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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA – PPGS CURSO DE MESTRADO A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO DINHEIRO ENTRE OS NEOPENTECOSTAIS DRANCE ELIAS DA SILVA RECIFE Abril - 2000 Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação em Sociologia, como requisito para obtenção do grau de mestre, sob a orientação do professor Dr. Joanildo Burity.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA – PPGS

CURSO DE MESTRADO

A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO DINHEIRO ENTRE

OS NEOPENTECOSTAIS

DRANCE ELIAS DA SILVA

RECIFE

Abril - 2000

Dissertação apresentada aoprograma de pós-graduação em Sociologia, como requisito para obtenção do grau de mestre, sob a orientação do professor Dr. Joanildo Burity.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA – PPGS.

CURSO DE MESTRADO

A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO DINHEIRO

ENTRE OS NEOPENTECOSTAIS

DRANCE ELIAS DA SILVA

Dr. Joanildo Burity

(orientador)

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A Edna , Minha

companheira, solidária

nesse processo,

Aos meus filhos ,

Luana e Luan, para

quem a vida é alegria,

A todos os amigos que

marcaram minha vida

de formação.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todos os que de alguma forma contribuíram para o presente estudo,

que agora apresento. Nesse agradecimento, incluo os Professores do Mestrado em Sociologia,

Principalmente aqueles, através dos quais, tive a oportunidade de discutir assuntos

diretamente ligados ao meu projeto de estudo, como os Professores Drs., Heraldo Souto, Silke

Werber, José Carlos Wanderley.

Agradeço a Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, pelo seu incentivo

através do Programa de Formação Docente, que visa a qualificação profissional permanente.

Ao Departamento de Teologia e Ciências da Religião, especialmente ao Prof. Jacques Trudel

que prima pelo bom desempenho do quadro do referido departamento.

Agradeço ao Professor Dr. Joanildo A. Burity, que acompanhou todo esse processo de

estudo como orientador e que, nessa caminhada, soube partilhar de sua capacidade intelectual

sem impor, mas levando-me a refletir e indicando como superar os caminhos difíceis durante

toda a construção dessa pesquisa.

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo analisar a Representação do Dinheiro

entre os Neopentecostais, centrando a análise especificamente na Igreja Universal do

Reino de Deus (IURD). Duas perspectivas perpassam esse trabalho, alicerçando-o

teoricamente: primeiro, a teoria das Representações Sociais, da qual enfatizo dois

conceitos, os de objetivação e ancoragem; o segundo, a perspectiva da Semiótica,

particularmente a semiótica da significação. Juntamente com outros elementos

refletidos do campo da Sociologia do Dinheiro e da Sociologia da Religião, tais

perspectivas sustentam a análise do imaginário social sobre o dinheiro presente na

IURD, revelado através das entrevistas feitas com os fiéis dessa instituição religiosa .

A Representação Social do Dinheiro, analisada entre os fiéis participantes da

IURD, é entendida como um elemento constitutivo da sua expressão da fé. Esse

entendimento acerca dessa representação dá-se a partir de algumas formas

representacionais, tais como: oferta, bênção, prova, desafio, propósito, sacrifício, e não

obstante, constrói permanentemente, através do discurso/pregação, a produção do

sentido sobre a relação dinheiro, fé e religião.

Em suma, o que o estudo verifica, é que, o dinheiro além de ser uma

representação da expressão da fé, sustenta um certo traço de identidade que compõe na

Igreja o ethos presente Universal do Reino de Deus .

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INTRODUÇÃO

Vários estudos vêm sendo feitos sobre o Pentecostalismo Protestante, destaque

principalmente para os Neopentecostais. Talvez em nenhum momento da história

religiosa no Brasil, a qualidade do tempo tenha sido tão fecunda para o protestantismo

como agora, verificando um grande crescimento em todo esse campo religioso.

Identificam-se sérias reflexões e aprofundamento, mas também preconceitos e

curiosidades no trato com esse novo momento histórico e de final de século, que está

passando o Pentecostalismo Protestante, especialmente aquele que denomino aqui

como Neopentecostal .

O presente estudo tem como propósito, tecer um exame sobre a Representação

do Dinheiro entre os Neopentecostais, tomando como parâmetro para o seu

desenvolvimento, especificamente a Igreja Universal do Reino de Deus, na cidade do

Recife. Essa escolha deve-se em primeiro lugar, à grande expansão dessa denominação

no Brasil, que demarca a cada dia um estilo diferente de ser pentecostal, advindo de

suas estratégias para atrair mais fiéis, tornando-os participantes e efetivos no

seguimento e pertença a esse grupo religioso. Em segundo lugar, a práxis religiosa

dessa Igreja concentra-se no aspecto da "prosperidade", que ganha um

redimensionamento em relação a todo o pentecostalismo tradicional, por se preocupar

sistematicamente com a busca de formas representacionais do dinheiro no espaço

cúltico.

Faremos uma análise das entrevistas feitas com os fiéis, obreiros e pastores.

Desse público, só os pastores vivem um cotidiano profissional, e como tais,

responsáveis também pela produção de sucessivas "imagens" do dinheiro que se

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elaboram por dentro do espaço institucional, chegando seus efeitos até a vida cotidiana

dos fiéis e obreiros (que zelosos pelo templo, recepcionam as pessoas e evangelizam).

Nossa inquietação inicial foi aos poucos, se transformando em um problema:

por que, entre os Neopentecostais - a exemplo da IURD - , o dinheiro se constitui em

uma realidade tão visível ? O "visível", em torno dessa realidade chamada dinheiro,

"desenhou" uma hipótese norteadora que acompanhou todo o processo: as imagens, as

representações sobre o dinheiro presentes à prática religiosa Neopentecostal,

objetivadas em uma dada situação, provocam uma transformação no sentido de que,

através da fé, restabelece-se uma unidade entre realidade e valor, sem que o dinheiro se

separe dessa unidade.

A Igreja Universal do Reino de Deus foi o lugar institucional de busca e de

exame para esse propósito. Nosso esforço não tinha a pretensão de exaustividade, mas

de desempenhar um exercício intelectual na busca de conhecimento, acerca de uma

realidade fundamentalmente de invenção humana: o dinheiro. A nossa pergunta

inquietante sobre o dinheiro, portanto, aponta para ele como algo que tem uma

identidade, pois, ao ser localizado demarcando um certo espaço, ele se apresenta de

forma diferente, porque prima-se por certas representações e certos significados que

normalmente não tem. Assim, o dinheiro e suas representações, o dinheiro e seus

significados, descobertos nesse processo de estudo, se constituem entre outros

também, em laços de sentido para a expressão da fé dos crentes entrevistados, bem

como para a própria Instituição que dela participam e pertencem.

E para encontrar um caminho que fosse o começo da reflexão, iniciamos o

estudo no campo filosófico, em busca de um conceito de representação. E para a

filosofia, de uma forma geral, há muito foi entendida como um caminho através do

qual se chegaria a ter acesso ao real ou ao verdadeiro. A representação enquanto

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forma de expressão de conteúdos do pensamento, não fora compreendida pela filosofia

como uma barreira contra a objetividade do conhecimento. A representação na sua

gênese, esteve constituindo uma reflexão cognitiva imanente relacionada à

subjetividade interna da consciência. Mas, o jogo, do ponto de vista epistemológico,

não foi tão fácil para o campo das ciências da cultura como um todo. Em teoria do

conhecimento, o campo das Ciências Sociais, e mais especificamente na análise dos

aspectos constitutivos da dimensão simbólica da vida humana, os conteúdos do mundo

da religião muitas vezes não constituíam porta de entrada para o conhecimento da

realidade histórico social.

O processo em que vão se confrontando sujeito e objeto, vai desenhando aos

poucos, de uma forma analítica, as novas concepções acerca do entendimento sobre

representação, simbolísmo, imaginário. A antiga polêmica, por exemplo, entre

subjetivismo e objetivismo apresenta-se como ponto central para a reflexão

sociológica. Mais adiante começou-se a concluir que os conteúdos da cultura estão

profundamente enraizados no real histórico, o que redimensionaria a leitura sobre a

dimensão simbólica da vida humana, no sentido de que, o simbólico não é o que não

existe, como a cultura dominante Ocidental intelectualista deixou a entender.

Representações Sociais... a descoberta que se verifica nesse processo é a de que

estas constituem modalidades de pensamento prático orientados para a comunicação, a

compreensão e o domínio do social, material e ideal. As representações sociais

apresentam características específicas a nível da organização dos conteúdos e não

obstante, incidem sobre o tecido social: são metamorfoses da realidade .

Assim, todo nosso esforço, para precisarmos uma discussão sobre

Representação Social, deveu-se a termos como inquietação intelectual, um problema

de ordem sociológica, que formulamos a partir desse conceito: a Representação Social

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do Dinheiro. E o que observamos de início, tomando como ponto de partida para esse

estudo foi de que, o dinheiro nunca existe em um vácuo cultural ou social. Não é um

objeto sem vida. É uma realidade metafórica e sendo uma de nossas grandiosas

invenções, carrega consigo, em seus mais variáveis contextos, a possibilidade de

querer dizer uma outra coisa. Esse aspecto nos motivou a estudarmos o dinheiro

situado em uma experiência sócio-cultural : a experiência religiosa da Igreja Universal

do Reino de Deus.

O problema sociológico nasceu do nosso olhar sobre a prática religiosa da

IURD no trato com essa realidade chamada dinheiro, junto aos fiéis. Como elemento

material presente na vida cotidiana dos indivíduos, o dinheiro instiga-nos por fazer

chegar até nós tantas perguntas. Enquanto representação social, fazendo parte

constitutiva do ethos presente numa sociedade, uma questão central se impôs: como o

dinheiro aparece no mundo dos valores? E como se incorpora numa prática

sócio-religiosa concreta ?

E por dentro dessa questão geral, fomos situando a relação dinheiro - fé -

religião, a partir de um locus institucional, já referido, como base para nossa análise.

Para tanto, o nosso estudo encontra-se estruturado em quatro capítulos que ao nosso

ver, leva-nos do ponto de vista da forma, ao aprofundamento das nossas questões.

O primeiro examina o conceito de representação, sintoniza-o com a Filosofia e

busca suas aproximações com as Ciências Sociais, retomando o debate sobre a

dimensão simbólica, a construção social da realidade e enfocando a questão do

dinheiro como problema sociológico. O segundo capítulo discute o campo

Neopentecostal e demarca metodologicamente os procedimentos da pesquisa em

relação ao estudo da representação do dinheiro na Igreja Universal do Reino de Deus.

O terceiro e o quarto capítulo tomam como quadro de análise o material empírico

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recolhido das entrevistas, buscando um aprofundamento sobre a questão do dinheiro a

partir do imaginário social dos entrevistados, levando em conta dois cortes

epistemológicos: um primeiro, partir da Teoria da Representação Social, tomando

como referência para análise os conceitos de objetivação e ancoragem; em seguida,

busca-se na Semiótica da Significação mais elementos que ampliem o quadro de

análise, valendo-se da compreensão do dinheiro enquanto signo.

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CAPÍTULO I

REPRESENTAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS

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1. Pressupostos Filosóficos

A relação com a natureza está na origem do filosofar, tanto para os gregos como para

outros povos do Médio-Oriente. E a Filosofia, tanto para Platão como para

Aristóteles, nasce do impacto do maravilhoso na consciência da pessoa humana. A

“maravilha” constituiu para Aristóteles, o primeiro ato de aguçamento da consciência

humana para pôr questões acerca das coisas existentes no mundo: “A maravilha

sempre foi, antes como agora, a causa pela qual os homens começaram a filosofar: a

princípio ficando surpresos pelas dificuldades mais comuns; depois pouco a pouco,

avançando mais, propuseram problemas cada vez mais importantes”. (Mondolfo, 1973

: 14)

Partindo desse pressuposto, constata-se que, a primeira forma de reflexão

desenvolvida pela pessoa humana concretizou-se no mito. A forma mítica como

possibilidade de apreensão do real, correspondeu para Aristóteles a um estágio

primitivo da filosofia, no sentido de que a pessoa humana, mesmo que sob uma forma

teológica de pensar - podendo ser assim chamada esse primeiro estágio do pensar

filosófico - , passou a tomar para si as coisas do mundo, e a se perguntar por suas

origens . Em se tratando do mundo grego, o pensamento mítico chegou a desenvolver-

se em duas etapas: uma primeira, como divinização das forças terrestres; e numa

segunda, como antropomorfização dos deuses. Expliquemos suscintamente esse

processo, como meio de entendimento da relação homem-mundo-sociedade. O fator

mais interessante nesse processo de mudança, está ligado à civilização Micênica, que

floresceu no Peloponeso do XVI ao XII séc. a.C.

A vida social dos micênios centralizava-se ao redor do palácio do rei, cujo papel era,

ao mesmo tempo, político-administrativo, religioso e militar. O rei concentrava todos

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os poderes: uma realeza religioso-burocrática, que apoiada numa numerosa classe

sacerdotal, controlava o conjunto da vida econômica e social do Estado. 1

As antigas cosmogonias gregas deixavam transparecer a proximidade com a

organização social micênica, sobretudo a partir de três elementos bem característicos:

I - O universo ou cosmo era um conjunto de forças hierarquicamente ordenadas, sob a

soberania de um rei, o que refletia nela a organização do Estado micênico; II - essa

ordem hierárquica, teria sido o resultado da ação vencedora de um agente, que saíra

vitorioso do conflito, ao conseguir estabelecer uma relação de equilíbrio entre forças

divinas; III - o cosmo ficara então, sob o poder vigilante de um “Deus ordenador”,

que governaria o mundo como um monarca desafiado pela rebeldia de um ou outro

elemento, assim como também pelas ameaças do “caos” nunca definitivamente

domado.

E aconteceu que, no séc. XII a. C. a invasão dos Dórios provocou a ruína do

Estado micênico e do culto oficial. Liberada, então, do controle sacerdotal e régio, a

teologia cósmica perdeu coerência, e os mitos foram se desenvolvendo em formas

antropomórficas. Assim, já não seriam mais as forças cósmicas os agentes, mas deuses

personificados e antropomorfos, que assumiriam a iniciativa e entrariam em conflito

com as forças da natureza .

O que essas observações pretendem indicar é que a mentalidade subjacente a

um momento histórico como esse, em que o desconhecido, o medo e o terror deveriam

não só ser enfrentados como também compreendidos, teria que dispor de uma

determinada forma de saber. Nesse sentido, verificou-se historicamente que, por

exemplo, as diferentes manifestações de religiosidade, bem como os mitos e as lendas,

foram se constituindo em formas de saber, que sem dúvida alguma, se mostraram 1 Para maiores informações sobre a Realeza Micênica, cf., Vernant, J. P. 1984, pp. 15-25 .

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como formas de ultrapassagem do senso comum. Mais precisamente, a representação

como forma de saber já estava presente no mundo antigo. Assim, não podemos ver no

mito tão somente um gênero literário, mas imagens que, uma vez retidas na mente,

jogam com a direção do olhar, apontando para a realidade, tentando vê-la

diferentemente e portanto, entendê-la melhor. Nesse sentido, a representação já há

muito tem sido compreendida como um caminho através do qual se chegaria a ter

acesso ao real ou ao verdadeiro.

No campo filosófico, constata-se uma discussão, que além de antiga, sinalizou

acordos e desacordos. Segundo Abbagnano, o termo representação é de origem

medieval. Indicava a imagem ou a idéia ou ambas as coisas:

“O uso do termo foi sugerido aos escolásticos pelo conceito de conhecimento como “semelhança” do objeto. Representar algo, dizia S. Tomás, significa conter a semelhança da coisa. Mas foi precisamente o fim da escolástica que pôs na moda o termo, às vezes indicando a significação das palavras. Ockham distinguia três significações fundamentais. Representar - dizia - tem vários sentidos. Em primeiro lugar, entende-se por esse termo aquilo por meio do que se conhece algo e nesse sentido o conhecimento é representativo e representar significa ser aquilo por meio de que se conhece alguma coisa. Em segundo lugar, entende-se por representar o fato de se conhecer alguma coisa, conhecida a qual conhece-se outra coisa; e neste sentido a imagem representa aquilo de que é imagem, no ato da lembrança. Em terceiro lugar, entende-se por representar causar o conhecimento, da maneira como o objeto causa o conhecimento”. ( 1982 : 820 )

Em síntese, o que constata Abbangnano, é que o termo representação encerra três

sentidos: primeiro, a idéia no sentido mais geral; segundo, é imagem; terceiro, o

próprio objeto. Porém, esses três sentidos, mesmo em Filosofia, não esgotam as

possíveis compreensões a respeito do termo. Em filosofia, o esforço humano sempre

esteve imerso numa constante busca de apreender o real. E “nada foi tão mais frágil

do que a faculdade humana de admitir a realidade, de aceitar sem reservas a imperiosa

prerrogativa do real “.(Rosset, 1988 : 11) No jogo filosófico, o conhecimento sempre

foi, então, o cerne da questão; isto é, o cerne de uma questão fundamentalmente

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humana. E isto se verifica desde a pré-história da Filosofia Grega ( do Mito à

Filosofia), passando por todo o período clássico (séc. V - IV a. C.). Não é propósito

nosso, traçar uma visão - mesmo que panorâmica - das teorias do conhecimento que

estiveram subjacentes à história humana. Porém, o termo representação leva-nos

necessariamente a uma discussão sobre consciência e cognição, e deveríamos nos ater

a pelo menos uma parte do período filosófico, enfocando alguns aspectos que sugerem

aproximação/ relação com o termo, e que tiveram, de uma forma ou de outra, um certo

peso no desencadeamento do processo de produção de uma “teoria” da representação.

Na visão hegeliana, por exemplo, identificamos interessantes elementos que

articulam uma compreensão, do ponto de vista filosófico, sobre Representação. Bem

diferentemente de Kant, que entende o conhecimento como relação de sujeito e objeto

( este, na dupla acepção de coisa em si e fenômeno ), para Hegel o conhecimento

começa com o indivíduo imerso na natureza, na coisa em si, não como um estranho, e

sim como “a criança no seio materno”. (Hegel, 1995 : 115) A consciência é o “lugar”

no qual o sujeito diferencia-se do objeto, o “eu” do “tu” ! Como tal, é inicialmente

consciência sensível, com a qual o “animal” aprende a distinguir o real do não real, o

amigo do inimigo. A consciência, em si, nada é. Ela passa a existir na “confrontação”

com o mundo externo, que é o seu mundo como “outro”; e com esta simplíssima

atividade abre-se o longo processo do conhecimento que leva o homem até à Razão.

Este processo, na visão de Hegel, se dá por etapas. (cf. Rouanet, 1987 : 56)

Em Hegel, a certeza sensível é o primeiro passo na evolução da consciência

humana, e corresponde à certeza de ter diante de si um “objeto exterior”. Ter algo

diante de si parece a forma mais segura e rica de conhecimento, e no entanto, para o

homem, isto é profundamente questionador. Para Hegel, o que acontece nesta fase, é

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que um “este aqui” (= consciência sensível) está frente a um “isso aí “ (= objeto). Ora,

o “isso aí” é verdadeiro, mas quando se quer expressar verbalmente o que é a “certeza”

perturba-se, pois este não pode ser um ato imediato. Isto é, a certeza sensível passa

pela mediação do universal. Em Hegel a mais simples certeza está além do sensível e

do imediato: "ela implica que nós conservamos o objeto, mesmo quando ele não está

mais aí, física ou imediatamente presente”.(cf. Garaudy, 1983: 47) Assim, a procura

volta-se para o outro polo da consciência: se a verdade não está no objeto, isto é, no

“isso aí”, estará no sujeito, ou seja, no “este aqui” ? A força da verdade está agora no

eu, enquanto imediatamente sente e vê; portanto, os objetos são “meus” pois eu

retenho a verdade deles, quando desaparecem da minha presença. Porém, em Hegel

isso também é problemático, pois a certeza tampouco reside no “eu singular”.

Conclui-se então, que a verdade da certeza sensível, por não se encontrar no

objeto, nem no sujeito, deve estar fora dela, numa determinação do pensamento que já

conhecemos: o universal, que é o reino da percepção. Assim, a conclusão a que

chegamos, é que a dialética da certeza sensível, na concepção hegeliana, força a

superar o singular para afirmar a verdade do universal permitindo também, a passagem

dos sentidos ao intelecto, que se manifesta como percepção. Em teoria do

conhecimento, isto constitui um momento importante da consciência, isto é, quando

ela entra verdadeiramente no reino do entendimento. Assim, na análise hegeliana o

momento da percepção levou à afirmação do desdobramento da “coisa” em ser-para-si

e ser-para-o-outro; isto é, chegou-se a compreensão de que a relação da coisa com o

sujeito cognoscente é algo essencial: e, por isso, um dos primeiros passos para o

entendimento. Mas, o reino do entendimento não é o reino da verdade absoluta sobre o

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que a coisa é, da apreensão do real como algo definitivamente dado e apreendido em

sua totalidade. 2

A percepção, tão bem esgrimida pelos filósofos antigos, com suas reflexões cada

vez mais refinadas, foi se mantendo sempre como um termo em debate dentro do

campo filosófico. Até o século XVI, pelo menos, ela compunha a epistémé desse

referido século. Percepção, semelhança, imagem, similitude são termos que foram

sendo usados para descreverem o início da consciência, como predisposição para o

entendimento acerca das coisas humanas e não humanas. Por exemplo, Foucault, ao

analisar a gênese e a Filosofia das Ciências, em “As Palavras e as Coisas”, fez essa

constatação: “Até o fim do século XVI, a semelhança desempenhou um papel

construtor no saber da cultura ocidental. Foi ela que, em grande parte, conduziu a

exegese e a interpretação dos textos: foi ela que organizou o jogo dos símbolos,

permitiu o conhecimento das coisas visíveis e invisíveis, guiou a arte de representá-

las”. (1987 : 33) Tanto em Aristóteles como em Foucault, constata-se que a percepção,

assim como a representação nunca constituíram uma barreira contra a objetividade do

conhecimento. (cf. Rouanet, 1987 : 37) Ao referir-se ao saber do séc. XVI, Foucault

assinala que a semelhança, nesse momento historicamente determinado, indicava a

forma do conhecimento e a riqueza do seu conteúdo. Porém, é bem verdade que a

percepção, a semelhança, a representação como forma de saber, travaram uma batalha3

contra a tendência de considerar essa forma um meio de alcançar a verdade sobre a

2 Da noção de "coisa" passa-se para a compreensão da relação, isto é, a uma fase superior do conhecimento. A percepção colheu bem a complexidade da "coisa" , ao mesmo tempo una e múltipla, mas por atribuir ora ao objeto e ora à consciência seja a unidade, seja a multiplicidade, não conseguia captar a verdade da coisa . 3 Durkheim, havia enfrentado esse debate, referindo-se ao processo mental de associação, colocando que, na busca do conhecimento acerca da realidade, as representações, não podiam serem tomadas como algo inexistentes, pois elas desenvolvem propriedades sui generis, estando por isso, tomadas como fenômenos reais . ( cf. Durkheim, 1994 : 29 )

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realidade. (cf. Rouanet, 1987: 39)

Contudo, a percepção, como dimensão sensitiva, não poderia encerrar na forma do

pensamento a dimensão representativa, e isso B. Russel teria deixado claro em seus

estudos sobre processos mentais, como observa Spaniol (1989: 34 ):

“Na execução da primeira parte de sua tarefa, ou seja, analisar “o que realmente acontece quando, p.ex., acreditamos ou desejamos”, Russel se depara com a necessidade de ' representações' (images) : 'o uso de palavras, no pensamento, depende, ao menos na origem, de representações(images), e não pode ser explicado plenamente numa linha behaviorista'. Isso porque o objeto, ao qual se refere o pensamento, deve, de alguma forma, estar presente em nível mental. E isto se dá através da 'representação'(images): 'tendo admitido representações(images) podemos dizer que a palavra ‘caixa‘, na ausência da caixa, é causada por uma representação(image) da caixa'. Devido a esta função das “representações”(images), Russel pode dizer: 'creio que o estofo de nossa vida mental, enquanto oposto a suas relações e estrutura, consiste inteiramente de sensações e representações(images)'. E para Russel estas 'representações'(images) parecem ser tudo o que é necessário, além das sensações: 'penso que os únicos ingredientes da vida mental exigidos, além das sensações, são representações(images)' ”.

Assim, num primeiro instante, Russel deixa claro que as “representações” (images) se

apresentam como necessárias nas diversas formas de conhecimento. Porém, reconhece

também nesse primeiro instante seu limite, no sentido de que, como processo mental,

não abarca com bastante propriedade o significado mesmo dos conteúdos presentes na

mente. Essas aproximações com o termo representação em filosofia não param por

aqui. O processo é complexo, mas foi ainda nesse século que a filosofia deu outros

saltos em busca de uma concepção do conhecimento sensível. Novas concepções

foram trazidas pela fenomenologia de Husserl e pela Psicologia da Forma ou teoria da

Gestalt.4 O conhecimento sensível foi sendo configurado como uma dimensão

qualitativa, mas estruturado e não passivo ante o mundo e as coisas por acontecer: “O

mundo percebido é qualitativo, significativo, estruturado e estamos nele como sujeitos

4 Palavra alemã que significa configuração, figura estruturada, forma .

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ativos, isto é, damos às coisas percebidas novos sentidos e novos valores, pois as

coisas fazem parte de nossas vidas e interagimos com o mundo.” (Chaui, 1994 : 123)

2. Representação e Ciências Sociais

Vimos, anteriormente, que o esforço filosófico, a partir de aspectos de Teoria do

Conhecimento, foi de reflexionar sobre os dados e conteúdos presentes na mente, o

que de uma certa maneira, nos levou a um primeiro estágio de reflexão sobre

representação. Nesse sentido, poderíamos concluir que a Representação, na sua gênese,

esteve constituindo uma reflexão cognitiva imanente relacionada à subjetividade

interna da consciência. Mesmo com todo o materialismo presente na dialética

hegeliana, onde advém a compreensão de que a relação da coisa com o sujeito

cognoscente é algo essencial para o entendimento, a percepção como forma de saber

não conseguia captar a verdade da coisa. A representação, em seu processo de

aprofundamento, vai sofrendo mudanças na forma de sua concepção. Ela evolui e

desloca-se para outros espaços: o espaço do signo e seu objeto.

E, a propósito dessa questão, convém desde já, apresentar algumas definições

plausíveis sobre signo, haja visto ser uma entidade central na semiótica e a esta nos

referiremos especificamente, conforme nossa metodologia, no quarto capítulo desse

estudo. Porém, é importante lembrarmos que definição única sobre signo é

problemática, pois, as classificações propostas dos signos, conforme Isaac Epstein

(1997) "são contingentes e freqüentemente contraditórias", devido à falta de uma

nomenclatura unívoca e universalmente aceita. Mas nada impede de apresentar aqui

algumas definições como norteadoras do entendimento sobre signo subjacente à nossa

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pesquisa. Epstein (1997: 17s) faz algumas apreciações vindas de filósofos e estudiosos

da linguagem sobre o signo:

- ' Três coisas, segundo os estóicos, estão mutuamente ligadas: 1) o significante ou signo; 2) o significado; e 3) aquilo que existe. O significante é o som, por exemplo, o som dion. Aquilo que existe é o objeto externo, que no mesmo exemplo seria o próprio dion. Estes dois - o som e aquilo que existe - são corpos ou objetos físicos. O terceiro fator, no entanto, não é um corpo. É descrito como uma entidade indicada ou revelada pelo som e que aprendemos como subsistindo em nosso pensamento ' .

- ' Qualquer objeto material, ou propriedade de tal objeto, ou um evento material transforma-se em signo quando, no processo da comunicação, serve, dentro da estrutura da linguagem adotada pelas pessoas que se comunicam, no propósito de transmitir certos pensamentos acerca da realidade, isto é, acerca do mundo exterior, ou acerca de experiências interiores (emocionais, estéticas, volitivas, etc.) de qualquer das pessoas que participam do processo de comunicação ' .

- ' Signo - junto com Peirce, entendemos por signo algo que responde por outra coisa, que representa outra coisa, e que é compreendido ou interpretado por alguém. Assim, um signo é uma relação de três membros, ou triádica, composta pelo signo como meio (relação signo-meio M), pelo objeto designado (relação signo-objeto O) e pela consciência interpretadora, o intérprete ou signo interpretante (relação signo-interpretante) . O signo não é pois um objeto com propriedade, mas uma relação ' .

Voltando à observação de que a representação evolui para outros espaços, o campo

acadêmico nesse processo, compactua como sujeito nesse processo de evolução, pois

vai tomando para si aos poucos como desafio, a reabilitação dessas dimensões

gnosiológicas da existência humana acerca de representações, símbolos, signos. Estas

se mantiveram prisioneiras durante muito tempo, nas cadeias soerguidas por uma

concepção antropológica e psicológica, em que a infra-estrutura econômica

determinava o modo de ver e conceber a realidade das coisas existentes no mundo.

Assim, todo esse arcabouço filosófico presente na concepção materialista dialética

marxista, para expor uma tese sobre “o que é a história”, se apresentava

profundamente reducionista, lançando também a ordem simbólica “aos efeitos de um

sistema de forças submetidas a leis palpáveis e definíveis”. É importante observarmos

no entanto, que a tradição marxista sempre privilegiou, com relação aos sistemas

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simbólicos, as funções políticas, deixando de lado sua estrutura lógica e sua função

gnoseológica .

A dimensão simbólica da vida humana portanto, até um certo período desse

presente século, não gozava de status epistemológico, isto é, o simbólico não constituía

porta de entrada para o conhecimento da realidade histórico social.

No mundo acadêmico atual, podemos ainda identificar resquícios, de uma

concepção de ciência que prescinde, ao estudar seu objeto de interesse, da ancoragem

subjetiva no processo de análise, embora tímida a sua expressão.

Contudo, não podemos deixar de admitir, é patente uma certa evolução no

campo das ciências sociais e humanas; e como exemplo dessa evolução, Alexander

(1997: 13) identifica que "O interacionismo simbólico e a etnometodologia realizaram

estudos inovadores do desvio, do comportamento coletivo e dos papéis sociais. Além

disso, as polêmicas metodológicas associadas a esses estudos convenceram muitos

sociólogos de que abordagens mais individualistas e naturalistas podiam permitir

melhor acesso à realidade".

Outro exemplo ainda podemos encontrar na Antropologia, para a qual o conceito

de representação é refletido da seguinte maneira:

“A consciência dispõe de duas maneiras de representar o mundo. Uma, direta, na qual a própria coisa parece estar presente na mente, como na percepção ou na simples sensação. A outra, indireta, quando por qualquer razão, o objeto não pode se apresentar à sensibilidade “em carne e osso”, como por exemplo, nas lembranças de nossa infância, na imaginação das paisagens do planeta, na inteligência da volta dos elétrons em torno de um núcleo atômico ou na representação de um além-morte. Em todos esses casos de consciência indireta, o objeto é re-(a)presentado à consciência por uma imagem, no sentido amplo do termo”. ( Durant, 1988 : 11/12 )

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Poderíamos talvez, formular um exemplo prático à luz desse pensamento.

Acreditamos que a cruz, para os cristãos, tem um significado de fundamental

importância. Ao se relacionarem com ela, vem à tona “coisas ausentes” ou impossíveis

de serem percebidas concretamente. Nesse sentido, essas “coisas ausentes” que

chegam até a mente dos fiéis através da relação com o signo, acabam por se

transformar nos próprios assuntos de que tanto se quer falar. É o símbolo que já

começa a processar sua função, ou seja, como uma realidade aberta, ele evoca através

de uma relação, algo de ausente ou impossível de ser percebido, trazendo um sentido à

realidade histórica. O que, no meu entender, pode provocar conformismo, resistência

ou transformação. Os conteúdos da cultura não são poções mágicas. Eles estão

profundamente enraizados no real histórico. Assim, não é verdade o que se parece crer,

ou seja, que símbolo significa algo não-real, que o simbólico é o que não existe:

"Um símbolo nem se impõe com uma necessidade, nem pode privar-se em seu teor de toda referência ao real ( somente em alguns ramos da matemática se poderia tentar encontrar símbolos totalmente 'convencionais'- mas uma convenção que valeu durante muito tempo deixa de ser pura convenção). Enfim, nada permite determinar as fronteiras do simbólico" ( Castoriadis, 1982 : 144 ).

O símbolo é a melhor forma e muitas vezes a única de expressar algo mais

profundo da vida: o amor, o desejo de felicidade, a alegria, a dor, o sentido da

comunidade, da organização, a recordação do passado, a esperança. Portanto, sabemos

que o símbolo toca o real. Porém, o que é real não é necessariamente sensualista. Algo

simbólico, como por exemplo, uma poesia, é real enquanto expressão do desejo; e o

desejo, como bem sabemos, é algo humano, real, histórico. Assim também a fé, a

esperança, o sonho: contemplar a Deus face a face, reconciliação, terra, leite e mel;

pobres fartos de pão, abolição do sofrimento, reino de Deus.

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O simbólico, para certos indivíduos e instituições, como bem denuncia Castoriadis

: “...pode ser visto como simples revestimento neutro, como instrumento perfeitamente

adequado à expressão de um conteúdo preexistente, da verdadeira substância de

relações sociais, que nem acrescenta nem diminui nada”. (1982: 144)

Assim, a idéia de que o simbólico é perfeitamente “neutro” ou totalmente

“adequado” ao funcionamento dos processos reais, é inaceitável, sem sentido. Isto

porque, os signos não podem ser tomados em qualquer lugar e nem tão pouco se tornar

em qualquer signo, em outras palavras: " ...nada permite determinar a priori o lugar por

onde passará a fronteira do simbólico, o ponto a partir do qual o simbólico invade o

funcional”. (Castoriadis, 1982: 150)

Não podemos fixar, segundo esse autor, nem o grau de simbolização, variável

segundo as culturas, nem os fatores com que a simbolização se exerça com uma

intensidade particular sobre tal aspecto da vida da sociedade. Por tudo isso, e sem

querermos medir grau de simbolização e nem fatores de intensidade, o símbolo me

interessa como aspecto da sociedade, essa capacidade que ela tem de simbolizar, de

não viver sem símbolos.

Tecendo ainda um pouco mais nossa fala sobre os símbolos, poderíamos

concordar em parte com o filósofo P. Ricoeur, pois este afirma que todo símbolo

autêntico possui três dimensões concretas, quais sejam : a) é ao mesmo tempo

“cósmico”, pois retira toda a sua figuração do mundo visível que nos rodeia; b) é

“onírico”, assim, enraíza-se nas lembranças, nos gestos que emergem de nossos

sonhos; c) é “poético”, o símbolo apela também para uma linguagem. ( Ricoeur, apud

Durant, 1988: 13) Porém, apelarmos para uma linguagem não quer dizer que o

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simbólico encontra-se só na linguagem, mas também nas Instituições. Quanto a isso,

vejamos o que diz Enriquez:

“A organização não pode viver sem segregar um ou mais mitos unificadores, sem instituir ritos de iniciação, de passagem e de execução, sem formar os seus heróis tutelares ( colhidos com freqüência entre os fundadores reais ou os fundadores imaginativos da organização ), sem narrar ou inventar uma saga que viverá na memória coletiva: mitos, ritos, heróis, que têm por função sedimentar a ação dos membros da organização, de lhes servir de sistema de legitimação e de dar assim uma significação preestabelecida às suas práticas e à sua vida. Ela pode então se oferecer como objeto a interiorizar e a fazer viver”. ( Enriquez, 1982 : 34 )

Nesse sentido, o simbólico se coloca como algo material e imaterial, pois ele se

crava no natural e se crava no histórico. Disso decorre o surgimento de encadeamento

de significantes, de relações entre significante e significado, conexões e

conseqüências. Busquemos exemplificar um pouco essa questão nos referindo ao

sagrado como experiência de relação.

