a relativização do sigilo profissional médico · fiscalização e controle epidemiológico (art....

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    EXPEDIENTE

    CADERNOS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA é uma publicação do UNICURITIBA Endereço: Rua Chile, 1678 – CEP 80220-181 – Curitiba, PR – Brasil Telefone: (41) 3213-8700 Site: www.unicuritiba.edu.br E-mail: [email protected] UNICURITIBA Reitor: Danilo Vianna Pró-Reitor Acadêmico: Adriano Rogério Goedert Pró-Reitora Administrativa: Vanessa Santamaria COMISSÃO EDITORIAL Cintia Rubim de Souza Netto Fabiano Christian Pucci do Nascimento Glávio Leal Paúra Isaak Newton Soares Marlus Vinicius Forigo Paulo Ricardo Opuszka Revisão: Cintia Rubim de Souza Netto e Marlus Vinicius Forigo Diagramação: Cintia Rubim de Souza Netto e Marlus Vinicius Forigo Data: 2012

    http://www.unicuritiba.edu.br/mailto:[email protected]

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    APRESENTAÇÃO

    O Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), visando consolidar a

    pesquisa científica que realiza, apresenta à comunidade acadêmica a primeira

    edição do seu “Cadernos de Iniciação Científica”. Esta publicação tem como

    propósito divulgar anualmente os resultados dos projetos de iniciação científica da

    graduação e pós-graduação da Instituição nas suas diferentes linhas de pesquisa,

    através de artigos produzidos pelos alunos e professores que desenvolveram as

    pesquisas. Desta forma, contribui para expandir o conhecimento e a prática da

    pesquisa do corpo discente e docente. Tornar público esses resultados é o

    comprometimento do UNICURITIBA, através do Núcleo de Pesquisa e Extensão

    Acadêmica (NPEA), complementando, portanto, outro evento de pesquisa já

    consolidado, o Simpósio de Iniciação Científica (SPIC). Este Simpósio, realizado

    anualmente desde 2009, visa à apresentação de resumos das pesquisas e a

    discussão de seus resultados, bem como a interface com trabalhos de outras

    Instituições de Ensino Superior.

    A primeira edição do “Caderno de Iniciação Científica” é composta por artigos

    produzidos pelos alunos e seus professores orientadores nas diversas áreas

    abordadas pelos projetos ao longo do ano de 2011.

    Boa leitura

    CINTIA RUBIM DE SOUZA NETTO Supervisora do Núcleo de Pesquisa e Extensão Acadêmica

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    SUMÁRIO GRUPO DE PESQUISA: TUTELA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NA ATIVIDADE EMPRESARIAL: OS EFEITOS LIMITADORES NA CONSTITUIÇÃO DA PROVA JUDICIÁRIA Prof. Orientador: Luiz Eduardo Gunther ...................................................................... 5 A RELATIVIZAÇÃO DO SIGILO PROFISSIONAL MÉDICO Flávia Bueno De Cerqueira Leite e Luiz Eduardo Gunther ......................................... 6 LIMITAÇÕES AO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS: AS INTERCEPTAÇÕES COMO MEIO DE PROVA Eloína Ferreira Baltazar e Luiz Eduardo Gunther ...................................................... 17 A FOTOGRAFIA DIGITAL COMO PROVA POR MEIO DA ATA NOTARIAL Joanna Vitória Crippa e Viviane Séllos ..................................................................... 25 SIGILO BANCÁRIO: DESDOBRAMENTOS, CONFLITOS E REPERCUSSÕES Joanna Vitória Crippa e Luiz Eduardo Gunther ......................................................... 33 FOTOGRAFIA DIGITAL COMO PROVA NO PROCESSO – ASPECTOS TECNOLÓGICOS Juliana Cristina Busnardo Augusto de Araujo ........................................................... 41 O SEGREDO EMPRESARIAL COMO DIREITO DE PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA Juliana Cristina Busnardo Augusto de Araujo ........................................................... 53 A FOTOGRAFIA, A IMAGEM E OS DIREITOS DE PERSONALIDADE: PONTOS DE CONTATO Luiz Eduardo Gunther e Noeli Gonçalves da Silva Gunther ...................................... 66 O PROBLEMA DO SIGILO NA OBRA O PROCESSO DE KAFKA E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS BRASILEIROS Luiz Eduardo Gunther ............................................................................................... 84 O SIGILO PROFISSIONAL DO ADVOGADO Nara Fernandes Bordignon e Luiz Eduardo Gunther ................................................ 96 O SIGILO DA PERÍCIA MÉDICA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS – UM CASO EM EXAME Rafael Antonio Rebicki e Luiz Eduardo Gunther ..................................................... 104 O SEGREDO DE JUSTIÇA COMO GARANTIA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Simone Aparecida Barbosa Mastrantonio ............................................................... 114

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    TUTELA INIBITÓRIA COMO MEDIDA DE PROTEÇÃO À IMAGEM Simone Aparecida Barbosa Mastrantonio ............................................................... 127 GRUPO DE PESQUISA: SOBRE A VIOLÊNCIA NA MODERNIDADE Prof. Orientador: Guilherme G. Telles Bauer........................................................... 137 GLOBALIZAÇÃO E VIOLÊNCIA: O COMÉRCIO ILÍCITO E A QUESTÃO DAS DROGAS Daniel Henrique Roesler ......................................................................................... 138 A BUROCRACIA NO GOVERNO TOTALITÁRIO NAZISTA – A CAPACIDADE DE AÇÃO GENOCIDA E A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL João Alfredo Gaertner Junior .................................................................................. 152 DISCURSO E IDEOLOGIA NO TOTALITARISMO Gehad Marcon Bark ................................................................................................ 176 GRUPO DE PESQUISA: DIREITO PENAL ECONÔMICO Prof. Fabio André Guaragni..................................................................................... 189 A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES TRIBUTÁRIOS Natália Brasil Dib ..................................................................................................... 190 GRUPO DE PESQUISA: RELAÇÕES INTERNACIONAIS: A IMPRENSA COMO NOVO ATOR Prof. Orientador: Marlus Vinicius Forigo .................................................................. 219 A MÍDIA LATINO-AMERICANA: NA SOMBRA DA INFLUÊNCIA MIDIÁTICA ESTADUNIDENSE DA GUERRA-FRIA Larissa Mehl ............................................................................................................ 220

    ERA UMA VEZ O CINEMA: ARTE E CONTESTAÇÃO SOCIAL NO IRÃ CONTEMPORÂNEO Jasmine Salua Dutra Ephigenio da Cruz ................................................................. 240

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    GRUPO DE PESQUISA

    TUTELA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NA ATIVIDADE EMPRESARIAL: OS EFEITOS LIMITADORES

    NA CONSTITUIÇÃO DA PROVA JUDICIÁRIA

    COORDENAÇÃO: LUIZ EDUARDO GUNTHER

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    A RELATIVIZAÇÃO DO SIGILO PROFISSIONAL MÉDICO

    THE RELATIVIZATION OF MEDICAL PROFESSIONAL SECRECY

    LA RELATIVIZACIÓN DEL SECRETO PROFESIONAL DE LA MEDICINA

    Flávia Bueno de Cerqueira Leite

    _______________________________________________________ Graduanda do Curso de Direito do UNICURITIBA

    [email protected]

    Orientador: Prof. Luiz Eduardo Gunther _______________________________________________________

    Desembargador Federal do Trabalho e Diretor da Escola Judicial (2010-2011) perante ao Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região – Paraná; professor do

    Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA; membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho e do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná

    .

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    RESUMO

    No século XX o segredo médico passa a integrar os direitos da personalidade. No Brasil é protegido pelo Código de Ética Médica, Constituição Federal, Código Civil e Código Penal. Mas apresenta caráter relativo perante o dever legal, a justa causa e o consentimento do paciente. Ocorre aparente conflito de normas constitucionais quanto a inviolabilidade da vida privada e o controle epidemiológico pelo poder público. O sigilo médico colide com preceitos do Direito Civil, Penal, do Trabalho e com normas editadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar. Palavras-chave: segredo profissional, sigilo médico, direito da personalidade,

    inviolabilidade da vida privada, ética médica.

    ABSTRACT

    In the twentieth century medical confidentiality becomes part of personality rights. In Brazil it is protected by Medical Ethics Code, Constitution, Civil Code and Criminal Code. But it has a relative character on legal duty, the just cause and the patient’s consent. It occurs an apparent conflict of constitutional standards regarding the inviolability of private life and the epidemiological control by public entity. The medical confidentiality collides with the precepts of civil, criminal, labor law and rules issued by Agência Nacional de Saúde Suplementar. Keywords: professional secrecy, medical confidentiality, right of personality,

    inviolability of private life, medical etichs. 1 INTRODUÇÃO

    O sigilo profissional diz respeito ao segredo cujo domínio de divulgação deve

    ser restrito a um cliente, uma organização ou um grupo, sobre o qual o profissional responsável possui inteira responsabilidade. Com a evolução da sociedade surgiram diversas profissões tendo cada uma delas sua demanda específica. Algumas, por estarem diretamente ligadas à esfera íntima das pessoas, passaram a ser reguladas por normas específicas, como é o caso do sigilo profissional médico. Antigamente o sigilo era considerado um dever do médico. No século XX surge uma preocupação de integrar o segredo médico ao âmbito de direito do cidadão passando a ser protegido por uma série de Constituições e Códigos Deontológicos, Civis e Penais.

    Sabe-se hoje que o segredo médico, assim como os demais segredos profissionais, tem natureza relativa, mesmo sendo aquele um direito inerente à personalidade, relativos à intimidade e à privacidade. Em casos excepcionais pode ser revelado em face de outros valores sociais mais relevantes. Até o próprio juramento de Hipócrates admite tais exceções quando diz que “o segredo deve ser guardado sempre que não seja necessário que se divulgue”.

