“a responsabilidade civil do consumidor” · consumidor e o entendimento da doutrina a respeito...
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
MONOGRAFIA
“A Responsabilidade Civil do Consumidor”
Aluno: ROBERTO BEZERRA DE MELLO LINS
AGRADECIMENTOS
Desejo registrar meus agradecimentos a todos os professores do Instituto “A Vez do Mestre”pela contribuição proporcionada ao meu aprimoramento cultural.
Roberto Bezerra de Mello Lins
DEDICATÓRIA
A todos que me contemplaram com seu apoio e incentivo para prosseguir na busca de novos conhecimentos.
Roberto Bezerra de Mello Lins
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 2
CAPÍTULO I 4
1. O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................ 4
1.1. Noções Gerais 5
1.2. O Consumidor 8
1.3. O Fornecedor 13
1.4. Conceito de Serviço 16
1.5. Princípios Fundamentais do Direito do Consumidor ............................... 17
1.6. Princípio da vulnerabilidade do consumidor ........................................... 18
1.7. Princípio do dever governamental 19
1.8. Princípio da garantia de adequação 19
1.9. Princípio da boa-fé nas relações de consumo ........................................ 20
1.10. Princípio da informação 20
1.11. Princípio do acesso à justiça 20
1.12. Direitos e Deveres de Conduta do Consumidor ................................... 21
1.13.1. Direito à saúde e à segurança 21
1.13.2. Direito à informação 22
1.13.3. Direito à proteção contra práticas desleais e abusivas ................... 22
1.13.4. Direito à proteção contratual 23
1.13.5. Direito à concreta reparação dos danos e facilitação da defesa judicial 23
1.4. Deveres de Conduta dos Consumidores 24
CAPÍTULO II 26
2. A RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC 26
2.1. Evolução histórica 30
2.2. A Responsabilidade Civil Objetiva nas Relações de Consumo .............. 31
2.3. Prescrição 33
2.4. Responsabilidade do comerciante pelo fato do produto e do serviço (art. 13 do CDC). 33
2.5. Quando o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados (art. 13, I) 34
2.6. Quando o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador (art. 13, II)34
CAPÍTULO III 35
3. CAUSAS DE EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE. ................................ 35
CONCLUSÃO 37
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 38
2
INTRODUÇÃO
O instituto da responsabilidade civil é quase tão antigo quanto a história
da humanidade, porquanto sempre houve ações ou omissões por parte dos
seres humanos, que de alguma forma vieram a ocasionar dano a outrem,
surgindo, por conseguinte, a subsequente necessidade de ressarcimento.
No início, donde se tem as primeiras notícias do instituto, vigorava a
vingança generalizada, onde não se buscava a restauração do status quo, mas
tão somente impingir ao ofensor dano de igual magnitude ao que foi causado.
Depois, com a evolução das relações sociais, tornou-se mais interessante a
reparação do dano de forma subsidiária (em pecúnia), quando então o Estado
avocou para si referida tarefa, o que se percebe denotadamente pela Lex
Aquilia, onde, inclusive, reconheceu-se a necessidade de demonstração da
culpa para que se pudesse exsurgir o direito à indenização.
Todavia, pode-se dizer que foi no direito francês que o instituto
experimentou evolução maior, pois o Código de Napoleão, veio a regulamentar
a ideia da culpa como parte necessária da responsabilidade de indenizar os
prejuízos causados.
Pode-se afirmar, sem margem a questionamentos, que a responsabilidade
civil no direito brasileiro sempre pautou-se na necessidade de demonstração
de três requisitos principais: o ato ilícito, o dano e o nexo causal, ou seja, a
culpa como pressuposto para que haja a obrigação de reparar o prejuízo
experimentado.
Com efeito, a responsabilidade civil surgiria a partir do momento em que o
indivíduo deixa de cumprir determinada obrigação, ou ainda, que sua atitude
venha a ocasionar dano a outrem, surgindo daí o entendimento de que se
trataria de um dever jurídico sucessivo vindo somente a existir após a violação
de um dever jurídico originário (contratual ou extracontratual).
Portanto, a responsabilidade civil deve ser encarada como fato humano, ou
seja, a necessidade de se proporcionar a devida reparação em virtude de ato
causador de dano. Cumpre transcrever, por oportuno, o escólio de CÁIO
MÁRIO DA SILVA PEREIRA (2002):
3
“Como sentimento humano, além de social, à mesma ordem jurídica repugna que o agente reste incólume em face do prejuízo individual”. O lesado não se contenta com a punição social do ofensor. Nasce daí a ideia de reparação, com estrutura de princípios de favorecimento à vítima e de instrumentos montados para ressarcir o mal sofrido. Na responsabilidade civil está presente uma finalidade punitiva ao infrator aliada a uma necessidade que eu designo de pedagógica, a que não é estranha a ideia de garantia para a vítima, e de solidariedade que a sociedade humana deve-lhe prestar”.
Todavia, como sói ocorrer em diversos casos, a demonstração de culpa
não é de simples constatação, vale dizer, em muitos casos, fazer tal exigência
à vítima seria o equivalente a negar o direito à reparação.
Neste panorama, foi necessária a construção, doutrinária e jurisprudencial,
também com origens no direito francês (Saleilles e Josserand), de novas
formas de atender aos anseios de justiça que inspiram o instituto da
responsabilidade civil, de modo a ampliar as possibilidades de indenização,
fornecendo uma entrega de tutela jurisdicional de forma mais eficaz,
proporcionando, assim, a pacificação social visando oferecer um
esclarecimento oportuno e possibilitar discutir a tese proposta da existência da
responsabilidade civil e a consequente obrigação de reparação de danos.
Apresentamos também as causas de exclusão de responsabilidade previstas
em lei, apesar da responsabilidade objetiva, o papel dos órgãos de defesa do
consumidor e o entendimento da doutrina a respeito do tema que é o escopo
principal do processo civil moderno.
4
CAPÍTULO I
1. O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil traduz-se sempre na obrigação de reparar-se um
dano. Ela tem por finalidade tutelar o interesse de cada pessoa na preservação
da sua esfera jurídica, não possui natureza punitiva, não é castigo: consiste
apenas na obrigação de reparar-se um dano causado a alguém.
Segundo Fernando NORONHA, para que a responsabilidade civil seja
verificada, torna-se necessária a presença de determinados pressupostos. São
eles: “a) antijuridicidade do ato praticado ou do fato acontecido; b)
imputabilidade do ato ou fato a alguém; c) que dele tenham resultado danos; d)
que tais danos possam ser juridicamente considerados como causados pelo
ato ou fato praticado; e) que o dano esteja contido no âmbito da função de
proteção assinada à norma violada (teoria do escopo da norma violada)”.1
A responsabilidade civil divide-se em responsabilidade contratual e
extracontratual.
Define-se como sendo responsabilidade contratual, ou negocial, aquela
obrigação de reparar os danos resultantes do inadimplemento de contratos e
outros negócios jurídicos.
Já a responsabilidade extracontratual é aquela que é imputada pela
prática de um dano causado de forma antijurídica. Dentre os danos causados
de forma antijurídica, são abrangidos os danos resultantes de atos ilícitos
(aqueles geradores de responsabilidade subjetiva), e os danos resultantes de
atos não culposos, mas ainda assim reprovados pelo ordenamento jurídico, e
1 NORONHA, Fernando. Apostila de Direito das Obrigações - UFSC. Cap. 8, p. 01.
5
equiparados, para efeitos de responsabilidade, aos atos ilícitos (gerando a
responsabilidade objetiva).
A responsabilidade extracontratual é classificada como responsabilidade
civil em sentido estrito, e caracteriza-se por ser a obrigação de reparar danos
resultantes da violação de deveres gerais, como os de não lesar direitos
alheios, sejam eles absolutos, sejam até relativos.
Portanto, a responsabilidade civil extracontratual divide-se em subjetiva
e objetiva. Enquanto a responsabilidade civil subjetiva, culposa, por atos
ilícitos, ou ainda aquiliana, é a obrigação de reparar danos resultantes da
violação intencional ou meramente culposa de direitos alheios, já a
responsabilidade civil objetiva, ou pelo risco, é a obrigação de reparar
determinados danos, acontecidos durante atividades realizadas no interesse ou
sob o controle da pessoa responsável, independentemente de esta ter ou não
agido com culpa.