A vida religiosa no campo do indivíduo, é sempre uma experiência de emoção,

e emoção profunda. Sempre que uma pessoa passa por essa experiência e é capaz de

fixar por um instante sua atenção a um desses momentos vividos, ela irá perceber que

algo muito mais do que bom aconteceu, e que foi por certo, um “desvelar de tesouros

ocultos”, a “revelação de pensamentos íntimos” e até mesmo, uma “confissão

pública de segredos de amor”. A religião tem esse poder de fazer tudo isso acontecer,

e é por isso que nela as coisas não morrem, mas se eternizam em um novo sentido.

Todas as religiões têm em comum, e já se deram por demais conhecidas, que a

experiência do sagrado é algo que deva ser vivida. Palavras vãs seria buscar uma idéia,

palavras vãs seria apenas acreditar. Com o sagrado só há uma coisa a fazer: vivê-lo

intensamente ! Portanto, o testemunho da experiência do sagrado não está só na voz

interior, não está só na consciência religiosa, no sentimento ou na aspiração da nossa

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alma. As coisas, certos fatos, certos acontecimentos, certos espaços em que estamos

ou espaços que fazemos e demarcamos também revelam de forma surpreendentemente

luminosa, fascinante, a manifestação do sagrado. Rubem Alves (1984: 59) na sua

definição de sagrado e profano , compreendeu que estes não são propriedades das

coisas e que eles são frutos de experiências de relações; é por isso que, no encontro

que o indivíduo faz com tudo que se lhe apresenta como sobre-humano ou sagrado,

tudo num instante se transforma. E o que acontece ? Cada indivíduo que passa pela

experiência de se possuir pelas coisas, sentirá que nesse instante ele não é mais o

centro de nada, mas ao contrário, vai aos poucos se descobrindo totalmente dependente

de algo que se coloca, que se revela superior a ele mesmo.

Rudolf Otto acrescenta : "Quando alma se abre às impressões do “universo”, a

elas se abandona e nelas mergulha, torna-se susceptível de experimentar intuições e

sentimentos de algo que é, por assim dizer, um excesso característico e “livre” que se

acrescenta à realidade empírica, um excesso não apreendido pelo conhecimento teórico

do mundo e da conexão cósmica, tal como está constituído pela ciência”. (1992: 185)

Assim, acreditamos que nessas condições irrompe, no indivíduo, uma força atípica de

energia que transborda de dentro para fora e encontra condições favoráveis (ou

criadoras) . Assim, acreditamos que nessas condições irrompe, no indivíduo, uma

força atípica de energia que transborda de dentro para fora e encontra condições

favoráveis (ou criadoras). Durkheim (1978:222) já havia dito que um fiel que um fiel

que se comunica com seu deus, pode mais, encontra forças. Talvez a isso ele tenha

associado a fé, o que plausivelmente, no campo da sociologia da religião, faz sentido

essa identificação.

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Mas tudo não acaba no indivíduo. A sociedade, também, constitui um lugar de

referência para compreendermos essa experiência de relação com o sagrado. O

pressuposto para isso é o entendimento sobre a relação entre o simbólico e a sociedade.

É comum a sociedade atribuir a certos fenômenos, acontecimentos em momento de

grande efervescência, sacralidade. Sendo mais claro: períodos de grandes crises, de

choques violentos provocam mudanças nas relações sociais; as interações sociais se

tornam mais freqüentes, mais intensas, ativas, levam a descoberta do outro, destacam a

necessidade de interdependência, solidariedade, religiosidade. Hunt, (1990: 25)

tratando da relação entre a sociedade e o sagrado, reflete essa questão a partir da

revolução francesa, dizendo:

“Representação material do sagrado são, em certo sentido acidentes - histórico, contingente - e só a maneira de sua operação segue padrões universais (...). Revolução francesa: emergência de bonés tricolores, árvores da liberdade, capas vermelhas da liberdade, altares da pátria, deuses da liberdade ( toda uma produção de símbolos e rituais foram erigidos em torno desse momento histórico). Centro desses rituais: os juramentos revolucionários. Mathiez conclui: 'essa origem social do juramento civil redundou em imprimir na fé revolucionária um caráter de fé religiosa'. Tocqueville antes: 'Assim a revolução francesa, apesar de ostensivamente política em sua origem, funcionou nas linhas e assumiu muitos aspectos de uma revolução religiosa'. Para Tocqueville, a revolução foi tocada por uma qualidade messiânica: pelo desejo revolucionário ( querer ) de levar a boa nova aos homens de todos os lugares”.

E aqui voltamos a Enriquez, quando este reflete sobre a necessidade que uma

determinada organização tem de interiorizar valores, e com isso fazer com que aqueles

que são seus membros, possam desenvolver sentimentos de pertença, fazer experiência

de admiração como também de temor. Assim, não há como negar, toda essa

necessidade de sacralidade é parte constitutiva do ser das sociedades, desde as

primitivas às mais complexas. "Toda sociedade exige, para se instaurar e se perpetuar,

se referir a uma ordem legitimadora de sua existência”. Basta conferir, a título de

exemplo, o que diz Durkheim (1996: 159) sobre a natureza do totem, quando este é

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uma expressão coletiva, dizendo-o "parte do estatuto legal de cada indivíduo" e que,

"geralmente é hereditário".

Os ideais da Revolução Francesa, como idéias concebidas pelo processo histórico,

necessitaram da força suficiente para se impor, e isso foi possível porque eles tiveram

que se encarnar e portanto, se imporem às consciências e ao inconsciente, mas sua

força, sua mola, é o afetivo e não o intelecto.

Para explicar, sagrado e profano, em "As Formas Elementares da Vida Religiosa",

primeiro que tudo, Durkheim (1994: 10) procura um caminho plausível pela via da

Sociologia do Conhecimento, tomando como discussão central, as noções de

representações individuais e coletivas, e constata que, as representações são partes

constitutivas tanto da vida coletiva como da vida mental de cada indivíduo; e não só

isso, são comparáveis entre si. Não há uma batalha entre a concepção durkheimiana e a

psicologia individual, mas tão somente uma postura metodológica diferenciada, que

não chega a ferir a autonomia da Sociologia e da Psicologia. Assim, a postura

metodológica de Durkheim começa, em primeiro lugar, tratando o fenômeno das

“representações” como algo existente.

Para Durkheim, as representações coletivas (= representações sociais), que se

caracterizam como expressões dessa realidade sui generis, são fatos sociais, isto é,

coisas reais por elas mesmas. Para entender assim o conceito, tal visão parte do

seguinte pressuposto sociológico:

“A sociedade tem por substrato o conjunto de indivíduos associados. O sistema que eles formam, unificando-se, varia segundo sua própria disposição sobre a superfície do território, a natureza e o número de vias de comunicação, tudo o que constitui a base sobre a qual se edifica a vida social. As representações, que são sua trama, originam-se das relações que se estabelecem, tanto entre os indivíduos, de tal forma combinados, quanto entre os grupos secundários que se interpõem entre o indivíduo e a sociedade total”. (Durkheim, 1994: 41)

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Isto quer dizer, em síntese, que não são os indivíduos em relação que detêm e

fazem uso das representações coletivas. O salto durkheimiano é para fora dos

indivíduos, ou seja, as representações não são puramente algo interno da vida mental

de cada indivíduo. A expressão de relação entre eles (indivíduos) que torna visível o

tecido social, é que torna legítimo o existir desse fenômeno. Nesse sentido, para

Durkheim, a sociedade, como sendo uma totalidade se constitui como algo que se

antecipa ao indivíduo. Isso explica, porque buscava enfatizar a especificidade e a

primazia do pensamento social em relação ao pensamento individual. Para esse autor,

assim como a representação individual deve ser considerada um fenômeno psíquico

autônomo não redutível à atividade cerebral que a fundamenta, a representação

coletiva não se reduz à soma das representações dos indivíduos que compõem a

sociedade. Ela é também uma realidade que se impõe a eles: as formas coletivas de

agir ou pensar têm uma realidade fora dos indivíduos que, em cada momento,

conformam-se a elas. São coisas que têm existência própria. O indivíduo as encontra

formadas e nada pode fazer para que sejam ou não diferentes do que são.

A partir de 1961, com a publicação da obra de Serge Moscovici, sobre a

representação social da psicanálise, essa noção ganha não só um novo enfoque, mas

uma nova dimensão :

“As representações em que estou interessado não são as de sociedades primitivas, nem as reminiscências, no subsolo de nossa cultura, de épocas remotas. São aquelas da nossa sociedade presente, do nosso solo político, científico e humano, que nem sempre tiveram tempo suficiente para permitir a sedimentação que as tornasse tradições imutáveis. E sua importância continua a crescer, em proporção direta à heterogeneidade e flutuação dos sistemas unificados - ciências oficiais, religiões, ideologias - e às mudanças pelas quais eles devem passar a fim de penetrar na vida cotidiana e se tornar parte da realidade comum”. (apud Spink, 1993: 22)

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Sabe-se, que o objetivo de Moscovici era contribuir para uma psicologia do

conhecimento e a questão das representações sociais ganha aí uma grande importância

e ele passa a entendê-las como uma modalidade específica de conhecimento, que

tem por função a elaboração de comportamento e comunicação entre indivíduos

no plano da vida cotidiana. Isso porém, não acontecia com Durkheim, para quem o

conceito de Representação Social era bastante abrangente e compreendia mitos, lendas,

concepções religiosas de todas as espécies, as crenças morais, etc., através das quais

poderíamos encontrar parte significativa da história da humanidade .

As representações coletivas eram vistas, na sociologia durkheimiana, como

dados, como entidades explicativas absolutas, irredutíveis por qualquer análise

posterior, e não como fenômeno que devessem ser eles próprios explicados; à

psicologia social, pelo contrário, segundo Moscovici, caberia penetrar nas

representações para descobrir a sua estrutura e os seus mecanismos internos. (cf.

Spink, 1993: 23) Pelo exposto, Moscovici foi até Durkheim ou melhor dizendo, foi até

a sociologia durkheimiana, buscar as bases para o conceito de Representação Social.

2. 1 -Definindo representação social

Ao buscamos uma definição para representações sociais não queremos algo

meramente teórico, mas desde já, conhecer tais representações sociais, e ver que elas

se colocam, por exemplo, a propósito do nosso estudo, como essenciais para

explicarem/compreenderem as dinâmicas em ato num dado contexto social. Denise

Jodelet, importante colaboradora e continuadora do trabalho de Moscovici, designam

Representação Social como uma forma de conhecimento específico, o saber de sentido

comum, cujos conteúdos manifestam a operação de processos gerativos e funcionais

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socialmente caracterizados; designa ainda uma forma de pensamento social. As ,

Representações Sociais, nesse sentido, constituem modalidades de pensamento prático

orientados para a comunicação, a compreensão e o domínio do social, material e ideal.

Essas representações, na visão de Jodelet, apresentam características específicas a

nível da organização dos conteúdos, as operações mentais e a lógica . Portanto, a noção de Representação Social implica uma forma de conhecimento

sobre a realidade social; um tipo de conhecimento particular que, em síntese, se

expressa como "teorias" sobre saberes populares e do senso comum, elaboradas e

partilhadas coletivamente, com a finalidade de construir e interpretar o real.

Mas, o que está na base desse processo é a fala, pois as representações são

apreendidas através da fala. Diz-se normalmente, e com razão, que a representação

social é apreendida na conversa da vida cotidiana e é por isso que uma das suas

características fundamentais é a de ser um conhecimento prático, que se elabora

segundo uma lógica própria no sentido de uma ação. Assim, as representações sociais

ao se expressarem dinâmicas, colocam os indivíduos a produzirem formas criativas de

relacionamentos com o meio em que vivem. Nesse sentido, as representações incidem

sobre o tecido social, podendo configurar-se assim, em objeto de estudo: " (...) são

metamorfoses da realidade, revelando o sentido de um mundo invisível, projetado feito

sombra nas nossas mentes. São, igualmente, fatos sociais, por isso, podem ser tratadas

como "coisas" 5 , possíveis de observação exterior e experimentação" (perrusi,1992:

44).

5 Entre vários significados sugeridos na reflexão, uma se apresenta bastante interessante, pelo fato de se definir de forma genérica: "Coisa" designa qualquer objeto ou termo, real ou irreal, mental ou físico etc., de que de um modo qualquer, se possa tratar. Nesse significado, a palavra é um dos termos mais freqüentes da linguagem comum e é também copiosamente empregada pelos filósofos. "Coisa" pode ser o tenno de ato de pensamento ou de conhecimento ou então de imaginação ou de vontade: de construção ou destruição etc. Pode-se falar de uma Coisa, que existe na realidade como também de uma Coisa que está na imaginação, ou no coração, ou nos sentidos etc. Assim, pode-se dizer que nesse significado

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Uma segunda questão, diz respeito a relação representação social e ideologia.

Primeiro que tudo, ainda é importante nesse momento que estamos vivendo, deixar.

pontuadas algumas idéias acerca do que se entende por ideologia. Alguns autores

recentemente têm refletido que a palavra ideologia foi muito utilizada como sinônimo

de "consciência falsa da realidade", que apenas serve, para esconder a realidade mesma

das coisas, impondo aos indivíduos, uma atitude de alienação perante o mundo. A

ideologia, é elaborada e manipulada, com o fim de esconder os mecanismos de

exploração que rege a sociedade capitalista, contribuindo assim, com a perpetuação do

poder da classe que se apresenta hegemônica num dado momento histórico (cf. Crespi,

1997:37s). Mas, essa visão, não é mais predominante, ou seja, esse sentido negativista

da ideologia. Encontramos numa outra concepção, que ela pode "designar qualquer

coisa, desde uma atitude contemplativa que reconhece sua dependência em relação à

realidade social, até um conjunto de crenças voltado para a ação; desde o meio

essencial em que os indivíduos vivenciam suas relações com uma estrutura social até

as idéias que legitimam um poder político dominante" (Zizek, 1996:9).

A propósito da concepção de Zizek, poderíamos formular a seguinte pergunta:

os evangelhos, expressões mais diretas da fé cristã, podem ser consideradas livres de

ideologias? E poderíamos responder, simplesmente, que não é possível, por exemplo,

para a fé religiosa, expressar-se ou transmitir-se a não ser mediante fatos, que ao

mesmo tempo, são o resultado dos valores que se pretendem transmitir, e das técnicas

empregadas para realizá-los. O sentido de ideologia aqui é, pois, o de fazer com que

Coisa significa um termo qualquer de um qualquer ato humano ou, mais exatamente, qualquer objeto que de qualquer modo se depare a alguém É o significado incluído na palavra grega pragma. Cí. Abbagnano, Op. Cit p. 138 .

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um crente, um fiel que participa assiduamente de sua religião, adira de modo eficaz,

acertos valores e os leve à prática. Acredito ser este o sentido da afirmação de r

Durkheim (1996:63) quando diz: " (...) a religião parece dever necessariamente se

apresentar, não como um vago e confuso devaneio, mas como um sistema de idéias e

de práticas bem fundamentadas na realidade". Esse "vago e confuso devaneio" , quer

dizer que as coisas da religião não se passam nem do lado e nem acima da realidade,

mas só podemos entendê-las e interpretá-las, a partir dessa realidade mesma. E desse

modo, não podemos imaginar a religião, a fé, prescindindo da ideologia, como forma

de fazer atuar, determinados valores na história (cf. Segundo, 1985: 1 46ss). Essa

noção de ideologia, portanto, toma-a como uma instância social, o que nos faz ver,

com relação a representação social, que esta faz parte da dimensão ideológica, embora

sejam distintas. E o que poderíamos considerar, de uma forma geral, como distinção

entre ideologia e representação social, é que a ideologia se localiza perfeitamente no

campo da língua, já quando nos referimos às representações sociais, estas situam-se no

campo da fala. O "pulo", a "passagem" da ideologia a representação não é simples e

direta, como se não houvesse uma ponte a estabelecer o passe. Acontece, porém, que

se a ideologia está inscrita no material significante, a sua expressão como

representação necessita de um canal adequado. Essa intermediação seria realizada pelo

discurso que, apesar disso, não se esgota como mero lugar de passagem de sentido do

campo ideológico para o da representação. O discurso se coloca, então, como uma

realidade intermediária, que situa-se entre a língua e a fala.

Dizer que a representação social, faz parte da dimensão ideológica, significa

que sendo aquela uma modalidade de conhecimento pat1icular, ela recobre a noção de

opinião, atitude, imagem, ou seja, recobre um conjunto de informações e valores, que

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não fica só na dimensão da cognição. A representação social é uma predisposição para

a ação. Esse sentido perpassa nossa preocupação, quando nos propomos a estudar a

representação religiosa, colocando sobre nós o desafio de identificarmos, por baixo

desta representação religiosa, urna dada realidade que ela figura e lhe dá uma certa

significação. Com certeza, as diversas formas representacionais que buscarmos, com o

proceder de nossa análise, implicarão desde necessidade humana a impulso para ação

sobre a realidade. E isto se deve ao fato de serem os conteúdos dessas representações,

individuais e coletivas.

2. 2 O real e a ação de representar

Através dos estudos feitos por Serge Moscovici, este destacou uma maneira de

como uma Ciência pode penetrar na Sociedade e perceber então, o processo que se dá

na construção de representação a partir do social e de como esse mesmo social é

transformado. Esses dois processos são por ele denominados de OBJETIVAÇÃO e

ANCORAGEM, os quais pretendemos utilizar nesse estudo como categorias de

análise.

O processo de Objetivação, como aspecto responsável pela formação das

representações sociais, consiste em uma “operação imaginante e estruturante”, pela

qual se dá “forma”- ou figura - específica ao conhecimento acerca do objeto, tornando

concreto, quase tangível, o conceito abstrato, “materializando a palavra”. Segundo

Moscovici, “objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma idéia ou ser impreciso,

reproduzir um conceito em uma imagem”. Como um segundo processo responsável

pela formação das representações sociais, vem a ancoragem, que, segundo Jodelet,

“se refere à integração cognitiva do objeto representado dentro do sistema de

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pensamento preexistente e às transformações derivadas deste sistema, tanto de uma

parte como de outra. Já não se trata, como no caso da objetivação, da constituição

formal de um conhecimento, senão, de sua inserção orgânica dentro de um pensamento

constitutivo”. (pp. 474/75)

De um modo geral, o processo de ancoragem é responsável pelo enraizamento

social das representações e de seu objeto. Assim, segundo Moscovici, ancorar é

“classificar e denominar coisas que não são classificadas nem denominadas, são

estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras”. Esse processo de

ancoragem, se colocado de lado do processo de objetivação numa verdadeira relação

dialética, articulará sem sombra de dúvidas, certas funções, que ao nosso ver, são

próprias da representação, quais sejam: função cognitiva de integração, função de

interpretação da realidade e função de orientação das condutas e as relações sociais .

2. 3 Nossos passos estratégicos

Do ponto de vista de operacionalização, o estudo se apoiará em três estratégias

fundamentais e complementares: 1) observação sistemática que se consolida, em diário

de campo, buscando apreender o discurso que se constrói, a partir da prática religiosa

institucional da Igreja Universal do Reino de Deus, sobre o dinheiro; 2)

estabelecimento de estratégias que permitisse a construção de associações em

entrevistas livres, gravadas, visando captar o significado atribuído ao dinheiro nas

relações estabelecidas no âmbito institucional religioso; 3) tomar, como recurso

técnico para análise do quadro representacional, elementos analíticos vindos do campo

da semiótica .

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A partir desse processo metodológico, que inclui procedimentos da Teoria da

Representação Social e da Semiótica, buscando entre elas uma interação no processo

de análise esse estudo visa a estabelecer: a) Que a organização do discurso teológico

de prosperidade (tendo por referência básica o produzido pela Igreja Universal do

Reino de Deus ) contempla o elemento dinheiro, como objeto de articulação com a fé;

b) e que esse mesmo elemento, na sua construção, como significado/representação,

firma laços de identidade na base da instituição religiosa que ora se pesquisa.

2. 4 Representação e a semiótica da significação

O objeto sobre o que analisaremos, encontra-se sob duas condições que ele está

inserido, enquanto fenômeno, em uma cultura concreta e como tal, para efeito de sua

funcionalidade, deve ser tomado também como um fenômeno de comunicação,

levando à produção de linguagem e de sentido.

O que nos interessa, especialmente, é o fato de poder tratar objetos materiais

que circulam no espaço religioso, como objetos que ganham significado e sentido. E

isto é bem próprio da preocupação semiótica: "A semiótica é a ciência que tem por

objeto de investigação todas as linguagens, ou seja, que tem por objetivo o exame dos

modos de constituição de todo e qualquer fenômeno de produção e significação e de

sentido". (Santaella, 1983: 13)

Nesse caso, o dinheiro é também, um desses fenômenos que comporia como

objeto, uma análise semiótica, pois

"(...) a sua ação é uma metáfora gigante, esclarecendo através de imagens e signos que, 'a projeção das simples relações nos objetos particulares é uma realização do espírito; quando o espírito se encarna em objetos, eles se tornam um veículo para o espírito e lhe atribuem uma atividade mais viva e mais ampla. A capacidade de construir tais objetos simplesmente alcança o seu maior triunfo no dinheiro. O dinheiro representa a interação mais pura e sua forma mais pura; é uma coisa individual cujo significado essencial é ir além das individualidades. O dinheiro é então a expressão adequada da relação do homem com o mundo, que só podemos apreender em exemplos

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concretos e particulares, mas que só podemos realmente conceber quando o singular se torna a encarnação do processo mútuo vivo que entrelaça todas as singularidades e, sob essa forma, cria a realidade'." ( Moscovici, 1990 : 287) .

Assim, esse recorte permitirá apreciar de forma direta, a relação entre religião,

fé e dinheiro. Estes, articulados em torno de um tipo de discurso, obedecem a uma

ordem de linguagem que, uma vez reconhecida, garante a produção de seus próprios

conteúdos.

Contudo, considerando o campo religioso como produtor de sentido, é preciso,

igualmente, dar conta de um processo mais geral, o da significação. Expliquemo-nos

melhor. A semiótica da significação tem a função de "analisar o papel do signo na

vida mental das pessoas envolvidas no processo de comunicação".

Assim, para entender a mensagem pregada pela Igreja Universal do Reino de

Deus na mente dos fiéis sobre o dinheiro, a semiótica da significação nos oferece um

caminho completamente importante. Precisemos melhor essa questão de "signo", para

que fique melhor compreendido o trato que darei ao meu objeto de estudo:

"O signo em primeiro lugar depende de algo que não ele mesmo. Ele é representativo, mas apenas de maneira derivativa, numa condição de subordinado. No momento em que um signo desliza para fora dessa subordinação, como acontece com freqüência, aí então ele deixa de ser signo por algum tempo. Um signo visto em si mesmo não é visto como signo, muito embora possa sê-lo virtualmente. Em si mesmo, ele é um mero objeto ou coisa tornada objeto, esperando talvez se tornar um signo, ou talvez tendo antes sido um signo, mas em si mesmo não sendo um signo de maneira alguma. Um signo, então, é um representante, mas nem todo representante é um signo. As coisas podem se auto-representar na experiência. Na medida em que fazem isso, são objetos, nada mais, muito embora ao se tornarem objetos elas pressuponham signos. Para ser um signo, é necessária a representação de algo que não o próprio ser. Ser um signo é uma forma de prisão a um outro, ao significado, o objeto que o signo não é mais que, todavia representa e substitui". ( Deely, 1990 : 54) É a partir dessa concepção de signo que expressaremos nosso entendimento

sobre o elemento "dinheiro" enquanto tal. Nesse sentido, devo concebê-lo não apenas

como algo que existe (coisa), nem muito menos apenas como algo que se manifesta

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para alguém (objeto): ele também se manifesta para alguém como representação de

algo mais (signo).

No processo de semiose existe um aspecto em que me deterei e que se

denomina de "resultado significado propriamente dito", no caso desse estudo, o

dinheiro enquanto signo: "A isso Peirce chama de interpretante, uma noção singular e

importante que constitui a chave do entendimento da ação dos signos como processo,

uma forma de tornar-se e também um tipo de Ser, além de constituir a estrutura

essencial que torna possível o significar". (Deely, 1990 : 45)

Mas, o que é mesmo o interpretante de um signo ? Segundo Deely, Peirce o

definiu como sendo tudo aquilo que está explícito no signo em si mesmo, sem contar o

contexto e circunstância de sua produção, e isso constitui o seu "resultado significado

propriamente dito". Agora, o que é importante para o interpretante de um signo é que

ele seja o fundamento sobre o qual o signo pode ser visto como uma relação com algo

mais, o significado.

O nosso objetivo com essa reflexão, é ficar compreendido que, serão de

imagens que iremos nos apropriar, imagens elaboradas em torno do dinheiro, que se

apresentam não só através da fala, mas também na dimensão semiótica como

interpretante6.

2. 5 Representação e dinheiro

Começaria dizendo a respeito do dinheiro que,

"O dinheiro é estritamente uma invenção humana por se tratar, em si mesmo, de uma metáfora - ele quer dizer outra coisa. Permite que os seres humanos estruturem a

6 “O interpretante imediato consiste naquilo que o signo está apto a produzir numa mente interpretadora qualquer. Não se trata daquilo que o signo efetivamente produz na minha ou na sua mente , mas daquilo que, dependendo da sua natureza, ele pode produzir. Há signos que são interpretáveis na forma de qualidades de sentimento; há outros que são interpretáveis através de experiência concreta ou ação; outros são passíveis de in terpretação através de pensamentos numa série infinita” (Santaelle, 1983: 60)

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vida de forma incrivelmente complexa que não se encontravam disponíveis antes da invenção do dinheiro. A qualidade metafórica concede-lhe um papel de enfoque na organização do significado na vida. O dinheiro representa uma forma infinitamente ampliável de estruturar o valor e as relações sociais - pessoais, políticas e religiosas bem como comerciais e econômicas". (Weatherford, 1999: 46s)

Sendo o dinheiro uma invenção humana, ele só faz sentido mergulhado em um sistema

sócio-cultural, pois este o explica para além de sua realidade material. Assim, não é

propriamente o dinheiro que nos interessa, mas sim, o que ele faz suscitar quando

o inserimos em uma trama institucional onde, através de um determinado tipo de

relação entre indivíduos, percebemos que, entre tantos objetos materiais, ele não

se comporta simplesmente como um valor de uso, como uma quantidade, papel-

moeda, uma folha de cheque ou um cartão magnético. Ele é tudo isso, mas outras

imagens moram nele e o extrapolam, arrancando das pessoas desejos e/ou costurando

laços, firmando identidades. Não é o dinheiro, então, que, sozinho, objetiva-se nas

pessoas e em suas Instituições, tornando-se, portanto, laço. Antes, ele se inscreve no

tecido social como uma teia linguístico-simbólica que amarra a todos... "O drama dos

tempos modernos decorre exatamente de os homens não poderem ter entre si nenhum

laço de onde o dinheiro esteja ausente e que de uma forma ou de outra não seja

encarnado por ele". (Moscovici, 1990: 286)

À luz desse primeiro instante, afirmo que, a representação social de um

determinado objeto requer que este seja entendido como coisa que se encontra

em movimento. Na perspectiva teórica assumida nesse estudo, o movimento não é do

objeto em si, como se tivera vida própria, mas resulta da interação social entre as

pessoas. Nessa relação sujeito/objeto, o movimento se dá dialeticamente. Há um

desdobrar-se do objeto como "coisa" em ser para si e ser para o outro; o sujeito

cognoscente é impelido, através de um movimento em que, ao colocar-se frente ao

outro, a construção contínua e permanente da forma de ser, de agir e de estar no

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mundo, vai sendo construída. Nesse sentido, haveremos de considerar a representação

social como o sentido atribuído a um dado objeto pelo sujeito, a partir das informações

que, continuamente, lhe vêm de sua prática, de suas relações. Nesse processo,

informações de diferentes ordens são continuamente elaboradas, transformadas,

recriadas, articulando instâncias, níveis e dimensões, numa síntese que permite ao

sujeito agir e interagir, situar-se e se definir.

A seguir, nossa reflexão toma como enfoque a questão da Representação Social e

Sociologia do Dinheiro. Mais precisamente, a seção versará sobre o dinheiro como

problema sociológico, e a partir daí, o processo irá estreitando os caminhos com vista a

situar o elemento "dinheiro", em seu contexto institucional, ou melhor dizendo, situá-

lo dentro de uma experiência humana concreta, através da qual ele se expressa social e

culturalmente; incidindo assim, como algo provocador de surgimento de laços sociais

na base da instituição a qual pesquiso e tomo como lugar onde minhas questões foram

elaboradas.

3. O DINHEIRO COMO PROBLEMA SOCIOLÓGICO

No Dicionário do Pensamento Marxista, editado por Bottomore (1988: 107)

apresenta a seguinte definição para "dinheiro": "O dinheiro é um equivalente geral

socialmente aceito, uma mercadoria específica que surge na realidade social para

desempenhar o papel de equivalente geral e exclui desse papel todas as outras

mercadorias". Quem, ao ler essa definição, não imaginaria "dinheiro" como, por

exemplo, ligado a preço? Preço está ligado a valor que, por sua vez, está ligado a

mercadoria, que se liga a dinheiro. De uma realidade material que poderia encerrar-se

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em si, já há vestígios de uma outra, imaterial, que alcançará vôos inimagináveis como

possibilidade de significação. Uma representação social, por exemplo, seria

responsável por isso. O dinheiro nunca existe em um vácuo cultural ou social. Não é

um mero objeto sem vida (Weatherford, 1999 : 30 ). Por isso ele é também uma

realidade metafórica, ou seja, por sermos pessoas inseridas em um dado sistema sócio-

cultural específico, e o dinheiro como sendo uma de nossas invenções, ele sempre

carrega a possibilidade de querer dizer uma outra coisa.

O debate acerca do dinheiro na história, foi marcado por duas tendências: uma,

que insistia em conceber o dinheiro como algo que tem um valor próprio; e uma outra

concepção, que afirma "(...) que as formas primitivas de dinheiro como mercadoria

podiam ser substituídas por formas puramente simbólicas, cujo valor seria determinado

por convenção e, para alguns, endossado pelo estado. Esse debate, superpôs-se àquele

entre os que seguem Aristóteles, encarando a função dos meios de troca como básica e

os hereges, que atribuíam primazia a outras funções do dinheiro". (Outhwaite;

Bottomore; et al 1996 : 209)

Se concebermos o dinheiro como uma metáfora, como algo que está a dizer

outra coisa, ele na verdade, desempenha o papel de carregar sobre si a primazia de

outras funções, e uma delas como símbolo a que se presta, a de representar: "Enquanto

objeto visível, constata Simmel, o dinheiro é a substância que encarna o valor

econômico abstrato, da mesma forma que o som das palavras, fenômeno acústico e

fisiológico, só tem significado através da representação que carrega ou que

simboliza(...)". (Moscovici, 1990: 286)

O dinheiro se constitui uma realidade representacional por apresentar uma de

suas principais razões de ser: a de implicar uma forma de conhecimento sobre a

realidade social. O dinheiro possibilitou ao longo da História das sociedades mudanças

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significativas quanto à forma de se organizarem, e à visão de como concebiam a si

mesmas. E quando nos referimos à sociedade, nos referimos à relação dialética entre

sujeito e estrutura, e a ação como mediadora dessa relação. Nesse sentido, o dinheiro

deveria ser compreendido, do ponto de vista do valor, não como uma mera mercadoria

simplesmente, mas também como algo de alcance intercambiável7 com outros objetos;

e por que não dizer, promotor de relações sociais, o que denuncia sua dimensão de

mobilidade e incidência sobre a forma como se enxerga o mundo:

" (...) Conforme observou Georg Simmel, 'a idéia de que a vida baseia-se essencialmente no intelecto, e que o intelecto é aceito na vida prática como a mais valiosa de nossas energias mentais, anda de mãos dadas com o crescimento de uma economia monetária' . Com a ascensão de sua nova economia baseada no dinheiro, os gregos estavam mudando a forma como as pessoas enxergavam o mundo. Essas novas formas de pensamento e organização do mundo deram origem a novas ocupações intelectuais. Simmel escreveu que 'aquelas classes profissionais cuja produtividade reside fora da economia surgiram somente na economia monetária - aquelas preocupadas com uma atividade intelectual específica como professores e pessoas letradas, artistas, médicos, estudiosos e funcionários do governo'". (Weatherford, 1999: 42)

É por esse caminho que buscamos problematizar sociologicamente a questão do

dinheiro.

Começaríamos então, por concordar com Moscovici (1990: 262) que o

dinheiro é o grande ausente das Ciências do Homem. Esta afirmação por si só já é um

problema: por que não torná-lo um problema especificamente sociológico? Na

Sociologia dos tempos atuais ele, o dinheiro, é pouco tematizado; embora sendo

7 Os Astecas usavam, chocolate como dinheiro, ou mais precisamente, usavam sementes de cacau, geralmente chamados de grãos. Podemos observar, ainda, que, em todo o mundo, artigos que vão de sal a tabaco, de toras de madeira a peixe seco, e de arroz a tecido, foram usados, como dinheiro, em diversas épocas da História. Porém, a maioria desses artigos, que compunham um sistema, baseado mais na troca do que na compra, não podia cumprir todas as funções do dinheiro, pois se constituía em artigos, pouco capazes de acúmulo de valor. Para acumular riquezas para uso futuro, normalmente as pessoas precisavam de itens mais duráveis. E com o passar do tempo, entre os povos antigos, o processo econômico evoluiu, nesse sentido, e foram descobertos novos itens que passaram a incorporar uma relação de bens duráveis, tais como: tecido, peles, plumas, conchas, dentes de javali, etc.; o que significa mais valor do ponto de vista monetário. (Cf. Weatherford, 1999 : 20ss)

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considerado o fato social supremo da sociedade moderna, constitui-se um elemento

quase que deixado de lado pelos cientistas sociais .

Como fenômeno da vida cotidiana, o dinheiro instiga-nos, pois não é ele em si

que provoca tantas perguntas, mas a pessoa humana que ao apresentar-se como ser de

relação, vê-se envolvida por teias sociais que desenham o lugar de sua morada

racional, isto é, seu ethos. A Sociedade é o grande palco das ações humanas e estas

demarcam desde esferas micro até esferas macro, a trama histórica que a pessoa

humana está vivendo. O fato da existência humana não é só uma questão para a

filosofia, mas também para a Sociologia, que quer entendê-la a partir da sociedade e

mais precisamente, a partir das relações elaboradas por dentro das diversas formas

institucionais, que visibilizam o tecido social em um momento historicamente

determinado dessa sociedade. Nesse sentido, trazer o dinheiro para o campo da

discussão sociológica, é considerá-lo uma realidade que tem uma dimensão

institucional; e isso, pelo fato de concebê-lo como elemento provocador de relações

sociais.

