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A Remição da pena pelo trabalho como ferramenta da gestão da Responsabilidade Social Empresarial
Eider Nunes Moreira1 Ana Cristina Arcioni2
Resumo:
A partir de um olhar particular sobre o processo de globalização, este trabalho busca compreender as mudanças nos sistemas produtivos e, por conseguinte, no mundo do trabalho, retendo seus olhares nas interfaces da chamada sustentabilidade empresarial. Com o objetivo principal de estudar as inter-relações da habilidade empresarial, o conhecimento e a aplicabilidade dos três princípios: produtividade, proteção ao meio ambiente e responsabilidade social. Contextualizar estes princípios com as pressões constantes de mudanças e adequações geradas pela mundialização dos negócios.
Nesse sentido discutem-se, como asseveração, alternativas teóricas e práticas a guisa de contribuir para uma melhor compreensão da problemática em si. Como referência a questão da responsabilidade social empresarial, é apresentado o case de uma empresa jovem que implantou um setor de produção de puxadores de madeira para móveis em um cárcere na cidade de Joaçaba-SC, em conjunto com a Secretaria de Segurança Pública estadual e municipal que, aplicando o princípio da LEP – Lei de Execuções Penais do Código de Processo Civil Brasileiro. A formalização da remição da pena pelo trabalho procura ressocializar, integrar ao trabalho e dar a oportunidade de aprendizagem a detentos e, ao mesmo tempo, selar a sua preocupação com a responsabilidade social empresarial. Palavras-chave: Sustentabilidade empresarial. Responsabilidade Social. Remição da pena pelo trabalho.
1 Médico do Trabalho. Mestrando em Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente – Centro Universitário Senac – SP. e-mail: [email protected] 2 Psicóloga do Trabalho. Mestrando em Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente – Centro Universitário Senac – SP. e-mail: [email protected]
São Paulo 2007
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1. Introdução
Por muitos anos e, principalmente na pós-revolução industrial, as empresas se
preocuparam muito com o processo produtivo adotando modelos como o fordismo que
tinham como objetivo a produção em série e com alta produtividade e permanecendo por
anos como modelo de gestão administrativa de processos e pessoas. Com o
desenvolvimento social e mudanças nos conceitos de trabalho, produto e produção no
século XIX, se observou que o simples fato de produzir não bastava para a sobrevivência
das empresas, e que esta produção em escala desordenada criara ao longo do tempo
gigantescos passivos trabalhistas e ambientais. Não obstante, a sociedade civil começara a
se organizar e cobrar das organizações empresariais resultados mais efetivo em relação as
suas verdadeiras contribuições para a melhoria global das relações capital-trabalho e sócio-
ambiental, ou seja, sustentabilidade empresarial.
A globalização, como filha pródiga da lógica e da história do capital, mesmo
conjeturando várias desregulamentações, concorre, em contrapeso, regulamentos
específicos ou o controle em algumas áreas para se viabilizar.
Ademais, não obstativo os limites intrínsecos à qualidade das informações
oferecidas hoje ao trabalhador, a realidade vigente de avaliar o contexto empresarial e
explorar uma forma de manter o processo produtivo e de sobrevivência da organização
assegurando a manutenção da empregabilidade e gerindo os passivos relativos ao meio
ambiente. Defronte da nova dinâmica de acumulação de riquezas o termo sustentabilidade
reúne elementos para reflexão do meio empresarial, alicerçada em um tripé que exprime
produtividade, respeito e proteção ao meio ambiente e responsabilidade social.
No âmbito da gestão da responsabilidade social é importante que as empresas não se
atenham a fazer o básico e distribuir cestas de alimentação a comunidade, prestar
assistência financeira a escolas próximas, participar de inaugurações de empreendimentos
públicos, muitas vezes com o intuito eleitoral, ou criar vagas para menores aprendizes ou
portadoras de deficiência. Não que estas ações sejam de menor importância, mas o que hoje
se busca é que a organização tenha uma participação efetiva na resolução de problemas da
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comunidade e esta tenha a empresa como uma parceira e exista uma verdadeira simbiose
entre a empresa e a comunidade onde esta se encontra.