Interessa para este trabalho de pesquisa o conceito de responsabilidade
civil objetiva extracontratual.
Na responsabilidade objetiva, a imputação do ato ou fato lesivo ao
responsável tem por base um risco que ele próprio criou, ou que, pelo menos,
acontece dentro da sua esfera de ação.
Ocorrendo responsabilidade objetiva, o responsável poderá se exonerar
quando provar que o dano se deveu a atuação do próprio lesado, ou de
terceiro, ou que foi causado por caso fortuito ou força maior.
1.1. Noções Gerais
A responsabilidade objetiva origina-se, na opinião de José Reinaldo de
Lima LOPES, da teoria da responsabilidade pelo fato da coisa, formulada no
final do século XIX na França. Esta fórmula já foi acolhida antes do Código de
Defesa do Consumidor, em nosso Código Civil nos artigos 1.528 e 1.529, em
que se estabeleceram as regras de vigilância para o dono das coisas
potencialmente danosas. Apesar do Código Civil definir a responsabilidade
6
proveniente desses artigos como sendo subjetiva, a jurisprudência inverteu-a
para objetiva. Este fato justificou-se pela obrigação derivada do dever de
vigilância aplicado com especial cuidado em certas atividades, sempre mais
alargado modernamente.
Alguns outros casos evidenciadores da responsabilidade civil objetiva
pelo fato da coisa que antecederam o da Lei 8.078/90 no Brasil, foram:
- a responsabilidade para os meios de transporte, mais especificamente,
das ferrovias (Decreto n° 2.681 de 1912) e transportadoras aéreas (Decreto-lei
n° 32 de 1966 - Código Brasileiro do Ar, hoje substituído pelo Código
Aeronáutico);
- a responsabilidade das empresas de energia nuclear (Lei n° 6.493 de
1977).
Torna-se importante salientar que há casos de responsabilidade objetiva,
como o das transportadoras aéreas dentre os exemplos citados acima, em que
a admissão de tal responsabilidade possue certas limitações, visto que são
numerosas as controvérsias que circundam o denominado instituto.
2 - A Responsabilidade Civil Objetiva no Código de Defesa do
Consumidor
Já foi visto na parte introdutória deste trabalho, embora de forma
bastante sucinta, que o desequilíbrio estrutural nas relações de consumo entre
o fabricante e consumidor, pela disparidade de forças com que se apresentam
no mercado, e o fato de que os produtos defeituosos não são elementos
recolhidos da natureza, mas criados pela fabricação humana, justificam a
adoção de um sistema que busque de forma mais eficaz, responsabilizar
alguém pelos danos ocorridos.
O Código de Defesa do Consumidor, como dito, introduziu a
responsabilidade objetiva do fornecedor ao estabelecer, no artigo 12, a
responsabilidade civil “independentemente da existência de culpa”. Com isso, o
legislador pretendeu que a vítima de um dano provocado por um produto
colocado em circulação, para ser indenizada, não fosse obrigada a demonstrar
que o fabricante, produtor, construtor ou importador, agiu com culpa.
7
O fornecedor passou assim a ser responsabilizado pelo “fato do produto”
que ele tenha fabricado, produzido, construído ou importado.
Sendo que a expressão “fato do produto” significa o dano provocado
(fato) por um produto. “Em outras palavras, (...) fato do produto é a
manifestação danosa dos defeitos juridicamente relevantes, que podem ser de
criação, produção ou informação (defeito), atingindo (nexo causal) a
incolumidade patrimonial, física ou psíquica do consumidor (dano), ensejando a
responsabilização delitual, extracontratual, do fornecedor, independentemente
da apuração da culpa (responsabilidade objetiva)”.
Rosco e POUND, jurista americano, citado por José Reinaldo de Lima
LOPES, ao justificar a questão da responsabilidade civil do fornecedor
consagrada no já citado artigo 12, coloca que o bem que deseja-se proteger
está acima da intenção de quem o viola, pois tem-se de escolher entre a
segurança geral, que exige responsabilidade absoluta, e a vida individual, que
exige responsabilidade somente na ocorrência de culpa.
Também o fornecedor de serviços que cometer acidente de consumo,
responderá pelo dano provocado, pois trata-se este de elemento gerador da
Responsabilidade Civil e que, por sua vez, tem origem em um defeito ou vício
no serviço.
Assim, em relação ao “fato do serviço” e a responsabilidade que daí
emana, pode-se desde já, apoiada nos ensinamentos de Tereza Ancona
LOPEZ, afirmar-se “que o sistema do consumidor é um só e que as normas
jurídicas se intercambiam de acordo com a necessidade do intérprete. Dessa
forma, não existe uma divisão rígida entre o fato do produto e do serviço, sendo
que as normas específicas existem mais por necessidade didática do que por
necessidade de exclusão”.
É importante frisar que a responsabilidade imposta no Código de Defesa
do Consumidor, embora dispense a prova da culpa do fornecedor, e, portanto,
caracterize-se como objetiva, não trata-se de responsabilidade por risco da
empresa, nem é como esta absoluta, pois admite prova liberatória.
8
1.2. O Consumidor
O artigo 2º da Lei nº 8.078/90 define como consumidor “toda pessoa
física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário
final”.
Pelo referido artigo, mister se faz a presença de duas condições:
primeiro, a aquisição ou a utilização de um bem ou serviço; segundo, a
cessação de toda a atividade de produção, transformação ou distribuição do
bem, já que o bem adquirido ou utilizado deve ser destinado ao uso privado.
A segunda condição, a do uso particular, que é a mais importante, pois
ela restringe a finalidade dos bens ou serviços adquiridos e exclui do conceito
de consumidor o industrial, o comerciante, o intermediário ou atravessador.
Em relação ao conceito de consumidor retirado do artigo 2º, ensina
James MARINS que mesmo a doutrina pátria divide-se entre os estudiosos que
entendem que o legislador não limitou o conceito senão pela destinação da
fruição que deve ser final, e aqueles que entendem que o conceito teria
limitações implícitas. Esta segunda corrente, inspirada em doutrinadores da
Europa Ocidental, atribui conteúdo subjetivo ao conceito, subjetividade esta
não acolhida pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o legislador
brasileiro ao elaborá-lo preferiu, porém, uma definição mais objetiva de
consumidor. Logo a única característica restritiva seria a aquisição ou utilização
do bem como destinatário final. Então, de acordo com a opinião de James
MARINS, para o artigo 2º, o importante é a retirada do bem de mercado (ato
objetivo) sem se importar com o sujeito que adquire o bem, profissional ou não
(elemento subjetivo).2
O mesmo autor acima citado não concorda com a equiparação que se
quer fazer de uso final com uso privado pois que tal equiparação não está
autorizada na lei e não cabe ao intérprete restringir aonde a norma não o faz, e,
ademais, é inegável que nem todo uso final é privado.
O consumidor pode ser pessoa física ou jurídica. A dúvida surge em
relação a entes despersonalizados, como o condomínio horizontal, e se a
2 MARINS, op. cit., p. 65.
9
proteção concedida ao adquirente alcança ao grupo de condôminos. A resposta
é afirmativa e é dada pelo verbo utilizar mencionado no referido diploma legal,
que, por si, dispensa a necessidade de vínculo contratual entre as partes.
Ugo CARNEVALLI, citado por Sílvio Luís Ferreira da ROCHA,
comentando o assunto, esclarece que as pessoas legitimadas a agirem para
obter o ressarcimento dos danos são obviamente o adquirente final do produto
defeituoso, ou, “aqueles que, usando a qualquer título o produto defeituoso,
sofreram danos”.3
Há cogitações no sentido de que o termo “utiliza” constante do artigo 2º
se refere somente a serviços e o termo “adquire” somente se refere a produtos.
Isto significaria que apenas é “consumidor” de produtos quem os adquire, não
os usuários, que aparecem ulteriormente à aquisição.
Esta interpretação acima não condiz com a dicção da norma nem com o
sistema do Código de Defesa do Consumidor, por diversas razões básicas
expostas pelo autor James MARINS:4
1º) O usuário ou “utente” é o destinatário final do produto, não apenas o
seu “adquirente”.