Na visão de Marx, o dinheiro é concebido como o objeto por excelência, pois

na sua visão, ele possui a propriedade de comprar tudo e de apropriar-se de todos os

objetos. Comentando leitura feita dos textos de Shakespeare, Marx chega a destacar

duas propriedades especiais inerentes a essa realidade chamada dinheiro. Diz ele:

1- É a divindade visível, a transformação de todas as propriedades humanas e naturais em seu contrário, a confusão e inversão geral de todas as coisas; irmana as impossibilidades ;

2- 2- É a rameira geral, proxeneta geral dos homens e dos povos. A inversão e confusão de todas as qualidades humanas e naturais, a irmanação das impossibilidades - a força divina - do dinheiro repousa na sua essência enquanto essência genérica, alienante e auto-alienante do homen. O dinheiro é a capacidade alienada da humanidade. (Marx, 1978: 31)

Relação de bens duráveis, tais como: tecido, peles, plumas, conchas, dentes de javali, etc.; o que significa mais valor do ponto de vista monetário (Cf. Weatherford, 1999:20ss).

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Ele vai afirmar que, com o dinheiro o homem pode tudo. Ele tem a força

criadora de transformar os desejos do homem em modos de existência sensível,

efetivo. O dinheiro, na visão de Marx, tem o poder de transformar as coisas da vida

em seus contrários e que, ao mesmo tempo, suscita propriedades contraditórias. Porém,

essa força divina, esse poder, não se explica de forma meramente subjetiva, pois para

Marx, a origem do dinheiro se encontra na própria mercadoria; é a partir daqui na sua

concepção, que a dificuldade da análise sobre o dinheiro seria vencida. 8

E a pergunta essencial aqui se impõe: qual a substância social comum a todas

as mercadorias? É o trabalho. E para Marx, produzir uma mercadoria é incorporar a

ela trabalho, isto é, trabalho social, pois este se diferencia daquele tipo de trabalho cujo

produto serve apenas a uso pessoal e direto de um indivíduo e, nesse sentido, não se

constituem mercadoria. Agora, para que esta se constitua, faz-se necessário que ela se

apresente subordinada à divisão do trabalho dentro da sociedade. Portanto, para Marx,

uma mercadoria só possui valor se ela se apresentar como uma cristalização do

trabalho social. O dinheiro em Marx, então, é visto e entendido a partir desse prisma,

isto é, na medida em que ele se torna um meio essencial mediante o qual o trabalho

pode ser assim, mercadorizado de forma abstrata, comprado e vendido no

mercado de trabalho e explorado para a acumulação de lucro. Sendo assim, fica

patente na visão marxiana que o dinheiro se constitui em uma realidade concreta, dada

a sua expressão consistir como algo advindo das condições estruturais que sustentam

as relações capitalistas de produção. Dodd, (1997: 56) é conclusivo quanto a essa

questão ao afirmar :

8 Para Marx, a mercadoria é antes de mais nada um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaça necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem dessas necessidades, provenha do estômago ou da fantasia

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“Para Marx, o papel do dinheiro na sociedade capitalista é facilitar a cristalização do poder abstrato do trabalho sob a forma de relações de troca de mercadoria, e nesse caso não importa muito se o dinheiro em si é representado por ouro ou por casca de banana. Afinal, a fonte do valor do dinheiro não pode ser explicado sem se fazer referência às relações de produção e troca que geram a circulação das mercadorias. De modo particular, é como expressão dessas relações que o dinheiro é sociologicamente significativo.”

Assim, tendo o dinheiro por função ser uma medida do valor das mercadorias -

o que constitui sua propriedade fundamental -, ele se define em Marx como um

equivalente geral socialmente aceito; portanto, é concebido como mediação de uma

relação social e de troca . Contudo, Marx não findou a discussão. Embora tenha dado

um tom que se tornaria hegemônico no campo da Sociologia econômica, não

representou a última voz acerca do dinheiro como objeto de estudo, não o tratou como

coisa em si e muito menos em termos representacionais, na perspectiva desse estudo .

Max Weber também abordou essa questão. Concebeu o dinheiro sob a ótica

administrativa, jurídica e econômica; mas, o entendeu fundamentalmente como um

instrumento e meio de expressão da racionalidade econômica. Já em Parsons, o

dinheiro esteve situado como objeto de estudo em um modelo para análise de outros

subsistemas sociais, considerados como sistema de troca simbólica: "Parsons

caracteriza o dinheiro como um meio simbólico. Como a linguagem é o protótipo do

meio simbólico, o dinheiro é análogo à linguagem em suas propriedades e funções.

Mais especificamente, o dinheiro constitui uma linguagem especializada no contexto

global do sistema social, papel que ele compartilha com outros meios como poder,

influência e compromisso de valor”. (Dodd, 1997: 117)

Diferentemente, pois, de Weber, para quem o dinheiro tinha uma significação

bastante econômica, Parsons, assim também como Habermas e Simmel, conforme

Dodd, definem o dinheiro com referência às relações sociais e associações

culturais. Assim, o dinheiro tem uma importância econômica, mas não pode ser

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reduzido totalmente a essa esfera. É significativa, portanto, a visão que vamos

encontrar em Símmel, que aprofunda sociologicamente, a influência permeadora do

dinheiro na vida social. E obviamente diferente de Marx, não discorre sua

compreensão por sobre o trilho tão somente da mercadoria, como se o dinheiro

unicamente dela derivasse. Em Simmel, para quem a ciência social deve profundo

respeito, por ele ter composto o estudo mais sério sobre o dinheiro até agora

verificado, este se reveste de uma importância econômica sim, mas principalmente

cultural :

“A onipotência do dinheiro com relação a outros valores desperta sentimentos psicologicamente análogos ao da veneração a Deus. Do mesmo modo que “a essência da noção de Deus é que todas as diversidades e contradições do mundo alcançam nele uma unidade”, também com o dinheiro “a relatividade das coisas é o único absoluto e, a esse respeito, o dinheiro é de fato o símbolo mais forte e mais imediato”. ( Ibid. 1997: 91)

Produzimos constantemente muitas imagens em torno do dinheiro e isso,

levando em conta os diversos âmbitos de nossa sociabilidade, isto é, seja a família, o

trabalho, a escola, a política, a rua, a religião. Esses âmbitos e outros por certo se

constituem em espaços institucionais, pois, prescrevem regras e normas para

convivência e relacionamento. Os símbolos fluem ligados à qualidade desses espaços

e por isso, só ligados a eles e vivenciando experiências, os apreendemos e também

seus significados. Cada âmbito social desses tem sua riqueza em se tratando de seus

símbolos, como expressão de comunicação com as diversas realidades de que

pretendem falar. E mais. Sabe-se, por certo, que a vida social é impossível sem pensar

na construção simultânea de signos, símbolos, significados. Cada ação tem um sentido

que alguém expressa por palavras e também por símbolos que vão sendo partilhados.

A dimensão simbólica é assim, algo constitutivo da ação humana e da construção das

sociedades. Ela se encontra presente em qualquer prática social. Pode ser encontrada

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no mito, no rito, no dogma, na política, nas artes, nas diversas formas de manifestações

populares (música, dança, moda, etc.). E é bom lembrarmos ainda, que é nessa

capacidade de simbolizar, através da cultura, que nós humanos nos distinguimos de

outras espécies animais. Não obstante isso, diríamos então, que essa nossa capacidade

de simbolizar o mundo e tomando isto como uma dimensão de nossa práxis, se traduz

como um poder de construção da realidade. Nesse sentido, Bourdieu (1998: 10)

afirma: “Os símbolos são instrumentos por excelência da “investigação social”:

enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação, eles tornam possível o

consenso acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a

reprodução da ordem social: a integração “lógica” é condição da integração “moral”.

Porém, não esqueçamos: o símbolo se define, principalmente, como

pertencente à categoria do signo . Segundo Durand (1988: 12), "a maioria dos signos

são apenas subterfúgios de economia, remetendo a um significado que poderia estar

presente ou ser verificado. É assim que um sinal simplesmente precede a presença do

objeto que representa. Assim também uma palavra, uma sigla, um algoritmo

substituem economicamente uma longa definição conceitual".

Trabalhar o elemento “dinheiro”, como signo, não seria trabalhar algo em si,

como papel-moeda, por exemplo. Mas, como símbolo, como algo cultural, que remete

a um significado ou vários significados, e principalmente se ele (o dinheiro) estiver

sendo abordado como algo localizado em um campo institucional concreto; o que

facilita a busca de sua compreensão como uso corrente e de valor em atividades

próprias de tal instituição.

Nesses termos, há de se concordar com Moscovici (1990: 271) quando este

afirma :

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“O dinheiro é o exemplo mais evidente da transformação de uma forma em matéria, de uma imagem mental em uma coisa. Ele se reconhece como meio de representar uma relação invisível através de um objeto visível, a moeda palpável, a cédula ou o cheque que passam de mão em mão e fazem bens circularem de um lugar para outro. E melhor ainda, ele assegura, particularmente no mundo moderno, a preponderância do sistema de representação, portanto da conversão e do símbolo, sobre o conjunto dos objetos e das relações”.

Assim, a incidência, presença e visibilidade do dinheiro numa determinada

instituição religiosa, como por exemplo, no nosso objeto de estudo, a Igreja Universal

do Reino de Deus, incita-nos a ter que primar por esse elemento, não como uma

mercadoria específica que surge na realidade social para desempenhar o papel de

equivalente geral, como Marx deixava claro ao buscar sua propriedade mais

fundamental; mas, como algo que se mostra também como símbolo, expressão de

relação e associação cultural .

Voltando a Simmel, poderíamos perguntar: o que fundamentalmente sustenta

sua concepção sobre o dinheiro? Ao que responderíamos: sua teoria do valor.

Conforme Dodd (e também Moscovici), o valor em Simmel está ligado ao desejo,

mas esse fato não leva a uma conclusão de que ele tenha reduzido o valor a uma

espécie de mero produto do desejo: por um lado, "as coisas que tem maior valor

tendem a ser aquelas que são mais difíceis de obter. Em outras palavras, valorizamos

coisas que parecem estar além do nosso alcance, que resistem ao nosso desejo de

possuí-las”. (Dodd, 1997: 92) No entanto, essa questão está ligada à relação entre

sujeitos e objetos. O que Simmel diz é que nós criamos o valor e este chega na medida

em que a relação sujeito e objeto possibilita ao sujeito a experienciar fora dele mesmo

os conteúdos do desejo9.

9 "(...) com a complexificação da economia, o dinheiro vai assumindo formas progressivamente mais imateriais. Ao lado da moeda sonante surge o papel-moeda, depois a moeda escritural, a letra de câmbio, o cheque, etc. O dinheiro torna-se assim cada vez mais abstrato. Ao tornar possível a comparação monetária de qualquer bem, o dinheiro instala a idéia de que o valor das coisas é exterior às coisas". Cf. Boudon, (1995 : 528/29) .

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Nesse sentido, Dodd, à luz de Simmel, conclui afirmando que o valor não é

uma propriedade intrínseca dos objetos nem muito menos se pode cometer o absurdo

de reduzi-lo ao desejo dos sujeitos. Portanto, na visão de Dodd, a análise que Simmel

faz do valor, decorre fundamentalmente da relação entre os seres humanos e o mundo

em que se encontram habitando ou, como ficou dito acima, da relação entre sujeitos e

objetos. Essa é, pois, a luz, a intuição que servirá de base para nossa argumentação, no

sentido de como conceber, epistemologicamente, o trato com o dinheiro como

elemento de estudo no campo religioso. Para tanto, deixo uma questão que será

norteadora no processo de análise do referido elemento: Como o dinheiro aparece no

mundo dos valores ? O lugar institucional em que situamos o dinheiro como

elemento para compor a análise é a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD ), por

assim dizer, ele se encontra situado no campo religioso; e como tal, será tratado

fundamentalmente obedecendo a essa relação: Fé - Dinheiro - Prosperidade. Faz-se

necessário, com isso, que a reflexão verse sobre meios através dos quais as pessoas

como também instituições, lançam mão para obterem e tomarem posse de bens. E

aqui, consideraremos duas formas bem conhecidas para se ter acesso a um bem ou a

um serviço: a dádiva e a troca como formas de reciprocidade positiva .

Monetária de qualquer bem, o dinheiro instala a idéia de que o valor das coisas é exterior as coisas. Cf. Boudon, (1995: 528/29)

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CAPÍTULO II

NEOPENTECOSTALISMO E REPRESENTAÇÃO SOCIAL:

PROBLEMATIZAÇÃO E ENFOQUE METODOLÓGICO

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1. TIPOLOGIAS CLÁSSICAS E NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

O presente capítulo, abre para reflexão questões fundamentalmente de ordem

metodológica. Entendendo por isso não uma técnica de análise fria e utilitarista, mas o

jeito, o caminho de como se dará o processo de estudo daqui para frente.

O capítulo se apoia em três momentos: um primeiro, em que observamos como a

nomenclatura "novos movimentos religiosos", se insere dentro do que se tem

construído tradicionalmente em torno do fenômeno religioso e do contexto cristão

atual. Um segundo momento, em que aproximamos o foco e fazemos a uma discussão

sobre Pentecostalismo, Neopentecostalismo e Igreja Universal do Reino de Deus. Um

terceiro e último momento, que intitulamos de "opções metodológicas", em que

expomos o processo de como a análise do material empírico se dará .

Agora, antes de uma classificação dos principais Novos Movimentos Religiosos

(NMR) no campo do cristianismo, evidenciando o movimento evangélico por sua

importância numérica e sua influência em toda a América Latina, é necessário

responder uma velha pergunta para que não percamos de vista, a dimensão sociológica

no trato com as coisas do religioso: Como encarar sociologicamente o fenômeno

religioso ?

1.1 - Émile Durkheim, em sua significativa obra "As Formas Elementares da

Vida Religiosa"(1996), define de início, e apresenta sociologicamente o que é a

religião. Contudo, começa sua sociologia da religião dizendo o que a religião não é. E

para surpresa de muitos, ele afirma que a religião não gira em torno do

"Sobrenatural"(10). A religião também não gira em torno do "Divino" (18). A religião

é compreendida como um conjunto de crenças e ritos que:

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" supõem uma classificação das coisas, reais ou ideais, que os homens concebem, em duas classes, em dois gêneros opostos, designados geralmente por dois termos distintos que as palavras profano e sagrado traduzem bastante bem. A divisão do mundo em dois domínios que compreendem, um, tudo o que é sagrado, outro, tudo o que é profano, tal é o traço distintivo do pensamento religioso: as crenças, os mitos, os gnomos, as lendas, são representações ou sistemas de representações que exprimem a natureza das coisas sagradas, as virtudes e os poderes que lhes são atribuídos, sua história, suas relações mútuas e com as coisas profanas". (Durkheim 1996: 19s)

Três aspectos se sobressaem nessa compreensão durkheimiana: "coisas reais e

ideais", "profano e sagrado" e "sistemas de representações". Poderíamos dizer que, na

história, principalmente se tomarmos o ocidente cristão como referência, o cotidiano

está marcado por uma forma de pensar as coisas em que são classificadas de reais e

ideais. A religião em quanto fenômeno, ao ser entendida por esse prisma, foi tomando

parte nessa forma de pensar, no sentido de que, ao categorizar as coisas em reais e

ideais, ela transformaria essas mesmas coisas em sagrado e profano. Porém, não

obstante isso, a religião longe de se distanciar da realidade, se aproxima, favorecendo

um conhecer e um pensar sobre essa mesma realidade.

Poderíamos citar ainda mais dois aspectos, que asseguram uma visão sociológica

do fenômeno, embora esses aspectos se situem em uma visão geral. Primeiro, o

fenômeno religioso é um fenômeno de natureza estrutural e funcional. Não é um

elemento periférico, mas um elemento constitutivo da sociedade. Segundo, o

fenômeno religioso tem funções específicas que não são garantidas por outros

elementos sociais. Isto quer dizer que o fenômeno religioso tem objetivos próprios, e

não só para os indivíduos como também para o conjunto da sociedade e da cultura. O

que levanta, por sua vez, a questão da legitimação social da religião.

Peter Berger (1985: 44s) analisa historicamente a questão da religião como

instrumento amplo e efetivo de legitimação social observando que, a religião como

algo constitutivo do agir humano, tem um papel bem definido que é de procurar dar

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sentido a esta realidade objetiva ligando-a com a realidade última e sagrada. Quando

isso ocorre numa determinada sociedade, romper com essa "ligação" seria quase um

caos, levaria, pois, à anomia. Isto verifica-se quando cada vez mais as sociedades se

racionalizam e vão assim, abandonando ritos, mitologias, etc., quer dizer, vão

abandonando a partir de um determinado processo, tudo o que possibilita o

"rememoramento" dos valores significativos que durante o processo histórico de

construção social foram encarnados; tanto pelos grupos humanos como por toda a

sociedade. Daí que, a religião legitima para manter e para possibilitar sempre novos

sentidos a partir das situações precárias da vida cotidiana dos indivíduos e dos grupos.

Desses aspectos decorrem outros, como por exemplo, o fenômeno religioso: a)

possibilita uma visão do mundo, e pode garantir também ao indivíduo um

comportamento de sentido e vivência de comunidade; b) integra valores éticos que

orientam a convivência; c) ordena e regula a fluência dos sentidos e por fim, está na

base da consciência de identidade, o que leva a concluir assim que não é só sentido,

mas identidade: "Na descrição etnográfica de Durkheim, os sistemas de crenças e de

ritos atuam para dirigir-se à diferença, ao conhecimento e ao significado, assim, a

religião identifica, classifica e estabelece a identidade". (Erickson, 1996: 28)

O fenômeno religioso se revela assim longe de ser algo deste ou daquele sociólogo

ou economista que defendem uma perspectiva própria e não o tomam como um

fenômeno subjacente ao processo dialético fundamental da sociedade, o qual Berger

(1985: 15ss ) definiu pela conjunção de três processos: exteriorização, objetivação e

interiorização. 10

10 Em síntese, esse processo o autor explica da seguinte forma: "A exteriorização é a contínua efusão do ser humano sobre o mundo, quer na atividade física quer na atividade mental dos homens. A objetivação é a conquista por parte dos produtos dessa atividade (física e mental) de uma realidade que se defronta com os seus produtores originais como facticidade exterior e distinta deles. A interiorização

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Assim, falar de religião numa perspectiva conceitual, extraída dessas linhas gerais,

seria muito mais entendê-la como

"...uma empresa coletiva de produção de sentido, além de suas funções sociais na contribuição e na regulamentação de relações do homem social com seu entorno corporal, natural, social, histórico e cósmico, ela é um componente primordial do campo simbólico-cultural de um grupo ou sociedade que, do ponto de vista de suas significações, remete de forma explícita a uma realidade extraordinária e meta-social: o sagrado, o transcendente, o numinoso" ( Parker,1996 : 51)

do que referir-se simplesmente a sistemas de crenças e de explicação de mundo. Nesse

sentido, o enfoque aqui toma o sobrenatural como referência enunciada e feita

realidade simbólica pelos próprios atores que se expressam coletivamente e de forma

concreta, e não como realidade com consistência extra sociológica própria: "As

representações religiosas são representações coletivas que expressam realidades

coletivas; os ritos são uma maneira de agir que nascem em meio a grupos congregados

e que se destina a estimular, manter ou recriar certos estados mentais nesses grupos".

(Erickson, 1996 : 30)

Os indivíduos, portanto, numa visão durkheimiana, não produzem cada um a sua

maneira pensamentos religiosos. O pensamento religioso é uma realidade que se

apresenta coletivamente representada; é por esse motivo que, em Durkheim, a religião

recebe uma importância de ser eminentemente social. Desta forma, é salutar concordar

com o referido autor, para quem a religião se define como um conjunto de crenças e

práticas relacionadas com o sagrado, que criam vínculos sociais entre pessoas; são

esses vínculos, portanto, que ao se traduzirem em pensamentos e ação processam a

construção permanente de um mundo significativo.

reapropriação dessa mesma realidade por parte dos homens, transformando-a novamente de estruturas do mundo objetivo em estruturas da consciência subjetiva. Cf. Berger, 1985,:16)

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Poderíamos, portanto, concluir que os sistemas de crenças não são de modo algum

acidentais. Surgem como respostas a necessidades sociais. E isso se deve ao fato -

como já se encontra aqui subentendido - , de a religião ser algo integrado ao sistema

social e que os indivíduos que a vivenciam refletem tão somente necessidades

advindas de uma condição de interdependência, reflexo, portanto, de um modo de vida

social. Porém, a religião possui suas próprias características e sua própria história.

Algumas estão ligadas fortemente a uma formação econômica social, outras são mais

adaptáveis. Contudo, ainda que seja um reflexo das condições sociais dadas, a religião

não é algo passivo, mas reflete também suas próprias contradições, isto é, o fermento

mesmo de sua evolução; geralmente conservadora, embora, em certas condições

históricas, possa ser expressão de mudanças : "Se em determinadas situações históricas

as classes sociais subalternas têm conseguido expressar-se graças a um código

lingüistico a seu alcance, como a religião, tudo isto significa, se perguntavam Engels e

Gramsci, que a religião quiçá é não só instrumento de domínio. Ela pode amplificar

projetos sociais, indicar esperanças de libertação de estratos sociais, grupos

minoritários, etnias e povos". (Pace 1995: 4)

1.2 Novos Movimentos Religiosos

Cientistas sociais, estudiosos da Religião, preocupam-se ultimamente também,

buscarem em uma terminologia que englobe as diversas expressões religiosas hoje,

sem com isso, caírem em conotações meramente pejorativas, mas contribuírem para

uma maior clarificação do fenômeno. A denominação que vem encontrando um certo

espaço nessa busca por clarificar o fenômeno religioso hoje, é a de Novos

Movimentos Religiosos (=NMR). Observam-se também outras formas de

denominação, tais como: novos cultos, movimentos religiosos contemporâneos, novos

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grupos religiosos, movimentos religiosos alternativos (Moraleda, 1994: 12). É salutar

no entanto, observarmos que tal denominação ora escolhida não deixe de trazer seus

problemas. NMR também encerra ambigüidades, mas consideraremos para o momento

uma expressão que goza de uma maior neutralidade valorativa (o que pode não

acontecer em outros países, como por exemplo, Itália, onde a expressão encontra-se

situada no campo eclesiástico católico) .

Conforme Robbins (1988), os NMR encontram-se situados numa teia de

conflitos sociais, haja visto que o surgimento de novas seitas11 na segunda metade do

presente século, constituem-se em sinais significativos no que se refere às fronteiras

morais na sociedade moderna. Mas, o que impele nesse momento optarmos pela

terminologia "Novos Movimentos Religiosos", é a expressividade plural de grupos

religiosos que ora se apresentam e que chamam a atenção de qualquer estudioso do

fenômeno.

E conforme Frigerio (1993: 26), a diversidade se relaciona com: "as

características do grupo em questão; o grau de desenvolvimento ou expansão do

mesmo no país em que situa-se; as características da sociedade receptora (as relações

Igreja -Estado que em cada uma se estabelecem, por exemplo) e a história particular

que os novos movimentos religiosos vem construindo em cada sociedade". Esses

grupos primam, também, por sua independência - ora estabelecem alguma ligação

entre si e ora se ignoram completamente.

11 O termo "Seita" designa, "a noção de uma coletividade voluntária que se separou da corrente principal de idéias religiosas ou políticas e que ciosamente preserva a sua exclusividade social, cultural e ideológica". Ao nos referirmos a 'Seitas" no campo religioso, poderíamos, portanto, concordar com o seguinte: fala-se de um grupo cindido que se organiza como comunidade diferenciada em relação a uma das religiões universais, com uma cosmovis ão original, algumas crenças peculiares e algumas práticas próprias. (Cf. Moraleda, 1994: 10)

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Poderíamos apresentar, numa breve síntese e de forma bem genérica, com base

numa tipologia oferecida por Moraleda (1994) e Robbins (1988), uma classificação

dos principais NMR.

O quadro que segue é demonstrativo, nos dá uma visão bem ampla, porém, não

deixa de ter sua importância para o nosso propósito :

1. Movimentos relacionados com o cristianismo

a)Movimentos evangélicos fundamentalistas; movimentos pentecostais, nos quais poderíamos situar a brasileira Igreja Universal do Reino de Deus( grifo nosso ) ; grupos que se movem ao redor da Maioria Moral de Jerry Falwell e do Evangelismo Eletrônico; e uma grande quantidade de novas igrejas evangélicas introduzidas na Ibero-América de caráter conservador; b) Os novos movimentos separados do catolicismo. São grupos que podem ser qualificados também de fundamentalistas: Igreja Católica Renovada, Igreja de Cristo de Montfavet, Igreja do Palmar; c)Os" movimentos de Jesus", que surgiram na Califórnia no final dos anos sessenta: Jesus Freaks, os Jesus People e os "hippies" cristãos; d) Igrejas milenaristas não-cristãs : Mórmons, Testemunhas de Jeová, Amigos do homem...

2 . Movimentos originados no judaísmo

A cisão mais importante é o judaísmo reformado

3. Movimentos procedentes do Islã Religião Bahâ'i, Ahmadiyya, e numerosos grupos fundamentalistas, como os Irmãos Muçulmanos.

4. Movimentos orientais

Índia: Associação Internacional para a Consciência de Krishna. Coréia: Igreja da Unificação do Rev. Moon, Igreja Central do Evangelho Pleno. Japão: as novas religiões têm caráter milenarista e as mais conhecidas são: Tenrikyô, Ômoto, Honmichi, Soka Gakkai, Sekai Kyusei Kyo (conhecida no Ocidente como "Igreja da Messianidade Mundial") .

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5 . Movimentos inspirados nas religiões antigas.

Nesse grupo incluem-se as religiões afro-americanas, fusões sincréticas de elementos religiosos africanos e cristianismo: o Vodu, novos movimentos como o Rastafarismo na Jamaica, Mita em Porto Rico, o La Palma Sola em Santo Domingo.

6 . Movimentos esotéricos

Nesse grupo apresentam-se os movimentos religiosos ou para-religiosos de inspiração ocultista ou gnósticas; apresentam-se como associações culturais e científicas: Antroposofia, Rosacruz, Fraternidade Branca Universal, Nova Acrópolis, Igreja da Cientologia .

7. Movimentos de enriquecimento pessoal

Grupos que pertencem ao movimento do potencial humano e todas aquelas correntes terapêuticas e místicas de vida saudável e crescimento espiritual pela potencialização da energia psíquica..

Esse leque de expressões religiosas, ou para-religiosas, a que assistimos admirados

surgirem a cada instante no mundo, dá sentido ao uso do termo Novos Movimentos

Religiosos. É bem verdade no entanto, que essa classificação ou outra que estivesse ao

nosso dispor como exemplo, tem a ver com os critérios dos estudiosos que, do lugar de

onde falam, escolhem uns grupos e não outros para tecerem suas análises acerca dessa

denominação, que é NMR.

Mas, todas essas expressões e outras que não se encontram aqui identificadas,

não são aceitas passivamente como se o fenômeno por si só, fosse apenas um tipo de

resposta a uma dada realidade (econômico, político, social, ideológico) de contexto

mundial, que vem incidindo sobre o campo religioso. Ao lado desse quadro encontra-

se também, uma diversidade de críticas ou razões, que procuram de uma forma ou de

outra, explicar a expansão desses novos grupos. Algumas, por exemplo, são apontadas

por Frigerio (1993: 30), que diz:

- Têm um massivo apoio econômico do exterior - Se aproveitam da ignorância e necessidades materiais e espirituais do povo

prometendo curas, 'soluções face aos problemas'. - Apelam para a emotividade dos indivíduos

- A principal finalidade é arrecadar dinheiro dos fiéis

- Desvalorizam a população, colocando mais ênfase na vida próxima que nesta.

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Não agiríamos de forma incorreta se fechássemos acordo com uma ou duas

dessas ou de outras críticas em relação a esses novos grupos, porém, não é esse nosso

propósito, embora estejamos interessados diretamente em uma dessas experiências

religiosas, que ora se enquadra dentro dessa classificação geral, o que torna pertinente

uma ou outra das críticas levantadas acima .

Contudo, vale ainda salientar, três questões gerais apresentadas por Robbins

(1988) no seu estudo:

I - Os NMR não estão ligados a nenhuma classe ou casta social em particular,

como também não criaram as bases para uma nova divisão. Nesse sentido, mesmo que

possamos encontrar uma maior concentração, por exemplo, de pobres em um

determinado grupo religioso, isso não leva a concluir que tal denominação religiosa é

específica de uma classe social;

II - Os estudos dos NMR evidenciam uma disputa pelo poder e privilégios

instituídos. A forte reação em relação aos NMR mostra que os grupos mais

convencionais estabelecidos, como famílias, terapeutas diplomados e clérigos, sentem-

se ameaçados em suas posições e privilégios;

III - Para Robertson (conforme ainda Robbins), o mais importante aspecto do

estudo dos NMR é a mudança na concepção da relação entre indivíduo e sociedade, e

entre agências extra-sociais e a sociedade em si.

Essas questões nos levariam a um maior aprofundamento, mas, o propósito aqui não é

bem uma generalização teórica sobre Novos Movimentos Religiosos, e sim, identificar

essa terminologia com o presente quadro ora expressivo, e que a partir dele, possamos

enfocar as expressões religiosas mais significativas presentes hoje na América Latina e

no Brasil, as quais chamamos de Neopentecostais, e incluir nestas, a Igreja Universal

do Reino de Deus.

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2. EXPLORANDO A TIPOLOGIA DOS NMR : MOVIMENTOS RELACIONADOS COM O CRISTIANISMO - O

PENTECOSTALISMO

É necessário observarmos aqui que o critério adotado não é amplo, e a razão para

expressar esse panorama religioso está em função do objetivo desse estudo. O campo

religioso específico é o Cristianismo, porém, centrando-se nos movimentos

evangélicos pentecostais no Brasil pois, dentre esses referidos movimentos, um, no

caso a Igreja Universal do Reino de Deus, receberá destaque por estar incluída

diretamente como sujeito institucional no processo de análise .

2. 1 Pentecostalismo Protestante : algumas questões gerais

Para traçarmos um perfil religioso numa perspectiva tipológica, centrando a

reflexão no campo pentecostal, faz-se necessário refletir antes de tudo, sobre alguns

aspectos gerais ligados a religião e, sobretudo, relacionado ao mundo protestante.

Começaríamos destacando Max Weber12 e seu esforço na busca de

entendimento do processo de mudança que estaria incidindo sobre a relação religião e

sociedade . Na sua importantíssima obra intitulada "A Ética Protestante e o Espírito do

Capitalismo", Weber buscou esclarecer entre outros aspectos, que o Cristianismo

trouxera uma contribuição fundamental ao nascimento do mundo moderno. Mostrou

de forma bem específica, que o Protestantismo, em sua versão ascética ( o puritanismo

e as seitas reformadas ), favoreceu a afirmação do Capitalismo (Cf. Erickson, 1998:

116, 130). Hoje, essa questão, quando colocada, não causa estranhamento, pois sua

12 É bem verdade que Max Weber não estudou o pentecostalismo, sua referência aqui se deve a outros aspectos do seu estudo ( embora não tratando esse autor diretamente ), principalmente àqueles que decorrem de sua tese sobre "desencantamento", a propósito de seu estudo sobre o processo de racionalização porque passa o mundo moderno .

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constatação se verifica de uma ou outra forma na prática institucional dessas novas

expressões religiosas pentecostais que, numa versão inesperada dentro desse referido

campo, contribuem à sua maneira e de forma inteiramente convicta, com esse processo

de afirmação do capitalismo que verifica-se com o avanço e desenvolvimento das

sociedades, hoje. É bem verdade que não podemos reduzir nenhuma experiência

pentecostal, seja na sua forma clássica ou nova, e autônoma, a uma mera questão de

racionalidade econômica e muito menos ao aspecto puramente financeiro. Mas a

questão é patente e será mais adiante tratada, a partir de um determinado ângulo,

dentro da teoria da representação social .

Nesse momento, o que nos interessa observar é o seguinte: o que é o "espírito

do capitalismo" senão, o comportamento de cálculo dos meios em relação aos fins, de

inovação econômica e de exigência ascética de poupança para investimento em

ulteriores atividades? Segundo Martelli (1995: 43), tal realidade "conseguiu se firmar

estavelmente no Ocidente somente graças à racionalização de todos os aspectos da

vida, encorajada pela reforma protestante, de modo particular pelo comportamento de

ascese intramundana difundido pelo calvinismo e por outras seitas protestantes".

Uma mesma observação encontramos em Erickson (1998: 116), ao afirmar que Weber

encontrara na consolidação do Protestantismo ascético, ao relacionar ação econômica e

moral, uma precondição necessária para a economia capitalista moderna .

Porém, Martelli (1995: 76) observa ainda:

" Contudo, seria uma incompreensão pensar que Weber atribuísse ao protestantismo o mérito ( ou a culpa, conforme o ponto de vista ) do surgimento do capitalismo: ele sublinha claramente que se trata de um efeito não intencional, não previsto pelos reformadores e que, além do mais, hoje repercute sobre o próprio protestantismo e, em geral, põe em crise qualquer religião".

Decorrem de sua tese sobre o “desencantamento do mundo”, a propósito de seu estudo sobre o processo de racionalização porque passaria o mundo moderno.

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Observo que seja também por conta desse aspecto e de outros, que o

pentecostalismo vem sendo encarado dentro de uma nova perspectiva de estudo no

campo do fenômeno religioso.

E quanto a isto, podemos observar que,

" O crescimento expansivo desenvolvido pelo pentecostalismo no transcurso dos últimos 20 anos, em toda a América Latina, leva-nos a ver no movimento pentecostal não um movimento refúgio, que emerge em meio a uma transição entre uma situação tradicional e uma situação de modernidade - mas, a constituição de uma realidade religiosa maciça e política que nos leva a ver no pentecostalismo a única expressão de religião popular da muito diversificada presença protestante no continente latino-americano". (Palma e Villela, 1991: 87)

Nesse sentido, há um empenho, feito por alguns autores que estudam o

fenômeno em constatar que, nos últimos decênios, o pentecostalismo tem demonstrado

fôlego e criatividade bastante para resistir ao novo perfil de nossas sociedades13; que se

mostram gozando de uma nova qualidade que se denomina de pós-moderna. Esta,

constituindo-se de um momento social diferente do anterior (a modernidade), pode ser

percebida, no mínimo, pelos seguintes aspectos gerais: globalização do espaço e do

tempo; integração planetária; sistema econômico universal; comunicação planetária

instantânea; conhecimento como mercadoria; redução drástica do trabalho produtivo;

autonomia da Cultura em relação à Economia. É nessa conjuntura de um novo

momento social que um novo tipo de pentecostalismo tem sido identificado e tomado

como um dos maiores fenômenos da atualidade no campo religioso. Esse movimento

pentecostal é o movimento missionário que mais cresce no mundo (Cf. Bittencourt,

1991: 31). Há especialistas que observam que no próximo século o movimento

superará em número de adeptos a Igreja Católica Romana, pois saem diariamente desta

Igreja na América Latina em torno de 8.000 (oito mil) pessoas (cf. Hollenweger,1996

:8[382]). E a maioria, adere às Igrejas Pentecostais. Na Europa o crescimento verifica-

13 Sobre aspectos desse perfil e mudanças no comportamento dos fiéis, cf. Mariano ( 1994: 24ss. ).

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se modesto, exceto em países católicos ou ortodoxos como França, Itália e Romênia .

Assim, uma questão se impõe ainda: por que o pentecostalismo encontra tanto

significado na sociedade hoje? O que possibilita que sua proposta e seu sentido de vida

seja aceitos e recebidos pela grande massa do povo pobre e até atingindo certos setores

da classe média? Na literatura sobre o comportamento pentecostal protestante atual,

alguns elementos são observados como constitutivos dessa práxis religiosa e que

fazem do campo pentecostal, algo atraente.