A responsabilidade social empresarial é o que vamos discutir neste trabalho
apresentado por meio de um case de uma empresa que aproveitou a possibilidade de
expandir seus negócios e transferiu parte de seu parque industrial para uma cadeia pública
possibilitando que detentos pudessem se valer da legislação de remição da pena por
trabalho.
Os resultados desta experiência combinados com um aprendizado social que
incorpora elementos de ação coletiva, experimentação social e políticas públicas inovadoras
apoiadas por elementos intensos de responsabilidade social empresarial. Enfim, mantendo
como eixo da análise a centralidade do trabalho e suas concreções particulares.
2. Entendendo o Sistema Prisional na sociedade contemporânea
Antes de nos determos ao case, destacaremos alguns aspectos inerentes. O conceito
prisão por si só remete ao cerceamento da liberdade que, muitas vezes, não está galgada
somente no direito de ir e vir. Há outros fatores humanos e sociais tácitos que se
manifestam quando há aplicação da pena restritiva.
O trabalho, como meio de subsistência e expressão do mais alto grau de produção e
realização humana, está esvaído ao longo do cumprimento da pena e é apenas um exemplo
da ampla inibição causada pelo sistema prisional restritivo.
Parafraseando SALIM (2002), na realidade, os principais questionamentos sobre o
papel do trabalho, invariavelmente, enraízam-se em diferentes escolas do pensamento
social, como a economia política clássica, o marginalismo, a economia neoclássica, a
separação desta última de outras ciências sociais, o surgimento e a ascensão da Sociologia e
da Psicologia Industrial, as subseqüentes contribuições da Sociologia do Trabalho e, mais
recentemente, as novas facetas advindas com a maior especialização da Administração
através, por exemplo, dos chamados “Sistemas de Gestão” – dentre eles aqueles referidos à
qualidade de vida no ambiente de trabalho, mormente com foco em ações preventivas e
saúde do trabalhador. Particularmente, estes perpassam pelo menos por três dimensões: as
discussões acerca da centralidade do trabalho na vida dos trabalhadores (OFF, 1989);
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segundo, a incorporação da importância na constituição de subjetividades, identidades e
ações coletivas através das relações de trabalho (LIOTARD, 1985); terceiro, as imbricações
da organização do trabalho com o meio ambiente na configuração de particularidades
atinentes aos problemas sócio-ambientais emergentes.
Para muitos autores a prisão é um mal necessário, mas que deve ser guardada para o
criminoso que é realmente pernicioso para a sociedade.
A pena não constitui tão somente castigo nem exclusivamente meio de correção e readaptação. A variedade de seus objetivos, em que esses se incluem, desdobra-se em outros aspectos, entre os quais o da prevenção geral. (...) Continua a exercê-la em cada caso de sua aplicação, pela advertência, que estabelece, ao meio social em que agiu o delinqüente. Pelo menos esse resultado, ligado à função geral-preventiva, a medida penal já terá alcançado no momento em que se verifique a necessidade de ser o sentenciado removido para um estabelecimento de cura. É o suficiente para não de poder dizer que a pena foi inteiramente inútil (...). (GARCIA, 2002, p. 480).
O Brasil não possui uma política explícita voltada para o trabalho prisional, apesar
de inúmeros projetos que visam modificar e melhorar a Lei de Execução Penal 3, em seu
artigo que trata da remição da pena através do trabalho, insistir no trabalho como finalidade
produtiva, educativa e remunerada, respeitada a vontade e a aptidão do detento.