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    Em algumas situações ocorre um aparente conflito entre normas constitucionais, como por exemplo, a inviolabilidade da vida privada e as ações do poder público para fiscalização e controle epidemiológico. Outro questionamento se faz a respeito das causas justificadoras da violação do sigilo médico, a exemplo da obrigatoriedade de comunicação de atendimento à vítima de crime sujeito à ação pública incondicionada. A investigação criminal nem sempre é compatível aos segredos profissionais tradicionalmente protegidos. Nas ações civis também se discutem questões relacionadas à entrega de prontuários médicos requisitados como provas. Na área trabalhista a controvérsia se relaciona à identificação das doenças nos atestados através do CID (Código Internacional de Doenças) e à obrigatoriedade de notificação de enfermidades relacionadas ao trabalho. Existe discussão relacionada às normas editadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar que, em tese, estabeleceriam o intercâmbio de dados entre operadoras de planos privados de saúde e favoreceriam a padronização de informações. Mas os profissionais da área da saúde alegam “a violação do segredo profissional” nos dados transmitidos. Diante desses argumentos faz-se necessário o estudo da interpretação de valores que preponderam em nosso ordenamento jurídico e que relativizam a inviolabilidade do segredo profissional. O presente trabalho objetiva coletar achados da doutrina, jurisprudência e legislação brasileira vigente, a fim de debater pontos relacionados à violação do sigilo médico diante da tutela dos direitos da personalidade. 2 DESENVOLVIMENTO Em regra, o segredo médico é inviolável, mas este caráter é de natureza relativa, mesmo sendo um direito inerente à personalidade, relativos à intimidade e à privacidade. Em casos excepcionais poderá ser revelado em face de outros valores sociais mais relevantes. Até o próprio juramento de Hipócrates admite tais exceções quando diz que “o segredo deve ser guardado sempre que não seja necessário que se divulgue”.

    A Constituição Brasileira, em seu artigo 5º, inciso X1, prevê a inviolabilidade do sigilo profissional por se tratar de direito relativo à intimidade e à vida privada. Assim também o faz o Código Civil em seu artigo 212. A quebra do sigilo profissional também constitui crime previsto no art. 154 do Código Penal3.

    No Brasil considera-se a proteção ao segredo médico um patrimônio de ordem pública. Constituem-se partes integrantes dele: a natureza da enfermidade, as circunstâncias que a rodeiam, o seu prognóstico, bem como as descobertas que o paciente não tem intenção de informar4,5.

    1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União. n.

    191-A, de 05-10-1988. In: Vade mecum. 11 ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 10. Artigo 5º, inciso X. 2 BRASIL. Código Civil. (Lei n. 10.406, de 10-01-2002). Publicada no Diário Oficial da União, de 11-

    01-2002. In: Vade mecum. 11 ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 159. Artigo 21. 3 BRASIL. Código Penal. (Decreto-Lei 2.848, de 7-12-1940). In: Vade mecum. 11 ed. São Paulo:

    Saraiva. 2011. Publicado no Diário oficial da União, de 31-12- 1940 e retificado em 03-01-1941. Artigo 154. p. 597. 4 FRANÇA, G. V. Segredo médico. In: L. R. LANA. Temas de direito médico. Rio de Janeiro: Espaço

    Jurídico, 2004. p. 368. 5 VIEIRA, T. R. Bioética e direito. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1999. p. 132.

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    Diz-se que há três escolas doutrinárias que cercam o sigilo médico: a absolutista, que impõe um sigilo total em todos os casos e para a qual a obrigação do segredo não é facultativa, e sim absoluta; a abolicionista que prega justamente o contrário, estranhando-se com o fato da lei proteger a intimidade de uma pessoa em prejuízo de interesses coletivos; e a eclética ou relativista, que adota o critério da relativização do sigilo em face de razões de ordem social ou interesses mais relevantes. Esta é a adotada pelo nosso Código de Ética Médica.

    De acordo com o artigo 73 do Código de Ética Médica, pode-se dizer que três situações relativizam o sigilo médico, ou seja, não configuram sua quebra: o dever legal, a justa causa ou o consentimento, por escrito do paciente6.

    Salvo as exceções descritas, existe outra que decorre do ordenamento jurídico, qual seja dos representantes legais de pessoas que não tem aptidão para praticar pessoalmente os atos da vida civil, como por exemplo, um menor de idade.

    Entende-se por dever legal a quebra do sigilo por obediência à lei7. É o caso da notificação compulsória de doenças transmissíveis disciplinadas pela Lei n. 6259 de 30 de outubro de 1975 e pelo Decreto n. 49.974 de 21 de janeiro de 1961. Em algumas situações ocorre um aparente conflito entre normas constitucionais, como a inviolabilidade da vida privada (art. 5º, X, CF)8 e as ações do poder público para fiscalização e controle epidemiológico (art. 196, 197 e 200, II, CF)9. A justa causa fundamenta-se na existência de estado de necessidade. Seu universo é muito amplo e por isso torna-se difícil o estabelecimento de seus limites10. Um dos exemplos é o cumprimento de ordem judicial11. O consentimento por escrito do paciente também pode ser entendido como justa causa da revelação do sigilo médico. Neste sentido decisão do Superior Tribunal de Justiça aduziu o interesse da paciente na revelação do conteúdo de ficha médica, ao ensejar a persecutio criminis após cirurgia cesariana que resultou em deformidade estética, não se justificando, portanto, a recusa da disponibilização do prontuário sob alegação de quebra de sigilo12. O Conselho Regional de Medicina do Paraná dispõe claramente, em Resolução própria, quais situações configuram relativização do sigilo por dever legal e por justa causa. São de ordem legal casos de: doenças infecto-contagiosas ou cuja notificação seja apenas obrigatória (profissionais, toxicômanas etc.); perícias judiciais; médicos revestido de função em juntas médicas que emitam laudos; atestados de óbito; em se tratando de menores seviciados ou abusados; em casos de crimes em que seu cliente é culpado e um inocente é condenado; e em casos de abortos criminosos, ressalvados os interesses da paciente. São casos constitutivos de justa causa os de: pacientes menores cuja eficácia do tratamento dependa da ciência dos responsáveis; moléstia grave ou transmissível por contágio ou herança, capaz de colocar em risco a vida do cônjuge ou sua descendência (desde que esgotados os outros meios inidôneos para evitar a quebra do sigilo); e ainda, casos de delitos previstos em lei ou a gravidade de

    6 BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Código de ética médica. Resolução CFM nº 1.931 de 17-

    09-2009. Brasília, 2010. p. 44. Art. 73. 7 FRANÇA, 2004, p. 374.

    8 Cf. nota 1 deste capítulo.

    9 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, p. 66 - 68.

    10 FRANÇA, 2004, p. 373.

    11 SEBASTIÃO, J. Responsabilidade médica civil, criminal e ética. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

    p. 210. 12

    BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS. n. 5.821-2 / SP, Rel. Adhemar Maciel. Julg. 15-08-1995.

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    suas consequências sobre terceiros que gere no médico o dever de consciência de revelar13. Nos atestados ou relatórios solicitados pelo paciente, a revelação das condições de saúde deste, mesmo que codificadas pelo CID (Classificação Internacional das Doenças), deve ser claramente entendida ser a seu pedido14.

    Nas searas do Direito Civil e Penal tem-se que mencionar aspectos relacionados principalmente à requisição de prontuários médicos e fichas hospitalares. É vedado ao médico depor como testemunha15. Tal fato também encontra amparo nos artigo 347, inciso II do Código de Processo Civil16 e artigo 207do Código de Processo Penal17.

    Deve-se saber que a maioria das requisições no juizado cível decorre do interesse do próprio paciente, através de propositura de ações por seus advogados, o que, no mínimo, preenche o requisito “autorização do paciente”. No juízo criminal, a pesquisa pode ser contra o próprio médico, por conduta ilícita sua18.

    Em Habeas Corpus julgado pelo antigo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, impetrado por entidade hospitalar, declarou-se inocorrente o constrangimento ilegal e a violação do sigilo médico em determinação judicial para que o diretor de referida entidade entregasse o prontuário de vítima que havia recorrido à polícia para se queixar de mau atendimento, visto que neste caso não haveria mais intimidade a ser resguardada19.

    Não existe na legislação qualquer dispositivo que autorize médicos, funcionários ou entidades hospitalares públicas ou privadas a fornecerem prontuários de pacientes, sejam quais forem os solicitantes. No entanto, se por solicitação do paciente ou se este desobrigar o médico do sigilo20, em atenção a sua própria defesa, admite-se não haver infração médica na divulgação do segredo se ele testemunhar ou apresentar cópias de prontuários. Quando requisitado judicialmente, o prontuário deverá ser disponibilizado ao perito médico nomeado pelo juiz, e a perícia não estará adstrita ao segredo profissional, mas sim ao sigilo pericial21.

    Com este entendimento, sentenciou o Supremo Tribunal Federal declarando constituir constrangimento ilegal a exigência de exibição de ficha clínica hospitalar, admitindo apenas ao perito o direito de consultá-la, obrigando-o ao sigilo pericial22.

