a relevância da filosofia de schopenhauer para a...

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A Relevância da filosofia de Schopenhauer para a Educação Infantil Luciana Ventura Silva Monografia do Curso de Pedagogia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Licenciada em Pedagogia. Nova Iguaçu, 13 de dezembro de 2019. Aprovada por, Orientador - Prof. Dr. Renato Noguera dos Santos Júnior Prof. a MSc. Mônica da Silva Francisco —UFRRJ/IM Prof. MSc. Erivelton Thomaz da Silva —UERJ/FEBF UFRJ

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A Relevância da filosofia de Schopenhauer para a Educação

Infantil

Luciana Ventura Silva

Monografia do Curso de Pedagogia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Licenciada em Pedagogia.

Nova Iguaçu, 13 de dezembro de 2019.

Aprovada por,

Orientador - Prof. Dr. Renato Noguera dos Santos Júnior

Prof. a MSc. Mônica da Silva Francisco —UFRRJ/IM

Prof. MSc. Erivelton Thomaz da Silva —UERJ/FEBF

UFRJ

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO MULTIDISCIPLINAR

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

A RELEVÂNCIA DA FILOSOFIA DE SCHOPENHAUER PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

LUCIANA VENTURA SILVA

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Nova Iguaçu, dezembro de 2019

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO MULTIDISCIPLINAR

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

A RELEVÂNCIA DA FILOSOFIA DE SCHOPENHAUER PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

LUCIANA VENTURA SILVA

Monografia apresentada ao final do Curso de Pedagogia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Licenciado em Pedagogia. Orientador: Prof. Dr. Renato Nogueira Coorientador: Prof. Dr. Rogério Luis da Rocha Seixas

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Dedico este trabalho aos meus amigos e familiares.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus por ter me fortalecido e ter chegado até aqui em

meio a tantas dificuldades e limitações.

Agradeço aos meus familiares e amigos, os verdadeiros amigos que me auxiliarão a

permanecer firme diante dos entraves do cotidiano. Pelas palavras de conforto e por

lutarem junto comigo nesta tarefa tão difícil que é ir atrás de um grande sonho.

Agradeço ao meu orientador Renato Noguera pela orientação e paciência. Por

acreditar na minha capacidade neste trabalho acadêmico.

Agradeço ao meu coorientador Rogério Seixas, por seu retorno e críticas

construtivas, por sua compreensão nos meus momentos de inquietação e por

acreditar na minha capacidade para concluir este trabalho acadêmico.

Agradeço aos meus colegas de curso por me ajudarem a construir um espírito firme

o qual foi fundamental para estruturar a presente pesquisa.

Agradeço ao Professor Vilmar Debona por me apresentar este maravilhoso filósofo

que é Schopenhauer, pelo qual me apaixonei a cada página lida de suas obras

empolgantes.

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é apresentar pontos que demonstrem a relevância da filosofia de Schopenhauer no ensino direcionado para crianças e desse modo contribuir também para desenvolvimento do trabalho nas classes da Educação Infantil. Para tanto, traçamos um caminho no qual são tratados conceitos construídos pelo filósofo como a vontade (cerne do mundo), caráter imutável e o intelecto. Isto, na intenção de refletirmos até que ponto a educação/instrução contribui para o desenvolvimento do ser humano, considerando que o autor defende a existência de uma vontade preponderante, um caráter fixista – nenhuma ação externa pode alterá-lo - porém um intelecto que pode ser aprimorado. De modo especial, este trabalho indicará que a melhor forma de ensinar é priorizar as intuições antes dos conceitos, do contrário, seriam criadas distorções errôneas em relação ao mundo externo. Neste enredo serão destacados o mundo das representações/motivo, a educação como um instrumento de familiarização com o mundo efetivo e como direcionar a formação humana, sabendo da impossibilidade da mudança interior. Após a investigação sobre a parte conceitual, tentaremos criar uma correspondência entre o pensamento schopenhaueriano e alguns questões abordadas no currículo escolar para a Educação Infantil, com ênfase a tudo relacionado à experiência nesta etapa do ensino. Desse modo, temos o objetivo de problematizar o olhar sobre o quão importante é vivenciar antes de introduzir conceitos densos em uma mente tão jovem como de uma criança. A ideia é refletir sobre as práticas educativas na Educação Infantil e algumas concepções acerca do cotidiano escolar, como por exemplo, priorizar a espontaneidade recorrente na infância e dialogar com esta característica típica deste momento, a uma boa prática pedagógica de modo a estimular o docente a ser mais criativo dentro de sala de aula. Para tanto, recorremos à Base Nacional Comum Curricular e aos Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil. Assim, contextualizamos a perspectiva do autor no campo da educação visando o aprendizado a partir das vivências.

Palavras-chave: Schopenhauer; Vontade; Intelecto; Caráter; Educação Infantil.

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ABSTRACT

The aim of this paper is to present points that demonstrate the relevance of Schopenhauer's philosophy in teaching directed to children and thus also contribute to the development of work in preschool classes. To do so, we trace a path in which concepts built by the philosopher such as will (heart of the world), unchanging character and the intellect are treated. This, in order to reflect to what extent education / instruction contributes to the development of the human being, considering that the author defends the existence of a preponderant will, a fixist character - no external action can alter it - but an intellect that can be improved. In particular, this paper will indicate that the best way to teach is to prioritize intuitions over concepts, otherwise misstatements would be created in relation to the external world. In this plot we will highlight the world of representations / motive, education as an instrument of familiarization with the effective world and how to direct human formation, knowing the impossibility of inner change. After investigating the conceptual part, we will try to create a correspondence between Schopenhauerian thinking and some issues addressed in the school curriculum for kindergarten, with emphasis on everything related to experience in this stage of teaching. Thus, we aim to discuss how important it is to experience before introducing dense concepts into a mind as young as a child. The idea is to reflect on the educational practices in early childhood education and some conceptions about school daily life, such as prioritizing recurrent spontaneity in childhood and dialogue with this typical characteristic of this moment, to a good pedagogical practice in order to encourage the teacher to be more creative in the classroom. To this end, we use the Common National Curriculum Base and the National Quality Parameters for Early Childhood Education. Thus, we contextualize the author's perspective in the field of education aiming at learning from experiences.

Keywords: Schopenhauer; Will; Intellect; Character; Child education.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8

Capítulo I - A vontade ................................................................................................ 11

Capítulo II - A representação ..................................................................................... 17

Capítulo III - O caráter ............................................................................................... 21

Capítulo IV - Educação, moralidade e legalidade ...................................................... 22

Capítulo V – Aforismos .............................................................................................. 27

Capítulo VI – Schopenhauer na Educação Infantil .................................................... 34

Observações e Relatos sobre a Educação Infantil .................................................... 42

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 44

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 45

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INTRODUÇÃO

A princípio o objetivo seria desenvolver um estudo sobre o filósofo

Schopenhauer, cativante pelo seu pessimismo e sua filosofia volitiva; em seguida

surgiu um interesse sobre a loucura que segundo o autor é definida como o “[...]

rompimento do fio da memória[...]” (Schopenhauer, 2015:477), mais adiante o autor

sugere que a loucura ocorre porque o intelecto não desempenhou bem o seu papel

[...]renunciou à sua natureza para agradar à vontade.”(Schopenhauer, 2015:479),

surgiu neste instante o impulso de investigar mais sobre a relação vontade e

intelecto. Mais peculiar foi descobrir que para o autor, em nada a educação pode

modificar o interior de um indivíduo, porém este mesmo autor desenvolveu

considerações sobre uma educação específica a qual tem como foco aprimorar o

intelecto, desse modo originou a curiosidade de descobrir como educar o intelecto

sabendo que o íntimo permanece intacto. Indagações sobre até que ponto a

instrução pode auxiliar um indivíduo foram a mola propulsora para o desejo de

investigar cada vez mais a fundo. Levantar tais questões perpassam os limites da

simples contribuição do cotidiano do docente e consequentemente do aluno, por

possibilitar a reflexão de práticas no âmbito escolar que tenham por finalidade

educar o lado intelectivo, porém sem transformações no subjetivo do indivíduo.

Em relação à Educação Infantil, aplicar as conceituações

schopenhauerianas neste contexto pode parecer de longe quase impossível

principalmente porque o filósofo não produziu nada sistematizado sobre o assunto,

entretanto ao avaliarmos todo o seu desenvolvimento teórico sobre as intuições e os

conceitos percebemos que o autor permite através da sua ótica, observar que a

aprendizagem para ser bem sucedida, precisa respeitar uma sequência: as intuições

devem preceder os conceitos, e tal sequência deve ser iniciada na infância

Para Schopenhauer o papel da educação é estabelecer uma familiaridade

do indivíduo em relação ao mundo, todavia existem dois tipos de educação: a

artificial e a natural. A artificial direciona críticas a educação baseada simplesmente

nos livros, a qual valoriza os conceitos engessados e prontos para serem

absorvidos; a natural, recomendada pelo filósofo, valoriza a vivência reconhecendo

que um conceito precisa ser amparado pela realidade efetiva. Diante disso, é

possível relacionar duas situações, a primeira pensar a Educação Infantil e as

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interações, frisando que a criança reinventa o que vivencia e a maior parte das

vivências são lúdicas, tudo é muito voltado para a brincadeira – embora este não

seja um eixo de pesquisa neste trabalho - e assim estrutura os conceitos, e a

segunda, o lúdico está na interface da interação na vida de uma criança, e esta é

uma forma de aprimorar o intelecto por ser natural infância, isto é o essencial para

conceder a solidez aos conceitos.

A relevância de pesquisar Schopenhauer no curso de Pedagogia vai além da

inovação ou do desafio. Mesmo dissertando em um mínimo capítulo, se comparado

a outras obras, “Sobre a Educação” de Parerga e Paraliponema, fornece um material

que nos faz repensar sobre o estigma de pessimista que o autor carrega, dado que

em um ângulo admite-se a impossibilidade de mudar o caráter do indivíduo, o que

necessariamente não é negativo pois o intelecto pode ser melhorado a ponto de

guiar o ímpeto.

As noções conceituais referentes ao intelecto, intuição e conceito são

basilares para esta investigação por compor o eixo de abordagem sobre a

educação, contudo como citado anteriormente, apenas o intelecto pode ser

aprimorado, o essencial do indivíduo é imutável. Com isso é pertinente discutir sobre

este caráter individual uma vez que em nada a educação pode transformá-lo,

abrindo um caminho que as ações, somente estas, podem ser direcionadas, porém

jamais modificadas. Também é importante ponderar alguns aspectos, explicitados

pelo autor, inerentes à infância, ressaltando que o cotidiano da criança é composto

por brincadeiras e ludicidade. Embora Schopenhauer não tenha

dissertado diretamente sobre as especificidades da infância, ele considera que a

espontaneidade típica desta fase contribui positivamente para o conhecimento. A

disposição em conhecer o mundo de maneira simples vislumbrada na criança,

mostra-nos o quanto que o mundo desta é intuitivo e o lado volitivo se encontra

reduzido o que garante certa riqueza de detalhes na abstração, pelo fato de

enxergar cada objeto como único.