Vejamos alguns indicadores das mudanças:

1 - Percebe-se que o piano, o violino da igreja pentecostal histórica é substituído pelo

tocar do pandeiro, o tambor, a guitarra, o teclado eletrônico, etc.

2 - A ordem do culto não é mais semelhante a uma aula bem ministrada e dá lugar à

emoção, com a expansividade de um "Aleluia ! " ou "Glória a Jesus ! " .

3 - O corpo tem condições de responder a alguma coisa que lhe fala, que lhe dá

sentido; não são adeptos de um culto gnóstico, negador do mundo e do corpo; o

espírito leva o corpo a participar no culto a Deus.

4 - Os pentecostais vão dar ênfase ao Espírito Santo. O elemento fundamental é o

batismo no Espírito Santo. Não basta a conversão, como para os protestantes

históricos; é necessário ser batizado no Espírito Santo, colocar a ênfase na ação do

Espírito Santo.

5 - Assume-se a oração, a adoração, petição e intercessão conforme "O Espírito

soprar".

6 - Pratica-se a unção dos doentes e a imposição das mãos para curar, dança-se no

Espírito, oferece-se a mão direita como sinal de amizade.

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7 - A liturgia dos Pentecostais é um espetáculo oral-narrativo de amizade, como

participação no louvor, proclamação testemunho, depoimentos e cantos que narram um

itinerário para Deus e com Deus; há profecias, línguas e interpretação. 14

Esses indicadores podem ser entendidos também como uma saída religiosa frente a

problemas do protestantismo histórico (Cf. Bittencourt, 1991: 33), pois este não parece

garantir, segundo a visão pentecostal atual, possibilidade de recuperação de

identidades e afetos, pois estariam ainda fechados em velhos esquemas de concepção

de mundo. O Pentecostalismo assim, redesenha sua identidade cultural tornando-a não

só visível, mas comunicativa e atrativa. Porém, existe um outro elemento bem

presente e atual na prática pentecostal (principalmente entre os neopentecostais)

porque não se pode passar desapercebido: a racionalidade mágico-moderna.

Chamamos de racionalidade mágico-moderna um tipo de relacionamento com o

mundo onde a responsabilidade humana em assumir a construção histórica desse

mundo parece algo ausente. Tal responsabilidade atribui-se inteiramente à intervenção

dos poderes e forças místicas que se encontram para além dos indivíduos concretos e

suas ações. Essa atitude demanda um permanente controle ritual desse tipo de

interferência. E mais. A racionalidade mágica não se opõe a uma idéia de religião, nem

ao conhecimento científico.15 É mágica enquanto, além de se opor à razão moderna,

14 "Na verdade, no Brasil e em ouros países, o desencanto não atingiu os pobres. Constatamos ao contrário uma verdadeira 'insurreição emocional' de caráter religioso. Esta insurreição emocional exibe-se nas 'gesticulações grotescas': o 'falar em línguas estrangeiras', as intervenções anárquicas da palavra, a cura divina, o exorcísmo, etc. Enfim, no pentecostalismo - o pentecostalismo ao qual se converteram no terceiro mundo 150 milhões de pessoas, essas emoções não são fogo de palha, é uma insurreição permanente" ( Cf. Corten, 1996 : 12 ) . 15 O entendimento clássico sobre a Magia parte da compreensão de que seu pressuposto fundamental é o animismo e que alguns instrumentos de sua estratégia podem ser classificados como: encantamentos, exorcísmos, objetos diversos que servem de meios para comunicação com as forças naturais, celestiais ou infernais para persuadi-las e impor-lhes obediência. Um outro elemento ainda próprio da Magia, é seu caráter violento ou mistificador contidos nas operações que se destinam a persuasão dessas forças. Abbagnano ( 1982 : 610 ) cita Malinowski, quanto à prática da Magia, dizendo: "A magia fornece ao homem primitivo um número de atos e de crenças rituais já feitas, uma técnica mental e prática definida que serve para superar os obstáculos perigosos em cada empreendimento importante e em cada situação

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que crê na absoluta "previsibilidade e controle dos processos sociais e naturais",

segundo os padrões de reflexão por ela estabelecidos, acentua o outro extremo, pela

atribuição quase exclusiva dessa previsibilidade aos poderes místicos e sobrenaturais.

Procura, ao mesmo tempo, se adaptar às exigências colocadas pelas condições de vida

secularizadas de um sociedade que se transforma. Nesse sentido ela é também

moderna, porque, de fato, está em interlocução com um mundo em processo de

modernização. Entretanto, aceita integrar apenas alguns de seus aspectos, sobretudo o

da explicação científica de doenças e algumas das inovações tecnológicas, mas de

modo a subjugá-los à explicação mágica envolvente, ou seja, à crença na intervenção

mística do sobrenatural na vida das pessoas, que também influencia ou determina seu

destino. Esse aspecto da magia pode ser tratado e compreendido de outra maneira,

portanto pelo seu lado mais político. Quem adota, como traço característico e de

expressão, a magia como forma de resolução de problemas concretos, não está

simplesmente invocando forças sobrenaturais a intervirem na história humana. Antes

tal prática enfatiza, uma posição política frente a outras forças presentes na

sociedade.16

Observa-se em Weber que o processo de racionalização por que estaria

passando a religião, levaria a que todos entendessem, do ponto de vista de uma

sociologia da religião, que a religião uma vez racionalizada, seria religião

desmagicizada. E, no entanto, vê-se que a magia não só ainda sobrevive, como

também cresce (e por dentro das formas racionalizadas de religião). O objetivo

predominante da religião na visão weberiana, é livrar-se da magia e "dos esforços

16"Como Weber, através de Troeltsch, reconheceu, a religião que se torna privilegiada entre os poderes políticos é aquela em que a graça e, por conseguinte, a salvação são controladas institucionalmente. Weber considerou esta ação importante para manter o poder do padre em oposição ao do profeta ou ao do mago". (Cf. Erickson, 1996 : 122s.) .

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estritamente mágicos de controlar o sobrenatural e realizar tentativas cada vez mais

racionais de compreender o relacionamento dos deuses com a ordem da natureza. A

justaposição de Weber da 'religião' contra a 'bruxaria', dos 'deuses' contra os

'demônios', dos 'padres' contra o 'tabu' reflete seus esforços para contemplar o

desenvolvimento religioso em função do progresso da razão".(Erickson, 1996: 126)

Esse "desenvolvimento religioso em função do progresso da razão" é algo que

não verifica-se plenamente por dentro das religiões (sejam em movimentos ou em

formas institucionalizadas ), por mais que nelas identifiquemos internamente

"processos" de secularização. E como uma contradição no mundo presente, que

emerge do âmbito religioso, a dimensão da magia, mesmo que em forma racional e

moderna, não deixa de estar presente nessas novas formas de expressões religiosas

atuais (Cf. Weber, 1998: 293). Tomando como exemplo certas atitudes da Igreja

Universal do Reino de Deus, esta interpreta a cura divina como libertação do poder de

forças místicas maléficas:

"( O vírus da AIDS ) sem dúvida, é um corpo que tem espírito(...). Essa força maligna, que toma a mente e faz a pessoa ficar louca, perturbada e toma o coração, essa força causa raiva, ódio, doenças. Há pessoas que têm feridas nas pernas que não cicatrizam nunca. Por quê? Aquilo é um espírito que está alojado ali. Aquilo é um espírito. Aqueles que têm dor de cabeça constante, daquelas que não há médico que descubra a causa...Pois bem, isso é o espírito. A pessoa que tem uma dor de estômago, mas o médico não descobre a causa. Isso é um espírito. Todas as pessoas que sentem dores, vão ao médico, e ele não consegue diagnosticar nada, estão tomados pelo demônio. Essas são doenças espirituais. E quando o problema é espiritual não tem médico que consiga resolver". (Veja, ano 28, n º 49, 6/12/95, p. 74)

É desse modo, atendendo a procedimentos mágicos , que as pessoas exercitam

sua capacidade de se autodeterminar segundo motivos e valores justificáveis diante dos

outros. De um lado, a magia se adapta às exigências da modernização e das condições

de vida secularizada. De outro, ela também se constitui como uma modalidade de

crítica à modernidade e à razão individualista; pois, a ineficiência do Estado, o não

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cumprimento da lei e dos direitos sociais e individuais, a corrupção e o predomínio das

relações pessoais, dificultam e às vezes inviabilizam, a confiabilidade das instituições

representativas e dos ideais da democracia. Nesse contexto, ao identificarmos tantas

contradições, a proposição de uma idéia de destino e de justiça, como uma operação

imediata através do ritual, sem a mediação de instituições, tem muita aceitação. Assim,

compreendendo todo esse contexto de fim de século como expressão de grandes

incertezas sociais, é que interpreto o campo religioso como lugar onde se travam

significativas lutas políticas, haja visto que, fazer valer uma determinada significação

do mundo, não é outra coisa senão, uma ação política, mesmo que esta se encontre

justificada por algum tipo de atitude própria dos saberes da magia .

2.2 O Movimento Pentecostal: Origem e chegada ao Brasil

O movimento pentecostal deita suas origens no século XX, o que faz desse

movimento uma expressão religiosa, diríamos, algo recente ou relativamente novo.

Segundo Alan Pierratt , os primeiros pregadores apareceram nas décadas de 1850 e

1860, na Inglaterra e na Alemanha (o que deixa claro também, que suas raízes

históricas remontam aos meados do século XIX na Europa). Mas, o que esses

pregadores traziam de novidade para o mundo religioso cristão ? Traziam suas

afirmações de cura por meio da fé somente. Esses afirmavam possuir o dom espiritual

da cura, aspecto que demarcava originalmente o movimento pentecostal. Explica o

referido autor :

" No final do século XIX, vários pregadores na América do Norte também começaram a afirmar que possuiam dons de cura e, além disso, que todos os cristãos tinham direito à saúde como parte da expiação. A. J. Gordom, fundador de uma respeitada instituição de ensino teológico, e A . B . Simpson, fundador da Aliança Cristã e Missionária, foram dois líderes importantes. Ambos escreveram livros sobre cura que até hoje são utilizados como fontes básicas por aqueles que ensinam a cura pela fé. Por meio da liderança deles, junto com muitos outros que pregavam idéias semelhantes, o número de pessoas que curavam pela fé havia crescido dramaticamente

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no final do século XIX, e a expressão 'cura pela fé' havia se tornado quase um chavão na Europa e nos Estados Unidos. Alguns pregadores da cura ganharam reconhecimento nacional, incluindo Dowie, Parham, Mcpherson, Wigglesworth, Seymour, Bosworth e alguns outros. Esses homens e mulheres trabalhavam de modo independente, como evangelistas itinerantes que afirmavam ter vários dons especiais, incluindo invariavelmente línguas e cura. ( eles também partilhavam da característica de não terem treinamento teológico formal)". (Pierrat 1993: 22)

Em termos de América Latina, conforme Jean-Pierre Bastian , surgiram no

início do sec. XX e se explicam mais por uma anomia das massas que iam migrando

para as cidades, do que por sua relação com movimentos religiosos pentecostais norte-

americanos . É a face urbana do movimento pentecostal que mais nos interessa, pois o

urbano está necessariamente ligado ao surgimento das grandes cidades e com estas, o

agravamento da pobreza, da injustiça, da fome, da enfermidade, que não se apresentam

como questões teóricas, mas como realidades subjacentes à vida integral do povo

latino-americano. Essa realidade é fator preponderante para um momento de explosão

no campo religioso Latino Americano. É assim que Jean-Pierre Bastian (1994: 246s)

vê o contexto do surgimento do Pentecostalismo na América Latina:

"(...) a partir dos anos cinqüenta, produziu-se um fenômeno totalmente novo por sua amplitude e por seu efeito destabilizador no terreno religioso. Centenas de sociedades religiosas novas surgiram entre as populações marginalizadas e analfabetas. Em vez de desenvolverem-se vinculadas com o catolicismo dominante, rompiam com ele e o combatiam. Assim, se produziu uma importante mutação religiosa: pela primeira vez desde o século XVI, vastos setores sociais Latino Americanos escapavam do controle da Igreja Católica".

Já no Brasil, o pentecostalismo chegou e foi demonstrando aos poucos, a sua

tendência a produzir formas autóctones. Em 1910, um imigrante italiano, chamado

Luigi Francescon, de raízes valdenses17 e que professara o presbiterianismo no

Estados Unidos, onde também tivera algumas experiências carismáticas, chegou ao

17 O fundador da Congregação Cristã recebeu influência dos valdenses. Estes tinham um conceito fundamental: a Bíblia, em especial o Novo Testamento, se constituía na única regra de fé e vida, e as interpretações eram realizadas de forma literal. Dentre os preceitos básicos estavam: o uso apenas da oração dominical, ações de graça antes das refeições, a prática de ouvir confissões e a de celebrar em conjunto a ceia do Senhor. (Cf. Campos Jr. 1995 : 26)

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Brasil, pregando na cidade de São Paulo e na pequena localidade de Santo Antônio,

Paraná.18 Não se encontrava ligado a nenhuma organização eclesiástica estrangeira. A

sua pregação acabou dando origem à Congregação Cristã no Brasil, a primeira igreja

pentecostal brasileira. Até o dia de hoje, conserva características próprias e mantém-se

independente de qualquer outra denominação estrangeira. Essa originalidade será uma

constante no surgimento de novas denominações pentecostais no Brasil (Hortal,1990 :

19ss) No desenvolvimento do pentecostalismo brasileiro, podemos distinguir três

gerações, segundo Freston (1993). A Congregação Cristã no Brasil e as Assembléias

de Deus , que se iniciaram em 1911 e que se tornaram altamente institucionalizadas,

constituem a primeira geração. Nesse período observa-se que a "cura divina", embora

admitida como dom particular, não dá lugar a sessões espetaculares ou a publicidade

proselitista. Em se tratando de estratégia no modo de evangelizar, a Congregação

Cristã, por exemplo, restringe seu proselitismo feito de maneira direta (sem ir às praças

ou a emissoras de rádio), transmitindo "a Palavra", a fonte de inspiração divina.

A segunda geração, surgida nos anos 50, poderia ser considerada de

"movimento de cura divina". Embora tenha começado em 1952, com uma

denominação importada dos Estados Unidos - a "Igreja do Evangelho Quadrangular"19,

que adotou inicialmente o nome de "Cruzada Nacional de Evangelização" - , o

movimento rapidamente produziu formas nitidamente brasileiras, como a "Igreja

18 O fundador da Congregação Cristã chegou a atrair presbiterianos, metodistas, batistas e católicos romanos. Um grupo saiu da Igreja Presbiteriana e começou a se organizar. Francescon fora operário e portanto possuía linguagem simples, conseguindo atrair no início de seu movimento, os setores mais pobres da população. Hoje além dessas camadas encontram-se empresários e a classe média, embora que diminuta. ( Id.: 27s ) 19 De início, esta igreja usou como estratégia, na sua forma de evangelizar, as tendas de lona, estratégia esta que torna o trabalho "mais próximo do povo". A ênfase na cura divina funcionou como verdadeiro fator de desenvolvimento dessa seita, que já em 1964 contava com 25 mil membros. Depois do uso das tendas, seguiu-se a construção de templos com características arquitetônicas diversas> Cf. Campos Jr., Op. Cit. p. 37.

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Evangélica Pentecostal O Brasil para Cristo" (1955), do pastor Manoel de Melo e a

"Igreja Evangélica Deus é Amor" (1962), de Davi Miranda. Nelas, ainda se conserva a

preocupação com a formação de comunidades de crentes, mas o ponto focal já se

encontra no evento, na concentração de massas, no exorcismo e, sobretudo, nas sessões

de cura divina, que vão ao encontro das necessidades imediatas do povo. No caso da

Igreja Evangélica O Brasil para Cristo, essa aborda nas suas pregações e ações,

problemas sociais, o que a faz diferente dos demais ramos pentecostais. Por ter se

filiado ao Conselho Mundial de Igrejas, do ponto de vista ecumênico, esta igreja

reforçava sua diferença em relação às demais .

2.3 Os Neopentecostais

Os Neopentecostais são grupos religiosos, surgidos nas últimas três décadas,

originando-se de todos os tipos de igrejas tradicionais (segundo Pedrinho Guareschi

não apenas das protestantes ), como a Igreja Evangélica Pentecostal Cristã ( chamada

também Igreja Bom Jesus dos Milagres) e Igreja Rosa Mística, originadas da Igreja

Católica Romana e a Igreja Universal do Reino de Deus (fundada em 1977), Igreja

Internacional da Graça de Deus (fundada em 1974), Igreja Casa da Bênção (fundada

em 1974 ) de origem protestante. Outras ainda estão dentro dessa terminologia, tais

como: Nova Vida, Deus é Amor, Comunidade Evangélica, e Associação Missionária

Evangélica Maranata.20

20 "A expressão 'pentecostalismo autônomo' tem sido usada desde a Segunda metade dos anos 80, para deisignar aqueles grupos pentecostais, que se estabelecem fora das grandes denominações brasileiras, pentecostais ou protestantes, fundadas e lideradas por empreendedores religiosos, líderes carismáticos, que teriam preferido se 'estabelecer por conta própria', sem vínculos, inclusive, com missões estrangeiras. José Bittencourt Filho e outros analistas da religião, no Brasil, ligados ao antigo CEDI (Centro Ecumênico de Documentação e Informação), hoje KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, do Rio de Janeiro; ao ISER ( Instituto de Estudos da Religião); Ari Pedro Oro, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Jesus Hortal, da PUC do Rio de Janeiro, estão entre os que divulgam esse termo,

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Todas se dizem Pentecostais e fazem parte do grande número de grupos

religiosos que se espalham por toda a América Latina. Mas, as cinco primeiras igrejas

citadas figuram entre as mais importantes e compreendem mais ou menos 80% das

igrejas neopentecostais. (Guareschi, 1995: 203-205)

Mesmo não existindo fronteiras nítidas entre o pentecostalismo e o

neopentecostalismo, que até certo ponto ambos se influenciam mutuamente, as igrejas

que situam-se dentro do neopentecostalismo seguem cada uma a sua maneira, os

fundamentos doutrinários do pentecostalismo tradicional, apresentando características

próprias e por isso denominadas de neopentecostais. Há que se admitir a imensa

capacidade que esses grupos religiosos têm de reiventar cada um a sua maneira de ser

pentecostal, que vai da inspiração tradicional ao "novo", descoberto na malha fina da

vida cotidiana. A força dessas expressões religiosas reside exatamente nisso: sabem

que, metodologicamente, o ponto de partida para se ter êxito na forma de evangelizar,

é colocar demasiadamente o acento desse processo na vida cotidiana dos fiéis.

2.4 A Teologia da Prosperidade e Igreja Universal

Nesse caldo histórico, um aspecto nos chama a atenção: a Teologia da

Prosperidade. Essa sustenta, a partir de uma reflexão sobre Deus, todo um discurso

sobre aspectos financeiros junto aos fiéis. É bem verdade que o contexto favorável ao

desenvolvimento dessa teologia já estava colocado, embora ela só tenha surgida

tempos mais tarde. Sua origem, conforme alguns autores, remonta aos dias de E. W.

Kenyon (Campos, 1997: 365; Pierratt, 1993: 21) que chegara a ser bastante conhecido

nos anos 30 e 40. A doutrina da prosperidade portanto, é muito mais recente do que o

através de seus escritos e abordagens, para designar o que aqui chamamos de neopentecostalismo” (Cf. Campos, 1997: 18). Numa perspectiva ainda tipológica, ver também Siepierski, 1997.

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próprio movimento pentecostal; isto leva-nos a concluir que a referida teologia não se

originou dentro do pentecostalismo, embora tenha sido nesses braços que melhor teve

acolhida. A Teologia da Prosperidade não encontra em suas origens referências em

experiências coletivas de vida, mas na experiência de vida de um único homem que,

em plena adolescência, se viu doente e confinado a uma cama sem esperanças e que,

mais tarde, tivera visões, através das quais fora levado ao inferno e depois ao céu por

três vezes consecutivas. As viagens para o inferno o impeliram para o arrependimento,

e as visitas ao céu conduziram-no à fé e à conversão. Esse homem, pai da "Teologia da

Prosperidade", é Kenneth Hagin21, nascido em 1918. A "Confissão Positiva", é o

grande pressuposto filosófico dessa teologia, e consiste na convicção de que a palavra

dita com fé, repetida continuamente, sem dúvida alguma, a despeito de quaisquer

evidências contrárias, gera milagres. No núcleo central dessa teologia, dois eixos

temáticos são enfocados: Saúde e Prosperidade .

No Brasil, a Teologia da Prosperidade, começa a fazer seu caminho a partir da

década de 70.22 As primeiras instituições religiosas que marcaram o período da

chamada terceira geração, já mencionadas anteriormente, foram plasmadas pelo ensino

proveniente dessa teologia. É bem verdade que cada uma delas assimilou esses

ensinamentos de acordo com suas necessidades, interesses e convicções. Vale destacar,

21 Embora as raízes da Teologia da Prosperidade encontrem-se em Kenyon ( 1867-1948), o pai dessa teologia é Kenneth Hagin. (Cf. Corten, 1996 : 144) . 22 Mariano fez a seguinte observação, em artigo publicado em 1996 : " Robert McAlister, fundador da igreja de Nova Vida, parece ter sido pioneiro no trato da questão da prosperidade financeira nos meios pentecostais, mas não da Teologia da Prosperidade propriamente dita. Já no começo dos anos 60, ele escreveu o livro Como Prosperar ( Rio de Janeiro, Nova Vida, 1978, 3a edição), orientando os crentes a serem fiéis no pagamento do dízimo para terem suas finanças abençoadas. Em 1981, publicou Dinheiro: um assunto altamente espiritual ( Rio de Janeiro: Carisma Editora), no qual criticava por um lado, os pastores que viam o dinheiro como ' a raiz de todos os males ' e, por outro, o triunfalismo dos 'supercrentes', pregadores da Teologia da Prosperidade, que viam a prosperidade como 'prova da espiritualidade e das bênçãos de Deus', tratando este como 'um empregado sempre à disposição' ou tentando 'fazer negócio' com Ele. Embora crítico dos "negociadores de bênçãos', McAlister, paradoxalmente, dizia com muita tranqüilidade: "se você deseja garantir o seu futuro financeiro, pague seu dízimo. Dê também ao Senhor ofertas de amor ( 1981, pp.14, 43, 68 )". (Cf. Mariano, 1996, 31) .

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no entanto, que as igrejas neopentecostais se apresentam como as mais inventivas da

teologia da prosperidade atualmente. Portanto, é a essas igrejas que se deve o rápido e

significativo crescimento dessa teologia. Neste estudo, abordaremos com maior

profundidade a Igreja Universal do Reino de Deus, pois esta além de produtora de um

discurso teológico de prosperidade, ancora de forma clara, o dinheiro a essa categoria

teológica.

Nesse sentido, a concepção de prosperidade presente na Universal constitui-se

entre outras, numa porta de entrada para entendermos de forma racional as possíveis

relações entre fé e dinheiro. Muitas expressões daí decorrentes reforçam antigos como

também produzem novos significados para o dinheiro. Assim, é importante frisarmos

alguns aspectos referentes às origens da Igreja Universal do Reino de Deus, como

também a concepção de como estaremos tratando institucionalmente a mesma.

A Igreja Universal do Reino de Deus, tipologicamente, é situada segundo alguns

estudos, como "pentecostalismo autônomo", pentecostalismo de terceira geração, ou

usando o modelo de Freston (1993: 36,ss), da "terceira onda"; e ainda,

"neopentecostalismo", segundo Mendonça (1994) e Mariano (1995). Essa organização

religiosa se encontra ligada à personalidade carismática de seu fundador e líder

religioso maior: Bispo Edir Macedo. Este, antes de sua ascensão como fundador e líder

de uma instituição religiosa, trabalhara como funcionário da LOTERJ

(Administradora de Loterias do Estado do Rio de Janeiro). Nasceu em 18 de fevereiro

de 1945, de família católica romana, e num determinado momento de sua vida, foi

atraído pela igreja de Nova Vida, fundada por Robert McAlister. Em, 1975, junto com

Samuel Coutinho da Fonseca e Romildo Ribeiro Soares, fundou o "Salão da Fé" ou

"Cruzada do Caminho Eterno". Esses três líderes, depois de um certo tempo,

separaram-se. Em 1977, Edir Macedo e Romildo Soares, seu cunhado, fundaram seu

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primeiro grupo, o qual passou a denominar de: "A Igreja Internacional da Graça de

Deus".(cf. Fernandes, 1992: 42) Em um curto espaço de tempo de apenas quinze anos,

a Igreja fundada pelo então bispo Edir Macedo, conclui sua primeira e rapidíssima fase

de expansão. A primeira pregação da Igreja Universal do Reino de Deus, aconteceu no

galpão de uma funerária carioca, no bairro da Abolição, em 1977. Não há uma

estatística sobre o número de membros pertencentes à Universal, bem como não é

comum por parte dessa instituição, o registro sistemático dos seus membros.

Considerarei nesse estudo, a Igreja Universal do Reino de Deus como: "...um

pentecostalismo tardio, cuja especificidade está justamente em adequar a sua

mensagem às necessidades e desejos de um determinado público. Trata-se de uma

igreja que atua dentro de um quadro de pluralismo religioso, cuja estratégia é localizar

nichos de pessoas insatisfeitas, provocando nelas estímulos diferenciados a fim de

atraí-las para novas experiências religiosas". (Campos, 1997: 52)

O tema da prosperidade apresenta-se não só como o eixo mais atrativo, mas

também, como enfoque principal no discurso teológico da Igreja Universal do Reino

de Deus. Esse aspecto, com certeza, é responsável também pela eficácia da estratégia

institucional junto aos fiéis, que dão permanentemente testemunhos de suas conquistas.

O dinheiro encontra-se justamente como algo patente através desse enfoque, e espalha-

se de forma não obnubilada, mas nomeada sistematicamente, de viva voz, no próprio

espaço cúltico .23

23 Uma referência se faz importante aqui: "A idéia de usar dinheiro em rituais religiosos não é estranha à mentalidade brasileira, e está presente em algumas formas de religiosidade popular. Por exemplo, em cultos afro-brasileiros usa-se dinheiro no assentamento dos orixás, particularmente as moedas que circulam durante muito tempo, e por isso mesmo estão "carregados de axé". O axé é algo que pode ser alimentado ou diminuído, sempre em função do cumprimento de algumas obrigações para com os santos. A realização desses compromissos dependem de dinheiro tanto para a compra de oferendas como, às vezes, para entrega de moedas aos santos em papel-moeda para o exu. O dinheiro é o grande "manjar vivificante", o canal que mantém as ligações do ser humano com a graça dos Orixás(...)". Cf. Campos, Leonildo Silveira. Op. cit. p.369s.

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2.5 A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e o Dinheiro

Não há como negar o que está à vista, se apresentado de forma concreta: a forte

ênfase dada ao econômico-financeiro nas igrejas neopentecostais. Guareschi

(1995:206) já observara que, "não há reunião, oração, serviço ou concentração, em que

a necessidade de contribuir não seja constantemente lembrada". Eu diria até, lembrada

e exigida por pressão: "Quer se trate da luta cotidiana contra a miséria quer venham

juntar-se a ela os numerosos problemas afetivos que a anomia social engendra, as

igrejas trazem um discurso de consolo. Esse estado de emoção dá a ocasião de coletar

dinheiro e às vezes de fazê-lo numa atmosfera de pressão e intimidação psicológica".

(Corten,1996: 77)

É importante lembrarmos que a contrapartida financeira que é exigida pelos

pastores não é feita só por causa de uma situação de miséria, pobreza, em que se

encontra mergulhado o fiel. Também, diante das coisas boas, diante da felicidade por

que esteja passando individualmente, como também a família. Os pastores sempre

dizem que "ninguém é obrigado a nada" ou, "as pessoas dão porque querem". Mas a

questão não é essa. Há nas igrejas neopentecostais, além da grande capacidade de

convencimento24 dos pastores junto aos fiéis, a estratégia permanente e sempre

reiventada, que torna eficaz a ação institucional de levar os freqüentadores das

reuniões a "dar para receber". Poderíamos citar, pelo menos, o que é comum no campo

neopentecostal como estratégia que leva à obrigação e necessidade de contribuir, para

que as igrejas possam continuar a crescer e espalhar-se geograficamente: o dízimo, o

pagamento de carnês, a distribuição de envelopes, as coletas, as campanhas. Em linhas

24 'Para satã, para a bebida, para as festas, para isso, sempre tem dinheiro. Para Jesus, se é avaro! ' E os fiéis dizem: 'É verdade, é graças à igreja que a gente pode fazer economia, que a gente tem dignidade de poder dar dinheiro, que a gente não precisa mais mendigar '. Cf. Corten, André. Op. cit. p. 78 .

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gerais, essas constituem meios de pagamento, porém, para cada uma delas a

criatividade é surpreendente. Por exemplo, tem-se a figura do "dízimo dobrado" ou

seja, o dízimo pago pela segunda vez, mas em dobro em relação àquela quantia que

sempre se dá; nesse caso, o envelope depositário do dinheiro aumenta de tamanho .

Na Igreja Universal do Reino de Deus, especificamente, a questão financeira

não difere de outras neopentecostais surgidas no mesmo período. Porém, verificamos

uma maior capacidade de construção representacional do dinheiro pela Universal do

que por aquelas outras, haja vista uma certa produção literária específica em torno

dessa questão, bem como a capacidade dos pastores, no cotidiano de, através das

diversas formas de estratégia econômico-financeiro, convencer e converter os fiéis à

fidelidade ao pagamento, em dinheiro, dos serviços religiosos oferecidos pela igreja e

por tudo o que seja bênção derramada por Deus .

Os fiéis que participam das "reuniões"25, sejam eles batizados ou não, não só

gritam, dizem amém e louvam a Deus e a Jesus; não só fazem gestos, choram e dão

sorrisos; não só cantam com entusiasmo e batem palmas. Eles(as) também contribuem

financeiramente para o sustento de sua igreja. Na Igreja Universal do Reino de Deus, o

dinheiro é uma realidade dinâmica e sempre ancorada na categoria "prosperidade". A

prosperidade completa engloba sempre o aspecto financeiro. A plasticidade com que o

dinheiro é nomeado, causa atração, pois, constantemente, lhe são atribuídos

significados, que o dinheiro mesmo até em outros contextos religiosos, não tem. Edir

Macedo diz em seus ensinamentos: " O dinheiro é uma ferramenta sagrada usada na

obra de Deus. Ele é o dono de todas as coisas, mas nós somos os seus sócios nos seus

25 É comum percebermos, também, nesses movimentos religiosos, que o momento de culto recebe o nome de "reuniões", assim se diz na IURD, e sempre essas reuniões são orientadas para as necessidades imediatas do povo.

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empreendimentos. Dessa maneira, o dinheiro, que é humano, deve ser a nossa

participação, enquanto que o poder espiritual e milagres que não são humanos, são a

participação de Deus". (Macedo, 1996: 75)

O Neopentecostalismo iurdiano é dinâmico em seu discurso, quando trata da

questão financeira articulada com a questão da prosperidade. A estratégia é invocar na

experiência de fé da igreja e dos fiéis, o trato que se deve ter na relação com o

dinheiro. Embora muitas vezes, através de expressões um tanto agressivas, mas que

sejam eficazes aos propósitos da Instituição e a realização das esperanças dos fiéis :

" O cristão deve portanto, colocar a sua fé em ação, e se tornar um sócio de Deus. Isto

é feito quando o adorador se compromete a 'devolver' aquilo que é de Deus, ou seja, o

dízimo. Deus, em contrapartida, garantirá as bênçãos da cura e o sucesso no

empreendimento". (Campos, 1997: 368)

A força com que a imagem agora está a representar o dinheiro na mente dos

fiéis que se colocam com sua fé em ação, está na mesma medida da ação de Deus que

se coloca e dá de Si o que d'Ele é próprio e d'Ele provém : bênção e sucesso . Nesse

sentido, a prosperidade chega na vida dos fiéis como um milagre visível, como

também na vida da igreja, que aumenta a cada dia seu patrimônio, significando uma

riqueza decorrente também de uma concepção de religião que articula de uma nova

maneira fé e dinheiro, sem nenhum drama de consciência. Poupança e prosperidade,

no discurso da Igreja Universal do Reino de Deus, se constituem, assim, em um

alicerce básico que torna possível redirecionar e racionalizar os recursos financeiros,

mesmo escassos, mormente quando tal redirecionamento representa uma forma

eloqüente de testemunho de conversão (Antoniazzi, Mariz e Sarti, 1996: 70).

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" Quando cheguei na Igreja Universal do Reino de Deus de Goiânia pela primeira vez, estava praticamente falido e doente, pois não me alimentava devido aos problemas que me consumiam. Na Igreja Universal tive um encontro com Deus e fui curado de sinusite, tive meu casamento restaurado. A prosperidade foi restituída, assim que me tornei dizimista fiel. tenho meu próprio negócio e outros bens. Hoje sou uma nova criatura que se beneficia de todos os bens que Deus preparou para aqueles que o amam ".26

Para a Universal, tornar-se dizimista é uma condição essencial de pertença ao

grupo, e mais que isso, implica que através do dízimo o fiel consegue estabelecer um

forte relacionamento com Deus, para que tenha a sua vida abençoada por Ele. "Pagar"

seria também uma palavra chave para que o crente se sinta membro atuante de sua

igreja local. Não é pagar uma promessa, é pagar dinheiro, isto é, algo que é de Deus,

como explica o teólogo J. Cabral: o dízimo, "é uma espécie de evolução das oferendas

que desde os tempos primitivos o homem dava a Deus. É uma oferenda pré-fixada; um

mínimo aceitável, entendida como a devolução da décima parte daquilo que se recebe

d'Aquele que dá tudo para uso no Seu serviço. O dízimo é de Deus"27. Dizer que o

"dízimo é de Deus" é o mesmo que dizer o dinheiro é de Deus, e nesse sentido, a

Universal é inovadora, pois consegue ressignificar algo que no imaginário coletivo, há

muito, ligado à fonte de todo mal. Esse significado hoje é tão poderoso quanto a

própria condição em si do dinheiro, em seus diversos e mais variados contextos na

história das sociedades, em que recebeu os mais variados significados. Assim,

dinheiro, fé, Deus constituem uma associação de poder que o fiel não pode deixar de

fazer e de crer, sob pena de não ver seus bens materiais abençoados e nem tão pouco

multiplicados. E quanto a isto, o testemunho bíblico é lapidar: "Roubará o homem a

Deus ? Todavia, vós me roubais e dizeis : em que te roubamos ? Nos dízimos e nas

ofertas. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, vós, a nação 26 Folha Universal - Ano V no. 309 de 08.03.98 p. 7 A . 27 Folha Universal - Ano V no. 322/junho/1998, p. 2B

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toda" (Malaquias, 3, 8.9). Como algo de Deus, a linha teológica da Universal reflete

sobre o dinheiro como um assunto sério, no corpo da Instituição, e dessa advertência

bíblica - muito citada nas reuniões - , o crente não pode passar desapercebido, se quiser

manter-se fiel a Deus e à igreja .

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CAPÍTULO III

O DINHEIRO NA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

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1. Questões Introdutórias

O presente capítulo dá início ao mapeamento e sistematização analítica das

representações sociais do dinheiro, advindas do imaginário dos membros pesquisados

e pertencentes à Igreja Universal do Reino de Deus. Esse capítulo objetiva apresentar

as significações que predominam quanto ao que significa o dinheiro para aqueles

sujeitos.