2º) O “consumo” propriamente dito, se perfaz não apenas com a
aquisição dos produtos mas também, e até principalmente, com sua fruição.
3º) O Código de Defesa do Consumidor, em diversos dispositivos
referentes ao vício do produto se refere a “consumo”, e visa a assegurar que os
produtos possam ser “utilizados” que é atividade própria do usuário, adquirente
ou não.
4º) O artigo 2º não autoriza a distinção que se pretende ao dizer é
consumidor quem “adquire ou utiliza produto ou serviço”, se quisesse distinguir
as situações teria que prescrever que é consumidor quem “adquire o produto e
utiliza o serviço”.
5º) Se se entender que os “usuários” não estão protegidos pelas
disposições referentes ao vício do produto, ter-se-iam situações comuns de
consumo excluídas da abrangência protetiva do Código, o que não se coaduna
3 ROCHA, op. cit., p. 67. 4 MARINS, op. cit., p. 68-69.
10
com o sistema de proteção ao consumidor (assim um cidadão que adquira,
p.ex., um “forno de microondas” com o objetivo de emprestá-lo a um amigo
familiar, é considerado “consumidor”, ao passo que os novos utentes, ao se
“utilizarem” do produto e constatarem um vício de qualidade terão que se
socorrer do direito comum, pois não seriam consumidores, porque não
abrangidos pelos conceitos do Código).
6º) Sob o prisma processual, para a hipótese do exemplo, há, em
verdade, legitimação ordinária concorrente, pois tanto podem solicitar a tutela
jurisdicional do Estado o primitivo adquirente, na qualidade de proprietário do
bem defeituoso, como aquele que recebeu o bem em empréstimo, na
qualidade de usuário do bem. Esta dúplice legitimação é inequívoca
decorrência do conceito de consumidor do artigo 2º da Lei 8.078/90.
Ainda sobre o mesmo assunto, a própria prática da responsabilidade do
fabricante, nos Estados Unidos, vem firmando a expressão “consumidor” ou
“usuário final”.
O consumidor é o trabalhador fora da fábrica. Não dispõe de poder
sobre a produção. Não pode decidir a respeito do processo produtivo. Podem-
se encontrar, individualmente, aqueles que são consumidores numa
oportunidade, exercendo em outras oportunidades um papel de fornecedores.
Resta salientar que aqueles que estão na relação de consumo, no papel de
consumidores, definem-se por uma disparidade que possuem no poder de
barganha.
Consumir é o contrário de investir e produzir. Daí a expressão da lei
8.078/90: destinatário final. O que o consumidor adquire é para seu consumo,
estes produtos não são bens de capital.
É fato que aquele que entra diretamente numa relação jurídica para
obter um bem ou produto pode não ser necessariamente o usuário final. Há os
que adquirem alguma coisa para fazer um presente. A posse ou o uso é que
definem propriamente o consumidor. Nesse caso fica evidente que a relação de
consumo independe da participação em contratos. Por isso a disciplina da
responsabilidade do fabricante é uma disciplina extracontratual.
11
Como comenta José Reinaldo de Lima LOPES, pode até parecer
excessiva a extensão das vítimas participantes das relações de consumo,
prescrita na lei brasileira. Mas o fabricante ou fornecedor que se volta para o
mercado assume de fato uma obrigação perante qualquer um: o mercado é,
por definição, anônimo. O fornecimento no mercado é despersonalizado. Além
desta anonimidade característica - pela qual o fornecedor não sabe quem é ou
quem será o destinatário final de seu produto ou serviço - compreende-se que
é o produto mesmo que, sendo defeituoso, causa dano. A periculosidade não
está nas pessoas, mas nas coisas. O usuário seja ou não adquirente jurídico
da coisa, é que sofre o dano. Costuma-se dizer que a garantia de bom
funcionamento adere-se à coisa, segue-a aonde quer que ela se encontre. Em
outras palavras, o fabricante garante a coisa erga omnes.5
A ação de reparação de dano cabe, pois, não apenas ao adquirente mas
também ao usuário dos produtos. Isto não significa multiplicação de
responsabilidade, mas apenas sua determinação. A ação não é cumulativa mas
é dada ao lesado. Diante de qualquer usuário o fabricante disporá das defesas
normais, ou seja, poderá tentar eximir-se da responsabilidade se provar que a
culpa foi exclusiva da vítima, que o defeito inexistia, ou que não colocou o
produto no mercado (cf. artigo 12, § 3º, I, II e III da Lei nº 8.078/90).
As causas de exclusão da responsabilidade serão analisadas em um
capítulo próprio deste trabalho.
Concluindo então, o consumidor, pelo artigo 2º, é o usuário final, não
apenas o adquirente. A responsabilidade do fornecedor é, pois, nitidamente
aquiliana e não contratual. O lesado está dispensado, portanto, de fazer uma
cadeia de regresso entre todos os que fizeram o produto chegar até seu
destino final.
Na responsabilidade pelo fato do produto, no artigo 17 do Código de
Defesa do Consumidor, encontra-se o segundo conceito de consumidor. No
citado artigo o conceito é alargado para acolher todas a vítimas do evento.
Justifica-se tal alargamento pelo fato de nas relações de consumo existirem
intermediários dos produtos, como por exemplo os revendedores e
5 LOPES, op. cit., p. 81.
12
comerciantes, que também devem se ver possibilitados de invocarem em seu
favor os dispositivos que tratam da responsabilidade pelo fato do produto ou do
serviço, uma vez que eles também estão sujeitos a sofrerem danos
decorrentes do fato do produto.
Não admitir tal hipótese, seria discriminar o intermediário, uma vez que
ao mesmo não seria permitido socorrer-se do artigo 12, já que este
responsabiliza algumas espécies de fornecedores, independentemente de
culpa, “pela reparação dos danos causados aos consumidores”.
Determinado alargamento do conceito justifica-se também pela
gravidade dos acidentes de consumo, que acarretam riscos à saúde e à
integridade física de consumidores e terceiros.
Estes terceiros são vítimas que não participam das relações de
consumo, denominados pela doutrina e jurisprudência americanas de
bystanders, mas que gozam de uma tutela objetiva pelo fato de terem se
envolvido em um acidente de consumo. Um exemplo seria o caso de um
pedestre que se envolve num acidente com um veículo que apresentou
defeitos de fabricação nos freios. O fabricante terá que indenizar tanto o
condutor como o pedestre.
“Assim, diante do disposto no artigo 17 do Código de Defesa do
Consumidor, na responsabilidade pelo fato do produto todas as vítimas do
evento, consumidores, comerciantes, intermediários ou terceiros (bystanders)
poderão acionar o fornecedor pelos prejuízos causados pelo produto
defeituoso”.6
Evidencia James MARINS que o alargamento do conceito de
consumidor não ocorre na responsabilidade por vício do produto. Nesta,
aplicável o conceito previsto no artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor,
de modo que o comerciante e intermediário não poderão utilizar-se dos meios
previstos no citado diploma legal contra o fabricante ou produtor, quando se
6 ROCHA, op. cit., p. 68.
13
tratar de vícios de qualidade ou quantidade, devendo, para tanto, recorrerem à
disciplina prevista no Código Civil e Código Comercial.7
Extensão conceitual de mesma natureza vem colocada no artigo 29 da
Lei 8.078/90, que equipara a consumidores todas as pessoas expostas às
práticas comerciais e à publicidade. Esta exceção está relacionada com oferta,
informação, publicidade enganosa ou abusiva, práticas comerciais e
contratuais abusivas, cobrança de dívidas e contratos de adesão, ou seja,
valores que, à vista do sistema protetivo deste Código, merecem tratamento
mais cuidadoso, no sentido de aumentar o âmbito da proteção legislativa, em
virtude de sua maior valoração e relevância em termos sociais.
1.3. O Fornecedor
O Código de Defesa do Consumidor, artigo 3º, definiu a figura do
fornecedor: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços”. Tal conceito é bastante amplo e significa,
de modo mais conciso, que fornecedor é todo ente que provisione o mercado
de consumo, de produtos ou serviços.