    O artigo 66, inciso II, da lei das Contravenções Penais23 caracteriza como contravenção deixar de comunicar à autoridade competente os crimes de ação pública que independam de representação desde que a ação penal não exponha o paciente a procedimento criminal. Um dos casos mais comuns é o de atendimento de paciente que pratica o aborto em si. O médico não poderá denunciá-la às autoridades. Mas se

    13

    BRASIL. Conselho Regional de Medicina do Paraná. Resolução n.05 de 21-05-1984. 14

    FRANÇA, p. 374. 15

    Cf. nota 6 deste capítulo. 16

    BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n. 5.869 de 11-01-1973. Publicado no Diário oficial da União, de 17-01-1973. In: Vade mecum. 11 ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p.443. 17

    BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-lei n. 3.689 de 03-10-1941. Publicado no Diário Oficial da União, de 13-10-1984. In: Vade mecum. 11 ed. São Paulo: Saraiva. 11 ed. 2011. p. 678. 18

    SEBASTIÃO, J. Responsabilidade médica civil, criminal e ética. Op. cit. p. ? 19

    SÃO PAULO. Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. HC n. 281.108/0, Rel. Juiz Ivan Marques. Julg 25-10-1995. 20

    BRASIL. Código de Processo Penal. Op.cit. art. 207, 2ª parte. 21

    BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Código de ética médica. art. 89, § 1º. p. 45 – 46. 22

    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 91.218-5 / SP, da 2ª Turma, Rel. Djaci Falcão. Julg. 10-11-1982. p. 327 23

    BRASIL. Lei das Contravenções Penais. Decreto-Lei n. 3.688 de 03-10-1941. Publicada no Diário oficial da União, de 13-10-1941. In: Vade mecum. 11 ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 609.

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    for constatada a indução ou a fraude nesta prática por ação de terceiros, aí sim tem obrigação o médico de comunicar.

    Ainda complementando a referência feita ao julgado do Supremo Tribunal Federal acima citado, por se tratar de suposto caso de prática de aborto pela paciente, houve entendimento de que a disponibilização de sua ficha clínica pelo hospital configuraria violação do sigilo médico. Neste caso ponderou-se que o sigilo não deveria ser revelado em face do interesse da coletividade, que é o de punir crime dessa natureza24.

    Ainda em relação à comunicação de crime, quando se tratar de menor de 14 anos, vítima de estupro, com ou sem lesões corporais, o atestamento é obrigatório. Também o deve ser se a vítima menor de 14 anos tiver lesões corporais leves e que não derivem de abuso sexual. Mas se tiver entre 14 e 18 anos, o médico deve comunicar apenas os pais, não cabendo àquele a decisão de dar início ao procedimento criminal25.

    Com relação à denúncia de atendimento de vítima de violência, envenenamento etc. com lesões graves ou fatais, ao denunciar, o médico estará acobertado pela conduta de cumprimento de dever legal.

    O Código Penal também prevê tipificação de crime a omissão de notificação de certas doenças à autoridade pública26. Enfermidades estas que impliquem em medidas de isolamento ou quarentena, de acordo com o Regulamento Sanitário Internacional, além das constantes de relação elaborada pelo Ministério da Saúde27. A Lei n. 6.259/75 afirma, em seu artigo 10, que a notificação compulsória tem caráter sigiloso, obrigando não só o médico como também as autoridades sanitárias. A identificação fora do âmbito médico-sanitário somente se dará em caráter excepcional, em caso de grande risco à comunidade, mas com o conhecimento prévio do paciente ou responsável.

    Considerando a frequente ocorrência de requisições judiciais de prontuários médicos, por autoridades policiais e pelo Ministério Público, o Conselho Federal de Medicina manifestou-se no seguinte sentido: declarou, primeiramente, ser ilegítima a requisição judicial quando há outros meios de obtenção de provas e resolveu que o médico não pode revelar conteúdo de ficha médica sem o consentimento do paciente; em caso de investigação de crime, o médico se encontra impedido de revelar segredo que exponha seu cliente a processo criminal; em caso de instrução criminal em que seja requisitado judicialmente o prontuário, o médico deverá disponibilizá-lo ao perito nomeado pelo juiz para que seja realizada perícia pertinente apenas aos fatos investigados; mas se houver autorização expressa do paciente, a ficha clínica poderá ser encaminhada diretamente à autoridade requisitante; e para sua defesa judicial, o médico poderá apresentar o prontuário à autoridade competente solicitando que a matéria seja mantida em segredo de justiça28.

    Na área trabalhista a controvérsia se relaciona à identificação das doenças nos atestados através do CID (Código Internacional de Doenças). A exigência da colocação de CID nos atestados médicos teve início com uma Portaria do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) em 198429, que subordinava a eficácia do

    24

    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 91.218-5 / SP. p. 320, 324 e 326. 25

    SEBASTIÃO, J. Responsabilidade médica civil, criminal e ética. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2003. p. 216. 26

    BRASIL. Código Penal. p. 573, art. 269. 27

    GONÇALVES, V. E. R. Direito penal esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 626. 28

    BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.605 de 15-09-2000. 29

    BRASIL. Portaria MPAS nº 3.291, de 20-02-1984 - DOU DE 21/02/84 – Alterado.

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    atestado médico, para justificativa de falta ao serviço por motivo de doença, à indicação do diagnóstico codificado pelo CID com o consentimento escrito do paciente.

    Mas o Conselho Federal de Medicina já se manifestou no sentido da ilegalidade da mesma através de resolução própria30 alegando ser, tal portaria, prejudicial ao empregado, comprometedora da fé pública, além de contraditória, pois o paciente, visando seu interesse, é que deveria solicitar tal identificação, e não subordinar-se à norma. A partir daí os médicos, ao fornecer atestados com CID, deveriam observar a justa causa, o exercício do dever legal e a solicitação do próprio paciente ou de seu representante legal.

    O que se verifica na prática é que a colocação CID nos atestados muitas vezes é solicitada pelo empregador, mas em tese deveria ser condicionada ao pedido do empregado. Para se evitar a quebra do sigilo e, também, que o trabalhador use de má fé na solicitação de afastamento das atividades laborais, muitas empresas adotam o sistema de validação do atestado médico por outro profissional da medicina da própria unidade empregadora. Ambos encontram-se adstritos ao segredo médico.

    Ainda com relação à medicina do trabalho, o artigo 169 da Consolidação das Leis do Trabalho31 estatui o dever legal do médico de notificar doenças profissionais ou produzidas em virtude de condições especiais de trabalho. Neste caso não há que se falar em sigilo médico violado, tendo em vista o interesse social maior que é a operacionalização de políticas públicas voltadas à saúde do trabalhador e à coletividade.

    Há entendimento patente de que o médico participante de juntas médicas periciais não comete infração ao revelar determinadas doenças descritas na Lei dos Servidores Públicos32 como, por exemplo, tuberculose ativa, alienação mental etc.. Tal lei também traz em seu bojo a previsão de que o laudo da perícia médica não poderá fazer referência ao nome ou natureza da doença, salvo quando se tratar de lesões produzidas por acidentes de trabalho, doença profissional ou qualquer das doenças previstas no art. 186, §1º da mesma normatização33.

    Os trabalhadores infectados com HIV não fogem à regra da proteção do segredo. Com relação à notificação compulsória da autoridade sanitária competente, há um dever legal do médico de informar. Mas, em relação ao empregador, é vedado ao médico fornecer tal informação. Em avaliação admissional não se pode exigir exames complementares a fim de diagnosticar tal enfermidade. É o que preceitua a Resolução do Conselho Federal de Medicina dirigida aos médicos de juntas oficiais de avaliação admissional34.

    Existem, no cotidiano médico, situações que suscitam dúvidas com relação à quebra ou não do sigilo, como por exemplo, em causa própria quando o médico sentir-se injuriado por alguém. Há entendimento de que o médico não deve revelar o segredo profissional para atender interesse seu. Outra situação pertinente é o caso dos conhecimentos médicos que o preceptor passa ao estudante de medicina no interesse de seu aprendizado. O que for relevante para a educação não é considerado, pela

    30

    BRASIL. Conselho Federal de Medicina. op. cit. art. 5º. 31

    BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei n. 5.452 de 01-05-1943. Publicada no Diário oficial da União, de 09-08-1943. In: Vade mecum. 11 ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 895, art. 169. 32

    BRASIL. Lei dos Servidores Públicos. Lei n. 8.112 de 11-12-1990. Publicada no Diário oficial da União, de 13-10-1941. In: Vade mecum. 11 ed. São Paulo: Saraiva. 2011 p. 1440, art. 186, § 1º. 33

    BRASIL. Lei dos Servidores Públicos. Op. cit. art. 205. 34

    BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº. 1.665, de 07-05-2003. art. 9º, § único.

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    classe médica, como infração, desde que o estudante também se coloque na posição de guardião do segredo a ele revelado35.

    O médico não pode revelar segredo mesmo que se refira a fato de conhecimento público, ou que o paciente seja menor de idade, ou ainda, que o mesmo já tenha falecido36. O parentesco por si só não configura justa causa para liberação de prontuário a parente do de cujus. Por entendimento de parecer do Conselho da classe médica a liberação só deve ocorrer por ordem judicial ou por requisição do Conselho Federal de Medicina37.

    Existe, nos dias de hoje, necessidade premente de informatização dos dados relacionados à medicina, não só para tarefas administrativas dos hospitais, como também para ações da saúde de modo geral. A questão a ser discutida é o quão seguro são os programas de armazenamento e transmissão de dados, além da definição de quais pessoas podem ou não acessá-los. Uma medida cautelosa a ser tomada é a de separar dados relativos à identificação do paciente de suas informações clínicas.

    Durante algum tempo houve discussão relacionada às normas editadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (a chamada TISS – Troca de Informação de Saúde Suplementar) que, em tese, estabeleceriam o intercâmbio de dados entre operadoras de planos privados de saúde e favoreceriam a padronização de informações. Mas os profissionais da área da saúde alegavam “a violação do segredo profissional” nos dados transmitidos, pois, após a consulta, ao emitirem uma guia solicitando exames, os médicos, juntamente com a identificação do paciente, deveriam apor o CID. Mas o CFM manifestou-se em sentido contrário a esta norma vedando ao médico o preenchimento de tais guias com o diagnóstico codificado, inclusive as guias eletrônicas38.