Foram entrevistados vinte membros da Igreja, dos quais: sete mulheres e treze

homens. Quanto à condição de pertença ao grupo religioso, observa-se: quatro fiéis

(não batizados), dois candidatos a obreiros, nove obreiros, três pastores auxiliares e

dois pastores titulares. Os referidos entrevistados freqüentam os templos, situados nos

seguintes bairros da região metropolitana da cidade do Recife: templo de Tejipió (Av.

Dr. José Rufino), templo do Totó (Av. Paulino de Farias) e templo de Sucupira

(Cavaleiro, Jaboatão dos Guararapes). A hipótese, que norteia o desenvolvimento

desse capítulo, refere-se à natureza das significações sociais que demarcam o

imaginário religioso dos pesquisados, quanto ao dinheiro; esse como já foi dito,

situado em uma experiência institucional determinada.

É importante lembrar nesse momento, que pressupomos que os informantes,

independentemente de sua função social na hierarquia institucional religiosa, não

tomam o dinheiro como a raiz de todos os males sociais. Observarmos esta atitude não

só na doutrina pentecostal tradicional ascética como fora desse meio, por exemplo, no

próprio imaginário secularizante de uma forma geral. Isso implica, como teremos

oportunidade de demonstrar, uma forma de imaginar o dinheiro sob o prisma religioso.

Não temos a pretensão de demonstrar e/ou verificar paralelismos, ou não, com as

concepções dos membros de outras denominações, na elaboração realizada pelos da

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Igreja Universal do Reino de Deus, e sim, a de apresentar, tão somente, os elementos

constituintes e característicos de como o dinheiro é imaginado socialmente.

Algumas questões foram norteadoras para a realização desse trabalho, estando

na base da discussão que virá em seguida:

- Não será a Teologia da Prosperidade, uma forma bem

expressiva de atitude capitalista, através da qual podemos

entender a presença e visibilidade do dinheiro nos templos

das igrejas neopentecostais?

- Qual a explicação para que essa relação religião e dinheiro,

seja percebida pelo fiel como um desejo de ascensão social,

boas condições de vida e felicidade terrena, sem drama de

consciência?

- Na experiência neopentecostal da Igreja Universal do Reino

de Deus, não estaria o dinheiro sendo a doação maior de

sacrifício que o fiel possa ofertar a Deus, para realização de

suas necessidades imediatas?

- Quais são as "imagens", "representações" acerca dessa

realidade chamada dinheiro, que através da sua articulação

com a fé, no sentido religioso, produzem não só uma

relação positiva, mas se apresentam como algo inovador na

experiência neopentecostal?

- O mercado como elemento constitutivo da ideologia

neoliberal, não seria uma explicação entre outras de um

comportamento expressivamente monetário que perpassa

hoje o âmbito religioso?

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- Que justificativas sociais e/ou culturais-religiosas são

capazes de conformar os fiéis, a manterem-se numa prática

de pagamento monetário pelos serviços religiosos?

A seguir, apresentaremos alguns pressupostos teóricos, que consideramos

importantes para a análise, e na tabela 1, as formas de apreensão e representação

sociais do dinheiro, através das seguintes formas representacionais, abstraídas do

conjunto de destaque das entrevistas que se encontram resumidas no Apêndice.

2. Pressupostos relevantes para a análise

Para o procedimento de nossa análise empírica, uma questão fundamental que

agora apontamos, é a reflexão sobre os meios através dos quais as pessoas lançam mão

para obtenção e a posse de bens. Esses meios se encontram identificados através do

conjunto das representações sociais dispostas na tabela 2 p. 89. Assim, poderíamos

considerar para efeito de análise, que os entrevistados, de uma maneira geral, para

terem acesso a um bem ou a um serviço, recorrem fundamentalmente aos seguintes

meios: A dádiva, a troca e a apropriação. Esses meios, no entanto, se estendem no

geral, a todos os seres humanos, independente do âmbito social em que estejam

passando seu maior tempo de sociabilidade. Porém, antes de refletirmos cada um

desses meios, uma outra questão se faz necessário observar .

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2.1 A Questão da Equivalência

Supondo um determinado objeto X, este pode receber um caráter de

equivalência, que pode ser geral ou não, dependendo do contexto sócio, econômico e

cultural. Esse caráter de equivalência garante a esse objeto x, levando em conta os

limites de sua abrangência, poder de troca. Pode-se trocar x por y, podendo essa

relação de equivalência corresponder a proporções iguais ou diferentes. Mas, supondo

x um equivalente a que se atribui maior valor de troca, este se confrontará no processo

de intercambialidade de equivalentes como um referente que se quer desempenhando

uma função sempre mais geral. Esse processo de troca, pode-se exemplificar da

seguinte maneira:

"Uma quantidade definida de uma mercadoria, digamos 20 metros de linho, iguala-se a uma quantidade definida de uma Segunda mercadoria, digamos, um casaco. Nessa equação, o casaco mede o valor do linho; o linho é um valor relativo ao casaco, e este é o equivalente do linho. Essa relação simples de valor pode ser desenvolvida de modo a igualar os 20 metros de linho a uma quantidade definida de qualquer outra mercadoria como seu equivalente: o linho pode ser equiparado a um casaco, a cinco quilos de chá, a 20 quilos de café, ou a duas onças de ouro". (Bottomore, 1993: 107)

Compreendendo essa forma de valor acima desenvolvida, não só o nosso y

como também u, w, z etc., podem desempenhar a função de equivalentes. Se tais

equivalentes se apresentam ou não como uma mercadoria no processo de troca, esta é

uma outra questão.

Foucault (1987: 205) se perguntava, a propósito de seu interesse pela formação

do valor, "por que há coisas que os homens buscam trocar, por que umas valem mais

que outras, por que algumas, que são inúteis, têm um valor elevado, enquanto outras,

indispensáveis, têm valor nulo? "Poderíamos citar, como exemplo, o ar que

respiramos, o qual concordamos que seja indispensável para a vida de uma maneira

geral, porém, seguindo a linha de questões levantadas por Foucault, tem valor nulo.

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Para esse autor, a questão do valor, num primeiro momento, exprime-se no processo de

troca como uma coisa que apenas substituir outra:

"Valer, para o pensamento clássico, é primeiramente valer alguma coisa, poder substituir essa coisa num processo de troca. A moeda só foi inventada, os preços só foram fixados e só se modificam na medida em que essa troca existe. Ora, a troca é um fenômeno simples apenas na aparência. Com efeito, só se troca numa permuta, quando cada um dos parceiros reconhece um valor para aquilo que o outro possui. Num sentido, é preciso, pois, que as coisas permutáveis, com seu valor próprio, existam antecipadamente nas mãos de cada um, para que a dupla cessão e a dupla aquisição finalmente se produzam. Mas, por outro lado, o que cada um come e bebe, aquilo de que precisa para viver não tem valor enquanto não o cede; e aquilo de que não tem necessidade é igualmente desprovido de valor enquanto não for usado para adquirir alguma coisa de que necessite. Em outras palavras, para que, numa troca, uma coisa possa representar outra, é preciso que elas existam já carregadas de valor; e, contudo, o valor só existe no interior da representação (atual ou possível), isto é, no interior da troca ou da permutabilidade". (Foucault, 1987: 205)

Mas, esse "apenas", não implica em que tudo seja simples, afinal, o que é

preciso para que uma coisa ao substituir outra, demonstre poder de representar? É

preciso que nesse processo de permutabilidade, a coisa a ser permutada, trocada, esteja

previamente imbuída de valor. Só assim poderá haver a troca. Mas, não só isso, como

haverei de refletir mais à frente, é preciso que tal coisa seja também objeto de desejo e

percebida como necessidade .

2.2 A Dádiva

A dádiva, ou seja, a posse de um bem ou de um serviço vindo de outro sem

nenhuma contrapartida, tem como característica fundamental o fato de ter sempre um

caráter limitado e de estar sempre relacionada com motivações afetivas poderosas.

Além disso, a dádiva não garante a ninguém a oportuna ou imediata consecução dos

bens e dos serviços de que se necessita ou se deseja. Desta forma, ela inclui sempre a

possibilidade de se pensar sobre suas motivações subjacentes e essa constatação é de

fundamental importância para a observação das sociedades primitivas no que diz

respeito à sua ocorrência. Parece que esta forma de comportamento acha-se fortemente

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relacionada com os hábitos religiosos dos povos primitivos bem como das sociedades

complexas modernas (Lima, 1996: 30). A troca de presentes, como um exemplo de

dádiva, e considerada uma forma de distribuição de mercadoria, foi muito usada por

povos primitivos e, segundo Mauss (1999: 351), essa tradição como forma de

mercadoria, derivava da psicologia de presentear. Não só isso, o próprio movimento

dos dons e contradons, cuja circulação é regida pelo princípio de dar/receber/retribuir,

funda alianças sociais próprias a um determinado grupo humano. Refletindo a dádiva à

luz desse princípio que funda alianças sociais, diremos, portanto, que ela

fundamentalmente estabelece relações. Godbout (1999: 16), insiste nesse aspecto, isto

é, de que é preciso "pensar na dádiva não como uma série de atos unilaterais e

descontínuos, mas como relação". E, diga-se bem, como relação social.

O campo religioso é bastante fértil como lugar desse tipo de troca. Os altares,

os púlpitos, estão aí para demonstrar como os fiéis são gratos pela ação poderosa de

seus deuses. Todos os objetos, inclusive dinheiro, são ofertados como troca e esse ato

decorre de um compromisso fundamental, o de significar, já que tal doação, é uma

ação simbólica, carregada de fé e reveladora de uma dada situação existencial. Como

se expressou um dos entrevistados:

" Hoje só há uma forma do dízimo ser simbolizado, que é através da oferta em dinheiro, já que o dinheiro é algo que mexe com o homem. Então aquela parte é de Deus e tenho que dar. A gente dar porque tem um retorno. E o retorno são as bênçãos de Deus. As dificuldades que encontramos em nossa vida nós clamamos a Deus e Deus tem que responder". (E.2.b)

O que percebemos, é que a forma de permutar, ao sofrer permanentes

mudanças em seu processo de aperfeiçoamento, levou as pessoas a estabelecerem o

uso das trocas como resultado das especializações do trabalho e diversificação dos

meios de produção. O que alterou significativamente a compreensão do mundo

moderno sobre a dádiva pois, embora concebendo-a como uma relação social, reduziu-

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se-lhe a algo utilitário. O mundo capitalista analisado e denunciado por Marx em O

Capital, revela, ao meu ver, que o sentido da troca foi alterado substancialmente em

relação ao "mundo das trocas de presentes" estudado por Mauss, onde a gratuidade era

o princípio mais fundamental.

O que estou querendo dizer é que, se voltarmos ao exemplo que Marx dá ao

referir-se em O Capital à forma mercadoria do produto do trabalho no caso, citando o

exemplo de um casaco, é que o objeto não é visto como algo que é fabricado e vestido,

mas como uma mercadoria que é trocada. E como uma mercadoria, fruto de um

processo de produção, o casaco não pode ser definido como uma coisa a ser vestida ou

que cuja utilidade seja aquecer alguém. Como uma mercadoria, expressão de um

processo de universalização da produção (é isto que para Marx, significa o

capitalismo), o casaco não é mais uma coisa, mas um valor de troca. Através dessa

troca, tem-se um outro sentido, revela-se um outro tipo de relação social. A mediação

para essa relação é o mercado, e este ao ser constituído como referência central para as

relações capitalistas, ocultou a dádiva, ou a "verdadeira" dádiva, através da qual a

relação é marcada pela gratuidade. É assim que Godbout (1999: 29), qualifica a

dádiva: " (...) qualquer prestação de bem ou de serviço, sem garantia de retorno, com

vistas a criar, alimentar ou recriar os vínculos sociais entre as pessoas".

2.3 - A Troca

Ao que parece, no desenvolvimento das sociedades, a troca de mercadoria por

outra mercadoria, sem nenhuma outra mediação nesse processo, portanto, de forma

direta, tem sido considerada a forma mais comum de permuta, e que foi, no percurso

de uma dada economia, originando o que hoje denominamos de comércio. E para que

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haja o comércio, uma determinada pessoa deve possuir algo de que um outro necessite.

Assim, para se efetuar um intercâmbio, deve-se chegar a algum acordo sobre o valor

daquilo que se pretende comerciar, que se pretende trocar. E aqui uma questão se

impõe: o valor. Mas, como a pessoa humana pode expressar tal valor ?

Tomando como referencia Foucault (1987), e refletindo sobre a experiência

religiosa da Igreja Universal do Reino de Deus, é interessante observar que, na semana

iurdiana de prestação de serviços29 aos fiéis, o dinheiro se constitui numa importante

peça no espaço cúltico;30 e como tal, sua forma se expressa na base da troca. Por

exemplo: buscar a prosperidade (em um ritual de nove segundas-feiras consecutivas e

com o pastor alçando e determinando um certo valor financeiro como desafio ao fiel) é

algo que exige um pagamento como sacrifício. No ato de fé, algo tem de ser trocado

para obtenção de bênçãos que vem de Deus, a partir da troca, como uma porta que se

abre nos céus, há um derrame de tudo em abundância. O fiel traz o dinheiro até o

pastor (e o valor nominal expresso na cédula ou em sua soma sempre corresponde ao

tamanho da fé, isto é, quem muito dá a isto corresponde a sua fé), e as bênçãos sem

medidas são invocadas, para que Deus multiplique a situação financeira do fiel. O

dinheiro, no espaço iurdiano, é uma constante como elemento de troca. Não há como

pertencer ao grupo eclesial e se beneficiar dos serviços religiosos, se não for também

dando dinheiro como medida de sacrifício: "Constituir valor não é, pois, satisfazer

29 Às segundas-feiras, oferecem-se soluções sobrenaturais para quem deseja prosperar; às terças, dedica-se a curas físicas; às quartas, adoração ao Espírito Santo; às quintas, oferecem-se soluções para problemas familiares e afetivos; às sextas, faz-se libertação de demônios (exorcismo); aos sábados, novamente dá-se o ritual de prosperidade; e aos domingos, dá-se a adoração ao Espírito Santo 30 Às quartas-feiras e aos domingos, como são dedicados ao Espírito Santo, entende-se como sem caráter utilitarista, pois tem o objetivo de " criar maior intimidade entre fiel e Deus, moralidade de relacionamento que, na cosmovisão difundida pela igreja, tornaria este ainda mais generoso e atento às necessidades dos devotos, 'desinteressados' ou não ". (Mariano, 1996: 126) .

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necessidades mais numerosas; é sacrificar bens em troca de outros". (Foucault, ibid.,

p.207)

Podemos então concluir que o dinheiro é um meio de troca ou referência de

valor. Observa-se, no entanto, que essa função dual do dinheiro não se verifica apenas

no espaço do religioso, ela é inerente a qualquer forma de troca, onde quer que o

dinheiro se constitua meio de permuta . Há de se observar, entretanto, que no espaço

do religioso, e mais especificamente no espaço iurdiano, o dinheiro tem um valor

simbólico maior do que o valor de uso;31 seu valor depende da pressuposição de

possuir uma outra atribuição e bem particular, que diz respeito a uma certa virtude

mágica e de poder: "Existe um espírito devorador, ou seja, um demônio que quando a

pessoa não dá o dízimo ele entra na vida da pessoa e devora tudo. E quando a pessoa

dá o dízimo, Deus promete abrir as janelas do céu e derramar bênçãos sem medida"

(E.3.b) .

Assim, existe uma acentuação mágico-religiosa 32 sobre o dinheiro, o qual

pode estar carregado de forças negativas, aprisionando o bom desempenho da pessoa

na vida financeira; mas isto tem a ver com a fé da pessoa na sua relação com a igreja e

com Deus. Ser livre para dar e receber depende fundamentalmente da fidelidade ao

dízimo, e quanto mais se dá mais corresponderá ao tamanho da fé que se expressa

31 Vale observar que, do ponto de vista do método em economia política, o dinheiro, assim como o valor de troca, originam-se de uma concepção em termos de consciência filosófica, no que diz respeito a apreensão da realidade, diferente do que acontece com a consciência religiosa: " O todo, tal como aparece no cérebro, como um todo de pensamentos, é um produto do cérebro pensante que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível, modo que difere do modo artístico, religioso e prático-mental de se apropriar dele. O sujeito real permanece subsistindo, agora como antes, em sua autonomia fora do cérebro, isto é, na medida em que o cérebro não se comporta se não especulativamente, teoricamente. Por isso também, no método teórico[ da economia política], o sujeito - a sociedade - deve figurar sempre na representação como pressuposição". (Marx, 1978: 117) . 32 Essa acentuação mágico-religiosa, diz respeito a formas de pensamentos e crenças, assim como rituais e imagens, através dos quais fiéis, obreiros e pastores vão atribuindo significados sobrenaturais ou divinos ao dinheiro.

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nessa doação. Porém, livre das forças demoníacas que amarram a vida financeira, o

dinheiro reveste-se de positividade, pois na condição de dízimo (cf. Mal. 3, 10ss), é

algo pertencente a Deus; é por esse motivo que ele, uma vez investido de sagrado,

torna-se mediação de um processo de "libertação" (desamarração de uma vida

financeira sem prosperidade).

Mas, se faz importante uma breve observação quanto a essa questão do dízimo.

Na tradição religiosa judaica, o dízimo correspondia a décima parte dos produtos que

provinham da agricultura e da pecuária, que os israelitas deviam consignar ao templo

e aos seus ministros (sacerdotes, levitas) em vista do sustento do culto e das pessoas

encarregadas deste.

Hoje, em vez de dar parte do que se produz, na forma acima mencionada, à

igreja ou ao templo, os fiéis podem fazer contribuições monetárias. O serviço a Deus,

ao longo da história das religiões cristãs, passou a ser valorizado em termos

monetários. Assim, muitos pastores da Universal vão dizer em suas pregações que

Deus não quer mais os primeiros frutos da colheita (na acepção da palavra) ou os

animais nascidos na primavera. Deus, ou pelo menos os pastores, querem dinheiro

como sendo o dízimo: "Na sociedade em que vivemos, onde a moeda é a base da

economia e as pessoas vivem de salários, é claro que se torna muito mais fácil dizimar

em dinheiro. Aliás, nunca vi as pessoas trazerem à igreja bois, ovelhas, grãos, frutos,

sacos de cimento, máquinas, etc., como sendo seus dízimos"(Cabral, 1997: 18).

2.4 A apropriação

Apropriar-se de um bem, tomar posse de algo caracteriza também uma forma

através da qual uma pessoa consegue obter e possuir um determinado bem ou serviço.

Esse apropriar-se ou tomar posse pode ser entendido como uma atitude que requer

violência, o que seria considerado uma forma extrema de reciprocidade negativa (cf.

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Lima, 1996: 29), e que estaria evidentemente em oposição à dádiva; ou pode ser,

também, entendido como uma atitude decorrente de uma determinada situação em que

indivíduos vivem na mais completa ausência de posse (Gomes, 1992:48), e assim

desenvolvem uma capacidade de obter algo para o seus próprios benefícios. Apropriar-

se ou tomar posse também pode estar associado a herança. Na tradição cristã, o homem

e a mulher como criaturas, como filho e filha, são herdeiros do Criador/Pai e como

tais, devem desfrutar da criação apropriando-se, tomando posse, dominando tudo

aquilo que lhe fora destinado (cf. Gn. 1 e 2). Esse entendimento encontra-se presente

no grupo pesquisado quando um deles reflete:" A gente acredita através da fé, que

Deus é o Deus da prosperidade. Em Ageu, se não me engano, Ele é o dono de todo

ouro e toda prata. Então, se eu sou filho de Deus através do sangue de Jesus, eu tenho

que conquistar tudo aquilo que eu tenho direito. Então, todo filho tem o direito a tudo

aquilo que o Pai tem". (E.2.a).

Porem, há que reconhecermos que, em qualquer fase da economia onde se

verificou essa forma de aquisição de bens, se tornava difícil manter uma condição de

paz no que diz respeito às relações humanas, e conforme Lima (1996: 30), nos dias de

hoje isto não se encontra abolido, pois, o que assistimos permanentemente correr em

processos, são problemas de ordem legal, ética ou política decorrentes de atividades de

apropriar-se ou de tomar posse.

Se tomássemos o dinheiro, como um instrumento de mediação nessa forma de

aquisição de um bem ou de uma prestação de serviços, que poderia ou não ser

considerado uma mediação violenta, concluiríamos que, ele, o dinheiro, é motivo

muitas vezes denunciado como provocador de conflitos que não geram paz nas

relações humanas, ou apenas aceito como uma obrigação para que se evite, por

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exemplo, o surgimento de algum elemento perturbador em uma determinada relação:

"O dízimo não é uma oferta. O dízimo é uma obrigação. É devolver aquilo que é de

Deus". (E.11.b)

O elemento perturbador aqui seria o demônio, cuja força dele oriunda afasta as

pessoas dos desígnios de Deus e da sua relação com Ele . E quanto a isto, poderíamos

observar o seguinte : durante todo o período helenístico, identificava-se que, as

religiões da Grécia, do Egito, da Fenícia, da Pérsia e Mesopotâmia, segundo Nogueira

(1986: 14), que tendiam à confluência e miscigenação, tornaram-se com o tempo,

simples demonologia, extremamente interligadas.

Conforme esse mesmo autor, encontra-se por isso,

" o ponto de confluência com a religiosidade Judaica. Quando, no século II d. C . foram traduzidos para o grego os livros sagrados, denominaram-se demoníacos (Daimonia) os ídolos e divindades pagãs e alguns dos animais fantásticos que povoaram as crenças do antigo Oriente. Estabelecida uma mesma denominação comum, uma parte das doutrinas demonológicas, incorporadas à tradição helênica, penetrou entre os hebreus, associando-se aí às tradições orais, inovando as crenças judias de espíritos malfazejos".

Nesse sentido, o autor assinala que, se no Antigo Testamento a grandiosidade

de Satan é negada, no século II d. C. ele é reconduzido e estabelece-se na literatura dos

Evangelhos e do Apocalipse de São João, como príncipe das trevas e como aquele que

é causador da perdição do gênero humano. No relato dos Evangelhos, satan aparece

permanentemente como um inimigo de Jesus e dos discípulos. A história de toda essa

trama, é a tentação de levar a todos a romper com a fidelidade ao Senhor. Os

demônios, vão se constituindo aos poucos nesses relatos, como obstáculos que

impedem à possibilidade de se alcançar a vida no Paraíso. Assim, como obstáculos,

incarnam-se no mundo das coisas humanas, impedindo-as de ser para Deus: "Dessa

polarização resulta que tudo o que afasta os homens de Deus é uma manifestação do

diabo". (Nogueira, 1986: 18) O dinheiro, no imaginário cristão foi ligado a, entre

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outras coisas, poder, tentação, morte, miséria, pobreza. Ou seja, a todo tipo de situação

que direta ou indiretamente, ele possa ter provocado. Por certo, essas ligações feitas ao

dinheiro, não são algo próprio do imaginário cristão, mas como no cristianismo após o

séc. II d. C. foi se forjando sempre mais uma literatura demonológica, isto vai aos

poucos passando à vida cotidiana das pessoas, servindo como referência para

interpretar certas situações adversas individuais e coletivas, de caráter social,

econômica, política e cultural. E isto se deve ao fato de o espírito do mal ter sido

integrado ao dogma central do cristianismo: queda do homem, pecado original, morte

do messias. É por isso que, uma vez incorporado ao dogma do cristianismo, vai

representar as dificuldades do mundo material e espiritual . Porém, observamos que,

no imaginário cristão da IURD, o dinheiro, ao representar-se na forma de dízimo,

ganha outro destaque, ou uma outra importantíssima significação: ele une, recriando

laços supostamente desfeitos por Satan, resgatando um outro poder através do qual

emana o desejo de que todos, e não somente alguns, possam dispor das coisas do

mundo, que possuam os bens da terra, tais como: saúde, dinheiro, objetos, felicidade,

amor,paz, etc.

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3. Teorizando sobre o imaginário social do dinheiro presente na Igreja Universal do Reino de Deus

A seguir, apresentaremos um quadro demonstrativo, expressando como os fieis da

(IURD) imaginam o dinheiro. As entrevistas realizadas, constituem nosso ponto de

partida para tais identificações e possíveis análises que faremos. E, conforme nosso

procedimento metodológico, uma vez que o conjunto das entrevistas foram reveladoras

de tais representações, destacaremos dentre todas, aquelas que mais se manifestaram

de forma freqüentes, como expressões representacionais subjacentes às falas dos

entrevistados. E, logo após esse quadro, apresentaremos um outro bem menor,

contendo uma outra síntese com base no critério da repetição.

Quadro das Representações -Tabela 1 E. 1 E . 2 E . 3 E . 4 E . 6 E . 8 E . 11 E . 12 E . 13 E .15

Amor para com Jesus

X

Bênção X X X X X X Conquista

X

X

Desafio X X Fidelidade/ Infidel.

X

Obrigação

X X

Oferta X X X X Prova X X X Propósito

X

X X

Resgate X Sacrifício

X

X

X

X

X

X

Salário X Teste X Voto X

Das palavras, acima evocadas, decorrentes das entrevistas consideradas aqui

representativas de um conjunto de 20 (vinte), tomamos em consideração aquelas em

que a repetição se deu pelo menos três vezes, o que podemos apresentar como as

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formas representacionais mais significativas, e que possuem relevância para uma

análise do caráter social dos elementos constitutivos.

Portanto, estão assim dispostas:

Tabela 2

Repetição/freqüência Forma representacional

03 Propósito

03 Prova

04 Oferta

06 Bênção

06 Sacrifício

Tomando como pressuposto a síntese das entrevistas realizadas e seus

conteúdos subjacentes, podemos a partir desse momento, buscar algumas respostas que

possam satisfazer a questões anteriormente colocadas. Pretendemos, portanto, à luz

desses dados, uma reflexão de análise utilizando elementos da Teoria das

Representações Sociais propostos inicialmente nesse estudo.

O exame inicial, sem a pretensão de exaustividade, abordará dois aspectos: a

objetivação (a) e o processo de ancoragem (b), conforme expusemos no capítulo

primeiro.

4. -As Formas Representacionais

4.1 - A ancoragem

O processo de objetivação, que esboçamos de forma não exaustiva, normalmente se

apresenta como constituição formal do conhecimento. No momento da ancoragem dá-

se outro movimento, ainda que articulado com o processo anterior. Trata-se da

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inserção orgânica do referido conhecimento em um pensamento já existente na

sociedade, conferindo, assim, sentido e utilidade. A ancoragem é apenas um porto

seguro, onde se passa algum tempo, até que o alimento fornecido perca seu sabor...

" (.) é um meio de interpretar os comportamentos, de classificar as coisas e as pessoas em uma escala de valores e, o que não é nada, de nomeá-Ias. Tudo que os faz agir, preencher uma função, e os relaciona obedece a uma representação dominante. Esta não os concebe como se fossem percebidos através de um espírito destacado e onividente, mas através do filtro da cansciência de um indivíduo ou de um grupo em seu meio. E, o que é inevitável desse ponto de vista: nós só podemos nos representar alguma coisa como uma representação de alguém" (Moscovici, 1990 : 272n3).

O processo de ancoragem nesse sentido, é demarcado e reconhecido pela

introdução de uma determinada representação entre as já existentes. Destacaremos,

pois, aquelas representações mais significativas que nos foram sugeridas, pelas formas

de expressão do pensamento em tomo de nosso elemento central o dinheiro, e que

correspondem à ancoragem dos elementos identificados na seção anterior.

A insistência na doação de dinheiro como algo estratégico na prática social da IURD,

sinaliza indignação para muitos que se encontram fora desse espaço de experiência

religiosa.

Para aqueles que se encontram reunidos nos templos dia-a-dia, o sentimento

não é esse, ou seja, de indignação, mas, a entrada no templo, o processo de pertença ao

grupo, vai firmando um sentimento de submissão, porém, não fica nisso, pois, fora do

templo, a missão é papel a desempenhar. Tudo é entregue: a entrega de si mesmo, de

certos bens materiais, o salário, ou qualquer quantia em dinheiro vivo que se tenha em

mãos...depois, o anúncio do milagre, o milagre das bênçãos consegui das, da cura de

uma enfermidade, de um espírito mal que tomou posse, da própria descrença a qual o

fiel se entregou. Assim, o lugar onde o fiel passa seu maior tempo de sociabilidade

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(família, rua, trabalho, igreja...) transforma-se em palco de importantes testemunhos

através dos quais, se comunicam as transformações de experiências reais conseguidas.

4.2 - A Objetivação

" O dízimo representa o amor para com o Senhor Jesus " (E.1.a)

"Amor para com o Senhor Jesus" parece indicar a realidade mesma da verdadeira

substância do dízimo(=dinheiro), o que torna-o objeto sagrado quando ofertado ao seu

verdadeiro dono, Deus. Esse caráter externo em torno do dízimo, que denominamos

também de conteúdo mental (Moscovici, 1990: 272), cai na vida dos fiéis da

Universal como uma força autônoma e de poder. E é justamente o poder (leia-se, o

poder de Jesus) que se busca na tentativa de ver realizada não tanto a salvação

individual, mas outras realizações, tais como: encontrar emprego, curar uma doença,

melhorar a vida financeira, tornar-se um empresário, prosperar na vida . Há por trás

desse predicado (amor para com o Senhor Jesus) que materializa-se no dízimo e se

expressa, por exemplo, na oferta, a busca de uma solução para os problemas mais

prementes e imediatos: "Então, aquela parte é de Deus e tenho que dar. A gente dá

porque tem um retorno. E o retorno são as bênçãos de Deus. As dificuldades que

encontramos em nossa vida nós clamamos a Deus e Deus tem que responder". (E.2.a)

Ora, essa busca é desejo, e este começa quando algo é recusado e os sujeitos se

vêem como que proibidos de possuírem. O dízimo como parte pertencente a Deus é

mediador de uma relação entre o homem e Deus que se institui, formalmente, através

de um programa econômico marcado pela força de uma imagem que, ao ganhar

distância do seu objeto, se impõe como valor absoluto capaz de ultrapassar o sujeito,

fixando as coisas desde o alto, como quem determina a realização das necessidades a

que todos têm direito. Nesse sentido, Moscovici (1990: 274), ao analisar o processo de

objetivação, afirma citando Simmel que,

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‘ os acontecimentos subjetivos do impulso e da fruição se objetivam em valor; ou seja, que eles se desenvolvem a partir de condições objetivas, obstáculos, privações, exigências de um 'preço ' de um tipo ou de outro, através das quais a causa e o conteúdo do impulso e da fruição em primeiro lugar se separa de nós e se torna em seguida, por esse mesmo ato, um objeto e um valor’ .

É por isso que acima mencionamos a questão do desejo e do impedimento da

posse. Mas, esse desígnio da Criação, onde está incluída a condição de prosperidade e

de vida com abundância vem encontrando elementos outros desse desígnio, tornando a

vida em suas várias dimensões (financeira, afetivo-familiar-amorosa, saúde, felicidade)

“amarrada”, isto é, impedida de sua plena e/ou satisfatória realização. O elemento por

excelência e causador de uma desordem no plano, por exemplo, financeiro, é o

demônio, que de uma forma geral poderíamos definir como entidades pessoais que têm

por objetivo, causar o afastamento dos homens do desígnio de Deus e da sua relação

com ele. O demônio incide se apossando na vida dos fiéis negativamente impedindo a

prosperidade e a abundância. A vida financeira é o lado de maior preocupação dos fiéis

da IURD, pois a sua ruína e fracasso normalmente encontram-se ligados a uma ação

demoníaca: “ Os espíritos que atuam na vida financeira são: o cortador, o destruidor, o

migrado, o devorador. Só que tem um, o devorador, nós só podemos repreender

através do dízimo. Se a pessoa não dá o dízimo na casa de Deus, então a vida dela

passa a ser um fracasso; enquanto ela não der o dízimo o devorador não tem como ser

repreendido, e nem sua vida financeira liberta” (E.11.d) .

Nesse sentido, o demônio alimenta a fé negativa, principalmente quando age

despertando dúvidas no momento em que o pastor começa a pedir ofertas “Eu fiz um

teste comigo mesmo. Eu tinha cem reais e tinha um pagamento no valor de cem reais,

e naquela hora que o pastor tinha lançado a oferta, “quem tem cem reais”, o meu

coração disse dê. E fica dois pensamentos, um, você não dá; outro, você dá. Um é pelo

espírito de Deus, que é único. Eu dei” . (E.8.d)

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Portanto, de uma maneira geral, o demônio, na pregação da IURD, uma vez

presente e ativo, provoca distrações nas reuniões de oração, insinua a dúvida na fé e

com isso causa o desânimo nas pessoas, bem como “serve-se de mentes humanas para

promover a fome, a miséria, as doenças, as prostituições, os vícios, as violências, as

guerras” (cf. Macedo, 1989: 13s). Assim, a demonização dos deuses e espíritos não só

parece refletir uma vontade de poder profundamente negativa que cai por sobre a vida

humana, mas também uma expressão do desejo mimético irreprimível que leva a

destruir o rival, para apoderar-se do comum objeto do desejo – no caso, a massa dos

fiéis.

Porém, a pessoa humana não pode ficar condenada para sempre à miséria e à

pobreza. O plano de Deus para a humanidade não pode afundar-se numa perpétua

frustração. Na análise do processo de objetivação do dinheiro na Igreja Universal,

identificamos uma outra condição material da qual os fiéis se servem para dar corpo

aos seus pensamentos sobre o dinheiro; ou seja, identificamos uma outra substância ou

força de maior autonomia expressa pelos fiéis, através da qual eles projetam também o

significado do dinheiro: a oferta .

“ Uma coisa é a pessoa trazer dinheiro para a igreja e outra coisa é a pessoa trazer oferta. Dinheiro, Deus não aceita, Deus aceita a oferta; porque a oferta tem a função de ganhar almas. A oferta na igreja não é a quantidade mas a qualidade, aquilo que sai do coração. O dinheiro quando não se dá de coração, quando não se dá como oferta para a casa de Deus, tem a função de fazer reparos na igreja, não serve para ganhar almas”. (E.3.c) “ (...) hoje só há uma forma do dízimo ser simbolizado, que é através da oferta em dinheiro, já que o dinheiro é algo que mexe com o homem (...)”. (E.2.b)

O dinheiro como dízimo é cobrança, uma obrigação, e seu percentual se

expressa de uma forma fixa, embora, por exemplo, no Recife encontramos a expressão

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“dízimo em dobro”, que corresponde a 20%; ou ainda o “dízimo do Sinai”, que

ultrapassa os 30%, este verificado através de uma pesquisa feita em Salvador

(Mariano, 1999: 166). O que se observa de forma genérica, é que o dízimo se apresenta

como algo fixo, com pouca possibilidade de manipulação, o que leva os pastores em

seus discursos a uma insistência quase frenética de vinculá-lo a uma ordem moral,

criando quase um sistema de fidelidade/infidelidade para com os fiéis. A oferta é bem

diferente. Como observamos acima, ela encontra-se no seguinte plano de construção:

dinheiro=oferta=qualidade=coração=ganhar almas. Nesse sentido, o poder de

criatividade dos pastores em estabelecer sempre a cada semana uma estratégia para

obter ofertas é impressionante. Numa de minhas visitas a um templo da Universal,

situado na Av. Conde da Boa Vista, presenciei um momento que expressa de forma

significativamente essa orientação relativa à oferta

A uma certa altura da reunião, o pastor ora. Todos os presentes receberam uma

rosa. As rosas continham espinhos. Só se podia pegar rosas com espinhos. Em seguida

foi distribuído um envelope. Cada irmão devia colocar no envelope, sete espinhos da

rosa que tomou para si. Lembra o pastor, que esses espinhos representavam as forças

que impedem, que são espíritos maléficos e que precisam ser extirpado de cada um,

juntamente com os sete espinhos.