Fornecedor então, de acordo com o artigo 3º, é a denominação genérica
e abrange, entre outros, o conceito de fabricante e produtor.
Já os textos europeus, segundo João Calvão da SILVA citado por Sílvio
Luís Ferreira da ROCHA, definem como principal responsável o produtor, isto
é, “o fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de matéria-
prima, e ainda quem se apresente como tal pela aposição no produto do seu
nome, marca ou outro sinal distintivo ou aquele que no exercício da sua
atividade comercial, importe produtos para venda, aluguel, locação financeira
ou outra qualquer forma de distribuição ou, ainda, qualquer fornecedor de
7 MARINS, James. Código do Consumidor Comentado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1991, p. 16 e 50.
14
produto cujo produtor comunitário ou importador não esteja identificado”.8
Observa-se que para os europeus, a denominação produtor tem o sentido
genérico.
Tanto na definição da Lei 8.078/90, quanto na definição européia, podem
ser detectadas três figuras: a) o fornecedor ou produtor real; b) o fornecedor ou
produtor aparente; c) o fornecedor ou produtor presumido.
O fornecedor ou produtor real é o realizador do produto, a pessoa física
ou jurídica que sob a sua responsabilidade participa do processo de fabricação
ou produção do produto, de uma parte componente ou de matéria-prima. Na
terminologia empregada no artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor
seriam o “fabricante, o produtor e o construtor, nacional ou estrangeiro”.
O fornecedor ou produtor aparente é aquele que, embora não tenha
participado do processo de fabricação ou produção do produto, se apresenta
como tal pela aposição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo.
O Código de Defesa do Consumidor é omisso em relação ao fornecedor
ou produtor aparente, pelo menos na responsabilidade pelo fato do produto,
porque o artigo 12 não faz menção àqueles que se apresentam como produtor
ou fabricante pela aposição no produto do seu nome marca ou outro sinal
distintivo.
Já o fornecedor ou produtor presumido é aquele que importou os
produtos, ou, ainda, vende produtos sem identificação clara do seu fabricante,
produtor, importador ou construtor (artigo 13, Lei 8.078/90).
Justifica-se a concentração da responsabilidade no fornecedor ou
produtor, pelo fato de ser ele, efetivamente, na medida em que se trate de
defeitos de fabricação, de concepção ou de informação, em última análise, a
fonte real do dano.
Partindo da definição genérica de fornecedor, tem-se que fabricante é
aquela pessoa física ou jurídica que coloca no mercado produtos
industrializados, manipulados ou processados, acabados ou semi-acabados.
8 ROCHA, op. cit., p. 71.
15
Há, portanto, o fabricante final do produto, conhecido por assembler, isto
é, aquele que detém o controle do processo produtivo integrado e o fabricante
de fase, que produz matéria-prima, componentes e peças para serem
incorporados noutros produtos.
Uma das dificuldades que se poderia levantar em termos de
responsabilidade do fabricante, de acordo com o autor José Reinaldo de Lima
LOPES, está no grau de complexidade do processo produtivo moderno. Muitos
são os produtos apresentados no mercado em cuja produção comparecem
várias empresas, vários fabricantes.9
Dada a essa característica, a solução melhor é se dizer que no caso de
produtos compostos, a responsabilidade civil será do fabricante final ou
assembler, em razão dele controlar o processo produtivo integrado, não
podendo eximir-se da obrigação de indenizar provando que o defeito era do
produto incorporado ao produto final. Após indenizar, o fabricante final terá, de
acordo com as regras do direito comum, o direito de regresso contra seu
fornecedor.
“O fabricante final aparece, portanto, perante o consumidor e é o
responsável e réu na ação iniciada pelo usuário lesado em seu patrimônio,
pessoa ou com a perda da coisa. A razoabilidade desta solução está no fato de
que o consumidor não adquire ou não se utiliza de um componente, mas de
todo o produto, tomado unitariamente”.10
O elaborador do produto final deve ser identificável. Caso não seja
possível ao consumidor identificar o fabricante final, então a responsabilidade,
de acordo com a Lei 8.078/90, recai sobre o comerciante (artigo 13, I e II).
9 “Os veículos automotores são tipicamente fruto de um modo de produzir em que à indústria de automóveis (as unidades montadoras) em geral cumprem apenas duas fases do processo: o projeto do veículo e a montagem (assembly) das partes fabricadas alhures. É o caso também das confecções em que a manufatura muitas vezes faz apenas usar materiais alheios. O defeito apresentado por um componente, não fabricado pelo montador, reflete-se no conjunto. Assim, a despeito do cuidado que o fabricante montador demonstra na sua linha de montagem, o produto final pode vir a apresentar o defeito. Esta questão situa-se na perspectiva da responsabilidade do fabricante colocando o problema: quem deve ser responsabilizado? O montador, que leva o produto até o consumidor como uma unidade pronta para o consumo? Ou o fabricante da peça ou componente em particular defeituoso? Olhando-se do ponto de vista do consumidor, é claro que o fabricante, aquele que põe o produto em circulação, aquele que apõe à unidade, afinal consumida como um todo único, a sua marca, é o responsável”. (LOPES, op.cit., p.88). 10 LOPES, op. cit., p. 89.
16
De acordo com Sílvio Luís Ferreira da ROCHA, primeiramente a
responsabilidade civil será do fabricante final (assembler), pelas mesmas
razões já acima expostas. Mas, segundo ele, o fabricante parcial ou de fase
será responsável solidário pelos danos produzidos, nos termos do artigo 25, §
2º, que dispõe o seguinte: “Sendo o dano causado por componente ou peça
incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante,
construtor ou importador e o que realizou a incorporação”.11
Assim, para a vítima abre-se a possibilidade de acionar o fabricante final
ou o fabricante de fase. O fabricante de fase não poderá exonerar-se da
responsabilidade demonstrando que o defeito da peça ou matéria-prima
fabricada por ele é devido à concepção do produto em que foi incorporado ou
às instruções dadas pelo fabricante final. Deverá, de acordo com o mesmo
autor acima citado, indenizar a vítima e, posteriormente, exercer o direito de
regresso contra o fabricante final (artigo 13, parágrafo único do Código de
Defesa do Consumidor).
1.4. Conceito de Serviço
A definição de serviço designa toda prestação que pode ser fornecida a
título oneroso, não sendo, entretanto, um bem corpóreo.
O § 2º do art. 3º dispõe que: Serviço é qualquer atividade
fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração,
inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter
trabalhista.”
A expressão “mediante remuneração” deve ser entendida não somente
como a remuneração efetuada diretamente pelo consumidor ao fornecedor.
Abrange também a remuneração o benefício comercial indireto advindo de
11 ROCHA, op. cit., p. 76.
17
prestações de serviços supostamente gratuitos, a título de demonstração ou
promoção, bem como a remuneração embutida em outros custos.12
Para se caracterizar serviço basta que a atividade seja remunerada,
mesmo que esporádica e não habitual. A atividade denominada serviço público
está perfeitamente enquadrada no conceito geral de serviço, posto que é
atividade remunerada oferecida no mercado de consumo.
1.5. Princípios Fundamentais do Direito do Consumidor
A Constituição Federal de 1988 demonstrou a grande preocupação do
legislador constituinte com o consumidor, resgatando um atraso considerável
em nossa legislação, ao contrário de outros países em que a força do
consumidor é visivelmente maior, apoiado por entidades públicas e privadas,
vivamente interessadas em sua proteção efetiva e permanente.
A defesa do consumidor nos é mostrada no texto constitucional entre os
direitos e deveres individuais e coletivos, com a enunciação de que “o Estado
promoverá na forma da lei, a defesa do consumidor” (art. 5º, XXXII). No art. 24,
VIII estabeleceu a competência da União, Estados e Distrito Federal para
legislarem, concorrentemente, sobre a responsabilidade por dano ao
consumidor. Outras disposições acerca do consumidor encontram-se nos
artigos 150, § 5º e 170, VI (princípio geral da atividade econômica), ao lado dos
princípios da soberania, da propriedade privada, da livre concorrência e outros.
Finalmente, previu-se nas Disposições Constitucionais Transitórias (art.
48) a elaboração do Código de Defesa do Consumidor, no prazo de 120 dias,
tendo sido promulgado em setembro de 1990.
