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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E ENSINO EIXO: CURRÍCULO GERMANA ALBUQUERQUE COSTA ZANOTELLI A RELAÇÃO DIALÓGICA NA PRÁTICA CLÍNICA DO PROFISSIONAL FISIOTERAPEUTA E A VISÃO INTEGRAL DO SUJEITO-PACIENTE FORTALEZA 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CURSO DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E ENSINO

EIXO: CURRÍCULO

GERMANA ALBUQUERQUE COSTA ZANOTELLI

A RELAÇÃO DIALÓGICA NA PRÁTICA CLÍNICA DO PROFISSIONAL

FISIOTERAPEUTA E A VISÃO INTEGRAL DO SUJEITO-PACIENTE

FORTALEZA

2015

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GERMANA ALBUQUERQUE COSTA ZANOTELLI

A RELAÇÃO DIALÓGICA NA PRÁTICA CLÍNICA DO PROFISSIONAL

FISIOTERAPEUTA E A VISÃO INTEGRAL DO SUJEITO-PACIENTE

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará, como registro parcial para obtenção do título de Doutor. Área de Concentração: Currículo Orientadora: Profª. Dra. Patrícia Helena Carvalho Holanda

FORTALEZA

2015

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará Biblioteca de Ciências Humanas

----------------------------------------------------------------------------------------------------- ----------------------------------- Z36r Zanotelli, Germana Albuquerque Costa.

A relação dialógica na prática clínica do profissional fisioterapeuta e a visão integral do sujeito-paciente / Germana Albuquerque Costa Zanotelli. – 2015.

153 f. : il., enc. ; 30 cm. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação,

Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza, 2015. Área de Concentração: Currículo. Orientação: Profa. Dra. Patrícia Helena Carvalho Holanda. Co-orientação: Profa. Dra. Meirecele Calíope Leitinho. 1. Fisioterapeutas – Fortaleza (CE) – Atitudes. 2. Fisioterapeuta e paciente –

Fortaleza (CE). 3. Intersubjetividade. 4. Universidade de Fortaleza. I. Título.

CDD 331.76161582098131 ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

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GERMANA ALBUQUERQUE COSTA ZANOTELLI

A RELAÇÃO DIALÓGICA NA PRÁTICA CLÍNICA DO PROFISSIONAL FISIOTERAPEUTA E A VISÃO INTEGRAL DO SUJEITO-PACIENTE

Tese apresentada ao Programa de Pós- graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará, como registro parcial para obtenção do título de Doutor em Educação. Área de Concentração: Currículo.

Aprovada em ____/____/____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Profª Dra. Patrícia Helena Carvalho Holanda (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará

_________________________________________________ Profª Dra. Maria Socorro Lucena Lima

Universidade Estadual do Ceará

_________________________________________________ Prof. Dr. José Álbio Moreira de Sales

Universidade Estadual do Ceará

_________________________________________________ Profª Dra. Meirecele Calíope Leitinho

Universidade Federal do Ceará

_________________________________________________

Profª Dra. Ana Maria Iório Dias Universidade Federal do Ceará

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Ao pequeno Davi - o melhor de mim -, por

compreender a ausência da mamãe que trocava sua

companhia cheia de alegria por livros ou um

computador. O carinho entre nós prevaleceu mesmo

assim, ficando a certeza de um aprendizado mútuo e

para toda a vida.

- Acabou, mamãe? - Acabou. - Tá com preguiça de falar, mamãe? - Tô. - Eu também. Mãe e filho olhavam para a parede: olhos pesados,

pesados, pesados...

A mãe não teve tempo de ir para a sua cama.

Dormiram ali mesmo, juntinhos, espremidinhos.

A boca da noite sorriu.

Sylvia Manzano

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AGRADECIMENTOS

A DEUS, porque DELE, por ELE e para ELE são todas as coisas.

Ao meu amado marido Darci Zanotelli. Amigo, companheiro de todas as horas e grande

incentivador.

À minha família pela parceria de sempre: minha mãe, Joanita, pelas palavras de

encorajamento; meu pai, Afrânio, por acreditar tanto em mim; meu irmão, Marcus, por

entender por muitas vezes minha ausência mesmo estando tão perto; meu irmão caçula,

Márcio, que mesmo calado fala com seu olhar o que eu preciso ouvir naquela hora.

À minha querida orientadora professora Patrícia Holanda por seu saber, mão amiga e

compreensão constante.

À professora Meirecele Calíope pela atenção, disponibilidade, carinho e o transbordar de

conhecimento expressos em contribuições que tanto me ajudaram a chegar até aqui.

À professora Socorro Lucena, pelos ensinamentos de uma vida inteira e como se não

bastasse o acreditar em mim ao orientar-me no Mestrado, continuou sempre tão presente ao

longo desses anos. Você é e sempre será minha eterna mestra. A você meus sentimentos

mais doces embalados em admiração profunda para além do cotidiano de leituras e escritas

da vida acadêmica.

Aos mestres Ana Iório e Álbio Sales pelas contribuições agregadas a esta pesquisa.

A todos os professores da pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará.

Aos sujeitos dessa pesquisa que ao compartilhar suas experiências de vida enriqueceram

minha percepção acerca da também minha profissão de fisioterapeuta.

À Romina Mourão, Coordenadora do curso de Fisioterapia da UNICHRISTUS pelo apoio e

compreensão que ultrapassaram a esfera do “dito” e se materializaram em ações,

principalmente e especialmente nos momentos mais difíceis dessa trajetória.

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“Só eu sei As esquinas por que passei

Só eu sei, só eu sei Sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar

Sabe lá Sabe lá

E quem será Nos arredores do amor Que vai saber reparar

Que o dia nasceu Só eu sei

Os desertos que atravessei Só eu sei Só eu sei

Sabe lá O que é morrer de sede em frente ao mar

Sabe lá Sabe lá

E quem será Na correnteza do amor que vai saber se guiar A nave em breve ao vento vaga de leve e trás

Toda a paz que um dia o desejo levou Só eu sei

As esquinas por que passei Só eu sei Só eu sei

E quem será Na correnteza do amor...”

Esquinas

Djavan

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RESUMO

A compreensão dos aspectos biopsicossociais dos sujeitos que buscam atenção em saúde surge como caráter atrelado a uma boa prática. Nesse contexto apresentamos a prática do profissional fisioterapeuta cuja formação apresenta resquícios da concepção biomédica de educação em saúde caracterizada pelo forte enfoque na doença em detrimento do sujeito que a apresenta. Consideramos a relação dialógica que ocorre durante o atendimento fisioterapêutico elemento importante na mediação para a compreensão da integralidade do sujeito-paciente. A pesquisa A relação dialógica na prática clínica do profissional fisioterapeuta e a visão integral do sujeito-paciente, tem como objetivo compreender como ocorre a comunicabilidade relacional dialógica na prática desse profissional de Fisioterapia visando a identificação de aspectos subjetivos e objetivos que estabelecem uma visão integral do sujeito-paciente. É, portanto, uma pesquisa científica do tipo qualitativa com abordagem fenomenológica hermenêutica dialética. O campo de pesquisa foi a Universidade de Fortaleza – UNIFOR. As fontes utilizadas na pesquisa foram: fisioterapeutas egressos da UNIFOR, coordenadora do curso de Fisioterapia da referida instituição e documentos oficiais que regem a profissão. As técnicas de coleta de evidências foram: análise documental e entrevista reflexiva. Os resultados da pesquisa indicam que o diálogo que acontece durante a prática clínica em Fisioterapia configura-se momento que favorece a compreensão do sujeito-paciente e seu contexto. Porém, tal compreensão não supera a importância que o componente físico estabelece durante o tratamento. Assim, com vistas à reabilitação do sujeito-paciente, o fisioterapeuta lança mão de conhecimentos técnicos científicos para tal fim. A tese inicial proferida: na relação fisioterapeuta/sujeito-paciente, há indícios da valorização da intersubjetividade com forte presença de condutas clinicas que privilegiam o corpo físico não ocorrendo uma comunicabilidade que supere a dicotomia corpo/mente, foi parcialmente confirmada pelos dados e análises realizadas. Concluímos que os discursos dos sujeitos desta pesquisa anunciaram uma conscientização acerca da compreensão dos aspectos subjetivos dos sujeitos-pacientes evidenciando ainda a importância da perspectiva da visão integral dos mesmos a partir da intersubjetividade. Constatamos, portanto, não apenas indícios e sim afirmações acerca de que somente a utilização de condutas voltadas para a funcionalidade não dá conta da demanda do cuidar no âmbito da prática em Fisioterapia e que a comunicabilidade exercida durante a prática clínica promove o desenvolvimento da compreensão das dimensões biopsicossocial daquele que busca tratamento.