    Ainda no tocante às operadoras de planos privados de saúde, o conselho também entende que essas devem respeitar o sigilo profissional, sendo vedado qualquer tipo de exigência que indique a revelação de diagnóstico e fato que o médico tenha conhecimento em virtude do exercício da profissão39.

    No sentido de preservar a inviolabilidade do sigilo profissional, o Superior Tribunal de Justiça condenou entidade hospitalar a pagamento de indenização por dano moral, pela disponibilização de prontuário médico, por parte desta, à operadora de plano de saúde, sem autorização do paciente40.

    A imprensa também exerce papel na relativização do sigilo médico. Não há que se questionar sua importância na divulgação do conhecimento científico, na informação de interesse público e na formação de opinião, no tocante à criação de hábitos relacionados à saúde. Com relação à divulgação de boletins médicos de personalidades públicas, há quem defenda que seria obrigação médica a divulgação detalhada da enfermidade e a evolução clínica do quadro. Outros admitem que, por mais importante que seja o paciente, em vida ou após a morte, o médico deve sempre orientar-se pelos ditames do Código de ética Médica na relativização do segredo profissional. O boletim médico faz parte do direito que a sociedade tem de ser

    35

    FRANÇA, G. V. 2004, p. 374. 36

    CF. nota 6 deste capítulo. 37

    BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Parecer n. 6/10 de 05-02-2010. 38

    BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.819 de 17-05-2007. Alterada pela Resolução CFM nº 1976/2011. 39

    BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.642 de 07-08-2002. art. 1º, alínea g. 40

    BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REC. n. 159527 / RJ, Rel. Ruy Rosado de Aguiar. Julg. 14-04-1998. p. 8.

    http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2011/1976_2011.htm

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    informada sobre as condições de saúde de pessoas públicas41. Resolução emitida pelo Conselho da classe42 prevê que os boletins médicos devem ser sóbrios, impessoais e verídicos, além de rigorosamente fiéis ao que é disciplinado para o sigilo.

    4 CONCLUSÕES

    É fácil perceber que a regra geral é a da inviolabilidade do sigilo médico, e que sua relativização deverá estar sempre embasada em valores de maior relevância para a sociedade. Pôde-se aduzir, até então, que valores ligados exclusivamente a questões financeiras ou frívolas jamais poderão se sobressair na justificativa da quebra desse segredo.

    Mas, analisando todos os dados apresentados até o momento, pôde-se também perceber que o sigilo médico vem sofrendo contínua modificação, tanto em seus conceitos mais elementares, quanto em suas especificidades. Ao mesmo tempo em que se precisa revelar, precisa-se também resguardar. O que se aduz desse paradoxo é que: de um lado a humanidade evolui, intelectualmente e tecnologicamente falando. E com isso surge a necessidade de se revelar segredos para que se possa conhecer. Do lado oposto, para que não sejam mitigadas garantias essenciais do ser humano, há necessidade cada vez maior de se regulamentar para poder resguardar.

    REFERÊNCIAS

    BRASIL. Código Civil. Lei n. 10.406, de 10-01-2002. Publicada no Diário Oficial da União, de 11-01-2002. In: Vade mecum. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei 2.848, de 7-12-1940. Publicado no Diário oficial da União, de 31-12- 1940 e retificado em 03-01-1941. Parte geral com redação determinada pela lei n. 7.209, de 11-07-1984. In: Vade mecum. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n. 5.869 de 11-01-1973. Publicado no Diário oficial da União, de 17-01-1973. In: Vade mecum. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-lei n. 3.689 de 03-10-1941. Publicado no Diário Oficial da União, de 13-10-1984. In: Vade mecum. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Código de ética médica. Resolução CFM nº 1.931 de 17-09-2009 (versão de bolso). Brasília, DF. 2010. 70p. BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei n. 5.452 de 01-05-1943. Publicada no Diário oficial da União, de 09-08-1943. In: Vade mecum. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

    41

    FRANÇA, G. V. 2004. p. 367. 42

    BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.701, de 10-09-2003. Publicada em D.O.U. 23 de setembro de 2003, Seção I, p. 171-172, art. 11.

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    BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Parecer n. 6/10 de 05-02-2010. Processo Consulta CFM Nº 4.384/07. O prontuário médico de paciente falecido não deve ser liberado diretamente aos parentes do de cujus, sucessores ou não. Brasília, DF. Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2011. BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.605 de 15-09-2000. Publicada no D.O.U. 29 SET 2000, Seção I, pg. 30. Retificação publicada no D.O.U. 31 JAN 2002, Seção I. pg. 103. Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2011. BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.642 de 07-08-2002. O sigilo médico deve ser respeitado, não sendo permitida a exigência de revelação de dados ou diagnósticos para nenhum efeito. Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2011. BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.701, de 10-09-2003. Publicada em D.O.U. 23 de setembro de 2003, Seção I, p. 171-172. Brasília, DF. Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2011. BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº. 1.665, de 07-05-2003. Dispõe sobre a responsabilidade ética das instituições e profissionais médicos na prevenção, controle e tratamento dos pacientes portadores do vírus da SIDA (AIDS) e soropositivos. Brasília, DF. Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2011. BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.819 de 17-05-2007. Publicada no D.O.U. 22 maio 2007, Seção I, pg. 71. Alterada pela Resolução CFM nº 1976/2011. Disponível em: . Acesso em: 29 out 2011. BRASIL. Conselho Regional de Medicina do Paraná. Resolução n.05 de 21-05-1984. Disponível em: . Acesso em: 29 out 2011. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União. N. 191-A, de 05-10-1988. In: Vade mecum. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL. Lei das Contravenções Penais. Decreto-Lei n. 3.688 de 03-10-1941. Publicada no Diário oficial da União, de 13-10-1941. In: Vade mecum. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

    http://www.portalmedico.org.br/pareceres/CFM/2010/6_2010.htmhttp://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2000/1605_2000.htmhttp://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2002/1642_2002.htmhttp://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2003/1701_2003.htmhttp://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2003/1665_2003.htmhttp://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2011/1976_2011.htmhttp://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2011/1976_2011.htmhttp://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2007/1819_2007.htmhttp://www.portalmedico.org.br/resolucoes/crmpr/resolucoes/1984/5_1984.htm

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    BRASIL. Lei dos Servidores Públicos. Lei n. 8.112 de 11-12-1990. Dispõe Sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas. Publicada no Diário oficial da União, de 12-12-1990, retificada em 19-04-1991, e republicada em 18-03-1998. In: Vade mecum. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL. Portaria MPAS nº 3.291, de 20-02-1984 - DOU DE 21/02/84 – Alterado. Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2011. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 159527 (4ª Turma), da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Rel. Ruy Rosado de Aguiar. Julg. 14-04-1998. p. 1 – 8. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em mandado de Segurança, nº 5.821-2 / SP, da 6ª Turma do Tribunal de Alçada Criminal de Campinas, SP, Rel. Adhemar Maciel. Julg. 15-08-1995. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 91.218-5 / SP, da 2ª Turma, Rel. Djaci Falcão. Julg. 10-11-1982. p. 256 – 327. FRANÇA, G. V. Segredo médico. In: L. R. Lana. Temas de direito médico. Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 2004. p. 367-388. GONÇALVES, V. E. R. Direito penal esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011. SÃO PAULO. Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. HC 281.108/0, 6ª Câmara, TACrimSP, Rel. Juiz Ivan Marques, RJDTACrim 28/274). Julg 25-10-1995 SEBASTIÃO, J. Responsabilidade médica civil, criminal e ética. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. VIEIRA, T. R. Bioética e direito. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1999.

    http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/66/mpas/1984/3291.htm

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    LIMITAÇÕES AO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS:

    AS INTERCEPTAÇÕES COMO MEIO DE PROVA

    LIMITATIONS OF TELEPHONIC COMMUNICATIONS SECRECY: INTERCEPTIONS AS A MEAN OF PROOF

    Eloína Ferreira Baltazar

    __________________________________________________________________________________

    Integrante dos Grupos de Pesquisa ligados ao Mestrado do UNICURITIBA “Tutela dos Direitos da Personalidade na Atividade Empresarial: os Efeitos Limitadores na

    Constituição da Prova Judiciária” e “As Garantias da Razoável Duração do Processo e dos Meios Asseguradores da Celeridade de sua Tramitação, sua Efetividade e

    Consequências no Âmbito Empresarial” liderados pelo Professor Doutor Luiz Eduardo Gunther

    Luiz Eduardo Gunther

    __________________________________________________________________________________

    Desembargador Federal do Trabalho e Diretor da Escola Judicial (2010-2011) perante ao Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região – Paraná; professor do

    Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA; membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho e do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná

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    RESUMO O presente artigo tem como objetivo geral tratar das limitações ao sigilo das comunicações telefônicas. Como objetivo específico discorrer-se-á sobre o principal óbice ao sigilo das comunicações telefônicas, quando da finalidade maior das interceptações, que é a de produzir provas a serem apresentadas em juízo. O método de abordagem será o dedutivo, partindo das considerações teóricas para análise do tema em questão. O método de procedimento será o comparativo, entre as divergências doutrinárias e entre as jurisprudências das Cortes do STF e STJ. Entre a maior parte dos doutrinadores prevalece o entendimento pela inadmissibilidade da interceptação telefônica como prova emprestada em processo civil ou administrativo. Porém, as Cortes Máximas do Brasil manifestaram em seus julgados, pela admissibilidade da prova em questão. Palavras-chave: sigilo, comunicação telefônica, interceptação, prova.