Na realidade, vários fatores contribuem para esse quadro, dentre eles estão as
dificuldades encontradas no âmbito de aplicação da lei de execuções e as condições físicas
e de logística nos presídios brasileiros. Há muitas empresas e instituições do poder público 3 Lei de Execução Penal – Titulo V, Da execução das Penas em Espécie – Capítulo I, Das Penas Privativas de Liberdade – Seção IV, Da Remição: Art. 126 – O condenado que cumpre pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena. § 10 – A contagem do tempo para fim deste artigo será feita a razão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho. § 20 – O preso impossibilitado de prosseguir no trabalho, por acidente, continuará a beneficiar-se com a remição. § 30 – A remição será declarada pelo juiz da execução, ouvido o Ministério Público. Art. 127 – O condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando um novo período a partir da data da infração disciplinar. Art. 128 – O tempo remido será computado para a concessão de livramento condicional e indulto. Art. 129 – A autoridade administrativa encaminhará mensalmente ao juízo da execução cópia do registro de todos os condenados que estejam trabalhando e dos dias de trabalho de cada um deles. Parágrafo único – Ao condenado dar-se-á relação de seus dias remidos. Art. 130 – Constitui o crime do art. 299 do Código Penal declarar ou atestar falsamente prestação de serviço para fim de instruir pedido de remição.
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que, através da remição, se dirigem no caminho da dignificação do trabalho de detentos e
instituem um contexto social favorável a ressocialização e participação efetiva atuando
dentro dos parâmetros da responsabilidade social.
Para efeito demarcatório, pondera-se que no Brasil haja cerca de 160 mil presos em
cadeias públicas e 60 mil em delegacias. Não existe um trabalho de cunho quantitativo e
qualitativo no sentido de mensurar o número de trabalhadores e se este trabalho é produtivo
e de cunho socializante. Os estudos que logram o tema, afirmam que somente uma parcela
minúscula de presidiários e, mesmo assim, concentrada nos serviços de limpeza dos
pavilhões, pequenos reparos, ajuda na cozinha, ou seja, trabalhos que não exigem
qualificação. Concretamente, como se multiplicam as posições temporárias e intensivas
constata-se claramente que há precariedade dos investimentos empresariais neste cenário.
Poucas empresas repassam aos presos trabalhos manuais em couro e vime, como trabalhos
manuais em bolas de futebol, acabamento em móveis e outros – em escala quase
insignificante.
O estado de Santa Catarina não foge a realidade brasileira em relação à situação
carcerária enfrentando dificuldades de superlotações, demora no trâmite processual,
precárias e obsoletas acomodações prisionais, falta de profissionais habilitados para lidar
com os detentos, pouco contingente, entre tantos outros problemas já bem conhecidos do
poder público e da sociedade. Na figura 1, estão representadas as regiões de abrangência do
sistema carcerário catarinense: a região norte em ocre, região oeste em azul, vale do Itajaí
em marrom, planalto serrano em vermelho, grande Florianópolis em azul claro e região sul
em verde.
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Figura 1 - Mapa do estado de Santa Catarina por regiões de abrangência do sistema prisional
Fonte: DEAP-SC
A região oeste conta com uma rede de 07 unidades prisionais que são: cárcere de
Chapecó, penitenciária de Chapecó, casa do albergado de Chapecó, presídio de Concórdia,
cárcere de Joaçaba – local da realização do trabalho de pesquisa para apresentação do case,
cárcere de Xanxerê e Unidade prisional avançada de São Miguel do Oeste.
Hoje, o Cárcere Municipal de Joaçaba acomoda detentos de toda a região e tem
capacidade para 42 detentos, mas abriga 102, dos quais 76 em regime fechado e o restante
no sistema aberto e semi-aberto.
Segundo informações estatísticas publicadas no DEAP – Departamento de
Administração Prisional, órgão da Secretaria de Segurança Pública do estado de Santa
Catarina, e relatados na tabela 1, em relação aos números do sistema prisional Catarinense.
Avaliando a quantidade de detentos participantes de programas de Laborterapia, observa-se
que o número de detentos do sexo feminino é infinitamente menor que do sexo masculino e
composto basicamente por brasileiros natos. A Laborterapia é responsável por ocupar,
praticamente, 50% dos detentos e significativamente maior em trabalho interno do que
externos.