Palavras-chave: Relação dialógica, Prática do profissional fisioterapeuta, Integralidade.

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ABSTRACT

Understanding the biopsychosocial aspects of the subjects who seek health care emerges as a character tied to good practice. In this context we present the practice of physiotherapist whose training has remnants of biomedical conception of health education characterized by strong focus on disease rather than the subject that presents. We consider the dialogic relationship that occurs during physical therapy important element in mediation for understanding the entirety of the subject-patient. The research The dialogical relationship in clinical practice of the physiotherapist and the full view of the subject-patient, aims to understand how does the dialogic relational communicability in practice this professional physiotherapy for the identification of subjective and objective aspects that establish a comprehensive view of the subject -patient. It is therefore a scientific qualitative study with a phenomenological hermeneutic dialectic approach. The research field is the University of Fortaleza - UNIFOR. The sources used in the research were: graduates of UNIFOR physiotherapists, physiotherapy course coordinator of that institution and official documents governing the profession. Evidence collection techniques were: document analysis and reflective interview. The survey results indicate that the dialogue that happens during clinical practice in Physiotherapy set up time that favors the understanding of the subject-patient and their context. But this understanding does not outweigh the importance of the physical component sets during treatment. Thus, with a view to rehabilitating the subject-patient, the therapist makes use of scientific expertise for this purpose. The given initial thesis: the physiotherapist relationship / subject-patient, there is evidence of the appreciation of intersubjectivity with a strong presence of clinical behaviors that favor the physical body is not experiencing a communicability that overcomes the body dichotomy / mind, was partially confirmed by the data and analyzes. We conclude that the speeches of the subjects of this research announced an awareness of the understanding of the subjective aspects of the subjects-patients still showing the importance of the perspective of integral vision of the same from the intersubjectivity. We note, therefore, not only evidence but statements about that only the use of targeted behavior for functionality not cope with the demand of care within the practice in Physiotherapy and communicability exercised during clinical practice promotes the development of understanding of biopsychosocial dimensions of those who looks for treatment. Key words: Dialogic relationship, Physiotherapist professional practice, Integrality.

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RESUMEN La comprensión de los aspectos biopsicosociales de los sujetos que buscan atención de salud emerge como un personaje ligado a las buenas prácticas. En este contexto se presenta la práctica de la fisioterapia cuya formación tiene restos de la concepción biomédica de educación para la salud se caracteriza por un fuerte enfoque en la enfermedad más que el tema que presenta. Consideramos la relación dialógica que se produce durante la terapia física elemento importante en la mediación para la comprensión de la totalidad de la materia paciente. La investigación La relación dialógica en la práctica clínica fisioterapeuta profesional y una visión completa del sujeto-paciente, tiene como objetivo entender cómo funciona el diálogo relacional comunicabilidad en la práctica que la terapia física profesional destinado a identificar los aspectos de la configuración subjetiva y objetiva una visión completa de los -sujeto paciente. Por tanto, es un estudio cualitativo científica con un enfoque dialéctica hermenéutica fenomenológica. El campo de investigación es la Universidad de Fortaleza - UNIFOR. Las fuentes utilizadas en la investigación fueron: graduados de fisioterapeutas UNIFOR, fisioterapia coordinador del curso de esa institución y los documentos oficiales que rigen la profesión. Técnicas de recolección de evidencia fueron: análisis de documentos y entrevista reflexiva. Los resultados de la encuesta indican que el diálogo que ocurre durante la práctica clínica en Fisioterapia establecer el tiempo que favorece la comprensión de la materia-paciente y su contexto. Pero este entendimiento no compensa la importancia de los conjuntos de componentes físicos durante el tratamiento. Por lo tanto, con el fin de rehabilitar el sujeto-paciente, el terapeuta hace uso de la experiencia científica para este propósito. La tesis inicial dado: la relación fisioterapeuta / sujeto-paciente, existen pruebas de la apreciación de la intersubjetividad con una fuerte presencia de comportamientos clínicos que favorecen el cuerpo físico no está experimentando una comunicabilidad que supera la dicotomía cuerpo / mente, se confirmó parcialmente por los datos y los análisis. Llegamos a la conclusión de que los discursos de los sujetos de esta investigación anunciaron una conciencia de la comprensión de los aspectos subjetivos de los sujetos-pacientes aún muestran la importancia de la perspectiva de la visión integral de la misma desde la intersubjetividad. Observamos, por lo tanto, no sólo la evidencia pero las declaraciones acerca de que sólo el uso de la conducta dirigida por funcionalidad no hacer frente a la demanda de la atención dentro de la práctica en Fisioterapia y comunicabilidad ejercido durante la práctica clínica promueve el desarrollo de la comprensión de dimensiones biopsicosociales del tratamiento buscador. Palabras clave: Relación dialógica, Práctica profesional fisioterapeuta, Integridad.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 - Caracterização geral dos sujeitos da pesquisa ............................................ 26

Quadro 2 - Palavras-chave da metodologia interativa .................................................... 35

Quadro 3 - Comparação entre os paradigmas educacionais flexneriano e da

integralidade ................................................................................................ 74

Quadro 4 - Ciclos e respectivas matérias do currículo mínimo do curso técnico em

Fisioterapia .................................................................................................. 91

Quadro 5 - Elementos do projeto pedagógico .............................................................. 103

Quadro 6 - Fluxograma 32.10 do curso de Fisioterapia da UNIFOR ............................ 107

Quadro 7 - Unidades de significados, eixos e categorias gerais .................................. 120

Quadro 8 - Unidades de significados, eixos e categorias específicas .......................... 121

Figura 1 - O círculo hermenêutico-dialético .................................................................. 28

Figura 2 - Abraham Flexner (1866-1959) ..................................................................... 52

Figura 3 - Fascículos da folha de rosto do Relatório Flexner ........................................ 53

Figura 4 - Abordagem por competências e o projeto pedagógico de um curso de

graduação .................................................................................................. 102

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AMA American Medical Association

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CCS Centro de Ciências da Saúde

CFE Conselho Federal de Educação

CHD Círculo Hermenêutico-Dialético

CNE Conselho Nacional de Educação

CNS Conselho Nacional de Saúde

COFFITO Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional

COMEP Comitê de Ética e Pesquisa

DCN Diretrizes Curriculares Nacionais

ForGrad Fórum Nacional de Pró-reitores de Graduação

IES Instituição de Ensino Superior

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MBE Medicina Baseada em Evidências

MEC Ministério da Educação e Cultura

OMS Organização Mundial de Saúde

RPG Reeducação Postural Global

SESu Secretaria de Educação Superior;

SUS Sistema Único de Saúde

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UECE Universidade Estadual do Ceará

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.

UNICID Universidade Cidade de São Paulo

UNIFESP Universidade Federal de São Paulo

UNIFOR Universidade de Fortaleza

UVA Universidade Vale do Acaraú

WCPT World Confederation for Physical Therapy

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 13

2 PERCURSO METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO ............................................ 21

2.1 Caracterização do campo de pesquisa ................................................................ 25

2.2 Caracterização dos sujeitos pesquisados ........................................................... 25

2.3 Instrumentos e coleta de dados ........................................................................... 26

2.4 A análise dos dados .............................................................................................. 32

3 FISIOTERAPIA: CONTEXTO HISTÓRICO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL ........ 37

3.1 História da Fisioterapia no mundo ....................................................................... 37

3.2 A Fisioterapia no Brasil ......................................................................................... 40

3.3 Fisioterapia: conceituação e profissionalização ................................................. 41

4 CURRÍCULO: CONSTRUÇÃO SOCIAL E PRÁXIS ................................................ 44

4.1 Conceituação e teorias curriculares .................................................................... 46

5 PARADIGMAS DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE ......................................................... 51

5.1 O Relatório Flexner e sua influencia na formação em saúde ............................. 51

5.2 O modelo biomédico de educação em saúde ...................................................... 54

5.3 A proposta do paradigma da integralidade na educação em saúde .................. 60

5.3.1 A integralidade na prática ..................................................................................... 62

5.3.2 Os sentidos do termo integralidade ..................................................................... 65

5.4 Reformas curriculares e o paradigma da integralidade ...................................... 70

5.5 O paradigma flexneriano versus paradigma da integralidade: o que o

paradigma da integralidade contempla que o paradigma flexneriano não

deu conta ............................................................................................................... 71

