autor, prejudicado o do réu (Apelação Cível n. 12.987-4 ­São Paulo - 6a Câmara de Direito Privado - Relator Reis Kuntz).

BIBLIOGRAFIA

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INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

não tendo praticado nenhum pela Ordem dos Advogados

go período (Ap. cf Ver. N° rineu Pedrotti).

udiciais - Responsabilidade pelo causídico, motivando

e - Indenização devida ­'ador, ainda que sem culpa ­1 adimpleti contractus" ­

n° 4.215/63 e 1.092 do Cc.

Responsabilidade Civil ­1 colaboração recíproca ­:0 nos artigos 267, VI e 301,

Civil - Não cabimento ­ias sócios de forma solidária liente - Recurso provido do

ção Cível n. 12.987-4 ­o Privado - Relator Reis

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