Schopenhauer ressalta que as intuições são importantes para evitar a

distância entre abstração e realidade, sendo assim a proposta desta pesquisa é

demonstrar, através da teoria técnico-conceitual do filósofo, a relevância de sua

filosofia, de sua perspectiva

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Como introdução ao trabalho, apontaremos alguns aspectos fundamentais de

Schopenhauer e suas obras principais “O mundo como Vontade e representação I” e

“O mundo como Vontade e Representação II”. Sendo assim as noções de vontade,

intelecto, caráter e representação são imprescindíveis tanto para a compreensão

quanto para a continuidade do assunto abordado, proporcionando um diálogo com

outros assuntos abordados

A filosofia schopenhaueriana coloca na centralidade o indivíduo por ser

dotado de sentidos, e suas experiências com o mundo efetivo algo essencial para a

formulação de conceitos, pois toda a abstração para ser bem-sucedida precisa ser

amparada por uma realidade vivenciada. Para estabelecer uma coesão com a

presente pesquisa, tais noções receberão respaldo da Base Nacional Comum

Curricular, diretrizes e parâmetros que orientam o currículo da Educação Infantil, e

textos auxiliares os quais explicitam a riqueza encontrada nas vivências das crianças

as quais não imitam o que veem mas reinventam a própria realidade, sendo este o

ponto de favorecimento de novos conceitos.

A concepção de Schopenhauer nos conduz a pensar sobre a necessidade de

compreender um conceito de forma correta e como fazê-lo, principalmente no que se

refere a abstração; as vivências, ou seja, o contato com a cultura, seja na família ou

na escolarização é um momento de socialização que promove essa ligação entre

intuição e conceito.

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Capítulo I - A vontade

Neste ponto, é de extrema importância explicar a diferenciação entre a

Vontade e a vontade humana, sendo esta última o fenômeno da primeira. A vontade

humana depende de um motivo, de uma representação e esta situação encontra-se

atrelada ao intelecto. Desse modo [...] nota-se, a interação do intelecto com a

vontade humana, já que este foi criado para lhe apresentar motivos (PEDREIRA,

2010:40).

Desse modo, podemos dizer que a liberdade reside na Vontade Metafísica

pelo fato de não estar submetida ao tempo, ela não é um fenômeno, e sim o cerne

do fenômeno. Já a relação vontade humana e intelecto, obrigatoriamente necessita

da variedade de representação para excitar a vontade, nesta esfera podemos

direcionar esta função ao conhecimento, quanto mais complexo este for mais à

vontade será mobilizada “desde a mais débil inclinação até a paixão, e o mesmo sua

excitabilidade, ou seja, sua veemência, desde o temperamento fleumático até o

colérico.” (SCHOPENHAUER, 2015:250)

A essência de tudo existente na natureza é desvendado pelo que há de mais

essencial no corpo, então a única atribuição relevante para aquilo o além da

aparência é coisa alguma senão VONTADE. Neste ínterim devemos distinguir o que

é a essência da vontade e a aparência da mesma; a visibilidade da VONTADE se dá

pelos movimentos do corpo o que garante uma identidade à ele extraindo o que lhe

confere como objeto intuível. Entretanto os movimentos que são os atos de vontade

não mostram o íntimo dela, mas sim são a sua aparência.

Vale lembrar que estes atos são excitados por razões externas, os motivos

que de acordo com (SCHOPENHAUER, 2005:164) “[...]determinam o que eu quero

NESTE tempo, NESTE lugar, sob ESTAS circunstâncias[...]” ou seja o que estimula

os atos de vontade não define o querer no aspecto geral, são motivações

ocasionais, que permitem as ações naquele determinado momento permitindo-nos

dizer que a essência do querer não é fundamentada por razões pois a vontade

(SCHOPENHAUER, 2005:164) “[...] encontra-se fora do domínio da lei da

motivação[...]”, destarte a aparência, o agir da vontade está sob o princípio da razão

mas a vontade é SEM FUNDAMENTO. Vale dizer que o fato da ação do corpo ser a

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expressão do ato volitivo a qual está embasada em motivos, não significa que a

vontade tenha fundamento algum.

Alguns pormenores precisam ser expostos acerca dos atos da vontade e sua

expressividade finalizada no corpo o qual é chamado de OBJETIDADE DA

VONTADE, onde segundo (SCHOPENHAUER, 2005: 167) “[...] baseia-se a perfeita

adequação dos corpos humano e animal às vontades humana e animal[...], é nele

que aparecem os movimentos voluntários e involuntários. Neste ponto é interessante

porque o filósofo explica que conforme a forma humana geral há uma vontade

correspondente para a mesma, desse modo a estrutura física de cada um

corresponde a vontade individual de cada um.

Mediante tais considerações, devemos ter a clareza ao perceber que jamais

a vontade aparece como representação, pois o que cada um expõe IN CONCRETO

que é intuído imediatamente pelo entendimento é a essência em si da aparência do

volitivo, mas nunca ele mesmo. A vontade aparece isoladamente em ações diversas

por meio do indivíduo e é assim em toda a natureza, logo todas as aparências

existentes são diferentes enquanto aparência, no entanto, na partícula mais

profunda, é definida como VONTADE:

“É o mais íntimo, o núcleo de cada particular, bem como do todo: aparece em cada força da natureza que faz efeito cegamente: também aparece na ação ponderada do ser humano: se ambas diferem, isso concerne somente ao grau do aparecimento, não à essência do que aparece.” (SCHOPENHAUER, 2005:169).

Devemos ressaltar que tanto o impulso quanto o movimento são a mesma

vontade, porém manifestado de duas formas: a ação e o ato de vontade no mundo

empírico. Vale frisar que o corpo é tomado como objetividade da vontade no mundo

efetivo destacando este amálgama existente entre vontade e corpo. O ato de querer

embora ocorra na abstração, o que requer a participação da razão e o agir ocorre na

empiria, não significa que não sejam a mesma coisa, pelo contrário, apenas o

campo de atuação que muda. Como podemos notar as ações estão na esfera da

realidade e o querer na razão.

Um ponto que podemos citar como exemplo é que há situações que não são

representações, porém são alterações da vontade que são expressas pelo corpo,

como a dor e o prazer, desse modo podemos nos inclinar para um fato: que para se

ter vontade precisa se ter um corpo. E ainda, na medida em que conheço a vontade

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eu também conheço o meu corpo pois não há como se ter divisão, no entanto eu

conheço a manifestação dessa vontade e jamais a sua essência.

Passemos agora para o objeto; o corpo é um objeto entre os objetos, logo

uma representação que está sob a lei da causalidade, mas o corpo em essência se

difere dos demais objetos por ser representação e vontade. Em contrapartida,

objetos em comparação com situacional do corpo, são aparências de uma vontade.

Devemos retornar ao fato de que o mundo e tudo que existe nele está

condicionado pelo sujeito, que explica a existência do objeto, entretanto deve-se

refletir sobre o que resta ao objeto se retirarmos dele essa existência condicional,

extraindo a representação. Então sob a ótica da essência, todo objeto é vontade,

partindo da ideia de que o corpo sendo objeto também é vontade. O mundo é

estruturado como vontade e representação, logo tudo que há nele deve se

acomodar dentro dessa explanação, e a única realidade que satisfaz o mundo dos

corpos é que a essência de todos é vontade.

Outro ponto que deve ser destacado é que aparência e essência da vontade

são diferentes. Os movimentos e sua visibilidade são a vontade manifestada,

são estimulados por motivos circunstanciais ou ocasionais, sendo distintos do que

impulsiona o querer. A vontade não está condicionada às motivações, dito isto,

devemos esclarecer que a sua exteriorização na efetividade está submetida ao

tempo, para delimitar o ocorrido, remetendo ao caráter empírico o qual será

analisado mais adiante, exceto isto, não há nada que explique o porquê de uma

escolha e não de outra, logo a vontade se apresenta sem fundamento. Trazendo-

nos a concepção de caráter empírico e inteligível, com isso vale explicitar de que

mesmo a efetividade de ato ser embasada nos motivos não interfere na essência da

vontade que permanece sem fundamento. O princípio da razão por permitir a

relação de causa e efeito sendo um meio de conhecer o mundo pois ele fornece

uma causa para a representação que é a aparência da vontade o que não significa

ser a mesma em si.

A ação do corpo e a ação da minha vontade, o primeiro refere ao caráter

empírico, o corpo é aparência da vontade sendo correlato do caráter inteligível,

sendo a aparência da vontade no tempo o caráter empírico. Logo o corpo é a

vontade que se torna visível com a intenção de tornar sentencial. todas as ações do

corpo são objetivação da vontade.

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A vontade é o íntimo do sujeito sendo expressada através de atos. Vale

destacar que em toda a natureza a vontade é vista como a essência, sendo tudo

a aparência de forma diferente, mas a sua essência ainda é vontade. Todo objeto é

aparência e a coisa em si desse objeto é vontade consequentemente toda

representação é objetividade da vontade.

A vontade no núcleo de cada ser e no todo, difere-se apenas no grau de

aparecimento, mas a essência é sempre a mesma. A coisa em si jamais é um

objeto, mas sim a essência deste. O autor fala que a vontade humana é a aparência

mais nítida da essência íntima conhecida imediatamente, sendo aclarada pela

faculdade racional, no entanto esta mesma essência é expressa em aparências

inferiores. A Vontade pode ser vista até de maneira simples pois “consiste em querer

e não querer” (SCHOPENHAUER, 2015:250) ou seja, seu ímpeto não tem como ser

aprimorado, no entanto, o conhecimento necessita ser construído, instruído através

do ensino e pode ser analisado, permitindo desse modo, o melhoramento através da

formação.

Neste enredo podemos inserir o intelecto, faculdade presente tanto no

homem como em outros animais, possíveis de construir as representações intuitivas,

o raciocínio somente o ser humano é capaz de estruturar conceitos a partir destas

representações intuitivas, são as chamadas “representações das representações”

(DEBONA, 2010:29) com isso uma simples representação que é apresentada ao

intelecto, este sugestiona à vontade tal representação, em contrapartida, a vontade

pode rejeitá-la ou não. Sendo assim, podemos pensar no processo educativo como

uma série de representações as quais são apresentadas ao intelecto, passando

desta forma por uma seleção de conhecimentos agradáveis ou não a uma vontade

que é determinante, lembrando que apenas lhe são satisfatórios motivos os quais

são correspondentes à inclinação do caráter de cada ser.

Schopenhauer é bem expressivo, quanto à natureza divergente entre

vontade e intelecto; este último secundário, o anterior, primário. Isto significa que por

mais sugestivo e aconselhador seja o intelecto, em nada lhe é possível desviar o

objetivo da vontade, apenas o caminho pode ser direcionado, mas no fim a vontade

conseguirá o que deseja. Podemos concluir que a funcionalidade do intelecto é

impulsionador de uma vontade até então ociosa, alternando seu estado de ânimo, o

intelecto é um mediador entre vontade e motivos.