6 A DIALOGICIDADE EM PAULO FREIRE E A VALORIZAÇÃO DO HUMANO ....... 75

6.1 A concepção do humano segundo Paulo Freire ................................................. 75

6.2 A importância do diálogo para Paulo Freire ........................................................ 79

6.2.1 A perspectiva da dialogicidade humana em Paulo Freire .................................. 82

7 A COLETA E ANÁLISE DOCUMENTAL: AS DIRETRIZES CURRICULARES

DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM FISIOTERAPIA E O PROJETO POLÍTICO

PEDAGÓGICO ........................................................................................................ 85

7.1 Fundamentos legais da Fisioterapia: um breve resgate ..................................... 86

7.2 As diretrizes curriculares nacionais e o campo da Fisioterapia: contexto

histórico ................................................................................................................. 90

7.3 As diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em

Fisioterapia ............................................................................................................ 94

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7.3.1 As diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em

Fisioterapia e o perfil do egresso ......................................................................... 96

7.3.2 O perfil do fisioterapeuta: do currículo mínimo às diretrizes curriculares

nacionais ................................................................................................................ 97

7.4 O projeto político pedagógico: pressupostos teóricos .................................... 100

7.4.1 Dimensões política e pedagógica do projeto político pedagógico .................. 101

7.4.2 A abordagem por competências e o projeto político pedagógico ................... 102

7.4.3 O projeto político pedagógico do curso de Fisioterapia da UNIFOR ............... 104

7.4.4 Estrutura curricular do curso de Fisioterapia da UNIFOR ................................ 112

8 RESULTADOS DA ENTREVISTA REFLEXIVA: A REALIDADE DA

ATUAÇÃO PROFISSIONAL EM FISIOTERAPIA E O CONFRONTO ENTRE

FORMAÇÃO E COTIDIANO DA PRÁTICA .......................................................... 119

9 CONCLUSÕES ..................................................................................................... 135

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 140

APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ..................... 146

APÊNDICE B – DINÂMICA E ROTEIRO DA TÉCNICA DE ENTREVISTA

REFLEXIVA .......................................................................................................... 147

ANEXO I – RESOLUÇÃO CNE/CES 4, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2002 QUE

INSTITUI AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE

GRADUAÇÃO EM FISIOTERAPIA ....................................................................... 148

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1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como foco a prática profissional do fisioterapeuta a

partir do olhar do egresso considerando sua visão em relação às dimensões biopsicossocial

do sujeito-paciente em tempos de práticas humanizadas. Apontamos ainda a relação

dialógica como componente necessário à efetividade de um fazer humanizado, preconizado

pelo atual contexto de saúde.

Ao longo da trajetória acadêmica, na condição de graduada em Fisioterapia e da

realidade que enfrentamos tanto no que se refere à formação quanto à prática da profissão,

docência ou pesquisa é que surgiu o interesse pelo tema. Durante a formação, chamou-nos

a atenção o fato de sermos formados para reabilitar o outro, reabilitar no seu sentido mais

amplo de fazê-lo voltar ao seu estado de normalidade ou o mais próximo dela. Se havia uma

fratura de punho, a Fisioterapia agiria com o objetivo de fazer com que aquele paciente

voltasse a ter sua preensão e habilidades motoras finas e grossas de antes. As reflexões

sobre a prática nos levaram a indagações a respeito da ausência de um aprofundamento no

conhecimento do outro, sua condição de homem situado no mundo. Enfim, compreender

suas inquietudes, seus limites e possibilidades. E ainda, entender ou ao menos apreender o

mundo real do sujeito-paciente.

O crescente interesse em atuar no magistério superior fez emergir a

necessidade de aprofundamento acadêmico. A especialização latu sensu em

Psicopedagogia nos possibilitou a investigação acerca da formação docente. Paralelamente

à conclusão da monografia iniciamos a atuar na docência do ensino superior em

Fisioterapia. A experiência com a docência na área de formação nos motivou a ingressar no

Mestrado Acadêmico em Educação. A opção pela área de formação de professores surgiu,

portanto, das necessidades formativas que surgiam no cotidiano da docência bem como da

necessidade de compreendê-las.

Enquanto docente universitária e buscando respostas às indagações surgidas ao

longo da trajetória profissional, desenvolvemos pesquisas junto a alunos de programas de

monitoria e de iniciação à pesquisa com abordagem qualitativa que viam na Fisioterapia

uma ciência com possibilidades que ultrapassam o campo de atuação para além da visão de

doença, incapacidade ou limitação do sujeito-paciente. Na pesquisa o corpo e suas

representações: o olhar do aluno de fisioterapia, partimos da compreensão de que o corpo

foi, é, e será objeto de representações. Desde as sociedades primitivas até os dias atuais,

os discursos sobre a corporeidade humana delimitam e dão significado às nossas relações

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com o mundo. As atividades perceptivas, as expressões de sentimentos, os exercícios, a

relação com a dor e com o sofrimento são moldados pelo contexto social e cultural em que

estamos inseridos. Nesta investigação buscamos conhecer como o aluno de Fisioterapia

compreendia o corpo do paciente e as representações do sujeito que adoece. O resultado

apontou que principalmente nos acadêmicos há uma mudança na visão e no entendimento

sobre corpo, decorrente de um processo de aprendizado e humanização sobre conciliar o

tratamento interligando corpo e mente. Na conclusão desta pesquisa verificamos que

atualmente, passamos por uma fase onde o corpo serve de suporte para uma subjetividade

que está além dele, o que algumas vezes implica em mudanças na forma como os

profissionais de saúde precisarão abordar esse corpo para melhor interpretá-lo e tratá-lo. Na

pesquisa intitulada, diálogo terapêutico na relação fisioterapeuta-paciente: uma entrevista

reflexiva, percebemos a importância e a necessidade de considerar a subjetividade do

sujeito-paciente e sua afetividade a partir de uma relação dialógica estabelecida na prática

clínica em Fisioterapia foi durante muito tempo uma questão esquecida e colocada em

segundo plano na história da construção do conhecimento científico onde prevalecia a

técnica em detrimento da condição do humano e seu contexto biopsicossocial. Nesta

investigação ficou evidenciada entre a totalidade dos graduandos em Fisioterapia

entrevistados, uma compreensão de diálogo enquanto objeto condicionante para o

estabelecimento de vinculo e consequentemente a promoção de um tratamento bem

sucedido. Concluiu-se assim que a relação dialógica proporciona uma compreensão do

sujeito-paciente enquanto ser biopsicossocial que é. E ainda que o olhar dos graduandos

quanto ao significado do diálogo na prática clínica em Fisioterapia é definido como

importante, essencial, base para uma aproximação, pilar para o estabelecimento de vinculo

e fundamento também, aliado ao conhecimento científico, a um tratamento bem sucedido.

Os estudos do Mestrado nos mostraram a importância da docência que aliada à

pesquisa, abriram espaço para novas reflexões sobre o contexto educacional, a formação

em Fisioterapia e a atuação profissional, componentes deste estudo aqui desenvolvido.

Acreditamos, assim, que o Doutorado em Educação, na Universidade Federal do Ceará, nos

possibilitou a continuidade dos estudos relacionados ao currículo, à formação e à prática,

bem como o retorno ao nosso curso de graduação – a Fisioterapia – proporcionando

contribuições para o exercício docente e também de pesquisa. Esse trajeto é permeado de

duvidas, inquietações e reflexões que se revelaram o combustível para chegarmos até aqui.

Assim, o interesse em pesquisar a prática profissional do fisioterapeuta surgiu da

experiência em pesquisa científica e também da vivência enquanto docente do curso de

Fisioterapia em instituição de ensino superior em Fortaleza. No âmbito social da prática

docente questionamentos sobre a formação do profissional de saúde, a prática profissional e

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as demandas do sistema de saúde vigente levaram a reflexões concernentes à realidade da

saúde, à abordagem integral do sujeito-paciente e a formação do profissional que para dar

conta dessa realidade necessita de uma formação mais humanizada. A partir dessas

reflexões sobre o profissional e sua formação, vislumbramos o currículo, seus aspectos

educativos e o contexto da prática. Sobre isso consideramos Lira (2010) que aponta que “o

currículo é um fenômeno educacional/educativo complexo”. Tais reflexões levou-nos a

questionar que a partir do conceito de saúde atual “completo bem estar biopsicossocial e

não apenas ausência de doença”, pode-se pensar os grandes desafios que o fisioterapeuta

deve enfrentar durante sua prática para dar conta das determinações da realidade em

saúde, uma vez que sua formação ainda reflete a herança do modelo biomédico,

reducionista e fragmentador.