    ABSTRACT This article has as general purpose the analysis of the limitations of telephonic communications secrecy. As specific purpose, it shall discuss the main objection to telephonic communications secrecy when interceptions take place, which is the making of evidence for court use. The approach method shall be the deductive one, stating with theoretical considerations about the selected theme. The proceeding method shall be the comparative one, concerning doctrinaire controversies and also controversies in the precedents from both Brazilian Supreme and Superior Courts. The majority of the doctrine objects telephonic interception as borrowed proof in a civil or administrative lawsuit. However, both Brazilian Supreme and Superior Courts have precedents in favor of this form of evidence. Keywords: secrecy, telephonic comunication, interception, proof. 1 INTRODUÇÃO

    A interceptação telefônica encontra-se, hoje, normatizada constitucionalmente pelo inciso XII do art. 5º da Constituição Federal de 1988 e infraconstitucionalmente pela Lei n.9.296, de 24 de julho de 1996.

    O legislador constituinte estabeleceu como regra, o sigilo das comunicações telefônicas, apoiando-se no direito à intimidade e, como exceção, admitiu a interceptação telefônica, nos termos da lei supracitada.

    A matéria não é pacífica, pois o direito em apreço (intimidade) não é um direito absoluto, mas sim relativo. Nas relações públicas e privadas, há limitações à garantia constitucional e, nesse contexto, há inúmeros julgados pelas Cortes Jurídicas brasileiras.

    O objetivo do presente artigo é discorrer sobre o principal óbice ao sigilo das comunicações telefônicas, quando da finalidade maior das interceptações, que é a de produzir provas a serem apresentadas em juízo. Há aqui uma estreita relação com o princípio constitucional da proibição da prova ilícita (art.5º, LVI). A

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    Constituição de 1988 permite a interceptação dos meios de comunicação telefônica para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Desse cenário, faz-se importante o debate sobre a possibilidade de aplicar a interceptação telefônica a outros ramos do direito não criminal e, além disso, como prova emprestada de outro processo existente. Verificou-se que, entre a maior parte dos doutrinadores, dentre os quais Paulo Rangel e Luiz Flávio Gomes, prevalece o entendimento pela inadmissibilidade da interceptação telefônica como prova emprestada em processo civil ou administrativo. Porém, as Cortes Máximas do Brasil, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, já manifestaram em seus julgados, pela admissibilidade da prova em questão.

    A divergência entre a posição de boa parte da doutrina e a posição das altas cortes judiciais demonstra a pertinência da discussão sobre o tema, no sentido de aferir os limites persecutórios para que possa o magistrado apreciar possível violação do direito à intimidade do cidadão. 2 LEI Nº. 9.296/96 E ARTIGO 5º, INCISO XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

    1988 A Lei nº. 9.296, de 24 de julho de 1996 regulamentou o inciso XII do art.5º da

    Constituição Federal de 1988 e disciplinou a interceptação das comunicações telefônicas.

    Constitucionalmente, a possibilidade de intercepção telefônica exige três requisitos: a) ordem judicial; b) para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; e c) nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer.

    1 A expressão ordem judicial, nas palavras do professor José Afonso da Silva, se refere “a uma determinação de autoridade judiciária, determinação expedida por um magistrado integrante do Poder Judiciário, qualquer que seja a sua posição na organização judiciária.” 2 Assim, delegados de polícia ou membros do Ministério Público não têm o poder de autorizar a interceptação telefônica, somente de efetuar o requerimento.

    Não obstante, a Constituição Federal limitou a possibilidade de interceptações lícitas para fins de investigação criminal e instrução processual penal e, portanto, o juiz cível não poderá autorizar a escuta telefônica. Tal limitação é muito criticada pela doutrina, a exemplo do que defende Ada Pellegrini Grinover, no sentido de que “também no processo não-penal pode haver relações controvertidas de direito material que envolvam valores relevantes.” 3

    A lei nº. 9.296, em seu artigo 3º, estabelece as hipóteses de inadmissibilidade da medida cautelar excepcional (interceptação de comunicações telefônicas), traduzindo-as da seguinte forma: a) não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; b) a prova puder ser feita por outros meios

    1 BRASIL. Constituição Federal. Artigo 5º, inciso XII: “é inviolável o sigilo da correspondência e das

    comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. 2 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

    p.109. 3GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães.

    As nulidades do processo penal. São Paulo: RT, 2006. p.120.

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    disponíveis: c) o fato investigado constituir infração penal punida no máximo, com pena detenção. 4 Apesar da clara redação do artigo, há críticas no que se refere à forma negativa da norma. Nesse contexto, explica Vicente Greco Filho que tal construção dificulta a intelecção da vontade da lei5 e Ada Pellegrini Grinover entende que “o legislador inverteu os dados da questão, apresentando a quebra como regra e a inviolabilidade como exceção.“ 6

    Com relação ao prazo, o artigo 5º da Lei estabelece 15 dias como sendo o máximo, prorrogável por igual tempo. Trata-se de artigo polêmico, pois a lei não limita o número de prorrogações possíveis. Doutrina e jurisprudência apresentam diferentes posições sobre o tema.

    O professor Paulo Rangel7 apóia a tese das prorrogações tantas vezes quantas forem necessárias, desde que presentes o periculum in mora e o fumus boni iuris.

    Já Luiz Flávio Gomes chama de interceptação de prospecção a interceptação que se alonga exageradamente no tempo e, desta forma, deixa gravar indefinidamente para saber se o suspeito irá praticar algum delito. Defende que essa não é a finalidade do instrumento e que, caso constatada tal interceptação de prospecção, sua ilicitude é mais que evidente.8

    Em recente decisão da 2ª Turma do STF, no Habeas Corpus de nº 92020, entendeu-se que as prorrogações de interceptações telefônicas foram todas necessárias para o deslinde dos fatos e que não há qualquer restrição legal ao número de vezes em que pode ocorrer essa renovação.

    Em sentido contrário, há três anos, a 6ª Turma do STJ julgou o famoso Habeas Corpus 76.6869, e decidiu por anular as provas colhidas na “Operação Sundown”. Foi concedida a ordem a fim de se reputar ilícita a prova resultante de interceptações telefônicas que perduraram pelo período de 05/07/2004 a 30/06/2006. Nas palavras do Ministro Nilson Naves, então relator, fundamentou-se que a violação do sigilo telefônico dos pacientes, por quase dois anos, por decisões que não explicitaram de maneira suficiente a sua imprescindibilidade, ultrapassou os limites da razoabilidade. Alegou-se, ainda, que inexistindo, na Lei nº 9.296/96, previsão de renovações sucessivas, não há como admiti-las. Tal julgado abriu precedentes para vários outros, que se deram na mesma linha, determinando a retirada das provas avaliadas como ilícitas.

    4 BRASIL. Lei 9.296, de 24 de julho de 1996. Artigo 2º, caput: “Não será admitida a interceptação de

    comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.” 5 GRECO FILHO, Vicente. Interceptações telefônicas – considerações sobre a Lei n.º 9296 de 24 de julho de 1996. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p.21.

    6 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães.

    As nulidades do processo penal. 6. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 87. 7 RANGEL, Paulo. Breves considerações sobre a Lei 9296/96 (interceptação telefônica). Jus

    Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2011. 8 GOMES, Luiz Flávio. Interceptação telefônica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.230.

    9 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 76686/PR. Ministro Relator Nilson Naves.

    http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=195

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    3 AS LIMITAÇÕES AO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS E AS PROVAS ILÍCITAS.

    Adentrando no aspecto da ilicitude da prova, cabe aqui a distinção entre os

    termos interceptação, escuta e gravação telefônica, comumente confundidas. A doutrina10 tem se manifestado pela divisão da interceptação telefônica lato

    sensu em três espécies: a) Interceptação telefônica stricto sensu: significa um terceiro realizar a interceptação telefônica, registrando ou não os diálogos, sem que nenhum dos interlocutores tenha conhecimento da violação do sigilo telefônico; b) Escuta telefônica: consiste na captação da conversa por um terceiro interceptador quando um dos interlocutores tem conhecimento da interceptação; c) Gravação telefônica: consiste em uma gravação ambiental, pessoal ou telefônica feita por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais.

    O entendimento dominante no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça é que a apenas a interceptação telefônica stricto sensu e a escuta telefônica estão amparadas pela Constituição Federal de 1988, em seu art.5º, inciso XII. Não obstante, mesmo que não amparadas pelo artigo ora citado, as gravações, via de regra, são consideradas meios lícitos de prova.11

    A jurisprudência, utilizando-se dos preceitos diploma legal em questão, passou a admitir a gravação clandestina no processo, dependendo da relevância da causa, ou seja, não representa a gravação de conversa entre interlocutores, mesmo que um deles não saiba, prova ilícita a ser banida dos autos.

    O Ministro Cezar Peluso, no RE 40271712, fez um comparativo entre a gravação clandestina e a prova oral. Sustentou que não há diferença entre o dever de sigilo da conversa mantida por telefone e a que se dá entre presentes. Nas suas palavras: “Não parece sensato impedir o uso de gravação que se traduza na prova cabal da veracidade daquilo que, em juízo, afirme a parte, ou a testemunha, como objeto de conversa telefônica que tenha participado.” Portanto, atualmente, pode-se dizer que tanto as interceptações como as gravações poderão ser lícitas ou ilícitas, dependendo do caso concreto. A ilicitude se verifica quando há desobediência a imposições constitucionais ou legais e gera a nulidade da ação penal, caso seja a única prova a embasar a condenação.

    10

    Andreucci, Ricardo Antonio. Legislação penal especial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 399 e ss. 11

    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 402717 / PR. Ministro Relator: Cezar Peluso. EMENTA: PROVA. Criminal. Conversa telefônica. Gravação clandestina, feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro. Juntada da transcrição em inquérito policial, onde o interlocutor requerente era investigado ou tido por suspeito. Admissibilidade. Fonte lícita de prova. Inexistência de interceptação, objeto de vedação constitucional. Ausência de causa legal de sigilo ou de reserva da conversação. Meio, ademais, de prova da alegada inocência de quem a gravou. Improvimento ao recurso. Inexistência de ofensa ao art. 5º, incs. X, XII e LVI, da CF. Precedentes. Como gravação meramente clandestina, que se não confunde com interceptação, objeto de vedação constitucional, é lícita a prova consistente no teor de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sobretudo quando se predestine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou. 12

    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 402717 / PR. Ministro Relator: Cezar Peluso.