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Não é de competência da vontade o conhecimento, mas o entendimento -

este antecede à razão - das coisas sim, e diante disso, é estabelecida,

respectivamente, uma convivência entre intelecto e vontade, de permissão e

condução, pois há momentos no qual a vontade afirma “a sua supremacia ao proibir-

lhe certas representações” (SCHOPENHAUER, 2015:252) . O que significa se

acaso algum pensamento, para a vontade, for enfadonho, desnecessário ou

simplesmente desinteressante, é rejeitado, o intelecto é inclinado a outros

pensamentos que serão agradáveis à vontade.

Após compreendermos melhor a relação vontade e intelecto encontramos

uma justificativa para este ser chamada de “[...] secundário e instrumental [...]”

(PEDREIRA, 2010:62), isto frente à Vontade Irracional, todavia com o acréscimo do

conhecimento que lhe é alcançável, é um forte elemento, principalmente no que se

refere às ações no mundo fenomênico.

O lado volitivo do ser, vive um processo em querer e não querer, em um

instante há o cativo de certa representação, em seguida a mesma pode ser

rejeitada, isto se deva ao acréscimo do conhecimento, o intelecto fica submetido a

última palavra do “seu senhor”, a vontade que dentre tantas definições sabemos ser

“a essência em si do ser humano” (SCHOPENHAUER, 2015:252), isto explica o

porquê que os ímpetos mais profundos não chega ao conhecimento do intelecto.

É possível dizer que mesmo sendo o mediador das motivações, o intelecto não

compartilha das decisões da vontade, cabendo-lhe a função de sugestionar

circunstâncias diversas que possam satisfazer ou não a vontade, mas no fim, o

plano desta fica em secreto, sendo conhecida apenas a posteriori. Os nossos

desejos permanecem ocultos por muito tempo e inesperadamente somos

surpreendidos por atitudes, que até então julgávamos impossíveis de fazermos, isto

ratifica o poder decisivo da vontade e a submissão do intelecto. Segundo

Schopenhauer “com frequência não sabemos o que desejamos ou o que tememos”

(SCHOPENHHAUER, 2015:254), e tanto o que desejamos ou queremos somente

chega ao nosso consciente na medida crescente das experiências, neste ponto a

empiria é eficaz. Como exemplo, o processo de aprendizagem e a experiência; uma

vez que nossos desejos intrínsecos são mais abissais do que imaginamos, reside o

risco da surpresa em momentos inoportunos e atitudes inesperadas. Isto significa

que no nosso íntimo, a vontade comanda, todavia ao vivenciarmos cada vez mais

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situações ou ampliarmos a quantidade e a qualidade do autoconhecimento,

podemos reavaliar nossos atos, e ampliar a variedade de nossas ações.

E mesmo sendo confidente da vontade, o intelecto vive à espreita e amiúde

se surpreende com a impetuosidade do “seu senhor”. A exemplo disto, algumas

atitudes audaciosas de um indivíduo frente a certas situações, reações inesperadas

a certos estímulos e afetos, os quais a vontade entra em cena de maneira agressiva

repelindo uma situação ou algum pensamento, o intelecto, ao perceber tal

impetuosidade, utiliza-se do conhecimento. Neste caso, podemos indicar a

educação como forma de avaliar atitudes que não sejam favoráveis socialmente com

a finalidade de evitar possíveis danos e sugerir cautela para a vontade.

Sobre o intelecto, consideremos “parte do corpo representada pelo cérebro,

que possibilita a relação intersubjetiva deste corpo individual com os outros corpos

(PEDREIRA, 2010:33), ou seja, ao passo que o intelecto residente do cérebro

encerra a parte do entendimento, da abstração, lhe é atribuído a função de encerrar

as sensações afetivas em relação aos outros corpos.

Para falar do intelecto somos sempre instigados a relacioná-lo à vontade

como se o mesmo fosse visto como inferior. Tal impressão deve ser pelo fato do

intelecto ter suas limitações “[...] desenvolve-se lentamente, seguindo o

aperfeiçoamento do cérebro e a maturação de todo o organismo [...]”

(SCHOPENHUAUER, 2015:256), porém isto não ocorre com a vontade, e para o

autor, esta é determinante, porém o intelecto não é dispensável, pois a sua função

de aconselhador evita algumas atitudes precipitadas.

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Capítulo II - A representação

Na sua obra magna Schopenhauer nos apresenta o mundo sob a

perspectiva da sua filosofia, como vontade e representação. A princípio nos

ateremos no mundo sob a segunda perspectiva, ou seja, como representação a qual

o filósofo define como (BARBOZA, 2015:18) “tudo aquilo que aparece como figura

para o entendimento, ou seja algo colocado diante de nós.” Tal abordagem nos

auxilia a entender a construção da realidade efetiva, onde o sujeito estrutura seu

conhecimento e a partir disto investigar a essencialidade dos sentidos para a

existência desse sujeito no interior do mundo fenomênico, o que reforça a

importância da intuição para o desenvolvimento do aprendizado do mesmo.

A teoria filosófica de que o mundo é composto por duas partes,

representação e vontade, não significa uma oposição, ao contrário, ambas ao

mesmo tempo são autônomas e complementares pois “ o que se faz aqui abstração,

como espero que mais tarde se tornará certo de cada um, é sempre VONTADE [...]”

(SCHOPENHAUER, 2005:45). A abstração produzida no processo esquematizado

pelo autor é a própria VONTADE e caso não a houvesse, a REPRESENTAÇÃO não

existiria, sendo assim a realidade está condicionada ao sujeito. Desse modo, para

discutir o mundo como representação primeiramente devemos expor a relação de

duas figuras na construção desse mundo, o sujeito e o objeto, o que não significa

uma determinação da relação de causa e efeito, embora o objeto exista para o

sujeito.

Desse liame sujeito-objeto, podemos definir sujeito conforme

(SCHOPENHAUER, 2005:45) como “Aquele que tudo conhece, mas não é

conhecido [...]” e o objeto é toda representação, dessa forma é importante destacar

alguns pormenores do núcleo dessa relação. Ao evidenciar a cognoscibilidade do

sujeito é relevante explicar que somente o corpo deste é objeto e o sujeito, por ser a

parte que conhece, não o é; isto porque o corpo é tomado como objeto imediato pelo

fato de receber diretamente todas as sensações procedentes do exterior e intui o

mundo pelo entendimento, no entanto o corpo é conhecido como mediato na medida

em que as funções sensoriais juntamente com os membros deste corpo o colocam

sob aplicabilidade do princípio da razão conforme cita (SCHOPENHAUER, 2005:63)

“[...] em que o olho vê o corpo, a mão o toca.”. É importante esclarecer o que é

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objeto mediato e imediato A distinção entre objeto imediato e mediato é que o

primeiro recebe diretamente as sensações do exterior, o segundo a sensação é

mediada por outro corpo, como por exemplo a mão que toca o próprio corpo.

Para Schopenhauer todo animal nasce capacitado para perceber o mundo

através das três formas puras de conhecimento: o tempo, o espaço e a causalidade,

concedendo assim um porquê dos objetos percebidos, consequentemente um

fundamento para o mundo envolta; na verdade o princípio da razão é residente do

entendimento o qual encerra as sensações em intuições.

Mediante a essa elucidação, mundo efetivo é vivenciado devido a existência

do entendimento ao garantir o sentido nas sensações oriundas da interação entre os

corpos discorrendo de que a capacidade de sentir é própria do corpo animal.

De acordo com (SCHOPENHAUER, 2005:63) “[...] o mundo intuitivo existe

apenas para e pelo entendimento.”. Podemos inferir que a atribuição do

entendimento vai além do fato de conceber o mundo fenomênico se considerarmos

que ele atua no campo intuitivo portanto antecede à razão, ele situa os animais no

mundo concreto ao transformar as meras sensações em representações intuitivas.

Vale acrescentar que as representações intuitivas e abstratas são distintas quanto à

origem, pois as abstratas necessitam da concretude de uma realidade, relacionando-

se, desta forma à empiria, esta por sua vez, originam as representações intuitivas; e

quanto a formação, as representações intuitivas surgem através do entendimento

uma capacidade comum a todos os animais, já as representações abstratas se

formam na presença da razão, referente a toda a parte conceitual do indivíduo, logo

é uma capacidade unicamente humana. Vale frisar que toda a construção de

conceitos se desenvolve à luz da experiência sendo este o momento em que

ocorrem as primeiras sensações ou impressões, dito isto, sem a experiência, e neste

ponto podemos evidenciar a aplicabilidade e a importância do lúdico, seria inviável

obter resultado final o que difere o ser humano do animal que são os conceitos.

Passemos agora para o objeto; o corpo é um objeto entre os objetos, logo

uma representação que está sob a lei da causalidade, mas o corpo em essência se

difere dos demais objetos por ser representação e vontade em contrapartida objetos

em comparação com situacional do corpo, são aparências de uma vontade.

Após a explanação acerca da representação, uma visão unilateral do mundo

na perspectiva schopenhaueriana, é considerável expor o outro lado do mundo,

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este como Vontade, todavia para perceber este mundo como Vontade,

Schopenhauer nos instiga a refletir, antes, sobre o cerne dos objetos para além da

lei da causalidade, pois até então, este é condicionado ao sujeito; desse modo, uma

indagação merecidamente permite-nos olhar para a essência da representação.

Para tal discussão consideremos o sujeito cognoscente no mundo enquanto

representação, tornando indivíduo e condicionando a realidade ao seu

conhecimento. O sujeito percebe o exterior com o corpo que além ser um objeto

intuído atrelado a lei da causalidade, é também “[...] conhecido imediatamente por

cada um e indicado pela palavra VONTADE.” (SCHOPENHAUER, 2005:157). O

autor lança uma argumentação às ações do corpo em comparação com a mudança

dos outros objetos, os eventos que ocorrem nestes são alheios ao meu corpo

servindo como observação; já os movimentos e ações do corpo tem a sua origem

nele mesmo, está no seu ser, no seu íntimo, e a este mecanismo o autor chama de

VONTADE.

Conforme (JANAWAY, 2003:49) “[..] a nossa existência corporal não é senão

um querer.” o que nos permite estabelecer a relação entre o querer agir da vontade

e o movimento executado partilham de uma simultaneidade não sendo possível

separá-los e tampouco situá-los em uma ligação de causalidade pois são uma

mesma coisa, manifestadas de formas diferentes. A ação do corpo ocorre na esfera

empírica sendo intuída pelo entendimento, é visível, é a vontade objetivada; o ato de

querer agir revelam um aspecto íntimo do corpo, logo este é denominado como

OBJETIDADE DA VONTADE.