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Tabela 1 – Laborterapia / estatísticas PRESOS INTERNADOS NO SISTEMA PRISIONAL CATARINENSE Publicado em 29/03/2007 Sexo Feminino 811 Sexo masculino 9.597 TOTAL 10.408 PRESOS POR NACIONALIDADE Publicado em 28/03/2007 Brasileiro Nato 9.738 Brasileiro Naturalizado 5 Estrangeiro 29 TOTAL 9.772 PRESOS EM PROGRAMA DE LABORTERAPIA – TRABALHO EXTERNO Publicado em 31/01/2007 Administração Direta 332 Administração Indireta 35 Empresa Privada 175 Outros 148 TOTAL 690 PRESOS EM PROGRAMAS DE LABORTERAPIA – TRABALHO INTERNO Publicado em 31/01/2007 Apoio ao Estabelecimento Penal 1.360 Artesanato 1.438 Atividade Rural 278 Outros 2.104 TOTAL 5.180 Fonte: DEAP, 2007.
3. O Case da empresa Indústria e Comércio de Puxadores Criativa Ltda – O contexto empresarial e sua interface social
A Indústria e Comércio de Puxadores Criativa Ltda. é uma empresa de capital
fechado, de propriedade do empresário Adão José de Lima, fundada em 19/10/1995 como
Fábrica de Toldos Joaçaba e permaneceu neste ramo de atividade até 10/03/2002 onde
mudou sua razão social e passou a operar no ramo industrial de produção de puxadores de
metal e madeira para móveis. Hoje, localizada no parque industrial da cidade de Joaçaba,
possui pontos de venda em várias regiões do Brasil. No ano de 2007, conta com trinta
funcionários diretos e oitenta indiretos. Objetivando mudanças no processo de trabalho,
sobretudo em formações capitalistas periféricas, a empresa Indústria e Comércio de
Puxadores Criativa vem se integrando a estas mudanças, caracterizado pela justaposição de
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formas tradicionais e inovadoras, investindo em sua principal fonte de recursos – o capital
humano.
Por meio de um projeto inédito na região a empresa instalou um setor de produção
industrial dentro da unidade prisional. A elaboração do projeto começou em meados de
abril de 2004 e tramitou durante um ano buscando elementos que viabilizassem a sua
implantação.
A par desse quadro e das inovações organizacionais relevantes que causaram
impactos imediatos no processo de trabalho da empresa como um todo, em 29 de abril de
2005 a direção da empresa, durante um ato inaugural que contou com a presença
autoridades do poder público ligados a Secretaria de Segurança Pública do estado de Santa
Catarina, o projeto foi implementado.
Desta forma, ante a verticalização da Indústria e Comércio de Puxadores Criativa,
promove-se a terceirização, uma das atividades passa então a ser externalizada,
possibilitando maiores trocas intersetoriais, a diversificação e a ampliação do setor de
serviços, entre outros. Por meio da parceria entre a empresa, a Secretaria de Segurança
Pública de Santa Catarina e o município de Joaçaba o projeto passa a ser realidade e para
sua implantação a empresa buscou base legal na Lei de Execuções Penais em seu artigo 126
– Da Remição da pena pelo trabalho – e com isso a redução dos custos de produção e
participação de um projeto social importante como a reintegração dos detentos ao mercado
de trabalho mesmo antes do cumprimento total da pena.
Após todos os trâmites legais, o maquinário do setor da fábrica de produção de
puxadores de madeira para móveis foi instalado em um barracão no Presídio Regional de
Joaçaba, sendo o trabalho realizado apenas por apenados que foram selecionados pela
direção do presídio.
O projeto social foi estendido primeiramente a 13 detentos, do sexo masculino, que
cumpriam pena em regime fechado e semi-aberto, mas com a intenção de aumentar este
número para 25 em cerca de seis meses. Todos eles foram capacitados por profissionais da
própria empresa a fim de melhor compreender o processo de fabricação e como elaborar a
construção do conhecimento e valores nas práticas sociais.
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Ainda na direção do aprofundamento da divisão do trabalho social, novos
segmentos, refletindo a necessidade de rever outro componente importante, a empresa
investe na avaliação das respostas do poder público às pressões crescentes por participação
democrática e a demanda universal pelos direitos da cidadania.