  • 22

    4 A INTERCEPTAÇÃO COMO PROVA EMPRESTADA EM PROCESSO NÃO CRIMINAL

    Assim como a prova ilícita, a questão da prova emprestada também suscita o

    debate, quando analisada sobre a ótica da Lei 9.296/96. Após mais de uma década da promulgacão da lei em apreço, o assunto ainda gera controvérsias. Conceituando, ensina Fernando Capez que a prova emprestada é “aquela produzida em determinado processo e a ele destinada, depois transportada, por translado, certidão ou qualquer outro meio autenticatório para produzir efeito em outro processo.” 13 Entre os que argumentam que a prova colhida por interceptação telefônica no âmbito penal não pode ser utilizada em processos vinculados de outros ramos do direito estão os professores Luiz Flávio Gomes e Vicente Greco Filho. Defendem que o empréstimo da prova seria inconciliável com o segredo de justiça, assegurado no artigo 1º da Lei 9.296/96.14 Paulo Rangel adota a posição de que a admissão da prova emprestada significaria burlar o texto constitucional, o qual prevê somente hipóteses para fins de investigação criminal e instrução processual penal. O doutrinador entende que “regra é o sigilo e, excepcionalmente, a quebra deste sigilo através da interceptação e, por uma questão de hermenêutica, a interpretação da norma constitucional deve ser estrita.” 15

    Defendendo a admissibilidade da prova emprestada, Ada Pellegrini Grinover se fundamenta no princípio da razoabilidade e afirma que, sob a luz de tal preceito, “o valor constitucionalmente protegido pela vedação das nterceptações telefônicas é a intimidade. Rompida esta, licitamente, em face do permissivo constitucional, nada mais resta a preservar.” 16

    Outrossim, a jurisprudência, de forma quase unânime, tem se manifestado no sentido da admissibilidade da prova emprestada.

    O Ministro Gilmar Mendes, na análise do Inquérito nº 277417, explanou que, mesmo tendo o réu em questão a prerrogativa de foro, não há qualquer nulidade na utilização de prova emprestada produzida em outro processo penal, eis que, se foi legalmente produzida, não ofende nenhum princípio constitucional.

    Mesmo para outros processos de natureza não penal, os Tribunais Superiores tem admitido a utilização da prova emprestada. Eis as palavras do Ministro Cezar Peluso, então relator do Inquérito QO 2424-RJ, que trata da utilização da prova emprestada em procedimento administrativo disciplinar:

    Não há excogitar aí, nem de longe, outra ou nova ruptura da inviolabilidade pessoal das comunicações telefônicas, senão apenas o reconhecimento da igual valia ou repercussão jurídico-probatória da mesma interceptação autorizada por conta da aparência do caráter também criminoso do mesmo ato ou fato histórico. Tal é a razão óbvia por que não teria propósito nem sentido arguir, aqui, vício de inobservância ou alargamento daquela específica limitação constitucional da garantia, pois se trata apenas de tirar

    13

    CAPEZ, Fernando. Curso de direito processual penal. 10. ed. São Paulo: saraiva, 2003. 14

    GOMES, Luiz Flávio. Interceptação telefônica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 118-19. 15

    RANGEL, Paulo. Breves considerações sobre a Lei 9296/96 (interceptação telefônica). Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2011. 16

    GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades do processo penal. 6. ed. São Paulo: RT, 2006. p.194. 17

    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq. 2774. Ministro Relator: Gilmar Mendes.

    http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=195

  • 23

    da mesma fonte de prova, sem outra ofensa qualquer à intimidade já devassada do agente, a capacidade, que lhe é ínsita, de servir de meio de convencimento da existência do mesmo fato, ou em palavras mais técnicas, a idoniedade de se prestar, noutro processo ou procediento, a reconstituição historiográfica do ato já apurado na esfera criminal.

    18

    A questão, como se vê, não é de fácil deslinde. Todavia, pode-se concordar

    que, se a prova produzida legalmente na relação processual criminal for transportada para relação processual cível e harmonizar-se com a prova nela utilizada, não há razão para ser desprezada.

    Não obstante, há limites e princípios que devem ser respeitados e nesse sentido pondera Ada Pellegrini Grinover:

    cautelas deverão ser tomadas, no juízo de admissibilidade, quanto à possibilidade de o processo penal ter sido intentado exatamente com o intuito de legitimar prova que seria ilícita no juízo civil, com o que se teria a vulneração oblíqua à vedação constitucional.

    19

    Desta forma, verifica-se a importância da análise minuciosa do caso concreto,

    pois tanto na prova emprestada como na prova originária, o poder de interceptar conversas telefônicas deve ser exercido com grande zelo pelo magistrado, sendo tal instrumento de prova, por óbvio, um método excepcional.

    5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Conclui-se que foi de suma importância a introdução da Lei 9.296/96 no

    sistema jurídico brasileiro, ao mesmo tempo, torna-se imperativo reconhecer a necessidade de melhor interpretação pela doutrina e de maior efetividade na aplicação por parte da jurisprudência, a fim de tornar harmônica a convivência entre as garantias individuais e a utilização das interceptações como meio de prova. A presente lei apresentou-se como uma solução para regulamentar o inciso XII, do art.5o da Constituição Federal, no entanto, não exauriu o conteúdo no que se refere ao vasto tema das interceptações telefônicas.

    Na realização do presente artigo verificou-se a discrepância de entendimentos entre a doutrina e a jurisprudência brasileiras. As divergências se dão em diferentes aspectos do instrumento normativo. Primeiramente, tem-se que não é pacífica a questão da prorrogação dos 15 dias apresentados pela lei. Como visto, há julgados permitindo a prorrogação quantas vezes forem necessárias e há outros que consideraram a prova ilícita, justamente pela sucessão de prorrogações. A ilicitude da prova, por sua vez, também é tema recorrente nas decisões que envolvem interceptações, escutas e gravações, tendo o julgador optado por decidir pontualmente, no caso concreto.

    Por fim, mas não menos importante, é o debate acerca da prova emprestada. Em que pese a jurisprudência seja quase pacífica no sentido da admissibilidade da prova, a doutrina majoritária ainda se mostra reticente em aceitar que as interceptações como prova emprestada, seja em outro processo penal ou não-penal.

    18

    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq. QO 2424-RJ. Ministro Relator: Cezar Peluso. 19

    GRINOVER, Ada Pellegrini. O regime brasileiro das interceptações telefônicas. Disponível em: . Acesso em 30. set.2011.

    http://www.cjf.jus.br/revista/numero3/artigo16.htm

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    De toda sorte, incumbe aos operadores do Direito a tarefa de perquirir sobre a relativização do direito individual ao sigilo das comunicações, para que, sem descuidar da noção de que a interceptação telefônica é medida última ratio e que se legitima tão somente na medida de sua necessidade, a utilização de tão robusta prova em processos penais, civis e administrativos seja feita em harmonia com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

    REFERÊNCIAS ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação penal especial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. BASTOS, Celso Ribeiro. MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do brasil. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1989. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: . BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: . CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. v. 4: legislação penal especial, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Interceptação telefônica – Lei 9.296 de 24/07/96. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. GRECO FILHO, Vicente. Interceptações telefônicas – considerações sobre a Lei n.º 9296 de 24 de julho de 1996. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. GRINOVER, Ada Pellegrini. O regime brasileiro das interceptações telefônicas. Disponível em: . Revista do Conselho da Justiça Federal, n. 03. GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades do processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. RANGEL, Paulo. Breves considerações sobre a Lei 9296/96 (interceptação telefônica). Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2011. SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. STRECK, Lenio Luiz. As interceptações telefônicas e os direitos fundamentais. A Lei 9.296.96 e seus reflexos penais e processuais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

    http://www.stf.qov.br/http://www.sti.qov.br/http://www.cjf.gov.br/revista/numero3http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=195

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    A FOTOGRAFIA DIGITAL COMO PROVA POR MEIO DA ATA NOTARIAL

    THE DIGITAL PHOTOGRAPHY AS PROOF THROUGH

    THE MINUTES NOTARY

    Joanna Vitória Crippa

    __________________________________________________________________________________

    Integrante dos Grupos de Pesquisa ligados ao Mestrado do UNICURITIBA “Tutela dos Direitos da Personalidade na Atividade Empresarial: os Efeitos

    Limitadores na Constituição da Prova Judiciária” e “As Garantias da Razoável Duração do Processo e dos Meios Asseguradores da Celeridade de sua Tramitação,

    sua Efetividade e Consequências no Âmbito Empresarial” liderados pelo Professor Doutor Luiz Eduardo Gunther.

    Viviane Séllos

    __________________________________________________________________________________

    Doutora em Direito do Estado – Direito Constitucional pela PUC/SP. Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP, Especialista em Direito

    Processual Civil pela PUCCAMP. Advogada. Professora Universitária em Graduação e Pós-Graduação,Coordenadora do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e

    Cidadania do UNICURITIBA

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    RESUMO

    A evolução tecnológica resultou em novos métodos para se constituir a prova, com as evolução dos documentos digitais, começa a difundir-se a ata notarial como meio para provar um documento digital, pois transpõe este para o papel, de modo a conferir fé-pública, validade, proteção aos direitos e prevenção contra eventuais litígios. Palavras-chave: Ato notório, documento digital, Ata notarial.

    ABSTRACT

    The technological development resulted in new legal means of proof, with the evolution of the digital documents, begins to diffuse into the notary minutes as a means to prove a digital document, because transpose this to the paper, so as to give authentic public, validity, rights protection and prevention against possible litigations. Keywords: Notorious act, digital document, minutes notary.