Segundo o autor as resoluções concernentes a algo que almeja e a prática

da ação para conseguir tal coisa são distintas por serem formulações construídas na

razão, mas na realidade são a mesma coisa. Segundo (SCHOPENHAUER,

2005:158) “[...] toda ação sobre o corpo é também simultânea e imediatamente ação

sobre a vontade[...]” logo tudo que afeta o corpo, concomitantemente afeta à

vontade. Situações adversas ou aceitas pela vontade causam dor ou prazer sendo

que estes são apenas alterações na aparência da vontade e não são consideradas

representações. Isto mostra paridade direta entre a vontade e corpo portanto todo

comportamento intenso da primeira afeta o funcionamento do último.

Dessa forma ao passo que se conhece a vontade, o corpo é conhecido, o

que não significa conhecer a vontade em sua essência, limitando esse conhecer

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aos atos expressos no tempo subjugados por uma lei, ou seja, a vontade é

conhecida pela aparência através dos atos do corpo, por consequência o corpo

representa a vontade. Ao estabelecer essa ligação entre corpo e vontade,

Schopenhauer nos permite refletir sobre os sentimentos, aqueles que são originários

do inconsciente e que sequer temos controle, e até atitudes/instintos que permitem a

sobrevivência da espécie, tudo isso é a vontade manifestada no corpo.

Ao analisarmos esse amálgama, sabemos que o corpo é além do que uma

mera representação entre as demais, essa dualidade apresentada permite a

explicação acerca das ações desse corpo, situação esta que não é possível com

nenhuma outra representação. Entretanto, sujeito que conhece tem o corpo como

uma representação específica porque ele está dotado da consciência da duplicidade

existente ali, ou seja, ao mesmo tempo ele é objeto/representação e vontade, caso

extraísse essa consciência, o corpo seria uma representação como outra qualquer,

pelo fato de estar alheio a própria experiência, as sensações produzidas não seriam

imediatas.

Em relação aos demais corpos (SCHOPENHAUER, 2005:162) elucida

“[...]os corpos que serão julgados exatamente conforme analogia com aquele

corpo[...]”.Sabendo que o corpo devido à sua essência é diferente dos demais

objetos colocando estes em um patamar abaixo, atribuindo-lhes a qualidade de

sombras, de representações irreais, entretanto tais representações assemelham-se

ao corpo, enquanto representação, por estar sob a lei da causalidade, logo ao

abstrair a existência do objeto enquanto corpo o que resta, é a essência mais íntima,

é a VONTADE.

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Capítulo III - O caráter

“Nisto o homem não faz exceção ao restante da natureza: também ele tem

uma natureza fixa, seu caráter imutável, que, todavia, é bem individual e, em cada

um, é outro. Para nossa apreensão este é mesmo empírico, mas por isso mesmo

apenas fenômeno. O que ele possa ser de acordo com a sua essência em si mesma

chama-se caráter inteligível”. Schopenhauer (apud PEDREIRA, 2010:65).

No homem, podemos inferir que o caráter é manifestado de forma fixa e inata,

o que significa que nada pode moldá-lo ou influenciá-lo, sendo que nesta mesma

medida, cada ser tem sua individualidade, isto explica porque há diversas atitudes

diante do mesmo acontecimento.

Dentre os conceitos trabalhados por Schopenhauer, as três variações de

caráter é um assunto caro que necessita ser averiguado para continuarmos esta

abordagem. Segundo o autor, o ser humano possui o caráter inteligível que

“coincide, portanto com a Ideia ou, dizendo mais apropriadamente, com o ato

originário da Vontade que nela se objetiva” (SCHOPENHAUER, 2015:181), ou seja,

são as ações do indivíduo situadas no tempo e no espaço. O caráter empírico é a

manifestação do inteligível no mundo efetivo sendo conhecido a posteriori, ou seja,

não pode ser conhecido até que ocorram as ações, e pode ser surpreendente,

caráter adquirido,”[...] trata-se do saber abstrato e distinto das qualidades do nosso

caráter empírico[...]” (SCHOPENHAUER, 2015:353) são nossos atos no mundo

fenomênico, é uma espécie de consciência da capacidade alcançável. Todavia, é

comum ficarmos surpresos com algumas reações pois não há possibilidade de

conhecermos totalmente o nosso caráter inteligível mesmo porque a nossa essência

é vontade.

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Capítulo IV - Educação, moralidade e legalidade

Embora o filósofo não acredite que a educação possa modificar o que há de

mais íntimo no ser humano, no caso o caráter, a sua proposta para educação nos

permite refletir em que aspectos podemos adotar o processo de ensino sendo que

este processo pode atingir o âmbito da moralidade e da legalidade. Esse fato pode

ser explicado pelo fato de que a vontade irracional e o íntimo do homem é única e

mesma coisa, sendo que esta vontade é sem fundamento e não há forma de

modificá-la. O meio externo não determina o caráter do homem, logo a educação em

nada faz efeito na mudança do mesmo, porém há uma parte que pode ser

aprimorada que é o intelecto; este ponto relaciona a uma melhoria civil

Para falar de educação e Schopenhauer algumas noções que são

essenciais para melhor entendermos o que filósofo propõe. Os três desdobramentos

de caráter: inteligível, empírico e adquirido; intelecto e os motivos.

Para Schopenhauer, a educação não pode modificar o íntimo do homem, isto

porque o íntimo que é à vontade, aqui no caso vontade individualizada, é sem

fundamento, logo apenas uma parcela pode ser melhorada e esta parcela está sob

relacionada ao intelecto. “Que um seja mau e outro bom, isso não depende de

motivos e influências exteriores, como doutrinas e sermões; nesse sentido, o caráter

é algo absolutamente inexplicável.” (SCHOPENHAUER, 2005: 201)

Considerando a impossibilidade de melhoria do caráter humano, o que

significa que nenhuma religião, educação ou doutrina pode mudá-la, resta a nós

investigarmos uma forma da educação fazer o efeito sobre o ser humano.

Na sentença “[...]a cabeça pode ser aclarada, o coração permanece

incorrigível”. (cf. SCHOPENHAUER, 2001: 199), o autor deixa explícito que uma

parcela do ser pode ser alcançada, a cabeça, contudo, o íntimo permanece

inalterado. Para Schopenhauer, acreditar na transformação do mais profundo do

homem através da educação é uma total ilusão, pois o homem é vontade e esta é

sem fundamento.

Diante da impossibilidade de instruir moralmente um indivíduo é que recaem

as investigações sobre como e qual seria o alcance da educação. O autor discorre

sobre como apresentar o mundo de modo a suavizar suas imperfeições e distorções,

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isto seria possível com a aquisição do caráter adquirido, tido como “conhecimento

mais acabado possível da própria individualidade” (SCHOPENHAUER, 2005:394).

Acerca das coisas do mundo humano, Schopenhauer fala que “[...]não é

tanto, como se diz frequentemente, imperfeição, mas antes distorção, no âmbito

moral, intelectual, físico, e em tudo” SCHOPENHAUER (apud Debona,2016:269) Ou

seja, se o mundo é distorcido, o indivíduo que apreende as coisas deste mundo

também fixa tais distorções; consideremos que a apreensão se concretiza imperfeita

moral e intelectualmente sendo que é possível uma “melhoria” do intelecto, em

contrapartida na esfera da moralidade, se caso falte o autoconhecimento, há a

possibilidade da ocorrência de uma precipitação ao julgar os acontecimentos da

realidade, o que é notável em atos precipitados e até inesperados.

Quanto à distorção e a precipitação em relação ao mundo humano, isto pode

ser suavizado partindo do autoconhecimento ou caráter adquirido, que segundo

Schopenhauer é o “conhecimento mais acabado possível da própria individualidade”

(SCHOPENHAUER, 2005:394), e este desdobramento do caráter somente é

conhecido através da empiria, do cotidiano, encontramos aqui uma proximidade com

a vivência escolar.

Um caráter adquirido enriquecido com muitas experiências, o risco de

distorção diminui, o indivíduo passa a ter consciência da maior parte das suas

atitudes; e ao considerar que o mundo e suas imperfeições permanecerão, o que

resta é lidar com tais imperfeições, cabe as noções de caráter adquirido e a própria

educação tornar o sujeito adaptável até onde se alcança.

Schopenhauer vislumbra a ponderação das atitudes na medida do

conhecimento de si, ou seja, um sujeito pode mensurar suas atitudes egoístas ou

boas conforme cada acontecimento, como se fosse uma autocrítica. E neste ponto

demonstra a importância da vida em sociedade pelo fato de nos tornamos cônscios

de nosso comportamento na interação com as ações alheias.

Se, por acaso, tais experiências fossem negligenciadas ou evitadas, seria

construído uma falsa ideia de que situações externas podem mudar um caráter que

é tão íntimo ao ser. Com isso, resta um exercitar a adaptação a um mundo de

imperfeições. Conforme (DEBONA, 2016:271) “[...] o risco das “distorções” poderia

ser maior ou menor a depender da escassez ou da abundância de

autoconhecimento e de experiências de vida obtidas.”. Uma pessoa pode ter suas

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ações ampliadas na medida em que é colocada em situações que acentuam as suas

características; uma pessoa egoísta, em um ambiente com valores deturpados, se

sentiria a disposição para expressar suas atitudes egocêntricas.

São apresentadas duas questões elementares: um caráter imutável e um

intelecto que pode ser aprimorado, ao último, a educação pode ser adotada, no

primeiro não há nada que pode mudá-lo, contudo, as ações de um indivíduo podem

ser direcionadas dependendo do seu intelecto bem instruído. Desta forma, é

possível traçar um paralelo entre educação e a “ética da melhoria” Mesmo o

intelecto não determinando sobre o caráter (a vontade), ele exerce a função de

sugestionador, sendo assim, uma pessoa egoísta pode ser influenciada por atitudes

caridosas desde que no fim seja convencida de que terá algum lucro ajudando a

diminuir a dor alheio.

Conforme Schopenhauer (2001:198)

Até mesmo a bondade do caráter pode ser levada a uma expressão mais consequente e mais completa de sua essência, por meio do aumento da inteligência, por meio do ensinamento sobre as relações da vida e, portanto, pelo aclaramento da cabeça, como, por exemplo, mediante a demonstração das consequências longínquas que nosso fazer tem para os outros, como porventura dos sofrimentos que para eles resultam, mediatamente e só no decorrer do tempo, desta ou daquela ação, que nós não tomamos por tão má. [...] (apud DEBONA, 2016:272)

Desse modo o autor não trabalha a melhoria do caráter moral, mas assume

uma melhoria no que concerne a parte objetiva das ações, a atividade do indivíduo

no mundo empírico e isto torna-se possível através do conhecimento.

Vale ressaltar que esta “ética da melhoria” citada por Schopenhauer em

Sobre o Fundamento da Moral atinge uma “parte melhorável” do indivíduo que é o

intelecto, o que envolve a experiência e o autoconhecimento. E mesmo assim, este

assunto por se tratar do intelecto que é secundário em relação a vontade, a melhoria

em questão não se torna irrelevante, ao contrário, a proposta do autor permite-se

objetivar a educação, otimizar as experiências e o cotidiano de um estudante.