A proposta do projeto é trabalhar ação coletiva, onde deve imprimir os rumos dos
programas de inclusão social atrelado a responsabilidade social empresarial cumprindo seu
papel na prática. Pretende ultrapassar o ensino e os estudos fragmentados e setorizados para
que haja uma abordagem lastrada no pensamento sistêmico mediante equipes
interdisciplinares, diálogo com os profissionais de outras áreas, grupos de trabalho,
parcerias entre empresas e poder público, enfim, todas as formas de organização social com
potencial de mobilizar e motivar outras formas de atuação social.
Criando uma cultura de Responsabilidade Social
De acordo com Pochmann:
(...) próximo a redução do emprego direto e da maior subcontratação de trabalhadores, no caso presidiários, as novas relações de produção e as formas de gestão se traduzem em alterações tanto na organização da produção - ou seja, just in time, layout, logística, redução do tamanho da planta, terceirização e parcerias com fornecedores – como na organização interna do trabalho, com redução de hierarquia, trabalho em ilhas, trabalho mais qualificado no núcleo estável e pouco qualificado nas atividades secundárias. (1997, p.35-6)
O desafio é reverter a situação e oferecer aos detentos segmentos sociais de
qualificação e aperfeiçoamento para inseri-los numa sociedade mais justa e humana.
De acordo com Varela em seu livro intitulado Carandiru tenta nos fazer refletir
sobre o sistema prisional brasileiro e as perspectivas do ex-detento ser produtivo após o
cumprimento da pena. Remete-nos a compor valores sociais que talvês não saibamos
apreciar da mesma forma que sente um detento antes e depois da pena privativa de
liberdade:
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(...) Não há perspectiva para a reinscrição desses indivíduos na sociedade de forma produtiva, pois não há nem mesmo perspectivas para aqueles que nunca foram criminosos, com todo esse desemprego e precarização do trabalho. Se nem os trabalhadores honestos dá perspectivas, que dirá os escorregaram para o crime. O criminoso está no último degrau da escala de prioridades. Está no fundo do poço. No fundo da privada de uma megalópole de terceiro mundo. É por isso que observá-los em Carandiru é o mesmo que observar a nossa decadência final enquanto sociedade (...). (1999, p. 56)
Criar oportunidade de trabalho remunerado é ter um instrumento de cidadania que
vem ao encontro das demandas de formação e qualificação profissional, integradas às
demandas de trabalho e renda aos detentos do Presídio Regional de Joaçaba minimizando a
situação de exclusão social. O diferencial deste trabalho é que não se trata de um feito
isolado, mas de um processo integrado de formação e qualificação do detento beneficiário,
criando assim um ambiente positivo para o desenvolvimento institucional, comunitário e
produtivo, de forma articulada, visando à elevação do status social deste público e, evitando
assim, uma situação de vulnerabilidade social.
As ações do projeto visam à produção de puxadores de madeira para móveis em
escala industrial e para isso tem como meta inicial a fabricação de 200 mil peças por mês.
Em médio prazo, com a instalação de novos equipamentos deve-se aumentar em até cinco
vezes a produção. Isso poderá gerar uma renda mensal de até R$ 300,00 para cada detento.
O trabalho realizado obedecerá à carga horária prevista na CLT, de 44 horas semanais, das
8h às 11h45min e das 13h30min às17h45min e, aos sábados, pelo período da manhã.
Além disso, será aplicado o principio da Remição da pena, ou seja, a cada três dias
trabalhados o preso tem a redução de um dia na pena. Também para os detentos que
quiserem terão emprego garantido na empresa quando deixarem o presídio.
A idéia do projeto é justamente abrir espaços, na prática, com envolvimento social,
econômico e político formando atores sociais capazes de acompanharem e produzirem um
processo evolutivo.
Desta forma pretende-se:
Resgatar a auto-estima do detento através da organização, formação e
qualificação articuladas com as demandas de geração de trabalho e renda,
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com o intuito de impulsionar o desenvolvimento local e a utilização racional
de suas potencialidades;
Consolidar o processo de estruturação e organização dos detentos visando à
participação no mercado de trabalho;
Despertar o interesse e capacitar os detentos nas áreas de cooperativismo,
economia solidária e auto-gestão;
Despertar talentos e potencialidades, desenvolver aptidões, incutir noções de
cidadania;
Prepará-los para desenvolverem atividades voltadas ao diálogo social,
educação profissional, políticas de trabalho e renda;
Estimular outras empresas a participar de projetos sociais que envolvam a
comunidade.