Determinava ainda o pastor, colocar no envelope a quantia de sete reais, onde

cada real correspondia a um espinho da rosa, e que deveria ser entregue na Sexta-feira,

dia da libertação. Depois, o pastor orava novamente. Insistia, então, que os sete reais

deviam ser conseguidos, e que os fiéis iriam conseguir até demais. Conseguiriam o

dobro! Pedia em seguida, que todos se aproximassem e trouxessem suas ofertas, e

ungia com óleo as mãos de cada ofertante. Seguia uma oração final com todos

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juntando as mãos e colocando-as por sobre a sacola aonde depositariam as ofertas. E o

pastor, então, pedia que todos repetissem: “eu vou vencer!”, “eu vou vencer!” (...).

O que percebemos é que através da oferta não somente há inventividade dos pastores

para obtê-la, como também da parte dos fiéis, que devem ter o coração livre para

ofertarem o que quiserem como, carro, som, TV, casa, etc. Há uma clara intenção em

modificar o significado das coisas, projetando para elas não só uma realidade que se

nomeia, mas um novo sentido, no qual passa-se a tomar como referência para a vida.

Dinheiro igual a oferta é realidade que além de objetivada, “quando perfeita [a oferta]

é impossível que não traga retorno espiritual e financeiro ao ofertante” (Macedo, 1997:

82). Assim, a oferta constitui-se ou representa também um meio possível de

intervenção do homem sobre o seu destino em sentido positivo. E mais,

“trata-se de uma barganha cósmica. Dado que todas as coisas a serem possuídas pelos fiéis pertencem a Deus ( melhor, ‘pertencem a Jesus’), é preciso que se dê a Deus aquilo que o fiel já possui. Tudo pertence a Deus, mas algumas mínimas coisas estão já em minha posse: se eu der a Jesus aquilo ou daquilo que tenho, ele me dará daquilo que ele tem, isto é, os bens da terra, a saúde, etc. de que justamente careço”. (Gomes, 1992: 49)

A oferta portanto, como uma imagem dotada de um caráter quase material, se

impõe à vida dos fiéis através da fé, como uma ação eficaz, em prol de uma situação

existencial decaída, e agora, resgatada, pelo gesto simples de dar: “Depois que eu

entrei na IURD, fui abençoada, porque eu cheguei na igreja no fundo do poço (...).

Quanto mais eu dou mais Jesus tem abençoado a minha vida”. (E.12. a)

A “Bênção”, sem dúvida alguma, constitui-se em um outro importante

elemento construído socialmente, e que durante as entrevistas bem como através de

leituras complementares acerca do dinheiro na IURD, passa a ser identificado também

como elemento da realidade do objeto :

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“ (...) a gente pega um envelope, a gente está pegando até vinte reais, e coloca o propósito. Numa folha da Bíblia a gente faz o pedido que a gente quer alcançar de Deus, ou seja, eu quero que Deus me abençoe na vida financeira (...) (E.6. a ).

“ (...) o pastor diz que Deus tem de abençoar porque estamos tirando de tudo, de dentro da gente, porque é um sacrifício grande de quem não tem”. (E.6.b).

“ o dinheiro é recebido tanto quanto as outras coisas com ação de graça. O dinheiro não é o demônio, o dinheiro é uma bênção (...)”. ( E.8.a )

Na linguagem da Teologia da Prosperidade, “bênção”, “ser abençoado”,

“Deus tem abençoado” tem a ver com a transformação da vida nas suas várias

dimensões: saúde, financeira, afetiva, etc. A bênção que se derramará sem medidas na

vida da pessoa, decorre de três pressupostos básicos: fé – oferta – fidelidade . Esses

três pressupostos intimamente interrelacionados, constituem-se através do discurso de

prosperidade, em estratégia imagética por onde se canaliza, por exemplo, um possível

sucesso financeiro nos negócios, nos empreendimentos: “O cristão deve portanto,

colocar a sua fé em ação, e se tornar um sócio de Deus. Isto é feito quando o adorador

se compromete a ‘devolver’aquilo que é de Deus, ou seja, o dízimo. Deus, em

contrapartida, garantirá as bênçãos da cura e o sucesso no empreendimento”.

A força com que a imagem está a representar o dinheiro na mente dos fiéis que

se põem com sua fé em ação, está na mesma medida da ação de Deus, que se põe a dar

de Si o que dele é próprio e dele provém: bênção e sucesso. A fé ao se manifestar na

oferta não só dela se nutre, como também é exigência de fidelidade para com aquilo

que a Deus pertence : o dízimo. Quando o fiel diz que “o dinheiro é uma bênção” (ou o

contrário), há de ter ocorrido pelo menos uma coisa fundamental nessa relação fé-

dinheiro: a despotencialização do demônio que truncava a vida financeira, e a

liberação, mediante a ação desse fiel no dar o dízimo, de bênçãos financeiras das mãos

de Deus, significando com isso, que uma dada situação de injustiça foi sanada ou, no

jargão neopentecostal, que o demônio foi expulso.

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“ (...) o meu marido está para receber um dinheiro, e eu tenho certeza que ele vai ser abençoado. A prosperidade que eu me refiro é aquela onde na minha casa faltava tudo, faltava dinheiro, uma feira que fazíamos não dava...hoje não, dá para o mês todo. Deus tem abençoado. Quanto mais eu dou mais Jesus tem abençoado a minha vida”. ( E.12.a)

É certo que as bênçãos de Deus são diversas, mas a necessidade do crente, na

sua urgência e imediata solução, as especifica e materializa, dando corpo ao seu

pensamento. A “bênção”, que é de Deus e exterior ao crente, através da fé deste,

alcançará uma determinada dimensão da vida; e algo concreto advirá como sinal dessa

ação. No caso acima, é dinheiro que se espera como bênção, assim como a bênção será

o dinheiro recebido.

A questão do valor não pode passar desapercebido, haja visto fazer parte desse

processo mental, através do qual as coisas são valoradas; quanto a isso Dodd (1998,

p.92) observa: “O processo pelo qual os seres humanos atribuem valor a coisas faz

parte de um processo mental mediante o qual eles compartimentarizam e ajuízam o

mundo social e natural que os cerca. Empregamos naturalmente uma série de

categorias formais segundo as quais o conteúdo do mundo pode ser organizado na

mente. O valor é uma dessas categorias formais”.

A relação entre o homem e Deus, mediada ou não por estratégias institucionais

religiosas, está contida em um contexto mais amplo que as pessoas podem ter na sua

relação com o mundo. É desse contexto ou do lugar que se habita, que o homem

abstrai e projeta sua dimensão transcendental. Querer ser abençoado na vida

financeira, ou dizer que a bênção é o recebimento de uma determinada quantia em

dinheiro, é valor que se está dando, é desejo que se está expressando, porém não é

tudo: “As coisas que têm mais valor tendem a ser aquelas que são mais difíceis de

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obter. Em outras palavras, valorizamos coisas que parecem estar além do nosso

alcance, que resistem ao nosso desejo de possuí-las”. (Ibidem, p.92)

É desse pressuposto que tem sentido também a questão do sacrifício como

elemento identificado com o dinheiro na prática neopentecostal da IURD: “A

campanha de Israel, por exemplo, você tem uma filha que está com câncer, e aí você

vai prestar sacrifício; lógico que vai entrar dinheiro, lógico ele vai representar a tua fé.

Temos que fazer sacrifício. É nosso holocausto. Se eu ganhei cem reais e tenho que

fazer esse voto, deixo tudo e vou dar e Deus vai dar em dobro. É uma prova, temos que

sacrificar!”. (E.1. f)

Mais do que colocar a vida econômica em risco, como por exemplo, doando

todo o salário do mês, toda a poupança familiar, as alianças de ouro, a escritura da casa

ou o dinheiro que se possa ter no bolso, o fiel entende tudo isso como ato de sacrifício.

É importante não perder de vista, já que estamos estudando sobre o dinheiro, um

princípio fundamental que lhe é inerente: é que o dinheiro, como uma realidade

histórica e cultural, não pode prescindir, sociologicamente, falando, de sua dimensão

de interrelação, já que este é um princípio primeiro de toda realidade social. Posto isto,

vem a questão: como entender o sacrifício à luz da troca e do dinheiro?

Poderíamos afirmar que, no campo religioso, de um modo geral, o sacrifício é

algo bastante difundido. Assim, a concepção de sacrifício não está, necessariamente,

amarrada a uma concepção cristã de religião, isto é, o sacrifício não é algo próprio do

Cristianismo, porém, nele o encontramos como uma dimensão de fundamental

importância e sentido, não importa qual seja a expressão religiosa cristã .

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Percebe-se que no decorrer da história religiosa de Israel, este vai se

enriquecendo com a herança cultural dos povos antigos. O sacrifício, entre outros

tantos rituais antigos, vai sendo reorientado para a experiência de Deus que esse povo

vai forjando em sua história religiosa. No geral, o que se assiste, por dentro da religião,

enquanto fenômeno, em relação a uma certa concepção de sacrifício, é que este

significa a destruição de um bem ou a renúncia ao mesmo, em honra à divindade. Mas

isto não é tão simples como parece, é complexo. O processo sacrificial, no geral, "(...)

consiste em estabelecer uma comunicação entre o mundo sagrado e o mundo profano

por intermédio de uma vítima, isto é, de uma coisa destruída no decurso da cerimônia"

(Mauss, 1999: 223) .

Bataille (1993: 37ss), concebe o princípio do sacrifício, como sendo a

destruição, porém, não concorda que "destruição" signifique aniquilação, mesmo que,

por vezes, o sacrifício tenha que destruir o objeto sacrificado de forma total, como no

caso do holocausto. Completa Bataille:

"O que o sacrifício quer destruir na vítima é a coisa - somente a coisa. O sacrifício destrói os laços de subordinação reais de um objeto, arranca a vítima do mundo da utilidade e a entrega ao do capricho ininteligível. (...) O sacrifício é a antítese da produção, feita visando o futuro, é o consumo que só tem interesse no próprio instante. Nesse sentido ele é Dom e abandono, mas o que é doado pode ser um objeto de conservação para o donatário : o Dom de uma oferenda a faz passar precisamente para o mundo do consumo precipitado. É o que significa 'sacrificar à divindade', cuja essência sagrada é compatível a um fogo. Sacrificar é doar, como se dá carvão à fornalha. Mas em geral a fornalha tem uma inegável utilidade, à qual o carvão está subordinado, enquanto no sacrifício a oferenda escapa a qualquer utilidade". (37 e 41)

Apresentemos ainda uma outra questão para que nossa reflexão seja mais

satisfatoriamente elaborada. No decorrer de um processo de objetivação encontramos

também, como momento inerente, a questão da demanda. O desejo, já o colocamos. A

busca de uma satisfação pressupõe necessidades e desejos. Isso implica uma questão

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de escolha. Moscovici (1990: 277) afirma que a demanda “deve se tornar uma parte

específica de nossa consciência para poder se expressar enquanto exigência do real”.

E cita Simmel, observando que a demanda só existe

‘no interior de nós mesmos, sujeitos, enquanto experiência vivida. Mas porque nós a aceitamos, sentimos que não nos contentamos em satisfazer uma reivindicação que nós mesmos nos impusemos, e também fazemos mais do que simplesmente reconhecer uma qualidade do objeto...observai que o valor dos objetos faz parte desses conteúdos mentais que, ao mesmo tempo que os concebemos, nós os sentimos como sendo alguma coisa independente no interior de nossa representação, destacados da função através da qual existem em nós. Essa representação, quando o seu conteúdo é um valor aparece, frente a um exame minucioso, como o sentimento de que uma uma reivindicação é feita. A “função” é uma demanda que não existe enquanto tal fora de nós, mas nasce em um reino ideal que não se encontra em nós’.

Assim, mesmo que levemos em conta as duas teorias principais em economia,

quais sejam: uma, que determina o valor pela quantidade de bens oferecidos, e a outra,

que o faz segundo a quantidade de bens demandados, sabemos que isso implica em

trabalho e produção. Mas, o que um crente da IURD capta, ao sentir-se desafiado para

fazer uma oferta, é que aquilo que decide por sua sobrevivência decorre também, da fé

que o sustenta na medida mesma em que abre as mãos para ofertar. E quando a oferta

é dinheiro, sempre é sacrifício, pois, é a Deus que se oferta, e só para Ele essa oferta é

sacrifício : “ (...) qualquer valor de um bem aumenta à medida que se aumenta a

distância entre a demanda a satisfazer e a possibilidade deixada aos indivíduos de

chegar a ela”. (Moscovici, 1990: 278) Essa "distância" entre a demanda e a

possibilidade de satisfazê-la, intensifica um tipo de expressão de comunicação do

crente com Deus que não é, simplesmente, de petição, mas de exigência ante o risco

que se estabelece nessa relação: de tudo ou nada.

"A campanha de Israel é uma prova de tudo ou nada, é uma prova do cristão para com Deus; ou você crê em Deus ou não crê(...)". ( E.4. d )

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O sacrifício é uma forma de comunicação, e dá-se por intermédio de uma

vítima, ou de uma coisa que se oferte para imolação, para ser destruída, consumida,

porém, nem tudo acaba aí, a irradiação desse processo é o grande objetivo do ritual de

sacrifício, pois dele espera-se um retorno: "A regra Do ut des [dou, para que dês],

pela qual às vezes se definiu o princípio do sacrifício, não é uma invenção tardia de

teóricos utilitaristas: ela apenas traduz, de maneira explícita, o próprio mecanismo do

sistema sacrificial" (Durkheim, 1996: 373s)

O dinheiro na sociedade capitalista, muitas vezes foi sinônimo de sacrifício,

isto é, o dinheiro que se ganha, que se arranja, que se consegue, nunca foi obtido de

forma fácil, ma na base do trabalho, da dureza ou, como se diz, na base do "sacrifício".

Essa imagem é transferida para o espaço iurdiano tal qual. Um fiel que se encontra

desempregado, por exemplo, sabe do "sacrifício" para conseguir cinco reais sem estar

empregado, e quando tem que dar esta quantia, ela se transforma no mesmo instante

em sacrifício, ou seja, em "vítima", em coisa que se oferta a Deus. Deve ser destruída,

mas como está posta no altar aos pés de Deus, é fogo que queima mas não se consome,

isto é, não se aniquila, não se acaba nesse momento da oferenda. A irradiação desse

processo está em ser o elemento sacrificado a prova de uma expressão de fé, que

somente para o ofertante faz sentido, assim como só para ele, o sacrifício é prenúncio

de um futuro positivo: bênçãos serão derramadas, haverá vida próspera em todas as

suas dimensões .

O valor do dinheiro por certo deriva de seu status de mercadoria, e como tal, traz

consigo certas características que compartilha com outras mercadorias. Porém, uma

parece fundamental: seu poder de intercambialidade, para além de qualquer

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mercadoria, na medida em que fornece um padrão constante de avaliação entre os bens

a serem trocados .

Entre “a demanda a satisfazer e a possibilidade de chegar a ela”, identificamos

o sacrifício como valor, a objetivar-se também no dinheiro: dinheiro é oferta que se dá

em sacrifício, dinheiro é sacrifício. E não só porque é difícil de se conseguir, mas

porque se constitui em um intermediário abstrato, mediante o qual objetos podem ser

trocados reciprocamente. Numa oferta a ser feita em dinheiro pelo fiel, está contida

uma avaliação do que se quer alcançar de imediato. Na realidade, através do dinheiro o

fiel está a depositar seu sacrifício, a imolar seu "cordeiro" :

“ O homem depende do dinheiro hoje para tudo. Se ele não tiver dinheiro não tem valor. É por isso que levamos as pessoas a fazer sacrifício, porque dói na pele a gente dizer que a oferta é de tanto, e a pessoa perguntar por quê ? Porque Deus está provando a sua fé”. (E. 4. b)

“ (...) lógico que vai entrar dinheiro, lógico ele vai representar a tua fé. Temos que fazer sacrifício. É nosso holocausto (...). (E.1.f)

Quando o fiel coloca sua fé em Deus à prova, o pastor que está a dirigir aquele

culto, estabelece um sacrifício: dar mais do que já se dá. Dar além. Por exemplo, dar o

dízimo em dobro; ou, trazer dentro de um envelope num prazo de oito dias, a quantia

de cem reais. Através do pastor (mediador institucional), Deus está colocando a fé da

pessoa à prova. Na realidade um sacrifício se impõe, e o dinheiro assim, é objetivado.

O dinheiro se constitui em uma medida de valor e muito mais de sacrifício,

embora, ligado ao tamanho da fé do fiel e não, por exemplo, ao montante de trabalho

que terá de ser realizado para conseguir êxito em tal prova. Na realidade, o valor

mesmo está naquilo que se quer obter e que se apresenta para além do dinheiro e de

sua quantia alçada. O fiel quer obter aquilo que está fora de seu alcance imediato, e

que só através de uma intervenção divina é possível. Mas, para isso, é necessário

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demonstrar fé e colocar-se à prova perante Deus. Nesse sentido, um pastor, legítimo

representante institucional, a exemplo do que assistimos na IURD, não teme e nem

muito menos se intimida, em alçar pesadas quantias em dinheiro como uma prova,

como um desafio, nas suas reuniões diárias seja em qual templo estiver; pois, ele sabe

bem que o fiel sempre adere com maior firmeza, disponibilidade e confiança a tal

propósito, quando aceita fazer certos sacrifícios em seu próprio benefício. Porém,

antes de tudo, é à fé do indivíduo que toda a força idealizadora da palavra se dirige

primordialmente:

“ Nós levamos o povo a uma fé. Nós falamos, olha fulano, você vai fazer um voto para com Deus de tantos reais; a pessoa vai fazer o quê? Vai fazer um sacrifício em cima disso aí, para alcançar aquele voto e pagar aquele voto”. (E.4.c) “A campanha de Israel é uma prova de tudo ou nada, é uma prova do cristão para com Deus; ou você crer em Deus ou não crer. Nós pedimos o voto de tudo ou nada, ou a pessoa crer ou não crer. Também nós não forçamos. O voto é o dinheiro. Ao fazê-lo a pessoa está dando prova de sua fé”. (E. 4. D)

Essa relação, como já observamos antes, está intimamente ligada ao desejo. A

todas as coisas que resistem ao nosso desejo de as possuir, costumamos dar maior

valor. Assim, ter um carro, para um determinado fiel da IURD, é algo que se impõe a

ele como difícil de se obter, mas desejável. E as barreiras que se têm que transpor

(aquilo que resiste ao desejo de possuir tal objeto) devem ser vencidas. E vencidas pela

fé. Daí que é legítimo para o pastor, colocar alguém à prova. A mediação da Igreja e de

seus especialistas é importante nesse momento. Eles se constituem em crivo da

realização dessa prova, e dão oportunidade perante a membresia, do testemunho em

viva voz do próprio fiel .

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Se na origem da troca e do dinheiro reside o sacrifício (cf. Moscovici, 1990:

281ss), à luz do nosso estudo poderíamos dizer, é porque a experiência de relação entre

o indivíduo, o mundo e Deus encontra-se constantemente ameaçada: distanciamento,

rompimento. Dizendo de uma maneira iurdiana, os demônios, entidades perturbadoras

do desígnio da criação, tomaram posse com seu poder, dos pobres e miseráveis do

mundo, afastando-os do desígnio de Deus e da sua relação com Ele. Mas, é nessa troca

que se percebe a restauração de uma unidade, um sentido, um laço:

“ Ela [a troca ], é aquilo que cria o laço entre os indivíduos, os atrai e os faz pertencer a um grupo, a uma sociabilidade ou instituição. Consegue portanto, quase invariavelmente, dar alguma coisa além daquilo que se recebe e receber alguma coisa a mais daquilo que se dá. Nesse sentido, a troca constitui a forma primordial da vida em sociedade da qual ela forma os conteúdos psíquicos e biológicos”. (Ibidem, 281 )

É por isso que, nas conclusões quanto à unidade genérica do sacrifício, Mauss

(1999:151) fala sobre a modificação do estado moral da pessoa que o realiza bem

como de certos objetos que a ela interessam. Essa modificação do estado moral de

pessoas e de objetos tem a ver, no rito sacrificial, com a questão da troca, pois,

fundamentalmente esta objetiva como finalidade maior, o reforço da rede de relações,

reforçando os laços de reciprocidade (Moscovici, 1990: 281).

Em síntese, a objetivação do dinheiro sugere que, de imediato, a cada palavra

em torno dele formulada, corresponda uma realidade. Essa ação de objetivar-se, dá-se

de forma permanente em nossos processos de apreensão do mundo real. Com ela

queremos que nossas abstrações e imagens que formulamos, ganhem uma dimensão

material, preconcebendo já um "corpo" à aquilo que pensamos.

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4. 3 A Representação do Mercado

O mercado é uma antiga instituição na história da humanidade, sempre entendida

como lugar onde acontecem trocas econômicas. A necessidade de trocas de bens levou

grupos humanos a se dirigirem a um único local onde ocorriam tais trocas com grupos

vizinhos. Nas sociedades pré-capitalistas, observa-se que o mercado ocupava um lugar

secundário na economia. Mas, é no Ocidente moderno que o mercado, no transcorrer

do desenvolvimento histórico das sociedades vai se tornar uma instituição

fundamental. Como Instituição que vai marcar a história econômica do mundo

moderno, podemos dizer que é durante o século XVI, que se assiste à explosão

fundamental de seu desenvolvimento, dando início ao que se vai denominar de

“sociedade de mercado” e que, mais tarde, chamar-se-á precisamente de “sistema de

mercado”. Como comentam Sung e Cândido: “ No capitalismo, o mercado é o coração

da economia. Tudo gira em torno do mercado. Os produtores não produzem para o seu

consumo mas para trocar no mercado. O mais importante na produção de mercadoria

não é a satisfação de algumas necessidades das pessoas, mas sim a satisfação dos

desejos dos consumidores”. (1995: 55)

Para o pensamento liberal, a tese é a de que

“ toda atividade econômica orientada pela competição em mercado, tende a ser eficiente e ótima, no sentido de utilizar todos os recursos de modo racional e sem desperdício, dando ao produto a composição desejada pelo conjunto dos consumidores. Em contraposição, toda atividade econômica desenvolvida em regime de monopólio ou num regime que não usa maximizar o lucro, tende a ser ineficiente e sub-ótima no sentido de utilizar mal seus recursos e compor seu produto de forma diferente da desejada pelos consumidores”.(Singer, 1996: 2)

Tomando o Mercado como uma Instituição social fundamental para

compreender o comportamento das religiões, observamos que o entendimento de

“atividade religiosa” no âmbito e na práxis das religiões, especialmente dos novos

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grupos pentecostais, vem sofrendo uma profunda mudança, pois, no decorrer dessas

duas últimas décadas, “atividade religiosa” soa como atividade econômica ou, a bem

da verdade, alarga-se para esse entendimento.

Todos sabemos que as relações de mercado são relações sociais que regem a

produção, distribuição e consumo de bens e serviços e que, nesse momento atual, essas

relações também provocam mudanças no comportamento das religiões, pois, estas se

deixam entender a partir de suas “atividades religiosas”, como religiões de mercadoria:

“Quando a gente compra algo na loja, aquela loja não quer deixar a promissória para

amanhã ou depois, não; ela quer receber naquele prazo. Mesma coisa é o Senhor Jesus.

Ele quer receber naquele dia. Naquele dia ali, aquele propósito, aquele sacrifício”. (E.

13. a)

Percebemos então, que a atividade religiosa começa também a ser orientada

pela competição em mercado e, por conta disto, faz-se necessário que o que se

oferece, como bem simbólico, para o conforto e deleite da alma, também contenha

eficiência e seja ótima para a resolução imediata de problemas individuais. O que se

oferece hoje em dia parece também obedecer à lógica do mercado, ou seja, seus

“produtos” devem conter uma composição desejada pelo conjunto dos consumidores,

agora, consumidores religiosos :

“A mais bem-sucedida denominação neopentecostal, de longe a de maior visibilidade, a brasileira e agressiva Igreja Universal do Reino de Deus, existe há apenas 15 anos e já é um império, no Brasil e lá fora. Seus pastores são empreendedores com baixa ou nula formação teológica, mas que devem demonstrar grande capacidade de atrair público e gerar dividendos para a igreja, de acordo com um “know-how”administrado empresarialmente pelos bispos, a igreja já é estruturada como negócio, pois é essa agressividade dos pastores que explica em grande medida o sucesso dessa religião; a expansão desse mercado depende muito do estilo da oferta, de sua propaganda e de sua linguagem”. (Prandi, 1996: 66)

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O autor aborda ainda sobre esse processo de mudança no comportamento das

religiões frente às exigências de uma sociedade calcada sobre um sistema de mercado :

“ Desde que a religião perdeu para o conhecimento laico-científico a prerrogativa de explicar e justificar a vida, nos seus mais variados aspectos, ela passou a interessar apenas em razão de seu alcance individual. Como a sociedade e a nação não precisam dela para nada essencial ao seu funcionamento, e a ela recorrem apenas festivamente, a religião foi passando pouco a pouco para o território do indivíduo. E deste para o do consumo, onde se vê obrigada a seguir as regras do mercado”. Ibidem, (p. 67)

É interessante observar, a partir dessa perspectiva, como têm se comportado

setores do neopentecostalismo, e em especial aqui, a Igreja Universal do Reino de

Deus. Esse comportamento abrange fiéis e agentes especializados com suas atitudes e

expressões de linguagens. Centrando-se na prosperidade, a ressignificação do dinheiro

ancora-se na imagem de mercado, que passa a alimentar a cada dia, uma forma de

libertação de algum mal: “A bíblia relata que existe três tipos de demônios: o

devorador, o cortador, o migrador. Esses três demônios são presos através do dízimo”.

( E.4 .a)

Essa ressignificação do dinheiro recai na vida dos fiéis como um milagre

visível, assim como também na vida da igreja que, aumenta a cada dia seu patrimônio,

significando uma riqueza claramente decorrente de uma concepção de religião que

toma como alicerce básico, poupança e prosperidade.

4. 4 A Representação do Consumo e da Eficiência

Jean Baudrillard afirma que:

“ Existe ao redor dos homens uma evidência do consumo e da abundância, criada pela multiplicidade dos objetos, serviços, bens materiais, dando origem a uma mutação na ecologia humana, isto é, os homens estão mais rodeados por objetos do que por outros homens, o conjunto das suas relações é mais a manipulação de bens e mensagens (organização doméstica complexa, com escravos

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técnicos, mobiliário urbano, a maquinaria das comunicações e atividades profissionais) que o laço com seus semelhantes”. (Baudrillard, 1975: 15)

A diversificação e ampliação das atividades religiosas com seus objetos de

consumo correspondentes (chamamos a atenção não só para a Universal, como para o

próprio movimento neopentecostal), traz essa característica apontada por Baudrillard

de o homem, através de suas instituições, voltá-las para atender às exigências da

moderna sociedade: o consumo e a abundância.

Laços de comunidades vividas por muitas expressões religiosas, perdem-se

frente à oferta de produtos e serviços, que certos líderes religiosos dizem sarar

imediatamente alguma miséria que se esteja vivendo. Isso parece dizer que a vida pode

se deixar impregnar cada vez mais por um tipo de viver em que as pessoas prescindem

do aproximar-se uns dos outros. Assim, nos separamos de nossos convívios para nos

entregarmos ao "poder das mercadorias" que exige de nós uma obediência e um rito. É

preferível um sabonete abençoado pelo pastor e que contenha poderes mágicos, a um

ombro amigo que possa ouvir com o seu amor : “ Também o miraculado do consumo

se serve de todo um dispositivo de objetos e de sinais característicos da felicidade,

esperando em seguida que a felicidade venha ali pousar. A este nível superficial, pode-

se arriscar a comparação: é o pensamento mágico que governa o consumo, é uma

mentalidade sensível ao miraculoso que rege a vida cotidiana”. (Baudrillard, 1975:21)

A título de exemplo, é comum ouvirmos nas pregações dos pastores que, o

vírus da AIDS “é um corpo que tem espírito” ou, “ uma força maligna que toma a

mente”, e assim também com toda e qualquer enfermidade que abata o corpo .

O dinheiro como um elemento de expressão da fé, por estar tão presente no espaço

cúltico da IURD, é mercadoria que se consome; é consumo simbólico de algo que

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também se oferece, e que só se ancora no mal quando a vida financeira se encontra

amarrada por demônios.

Nesse sentido, não há como entender na vida cotidiana a relação daquilo que

consumimos para o nosso bem com a nossa força de trabalho, que origina esses frutos

decorrentes desses processos. E segue-se acreditando em ações miraculosas, contidas

nos objetos (mercadorias), que se diz serem eficientes na resolução de problemas

concretos. No mercado religioso, hoje tão amplo devido à pluralidade religiosa nesse

fim de século, os bens de consumo específicos desse campo econômico apresentam-se,

pois, com poderes "sobrenaturais", e não simplesmente como produtos oferecidos para

consumo: “Vivemos ao abrigo dos sinais e na recusa do real, a imagem, o sinal, a

mensagem, tudo o que consumimos, é a própria tranqüilidade selada pela distância do

mundo e que ilude, mais do que compromete, a ilusão violenta ao real” (Baudrillard,

1975: 25 ). O dinheiro como expressão da cultura não foge a esse destino, haja visto

que sobre ele não se lançam apenas palavras, imagens que o reconstituem

positivamente, mas também a fé, que ao consumi-lo como força geradora de

realizações prósperas, é ao próprio amor que está consumindo: “O dízimo representa o

amor para o Senhor Jesus”. (E. 1. b)

Acrescento ainda que o caráter mágico nas atividades, nos serviços, nos

produtos produzidos no âmbitos de certas instituições religiosas, até certo ponto tentam

fazer do sagrado algo que, à luz de uma sociedade onde o mercado tornou-se um

referencial absoluto, contenha eficiência.

Existir na luta por concorrência no mercado, é existir na luta por demonstrar

que um determinado produto/mercadoria ou serviço que se venha a oferecer, traga em

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seu bojo eficiência como possibilidade de crescimento econômico. Dizendo de uma

outra maneira, traga em pouco tempo maximização da acumulação de riqueza.

Essa perspectiva não se encontra distante de algumas atuais práxis religiosas

em evidência em nossa sociedade. Todo um império de riqueza se encontra montado

nesse campo específico do mercado das religiões, por exemplo, no campo das

comunicações, e tudo em nome da eficiência de um sagrado que se mercantiliza passo

a passo.

4. 5 - A Representação da Reciprocidade

Nossa percepção anteriormente colocada apontou que, ao se instaurar como instituição

reguladora das estruturas do cotidiano no Ocidente, a lógica das relações de mercado

se estendeu à ordenação de toda a vida social. O mercado nesse sentido, não podia

como instituição, prescindir também desse princípio. Em se tratando de religião, não

há como esta não requerer relações de reciprocidade, e nossa análise através das

entrevistas, pontuou esse princípio como constitutivo do universo representacional dos

fiéis da IURD. E primeiro que tudo, vale a seguinte observação: os alicerces de

qualquer comunidade são as relações de reciprocidade. Isso foi muito bem analisado

por M. Mauss em seu ensaio sobre o Dom. Já coloquei anteriormente, quando refletia

sobre a dádiva, que o movimento dos dons e contradons, cuja circulação é regida pelo

princípio do dar/receber/retribuir, funda as alianças sociais próprias às comunidades.

Na experiência religiosa da IURD verificamos uma certa apropriação e manipulação

dessa dimensão de reciprocidade:

“É dando que se recebe. Se eu dou ao Senhor Jesus, o Senhor Jesus vai me dar e muito mais do que eu dou para ele, porque ele tem poder de autoridade”. ( E. 1. E)

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“ Se a pessoa quer receber ou alcançar algo, então, ela tem que provar a Deus. Se a pessoa não provar a Deus não tem como Deus fazer nada. É dando que se recebe, então se a pessoa quer receber, ela tem que dar”. (E. 11. d)

Na verdade, essa dimensão de reciprocidade encontra-se perfeitamente

relacionada com o princípio de solidariedade, haja visto que o que definimos por

experiência de comunidade, requer também relações de solidariedade, e isso é próprio

de qualquer grupo humano que partilhe da mesma identidade; é o caso portanto, do

grupo analisado aqui.

A pregação dos pastores se constitui num verdadeiro apelo à doação, e a

membresia ali reunida movida por tantos testemunhos, se vê na obrigação inclusive

não só de ter que dar, mas antes de tudo, a restituir a Deus para este possa, na sua

imensa fidelidade, atender a cada fiel:

Numa reunião observada por nós, entra o pastor e uma salva de palmas toma

conta do templo. As pessoas vão aos poucos depositando sobre o altar suas carteiras de

trabalho para serem abençoadas. Nessa noite o culto destina-se a prosperidade, e seu

objetivo é: alcançar um milagre, isto é, seja um emprego, mudar a situação financeira,

pagar as dívidas, aumento de salário, ter riqueza, enfim, que as portas da abundância se

abram para a vida de cada um.

Logo em seguida, o pastor convoca a todos para uma oração. Pede para que os

fiéis coloquem as mãos no coração e fechar os olhos. Ora pedindo a Deus e ao Senhor

Jesus pelos aflitos em sua situação de desemprego, salário baixo...e sejam naquele

instante abençoados, e que desça por sobre eles riquezas do Reino. O Pastor fala alto,

ora forte! Quase que aos gritos e anda em ritmo acelerado de um canto a outro do altar.

Enquanto isso, os obreiros circulam pelo salão e sempre olhando na direção dos rostos

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dos fiéis, como quem busca alguma coisa de anormal. Outros, ficam junto às portas do

templo. Estas se mantêm cerradas até o fim do culto.

Durante o rito de oração, os fiéis são levados a fazerem gestos e baterem fortes

com as mãos, e gritam: “eu vou vencer, eu vou vencer "! O pastor pede para que

todos se sentem. Começa, então, a fazer a leitura de Is. 60,10 e o discurso é sobre as

“portas que se abrirão como promessa de Deus”.

Bem defronte ao altar uma porta grande enfeitada com papel laminado. No fim

do culto, todos terão que passar por ela. No discurso, o pastor observa em seu

comentário, que o Reino dos Céus é diferente do Reino de Deus. O Reino dos Céus

fica lá no céu e o Reino de Deus aqui na terra. E faz uma comparação com a Igreja

Universal, afirmando que ela é da terra como o Reino de Deus.

Da metade para o final do culto, começa a pregação sobre a abundância, o ter, o

possuir, a posse, o não a miséria... e fala longamente sobre a relação dízimo e a palavra

de Deus. Faz referências a Ml. 3,10 e a importância do dar. Há uma insistência em

dizer que o dízimo é de Deus; e pergunta a todos os que estão presentes, quanto por

cento é o dízimo, e todos respondem em voz alta que é 10% .

Logo depois, o pastor fala da mesquinhez e diz que Deus não é mesquinho.

Pois, quando Deus dar, ele dar tudo porque ele tem tudo e é dono de tudo. Insiste nos

10% que pertence a Deus, dizendo que se uma pessoa ganha 120 reais por mês, ele

deve dar para Deus 10% que é 12 reais. Esses 12 reais, conclui o pastor dizendo que

pertence a Deus e que isso está na bíblia. Mas, o pastor insiste que se deve dar mais.