Percebemos que a formação do profissional em Fisioterapia tal qual definida na

estrutura curricular nem sempre atenta para as demandas do contexto da realidade em

saúde, sejam estas sociais ou de trabalho. E ainda, os processos de reformulação curricular

são dificultados frente a velocidade com que mudanças nos âmbitos da prática profissional

acontecem. Assim, uma formação inovadora, ou seja, que dê conta das demandas do real

torna-se complexa e desafiadora ao envolver pessoas com disponibilidade para mudanças.

Sousa (2013) aponta outra questão que interfere nos avanços curriculares: o inacabamento

que o processo contém em sua mobilidade. De acordo com a autora, “as novas demandas

que acontecem no desenrolar do próprio processo deixam sempre uma distância entre a

intencionalidade de mudanças, o escrito e o vivido, o dito e o feito”.

A Fisioterapia, enquanto ciência tem um caráter essencialmente curativo e

reabilitador na sua gênese. Assim, ao hipervalorizar a doença e no caso da Fisioterapia a

doença que acomete física e funcionalmente o sujeito, incapacitando-o, tal atitude reflete

uma formação que tem suas raízes no modelo fragmentador, que ao priorizar ações

curativas e reabilitadoras de certa forma passa a desconsiderar o sujeito-paciente de

maneira integral. Tais práticas proporcionaram e proporcionam uma melhor qualidade de

tratamento a esses sujeitos através do estudo de novas técnicas e novos conhecimentos

que permitiram avanços para tal população, isso em relação à readaptação funcional e cura

de distúrbios físicos. Porém essa limitação do campo de atuação e uma prática direcionada

a indivíduos já doentes dificultou a percepção do fisioterapeuta em relação ao universo da

sua prática e também do sujeito-paciente.

Apesar de todo um movimento impulsionado pelo modelo assistencial, bem

como de práticas profissionais adotadas pelo sistema único de saúde (SUS) cujos princípios

são universalidade, integralidade e equidade o que se percebe no âmbito da prática clínica

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em Fisioterapia é a pouca permeabilidade entre as dimensões subjetivas (sujeito-paciente e

sua história pessoal e social) e a dimensão objetiva (aspectos físicos relativos à doença) e

seus papeis no desenvolvimento de determinada condição clinica. Pensamos que para que

a Fisioterapia contemple as dimensões biopsicossociais do sujeito-paciente faz-se

necessária uma ressignificação de valores que fazem parte da identidade profissional

daqueles que atuam na prática clínica, ou seja, o rompimento com a lógica da

hipervalorização da doença, da incapacidade, da não funcionalidade no seu sentido mais

restrito, o que atrela a profissão à reabilitação exclusivamente, bem como romper com

práticas isoladas que não favorecem uma comunicabilidade relacional dialógica como

promotor da compreensão da integralidade do sujeito-paciente.

Assim, questionamos sobre possibilidades de uma formação que leve a práticas

profissionais condizentes com a demanda do contexto da saúde. Uma formação que

caminhe na direção de superação de limites da ciência, no sentido de enfrentar desafios

impostos pela realidade ora colocada, promovendo, no entanto uma visão mais ampla do

humano e do social vigentes.

Diante dessas reflexões e de nossos anseios enquanto pesquisadoras, surgiu a

grande pergunta desta investigação: qual a concepção do profissional de Fisioterapia

egresso da UNIFOR sobre as dimensões biopsicossocial do sujeito-paciente na sua

prática clínica?

Deste processo partimos o desdobramento da questão central, propondo as

seguintes questões problematizadoras:

Quais significados são atribuídos pelos egressos do curso de Fisioterapia da

UNIFOR à sua formação na perspectiva da visão integral do sujeito-paciente?

Como os saberes da experiência se agregam a sua prática clínica na

perspectiva da integração corpo/mente do sujeito-paciente?

De que maneira os discursos apontam a presença das dimensões

biopsicossocial do sujeito-paciente durante a prática clínica?

Até que ponto o currículo de Fisioterapia consegue articular a formação

técnica com a demanda social, humana e relacional emergente na realidade

da prática profissional?

A finalidade do estudo foi, então, analisar como o diálogo enquanto agente

mediador da compreensão do sujeito-paciente é estabelecido durante a prática clinica do

profissional fisioterapeuta, uma vez que a racionalidade técnica ainda apresenta-se na

formação. Assim, delimitamos como objetivo geral: compreender como ocorre a

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comunicabilidade relacional dialógica na prática clínica do profissional fisioterapeuta,

visando a identificação de aspectos subjetivos e objetivos que estabelecem uma visão

integral do sujeito-paciente.

Uma vez estabelecido o objetivo geral, foram determinados os seguintes

objetivos específicos:

Analisar propostas curriculares de formação em Fisioterapia experienciadas

pelos egressos da UNIFOR.

Identificar os significados atribuídos pelos egressos do curso de Fisioterapia

da UNIFOR à sua prática clínica na perspectiva da integralidade do sujeito-

paciente.

Analisar as significações dos egressos do curso de Fisioterapia da UNIFOR

sobre suas experiências de formação e vivências práticas, identificando

concepções e condutas inerentes ou não a uma visão integral do sujeito-

paciente.

A tese inicial anunciada foi: na relação fisioterapeuta/paciente há indícios da

valorização da intersubjetividade, mas com forte presença de condutas clínicas que

privilegiam o corpo físico não ocorrendo uma comunicabilidade que supere a

dicotomia corpo/mente.

Os argumentos que levaram a formulação da tese foram:

Apesar do currículo prescrito anunciar a importância da formação generalista,

a prática clínica apresenta uma forte atuação tecnicista e fragmentadora;

A presença da técnica e consequentemente de ações que privilegiam o físico

em detrimento de aspectos subjetivos do sujeito-paciente;

Formação que não responde às demandas da realidade em saúde no que

tange às necessidades próprias do sujeito-paciente para além da condição

clinica física ou funcional;

A não valorização da intersubjetividade como aspecto importante para o

tratamento.

Para tanto realizamos uma pesquisa do tipo qualitativa com abordagem

fenomenológica hermenêutica dialética, já que tal postura nos permite uma aproximação do

fenômeno tal qual ele se apresenta na consciência. Os sujeitos da pesquisa foram 08

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profissionais fisioterapeutas egressos da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) que atuam na

prática clínica. Utilizamos como instrumento, a entrevista reflexiva para coleta de dados e

para análise dos mesmos; recorremos à utilização do método hermenêutico-dialético e uma

aproximação da técnica de análise de conteúdo de Bardin (2011).

O desafio investigativo desta tese nos levou à uma incursão nos seguintes

universos temáticos: o currículo e a prática do profissional fisioterapeuta. Tal incursão foi

permeada pelas especificidades da formação profissional do fisioterapeuta e sua prática,

particularmente aquelas voltadas à categoria diálogo, destacando autores como, Freire

(1979, 1995, 1997, 2005, 2006, 2007); Silva (2010); Sacristán (2000), Vianna (2000);

Pacheco (2005).

Pretendemos com essa pesquisa, contribuir para repensar um currículo para a

Fisioterapia capaz de inserir componentes de âmbito subjetivo que expressam o ser, seu

modo de agir e pensar, o seu contexto social, para um melhor entendimento por parte do

profissional a ser formado desse sujeito-paciente e sua realidade.

Acreditamos que profissionais assim formados são capazes de desenvolver um

trabalho, que ao promover a saúde do outro consegue também atingir espaços sociais

proporcionando o bem estar de grupos de convívio desse sujeito seja na família ou no

trabalho.

Por ter uma formação em Fisioterapia pela UNIFOR, vejo o quanto a realidade

da saúde tem requerido desse profissional posturas e atitudes inerentes ao fazer e que ao

longo desses anos pouco tem atingido ou transformado a formação. A objetividade da

prática ainda é muito forte, sem falar no discurso daqueles que formam, os docentes, onde

poucos ainda referem interesse em conhecer o outro para além da incapacidade física,

visível e palpável. Assim, esta pesquisa representou para os pesquisadores o desafio de

transpor uma barreira que muitos colegas acham desnecessária, mas que para nossa

formação continuada, enquanto profissionais e seres humanos cujas preocupações em

saúde transcendem a esfera do visto, vencer tal barreira apresenta-se absolutamente

necessária para se (re)pensar práticas e atitudes antigas e que atualmente não dão conta

das demandas do outro, da saúde e da sociedade.