Para falar sobre da educação como um mediador entre o caráter e os

motivos, devemos ter em mente que o filósofo define a educação como sendo a

forma de apresentar o mundo e que a educação necessita iniciar com a intuição

antes dos conceitos, do contrário o indivíduo toma para si percepções deformadas

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do mundo. Embora a educação atinja apenas o lado intelectivo, sua função é

justamente a de evitar que conceitos deformados sejam propagados e germinados.

Schopenhauer cita a moralidade e a legalidade em paralelo ao exemplo e ao ensino,

onde ambos em nada podem mudar o caráter inteligível, mas podem promover uma

melhoria civil ou legal ao aumentar o nível de instrução, isto pode ser visto no

comportamento, pois o indivíduo passa a reavaliar as próprias ações. Segundo

Debona (2016:276) “O ensino e a educação atuam, dessa forma, no direcionamento

e na escolha destes ou daqueles motivos[...]”, porém isto funciona conforme a

inclinação de cada caráter. Se uma pessoa nasce com uma tendência boa ou má, a

mesma terá suas inclinações para uns motivos e não para outros, a educação age

como um mediador, um apresentador de cada vez mais motivos, e quem decide

quais os motivos seguir é o seu íntimo.

Embora o assunto das três expressões de caráter seja explicado em outro

momento deste trabalho, é importante citar que o caráter adquirido é o ponto

máximo do autoconhecimento, estabelece uma relação entre conhecimento e

educação onde o que é apresentado a um caráter é visto em suas ações; e

conforme o conhecimento vai modificando, o que pode influenciar nas atitudes, não

significa que íntimo do ser mudou.

Fica evidente que em ângulo Schopenhauer é taxativo na imutabilidade do

caráter, em outro ângulo, podemos observar que através do aperfeiçoamento é

possível instrumentalizar o direcionamento da vontade acessando o intelecto pelo

conhecimento; o querer não pode ser mudado, a vontade ainda terá seus objetivos,

no entanto o caminho pode tomar novos rumos para chegar no mesmo objetivo. “O

alvo permanece o mesmo – o único possível a cada vontade – sem que disso

decorra a necessidade de se tomar sempre os mesmos meios.” (DEBONA,

2016:278)

Percebemos a moralidade e legalidade há uma interseção no sentido de que

mesmo não havendo mudança no interior do ser, como ficou explícito, a experiência,

e o autoconhecimento através da instrução, consegue influenciar a tomada de boas

decisões, para talvez amenizar os danos, ou até perceber que algumas atitudes

podem culminar em um benefício próprio. O autor mostra perspicácia, pois ainda

que pessimista, no interior de sua filosofia conseguimos encontrar uma forma de

viver melhor. O que significa, que mesmo não havendo mudança no íntimo do ser, a

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vontade prevalecendo e jamais desistindo de seus objetivos, tem uma forma de

acessar o intelecto e aprimorá-lo através da instrução, desse modo as ações do ser

humanos serão gerenciadas pelo conhecimento, ousamos dizer que as ações

estarão sob uma autocrítica, o que não significa a desistência dos objetivos, mas sim

a mudança dos meios.

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Capítulo V – Aforismos

“Aforismas para a sabedoria de vida” é uma sequência de conselhos e

máximas, e de certa forma mostra que apesar de um aparente pessimismo total, o

filósofo concede algumas “dicas” para sofrer menos.

Para a filosofia schopenhaueriana, o “[...] temperamento, não o caráter,

percorre mudanças bem conhecidas [...] (SCHOPENHAUER, 2002:247) conforme as

fases ou idades da vida de um indivíduo, isto porque a percepção do mundo efetivo

é alterada e consequentemente, as sensações se modificam.

Schopenhauer cita a infância como o período em que os indivíduos estão

mais “[...]cognoscentes do que volitivos[...]” (SCHOPENHAUER, 2002:247). A

Vontade mostra-se discreta, o que favorece a espontaneidade da criança, que por

sua vez é mais estimulada pela curiosidade e a descoberta do mundo do que pelo

querer sem fundamento. Desse modo, ao admitirmos a relação entre desejo e

sofrimento, algo explicitado pelo filósofo, podemos especular que o mundo, na visão

de uma criança seja menos doloroso e sua relação com as representações seja

mais colorido, no sentido de conhecer mais a Ideia do que a réplica da Ideia, sendo

captado o “[...] essencial e comum a toda a espécie[...](SCHOPENHAUER,

2002:248)

O autor atribui esta inclinação para o conhecer devido às necessidades

limitadas na infância, não muita informação/conceito injetado, o cérebro é jovem e

seu correspondente subjetivo, o intelecto, observa tudo como novidade Segundo

Schopenhauer “[...]a vida, com toda a sua importância, apresenta-se perante nós

tão nova, fresca e sem embotamento de suas impressões pela repetição que, no

meio de nossas atividades infantis, em silêncio e sem intenção clara, estamos

ocupados em aprender e nos acontecimentos isolados, a essência da vida em

si[...](SCHOPENHAUER, 2002:248)

O autor pontua um benefício que deve ser aproveitado no eixo educacional

que é justamente, o olhar “desinteressado” de uma criança frente à uma

representação, o que torna o aprendizado mais lúdico, porém a ludicidade não pode

ser vista como uma mera distração ou simplesmente um ponto criativo onde a

criança coloca seus sonhos em prática, esse instante deve ser direcionado e

instruído pelo profissional da educação. A infância, enquanto fase da vida, carrega

um potencial de percepção do mundo envolta de forma mais meticulosa, por este

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motivo, Schopenhauer é relevante na Educação Infantil; a criança enxerga as

representações de maneira insípidas, o cérebro não está cheio de cópias da

realidade, por este motivo as propostas pedagógicas devem explorar vez mais a

vivência de cada criança para fornecer detalhes mais contundentes, os quais

posteriormente, se ligarão aos conceitos prontos.

É considerável introduzir a experiência como parte do ensino, mesmo porque

a tendência é que na medida em que chega o amadurecimento, as representações

não são mais vistas pela sua essência, sendo este ponto uma justificativa para

respeitar o ímpeto de conhecer de uma criança pois são estas primeiras impressões

que irão permanecer, o que será a garantia de profundidade ou superficialidade em

relação ao mundo e às coisas.

Esta visão objetiva, na tenra fase, garante que a criança viva de forma

contemplativa, primeiro porque a Vontade ainda é percebida discretamente, e

segundo porque as representações são mais descobertas do que utilidade. A

Educação Infantil precisa olhar com seriedade os momentos propícios para a

apreensão intuitiva, sem duvidar da autenticidade do trabalho desenvolvido, mas

Schopenhauer mostra em um ângulo estrutural da formação de uma criança através

de vivências simples. Os conceitos nomeiam a aparência da representação, o que

pode ser ensinado a qualquer um, no entanto se nada for compatível com a

experiência pessoal, tais conceitos inclinam-se para a vacuidade.

Conforme Schopenhauer, por um lado “[...] dedicamo-nos com muita

seriedade à primeira compreensão intuitiva das coisas, por outro, a educação

esforça-se para nos transmitir conceitos.” (SCHOPENHAUER, 2002:249). Embora, a

introdução de conceitos por parte da educação seja importante, deve ser frisado que

a conceituação das coisas não fornece o essencial destas coisas, sendo que o

essencial/intuitivo não pode ser ensinado somente vivido.

É significativo enxergar que ao exaltarmos a intuição, tocamos em uma noção

de Schopenhauer que é o caráter, a subjetividade, algo intrínseco que não pode ser

modificado por fatores externos, ou seja “Simplório ao nascer, simplório ao

morrer.”(SCHOPENHAUER, 2002:250); a moral, por exemplo, não pode ser

modificada por ser inata do ser humano.

Interessante como em Aforismos, a infância é um período central na formação

humana, pois é quando as impressões são vívidas por serem únicos frente aos

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olhos, e isto atribui uma valorização da criança, onde na literatura schopenhaueriana

a curiosidade é vista como algo positivo, principalmente quando o autor fala que

“[...]nada nos distraiu, e vimos as coisas perante nós como se fossem ímpares[...] ”

(SCHOPENHAUER, 2002:250); a criança não é vista como um ser sem sabedoria,

sem fala ou ideias, ao contrário, é admitida como um puro sujeito do conhecimento.

O autor adentra em uma dualidade do ver e do ser, onde a vivência e olhar

mais objetivo sobre as representações é aprazível, todavia ao deixar a infância para

trás, experimenta-se o lado do ser. A criança desconhece a sentença de que “todas

as coisas são magníficas de ver, mas terríveis de ser”;

(SCHOPENHAUER,2002:250) este último lado, a vontade guia o indivíduo, com o

aspecto do ser, vem o desejar as coisas e juntamente vem o sofrer. Devido ao

desconhecimento, na infância, a dor e a aflição, não são vivenciadas; o mundo

mostra-se agradável diante dos olhos por causa da ausência do querer.

Embora o tema deste trabalho não seja a adolescência, Schopenhauer faz

considerações sobre essa, permitindo observar os benefícios da fase anterior. Um

exemplo, o autor se sugere que a infância seja a idade das ilusões, não no sentido

enganoso e sim pela harmonia de observar o mundo como único. A visão

despretensiosa da criança não procura a felicidade a todo custo, mas sim o puro

conhecimento; as imagens não são turvas como na adolescência e por isto a

felicidade não é utópica.

Toda a agonia inerente não somente à adolescência, como no restante da

vida, pode ser freada se na infância o mundo efetivo for cuidadosamente conhecido

e os conceitos serem inseridos no instante certo. Schopenhauer pontua o benefício

de acabar com a ilusão - no sentido de apreensão da realidade de modo errôneo –

da juventude se acaso a “[...]instrução em tempo apropriado[...]” fosse aplicada, no

entanto, na maior parte das vezes a vida é conhecida pelo que deveria ser e não

pelo que realmente é.

É interessante que o autor admite o querer constante típico da adolescência,

tal característica se choca com uma realidade de decepções e quimeras, por este

motivo deve “[...] manter o horizonte da criança desde o princípio mais estreito

possível, transmitindo-lhe, dentro de seus limites, apenas noções claras e corretas,

para que só gradualmente esse horizonte se amplie[...]” (SCHOPENHAUER,

2002:253), esta seria uma forma de evitar a dor e o sofrimento na fase posterior.

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No momento em que Schopenhauer menciona que a criança tem um

horizonte, o qual deve ser acrescido de informações no tempo oportuno, o filósofo

fala com clareza que “[...]os conceitos devem formar-se, por abstração, a partir de

nossas intuições[...]”(SCHOPENHAUER,§372),pois assim há como fazer uma

melhor relação entre a realidade e o que foi aprendido com livros; desse modo,

embora não seja muito extensa, a obra de Schopenhauer define qual a melhor

forma de educar um indivíduo.