Que se deve dar do salário, ou seja, daquela parte que ficou. Esse é fruto do suor. O

que foi dado por primeiro, aquele era de Deus. Assim, o pastor diz que quando se quer

fazer uma prova à Deus, deve-se dar mais 10% do salário, isto é, daquela parte que

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ficou. Assim essa pessoa, conclui dizendo, não é mesquinha, e ela sabe que o que

vem, vem em dobro, já que o dízimo que é de Deus, foi também em dobro.

E todos são chamados a darem o dízimo em dobro. Mostra o envelope. Um

envelope grande, de tamanho ofício. Pergunta quem quer dar o dízimo em dobro; e

algumas pessoas vão aos poucos se aproximando à frente do altar, e pega o envelope.

Já para o final do culto, o pastor chama aqueles fiéis que no culto anterior levou

consigo para casa um leão (desenho de um leão feito numa folha tamanho ofício) e se

aproxima até o altar, levantando para o alto o desenho. O pastor faz uma oração forte,

e manda que todos rasguem o desenho do leão, amasse com as mãos e pise forte com

os pés aquele que tudo devora, que arranca as coisas. Esse gesto é para que todas essas

pessoas fiquem libertas. O pastor então, ora e pede para que todos voltem para seus

lugares e sentem. Nesse momento, convoca a todos para trazerem até o altar suas

doações e lembra as quantias: 50 reais, 30 reais, 20 reais, um real e moedas. Todos,

sem exceção, depositam na sacola que está nas mãos do obreiro lá no altar, e recebem

também o jornal da Igreja.

Poderíamos observar desse relato, que o princípio de solidariedade subjacente a

essa ação, apenas revela que, coletivamente, todos se colocam dispostos a colaborar

com a derrota de Satanás, a derrotar espíritos maléficos que impedem o sucesso, a

prosperidade. No caso restrito do uso do dinheiro, observam-se as duas dimensões: a

individual e a coletiva. Do lado da dimensão individual, observam-se pedidos de

auxílio pessoal. Do lado da dimensão coletiva (que também expressa desejos e

aspirações individuais) encontra-se o carnê do dizimista, através do qual cada um se

compromete a dar 10% de seu rendimento para a Igreja. Todo esse movimento é

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provocado também pelo dinheiro, que sozinho mobiliza os fiéis e a igreja. O dinheiro

convoca todos à integração e a congregarem-se institucionalmente.

Como analisa Nicolas num trabalho sobre o uso do dinheiro nas igrejas

pentecostais brasileiras no Uruguai:

Los usos del dinero colaboran a fortalecer la ya citada dimensión individual ( intereses particulares) a la vez que la transcienden por medio de la estrategia del diezmista (dimensión colectiva) sin perder en un ápice los deseos, pedidos e intenciones personales. Poderíamos afirmar que se genera una nueva versión de lo colectivo a partir del conjunto de necesidades y aspiraciones individuales. El viejo relato cristiano comunitario y espiritual se licúa para dejar paso a una intencionalidad más pragmática en que la comunidad, la colectividad, el bien para muchos, se construye a partir del esfuerzo y las necessidades estrictamente individuales (cualquer relación com las teorias neoliberales es pura casualidad)”. (cf. Nicolas, L. El Dinero en Proceso de Integracion y Desarrollo de las Inglesias Pentecostales Brasileñas en el Uruguay. Sociedad y Religion, junio, 1993, n.. 10/11, p. 110}

Através dos processos de objetivação e da ancoragem, identificados pela Teoria

da Representação Social, percebe-se como são constitutivos de um processo maior e

estratégico-institucional, que ao nosso ver, legitima toda uma prática de sustentação

econômica-financeira da IURD. Se ela é extorsiva ou não, conforme o corte que se dê

na análise, não é nosso objetivo aqui avaliar, uma vez que nosso processo de análise

tem como meta primordial, identificar o dinheiro como expressão constitutiva da fé,

seja em nível individual, no caso dos fiéis, em nível institucional, no caso da IURD e

seus representantes hierárquicos. O dinheiro, como tivemos oportunidade de

demonstrar, encontra-se, na experiência religiosa da Universal, intimamente ancorado

e legitimado no universo cultural-religioso dos membros entrevistados e sem sombra

de dúvidas, essa especificação pode ser estendida para um universo mais amplo do

próprio campo neopentecostal. “Dar dinheiro” não é uma constatação suficiente, mas o

é a inovação e a ousadia de uma instituição religiosa recente que não só implementa

estrategicamente suas formas, mas toma o dinheiro como expressão mesma da fé .

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No capítulo seguinte, tomando como referência o quadro representacional

acima analisado, farei uso da Semiótica da Significação como recurso analítico

adicional, operando assim, um segundo corte no processo de análise. A razão encontra-

se em que o objeto sobre o qual refletiremos, encontra-se sob duas condições, que são

próprias da ciência semiótica: está inserido, enquanto fenômeno, em uma cultura

concreta e como tal, para efeito de sua funcionalidade, diz-se um fenômeno de

comunicação constituindo-se presente de forma significante: produção de linguagem e

de sentido. Esse segundo corte epistemológico, permitirá apreciar de forma direta, a

relação entre religião, fé e dinheiro naquilo em que ela se apresenta visual, ritual e

gestualmente, de forma articulada à linguagem religiosa.

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CAPÍTULO IV

SEMIÓTICA DA SIGNIFICAÇÃO E A QUESTÃO DO DINHEIRO NA

PRÁTICA RELIGIOSA DA IURD

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1. Semiótica e a Questão do Dinheiro

1. 1 O Dinheiro como signo

Nesse capítulo, um objetivo é norteador da reflexão: poder tratar objetos

materiais que normalmente circulam no espaço religioso, como objetos que ganham

significado e sentido. Tal objetivo, se apresenta como algo que é próprio da

preocupação semiótica: “A semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação

todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de

constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação

e de sentido”. (Santaella, 1983: 13) .

O momento agora de nosso estudo, corresponde a um segundo corte

epistemológico dentro desse processo de análise. O quadro empírico de referência

continua sendo aquele apresentado no capítulo III, decorrente das entrevistas

realizadas junto ao público alvo dessa pesquisa. Esse segundo corte permitirá apreciar

de forma direta, a relação entre religião, fé e dinheiro que, articulados em torno de um

tipo de discurso, obedecem uma ordem de linguagem que uma vez reconhecida,

garante a produção de seus próprios conteúdos. Essa ordem precisa ser decomposta em

suas partes sígnicas, levando em conta o elemento central desse estudo: o dinheiro.

É o dinheiro como elemento concreto, porém na qualidade de signo, que

apresentamos em nossa reflexão como algo constitutivo da expressão da fé dos

membros pertencentes à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Nesse âmbito

social-religioso, o dinheiro tem adquirido sentido de unidade e valor quando articulado

com a realidade do mundo humano.

Considerando o campo religioso como produtor de sentido, onde a fala exerce

importante papel de direção, por exprimir bem seus símbolos com vista à persuasão, a

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concepção de semiótica aqui a ser desenvolvida toma como objetivo a exploração do

sentido. Isso implica dizer que tal concepção não se aterá à mera descrição de um

processo de comunicação (transmissão de uma mensagem de um emissor para um

receptor), mas, englobando-o, a concepção aqui proposta deve igualmente dar conta de

um processo mais geral: o da significação. A semiótica da significação tem a função

de analisar o papel do signo na vida mental das pessoas envolvidas no processo de

comunicação.

O processo anterior desenvolvido a partir da Teoria da Representação Social

não se quer entendido aqui como momento isolado; embora distinto, não está separado.

Nosso interesse maior é por mais aprofundamento, e com certeza, o encontro de

elementos dessas duas teorias mais do que discerni-las lado a lado, busca interação no

processo de análise;33 e com isso, entender ainda melhor, como a mensagem pregada

pela IURD sobre o dinheiro opera na mente dos fiéis.

É por dentro dessa concepção de signo que objetivamos expressar o elemento

“dinheiro” enquanto tal. Nesse sentido o conceberemos não apenas como algo que

existe (coisa), nem muito menos apenas como algo que se manifesta para alguém

(objeto): ele também se manifesta para alguém como representação de algo mais

(signo). E qual o caminho plausível que a semiótica da significação pode nos oferecer,

dentre tantos, que conduza de forma satisfatória esse segundo momento de nossa

análise ?

Gostaria, em primeiro lugar, de retomar algumas imagens subjacentes ao

pensamento dos sujeitos entrevistados para esse estudo, acerca do dinheiro. Nosso

33 Deixemos claro, que não é nosso objetivo nenhum confronto, nem mesmo comparação entre essas duas teorias nesse processo de análise, o que não anula possibilidades de interrelação entre ambas.

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olhar portanto, percorrerá novamente a síntese das entrevistas colocadas no início do

cap. III.

Nosso objetivo nesse instante é de perceber a mobilidade sígnica, através do

conjunto das respostas dadas em relação ao dinheiro, como elemento constitutivo da

expressão da fé, nessa experiência religiosa iurdiana aqui enfocada.

- O dinheiro conquista (E.1.d)

- O dinheiro representa a fé (E.1.f)

- O dízimo (= dinheiro) levanta a igreja e a faz pregar (E.2. b)

- Os dízimos (= dinheiro) abrem a igreja (E.3. a)

- A oferta (= dinheiro) ganha almas (E.3. c)

- O dízimo (= dinheiro) prende demônios (E.4. a)

- O voto ( dinheiro) põe o fiel em sacrifício (E.4. c) (E.4. d)

- O dinheiro liga a Deus (E.5. a)

- O propósito ( dinheiro) lança desafios e coloca Deus na parede (E.12. b)

- O dízimo (= dinheiro) resgata a pessoa (E.15. a)

O estudo semiótico tem como propósito investigar a ação dos signos. A nossa

observação nos leva a essa compreensão, pois de um lado está o observador, e do

outro, o observado. Essa relação quer concluir um tipo peculiar de ação, e

correspondê-la a um tipo de conhecimento que, na verdade, é a característica da

semiótica. Há muito o mundo já tinha sido concebido como uma rede de comunicação,

onde surgem sinais, imagens e trocas simbólicas.34 Nesse ínterim, o movimento de

signos, como fluxo contínuo, invoca e chama a própria realidade para uma ação. Essa

34 Nesse sentido, em relação aos estudos semiológicos, segundo Eco (1997:3), todos os fenômenos culturais são estudados "como se fossem sistemas de signos", e assim, também de comunicação.

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ação, partindo do ponto de vista do interpretante, é o significado: “Segundo Peirce, um

signo é signo quando há alguém que possa interpretá-lo como signo de algo.

Significado é então a interpretação desse signo, que, por sua vez, indica um objeto. O

significado é a ‘outra’ face do signo, a face invisível, a ‘outra’ coisa pela qual está o

‘algo'" . (Epstein, 1997: 21) Assim, ao tomarmos o dinheiro na experiência da IURD

como signo, não o estamos concebendo como um objeto, mas como uma função, isto

é, a função sígnica. As observações acima relacionadas em torno do dinheiro, apontam

todas para fora dele, enquanto objeto. Por isso que, ao tratarmos de algo como signo,

não estamos tratando-o como um objeto e suas propriedades, mas, fundamentalmente,

como uma relação, uma função. Vejamos um pouco melhor o que isso quer dizer .

A imagem de que o dinheiro “prende demônios” (E.4. a) representa algo que o

dinheiro mesmo não faz. Nesse sentido, como uma representação mental, quer dizer,

como uma realidade psicológica, ela pertence à ordem da existência subjetiva e não

corresponde ao objeto imediato do dinheiro enquanto signo. A relação é sígnica, pois

compreende um significante e um significado; mas, dentro dessa ordem, o dinheiro

também funciona para fundar uma relação com algo que não ele mesmo, isto é, aquela

ação de “prender demônios”. Portanto, na mente dos fiéis entrevistados, quando suas

falas expressam como eles imaginam o dinheiro a partir do lugar em que estão, a

condição na qual o dinheiro é inserido é ao mesmo tempo objetiva (conhecida) e física

(algo existente além de conhecido). É isso que gera, por sua vez, o “resultado

significado propriamente dito” do dinheiro enquanto signo. É interessante quando

Barthes (1987: 39) em uma nota bastante curta, cita Santo Agostinho quanto à

compreensão deste sobre signo: 'Um signo é uma coisa que, além da espécie ingerida

pelos sentidos, faz vir ao pensamento, por si mesma, qualquer outra coisa' .

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Quando da realização das entrevistas, estávamos interessados, em primeiro lugar,

em saber, a partir do ethos presente na IURD (que é produzido, vivido, experienciado,

transmitido), que associações provocava a palavra “dinheiro”; ou, como essas pessoas

imaginam, a partir desse locus, o dinheiro .35 Não interessava, por exemplo, saber se o

dinheiro existe, se ganhavam muito ou pouco, se ofertam em grande ou pequena

quantia, ou seja, contexto e circunstâncias em torno desse elemento não interessavam

de imediato. Interessava sim, esse "qualquer outra coisa" de Santo Agostinho; ou seja,

não interessava se o dinheiro serve para comprar, pois isto é uma função que já lhe é

correntemente atribuída. Interessávamos, num primeiro momento, a refuncionalização

(Barthes: 45) que sofre esse signo no espaço da IURD; e num segundo momento, as

imagens daí decorrentes, que sinalizavam significações, ou seja, representações da

"coisa" que chamamos dinheiro, que por sua vez nada mais é que um mediador

(referente). Acredito que isso seja uma expressão de interesse tanto da representação

social como também da semiologia.

Voltemos a um parágrafo anterior. Na imagem de que o dinheiro “prende

demônios” que impedem a vida financeira de prosperar, aquele se apresenta, portanto,

na condição de interpretante 36 do signo; ele é na realidade, o fundamento sobre o qual

o signo (dinheiro) tem sido visto e, como isso implica uma relação, tal condição como

sendo de interpretante, deságua no significado; e este por sua vez, tornar-se-á “Um

signo relativo a outros elementos na experiência do intérprete, colocando em

movimento a cadeia de interpretantes da qual se alimenta a semiose como um

processo”. (Deely, 1990: 46)

35 Seria dizer que estávamos em busca de uma síntese intelectual, ou pensamento em signos, através do qual as pessoas ( no caso os fiéis, pastores ) representavam e interpretavam socialmente o significado . 36 “O interpretante é aquilo que garante a validade do signo mesmo na ausência do intérprete” – Cf. Eco, Op. Cit. p. 25 .

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O que observamos, portanto, é que, decorrente de uma condição de representação

(= interpretante), no caso, o dinheiro (= dízimo) “prende demônios”, este por si só, a

partir da relação com o intérprete, que por sua vez considera já esse interpretante como

signo, movimenta toda uma produção de interpretantes que, como dito acima,

“alimenta a semiose como um processo”. Como poderíamos verificar isso?

(referência)

(dinheiro)

relação imotivada (dinheiro =objeto

denotado = elemento

constante no

significado)

Ao situarmos o dinheiro no vértice esquerdo do triângulo acima, na condição

de relação com o seu objeto, ele representa seu objeto porque traz consigo, seja por

convenção ou por meio de uma espécie de pacto coletivo, a determinação ou uma lei

mesma de que, aquele signo representa seu objeto. Assim, é verdade, num primeiro

momento, que quando uso a palavra "dinheiro", não estou falando do dinheiro que

tenho em minhas mãos ou que esteja nas mãos de um amigo ou aquele que está no

banco; mas me refiro a todo e qualquer dinheiro ou seja, a um objeto carregado de

sentido, parte de um sistema de relações sociais: “ O objeto representado pelo símbolo

é tão genérico quanto o próprio símbolo”. (Santaella, 1983: 67)

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Contudo, ao entrevistar membros institucionais de uma dada religião, e

perguntar-lhes sobre “dinheiro”, perguntar-lhes sobre esse símbolo em tal experiência

religiosa, os significados são variados, como:

Dinheiro = dízimo

Dinheiro = prende demônios

Dinheiro = oferta

Dinheiro = fé

Dinheiro = resgate da pessoa

Dinheiro = sacrifício

Porém, todos esses e outros significados, indicam uma outra coisa que o

dinheiro em si mesmo não é, e são as diversas necessidades e práticas significantes

(tanto dos fiéis como da própria instituição através dos seus líderes) que os indicam,

fazendo sentido a conexão entre símbolo e referente. Vejamos o que disse um

membro/obreiro e candidato a pastor da Igreja Internacional da Graça de Deus - antes

membro atuante da IURD - , rua da Soledade, Boa Vista, entrevistado no dia 19.11.98

(E. nº 8):37

“ Muitos problemas financeiros advém de espíritos imundos que trabalham nessa área. Eles podem mexer na sua situação financeira quando você não está atento à Palavra, quando não conhece e nem sabe o que é dízimo, não sabe o que é uma oferta, pois é, tudo isso aborrece os espíritos imundos. Nós denominamos eles de demônios: tranca rua, pomba-gira, etc. O setor financeiro nosso é atacado quando nós não sabemos das promessas do Senhor com relação a dízimos. (...) Uma senhora estava devendo umas contas, água, luz, etc., e ela foi dar o dízimo, e disse : se eu der o dízimo, eu não tenho como pagar essas contas, como é que eu faço agora ? E ela estava lá na fila para devolver o dízimo. E a cabeça dizendo: “não, tira esse dinheiro a mais que o pastor não sabe”; e a outra dizendo: “dê o dízimo, seja fiel”. Duas linhas de pensamento perturbando ela. Uma, ser honesta no dízimo; outra, dizendo retira, porque se tu deres o dízimo todo, tu não vai conseguir honrar tuas obrigações no comércio. Quando chegou a vez dela, ela disse: não, eu vou dar o dízimo. E aí ela deu o dízimo todo. Na hora que ela deu o dízimo todo, manifestou o demônio na vida dela. Na linha africana, o espírito chama tranca-rua. Esse que mexe com o comércio das pessoas .

37 Esse depoimento decorreu da seguinte pergunta: “O que você acha dessas críticas feitas às Igrejas Neopentecostais de só se preocuparem com dinheiro? ”.

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Manifestou na hora ! O pastor repreendeu aquele demônio nela na hora, pois foi ele que estava colocando nela “não dê o dízimo”. Resultado: pessoas que deviam a ela há seis meses, que ela nem se lembrava mais, essas pessoas vieram até ela e pagaram. Quer dizer, há seis meses esse espírito estava nela, trancando a sua vida e atrapalhando financeiramente; foi naquele momento de dar o dízimo, que se percebeu o justo e o pecador. E o Senhor naquela hora se manifestou com sua presença e repreendeu aquele espírito. Resultado: sobrou dinheiro para ela comprar aquilo, etc., e pagar suas dívidas (...)”.

A partir desse relato, poderíamos identificar o seguinte esquema argumentativo :

a) Problema financeiro: - que advém de espíritos imundos - que são demônios: tranca-rua, pomba-gira - que mexe com o comércio das pessoas - que atrapalha a vida financeira b) O Dízimo (= dinheiro): no momento do dar acontece :

- o Senhor se manifesta com presença - repreende o demônio - situação financeira liberta - dívidas são restituídas - dívidas pagas - sobra dinheiro

A pergunta norteadora/motivadora no processo das entrevistas para esse estudo

era: “O que significa o dinheiro para você? ”. A fala da entrevistada era tecida do

lugar onde ela estava histórica e culturalmente situada no momento dado. As

associações provocadas pela palavra “dinheiro”, deixavam claro que advinham de

hábitos culturais adquiridos no espaço religioso em que se vive uma experiência

religiosa determinada; porém, isso não quer dizer que todas as associações e/ou

significados encontrados tenham esse mesmo lugar como originário. É claro que há

também coincidência com experiências anteriormente vividas.

Ao classificarmos semiologicamente o dinheiro como signo, estamos a

apresentá-lo como uma noção abstrata, ou seja, que faz apelos sensoriais que podem se

manifestar, por exemplo, pela alegoria, metáfora ou alusão a uma mitologia. É por isso

que a relação entre símbolo e seus significados sofrem mudanças constantes, fazendo

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que o significado ou significados fiquem mais ricos.38 Isto é que nos interessa

verificar.

1.2 Dinheiro e Significado

A pergunta sobre o significado do dinheiro (que constitui o plano de conteúdo)

foi remetida para “dízimo”, “oferta”, “propósito”, “sacrifício”, “bênção” como já o

dissemos, mas não somente a isso. Foi também remetida como indicadora de uma

dada situação financeira particular, submetida a forças sobrenaturais que agem

contrárias a um estado de bem estar. Assim, outros signos foram sendo tecidos a partir

da palavra “dinheiro”; e aqui voltamos à noção de interpretante que precisa ser

retomada, sob a visão de Umberto Eco, quando diz: “Todavia, a hipótese

aparentemente mais fecunda é a que vê o interpretante como outra representação

relativa ao mesmo objeto. Em outros termos: para estabelecermos o que seja o

interpretante de um signo, é mister designá-lo mediante outro signo, o vez, outro

interpretante, designável por outro signo, e assim por diante qual tem, por sua”. (Eco,

1997: 25/26)

Uma situação financeira particular, como a exposta no depoimento anterior (E.

nº 8), o interpretante é tudo aquilo que se apresenta como representação em torno do

“dinheiro”. Daí por diante, o processo de semiose passa a ser tomado quase como

ilimitado, pois um sucessivo leque de outros interpretantes passa a compor um

conjunto de significados que parece não ter fim.

Verifiquemos um pouco mais atentamente. No dia 19 de outubro de 1998, pela

manhã bem cedo, assistia a uma dessas reuniões da Universal, no templo da avenida

38 “O fato de os símbolos representarem uma idéia abstrata por meio de um objeto concreto faz com que estes conceitos fiquem mais tangíveis, daí a utilização dos símbolos nos movimentos de massa pela sua potencialidade em mobilizar as pessoas”. (Cf. Epstein, 1997: 59)

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Conde da Boa Vista, local antes ocupado pelo Banco Bozzano Simonsen. Um prédio

moderno situado bem no coração da cidade. Uma fachada toda em vidro fumê, piso de

mármore espelhado e um sistema de ar condicionado. Ao lado, o Banco Itaú, a Caixa

Econômica Federal e bem defronte ao Banco do Nordeste de Desemvolvimento, outro

de arquitetura moderna, suntuoso e como uma caixa suspensa no ar, apresenta-se de

forma imponente como se fosse uma catedral e seus sinos, ao som de um tilintar de

moedas. O templo da IURD parece se confundir com esses templos do capital

monetário, que absorvem para si o dinheiro da cidade, como se fosse o manjar de

deuses moedeiros; mas, a sua distinção se apresenta bem de frente, escrita em uma

faixa, ao confessar que é Jesus o Senhor, e que ali é uma casa de oração. A pomba

como emblema aponta que tudo ali se decide pelo poder do Espírito Santo, e não pela

face cunhada na moeda corrente. As reuniões nesse templo começam todos os dias às

sete horas da manhã e vão até a noite, sendo os cultos realizados de hora em hora, sem

intervalos. Pela parte da manhã, observei a participação de dois pastores na condução e

direção das reuniões. Era dia dedicado à "Corrente da Prosperidade". A leitura do

Evangelho: Jo. Cap. 6 – O conhecido episódio da multiplicação dos pães.

Depois da leitura, o pastor começou a sua pregação, perguntando Como seria

possível com cinco pães e dois peixes, Jesus ter multiplicado, e dado de comer a

cinco mil pessoas. E insistia dizendo que isso não tinha explicação, que as palavras

não conseguem explicar, que isso é um milagre. E enfatiza que o milagre não tem

explicação, que ele acontece e pronto.Explica o pastor, exemplificando, que é como

uma pessoa que está com câncer, e com ele acontece um milagre e logo depois, ela

volta para o médico, e o médico faz o exame e vê que ela está curada.

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E o pastor volta novamente ao exemplo da multiplicação, dizendo daquele

pouco que tinha sido multiplicado, é que era isso que iria acontecer com todos. E não

cansava de repetir que, quem quisesse receber o dobro do que já tem, tem que ter fé,

tem que se colocar à prova perante Jesus.

Daí por diante, o pastor insistia ordenando que todos teriam que dar, e dar não

só o que sempre deu, mas dar mais, ultrapassar aquela quantia que sempre se dar. E

conclui, afirmando que a fé verdadeira é assim. Nesse momento, levanta um homem e

pega o envelope que está sendo entregue e faz sua doação. O pastor põe a mão na sua

cabeça e começa a orar, dizendo que o Senhor abençoe a situação financeira desse

homem e que ele tenha o dobro do que ele vai dar em nome do Senhor Jesus.

O pastor continua insistindo na entrega dos envelopes, e diz que quer ali na sua frente,

cinco pessoas de fé para trazer na próxima segunda feira cinqüenta reais. E lança a

pergunta desafiadora: Quem tem fé? E três pessoas se levantam e pegam o envelope e

o pastor abençoa cada uma colocando a mão na cabeça e orando a mesma coisa, isto é,

pedindo para o Senhor, abençoe a situação financeira dessa mulher, desse rapaz e que

eles ganhem o dobro do que vão dar, em nome do Senhor.

E continua lançando outro desafio, agora baixando o valor a ser trazido numa

próxima segunda feira: trinta ou vinte reais. Depois diminui o valor para dez reais e

várias pessoas caminham até a frente. Para cada uma delas o pastor faz a mesma

oração com as mãos postas por sobre a cabeça dos fiéis. O envelope, devia ser trazido

dentro da Bíblia no capítulo 6 do Evangelho de João, e o pastor daria a benção para

que a vida dos doadores seja próspera. Assim, todos com os envelopes nas mãos, o

pastor pede que os levante e façam seus pedidos a Jesus e em voz alta.

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O pastor faz uma oração final. Em seguida, distribui o envelope do dízimo para

trazer no Domingo. Depois, distribui uma chave (feita de papel) e lembra da campanha

dizendo: “ o que está ligado aqui na terra será ligado no céu. Faça cada um o seu

pedido do que você quer ligar para ser ligado no céu”. E abençoa a todos.39

Entre o depoimento do entrevistado (E. nº 8) e o discurso do pastor da IURD

acima relatado, identificamos do ponto de vista da estrutura, uma forma constante de

abordar um determinado problema, que nos parece típica do campo neopentecostal

atual.

Claramente, há através desses dois relatos, (i) a identificação de um problema

na vida das pessoas (nos dois casos de ordem econômico-financeira ), e (ii) o

momento do dar (geralmente dinheiro), sempre em correspondência com a fé como

mediação imprescindível para que haja a superação do problema específico e daí, a

abundância/multiplicação/sobra.

Ao observamos bem, semioticamente, os dois sujeitos, das referidas falas, o

dinheiro, na condição de signo, é apresentado como uma linha que perpassa o tecido

social pessoal/individual (ênfase maior aqui) e coletivo; e desenha, com isso, uma teia

de significados como numa cadeia de coisas interligadas sem fim:

39 Essas reuniões que acontecem bem cedo da manhã, observei são freqüentadas na sua maioria por pessoas que estão se dirigindo ao seu local de trabalho. Pelo fato de o templo se situar bem no coração da cidade, muitos são comerciários, e um número grande de mulheres. Durante todo o dia as reuniões vão se dando uma pós outra até a noite.

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Jesus

Dinheiro Vida financeira

Dívidas

Espírito imundo

Desorientação financeira

Queda financeira igreja/pastor

Bênção

Oferta

Dízimo Situação financeira

Envelope liberta

Multiplicação

Sobra/Abundância/Milagre

A vida financeira foi tomada por um poder estranho ao que rege a

prosperidade: um espírito imundo tomou posse da vida financeira - é o "Devorador".

Como num rápido vôo de águia, eles se transportam e se instalam em um dos eixos

importante da vida pessoal: a economia. Assim, o demônio, uma vez instalado, põe em

prática seu projeto de debilitar a vida financeira desse indivíduo. A igreja (= pastor)

ressalta que é preciso reconhecer e identificar o inimigo, para que o combate resulte no

triunfo do redentor. E uma vez identificado onde fisicamente o demônio se "localiza",

e afirmando Deus como elemento positivo, potência superior à do demônio, que

destinado a vencer, este último entra em cena como um outro elemento que, mais que

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restituir a vida financeira "amarrada", restitui ao fiel a possibilidade de adequação ao

projeto divino: a oferta .

Através do desenho discursivo que o interpretante dinheiro assume, ao circular

no espaço religioso neopentecostal, percebe-se como este ganha não só significados

diversos, mas sentido, na medida em que esse discurso religioso em torno do dinheiro,

como aqui entendido por nós, seja visto e entendido como responsável por/produtor

dessas significações.

Nesse sentido, para um determinado fiel da IURD, importa o significado que

naquele momento historicamente determinado de sua vida em experiência religiosa, se

esteja atribuindo ao dinheiro, bem como as conotações que estão a envolver esse

referente. O lugar, o momento, as circunstâncias em que se encontra o fiel, se bem

captados pelo dirigente da fala em torno do referente, produzirá progressivamente uma

aceitação tácita de sentido que, dificilmente, o sujeito (= fiel) encontraria fora de sua

pertença ao grupo de que agora participa (como não encontrara em sua pertença

religiosa anterior). Como afirma Epstein, (1997: 23), o significado de uma palavra

“Depende de quem a usa, quando a usa, onde, com que objetivos, em que

circunstâncias e com que sucesso, ou como diz Wittgenstein: ‘para um grande número

de casos – se bem que não para todos – nos quais empregamos a palavra significado,

este pode assim ser definido: o significado de uma palavra é o seu uso na linguagem’”.

Isso tem uma explicação, do ponto de vista teórico, se levarmos em conta a

questão da “formação discursiva” em que o discurso religioso encontra-se inserido. Ao

tomarmos o lugar da fala do dirigente (= pastor=igreja), a formação discursiva

compreende o que o sujeito pode e deve dizer em uma determinada situação bem como

em uma determinada conjuntura, de forma que, “Remetendo seu discurso à ideologia,

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essa formação fará que suas palavras tenham um sentido e não outros possíveis. É pela

remissão à formação discursiva que se identifica uma fala”. (Orlandi, 1987: 17/18)

Na experiência iurdiana a fala tecida em torno do dinheiro, se dá a partir de

uma formação discursiva que, ao nosso ver, pode ser entendida como uma "gramática"

para a produção de nossos sentidos. Assim, podemos observar que, quando se fala

"colocar Deus à prova", deve-se ler exigir o que foi prometido; quando se fala de

"fidelidade/infidelidade", deve-se ler quem paga e quem não paga; quando se fala de

"fazer um propósito", deve-se ler determinar um valor em dinheiro. Isso explica nossa

atitude metodológica, seja vinda da teoria da representação social como da semiótica

da significação, isto é, procurando sempre entender de uma outra forma o que se diz,

face a essa característica de sobreposição de quê apresenta-se como dominante na

formação discursiva da Igreja Universal do Reino de Deus.

2. Sobre o Discurso Religioso

O discurso religioso caracteriza-se como aquele em que fala a voz de Deus: a

voz do pastor, do pregador, ou em geral, de qualquer representante seu - é a voz de

Deus. Se voltarmos nossa leitura ao discurso do pastor anteriormente descrito em torno

de sua compreensão sobre a "multiplicação dos pães" de João Cap. 6, ele dizia, num

determinado momento: Mas Jesus não fez isso sozinho, tinha um rapaz com ele e que

recolheu as primeiras ofertas e delas acontecia a multiplicação.

A seqüência presente no discurso é a seguinte:

Jesus

Rapaz ( sujeito institucional) (= obreiro/pastor)

Fiéis - Ofertas

Multiplicação

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O que nos sugere a seqüência acima, típica desse tipo de discurso, é que existe

um desnivelamento na relação entre locutor e ouvinte (o pastor/pregador e os fiéis): o

locutor - fundamentalmente mediador na relação com o divino - , como portador da

voz do "dono"(Deus), encontra-se legitimado, por isto tomando parte do plano

espiritual; e o ouvinte encontra-se identificado, nessa relação, com o plano temporal.

Os fiéis, na condição de ouvintes, se relacionam com Deus através da mediação

institucional eclesiástica, pois este se coloca e se apresenta como quem recebe

diretamente de Deus a "voz". "O locutor e o ouvinte pertencem a duas ordens de

mundo totalmente diferentes e são afetados por um valor hierárquico, por uma

desigualdade em sua relação: o mundo espiritual domina o temporal". (Orlandi,1996:

243)

Desse tipo de relação observa-se, então, que sendo o locutor quem recebe de Deus

a voz diretamente - e não só isso, sendo também quem recolhe as ofertas(=dinheiro),

situa-se, do ponto de vista do conhecimento e do poder, mais legitimado, com mais

verdade sobre o que diz de qualquer coisa e, mais que isso, legitimado para alçar uma

quantia em dinheiro como desafio a ser vencido para obtenção de prosperidade

financeira:

- "Aquele pouco que tinha Jesus multiplicou". - "Temos que dar gente, e não dar só aquilo que sempre deu". - "Temos que dar mais...". - "Eu não acredito que alguém não tenha nada para dar...". - "Estou com esse envelope e vou perguntar quem vem para dar". - "Eu quero três pessoas de fé(...)para trazer aqui(...)cem reais". - "Senhor, abençoa a situação financeira desse homem e que ele tenha o dobro do

que ele vai dar em nome do Senhor".

O ouvinte, o fiel, apresenta-se como destituído de poder e tão somente expressando

suas demandas para serem urgentemente resolvidas. Subjacente a esse tipo de discurso

observamos ainda, que a religião - como uma forma de representação -, abarca duas

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dimensões: a de concepção de mundo e a de atitude prática. Respectivamente, filosofia

e senso comum.

É desse dualismo que o discurso religioso se compõe, e é com esse esquema que

observamos o dinheiro enquanto signo ser tratado, na experiência religiosa iurdiana:

Plano humano Plano Divino

Ordem Temporal Ordem Espiritual

Sujeito Sujeito

Espírito

Homem.....Matéria Deus

Por estar o dinheiro situado no plano humano não quer dizer que seja negado.

Enquanto símbolo, é revestido de conteúdo (= imagens sígnicas) que o joga para cima,

no momento da bênção, transformado semioticamente em novos interpretantes, agora

pronto "a produzir [efeitos] numa mente interpretadora qualquer", como

oferta/propósito/desafio/sacrifício/dízimo...numa série indefinida.

2.1 O discurso, a Fé, o Dinheiro

Há um outro elemento importante que se mostra constitutivo dessa formação

discursiva, mas que não obstante, é parte do objeto imediato (o percebemos por dentro

do signo) e se encontra representado no signo. Ele não é só um elemento constitutivo

de um tipo de discurso que se verifica em um processo de análise discursiva. Ele é

mais. Refiro-me ao elemento "Fé ", recorrentemente associado à ação de dar :

- "Tem que Ter fé". - "A nossa fé deve ser assim...". - "quem tem fé". - "Quem vem aqui com sua fé". - "Quero cinco pessoas de fé". - "Trazer com sua fé".

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A fé está tomada pela hierarquia religiosa como elemento fundante da ação no

cotidiano dos fiéis. Todo o jogo econômico do discurso encontra-se amarrado

sistematicamente pela fé.