    RESUMEN

    El desarrollo tecnológico dio lugar a nuevos métodos de prueba, con la evolución de los documentos digitales, comienza a difundirse las actas notariales como un medio de prueba del documento digital, ya incorporar la presente el documento, a fin de dar autenticidàd de publico, validez, protección de los derechos y prevención frente a posibles litigios. Palabras clave: acto notório, documento digital, acta notarial.

    1 INTRODUÇÃO

    Com o advento da Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII e que acabou se expandindo pelo mundo inteiro a partir do século XIX, ocorreram mudanças na tecnologia, o que resultou em um grande impacto no desenvolvimento econômico e social dos Estados.

    Pode-se notar um avanço desenfreado da tecnologia a partir do século XX, em que Konrad Zuse, a partir de 1941 passou a ser conhecido como o “pai do computador”, pois conseguiu fazer funcionar o primeiro computador, 30 anos depois, em 1977, foi desenvolvido o Apple I, já em 1979 a Sony & Philips produziram o Compact Disc (CD), que é um meio para se armazenar o áudio digitalmente, e em 1993, teve-se a invenção da Internet.1

    Thomas L. Friedman em seu livro “O mundo é plano”, dividiu em três eras a

    1 Um resumo da história da tecnologia moderna. Discovery Brasil. Disponível em:

    . Acesso em 05 ago. 2010.

    http://www.discoverybrasil.com/guia_tecnologia/resumo_historia/index.shtml

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    globalização. A primeira, denominada de 1.0 que perdurou aproximadamente de 1942 até 1800, em que o mundo foi reduzido de grande para médio, caracteriza-se pela globalização dos países, as indagações mais relevantes eram sobre o modo do país se inserir na concorrência e nas oportunidades globais.

    Na segunda, de 1800 até 2000, denominada de 2.0, o mundo fui reduzido do tamanho médio para o pequeno, era da globalização das empresas, em que questionava-se o meio da empresa ser inserida na economia global.

    Atualmente a fase 3.0, que iniciou-se aproximadamente no ano 2000, o mundo passou a ter tamanho minúsculo, a globalização é da força dinâmica vigente, decorrente da capacidade dos indivíduos de colaborarem e concorrerem no âmbito mundial, isso é reflexo da convergência entre o computador pessoal (cada indivíduo ser autor do seu próprio conteúdo em forma digital), o cabo de fibra ótica (todos os indivíduos podem acessar cada vez mais o conteúdo digital no mundo) e o aumento dos softwares de fluxo de trabalho (que permite que os indivíduos possam colaborar com o conteúdo digital independentemente de onde estiverem e da distância).

    Com estas evoluções e a inovação de meio de interação social, como o telefone e a internet, criou-se espaços para outros tipos de relações jurídicas, passou a ser corriqueira a veiculação de fotos em websites, inclusive, existem sites onde apenas veiculam-se imagens, como é o caso do Fotolog e Flickr, outros para veicular vídeos, caso do youtube, além de redes sociais, como Facebook e Orkut, em que são veiculados fotos, vídeos e qualquer informação pessoal que se pretenda.

    O mundo jurídico desde os primórdios também passou por significantes evoluções, como por exemplo, a prova testemunhal que antigamente era o único meio probatório, com a descoberta da escrita, passou a perder o seu valor, pois além de ter um tempo de duração certo, está sujeita à diversos vícios, deste modo, os fatos acabam não sendo fielmente transmitidos.

    2 O ATO NOTÓRIO

    Nos séculos passados os negócios eram realizados em público, para que

    então, a assembléia que estivesse presente desse a força probante do ato, disto decorre o conceito de ato público, o qual era praticado no centro da cidade, que era o local em que se concentrava a administração do município e da justiça.

    Um fato pode ser presenciado pelo público ao ocorrer, pode ser transmitido ao conhecimento do público, ou acabar sendo esquecido. Considera-se um fato notório, aquele em que se pondera, com base no homem médio, situado no lugar e no momento em que a decisão vier a ser proferia. Assim, um fato que é notório não dependerá de prova, quem fizer a alegação na precisa provar o fato, apenas sua notoriedade.2

    Hoje em dia, para que se dê força probante à um ato, existe o ato notarial, que consiste em uma função delegada pelo Poder Público ao particular, a partir da formulação de um instrumento público por meio do qual o tabelião, ou preposto autorizado, a pedido de pessoa interessada, constata fielmente fatos, as coisas, pessoas ou situações, que presencia, para que seja comprovada a sua existência,

    2MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sergio Cruz. Prova. São Paulo: Editora Revista dos

    Tribunais, 2009. p. 113.

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    ou o seu estado.3

    3 DOCUMENTO PÚBLICO Um papel escrito, uma fotografia, um mapa ou uma simples pedra com

    inscrições ou símbolos, uma tela pintada, uma fita magnética, um CD com imagens e sons, bem como a holografia (transmição eletrônica de dados, pela internet), são documentos.

    Caracteriza-se um documento por ser algo que traz em si caracteres que são suficientes para atestar que um fato ocorreu.

    Todo documento é composto por dois elementos que são o conteúdo e o suporte, sendo que aquele é o aspecto intrínseco do documento, ou seja, é a ideia que se quer transmitir. Já o suporte é o elemento físico do documento, é onde se imprime a ideia transmitida.

    O suporte material de um documento é onde a expressão do fato é manifestada. No caso da fotografia digital é o local onde está arquivada esta foto, pode ser um CD, pendrive, ou um arquivo no computador.

    O Código de Processo Civil dispõe, não faz referente à fotografia digital, apenas são aceitas as fotos que estiverem acompanhadas de seu negativo, sendo o suporte esse material quimicamente tratado.

    Aquele que cria o documento é o autor material, independente do seu conteúdo, o autor intelectual é o que transmite o pensamento que será o conteúdo, em algumas vezes costumam coincidir na mesma pessoa, no entanto, quando da produção de um documento público não é o que ocorre. A autoria deve ser conhecida para que o documento tenha autenticidade.

    Segundo Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, documento público é aquele formado perante e por autoridade pública, no exercício de suas atribuições legais4, visa circunstanciar judiosa e juridicamente um fato ou um ato jurídico, relatar uma coisa, um fenômeno ou uma declaração de vontade, com o máximo de detalhe e exatidão, limitado pelos fatos narrados por quem solicitar.

    É requisito que o funcionário público esteja no exercício de sua função pública e que tenha aptidão para confeccionar o documento, para que então, este seja dotado de fé pública.

    4 DOCUMENTO DIGITAL

    Como conseqüência dos processos de evolução tecnológica, com o desenvolvimento de softwares e hardwares, surgem modificações nas estruturas da sociedade, é o caso do crescente uso de computadores, máquinas fotográficas e filmadoras digitais que refletem em um aumento significativo do uso do documento eletrônico com cunho probatório.

    Pode-se produzir dois tipos de documentos eletrônicos, o primeiro é aquele que precisa de um programa de computador para ser lido, outro é a copia digital de um original que está em outro suporte.

    3FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger; RODRIGUES, Felipe Leonardo. Ata Notarial: Doutrina, prática e

    meio de prova, p. 112. São Paulo: Quartier Latin, 2010. Disponível em: Acesso em: 04 ago. 2010. 4MARINONI, 2009. p. 550.

    http://www.atanotarial.org.br/ata_notarial.asp

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    Os autores Marinoni e Arenhart problematizam os documentos de telemática que são os que se prestam à transmissão de informações por meio de redes de comunicações, como telex, fac-símile e telegrama, bem como os documentos informáticos que estão na memória dos computadores ou são resultados de cálculos efetuados por equipamentos eletrônicos5, tendo em vista que nem sempre é conhecida sua autoria.

    O Código de Processo Civil, autoriza o uso do telegrama, do radiograma, ou de qualquer outro meio de transmissão, desde que o original esteja assinado pelo remetente (art. 374).

    No entanto, quanto a comunicação de dados via internet, há uma maior obstáculo, tendo em vista que a transmissão da informação pode ser feita por qualquer pessoa, não se obtém garantia quanto a procedência do documento, quanto à propensão do transmissor, nem mesmo a localidade e momento em que foi realizado o envio da informação.

    Da mesma forma carece no artigo 385, do mesmo Código Processual, ao dispor sobre a fotografia como meio probatório, mas não englobando a fotografia digital como tal, pois esta não possui um negativo.

    No entanto, está em votação no Congresso Nacional o anteprojeto do CPC, o artigo 405, §3º, no qual prevê que quando for impugnada uma fotografia digital ou a que for extraída da rede mundial de computadores, para ter força probante deverá estar apoiada em outro tipo de prova, a prova testemunhal ou a pericial. Ou seja, dependerá de outro meio de prova para que tenha validade jurídica.

    Mas, ainda quanto a questão de imagens veiculadas na internet, há a possibilidade de se alegar que não dependeriam de prova, por poderem ser considerados fatos notórios, no entanto, não é o que se pode ler em um dos julgados, proferido pela 3ª Turma do Supremo Tribunal de Justiça, ao entender que:

    A circunstância de o fato encontrar certa publicidade na imprensa não basta para tê-lo como notório, de maneira a dispensar a prova necessária que seu conhecimento integre o comumente sabido, ao menos em determinado estrato social, por parcela da população a que interesse.

    6

    Alguns doutrinadores defendem possibilidade de desenvolver-se uma

    assinatura eletrônica, como é o caso de Comoglio, Ferri e Taruffo, mas como bem observam Marinoni e Arenhart, isto é principiante, pois da mesma forma, não confere segurança jurídica.7

    Outra alternativa é a defendida por vários tabeliães que estudam questões relacionadas aos documentos eletrônicos, que é o registro em ata notarial.