Na visão de Maria Helena Diniz:
12 Sílvio Luiz Ferreira da Rocha, ob. cit. p. 73.
18
O CDC é o mais moderno do mundo, por conter normas de ordem pública, pretendendo equilibrar as relações entre fornecedores de produtos e serviços e consumidores, outorgando instrumentos de defesas idôneos à satisfação de seus interesses, sancionando as práticas abusivas, impondo a responsabilização objetiva dos fornecedores. Diz ainda que sua elaboração é indubitavelmente uma conquista constitucional para proteger os interesses patrimoniais dos adquirentes de produtos e serviços, mediante a imposição de responsabilidade civil, penal e administrativa para os fornecedores, sejam fabricantes, vendedores ou prestadores de serviços.1
A Política Nacional das Relações de Consumo rege-se por uma série de
princípios e, segundo o art. 4º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor,
“tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o
respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses
econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e
harmonia das relações de consumo”.
Tais princípios constituem-se em número de seis, quais sejam:
“I - Princípio da vulnerabilidade
II – Princípio do dever governamental;
III – Princípio da garantia de adequação;
IV – Princípio da boa-fé nas relações de consumo;
V – Princípio da informação;
VI – Princípio do acesso efetivo e diferenciado e efetivos à justiça;”13
1.6. Princípio da vulnerabilidade do consumidor
A primeira justificativa para o surgimento da tutela do consumidor se dá
através do reconhecimento de sua vulnerabilidade perante a figura do
fornecedor.
De acordo com Nelson Nery Júnior, possui este princípio fundamental
importância para o nosso sistema consumerista, emanando dele todo o Código,
13 SOUZA, James J. Marins de – Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto – São Paulo: Editora RT, 1993, pág. 37.
19
posto que a vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores,
ricos ou pobres, educadores ou ignorantes, crédulos ou espertos.14
Desse modo, houve a crescente necessidade de correção jurídica para
minimizar a disparidade entre os sujeitos da relação de consumo. O Código, ao
dar tratamento diferenciado aos sujeitos da relação de consumo, conferindo
maiores prerrogativas ao consumidor, nada mais fez do que aplicar e obedecer
ao princípio constitucional da isonomia, tratando desigualmente partes
desiguais.
1.7. Princípio do dever governamental
Este princípio deve ser entendido sob dois pontos de vista distintos:
a) na responsabilidade atribuída ao Estado em prover o consumidor dos
mecanismos suficientes que propiciem a sua efetiva proteção contra os abusos
do mercado de consumo, de acordo com o art. 4º, II, VI e VII, do CDC;
b) no dever do Estado de otimizar os serviços públicos, promovendo sua
racionalização e melhoria, conforme o art. 4º, VIII;
1.8. Princípio da garantia de adequação
Implica em dizer que todos os produtos e serviços devem atender
adequadamente às necessidades dos consumidores em segurança e
qualidade, respeitando sua saúde, segurança, dignidade e interesses
econômicos.
De acordo com o doutrinador James J. Marins, o cumprimento desse
princípio é o objetivo de todo o sistema de proteção do consumidor, estando a
cargo do fornecedor essa tarefa, que será oficialmente coadjuvado pelo
Estado, a quem cabe o dever de fiscalização. 15
14 Nelson Nery Junior, Código de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Ada Pelegrini Grinover...[et al]. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, pag. 84/5. 15 Nelson Nery Junior, ob. cit., p. 320.
20
1.9. Princípio da boa-fé nas relações de consumo
Os sujeitos da relação de consumo devem objetivar a melhor e mais
eficiente circulação de mercadorias e serviços, gerando riquezas e benefícios a
todos os participantes do mercado de consumo. As relações de consumo que
possam estar sujeitas a influências malignas decorrentes da prática de
concorrência desleal, abuso de poder econômico ou violação ilícita das regras
sobre propriedade industrial ou direito sobre marcas e patentes são repudiadas
pelo princípio da boa-fé.16
1.10. Princípio da informação
Este princípio revela a preocupação do legislador com que o consumidor
seja informado e educado para exercer seus direitos, fazendo com que se torne
eficaz e completa a vigência do CDC.
A tarefa é de todos: Estado, empresas, órgãos públicos e entidades
privadas de defesa ou proteção do consumidor.
“Experiências pioneiras, do ponto de vista formal, têm sido constatadas, sobretudo nos Estados do Rio Grande do Sul e Goiás, onde as respectivas secretarias de educação já têm programas próprios de educação de alunos do ensino fundamental e médio, inseridos nas disciplinas afins (...) como também se tem feito na educação relativa ao meio ambiente e sua preservação.”17
1.11. Princípio do acesso à justiça
Mostra a necessidade de facilitar o acesso à Justiça e efetivar o
processo, criando meios de desobstruir o acesso à ele e o tratamento coletivo
de pretensões individuais, ainda como a possibilidade de inversão do ônus da
prova.
16 James J. Marins, ob. cit. p. 40. 17 José Geraldo de Brito Filomeno, in Código de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Ada Pelegrini Grinover...[et al]. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, p. 44-45.
21
Este princípio está explícito em um grande número de dispositivos do
CDC que, na busca de dar efetividade ao processo e facilitação do acesso à
justiça, exigiu o fortalecimento do consumidor com a criação de mecanismos de
ordem processual que realmente representassem a desobstrução do acesso à
justiça e o tratamento coletivo de pretensões individuais que, isoladamente,
poucas condições teriam de adequada solução.18
Desse modo, vemos a preocupação do legislador pátrio em criar meios
de disponibilizar uma melhor proteção dos direitos do consumidor quando o
mesmo se sentir neles lesados.
1.12. Direitos e Deveres de Conduta do Consumidor
Os direitos básicos dos consumidores elencados no art. 6º do Código de
Defesa do Consumidor seguem uma orientação internacionalmente aceita, que
mantém correlação com os direitos básicos dos consumidores aprovados pela
Assembleia Geral das Nações Unidas. Nele, podemos identificar, de modo
sintético, os seguintes preceitos:
1.13. Direitos Básicos dos Consumidores
1.13.1. Direito à saúde e à segurança
É um dos direitos mais importantes que se deve assegurar aos
consumidores. Fundamentado nele, José Geraldo de Brito Filomeno considera
que não devem os mesmos ser expostos a perigos que atinjam sua
incolumidade física, os consumidores e terceiros não envolvidos em uma
relação de consumo, perigos tais representados por práticas condenáveis no
fornecimento de produtos e serviços.19
Desse modo, serviços que possam apresentar riscos, devem vir
necessariamente acompanhados de informações a respeito de tal fato, ou,
18 James J. Marins, ob. cit. p. 46 19 José Geraldo de Brito Filomeno, ob. cit. pag. 66.
22
simplesmente, não serem colocados no mercado de consumo se as dimensões
de tais riscos não puderem ser previamente determinadas. Caso o serviço já
esteja disponibilizado no mercado de consumo, é dever dos prestadores retirar
do mercado aqueles que apresentem riscos aos consumidores ou terceiros,
mesmo que alheios à relação de consumo, comunicando às autoridades
competentes a ocorrência de tal fato.
Cite-se como exemplo, o recall de peças automotivas.
Observada a existência de algum defeito em tais peças que possam
comprometer a integridade física do proprietário do veículo ou mesmo diminuir
o desempenho do automóvel, deverá a empresa fabricante convocar todos os
clientes a fim de fazer a substituição das peças defeituosas.
1.13.2. Direito à informação
Quanto mais verídica, completa e eficiente a informação sobre os
produtos e serviços à sua disposição, mais seguro estará o consumidor,
devendo o mesmo conhecer os dados indispensáveis sobre eles para atuar
conscientemente no mercado de consumo.
“Trata-se do dever de informar bem o público consumidor sobre todas as características importantes de produtos e serviços, para que aquele possa adquirir produtos, ou contratar serviços, sabendo exatamente o que poderá esperar deles.”20
1.13.3. Direito à proteção contra práticas desleais e abusivas
Refere-se à proteção contra a publicidade enganosa e abusiva e
métodos comerciais coercitivos e desleais. Tais práticas representam um
obstáculo à transparência das relações de consumo que é um dos objetivos
centrais colimados pela Política Nacional das Relações de Consumo.