Nessa perspectiva, apresentamos a investigação sobre a prática profissional em

Fisioterapia, a comunicabilidade estabelecida no ambiente da prática e sua compreensão

para um fazer pautado no conhecimento do sujeito-paciente na sua integralidade a partir do

olhar do egresso do curso de Fisioterapia da UNIFOR, em virtude da importância em se

conhecer o contexto de atuação da prática fisioterápica e a relação que se forma a partir do

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diálogo perfazendo aspecto relevante ao tratamento e de que forma tais aspectos são

contemplados no currículo do referido curso.

No contexto das pesquisas sobre a temática desta tese fizemos uma busca no

Portal de Periódicos CAPES/MEC, usando como critérios três descritores: relação dialógica,

prática em Fisioterapia e integralidade. Em relação à Fisioterapia encontramos um total de

5.731 trabalhos entre artigos, dissertações e teses. Com a temática “prática em Fisioterapia”

são 104 publicações entre estes, 13 teses. Sobre “relação dialógica” são 568 publicações e

quanto à temática “integralidade”, são 1251 trabalhos científicos. Ao buscarmos maior

aprofundamento, reunimos os descritores aos pares. Assim, “relação dialógica e prática em

Fisioterapia” encontramos 06 trabalhos e nenhuma tese. Quanto à “relação dialógica e

integralidade”, são 48 publicações, sendo somente 01 tese. E finalmente, “prática em

Fisioterapia e integralidade”, são 39 publicações, sendo 02 teses.

Portanto, a relevância científica desta investigação se dá pela escassez de

trabalhos na área da Fisioterapia e especialmente àqueles referentes à categoria diálogo

como componente intrínseco da prática clinica e que contribui para um fazer capaz de

alcançar os objetivos do tratamento sejam de promoção, cura ou reabilitação do sujeito-

paciente dentro dos cuidados próprios da profissão, bem como uma aproximação com a

complexidade do ser humano buscando a compreensão do seu universo e suas

particularidades, seu mundo vivido e seu mundo sonhado.

Essa pesquisa justifica-se pela importância ao apontar aspectos subjetivos,

como a importância do diálogo para além da intersubjetividade e a partir deste, o vínculo

afetivo, ambos perfazendo-se terapêuticos à medida que corroboram com o tratamento,

possibilitando assim, uma visão do sujeito na sua integralidade, ou seja, para além da

doença. Diante desse pensamento, percebemos a necessidade dentro das ciências da

saúde, em particular na Fisioterapia, a importância da percepção do sujeito nas suas

dimensões biopsicossocial.

Este trabalho busca apreender as reflexões do profissional egresso do curso de

Fisioterapia da UNIFOR sobre a prática profissional em relação ao currículo ou à formação

desenhada para um profissional que contemple o outro, considerando não somente o

aspecto físico, mas também um universo que lhe é próprio, o subjetivo, ressaltando nesta

investigação a compreensão da relação dialógica como componente viabilizador de práticas

que contemplem o sujeito-paciente de forma integral.

A estrutura e o conteúdo desta pesquisa estão organizados em nove seções,

assim descritas:

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a primeira seção coincide com a Introdução ora desenvolvida;

na segunda, descrevemos o percurso metodológico da pesquisa e seus

fundamentos;

na terceira, abordamos o campo da Fisioterapia, sua história no Brasil e no

mundo;

na quarta, abordamos o currículo e as teorias curriculares, pontuando que

para a presente pesquisa apoiamo-nos em currículo enquanto construção

social e ainda enquanto práxis;

na quinta, apresentamos os paradigmas da educação em saúde, desde o

modelo biomédico até o modelo biopsicossocial o qual aponta a noção de

integralidade do sujeito não mais dicotomizando-o, ou seja, o humano

contemplado a partir de seus condicionantes sociais, psicológicos e também

biológicos;

na sexta, apresentamos a dialogicidade em Paulo Freire enquanto aspecto

importante e mediador para a compreensão da integralidade do sujeito-

paciente;

na sétima seção, trazemos os documentos normativos e publicações oficiais

que orientam a formação em Fisioterapia, do Currículo Mínimo às Diretrizes

Curriculares e sua análise. Descrevemos ainda o projeto pedagógico do Curso

de Fisioterapia da UNIFOR, seu conceito e a abordagem de formação por

competências;

na oitava seção, trazemos os resultados da entrevista reflexiva realizada com

fisioterapeutas que atuam na prática clinica;

por fim, encerramos o trabalho com as considerações acerca dos achados e

as conclusões obtidas ao longo da pesquisa, bem como estabelecidos os

argumentos que demarcam a tese por nós proposta.

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2 PERCURSO METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO

Ao iniciarmos uma investigação científica surgem a partir da nossa história

experiências e conhecimentos próprios que vão compondo pilares afetivos e conceituais que

aos poucos convergem ao encontro com o objeto de estudo e sua delimitação. É a história

de vida do pesquisador, suas experiências e visão de mundo que dão a uma tese, uma

também identidade. Foi assim que surgiu o interesse em pesquisar o processo dialógico na

relação fisioterapeuta/sujeito-paciente durante a prática clínica e sua contribuição para uma

compreensão integral desse sujeito que adoece. Nasceu, portanto, a pesquisa intitulada: A

relação dialógica na prática clínica do profissional fisioterapeuta e a visão integral do

sujeito-paciente.

O objeto de estudo surgiu a partir da intenção de compreender a visão do

profissional de Fisioterapia em relação aos aspectos afetivos e físicos que requer sua

prática profissional e ainda de que maneira o diálogo com o sujeito que adoece foi

contemplado durante a formação. Portanto, para a investigação desta problemática foram

necessários momentos de reflexão, de aprofundamento teórico e incursões que exigiram

contato direto com a realidade e seus sujeitos propiciando assim um mergulho nas

dimensões da subjetividade e da objetividade através de um constante ir e vir, onde

buscamos aproximações com esse objeto, seu contexto, bem como sua realidade a partir do

olhar dos sujeitos.

As ciências da saúde, entre elas a Fisioterapia, no contexto ocidental

contemporâneo, necessitam ampliar suas matizes epistemológicas e antropológicas para

poder dar conta do sujeito para além da doença, ou ainda, para além do organismo. Assim,

através da abordagem qualitativa em pesquisa, empenhamo-nos em estabelecer uma visão

multidimensional da realidade pesquisada, investigando os ambientes de sua efetivação, o

estudo do contexto e as questões problemáticas do fenômeno em análise (BOGDAN;

BIKLEN, 1994).

Na pesquisa qualitativa, os dados obtidos são as descrições do pesquisador

sobre as diferentes percepções dos sujeitos, suas expressões e comportamentos. As

descrições são analisadas buscando apreender o sentido das informações e identificar as

categorias ou unidades de agrupamentos de sentidos. Estas requerem a interpretação, de

acordo com a fundamentação teórica estruturada para o estudo. De acordo com Minayo

(1994, p.21), a pesquisa qualitativa “trabalha com o universo de significados, motivos,

aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das

relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização

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de variáveis”. Concordamos com a autora, pois entendemos que o aprofundamento no

mundo dos significados das ações e relações humanas deve ser intensamente buscado

durante a investigação e também durante o processo de interpretação dos dados coletados,

por isso a opção pelo caráter qualitativo.

Holanda e Lima (2005), apontam que o cerne da pesquisa qualitativa é

imprescindivelmente acessar o mundo particular e subjetivo do homem, além de alcançar

suas dimensões não mensuráveis. Para Denzin e Lincoln (2007), essa abordagem

contempla a realidade como socialmente construída e percebe a não neutralidade do

pesquisador, ou seja, o mesmo encontra-se implicado no processo de construção do

conhecimento e em parceria com aqueles com quem partilha o poder, retirando-o da relação

sujeito/objeto, e dando-lhe voz.

Escolhido o tipo de pesquisa e na busca por resposta aos objetivos da pesquisa,

optamos pela abordagem Fenomenológica Hermenêutica Dialética como método para

referenciar teoricamente este estudo, bem como para a análise e interpretação dos dados,

uma vez que a Fenomenologia refere-se à intencionalidade e esta por sua vez é da ordem

da consciência que sempre está dirigida a um objeto. Assim, podemos reconhecer que não

existe objeto sem sujeito. Para Bruns (2005), compreender o fenômeno a partir da

Fenomenologia permite encontrar significados atribuídos às experiências de vida ao centrar-

se na relação sujeito-objeto-mundo e ainda que a Fenomenologia não busca reduzir seu

objeto de estudo, mas “(...) compreendê-lo em sua facticidade e transcendência, levando em

consideração o emaranhado de toda trajetória histórica (...)” (BRUNS, 2005, p. 70).