O projeto é voltado à recuperação dos presos e ao mesmo tempo de qualificá-los
para a inserção no mercado de trabalho. O exemplo disso é que as “prisões privadas” dos
Estados Unidos, Inglaterra, França e outros países, são presídios dentro dos quais se
instalam empresas que utilizam a mão-de-obra dos presidiários pagando o seu salário e o
uso das instalações. Os Estados Unidos possuem uma colossal população de presidiários –
em torno de dois milhões. O país gasta cerca de US$ 50 bilhões por ano nesse campo. Cada
preso custa aos estados US$ 25 mil anuais, em média. (CARTER, 2006).
Análise dos resultados após dois anos de implantação do Projeto
No lapso temporal entre a data da avaliação do projeto em abril de 2005 e a data da
última análise em abril de 2007, onde se passaram dois anos, é notável a satisfação e
obtenção de resultados positivos para todos os atores envolvidos. Em relação ao
investimento da empresa Indústria e Comércio de Puxadores Criativa Ltda. que foi da
ordem de cento e quarenta mil reais, à época, e obteve um resultado de trinta por cento no
primeiro ano e atualmente conta com acréscimo de cinqüenta por cento em relação ao ano
anterior, onde concluímos que foi um bom investimento do ponto de vista econômico para
a empresa. O número de detentos internos que trabalham no projeto variou entre 10 e 25
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pessoas, neste número estão incluídos aqueles que estão em regime fechado, ou seja, cela-
trabalho em torno de 6 pessoas. Para o regime semi-aberto a empresa construiu uma casa
modesta nas dependências do presídio onde os detentos podem permanecer fora do horário
de trabalho. A empresa remunera os detentos na ordem de R$ 6,00 (seis reais) o milheiro de
peças produzidas e deste total 25% é repassado para o Fundo Penitenciário do Estado de
Santa Catarina – FUPESC e o restante rateado entre todos os detentos com uma média de ½
salário mínimo mensal.
O número total de detentos que foram consagrados com a remição da pena neste
período foi de 60 (sessenta) pessoas, sendo que apenas 01 (um) dos que receberam
liberdade total retornou ao presídio como reincidente. Durante este tempo os detentos
conseguiram passar do regime fechado para o semi-aberto e do semi-aberto para o
cumprimento total da pena, porém as penas mais longas demoram mais tempo para
completar o ciclo de trocas de regime e existem detentos que mesmo beneficiados pela lei
da remição ainda não conseguiram cumprimento total da pena.
O número total de dias abatidos por remição, por detento que trabalhou foi, em
média, 168 de dias no período considerado de abril de 2005 a abril de 2007. No mês de
janeiro de 2007, houve um termo aditivo ao convênio4 firmado entre a Secretaria de Estado
da Segurança Pública e a empresa dando novas oportunidades de trabalho a seis detentos do
regime semi-aberto que passaram a trabalhar nas dependências da empresa no parque
industrial durante o dia e pernoitam no presídio. Passaram a receber um salário mínimo
4 Segundo Termo Aditivo ao convênio n0 18.988/2005-7, celebrado entre o Estado de Santa Catarina, por intermédio da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa do Cidadão, Fundo Penitenciário do Estado de Santa Catarina, por meio do Departamento de Administração Prisional, através do Presídio Regional de Joaçaba e a Indústria a Comércio de Puxadores Criativa Ltda. ME (...) das Obrigações da Secretaria/Presídio XIII – Disponibilizar mediante previa autorização judicial, os reeducandos que cumprem pena no regime semi-aberto, a exercerem a atividade laboral na sede da Empresa, na quantidade proporcional a 10% do numero total de funcionários da Empresa. (grifo nosso). XIV – Proporcionar o transporte para os reeducandos no itinerário presídio-empresa e vice-versa. (...) das obrigações da empresa IV – Remunerar os reeducandos mensalmente na ordem de 01 (um) salário mínimo vigente no país; V – Fornecer almoço aos reeducandos do regime semi-aberto que estiverem desenvolvendo os trabalhos na sede da empresa. Termo assinado pelo Secretário de Estado de Segurança Pública e Defesa do Cidadão, gestor do FUPESC; Diretor de Administração Prisional, Diretor da Empresa.