Além de explicitar um respeito em relação a forma de aprendizado da

estrutura cerebral - não enxertar conceitos densos para uma mente ainda em

preparo - há o respeito quanto ao tempo desenvolvimento de cada ser humano,

sendo assim conceitos complexos ou não jamais devem anteceder as intuições.

Para o autor existem dois tipos de educação: a natural onde o sujeito “[...]sabe muito

bem quais são as intuições que estão sob cada um de seus conceitos[...]

(SCHOPENHAUER, §372), e a artificial “[...]a cabeça é arrolhada com conceitos

prontos por meio de ditados, instruções e leituras, antes da presença de qualquer

familiaridade com o mundo intuído.” (SCHOPENHAUER, §372).

Essas duas realidades são recorrentes no interior escolar, e para a Educação

Infantil, onde a ludicidade é um conceito basilar para a aprendizagem, é de grande

importância ter um olhar crítico sobre como desenvolver a melhor forma de ensino,

para que as crianças reconheçam, sintam o mundo efetivo, que é o mundo das

representações. Segundo Schopenhauer, o objetivo da educação é a familiaridade

com o mundo, logo nos leva a perceber que se por acaso ocorre uma inversão na

forma como o ensino é aplicado, o indivíduo além de não absorver de forma correta

o mundo a sua volta, ele constrói uma visão distorcida de mundo.

Verificamos que segundo o autor, a apreensão imediata é formada pelos

nossos cinco sentidos e o Princípio de Razão (três formas inatas do conhecimento:

espaço, tempo e causalidade), logo nosso modo de perceber o mundo é derivado de

um processo permeado pelas sensações e intuições, logo encontramos mais uma

justificativa para priorizar, criar um ambiente criativa que esteja associado ao mundo

da criança. As nossas apreensões imediatas tornam nossa abstração verídica no

instante em que há uma correspondência; os “[...] conceitos só podem ser

verdadeiros se amparados por nossas intuições ou percepções, isto é, nossas

apreensões imediatas, uma vez que tais conceitos são derivados destas

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apreensões.” (ORRUTEA, 2015:171) as intuições devem originar os conceitos

maiores.

Orrutea cita “Sobre a quádrupla raiz do princípio da razão suficiente” onde o

autor delineia não somente o conhecimento de mundo por parte do ser humano

como também o impacto interno que isto causa no mesmo. Logo, é importante

observar a relação de crescimento interno ao ampliar o contato externo. Situação

essa, que transferida para a vivência escolar, mostra uma certa urgência em tornar o

ambiente escolar cada vez mais voltada para experiência, saindo do aspecto

mecanizado ou somente baseado em livros.

Schopenhauer analisa a aplicação do ensino como sendo invertido, uma vez

que os conceitos já estruturados e são passados para os alunos, e na visão do

autor, além de iniciar pela extremidade incorreta, não permite que os alunos façam a

ligação daquilo conhecido por eles previamente, com aquilo aprendido por eles

posteriormente.

De longe, podemos pensar que em nada interfere no aprendizado de uma

criança porém o autor atribui as distorções na forma de enxergar o mundo

justamente neste momento, onde deve ser seguido de forma precisa o processo de

aprendizado, sem inverter a ordem; as pequenas informações, as experiências

diárias devem ser basilares para a apreensão de conceitos principalmente os

complexos.

A crítica de Schopenhauer à educação meramente livresca volta nossos olhos

para a urgência em preparar a criança para algo ainda bem misterioso que é a vida;

relacionamos a criança e o quão misterioso é o mundo externo pelo fato de que a

transição entre o ambiente doméstico e o escolar amiúde é feito de modo rápido a

ponto da criança enquanto aluno não apreciar o mundo externo e ainda não adquiri-

lo como algo sim. Logo, juntamente com conceitos errôneos, cria um sentimento de

estranheza como se o mundo fosse adverso à própria realidade, ou ainda mais, o

sentimento da criança pode até mesmo ser de deslocamento, desenvolvendo, deste

modo, uma sensação de não pertencimento o que afeta a estrutura subjetiva do

indivíduo.

Conforme Schopenhauer

“Em geral, as crianças deviam aprender a conhecer a vida, em cada aspecto, não antes a partir da cópia, mas a partir do original. Por isso, em vez de corrermos para entregar apenas livros em suas mãos, deveríamos torná-las familiarizadas,

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gradualmente, com as coisas e relações humanas.” Schopenhauer (apud Orrutea, 2015, p.172).

O filósofo nos instrui a manter as crianças distantes de teorias que podem

confundi-las ou induzi-las à confusão, “[...] porque erros absorvidos prematuramente

são, na maioria dos casos, inextinguíveis [...]” (SCHOPENHAUER,§374), Sobre

Educação) com a alegação de que a capacidade de julgamento é formada

tardiamente, desse modo, ele não recomenda sequer o uso da filosofia; embora

possa parecer radical, o recomendado é a educação seja direcionada por

disciplinas, como matemática e ciências naturais, que o erro é quase nulo.

Schopenhauer, com o seu modo um tanto extremo, percebe a importância de

começar o aprendizado por coisas simples e alcançáveis por um cérebro ainda

jovem e ainda em fase de descoberta, onde não há a necessidade de injetar

complexidade pois o simples ainda foi solidificado.

Os conceitos falsos, o quimerismo criado pelo cérebro que recebe ideias

prontas mostra-se perigoso pelo motivo de ser um cérebro mais sugestionável e sem

o senso crítico próprio, retornando ao correspondente subjetivo do cérebro que é o

intelecto, se por acaso este não for bem instruído, não será capaz de desempenhar

bem a sua função que é direcionar a vontade pelo melhor caminho para atingir seu

objetivo.

O autor utiliza a palavra “perverter” ao se referir o impacto de uma educação

engessada na mente, podemos inferir que ocorre uma discrepância na apreensão de

uma verdade sobre o mundo externo, pois os livros e suas ideias já concebidas

quebram com a possibilidade de reflexão sobre a realidade, desse modo algo

expressado como a única forma de viver ou de pensar, impossibilita outras formas

de viver e pensar, o que torna o mundo restrito e seletivo para alguns, o que exige

um enquadramento a todo custo do indivíduo, por isso o autor fala da perversão da

mente.

O risco da conceituação pré-fabricada está no fato de não permitir ou

desvalorizar tudo que pode ser assimilado com a prática, inerente a este

pensamento vem a falta de compromisso a toda bagagem cultural da criança, o que

por fim esbarra no limite da discriminação e da falta de respeito com o conhecer

alheio. Considerando que o filósofo assume o quanto importante é a experiência na

aprendizagem, além de na perspectiva dele a educação se tornar mais dinâmica, há

também a aproximação à multilateralidade e o distanciamento da superficialidade,

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ou seja, várias vivências e várias formas de enxergar o mundo e não apenas um

único ângulo pré-fabricado a ser adotado e considerado como correto.

A fixação de ideias erradas antes das intuições além da criança crescer com

uma visão unilateral de tudo, a sua existência torna-se um tanto dolorosa pois como

a realidade desentoa daquilo que há dentro de sua mente, após a desilusão com o

mundo real, vem à tona a inquietação para acomodar o pensamento unilateral em

um mundo desconhecido. Interessante observar que a intuição aprimora a

adaptabilidade do ser humano a novas formas de agir, ainda mais por que houve um

caminho para se construir um pensamento próprio, logo este indivíduo tem as

“ferramentas” necessárias para chegar a um senso crítico sobre algum assunto, ou

seja problematizar a realidade ao redor.

Vale ressaltar que para Schopenhauer, a educação em nada pode mudar o

íntimo do indivíduo, então mesmo desenvolvendo a criticidade e as intuições

antecedendo os conceitos, se o homem tiver que demonstrar sua bondade ou

maldade, mostrará. A educação serve para apresentar o mundo e desenvolver o

lado da compreensão e nada mais, o interior permanece intacto. Um intelecto bem

preparado aconselha a vontade implacável de maneira assertiva, podemos pensar

que a vontade concluirá seu objetivo, porém por um caminho diferente e talvez

menos desastroso, sendo neste ponto que encontramos a efeito da educação, nas

escolhas para chegar a um objetivo e não na mudança do objetivo. Para o filósofo,

o caráter inteligível não se pode ser mudado, a vontade como coisa em si é

imutável, este é o princípio filosófico de Schopenhauer, logo nada que é externo

pode mudar o indivíduo em seu cerne, nem mesmo uma boa educação, ou uma

educação má também não tornará o sujeito mau. No entanto, o que há de mais

instigante na “pedagogia schopenhaueriana” é até aonde educadores podem ir para

instruir um sujeito e o caminho a ser tomado como melhor, ou a melhor forma de

começar a instruir uma criança.

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Capítulo VI – Schopenhauer na Educação Infantil

De início, talvez pouco possa ser visto de Schopenhauer na Educação

Infantil, porém a educação para o autor, ousemos dizer, é um sequencial onde

primeiro vem as intuições através da experiência e, após isto, são introduzidos os

conceitos prontos, o que tradicionalmente por intermédio da educação livresca.

Considerando o quão importante é a Educação Infantil, que além de marcar o início

do processo educacional, a criança, neste momento tem o contato com outra

realidade, que transpassar o eixo doméstico; Schopenhauer dialoga com a

Educação Infantil em outros pontos, porém aqui, o autor satisfaz essa proximidade

ao elucidar que o objetivo da educação é criar familiaridade com o mundo. O

aprendizado à criança é rico em detalhes pelo fato de que na infância além de

observar o mundo objetivo, ocorre uma reinvenção, a qual é devolvida e traduzida

em uma nova forma de viver, o que significa que a criança vivencia uma situação,

elabora no cérebro à sua percepção e acrescenta ao mundo efetivo a sua própria

forma de pensar, ou seja, enriquece o convívio social. As Diretrizes Curriculares

Nacionais da Educação Infantil (DCNEI, Resolução CNE/CEB no 5/2009), em seu

Artigo 4°, definem a criança como

“sujeito histórico e de direitos, que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura” (BRASIL, 2009).

Interessante observar duas características da Educação Infantil as quais tornam-se

complementares, são o cuidar e o educar. Ambos os processos embasam a

concepção da Educação Infantil como um momento onde “[...] o cuidado é

indissociável do processo educativo.” (BNCC, p.34) Na verdade, a Base Nacional

Comum Curricular tem a intenção de proporcionar experiências similares entre os

dois ambientes conhecidos pela criança: a casa e a escola. Estes pontos podem ser

correlacionados a Schopenhauer pois o autor valoriza a experiência, o que vai de

encontro à outra recomendação do autor de que a educação dever ser “[...]

principiada pela extremidade correta[...]” (Schopenhauer, §373), e o respeito desta

sequência é imprescindível para a formação humana, pois as primeiras impressões

de mundo serviram como base para os conceitos mais latos.