Em sua publicação: O que é filosofar? de 1984, Giles, um estudioso do método

fenomenológico, referencia Edmund Husserl como precursor deste método que tem como

principal objetivo a descrição da realidade, chamada pelo mesmo de fenômeno. A ênfase,

portanto é dada aquilo que se vê diretamente, à percepção da verdade, à essência dos

fenômenos. Segundo Husserl “a tomada de consciência do sentido dessas realidades é uma

tarefa infinita, sempre incompleta, pois toda visão do fenômeno é apenas um perfil que se

completa por muitos outros” (GILES, 1984, p.25).

Assim, a Fenomenologia para Giles (1984), busca compreender como as

pessoas sentem, pensam e interagem em seus ambientes naturais, tendo na

intencionalidade, característica definidora da consciência, o meio adequado ao estudo do

fenômeno.

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O termo hermenêutica1 refere-se à arte de interpretação de toda forma de

expressão humana. Nessa abordagem, o sujeito interpreta e dá sentido ao texto a partir do

contexto histórico em que se insere, buscando investigar o mundo pessoal das experiências.

São esses sujeitos que dão sentido e vida ao mundo que aí está, tornando-o, portanto

inacabado. Daí o conhecimento configurar-se um processo eminentemente dinâmico.

Para Gadamer, Heidegger, a hermenêutica é que recupera o sentido da coisa, levando em consideração a ocupação do contexto histórico que acontece. O sujeito interpretativo não pode eximir-se de sua história, pois esta é a condição da busca da verdade (SILVA, 2014, p.55).

A hermenêutica é considerada uma teoria ou filosofia da interpretação. É capaz

de tornar compreensível o objeto de estudo para além da sua aparência ou superficialidade,

ou seja, tenta aprofundar o sentido do mesmo quando nos permite através da interpretação

vivenciar os significados a partir do diálogo estabelecido com o mundo.

Assim como o verbo “interpretar”, de acordo com o dicionário Silveira Bueno,

significa “explicar; esclarecer; explanar; representar; desempenhar”. A hermenêutica, por

sua vez, busca esclarecer qual o significado que se encontra oculto, não manifesto, não

somente de um texto mas também da linguagem. De acordo com Silva (2014, p.55), “por

meio da hermenêutica podemos compreender o próprio homem, o mundo em que vive, sua

história sua existência”.

Já a dialética, entendida como “a arte do diálogo” nos fornece os fundamentos

para a realização de um estudo em profundidade, visto que o método dialético requer a

investigação da realidade em seu movimento, analisando as partes em constante relação

com o todo, fazendo-se necessários, portanto uma visão holística e sistêmica da realidade

em estudo.

Ressaltamos que ao optarmos pelo método dialético, levamos em consideração

suas características essenciais de acordo com Richardson (1999):

1. Princípio da conexão universal dos objetos e fenômenos: nenhum objeto

existe isolado, o homem não se basta a si mesmo, tudo está conectado, visto

que os fenômenos da natureza estão interligados e se determinam

mutuamente. O surgimento de um fenômeno, o seu desenvolvimento e a sua

1 Hermenêutica vem da palavra grega “hermeneia” que está relacionada à figura de Hermes, o tradutor da

linguagem dos deuses, tornando-a acessível aos homens. O deus Hermes procurava compreender aquilo que o humano não alcançava em algo que esta compreensão pudesse alcançar. A Hermenêutica surge nas ciências sociais como possibilidade de análise ao tomar a realidade social a ser interpretada a partir do contexto histórico.

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mudança, só são possíveis através das interações e conexões com outros

fatos e fenômenos.

2. Princípio de movimento permanente e do desenvolvimento: tudo que existe

no universo está em movimento. São as contradições internas que

determinam o movimento de objetos e fenômenos. O desenvolvimento se dá

na luta dos contrários, sendo resultado de acumulação de mudanças, tanto

qualitativas quanto quantitativas, que ocasionam as transformações

qualitativas.

Assim ao utilizarmos a abordagem dialética em pesquisa qualitativa, analisamos

o objeto de estudo de forma integral o que nos permite a compreensão dos dados coletados,

uma vez que, investigar um fenômeno é compreendê-lo. Compreender o fenômeno

educativo e sua dinâmica social, política e histórica – um estudo qualitativo não pode deixar

de situar-se na totalidade do espaço; na especificidade do processo histórico-cultural e na

historicidade do processo educativo. Segundo Frigotto (2001:75):

A dialética situa-se, então, no plano de realidade, no plano histórico, sob a forma da trama de relações contraditórias, conflitantes, de leis de construção, desenvolvimento e transformação dos fatos.

Por entendermos a realidade como um processo, no qual fatos e fenômenos se

apresentam em constante movimento, ou ainda, conectados e em mutação e, por sabermos

que somos parte desse processo, concebemos nossa metodologia de pesquisa como um

processo eminentemente hermenêutico-dialético.

Acreditamos que a relevância dessa abordagem se faz por estabelecer que o

processo de construção do conhecimento é um processo dialético, onde o referencial teórico

o qual nos fornece as categorias de análise, necessita ser constantemente revisitado e as

categorias reconstruídas durante o processo de investigação, ou o fenômeno não seria

histórico. A reflexão sobre a realidade, não se dá somente de forma diletante, mas sim em

função de uma ação transformadora dessa realidade.

A pesquisa foi realizada no período de 2011 a 2014, incluindo a pesquisa

bibliográfica, análise documental, entrevistas e demais procedimentos de aproximação com

o campo de investigação, associados a análises que se fizeram pertinentes para alcance

dos objetivos aqui propostos.

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2.1 Caracterização do campo de pesquisa

A aproximação com o fenômeno aqui pesquisado se deu no curso de

Fisioterapia da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Além do pioneirismo na oferta do

curso de graduação em Fisioterapia no estado do Ceará, com isso tendo lançado no

mercado de trabalho centenas de profissionais durante todos esses anos, a UNIFOR, como

toda Instituição de Ensino Superior (IES), embasa-se nas Diretrizes Curriculares Nacionais

(DCN’s) e no COFFITO (Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional), assim tal

escolha justifica-se porque foi na UNIFOR onde fui formada em Fisioterapia.

A UNIFOR é uma instituição de ensino superior brasileira e entidade privada

filantrópica localizada no bairro Edson Queiroz em Fortaleza, Ceará. Surgiu em 1973,

fundada pelo Grupo Edson Queiroz. Atualmente conta com 32 cursos na área de

Graduação. Na área de Pós-Graduação, a Universidade oferece cinco cursos de Mestrado

(Administração, Direito Constitucional, Informática Aplicada, Psicologia, Saúde Coletiva) e

dois cursos de Doutorado (Direito e Biotecnologia). Oferece ainda dezenas de cursos de

Especialização.

Salientamos que para a realização desta pesquisa, fomos autorizadas a

desenvolvê-la junto ao campo mediante requerimento assinado pelo diretor do Centro de

Ciências da Saúde da UNIFOR (CCS – UNIFOR).

2.2 Caracterização dos sujeitos pesquisados

O estudo desse universo se desenvolveu no curso de Fisioterapia da

Universidade de Fortaleza (UNIFOR) no sentido de apreensão da compreensão e

importância do diálogo durante a prática clínica como componente para a efetivação de um

fazer que contemple as dimensões biopsicossociais do sujeito-paciente. Para tal fim

participaram da pesquisa 8 profissionais fisioterapeutas (F1, F2 F3,...F8) que atuam na

prática clínica, egressos da UNIFOR. Todos os sujeitos assinaram o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE A), permitindo, assim a utilização de

seus dados na pesquisa. A escolha por esse número de sujeitos justifica-se pela

necessidade de se obter inicialmente um discurso em profundidade sobre o tema

pesquisado. A seguir apresentamos o perfil dos sujeitos desta pesquisa:

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QUADRO 1 – Caracterização geral dos sujeitos da pesquisa

Sujeito Perfil

F2 Graduada em 2000 (UNIFOR), mestre em Ciências Fisiológicas (UECE e UFRJ) e doutora em Ciências Médicas (UFC). Atua na área Cardiorrespiratória.

F2 Graduada em 1992 (UNIFOR), mestranda em Fisioterapia (UNICID). Atua nas áreas de Pediatria (rede pública estadual) e Cardiologia (rede privada).

F3 Graduada em 1992. Especialista em Fisioterapia Cardiopulmonar (UNIFOR). Mestre em Saúde Coletiva (UNIFOR) e doutoranda em Saúde Coletiva (Associação Ampla de IES – UNIFOR, UECE, UFC). Atua na área Cardiopulmonar e Terapia Intensiva.