    Assim, por mais que um documento que é veiculado pela internet poderia ser, em princípio, um fato notório, por não serem todos que assim entendem, uma alternativa é o registro em ata notarial. Pois esta é dotada de fé-pública, conferindo ao magistrado a possibilidade de valorar o documento eletrônico, além deste ser perpetuado quando arquivado em livro notarial, sua autoria passa a estar devidamente registrada, proporcionando segurança aos fatos.

    5A respeito, v. COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Op. cit. p. 674, in

    MARINONI, 2009. p. 542. 6BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ-Resp. 7.555-SP-3004.91, 3ª Turma, Min. Rel. Eduardo

    Ribeiro, publicado em 03/06/1991. 7A respeito, v. COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Op. cit. p. 674, in

    MARINONI, 2009. p. 542.

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    5 ATA NOTARIAL

    Passou-se a materializar fatos e coisas digitais8, por meio da ata notarial, a qual tem a finalidade de garantir e validar o direito. Pode-se provar fatos que usam indevidamente imagens, textos e logotipos, ou seja, que violam o direito autoral e principalmente o direito da privacidade e da intimidade, visto que em algumas situações veiculam-se imagens sem a autorização da pessoa, ou ainda, sem que tivesse sabido que estava sendo fotografada.

    Compete ao tabelião de notas lavrar as atas notariais, de acordo com o artigo 236 da Constituição Federal de 1988, que dispõe os serviços notariais e de registro, esta função deve ser exercida em caráter privado, por delegação do Poder Púbico.

    A ata notarial está disposta no artigo 7o da Lei 8.935/04, Lei dos Cartórios, em que se determina aos notários a competência exclusiva de:

    I - lavrar escrituras e procurações, públicas; II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados; III - lavrar atas notariais; IV - reconhecer firmas; V - autenticar cópias. Facultando aos tabeliães de notas realizar todas as gestões e diligências necessárias ou convenientes ao preparo dos atos notariais, requerendo o que couber, sem ônus maiores que os emolumentos devidos pelo ato.

    A ata notarial é um tipo de documento público, que tem o objetivo de provar

    fatos, pré-constituir uma prova, é formada pelo interessado, para que tenha garantia dos seus direitos, ao poder utilizá-la para provar a existência, veracidade e publicidade dos fatos em que nela estão reconhecidos.

    Leonardo Brandelli a conceitua como o instrumento público através do qual o notário capta, por seus sentidos, uma determinada situação, um determinado fato, e o translada para seus livros de notas ou para outro documento.9

    Já o conceito formulado por José Antonio Escartin Ipiens é mais completo pois entende que:

    instrumento público autorizado por notário competente, a requerimento de uma pessoa com interesse legítimo e que, fundamentada nos princípios da função imparcial e independente, pública e responsável, tem por objeto constatar a realidade ou verdade de um fato que o notário vê, ouve ou percebe por seus sentidos, cuja finalidade precípua é a de ser um instrumento de prova em processo judicial, mas que pode ter outros fins na esfera privada, administrativa, registral, e, inclusive, integradores de uma atuação jurídica não negocial ou de um processo negocial complexo, para sua preparação, constatação ou execução.

    10

    Ata notarial é o instrumento público por meio do qual o tabelião ou preposto, a

    pedido da pessoa capaz, constata fielmente os fatos, as coisas, comprova seu estado, sua existência e a de pessoas ou de situações, com seus próprios sentidos;

    8VOLPI NETO, Ângelo. Documento Eletrônico. Busca Legis. Disponível em:

    . Acesso em: 03 ago. 2010. 9 BRANDELLI, Leonardo. Atas notariais. In: BRANDELLI, Leonardo (coord.). Ata notarial. Porto

    Alegre: SAFe - Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p. 44. Disponível em: . Acesso em: 04 ago. 2010. 10

    IPIENS, José Antonio Escartin. El acta notarial de presencia en el proceso. In: Revista del Notariado. nº 399, p. 176. Ata notarial. Disponível em: . Acesso em: 04 ago. 2010.

    http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/view/27239/26797http://www.atanotarial.org.br/ata_notarial.asphttp://www.atanotarial.org.br/ata_notarial.asp

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    portando por fé que tudo aquilo presenciado e relatado, de modo a representar a verdade plena.11 6 CONCLUSÃO

    Com a propagação dos documentos digitais, surge o questionamento de como utilizar a fotografia digital, visto que o Código de Processo Civil de 1972, não está atualizado de acordo com os desenvolvimento tecnológico atual e assim, abre lacunas e acaba por cercear o direito de defesa das partes e assim, do due process of Law, pois não confere segurança jurídica às imagens que estão disponibilizadas eletronicamente.

    A fotografia digital acaba sendo excluída do rol de documentos com valor probatório, já que um dos requisitos para a autenticidade de documento é o conhecimento da autoria e isto é em muitos casos inviável, alem disto, há a questão do suporte material da fotografia, que é um arquivo no computador, em pendrives ou CDs.

    Uma solução é o registro destas fotografias em ata notarial, ao qual deve ser lavrada por um oficial de justiça, devidamente constituído. À ele caberá a detalhada descrição, inclusive devendo ser bem específico o local em que se encontra o documento e podendo requerer qualquer informação que pensar que é necessário.

    Acaba sendo transferida a fotografia digital para o papel, podem as fotos serem salvas em arquivo no computador, porém a ata não pode ser eletrônica.

    Tal é o meio possível para a proteção ao direito da privacidade e intimidade da pessoa humana que, por mais que em inúmeras vezes esteja exposta por sua própria vontade, por meio de redes sociais ou outros sites em que autoriza a veiculação de suas imagens, em outros casos, há fraudes e ilicitudes.

    Concluí-se que um meio probatório que pode ser utilizado para dar notoriedade aos fotos digitais, é a ata notarial, que transpõe uma informação que se encontra em meio digital para o papel, a qual deve ser produzida por agente público competente, no exercício de suas atribuições, e que assim, possuirá fé-pública e conferirá veracidade aos fatos, proporcionando a garantia de direitos e protegendo as pessoas contra eventuais litígios.

    REFERÊNCIAS

    Um resumo da história da tecnologia moderna. Discovery Brasil. Disponível em: . Acesso em 05 ago. 2010. BRANDELLI, Leonardo. Atas notariais. In: BRANDELLI, Leonardo (coord.). Ata notarial. Porto Alegre: SAFe - Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p. 44. Disponível em: . Acesso em: 04 ago. 2010. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ-Resp. 7.555-SP-3004.91, 3ª Turma, Min. Rel. Eduardo Ribeiro, publicado em 03/06/1991.

    11

    RODRIGUES, Felipe Leonardo. Ata notarial: moderno meio de prova. 3.° Tabelionato. Disponível em: . Acesso em: 04 ago. 2010.

    http://www.discoverybrasil.com/guia_tecnologia/resumo_historia/index.shtmlhttp://www.atanotarial.org.br/ata_notarial.asphttp://3tab.com.br/indez.php?lid=5&lidi=16

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    FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger; RODRIGUES, Felipe Leonardo. Ata Notarial: Doutrina, prática e meio de prova, p. 112. São Paulo: Quartier Latin, 2010. Disponível em: . Acesso em: 04 ago. 2010. IPIENS, José Antonio Escartin. El acta notarial de presencia en el proceso. In: Revista del Notariado. nº 399, p. 176. Ata notarial. Disponível em: . Acesso em: 04 ago. 2010. MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sergio Cruz. Prova. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 113. RODRIGUES, Felipe Leonardo. Ata notarial: moderno meio de prova. 3.° Tabelionato. Disponível em: . Acesso em: 04 ago. 2010. VOLPI NETO, Ângelo. Documento Eletrônico. Busca Legis. Disponível em: . Acesso em: 03 ago. 2010.

    http://www.atanotarial.org.br/ata_notarial.asphttp://www.atanotarial.org.br/ata_notarial.asphttp://3tab.com.br/indez.php?lid=5&lidi=16http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/view/27239/26797http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/view/27239/26797

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    SIGILO BANCÁRIO: DESDOBRAMENTOS, CONFLITOS E REPERCUSSÕES

    BANK SECRECY: DEVOLPMENTS, CONFLITCTS

    AND REPERCUSSIONS

    SECRETO BANCARIO: DESARROLLOS, CONFLICTOS Y REPERCUSIONES

    Joanna Vitória Crippa ____________________________________________________________________________

    Integrante dos Grupos de Pesquisa ligados ao Mestrado do UNICURITIBA “Tutela dos Direitos da Personalidade na Atividade Empresarial: os Efeitos

    Limitadores na Constituição da Prova Judiciária” e “As Garantias da Razoável Duração do Processo e dos Meios Asseguradores da Celeridade de sua

    Tramitação, sua Efetividade e Consequências no Âmbito Empresarial” liderados pelo Professor Doutor Luiz Eduardo Gunther

    Luiz Eduardo Gunther

    ___________________________________________________ Desembargador Federal do Trabalho e Diretor da Escola Judicial (2010-2011) perante ao Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região – Paraná; professor do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA; membro da

    Academia Nacional de Direito do Trabalho e do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná

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    RESUMO O desenvolvimento tecnológico é apontado como fundamento da redução da esfera da privacidade do homem, eis que os aparelhos que registram imagens e sons podem revelar os segredos mais íntimos das pessoas. A CF/88 tutela no artigo 5o, X e XII o direito à privacidade e ao sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas. Para a decretação ser legítima deve-se preenchidos alguns requisitos, de modo a proporcionar a mitigação do direito fundamental da dignidade humana e a ampla investigação dos fatos, sob pena de posteriormente ser declarada a nulidade. Em 2001, foi publicada a LC nº 105, permitindo às autoridades fazendárias obterem informações de dados bancários dos indivíduos, tendo em vista a pretensão em inibir a sonegação. Palavras-chave: Sigilo bancário, privacidade, legitimidade .

    ABSTRACT The technological development is appoint