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Mesmo não sendo o foco deste trabalho, mas para exemplificar é importante

citar a brincadeira como um ponto onde práticas pedagógicas devem ser

intencionais e dirigidas; dizemos isto porque é recorrente o pensamento de não

haver seriedade no momento de descontração/brincadeira infantil, e este é visto

como um momento livre onde nada é produzido, no entanto todas as ações de uma

criança deve ser analisada e aproveitada como um meio de “[...] socialização,

autonomia e a comunicação[...]” (BNCC, 2017:34); pois tudo produzido na Educação

Infantil deve ser transformado como um meio de construção da subjetividade de uma

criança.

É importante destacar que as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação

Infantil tem como estruturas a interação e a brincadeira e a Base nacional Comum

Curricular tem propostas cuja finalidade é viabilizar a aprendizagem e o

desenvolvimento, ou seja, tanto a última quanto a primeira recomendam que o

momento de aprendizagem tenha como embasamento a interação que assegura à

criança comunicação, expressão e um papel ativo no convívio social

Schopenhauer em seu Sobre a Educação faz críticas a algumas formas de

iniciar a aprendizagem e fala que a “educação produz cabeças tortas”

(SCHOPENHAUER, §372) porém o autor fala sobre um tipo específico de educação,

a artificial; consiste na educação onde os conceitos prontos são priorizados em

detrimento das experiências e consequentemente “as coisas e os homens serão

falsamente julgados, falsamente vistos, falsamente manejados.”(SCHOPENHAUER,

§372)

Tudo o que está relacionado à criança e ao seu desenvolvimento criativo é

um momento que deve ser respeitado e aproveitado como uma forma de

aprendizagem, isto na creche e pré-escola.

A Base Nacional Comum Curricular frisa a intencionalidade das atividades no

cotidiano escolar prezando sempre o intuito “de ampliar o universo de experiências,

conhecimentos e habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas

aprendizagens” (BNCC, 2017:34), o que por fim enriquece prática pedagógica, e

além de propiciar um diálogo entre criança e educador, ao passo em que a criança

observa e cria, o educador faz o mesmo há uma parceria em que a criança observa

e cria. e com um acréscimo pois além de aproveitar a produção cultural da criança,

respeita a realidade deste. Essa preocupação com o cotidiano da criança que se

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inicia no autocuidado, onde ele vivencia sensações ao se preocupar com o próprio

corpo, no que se refere à higiene, indo até a relação com as outras pessoas, tudo

auxilia na construção do subjetivo, do ser emancipado, ao iniciar o aprendizado por

coisas simples.

Podemos observar, que a recomendação da BNCC se aproxima muito do que

Schopenhauer enxerga como sendo o objetivo da educação que é a familiaridade

com o mundo, isto pelo fato de seguir a sequência do aprendizado, ou seja, “em

cada coisa a intuição antecede o conceito” (SCHOPENHAUER, §373) ou seja, o

autocuidado e todas as experiências relacionadas à aprendizagem, auxilia na

construção do ser emancipado.

O trabalho do educador não estático e tampouco individual, no sentido deque

suas perspectivas sobrepõem outras ideias, dessa forma é imprescindível “refletir,

selecionar, organizar, planejar, mediar e monitorar o conjunto das práticas e

interações, garantindo a pluralidade de situações que promovam o desenvolvimento

pleno das crianças.” (BNCC,2017:37)

Este conjunto de atribuições dada ao educador aproxima a educação,

ousamos dizer, da sua naturalidade, no sentido de ser mais natural pelo fato de

atentar para a “intuição multilateral e rica” (SCHOPENHAUER, §373) e se distanciar

da inserção do “conceito abstrato – o qual logo já tem tudo pronto – em termos de

brevidade e velocidade.” (SCHOPENHAUER, §373)

A rotina da criança é marcada pelo brincar, no entanto neste trabalho não

temos a intenção de nos aprofundarmos neste universo, mas sim dissertar sobre

algo que ocorre no instante de qualquer brincadeira: a espontaneidade da interação.

No mundo da criança não há um meio mais fiel que dialogar a intuição, tão indicada

por Schopenhauer e com a interação que nesta fase acontece.

“Ao observar as interações e a brincadeira entre as crianças e delas com os adultos, é possível identificar, por exemplo, a expressão dos afetos, a mediação das frustrações, a resolução de conflitos e a regulação das emoções.” (BNCC,2017:35)

Como a Educação infantil a criança chega de certo modo “crua” em relação

ao mundo externo, há a preocupação de torná-la ativa diante de situações

desafiadoras por isto a interação é fundamental.

Outro ponto a ser considerado é o benefício da interação entre educador e

da criança já que este momento é de permuta, ou seja, ao passo que ampliam as

experiências das crianças, o trabalho do professor torna-se mais dinâmico. Este

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dinamismo afasta o risco de uma educação tediosa e aproxima o processo de

aprendizagem para o mais natural.

A indicação da BNCC de que a melhor forma de avaliar o desenvolvimento

de uma criança é acompanhando seus passos, criando “registros, feitos em

diferentes momentos tanto pelos professores quanto pelas crianças”

(BNCC,2017:37) isto é o respeito pela bagagem cultural trazida pela criança, e não

há como classificar em apto ou inapto, simplesmente a aprendizagem acontece da

melhor maneira, dentro da sua sequência, onde a experiência antecede

os conceitos prontos. A questão do registro satisfaz a proposta educativa feita por

Schopenhauer, o autor fala sobre a maturação do conhecimento e isto ocorre

apenas se houver “[...]uma ligação exata entre conceitos abstratos completos e suas

compreensões intuitivas[..]” (SCHOPENHAUER, §375), ou seja, o processo tem o

instante em que aquilo apreendido pelo subjetivo se liga ao objetivo.

Interessante observar que a educação artificial se dá devido a ideias que

vem produzidas por situações as quais o aluno não vivenciou, no entanto, o registro

mesmo tendo esta característica de anotações, se distancia da educação

meramente livresca pois não é artificial, na verdade, Schopenhauer direciona cautela

se acaso não houvesse experiência, haveria uma lacuna, desse modo seriam

formados “[...] conceitos defeituosos, e a partir destes falsos conceitos, finalmente,

uma visão de mundo confusa e de espécie individual[...]”(SCHOPENHAUER,

§373)Todo o registro é produzido a partir de situações familiares às crianças, logo o

filósofo critica sim a educação livresca porém àquela que em nada se relaciona ao

aluno, que em nada pode suprir as necessidades culturais, psicológicas, sociais das

crianças.

O registro da aprendizagem do aluno, assim como seu desenvolvimento,

denota importância por mostrar as etapas do conhecimento, evidencia os detalhes

do cotidiano e a consequência disto na educação do aluno, tudo sem a

intencionalidade seletiva. Há a espera pelo amadurecimento do cérebro para

receber as ideias mais densas e de forma gradativa que varia de criança para

criança, isto vai de encontro a uma situação citada pelo filósofo de que há um risco

do indivíduo enxergar o mundo de forma errônea caso algum conhecimento seja

apressado, sem respeitar a maturidade do cérebro para processar algumas

informações “[...]ocorre que a educação produz cabeças tortas, e também acontece

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que nós, na juventude, após longos aprendizados e leituras, frequentemente

ingressamos no mundo em parte ingênuos, em parte confusos, e ora nos

comportamos como tímidos, ora como atrevidos;[...]” (SCHOPENHAUER, §372).

A filosofia schopenhaueriana nos faz repensar na qualidade, no aspecto de

que as informações não podem ser depositadas mas sim construídas onde o

educador dialogue com a criança, desse modo a quantidade de informação

adquirida pelo aluno torna-se irrelevante se por acaso não houver a ligação do

conceito e a realidade; isto é benéfico pois o foco do ensino fixa bem no caminho

percorrido pela criança do que no resultado, não que este seja desconsiderado, no

entanto o essencial passa a ser as habilidades desenvolvidas pelo aluno

diariamente.

A Base Nacional Comum Curricular dialoga com Schopenhauer pois em todo

a elaboração do documento, o tema central é a interação. Como exemplo temos o

“Direito de aprendizagem e desenvolvimento”, onde fica explícito a importância das

“[...]experiências nas quais as crianças podem construir e apropriar-se de

conhecimentos por meio de suas ações e interações[...] (BNCC,2017:35), ou seja,

para o educador é uma referência de como lançar um olhar de reconhecimento do

quanto a vivência da criança é enriquecedora não só para ela mesma como para o

trabalho pedagógico. Há de reconhecer a grande valia que é a importância dessas

vivências justamente porque o desenvolvimento da criança e as interações da

mesma ocorrem de forma simultânea e complementar, ou seja, ao interagir a criança

se desenvolve, cria a sua identidade, afirmando-se como um sujeito do

conhecimento

Os campos de experiências os quais “[...] constituem um arranjo curricular

que acolhe as situações e as experiências concretas da vida cotidiana da

criança[...]”(BNCC, 2017:38) são essenciais serem considerados por estabelecer

introduzir todo o conhecimento e os saberes no currículo, o que significa que as

atividades pedagógicas serão obrigatoriamente desenvolvidas tendo como ponto de

partida, o centro do trabalho do educador a própria criança. Outro ponto a ser visto é

que estabelece uma conexão entre o aprendizado e a realidade do aluno; primeiro

campo de experiência “O eu, o outro e o nós”, desenvolve a parte interativa da

criança, reconhecimento do outro e desta forma, o modo como ele mesmo se

posicionará em sociedade. “Ao mesmo tempo que participam de relações sociais e

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de cuidados pessoais, as crianças constroem sua autonomia e senso de

autocuidado, de reciprocidade e de interdependência com o meio”. (BNCC,2017:38)

É relevante destacar que Schopenhauer faz referência às relações sociais

como uma forma de conhecer as nossas ações, ou um melhor “[...] uma apreensão

menos distorcida do “mundo humano” seria possível pela ampliação das

experiências vivenciadas nas relações sociais [...]” (DEBONA, 2016:270). O que

demonstra quão importante é oportunizar a criança a conviver com outras ideias e

assim fomentando indagações sobre o mundo ao redor, é uma forma de enriquecer

a subjetividade da criança pelo fato de desenvolver. Neste campo é importante a

abertura da mente da criança para um mundo não tão linear como muitas vezes a

educação mais engessada prega.

Outro ponto a ser desenvolvido aqui é o contato com as representações, e

até mesmo o auto reconhecimento como representação, e a diferenciação de si e

dos outros, o que auxilia na formação da abstração, do entendimento não só do

próprio mundo como do mundo alheio.

A interação vem como ponto central nesta etapa, ao considerar que a

criança se retira do convívio doméstico e inicia a convivência com outras pessoas,

criança e adultos, com ideias diferentes, logo é impulsionada a observar outras

formas de pensar, o que servirá de enriquecimento não apenas para si como

também para o meio escolar. Esta fase é pode-se adotar ou ousar a observar uma

certa dificuldade pois outras representações serão introduzidas na mente da criança

que até então tinha um cotidiano restrito e o mundo se amplia, adicionando novas

experiências e novas formas de se relacionar.