F4 Graduada em 2001. Mestre e doutoranda em Farmacologia (UFC). Atua nas áreas de Dermatologia e Oncologia. Além da Fisioterapia, também é graduada em Enfermagem (UFC).

F5 Graduada em 2000. Mestre em Educação em Saúde (UNIFOR). Atua na área de Ortopedia, mais especificamente trabalha com técnicas de terapia manual que englobam Osteopatia, RPG e Microfisioterapia.

F6 Graduada em 1996. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente (UECE) em 2007. Atua nas áreas de Pediatria, Obstetrícia e Terapia Intensiva.

F7 Graduada em 1996. Especialista em Reeducação da Motricidade (UNIFOR) e mestre em Educação em Saúde (UNIFOR). Atua na área de Gerontologia.

F8 Graduada em 1993. Especialista em Gerontologia (UVA). Mestre em Psicologia (UNIFOR) e doutoranda em Ciências – departamento de Ginecologia (UNIFESP). Atua na área da Saúde da Mulher.

Fonte: dados trabalhados pela pesquisadora (2015).

Os sujeitos desta pesquisa são atuantes em suas áreas específicas

apresentando, portanto considerável experiência na prática clínica da profissão, o que

configurou-se aspecto importante para a escolha dos mesmos. Observamos ainda que

todos apresentam cursos em nível de pós-graduação, na área das ciências da saúde, o que

evidencia o grande envolvimento que os sujeitos têm com a profissão e sua prática.

2.3 Instrumentos e coleta de dados

Considerando a necessidade de aproximação com o fenômeno estudado em sua

singularidade e desdobramentos, levando em conta os sentidos e significados que os

sujeitos dessa investigação revelaram a partir de suas experiências, apresentamos a seguir

os procedimentos para a coleta de dados utilizados na pesquisa.

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- a análise documental – procedimento que constitui uma técnica valiosa de

abordagem de dados subjetivos segundo Lüdke e André (1986). A análise

documental é uma técnica que possibilita ao pesquisador fazer uso de

quaisquer materiais escritos como fonte de informação vinculada ao objeto de

estudo. Serve, portanto, para complementar informações obtidas pelas demais

técnicas ora utilizadas, bem como para desvelar novas nuances do problema

investigado. Segundo os autores, os documentos auxiliam o pesquisador no

sentido de comprovação de evidências que embasam suas afirmações e

declarações, além de servir também para identificar dados factuais nos

documentos e oportunizar a descoberta de problemas ou de aspectos que

devam ser mais explorados. Nesta investigação utilizamos basicamente

documentos relacionados à legislação vigente nos cursos de Fisioterapia, as

regulamentações da profissão, o projeto pedagógico do curso e outras

anotações.

- a pesquisa bibliográfica – abordagem compreendida como um levantamento de

material com dados analisados e publicados por meios escritos e eletrônicos,

como livros, artigos científicos, web sites, enfim todos aqueles relacionados à

temática estudada; a teoria conceitual que subsidia esta pesquisa está situada

nos estudos de Freire (1974, 1979, 2005); Silva (2010); Gimeno Sacristán

(2000); Vianna (2000); Pacheco (2005).

- a entrevista – a utilização dessa técnica se deu por acreditarmos que ao nos

fornecerem respostas, os sujeitos desta pesquisa contribuíriam para que, tanto

o sentimento, quanto a leitura de mundo do entrevistador fossem minimizados

(KIPNIS, 2005). Valemo-nos de Poupart et al., (2008), quando descreveram os

argumentos para a utilização da entrevista em pesquisa qualitativa: 1) de

ordem epistemológica, pela necessidade de exploração em profundidade da

perspectiva dos entrevistados para uma apreensão e compreensão do real; 2)

de ordem ética e política, pois abre a possibilidade de compreensão e

conhecimento interno de dilemas e questões enfrentadas pelos entrevistados

e, 3) de ordem metodológica, por configurar-se uma “ferramenta de

informação” que se impõe por ser capaz de elucidar as realidades sociais, mas

principalmente, quando apresenta-se como instrumento privilegiado de acesso

à experiência dos entrevistados. O autor acrescenta ainda, que as entrevistas

configuram-se “um dos melhores meios para apreender o sentido que os

atores dão às suas condutas”.

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Para a compreensão da relação dialógica na prática clínica do profissional

fisioterapeuta como mediadora da noção de integralidade do sujeito-paciente a partir do

olhar deste profissional, utilizamos a técnica de entrevista com abordagem reflexiva. Tal

procedimento foi escolhido por possibilitar um encontro interpessoal no qual é incluída a

subjetividade dos sujeitos, podendo proporcionar a construção de um novo conhecimento,

respeitando-se os limites da representatividade da fala e na busca de uma horizontalidade

nas relações de poder. O movimento reflexivo que a narração exige coloca o entrevistado

diante de um pensamento organizado e de uma nova forma até para ele mesmo, pois uma

vez que ao deparar-se com sua fala, na fala do pesquisador, há a possibilidade de outro

movimento reflexivo: o entrevistado pode voltar para a questão discutida e articulá-la de uma

outra maneira em uma nova narrativa, a partir da narrativa do pesquisador (SZYMANSKI,

2004). Daí o caráter de reflexividade expressa num movimento que se inicia com a reflexão

do entrevistado a partir da sua fala na voz do pesquisador, ao mesmo tempo em que este

expressa sua compreensão e a submete ao entrevistado, o que configura uma forma de

aproximação à fidedignidade dos depoimentos.

Durante a realização das entrevistas reflexivas fomos inspiradas pela técnica do

círculo hermenêutico-dialético2 (CHD) por se tratar de “um procedimento metodológico

bastante dinâmico, em constante interação entre as pessoas através do vai e vem no

processo de realização das entrevistas” (OLIVEIRA, 2010). (Fig.1)

Figura 1 – O círculo hermenêutico-dialético

Fonte: OLIVEIRA, 2010, p.132.

2 A metodologia da chamada quarta geração ou metodologia pluralista construtivista (GUBA e LINCOLN, 1989)

apresenta a técnica do circulo hermenêutico-dialético (CHD) a qual apresenta-se como “um processo de construção e de interpretação hermenêutica de um determinado grupo (...) através de um vai e vem constante entre as interpretações e reinterpretações sucessivas (dialética) dos indivíduos” (ALLARD, 1997, p.50).

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O CHD configura-se como um processo dialético que supõe constantes diálogos,

críticas, análises, construções e reconstruções, o que também ocorre na entrevista reflexiva

pela relação constante que se estabelece entre pesquisador e entrevistados, por meio do

contínuo vai e vem para assim se chegar o mais próximo possível do real.

A inspiração através da utilização do CHD nos permitiu vivenciar uma

experiência bastante dinâmica, uma vez que facilitou não somente a comunicação com os

sujeitos dessa pesquisa, mas também a pré-análise dos dados coletados, pois logo após

cada entrevista, cada fala era revisitada e nos encontros seguintes quando da apresentação

das percepções do entrevistador, reflexões surgiam a todo momento o que favoreceu

melhor e maior compreensão da realidade em estudo. Ainda sobre a pré-análise, o

movimento dialético permeado de reflexões e percepções dos envolvidos na investigação

contribuiu no sentido de minimizar a subjetividade dos pesquisadores, facilitando, portanto, a

elaboração da síntese final.

Na entrevista reflexiva (APÊNDICE B) desenhada para esta investigação os

objetivos da pesquisa foram a base para a elaboração da questão desencadeadora que

segundo Szymanski (2004), é o ponto de partida para a fala do entrevistado, focalizando o

ponto que se quer estudar e, ao mesmo tempo, ampla o suficiente para que ele escolha por

onde quer começar.

A investigação acerca dos depoimentos teve por referência a seguinte questão

desencadeadora: Considerando a demanda social, humana e relacional emergente na

realidade da prática profissional do fisioterapeuta, como a relação dialógica favorece a

compreensão do sujeito-paciente de maneira integral no contexto da prática clínica?

A fim de sistematizar a metodologia efetivamos as etapas a seguir:

1. Definição do instrumental: roteiro da entrevista aberta com questões

geradoras e orientadoras do depoimento;

2. Seleção dos sujeitos da pesquisa;

3. Realização das entrevistas reflexivas;

4. Seleção do material verbal de cada depoimento, procurando trechos que

evidenciaram melhor o seu conteúdo;

5. Sistematização do material em Unidades de Significado, as quais

descreveram os sentidos presentes nos depoimentos de cada resposta e

também no conjunto de respostas dos sujeitos investigados que

apresentaram sentido semelhante ou complementar;

6. Agrupamento das Unidades de Significados em Categorias;

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7. Sistematização dos depoimentos.