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mensal, melhorando a sua remuneração e qualidade de vida. Existem também dois ex-
detentos que, durante este período conseguiram liberdade total pelo cumprimento da pena e,
ao deixar o cárcere conseguiram emprego na mesma função em que trabalhavam quando
ainda estavam detentos passando a ter todos os direitos trabalhistas, com carteira de
trabalho assinada e renda mensal média de dois salários mínimos.
A empresa no ano de 2005 ganhou o troféu “empresa cidadã” pela realização do
projeto social de inclusão de detentos ao mercado de trabalho, projeto este inédito no estado
de Santa Catarina.
4. Conclusão
A dramática situação do trabalho em penitenciárias brasileiras vem sendo
lentamente melhorada no seu contexto de qualificação e oportunidade profissional. O
mercado de trabalho que, muitas vezes, se torna como um local desconhecido, inumano, e
se projeta do mercantilismo ao mercado global, podendo reduzir todos os trabalhadores ao
mesmo patamar de pobreza e sofrimento cultural, agora, se abre para uma nova perspectiva
de envolvimento laboral e social.
Na atualidade, todo o empreendimento precisa estar focado na sustentabilidade do
negócio e passa, sem dúvidas, pela incorporação de medidas administrativas que
privilegiem a gestão da produtividade, respeito e proteção ao meio ambiente e
responsabilidade social empresarial. Para isso a organização deve criar mecanismos de
aproximação dos atores sociais e criar um cenário favorável à propagação das idéias e
realização dos projetos que unam estas realidades.
Trabalho como o case Indústria e Comércio de Puxadores Criativa, proporciona
soma a dois aspectos inter-relacionados: a noção da eficiência pessoal (auto-eficiência) e a
de valor pessoal (auto-respeito), que complementam-se produzem uma qualidade de vida
realizável. A auto-eficiência - que significa confiança no funcionamento de nossa mente, na
capacidade de pensarmos, nos processos por meio dos quais refletimos, compreendemos,
escolhemos e decidimos com segurança - e o auto-respeito – que significa a certeza de
nossos valores, gera atitudes afirmativas diante de nosso direito de ser feliz, e a sensação de
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conforto ao reafirmar de maneira apropriada os nossos pensamentos, vontades e
necessidades. Fator essencial para a eficácia de qualquer projeto com foco no
desenvolvimento humano.
A adesão dos atores e das instituições públicas e privadas dá a certeza de que os
participantes estão engajados a uma idéia de trabalho coletivo como aconteceu com a
parceria entre a Indústria e Comércio de Puxadores Criativa Ltda e o Presídio Regional de
Joaçaba. A mudança de mentalidade e a incorporação de novas práticas devem ser obtidas
na base do conhecimento dos resultados e benefícios que o detento passa a receber tanto do
ponto de vista social como na prática diária em seu trabalho como recluso. Sabe-se que
somente a consciência do detento não é suficiente para captar a adesão da coletividade. A
facilidade do manejo, a possibilidade de melhoria e redução de custos do processo de
produção e a amortização de custos para o estado são extremamente importantes e devem
ser efetivados.
Em face disso, quando a relevância econômica e social é confrontada com dados,
nos mostram experiências, práticas e dilemas e se transformam em instrumentos da
construção e consolidação de objetivos comuns alicerçados em desígnios diferentes que se
integram. As vantagens sociais são muitas, dentre elas o apoio à família do detento na
forma de renda mensal; redução do tempo da pena por remição; encaminhamento
profissional para a vida fora da prisão. Enfim, uma relação onde todos ganham e é, sem
dúvida, o caminho a ser seguido, melhorado e aplicado por vários seguimentos
empresariais.
A ambigüidade desses pilares históricos do trabalho é, sem dúvida, o problema
crônico da educação, que faz do empreendedorismo uma das melhores alternativas para o
desemprego e desenvolvimento social.
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Referências
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