20 José Geraldo de Brito Filomeno, ob. Cit. Pág. 67/68
23
Com base nesse direito conferido aos consumidores em geral, preceitua
José Geraldo Brito Filomeno que a oferta é tida como um dos aspectos mais
relevantes no mercado de consumo, possuindo caráter vinculativo, ou seja,
toda informação a respeito de um produto ou serviço deverá corresponder
exatamente à expectativa do público consumidor.
Nesse aspecto englobam-se também os “contratos de adesão”, sendo
nulas de pleno direito as chamadas cláusulas abusivas, conforme dispõe o art.
51 do CDC.
1.13.4. Direito à proteção contratual
A lei consumerista reprime taxativa e exaustivamente a violação desse
direito. Rompendo com a regra milenar do pacta sunt servanda, o CDC atribui
ao consumidor o direito de alterar cláusulas contratuais que possam causar-lhe
lesão, restabelecendo o equilíbrio entre as partes.
Estabeleceu ainda a teoria da imprevisão ou cláusula rebus sic
stantibus, tida como a superveniência de onerosidade excessiva,
sobrecarregando o consumidor, em virtude de acontecimentos sucessivos à
contratação e imprevisíveis.
Caso haja alguma desavença sobre os ditames do contrato pactuado
entre as partes, será resolvida preferencialmente em comum acordo pelos
participantes da relação de consumo. Todavia, em sendo necessária a
provocação jurisdicional do Estado, deverá ser feita por meio de ação própria
com fundamento no art. 51, I, que determinará as modificações contratuais que
julgar necessárias para o restabelecimento do equilíbrio entre as partes.
1.13.5. Direito à concreta reparação dos danos e facilitação da defesa
judicial
24
Esta é a premissa básica para que o consumidor tenha integralmente a
reparação devida por danos morais ou patrimoniais que possa sofrer, visando
ainda, por diversos modos, prevenir a ocorrência de danos ao consumidor.
Principalmente sobre este direito básico do consumidor é que se
fundamenta o objeto finalístico dessa monografia, qual seja a responsabilidade
civil do fornecedor de serviços. O CDC arma o consumidor de instrumentos
processuais modernos e eficazes para que se dê a prevenção do dano bem
como sua reparação.
O direito à reparação está diretamente relacionado ao direito de acesso
à Justiça e à Administração, devendo o Estado criar mecanismos que facilitem
a defesa do consumidor em juízo, certo que a própria lei já define dois desses
mecanismos: a inversão do ônus da prova no processo civil e a assistência
judiciária.21
Merecem destaque, além das ações individuais, as ações coletivas
propostas pelo Ministério Público que visam à proteção do interesses difusos
dos consumidores, interesses coletivos propriamente ditos e individuais
homogêneos de origem comum. Temos visto, conforme se demonstrará
adiante, uma atuação constante e eficaz do Ministério Público, especialmente
no âmbito estadual, na busca de proteção dos direitos básicos de consumidor
assegurados a toda sociedade.
1.4. Deveres de Conduta dos Consumidores
Se de um lado o CDC trouxe inovações e garantiu direitos, de outro, o
consumidor não estava preparado para assimilá-los. Apesar de tais direitos
terem sido efetivamente tutelados pelo Código, é inegável que a iniciativa
precisa partir não apenas da lei, mas sim da própria coletividade, através de
grupos de indivíduos, organizações, bem como de associações civis. Desse
modo, a lei teria maior eficácia, e o interesse social seria valorizado, se a
21 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 38.
25
própria sociedade se insurgisse diretamente contra as ofensas praticadas em
desrespeito a seus direitos.
Embora o Código tenha sido criado para a defesa do consumidor, não se
pode analisar a questão de forma unilateral, como se os consumidores fossem
sujeitos apenas de direitos. Não podemos nos afastar do princípio de que,
embora as relações tenham se tornado de consumo, não deixam de ser
bilateral, o que implica obrigações para ambas as partes.
Também o consumidor possui deveres inerentes a sua qualidade de
parte na relação contratual de consumo, os quais devem ser observados, de
modo a garantir um perfeito equilíbrio entre as partes, assegurando-se a
equidade das relações, e que poderíamos denominar de deveres de conduta
do consumidor.
Como princípio fundamental e principal dever de conduta está a boa fé.
O consumidor, nas suas relações de mercado, deve agir com lealdade,
dignidade e transparência, nunca tentando se prevalecer de prerrogativas que
possui enquanto parte hipossuficiente. Além desse princípio basilar, é possível
ainda se destacar outros deveres de conduta do consumidor, os quais emanam
de uma análise sistemática e abrangente do CDC, tendo sempre em vista as
práticas e funções do mercado, de modo a estabelecer um certo equilíbrio e
coerência: dever de inteligência, dever de pesquisa, dever de educação para o
consumo e de conhecimento do que está contratando, dever de boicote, dever
de ação, etc.
É um erro o consumidor esperar tão somente pelos governos,
condicionando as transformações e decisões a planos e reformas econômicas,
pois estas tem caráter transitório e encobrem vários interesses que não são,
com certeza, os de proteção aos indivíduos. A defesa do consumidor surge
como uma necessidade sócio-política, voltada para o renascimento de um
Brasil economicamente democrático, onde a justiça social seja feita de atos
concretos, com a participação direta dos cidadãos.
26
CAPÍTULO II
2. A RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC
O nosso atual Código Civil, prevê, em seu artigo 927, a possibilidade de
reparação do dano em virtude da prática de ato ilícito. Vejamos: "Art. 927.
Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo."
Complementando, segue a norma legal: "Parágrafo único. Haverá
obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos,
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."
O referido parágrafo único está justamente inserido de forma a
representar o Código de Defesa do Consumidor, em sua previsão legal, ao
mencionar que o causador do dano deve reparar a lesão independentemente
de culpa, nos casos previstos em lei. Esta Lei, no presente caso, é justamente
o CDC.
O Código de Defesa do Consumidor disciplina a responsabilidade pelos
vícios de segurança, sob o título "Responsabilidade pelo Fato do Produto e do
Serviço" (artigos 12; 13; 14; 17 e 27) e a responsabilidade pelos vícios de
adequação, sob o título "Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço"
(artigos 18; 19; 20; 26).
A Responsabilidade por Fato do Produto ou do Serviço ocorre quando o
mesmo gera danos ao consumidor ou a terceiros (vítimas by stander), o que se
chama de acidente de consumo ou defeito de consumo, prescrevendo em
cinco anos o prazo para a reparação do dano.
27
O Vício do Produto ou do Serviço por sua vez, é a quebra da expectativa
gerada pelo consumidor quando da utilização ou fruição, afetando, assim, a
prestabilidade, tornando inadequados (Teoria da Qualidade). Na ocorrência de
vícios aparentes ou de fácil constatação a parte tem o direito de reclamar em
trinta dias tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não durável e
noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto durável. Na
ocorrência de um vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em
que ficar evidenciado o defeito aplica-se aqui a Teoria da Vida útil do Produto.
A forma objetiva, ou seja, independente de culpa é a regra no presente
Código, excetuando-se a da profissional liberal que será verificada mediante a
comprovação de culpa. Também se pode afirmar que a regra no CDC é a da
responsabilidade solidária entre os participantes da cadeia de consumo,
excetuando-se a do comerciante na responsabilidade pelo Fato do Produto,
que será condicionada a certas circunstâncias. Diante de tais circunstâncias a
doutrina majoritária entende que o comerciante responde subsidiariamente
pelos danos ocorridos, por outro lado alguns doutrinadores entendem ser a
responsabilidade solidária, em razão da menção no seu texto, vejamos: "o
comerciante é igualmente responsável nos termos do artigo anterior" (regra do
artigo 13 do CDC).
Ao contrário do que exige a lei civil, quando reclama a necessidade da
prova da culpa, na relação entre consumidores esta prova é plenamente
descartada, sendo suficiente a existência do dano efetivo ao ofendido.