Importante observar que neste momento o interessante para a criança frente

a um mundo novo é o início da desconstrução de um único mundo ou de uma única

forma de mundo, neste instante algumas ideias pré-concebidas e engessadas

devem ser descartadas com a finalidade de fazer a criança construir sua própria

forma de pensar.

A BNCC embora separa os campos de experiências, podemos avaliá-lo

como complementares e é o que são. No campo “Corpo, Gestos e Movimentos” é

utilizada uma característica básica inerente ao comportamento da infância que é o

impulso para a exploração, com a utilização do corpo, o qual auxilia na descoberta

dos sentidos, pois utiliza-se, e os movimentos que ao ter o impulso do toque é

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instantaneamente acionado. É necessário frisar a importância dessa experiência

com o corpo e o mundo ao redor, pois a criança passa a se sentir própria do espaço

conforme fala a BNCC “o corpo das crianças ganha centralidade, pois ele é o

partícipe privilegiado das práticas pedagógicas de cuidado físico, orientadas para a

emancipação e a liberdade, e não para a submissão.”

Traços, sons, cores e formas, acrescentam ou melhor, incrementam o

campo anterior ao adicionar na experiência a oportunidade da criança de sentir,

provar, testar, ou seja, utilizar seus movimentos para ter um contato direto comas

mais variadas texturas e além disso utilizar todos os sentidos para diversificar as

suas experiências. “Através dos órgãos dos sentidos, os primeiros dados fornecidos

pela experiência conduzem à representação. Por isso, o contato dos órgãos

sensoriais com a matéria ainda não é representação, mas são apenas dados.”

(DEBONA, 2010:33) E embora os primeiros dados sejam somente dados, ainda

assim é o princípio de uma elaboração mental que termina no intelecto, o que

significa que todas as sensações acrescentam muito na apreensão de mundo e no

desenvolvimento da criança. Neste momento são introduzidas na criança as artes

mais simples, a manipulação de objetos, a moldura, a possibilidade de criar. Em

tempos e espaços para a produção, manifestação e apreciação artística, de modo a

favorecer o desenvolvimento da sensibilidade

A comunicação é inerente à vida do ser humano, o centro da interação

é a comunicação. “Na Educação Infantil, é importante promover experiências nas

quais as crianças possam falar e ouvir, [...]” (BNCC, 2017:40) a fala e a escuta a

parte mais importante por constar neste fenômeno a abstração. Para uma criança se

comunicar, primeiro ela teve que tornar em conceito aquilo que ela apreendeu do

mundo a sua volta. A fala e a escuta é um momento de troca onde a singularidade

do indivíduo é solidificada por colocar o seu ponto crítico e ainda, ampliado por

exercitar o respeito ao pensamento alheio.

Interessante observar que a BNCC recomenda o contato da criança com a

cultura escrita e ainda o contato com livros de contos e poemas, ao contrário

Schopenhauer, descarta esta ideia, alegando que seria um conteúdo muito denso

para um cérebro ainda em preparo para fixar ideias grandes. Retornando à BNCC,

podemos observar uma gradação, onde a criança tem o contato com a cultura

escrita sim, porém este contato não seria feita de qualquer forma, a escrita faz parte

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de uma construção do cotidiano da criança, é uma parte vivenciada onde o indivíduo

se identifica e passa a se comunicar e participar do convívio social através da

escrita. Ouvindo ou apenas manuseando os livros a criança tem a imaginação

instigada, mesmo porque a curiosidade é o ponto chave para este momento ser bem

aproveitado.

Fazer a criança se perceber como indivíduo no tempo e no espaço é

nitidamente importante, um dos motivos é justamente a percepção dos objetos a sua

volta, a interação com os objetos a visão sobre si como ser e objeto, e além disso, a

verificação dos fenômenos, as mudanças de clima, e com isso as primeiras

sensações captadas pelo entendimento. A criança através de todas as

possibilidades de experiência e de compreensão do mundo a sua volta, mostra-se

como um sujeito formador de conhecimento, e seu próprio corpo permite as

intuições vindas das experiências. “Por meio das afecções desse corpo o indivíduo

enraíza-se no mundo e passa a intuí-lo pelo entendimento, gerando, assim, o

conhecimento.” (DEBONA, 2010:37).

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Observações e Relatos sobre a Educação Infantil

Com o objetivo de enriquecer o presente trabalho em âmbito pedagógico,

foram observadas crianças de 5 anos de uma classe da Educação Infantil, no seu

cotidiano de uma escola rede pública do município de Nova Iguaçu, situado na

Baixada Fluminense. Dentre outras unidades, esta foi a de minha escolha motivo de

ter sido estagiária durante um semestre, este fato me possibilitou fazer algumas

observações caras em relação aos alunos e ainda repensar situações que poderiam

ser um veículo de aprendizagem.

As turmas com crianças de 5 anos de idade eram formadas por cerca de 25

crianças e uma professora a qual não tinha professora auxiliar. A estrutura da sala

era bem simples, no entanto o mobiliário possibilitava a formação de grupamento de

5 alunos, algo importante para a interação das crianças. Interessante observar que

as crianças chegavam e se aproximavam do colega com mais afinidade. Por fim, a

chegada da professora é um fato que deve ser observado. Era sempre bem

marcado com um “bom dia!” e em seguida, a docente nomeava suas ações, como

por exemplo “vou me sentar”, ou “tirarei o meu casaco”, ou uma observação sobre

como o dia estava bonito ou o tempo estava com nuvens.

Por curiosidade, indaguei à docente o porquê de sempre nomear as ações,

até mesmo como se fosse bem mecanizada, a mesma explicou que as crianças

estão no início da aprendizagem, logo é de muita importância situar cada uma das

crianças no tempo-espaço, e muitas tinham a dificuldade de reconhecer o tempo

passado e o futuro, assim como alguns objetos, havia uma dificuldade em nomear

objetos, então a professora como educadora responsável pela apresentação do

mundo efetivo introduzia aos poucos novos nomes de objetos, as sensações da

estação do ano, o tempo que ora estava chuvoso ora ensolarado. Achei interessante

pois a professora utilizava das situações corriqueiras e vivenciadas pelas crianças

para apresentar novos conceitos.

Outro episódio interessante foi uma dinâmica ocorrida, a qual a professora nomeou

de “Mostre seu amiguinho da soneca!”. A criança deveria levar para sala de aula, um

bichinho de pelúcia ou um brinquedo o qual era o seu companheiro na hora de

dormir. Muitas crianças trouxeram animais coloridos, e teve uma menina que trouxe

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um unicórnio; a professora, sabiamente, esclareceu para as crianças que unicórnio é

um ser mitológico, não era real mas sim faz parte do “faz-de-conta”. Interessante que

a professora introduziu um novo saber, e separou duas esferas bem misturadas

pelas crianças, a fantasia e a realidade; esclarecendo que não era errado gostar de

unicórnio porém não é um animal que pode ser visto no mundo real, como por

exemplo, no zoológico. Em seguida, a docente perguntou quem havia visitado um

zoológico ou museu, algumas crianças desconheciam tais lugares, cabendo a

professora explicar o que era cada lugar. Empolgante foi perceber a construção de

outras realidades na mente da criança, no entanto, o reconhecimento de alguns

lugares, de certos animais foi percebida certa dificuldade pelo fato de não fazer parte

da realidade de muitas crianças. Para alguns, urso cor de rosa existia e elefante

colorido também, outras não conseguiram ter ideia da dimensão de uma girafa;

situações deste tipo, nos remete justamente ao que Schopenhauer fala sobre tornar

o cotidiano da criança cada vez mais rico em experiência. A docente, no caso,

trabalhou com o material disponível, ou seja, os brinquedos dos alunos, fotografias,

desenhos, porém o recomendado seria levar a criança no zoológico, como exemplo

temos a aula-passeio.

Em outra aula, foi o dia da contação de história, a professora fez uma roda, contou a

história “Os Três Porquinhos”. A fábula foi contada sem muita entonação, pouco

recurso vocal ou visual, tanto que teve um aluno em especial que não prestou muito

atenção, começou a desenhar de maneira distraída, por fim a professora pediu a

confecção de um desenho qualquer que lembrasse a história. O aluno que parecia

estar distraído se colocou em baixo de uma das mesas, pegou o livro da professora,

em um instante que ela o colocou de lado, começou a esfolheá-lo contando toda a

história e sempre repetindo “Tadinho! Tadinho!”, isto para cada porquinho. Diante

disto, tal situação pode ser trabalhada uma dramatização, um teatro onde as

crianças possam atuar, para desenvolver a criatividade, a concepção de mundo, a

linguagem e também a interação com o outro, criando novos significados.

Schopenhauer mostra-se cada vez mais interessante pois como sua perspectiva

destaca as intuições, o que nos faz indagarmos sobre qual a melhor maneira de

aproveitar o dia a dia para inserir a criança no mundo por fim, mínimos detalhes que

antes passavam imperceptíveis, conseguimos associá-los a um aprendizado novo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

De início, relacionar Schopenhauer à Educação direcionada para crianças

parecia um pouco difícil, mesmo porque o próprio autor descarta a possibilidade de

mudança do interior, e para nós educadores, isto pode ser frustrante, por remeter a

uma certa inutilidade em relação à instrução.

No decorrer do trabalho, são observados pontos como a vontade, a

representação e as sensações, fazendo-nos refletir sobre o primeiro contato da

criança com conhecimentos novos, e neste instante, descobrimos que entendimento

todos os animais carregam, porém a razão/abstração somente o animal-homem

consegue construir; em contrapartida o cerne do mundo é Vontade, e cada ser tem a

vontade individual, e no homem é voraz, é um querer cego e incontrolável, o que por

fim nos deixa a pergunta se a educação conseguiria dominá-la.

A resposta não é decepcionante, pois se nosso íntimo é vontade, o lado

intelecto pode ser instruído, o intelecto, o correspondente subjetivo do cérebro, tem

suas limitações, porém bem aprimorado, pode aconselhar a vontade e fazê-la

encontrar caminhos mais sensatos para conseguir seus objetivos. Todo o trabalho

expressa certo otimismo pois a educação, o papel do educador é importante, ao

sermos cônscios de que há uma possibilidade de criar uma boa instrução e isto se

desenvolve partindo do empirismo, esta característica amplia o campo de atuação

do educador, permitindo utilizar de criatividade dentro de sala de aula e outro ponto

muito importante ´é que não necessita de situações extraordinárias para lecionar,

principalmente na Educação Infantil, pois cada criança vem com a sua bagagem,

com sua cultura própria e embora Schopenhauer não diga explicitamente isto, ao

falar das primeiras experiências o autor demonstra o respeito para com o saber

individual o que faz com que o educador também tenha o mesmo olhar.

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