A fé participa no processo de semiose modificando a natureza do elemento

principal do nosso estudo, o dinheiro. Isto é, esse "modificar" é um remeter tal objeto a

um outro significado para fora dele mesmo, levando-o a constituir-se em um signo. O

que afirma a fé? Segundo o bispo Macedo, " Que o dinheiro é o sangue da Igreja, pois,

carrega consigo parte das vidas das pessoas (tempo, suor, inteligência e esforço para

ser conseguido)". (Macedo, 1996: 21)

A fé, no entrelaçar das palavras que soam do púlpito como sendo voz de Deus, e

tendo como referência imediata situações financeiras desajustadas, fracassadas,

miseráveis e amarradas pelos demônios - o que sustenta o tom econômico perante os

fiéis - , parece representar o objeto imediato aqui estudado. Até porque, ela é ainda

hoje a grande reserva subjetiva que cada pessoa tem (o sentido aqui é antropológico,

isto é, enquanto elemento vital e constitutivo da pessoa humana),40 sinônimo

fundamentalmente de confiança. No espaço religioso, ela é disponibilizada

gratuitamente e revestida assim, de uma nova qualidade com base agora, em conteúdos

tipicamente religiosos e específicos de uma determinada doutrina. Nesse sentido, ela é

suporte para uma esperança de bem estar econômico a ser alcançado, pois, é veículo

impulsionador da ação no cotidiano. Na experiência que observamos na IURD, o

tamanho dessa fé é medido com o tipo de sacrifício que o fiel a ele mesmo se impõe ou

40 Como dimensão antropológica, a fé constitui-se em um elemento vital e essencial. Ela atua como defesa, crescimento da vida. Sem dúvida alguma, ela é uma componente indispensável de toda existência humana. Nesse sentido, a fé tem a função de estruturar significativamente a existência, pois articula o mundo dos valores, elaborando critérios para que se possa aceitar ou rechaçar certos referenciais, que poderão se constituir em sentido para a vida. Nesse sentido, a fé necessariamente não está para a religião, assim como o movimento desta não segue necessariamente o da fé. (Cf. Derrida; Vattimo, 1997: 49)

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é lançado pelo pastor, como desafio. Se a questão é prosperidade econômica,

sacrifício 41 é sinônimo de dinheiro, e o desafio é alçado num valor pelo dirigente do

culto. A salvação não vem nunca pelo dinheiro, mas pela fé; contudo, o dinheiro é

expressão dessa fé, representa-a . A fé que se expressa no espaço iurdiano também

tem seus ícones, que são veículos comunicacionais em torno de nosso referente.

Citemos alguns exemplos.

1. O envelope do "dízimo dobrado", medindo 21cm de altura por 31cm de

comprimento, com um número 10 tomando conta de todo o envelope, indicando a

referência do profeta Malaquias cap. 3,10 e grampeada uma tarja com o dizer:

"Dízimo da Justiça".

2. Um outro envelope, um pouco menor, estampa o dizer, em letras garrafais : "Esta

é a minha vergonha. Porque, aonde iria eu com a minha vergonha?".

3. Um outro ainda traz o desenho da bíblia aberta, por trás desta raios de luz e o dizer:

"O dia da prova".

4. Há também o desenho de uma rosa com sete espinhos num envelope, e o pedido de

sete reais; pois, para cada espinho(=dificuldade) corresponde um real.

5. Uma chave feita com papel laminado e distribuído a todos, medindo 13cm de

comprimento e assim explicada: "A chave indica que o que ligarmos na terra será

ligado no céu, devemos nela escrever apenas o que se quer ver ligado no céu".

6. Um coração feito de papel jornal, que deve ser trazido numa próxima reunião

juntamente com um real, para ser abençoado (o dinheiro é pedido para cobrir as

despesas com os jornais dos quais foram confeccionados os corações).

41 " Aqui, o dinheiro ofertado para o sustento de Paulo, que estava fazendo um trabalho missionário, abrindo igrejas na Ásia Menor e na Europa, foi considerado como sacrifício aceitável e aprazível a Deus". (Cf. Macedo, 1996: 8)

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7. Distribuição de saquinhos com líquidos, sendo um com líquido incolor(água) e

outro, com um líquido cor vermelha; o fiel deve levar para casa e misturar os dois,

e em seguida, jogar por cima daquilo que se quer ver prosperar.

2.2 - Outros Objetos Signos e sua Relação com o Dinheiro

O que verifica-se com isso tudo, é que esses objetos/signos formam ou se expressam

como uma extensão dentro do processo de semiose em torno do dinheiro. Não são

coisas sem importância ou fúteis como aparentam ser, pois, constituem-se como

"ferramentas" de um trabalho, de um trabalho de representação simbólica maior;

poderíamos dizer ainda, uma mediação sígnica que tem como pano de fundo,

necessidades humanas que se desejam alcançar, tais como prosperidade financeira, ou

possuir algum outro bem material que seja naquele instante, expressão de carência

individual ou coletiva. "Todos os objetos são apanhados, no compromisso fundamental

de ter de significar, quer dizer, conferir o sentido social (...)". (Baudrillard, 1995: 13)

Uma rosa, um envelope, um saquinho com água, um martelo para bater no demônio,

uma porta para passar por ela, correntes de papel, saquinhos com sal e tantos outros

objetos, mesmo que sejam vistos e entendidos como uma operação técnica ou mágica,

"ganham o seu sentido na relação econômica do homem com o ambiente circundante"

(Ibid. p.9). E o ambiente que envolve toda essa dança simbólica é religioso, evangélico

e pentecostal de fim de século: o demônio está solto e amarrando nossas vidas. "Sai !

Sai ! Sai ! Queima ! Queima ! Queima !" - é o grito de exorcismo que põe em xeque o

que seria a verdadeira causa de qualquer miséria que se esteja vivendo.

O testemunho também compõe o quadro sintagmático funcional, haja visto

fazer parte constante da organização do ambiente que se prepara não só para expressar

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o litúrgico, mas alguma coisa de pertença social que ali se experencia: tudo, mais que

religioso, traz significação social, pois revela relação, identidade, saber e poder. E aqui

eu gostaria de trazer o aspecto ideológico. A rosa com espinhos, o envelope, correntes

de papel, saquinho com sal, uma chave de papel são todos objetos físicos enquanto tal,

mas ao compor o ambiente sagrado tornam-se símbolos religiosos que comporão,

como objetos-signos, um processo de ação também sígnica, em direção à uma

perspectiva de mudança de situação. Nesse sentido, esses objetos transformam-se em

signos ideológicos:

"Os signos também são objetos naturais, específicos, e, como vimos, todo produto natural, tecnológico ou de consumo pode tornar-se signo e adquirir, assim, um sentido que ultrapasse suas próprias particularidades. Um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico, etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.). O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico" (Bakhtin, 1997: 32)

O valor semiótico é valor de função e de significação. Se alguma coisa reflete e

refrata uma outra realidade, eis aí a eficácia ideológica dessa coisa transformada em

signo. É isso que acontece com o dinheiro no espaço iurdiano: " Costumo afirmar que

o dinheiro é o sangue da igreja, pois carrega consigo parte das vidas das pessoas

(tempo, suor, inteligência e esforço para ser conseguido)". (Macedo,1996: 21)

É isso que se passa nesse campo de criatividade, pois o espaço iurdiano a partir

do que verifiquei das reuniões nos templos, é de uma produção de criatividade

constante. É, a sua maneira, uma orientação para a realidade. Assim, o que se esconde

por trás da rosa com sete espinhos (= para cada espinho, um real sacrifício sete reais no

envelope) tem sua incidência na realidade individual que não objetiva apenas a

consciência, mas a própria realidade material/social mesma; e o desejo que subjaz é

sempre positivo, pelo menos no espaço da IURD, onde a fé é positiva e a tudo está

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ligada intimamente, ao ponto de a fé ser entendida como uma correia de transmissão

que movimenta o mundo material, conferindo-lhe novo sentido e significado:

" É fundamental dinheiro e fé. O que adianta você ter uma porção de dinheiro e você não ter fé? Dinheiro é uma coisa material, a gente não deve dar muita importância. A fé é que produz tudo isso, isto é, a conquista pelo dinheiro. Se você não tem fé, o dinheiro possa ser que venha, mas não vai ser abençoado com certeza(...). Se você não colocar a fé em primeiro plano, esse dinheiro não tem sentido". (E. nº 01 de 07/11/98)

A fé, como correia de transmissão que movimenta o mundo material dos

crentes iurdianos, nada mais é do que ação. O processo de semiose, já deixamos dito

nesse capítulo, trata da ação dos signos. E como disse Deely (1990: 46), se o futuro

exerce influência sobre eventos no presente, tem-se com certeza a semiose. Esta nunca

se acha confinada àquilo que foi ou é, mas emerge exatamente na fronteira entre o que

é e o que pode ser, ou ainda, o que poderia ter sido. E conclui o autor, dizendo: "Os

signos lingüisticos podem muito bem ser 'o fenômeno ideológico por excelência',

como disse Volosinov, mas a ação dos signos vai muito além do que chamamos

'língua', mesmo que seja pela língua que esse campo de ação signica nos é revelado"

(Ibid.: 1990:46).

E aqui volto a colocar, tudo isso se verifica em torno do dinheiro, primeiro que

tudo, porque este enquanto realidade material e subjetiva, é invenção humana e por

isso, se inclui no processo sígnico em que se encontra envolvido o ser humano. Assim,

a própria interação entre a pessoa humana e o ambiente físico, respectivamente entre o

fiel e sua freqüência ao templo e tudo o que ali se oferece, vai fazendo emergir sempre

mais fios que o ligam, dentro de um processo, a outros fiéis e ao próprio templo. De

um ponto de vista de antropossemiose (nível mais alto de semiose, incluindo todos os

processos sígnicos em que os seres humanos se envolvem), essa ligação não se encerra

a um determinado mundo específico, mas ganha sentido mais amplo.

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Ao investigarmos o dinheiro como componente simbólico dentro do espaço

religioso da IURD, constatamos então, que subjacente ao processo de interligações que

ele provoca, o destino não é o limite da posse sobre o mundo das coisas, mas, como

força de ação juntamente com a fé que o dinheiro representa,42 o destino é a posse da

totalidade do mundo com todas suas riquezas que pertencem à voz do dono: o Verbo

criador. É muito comum ao assistirmos um culto da Universal, vez por outra um pastor

conclamar a todos que venham tomar posse de todas as coisas e inclusive daquelas

que um dia perderam .

Esse "tomar posse" não tem limite, haja visto que todas as riquezas criadas por

Deus são para serem usufruídas, realizando assim, a felicidade esperada da parte do

crente; e cumprindo a justiça de Deus, cuja sua vontade, que a pessoa humana, para

ser feliz, deva possuir e desfrutar dos bens desse mundo.43

O que estou pretendo dizer com isso é que, no dinheiro, os fiéis da IURD

projetam também o seu desejo de posse, pois, claramente observa-se que através da

relação com esse objeto, há uma realização do espírito, isto é, o espírito se encarna

nesse objeto, tornando-o um veículo através do qual se atribui atividade, levando as

pessoas muitas vezes a ir "além". Dinheiro e fé no espaço iurdiano assim, se

42 "Enquanto objeto visível, constata Simmel, o dinheiro é a substância que encarna o valor econômico abstrato, da mesma forma que o som das palavras, fenômeno acústico e fisiológico, só tem significado através da representação que carrega ou que simboliza". (cf. Moscovici, 1992: 286 43 "Ora, os membros da Igreja Universal do Reino de Deus são, em geral, muito pobres ou miseráveis. Experimentam o desemprego, doenças, problemas familiares e de moradia, etc. Vivem, portanto, enquanto privados de posse, a situação diametralmente oposta àquela a que Deus os destinou. São chamados a possuir por vocação teológica; vivem a ausência da posse por situação econômico-política. Está, portanto, estabelecido o paradoxo religioso que explica toda a prática e o sucesso, da Igreja Universal e, por extensão, das novas seitas populares em geral". (Cf. Gomes, 1993:51) O autor menciona em nota sobre o verbete "miseráveis", uma pesquisa realizada em Salvador no ano de 1989, sob sua coordenação, na qual encontrou que, quase 50% dos fiéis da IURD são mulheres; destas, a pesquisa indica que 69,67% não trabalham fora de casa, o que conclui não perceberem salário para se manterem. E mais. O autor observa que 30% daquelas que trabalham fora de casa, apenas 5% desses, ganham mais de um salário mínimo. Conclui o autor em sua nota que, no cômputo geral, em se tratando de renda familiar, isso fica em torno de um a dois salários mínimos .

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constituem em uma ação sígnica, pois nesse espaço se revelam e se apresentam como

uma expressão adequada da relação do homem com o mundo.

Assim, nesse processo de semiose, o dinheiro se revela como signo através dos

fiéis que se vêem como que filiados a um determinado grupo/ instituição. Isso põe de

forma clara, o dinheiro como signo revestido de outros significados atuando como

signo de pertença social. É nesse sentido que ele ganha sua dimensão sociológica, pois,

como um objeto através do qual se revela um trabalho simbólico, percebemos que há

uma identificação social que fala, e esta é iurdiana, onde o dinheiro ocupa um lugar

numa ordem e muda a cada instante, conforme a estratégia mais conveniente à

instituição.

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Considerações

Finais

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Considerações Finais

Considerações e não conclusões. Seria difícil aceitar que chegamos a um fim, a

um final, e muito menos ainda que chegamos conclusão. O processo de elaboração de

um dissertação implica que, o aprendizado que daí decorreu, apenas, sinaliza para um

novo começo. As portas para conhecer continuam abertas, e o desafio que se coloca, é

um chamado para a continuidade da reflexão. Perspectivas outras poderão estar sendo

intuídas, e as imagens começam a dançar, e o processo como um curso de um rio, se

vai...

O estudo desenvolvido até o momento deixa, ao nosso ver, perfilar alguns

pontos que ora denominamos de "considerações finais". Esses pontos não são

intuições, como se fossem algo meramente subjetivo, mas considerações que decorrem

do nosso processo de análise. Também eles não encerram nada, porém, apontam e

sustentam o que já dissemos em nossos objetivos bem como confirmam algumas

hipóteses levantadas, que estão no corpo do nosso projeto; porém, não pretendemos

uma generalização sem medida. Esses pontos, portanto, continuam sendo questões a

serem retomadas por quem demonstra interesse pelo aprofundamento e produção do

conhecimento científico.

Eis nossas considerações:

1 - O dinheiro não é algo periférico no cotidiano religioso da Igreja Universal do Reino

de Deus. Ao compor o ethos atualmente presente dessa Instituição, ele se destaca como

elemento constitutivo da expressão da fé. Isto se verifica, por exemplo, também, pela

sistemática nomeação do dinheiro no próprio espaço cúltico iurdiano .

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2 - É patente a capacidade de construção representacional do dinheiro, feita pela

IURD. Isso explica interpretarmos o dinheiro nessa experiência religiosa, como uma

realidade dinâmica e sempre ancorada na categoria teológica iurdiana central, que a

"Prosperidade".

3 - A prosperidade financeira é o carro-chefe do discurso Neopentecostal iurdiano. Sua

visibilidade está no testemunho permanente que se dá nas reuniões, principalmente,

naquelas que se realizam às segundas-feiras, dedicadas exclusivamente à corrente da

prosperidade.

4 - A IURD desenvolveu uma concepção de religião que articula, de uma nova

maneira, fé e dinheiro, sem que isso repercuta em meio ao grupo dos fiéis, alguma

espécie de drama de consciência, por estarem a expressar sua fé tendo que juntar

dinheiro e religião.

5 - Uma das estratégias da IURD é conceber poupança e prosperidade como alicerce

básico da pregação dos pastores, como perspectiva de ação individual para os fiéis, e

do ponto de vista da sua teologia, como vontade de Deus que quer ver seus filhos

gozando de um mundo de abundância. Essa estratégia redireciona também,

principalmente, a escassez daquilo de que tanto se sofre e se deseja ter: dinheiro.

6 - O dinheiro, além de se constituir um meio de troca ou referência de valor, no

próprio espaço cúltico iurdiano, ele desempenha o papel de "desamarrar" as forças

negativas (demoníacas) que agem especificamente na vida financeira dos fiéis, quando

ofertado como dízimo.

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7 - No imaginário cristão da IURD, o dinheiro quando transformado em dízimo, ele

une recriando laços supostamente desfeitos por Satanás, resgatando com isso o desejo

humano de posse.

8 - A posse, é também categoria central na pregação da IURD e se constitui a forma,

através da qual, as pessoas se sentem no direito de dispor das coisas do mundo, de

todos os bens da terra. Tomar posse é um fundamento ético da identidade iurdiana.

9 - Oferta e sacrifício, são nomes de maior importância dado ao dinheiro no espaço

religioso da IURD, e como tais, simbolizam a destruição/aniquilação/ o fim de uma

vida amarrada por forças responsáveis em levar as pessoas ao "fundo do poço".

10 - A fé, é força impulsionadora de ação na vida de cada fiel, ela faz com ele coloque

para si mesmo um desafio: dar. Dar tudo que tem. Dar o melhor. Dar o dobro. Se há

dúvida, é sinal de que o demônio ainda age e só é expulso da vida do fiel, quando este

dar, e dar dinheiro, dinheiro ofertado.

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A P Ê N D I C E S

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APÊNDICE I

Como os membros entrevistados da Igreja Universal do Reino de Deus imaginam

o dinheiro. 44

O que segue corresponde a uma síntese representativa do conjunto das entrevistas

realizadas com os membros da IURD. Através dessas falas poderemos apreciar, por

exemplo, como funcionam certas estratégias elaboradas pelos membros oficiais da

instituição, para ancorar o dinheiro a representações já existentes na mente dos fiéis.

É importante frisar que todos os entrevistados deitam suas origens religiosas em uma

prática de religiosidade popular, seja de expressão pentecostal ou de catolicismo

popular, marcadamente situados no meio urbano da grande cidade.

Síntese das Entrevistas

E.1.a) - O dízimo representa a décima parte do nosso salário que temos que dar à casa do Senhor, para que a casa do Senhor Jesus permaneça e isso acontece por causa do nosso dízimo; E.1.b)- O dízimo representa o amor para com o Senhor Jesus. E.1.c)- Antes quando eu não era dizimista, o que acontecia comigo? Eu era infiel, dava quanto eu queria. Hoje não, hoje sou fiel, recebi tanto e tanto é de Deus e dou mesmo; eu não quero nem saber se tenho luz para pagar; E.1.d)- O dinheiro representa a nossa conquista através da fé ; E.1.e)- É dando que se recebe. Se eu dou ao Senhor Jesus, o Senhor Jesus vai me dar e muito mais do que eu dou para ele, porque ele tem poder de autoridade. E.1.f)- A campanha de Israel, por exemplo, você tem uma filha que está com câncer, e aí você vai prestar sacrifício; lógico que vai entrar dinheiro, lógico ele vai representar a tua fé. Temos que fazer sacrifício. É nosso holocausto. Se eu ganhei R$ 100,00 reais e tenho que fazer esse voto, deixo tudo e vou dar e Deus vai dar em dobro. É uma prova, temos que sacrificar!

44 Os depoimentos listados são precedidos de E (entrevista) + número seqüencial da entrevista + letras correspondentes aos destaques da entrevista do referido número seqüencial .

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E.2.a)- A gente acredita através da fé, que Deus é o Deus da prosperidade. Em Ageu, se não me engano, Ele é o dono de todo ouro e toda a prata. Então, se eu sou filho de Deus através do sangue de Jesus, eu tenho que conquistar tudo aquilo que eu tenho direito. Então, todo filho tem o direito a tudo aquilo que o Pai tem; E.2.b)- É através do dízimo e das ofertas que a igreja tem se levantado e tem pregado a palavra de Deus. Hoje só há uma forma do dízimo ser simbolizado, que é através da oferta em dinheiro, já que o dinheiro é algo que mexe com o homem. Então, aquela parte é de Deus e tenho que dar. A gente dar porque tem um retorno. E o retorno são as bênçãos de Deus. As dificuldades que encontramos em nossa vida nós clamamos a Deus e Deus tem que responder. No A.T. todas as pessoas que clamarem a Deus tiveram que sacrificar alguma coisa; E.3.a)- Se não fossem os dízimos e as ofertas que o povo traz à igreja, não teríamos a igreja aberta; e não tendo a igreja aberta, as pessoas não prosperam, não são curadas, não são libertas de espíritos malignos e não têm salvação. A pessoas que não dá o dízimo, que não dá a oferta, ela tem uma vida amaldiçoada. Trabalham, trabalham mas não conseguem progredir, elas não conseguem prosperar. A pessoa tira o dízimo do seu dinheiro, então dá a Deus e Deus se encarrega de abençoar a vida dele e dá o melhor para ele; E.3.b)- Existe um espírito devorador, ou seja, um demônio que quando a pessoa não dá o dízimo ele entra na vida da pessoa e devora tudo. E quando a pessoa dá o dízimo, Deus promete abrir as janelas do céu e derramar bênçãos sem medida; E.3.c)- Uma coisa é a pessoa trazer dinheiro para a igreja e outra coisa é a pessoa trazer oferta. Dinheiro, Deus não aceita, Deus aceita a oferta; porque a oferta tem a função de ganhar almas. A oferta na igreja não é a quantidade mas a qualidade, aquilo que sai do coração. O dinheiro quando não se dá de coração, quando não se dá como oferta para a casa de Deus, tem a função de fazer reparos na igreja, não serve para ganhar almas. E.4.a)- A Bíblia relata que existe três tipos de demônios: o devorador, o cortador, o migrador. Esses três demônios são presos através do dízimo. E.4.b)- O homem depende do dinheiro hoje para tudo. Se ele não tiver dinheiro não tem valor. É por isso que levamos as pessoas a fazer sacrifício, porque dói na pele a gente dizer que a oferta é de tanto e a pessoa perguntar por quê? Porque Deus está provando a sua fé! E.4.c)- Nós levamos o povo a uma fé. Nós falamos, olha fulano, você vai fazer um voto para com Deus de tantos reais; a pessoa vai fazer o quê? Vai fazer um sacrifício em cima disso aí, para alcançar aquele voto e pagar aquele voto; E.4.d)- A campanha de Israel é uma prova de tudo ou nada, é uma prova do cristão para com Deus; ou você crer em Deus ou não crer. Nós pedimos o voto de tudo ou nada, ou a pessoa crer ou não crer. Também nós não forçamos. O voto é o dinheiro. Ao fazê-lo a pessoa está dando prova de sua fé.

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E.5.a)- Na sexta feira o pastor pediu para todos trazerem na sexta seguinte três reais, e esses três reais ele disse que está ligado ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. O dinheiro está ligado com Deus, nós não estamos ligados com Ele? E.6.a)- No dia 15 (de novembro) vai ter a campanha da palavra. A gente pega um envelope, a gente está pegando até vinte reais, e coloca o propósito. Numa folha da bíblia a gente faz o pedido que a gente quer alcançar de Deus, ou seja, eu quero que Deus me abençoe na vida financeira, na saúde, na vida familiar, na vida sentimental...então a gente faz esse propósito e vamos lá no dia 15 exigir de Deus. E.6.b)- Para mim agora nesse momento cinco reais é sacrifício, porque eu não tenho de onde tirar, mas graças a Deus porque eu digo "vou pegar esse envelope de cinco reais", levo e luto, luto, luto e arrumo um jeito para cumprir esse propósito. O pastor diz que Deus tem de abençoar porque estamos tirando de tudo, de dentro da gente, porque é um sacrifício grande de quem não tem. Ele narra isso. E.6.c)- [ o que é o dízimo dobrado?] O dízimo em dobro é isso: em vez de colocar R$ 12,00 ( 10% de R$ 120,00 ), a gente coloca R$ 24,00. É outro propósito que eu estou de acordo. Se a gente quer mais então a gente tem que dar mais. E.8.a)- O dinheiro é recebido tanto quanto as outras coisas com ação de graça. O dinheiro não é o demônio, o dinheiro é uma bênção, como a televisão é uma bênção, como todo veículo de comunicação é uma bênção; E.8.b)- Essa paz, essa alegria, o dinheiro e tudo mais, só advém quando você faz crescer o nome do nosso Senhor Jesus Cristo; E.8.c)- Quando você pega num dinheiro em que você vai gastar numa carteira de cigarro, e dá na igreja, "Senhor isso aqui é uma oferta, eu estou dando de coração para tua obra", creia, esse dinheiro nunca fez e nunca fará falta a ninguém, ao contrário, a pessoa não sente falta desse dinheiro que dá a igreja; E.8.d)- Eu fiz um teste comigo mesmo. Eu tinha cem reais e tinha um pagamento no valor de cem reais, e naquela hora que o pastor tinha lançado a oferta, "quem tem cem reais", o meu coração disse dê. E fica dois pensamentos, um, você não dá; outro, você dá. Um é pelo espírito de Deus que é único. Eu dei. Aquele dinheiro não me fez falta, nem me acarretou danos com relação a minha obrigação que eu tinha de cumprir, meu pagamento. Não me fez falta, e eu fui abençoado! E.11.a)- A bíblia fala que o dízimo pertence a Deus. Quando o homem não dá o dízimo, quando nós não devolvemos o dízimo na casa de Deus, então a própria palavra de Deus fala que nós estamos roubando a Deus. Por isso que a bíblia diz "dar a Deus o que é de Deus"; E.11.b)- O dízimo não é uma oferta. O dízimo é uma obrigação. É devolver aquilo que é de Deus. A oferta é uma prova que a pessoa tem para com Deus, "prova-me com isto" diz o Senhor dos exércitos;

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E.11.c)- Os espíritos que atuam na vida financeira são: o cortador, o destruidor, o migrador, o devorador. Só que tem um, o devorador, que nós só podemos repreender através do dízimo. Se a pessoa não dá o dízimo na casa de Deus, então a vida dela passa a ser um fracasso; enquanto ela não der o dízimo o devorador não tem como ser repreendido, e nem sua vida financeira liberta ; E.11.d)- O propósito é o desafio. A prova. Se faz através da oferta. Se a pessoa quer receber ou alcançar algo, então, ela tem que provar a Deus. Se a pessoa não provar a Deus não tem como Deus fazer nada. É dando que se recebe, então se a pessoa quer receber ela tem que dar. E.12.a)- Depois que eu entrei na Igreja Universal do Reino de Deus, fui abençoada, porque eu cheguei na igreja no fundo do poço. A minha vida está sendo abençoada. O meu marido está para receber um dinheiro, e eu tenho certeza que ele vai ser abençoado. A prosperidade que eu me refiro é aquela onde na minha casa faltava tudo, faltava dinheiro, uma feira que fazíamos não dava...hoje não, dá para o mês todo. Deus tem abençoado. Quanto mais eu dou mais Jesus tem abençoado a minha vida; E.12.b)- O propósito é sempre uma coisa a mais, porque as pessoas dão aquilo que não têm, faz um desafio com Deus: coloca Deus na parede com uma coisa que ela não tem. ( essa coisa é dinheiro?) - É . Mas não como dízimo. É algo sempre maior. E.13.a)- Quando a gente compra algo na loja, aquela loja não quer deixar a promissória para amanhã ou depois não, ela quer receber naquele prazo; mesma coisa é o Senhor Jesus. Ele quer receber naquele dia. Naquele dia ali, aquele propósito, aquele sacrifício. É o tudo da pessoa . E.13.b)- Eu faço um propósito de cem reais, eu posso dar, é o meu sacrifício. Conseguindo, é uma honra para Jesus e alegria para o meu coração . E.13.c)- O diabo não quer que as pessoas sejam abençoadas, coloca dúvida na hora de dá o dízimo; porém, Deus quer que a pessoa seja abençoada . E.15.a)- O dízimo dobrado é um teste. É uma prova com Deus. Quando a pessoa dá o dízimo dobrado é porque ela está querendo resgatar alguma coisa. Mas não são todos que fazem isso, mas o interesse da pessoa é o resgate; isto está, se não me engano, em Deuteronômio . E.15.b)- Olhe, nós vemos o dinheiro como sacrifício, e a coisa mais difícil hoje que a pessoa pode se desfazer não é o pai nem a mãe, não é nada disso, mas o dinheiro; dói pra caramba você se desfazer de uma coisa quando isso é dinheiro.

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APÊNDICE II

Caracterização geral da área onde residem os membros da IURD

Os membros da Igreja Universal do Reino de Deus entrevistados nesse período,

residem nos bairros de Tejipió, Totó, Sancho, Coqueiral e Sucupira. Esses referidos

bairros estão situados na cidade do Recife, centro sul da Região Metropolitana. Essa

área se localiza a 13 km do centro do Recife e, segundo dados do IBGE ( Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística), Censo Populacional (Contagem Nacional da

População, 1996: 31; 80; 86; 90), possuem o seguinte número de habitantes: Sancho,

7.963; Tejipió, 7.929 ; Totó, 2.448; Coqueiral, 12.581. Quanto ao bairro de Sucupira,

por situa-se no município do Jaboatão dos Guararapes, o ffiGE, situado na rua do

Hospício, Recife/centro não possuía os dados referentes a população desse bairro.

Nessa área se localiza um dos distritos industriais da Região Metropolitana: o distrito

industrial do Curado.

Os bairros acima mencionados, corno todos os bairros de periferia, enfrentam

sérios problemas tais como: precariedade nos serviços de transportes, falta de

saneamento básico (calçamento, esgotos, coleta de lixo), falta de escolas, desemprego,

falta de assistência médica, falta de segurança, enchentes causadas pelos rios de

Tejipió e Manaus, quando em épocas de chuvas. No bairro do Totó existem duas áreas

de ocupação: Brasília do Totó e o Planeta dos Saguins .

Das instituições religiosas existentes na área se destacam: a) quatro templos da

Igreja Universal do Reino de Deus (sendo que dois estão situados em Sucupira e em

Cavaleiro, ambos no município do Jaboatão dos Guararapes, mas vizinhos dos bairros

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anteriormente citados); b) a Igreja Católica Romana, que conta com três templos e

duas capelas; c) o Centro Espírita "Humberto de Campos"; d) uma Igreja Batista, em :

Coqueiral; e) uma Assembléia de Deus, e f) uma Igreja Evangélica Congregacional,

ambas no bairro do T otó .

Quanto aos templos da IURD, dois situam-se onde antes funcionavam

supermercados de porte médio: "Mercadinho Econômico" (templo de Sucupira),

localiza-se próximo a entrada do loteamento Novo Recife, no bairro de Sucupira,

Jaboatão dos Guararapes; e "Mercado São Luiz" ( templo de Cavaleiro), localiza-se

bem ao lado do metrô de Cavaleiro e da feira pública desse bairro também distrito do

Jaboatão dos Guararapes. Os outros dois, do bairro do Totó e Tejipió, são galpões

alugados. O templo do Totó situa-se bem em frente a uma capela da Igreja Católica,

construída pelos próprios moradores católicos desse bairro.

O motivo principal de ter escolhido essa área para desenvolver o trabalho de

pesquisa de campo, se deve ao fato de suas características sociais serem de origem

marcadamente populares, por eStar situada na fronteira com o município do Jaboatão

dos Guararapes "velho" (distinção que os moradores da localidade fazem em relação a

ao distrito de Prazeres e de Piedade ), onde percebe-se um número bastante grande de

evangélicos, além do que também, minha militância política no movimento popular e

também de pastoral de juventude, se deram por vários anos nessa área o que facilitaria,

através do meu quadro de relação, os contatos necessários para a realização das

entrevistas, uma vez que o acesso aos membros da IURD para esse objetivo, não seria

tão fácil como de fato não foi.

A estratégia montada para a realização das entrevistas foi: a) saber de católicos

que passaram a freqüentar os templos da IURD; b) identificar através de amigos

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pessoas que pertencem a IURD; c) cada contato feito com pessoas da IURD, através

.dela chegar a um outro; d) não realizar entrevistas nos templos com os membros e

nem com os obreiros, priorizando as entrevistas nas casas; e) nos templos, realizar

entrevistas apenas com os pastores auxiliares e titulares.

Situações que dificultaram a realização de algumas entrevistas e que foram

condição dadas pelos entrevistados: a) não gravar dizendo o nome completo; não dizer

o nome do templo que freqüentava; c) pedir autorização do pastor; d) marcava- se o

dia da entrevista e na hora dava uma desculpa dizendo que não podia. Quanto aos

pastores, só 1 (um) não aceitou entrevista gravada; as realizadas foram feitas nos

templos, logo após o culto, com o pastor sentado em uma cadeira no altar e sempre

com a Bíblia na mão.

Situações interessantes que aconteceram durante a realização das entrevistas com

membros e alguns obreiros: orar por alguns minutos pedindo a Deus para guiar sua

fala; em algumas casas os familiares assistiam a entrevista e às vezes inesperadamente

um ou outro opinava sobre uma questão; ao falar da prosperidade apontava-se sempre

para algum bem material adquirido e que se encontrava na casa como: carro, armário

com mantimentos alimentícios, a carteira de trabalho assinada, a casa que morava, um

documento mostrando que ganhou um processo na justiça e que implicava recebimento

de dinheiro, o comercio que estava fazendo na casa -fabricação de vassouras, uma

academia de dança e ginástica, um salão de beleza, uma oficina de conserto de

eletrodoméstico e eletrônica -, após a entrevista pedir para ouvir tudo que foi gravado.

Os serviços religiosos oferecidos em cada templo durante a semana obedecem

ao seguinte calendário comum a todos:

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Segunda -feira -Corrente da Prosperidade

Terça -feira -Corrente da Saúde

Quarta -feira -Doutrina Bíblica

Quinta -feira -Família

Sexta -feira -Libertação dos demônios

Sábado -Voltado aos Problemas Financeiros

Domingo -Louvor e Adoração a Deus

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APÊNDICE III

Lista de nomes das Pessoas Entrevistadas

I -Entrevistas realizadas no mês de Novembro/98

Seqüência Dia Nome

01 12 Sandro José da Silva

obreiro/casado -templo de Tejipió

02 07 Jaciara

responsável por aconselhamento aos jovens e adolescentes/ casada/prof de dança/dona de uma academia/templo do Totó.

03 09 Edson Ferreira obreiro/casado de Tejipió

04 11 Rogério pastor/casado/templo do Totó

05 14 Célia Salustiana de Oliveira membro/casada/vendedora de cosméticos templo de Tejipió .

06 14 Jurema Maria de Oliveira membro/solteira/responsável por aconselhamento aos jovens/templo Tejipió

07 23 Maria de Lourdes Ferreira Lima membro/casada/cabeleireira/templo do Totó

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08 19 Emanuel da Rocha

membro/casado/templo de Sucupira

09 25 Paulo Ferreira

obreiro/casado/templo de Tejipió

II -Entrevistas realizadas no mês de Dezembro/98 10 01 José Carlos da Silva

pastor auxiliar/casado/templo do Totó

11 05 Maria José obreira/casada/templo de Tejipió

12 15 Maria José dos Santos

membro/solteira/templo de Sucupira

13 17 Edite Maria da Silva

obreira/casada/templo de Sucupira

14 31 Maria Conceição

obreira/solteira/templo de Tejipió

15 15 Alexandre pastor/casado/natural do Rio de Janeiro (não forneceu o nome completo; entrevista feita com anotações por escrito )templo de Tejipió.

16 17 Sr. Paulo da "vassoura"

obreiro/casado/trabalha produzindo

vassouras em sua casa/templo de

Tejipió

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17 03 Maria das Graças Amorim

membro/casada/templo de Tejipió

18 02 José Cosme obreiro/casado/aux. de serviços gerais templo do Totó

19 01 Lúcia Helena

membro/casada/o marido é obreiro e dono de uma barbearia/templo do Totó

20 01 Ana "cabeleireira"

membro/solteira/templo Sucupira

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B I B L I O G R A F I A

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