Isso porque, os artigos da Lei assim o determinam. Vejamos:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e
o importador respondem independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de
projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação,
apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
[grifamos]
Dessa forma, constatado o fato que gerou o dano, proveniente da
relação de consumo, e o dano à parte mais fraca, caberá ao responsável a sua
28
reparação, não havendo necessidade do consumidor apresentar prova da
culpa.
Nesse mesmo sentido, a redação do art. 14 do CDC é clara:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da
existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por
defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [grifamos]
Tais artigos visam como as demais normas previstas no código
consumerista, proteger, de forma privilegiada, a parte mais fraca da relação de
consumo, visando evitar, claramente, abusos dos comerciantes e fabricantes,
ou prestadores de serviços, estes visivelmente mais fortes em relação àqueles.
Por tal motivo, qualquer produto posto no mercado de consumo deve
atender as mínimas exigências de qualidade e quantidade, para que não venha
o consumidor a sofrer prejuízos. Se isso ocorrer, pode valer-se dos arts. 12 e
14 do CDC.
Assim, o fornecedor responde independentemente de culpa por qualquer
dano causado ao consumidor, pois que, pela teoria do risco, este deve assumir
o dano em razão da atividade que realiza. Vejamos o ensinamento de Cavalieri:
Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco do negócio. Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa.22
Assim sendo, verifica-se que a Lei nº 8.078/90 estabeleceu a
responsabilidade objetiva dos produtores e fornecedores da cadeia produtiva,
não levando em consideração a existência da culpa frente aos danos
provenientes de acidentes de consumo ou vícios na qualidade ou quantidade
dos mesmos ou na prestação dos serviços.
22 FILHO, Sérgio Cavalieri. O direito do consumidor no limiar século XXI. Revista de Direito do Consumidor. Revista dos Tribunais, nº 35, jul/set. 2000, p. 105.
29
Nesse sentido, acompanhemos o seguinte julgado do Tribunal de Justiça
do RS:
Resta caracterizada a falha da ré, na prestação de serviço, sendo caso
de aplicação do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual
os fornecedores respondem, independentemente de culpa, pela reparação dos
danos causados aos consumidores por defeitos relativos aos serviços
prestados, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
fruição e riscos.23
O entendimento supra é pacífico no poder judiciário, restando
consagrada a determinação expressa da norma legal do Código de Defesa do
Consumidor.
Por fim, o doutrinador Nelson Nery ensina:
A norma estabelece a responsabilidade objetiva como sendo o sistema
geral da responsabilidade do CDC. Assim, toda indenização derivada de
relação de consumo, sujeita-se ao regime da responsabilidade objetiva, salvo
quando o Código expressamente disponha em contrário. Há responsabilidade
objetiva do fornecedor pelos danos causados ao consumidor,
independentemente da investigação de culpa.
Portanto, a intenção subjetiva pouco importa quando enfrentamos
questões que envolvem relações de consumo, pois esta não faz parte dos
critérios determinantes no momento de se condenar à reparação do dano, pois
que, havendo ou não a pretensão de lesar, o que interessa é apenas a
existência do prejuízo, e por isso, o causador é obrigado a repará-lo.
2.1. Evolução histórica
23 Apelação Cível nº 70015092034. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Décima Câmara Cível. Des. Relator Luiz Ary Vessini de Lima. Julgado em 22/06/2006. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/consulta_processo.php?
30
Anteriormente ao advento do CDC havia imensa dificuldade em se impor
a responsabilidade ao fornecedor com relação ao consumidor, em virtude do
princípio existente de que o contrato só produz efeito entre as partes.
Desse modo, o fabricante só poderia ser acionado se fosse, ao mesmo
tempo, o vendedor. E ainda assim, se o vendedor estivesse de boa-fé, o
consumidor poderia pedir a restituição do preço ou ajuste do preço (arts. 1.101
e 1.103, 2ª alínea, CC), mas se estava de má-fé, poderia pleitear o que
recebeu com perdas e danos (art. 1.103, 1ª alínea).
A ação que o consumidor porventura viesse a impetrar contra o
fornecedor de serviço defeituoso deveria fundar-se no contrato, baseando-se
não somente no dever de responder pelos vícios, como também na obrigação
de segurança existente no contrato. O fornecedor deveria garantir que o
serviço prestado não danificaria o consumidor
Todavia a ação contra o fabricante ou produtor da mercadoria nociva não
encontrava fundamento na responsabilidade contratual, já que o mesmo não
fora parte no contrato que transmitiu o produto defeituoso ao consumidor, mas
na responsabilidade extracontratual, fundamentada no art. 159 do CC:
“Art. 159 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a
outrem, fica obrigado a reparar o dano.”
Mas, seguindo esse caminho, deveria o consumidor provar a culpa do
fabricante para obter o ressarcimento do dano. Em determinadas situações
poderia a vítima ser favorecida por presunções que inverteriam o ônus da
prova, cabendo ao produtor provar que não deu causa ao dano, sendo essa
prova muito difícil, levando-se em conta que quem exercia atividade com
habitualidade deveria conhecer a fundo as técnicas de fabricação, montagem,
distribuição, etc.
Assim, o fornecedor ou fabricante tornava-se responsável por danos que
o produto ou serviço causasse desde que tivesse agido com dolo ou culpa.
31
Como principais regras em que se baseia o sistema da responsabilidade civil
fundado na culpa, podem ser enumeradas as seguintes:
a) não existe responsabilidade onde não há culpa provada ou presumida
do agente;
b) o conceito de culpa relaciona-se com o comportamento subjetivo
caracterizado pela negligência, imprudência ou imperícia, ou havendo dolo;
c) somente o ato ilícito culposo pode ensejar a reparação do dano
ocasionado;
d) somente o sujeito culpado pode ser sancionado.
Somando-se as incontáveis dificuldades inerentes a esse sistema de
responsabilidade civil, que exigiam grande esforço probatório por parte do
lesado, com a intensificação das atividades coletivas que, muitas vezes, não
possibilitavam identificar o autor do dano, resultou, ao longo dos anos, na
insuficiência do sistema tradicionalmente adotado para a responsabilidade
extracontratual, mostrando-se necessária à adoção de uma forma de
responsabilização mais eficaz a fim de proteger a saúde e a segurança do
consumidor e facilitar a defesa do mesmo.
O caminho encontrado foi a responsabilidade objetiva. Em relação ao
tratamento a ser deferido às hipóteses de responsabilidade civil, o CDC
estabeleceu alterações radicais, donde acreditamos que o Código Civil vigente
dificilmente poderá ser adotado e aplicado subsidiariamente às relações de
consumo.
2.2. A Responsabilidade Civil Objetiva nas Relações de Consumo
A Revolução Industrial, fenômeno iniciado na segunda metade do Século
XVIII, que significou o aumento potencial da capacidade produtiva das
empresas, o início da fabricação em série de todos os tipos de bens e a
consequente introdução de mudanças no sistema distributivo dos produtos,
particularmente na relação revendedor adquirente, acentuada de forma
32
decisiva pela revolução tecnológica, promoveu uma crescente
desindividualização do produto e de forma paralela, do consumidor ou usuário.
Para Sílvio Luís Ferreira da ROCHA, o número maior de produtos
colocados em circulação significou um aumento dos riscos ao público
consumidor em razão dos erros técnicos e falhas no processo produtivo.24
“A experiência de todos os países industrializados demonstrou que a
revolução industrial veio acompanhada pela aparição de novos danos,
causados pelas condições defeituosas dos produtos, que devido a produção
em série, podem configurar verdadeiras catástrofes”.25
Deste modo, os riscos introduzidos no mercado pelo fenômeno de
produção e distribuição de massa resultaram num elevado custo social. Fazia-
se necessário assegurar, de um lado, o completo ressarcimento àqueles que
sofreram o prejuízo e, de outro lado, distribuir racionalmente os custos desses
danos. Entretanto, a disciplina então vigente não era suficiente e precisava
adequar-se a esse novo fenômeno.
Nessa época a noção de responsabilidade civil era estudada numa dupla
perspectiva: responsabilidade civil contratual e extracontratual. A primeira tinha
como pressuposto a existência de um contrato e a obrigação de reparar os
prejuízos decorria do inadimplemento da obrigação assumida. A segunda tinha
como único fundamento admissível a comprovação da culpa.
“A teoria da culpa, resumida com alguma arrogância por Von Ihering na
fórmula, ‘sem culpa, nenhuma reparação’, satisfez por dilatados anos à
consciência jurídica”.26
Com as inúmeras dificuldades inerentes ao sistema de responsabilidade
civil baseado na culpa, frequentemente encontravam-se situações carecedoras
de tutela jurídica que não logravam ultrapassar as barreiras do sistema, a exigir
grande esforço probatório por parte do lesado, ou ainda situações comuns
aonde o tênue laço de culpabilidade jamais poderia ser captado em condições
normais.
24 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Responsabilidade Civil do Fornecedor pelo Fato do Produto no Direito Brasileiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1992, p. 13. 25 ROCHA, op. cit., p.13. 26 ROCHA, op. cit., p. 15.
33
Os tempos atuais são caracterizados pelo desenvolvimento de
atividades coletivas, nas quais muitas vezes é impossível individualizar-se o
autor do dano; pelo permanente emprego de coisas que geram riscos, pela
realização de atividades que guardam em si mesmas uma sensível
potencialidade danosa para terceiros.
2.3. Prescrição
Estabelece o Código o prazo de 5 anos para a prescrição da ação tendo
por objeto a reparação de danos causados pelo fato do produto ou do serviço.
Inicia-se a contagem, não a partir da tradição ou da ocorrência do defeito, mas
do conhecimento que dele teve o consumidor e de sua autoria (art. 27), pois só
com a ciência do defeito e do seu causador é que o interessado poderá valer-
se da via judicial. Tal prescrição está sujeita às causas de suspensão e
interrupção (arts. 168/176 do CC).
2.4. Responsabilidade do comerciante pelo fato do produto e do serviço
(art. 13 do CDC).
No art. 12 do CDC, temos que a responsabilidade dos fornecedores,
exceto o comerciante, é objetiva, respondendo por danos causados
independentemente de culpa, ressalvados as hipóteses dos incisos I a III do
art. 13. O comerciante tem responsabilidade subsidiária nos acidentes de
consumo, pois os obrigados principais são os fabricantes, produtores,
construtores e os importadores, com a ressalva destes incisos acima citados.
Antes de analisar o art. 13, temos uma observação que achamos útil seu
friso [5]: quem coloca sua própria marca de comércio é fabricante ou
comerciante? Nesta questão, se o comerciante põe sua marca precedida da
expressão distribuída por ou equivalente, será ele responsável nos termos do
art. 12, CDC. Se não, ocorrendo a aposição de sua marca ou outro sinal
distintivo, ocultando o verdadeiro fabricante, será ele responsável nos termos
do art. 13.
O caput do art. 13 traz que o comerciante é igualmente responsável, nos
termos do artigo anterior, passando a enumerar três hipóteses. O professor
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Rizzato Nunes ressalta que o vocábulo igualmente tem duplo sentido, de modo
que "o comerciante tem as mesmas responsabilidades firmadas no artigo
anterior e que o comerciante é solidariamente responsável com os agentes do
art. 12.”
2.5. Quando o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não
puderem ser identificados (art. 13, I)
Observa a doutrina que não quer dizer que há "impossibilidade de
identificar o fabricante, produtor, etc." É o caso do comerciante que vende
produtos a granel, expostos em feiras e supermercados, que não teve como
identificar qual dos produtores forneceu a ele o produto gerador de acidente de
consumo. Frise-se que a norma permite a venda de produto sem identificação
é exceção a regra geral do dever de informar no ato da oferta, conforme art. 31,
CDC, que trata do dever de o fornecedor informar, entre outras especificações
do produto, a sua origem.
2.6. Quando o produto for fornecido sem identificação clara do seu
fabricante, produtor, construtor ou importador (art. 13, II)
O inciso II faz menção ao caso do comerciante que tem condições de
identificar o produtor, mas mesmo assim não o faz [8]. Diferentemente do item
anterior, o comerciante fere o art. 31 do CDC quando pratica tal ato. Aqui
merece atenção às consequências geradas pelos incisos I e II: No primeiro,
nem a autoridade fiscal nem a judiciária pode realizar a apreensão dos
produtos sem identificação, diferente ocorre com segunda hipótese, já que o
elemento essencial da informação foi omitido.
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CAPÍTULO III
3. CAUSAS DE EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE.
A Lei 8.078/90 prevê nos arts. 12. § 3º e 14, § 3º as causas excludentes
de responsabilidade. Todo produto ou serviço, por mais seguro e inofensivo
que seja traz sempre uma margem de insegurança para o consumidor,
podendo inclusive culminar em dano para o mesmo, gerando prejuízo a ser
apurado em conformidade com cada caso, em favor da relação jurídica de
consumo que pode ser ou não contratual.
O CDC em seus arts. 12 e 14, preferiu adotar a unificação das
responsabilidades contratual e extracontratual, em prol da proteção às vítimas
expostas aos riscos de consumo, adotando-se a responsabilidade objetiva,
independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos causados
aos consumidores.
Apesar da responsabilidade ser objetiva, o Código do Consumidor
ressalvou algumas causas de exclusão da responsabilidade, permitindo a
previsão de algumas excludentes, tais como inexistência do defeito de produto
ou serviço (art. 12 § 3º II e art. 14 § 3º I) e ainda a culpa exclusiva do
consumidor (art. 14 § 3º II).
Entretanto, as hipóteses elencadas no CDC não são taxativas. Outras
são admitidas, recorrendo-se, para tanto, às regras de interpretação
sistemática e lógica.
A primeira hipótese de exclusão da responsabilidade do fornecedor,
disposta no art. 14, §, 3º, I, é a inexistência do defeito. Contudo, a prova da
inexistência do defeito compete ao fornecedor. Para exonerar-se da
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responsabilidade deverá demonstrar a inexistência do defeito por ocasião da
colocação do serviço em circulação. Em tese, caberia ao consumidor provar a
existência do defeito no momento de sua aquisição, mas, de acordo com o
princípio da vulnerabilidade do consumidor, o Código impõe que se faça a
inversão do ônus da prova em favor do consumidor.
Depois de analisadas todas as circunstâncias é que o Juiz poderá
abrandar ou não a prova a ser realizada pelo fornecedor em relação à
inexistência do defeito.
A segunda causa de exclusão é a culpa exclusiva do consumidor ou de
terceiro, elencada no art. 14, § 3º, II, do CDC. No caso de culpa concorrente, a
excludente não seria aplicável permanecendo íntegra a responsabilidade do
fornecedor.
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CONCLUSÃO
A evolução da proteção do consumidor no âmbito da responsabilidade
pelo fato do serviço foi lenta e gradual. Indo da responsabilidade subjetiva,
baseada na culpa à responsabilidade objetiva independente de culpa foram-se
muitos anos.
A partir daí a proteção do consumidor torna-se mais efetiva,
necessitando, porém, de uma atividade mais constante e ativa dos órgãos e
associações de defesa do consumidor, pois, somente da união de forças da
massa consumidora é que se poderá lutar contra o poderio dos grandes
fornecedores de serviços.
O CDC estabelece, em relação ao tratamento a ser deferido às
hipóteses de responsabilização civil, alterações radicais, donde podemos
concluir que o Código Civil Brasileiro vigente dificilmente poderá ser adotado e
aplicado subsidiariamente nas relações de consumo. A matéria há de ser
tratada unicamente com fundamento no CDC, encarado como sistema de
prevenção e reparação de danos acidentais inevitáveis, em que a avaliação da
conduta do fornecedor conta pouco ou simplesmente não conta
Na proteção do consumidor não só o Estado deve reprimir o abuso do
poder econômico. Indiretamente os consumidores, através de sua organização
para fins de reivindicação e utilizando-se de instrumentos adequados, podem
fazer sua parte, levando-se em conta que o interesse de proteção é público,
não estatal. A aplicação do Código de Defesa do Consumidor tem ao longo dos
anos buscado a transformação do consumidor em cidadão, senhor de suas
escolhas e ciente de seus direitos.
Todavia devemos ter em mente que somente uma parcela de nossa
população está integrada ao mercado de consumo, vivendo a outra de sobras,
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favores, etc. Assim, sem uma integração social maior o Código pouco fará em
termos de cidadania.
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