A entrevista reflexiva, como procedimento de pesquisa, caracteriza-se como uma

entrevista semidirigida que acontece em no mínimo dois encontros individuais ou coletivos.

Szymanski (2004) aponta momentos da entrevista reflexiva que devem ser sistematizados a

fim de estabelecer uma relação cordial, bem como o respeito ao ambiente social do

entrevistado, sua cultura ou instituição onde se desenvolverá a pesquisa. A autora adverte

que as razões para tais cuidados são principalmente de caráter ético, mas também

metodológico no sentido de se buscar maior fidedignidade nas informações.

As entrevistas foram realizadas individualmente em local e horário previamente

marcado, em ambiente apropriado e sem intercorrências. Os sujeitos se mostraram

disponíveis e solícitos desde o instante do convite. Por ocasião do primeiro encontro foi

realizada uma explanação sobre a pesquisa, o objeto a ser investigado e a técnica. Nos

encontros subsequentes apresentamos todo o depoimento transcrito juntamente com a

percepção do entrevistador acerca dos aspectos relevantes em relação à pesquisa.

Apresentamos a seguir os momentos da técnica de entrevista reflexiva aplicada

nesta pesquisa:

1. Contato inicial: neste momento houve uma apresentação deste estudo, onde

buscamos esclarecer sua finalidade, e também esclarecimento de dúvidas e

perguntas que eventualmente surgiram;

2. Aquecimento: aqui se delineou a biografia do entrevistado, assim como o

contexto de sua vida. Como o objeto desta pesquisa encontra-se imerso num

universo de subjetividade, ao apontarmos o diálogo como instrumento para

um olhar diferenciado do sujeito-paciente, olhar que valorize aspectos

relacionados à saúde e seus condicionantes biopsicossociais, este momento

foi importante ao proporcionar um entendimento à realidade do atendimento

clínico de cada um dos sujeitos, como, suas especialidades, o que gosta de

fazer na área da Fisioterapia, suas condições de trabalho, como se

caracterizam seus sujeitos-pacientes e as principais queixas relatadas pelos

mesmos;

3. A questão desencadeadora: aqui, foi lançada a pergunta “disparadora”. Uma

vez compreendida, os sujeitos discorreram livremente sobre o tema. Este

momento se caracterizou como uma primeira elaboração ou um primeiro

arranjo narrativo que o sujeito pode oferecer sobre o tema;

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4. A expressão da compreensão: expressou-se aqui um caráter descritivo e da

síntese da informação até então recebida, onde gradativamente

apresentamos nossa compreensão acerca do depoimento dos sujeitos sem

perder de vista o objetivo da pesquisa;

5. Sínteses: quando apresentamos de tempos em tempos para o sujeito o

quadro que estava se delineando. A síntese é uma forma de manter uma

postura descritiva além de buscar uma imersão na fala do entrevistado.

Várias vezes apresentamos sínteses durante os depoimentos, pois alguns

sujeitos fugiam do foco da entrevista;

6. Questões de esclarecimento, de focalização, de aprofundamento: fizemos

algumas vezes indagações quando o discurso mostrava-se confuso, ou ainda

quando não havia clareza nas narrativas, quando o foco da entrevista era

perdido, ou ainda quando o discurso se apresentava superficial. Szymanski

(2004, p.44), ressalta que “algumas vezes o entrevistado continua um diálogo

interno e não o expressa”. Essas questões foram muito utilizadas durante as

entrevistas reflexivas desta pesquisa, pensamos que os sujeitos aqui

entrevistados não apresentaram experiência ou vivência com temas ligados a

aspectos qualitativos de pesquisa em Educação, o que justifica muitas vezes

a dificuldade de apreensão do tema;

7. A devolução: momento da apresentação da compreensão do pesquisador

sobre a experiência relatada pelo entrevistado. Os depoimentos foram

gravados em gravador digital da marca Coby e depois transcritos de forma

fidedigna – o texto de referência – que inclui tanto a escrita das narrativas

quanto as percepções do pesquisador durante a entrevista ou a transcrição

de cada depoimento. Tal material foi impresso e em segundo encontro

apresentamos aos sujeitos onde os mesmos tiveram a oportunidade de

acrescentar ou explicitar algo que não ficou claro no primeiro encontro. A

devolução ou segundo encontro marca o momento da reflexão quando da

síntese apresentada e da leitura da transcrição das falas. Este momento

caracterizou-se como o mais impactante para as pesquisadoras. Pois em

cada um dos encontros individuais, apresentamos para os sujeitos a

transcrição de suas falas e a leitura de nossa percepção a partir de seu relato

acerca dos pontos que emergiram durante a entrevista. Todos os sujeitos

desta pesquisa ouviram atentamente nossa leitura e alguns apresentaram

modificações ou reforçaram ideias estabelecidas durante o primeiro encontro.

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Tais “alterações ou acréscimos” às suas falas evidenciaram a reflexividade,

que foi gerada no primeiro encontro, no período entre os dois encontros e, em

seguida quando compararam suas interpretações com as nossas. Nos novos

relatos, percebemos um sentido de desenvolvimento de consciência nos

procedimentos que envolveram esta entrevista reflexiva, pois do ponto de

vista da pesquisa, durante a tomada de conhecimento da elaboração feita por

nós, pesquisadores, os sujeitos demonstraram interesse no aprofundamento

da reflexão sobre o tema que consequentemente enriqueceria sua vivência,

no caso desta pesquisa, sua experiência na atuação clínica em Fisioterapia e

a integralidade do sujeito-paciente.

Durante a transcrição das falas dos sujeitos, a identificação com cada um

daqueles relatos, pensamentos e reflexões foi eminente. Atualmente, o confronto com a

prática e suas demandas, os fazem perceber lacunas existentes na formação que somente

através desse contato com o mundo do fazer nos faz enxergar. A compreensão do outro e

até onde ele nos permite avançar no sentido de tratá-lo, são fatores que não podemos

deixar de considerar e valorizar no dia a dia da profissão e principalmente na formação.

2.4 A análise dos dados

A análise em pesquisa é o processo que caminha na direção da explicitação da

compreensão do fenômeno pelos pesquisadores e que mesmo antes de iniciarmos o

procedimento de coleta de dados, pro meio, principalmente, das entrevistas, tínhamos

algum conhecimento e compreensão do problema proveniente, tanto de nossos referenciais

teóricos, quanto de nossas experiências pessoais e/ou profissionais, além de uma

expectativa de resultados que surgiu desde o momento de formulação do problema aqui

investigado. Acreditamos, portanto, que ao considerarmos a subjetividade envolvida no

processo de coleta de dados estamos demonstrando cuidado com o rigor metodológico.

Optamos pela técnica de Análise de Conteúdo por ser um procedimento de

pesquisa que se situa em um delineamento mais amplo da teoria da comunicação e tem

como ponto de partida a mensagem. Esta permite ao pesquisador fazer inferências sobre

qualquer um dos elementos da comunicação. A inferência é o procedimento intermediário

que vai permitir a passagem explícita e controlada, da descrição à interpretação dos dados.

Para tanto recorremos à organização dos depoimentos a partir de Moroz e Gianfaldoni

(2006) e ao entendimento à luz de Bardin (2011). Segundo o autor (2011, p.38):

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A análise de conteúdo pode ser considerada como um conjunto de técnicas de análises de comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens... A intenção da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção e de recepção das mensagens, inferência esta que recorre a indicadores (quantitativos ou não).

Produzir inferências “é a razão de ser” da análise de conteúdo, além de ter um

significado explícito, também pressupõe a comparação dos dados obtidos por meio de

discursos e símbolos, com os pressupostos teóricos de diferentes concepções de mundo, de

individuo e de contexto social. Portanto, deve-se considerar que a relação que vincula a

emissão das mensagens está intrinsicamente articulada às condições contextuais dos seus

produtores. A análise de conteúdo foi por nós aplicada, tendo como base o método

hermenêutico-dialético.

A análise do conteúdo dos depoimentos envolveu três etapas descritas por

Moroz e Gianfaldoni (2006, p.100) como:

1. Pré-análise: que objetiva construir um conjunto de categorias descritivas a

partir de uma série de leituras (flutuante) do material e da busca de unidades

de significado (aspectos comuns, aspectos inusitados, “silêncios”);

2. Exploração do material, que objetiva categorizar e codificar o material

coletado;

3. Nova exploração do material, para tratamento (reagrupamento dos dados) e

interpretação (relacionar análises com pressupostos teóricos).

A partir dos resultados alcançados, foram estabelecidas relações com o presente

estudo e com seu arcabouço teórico na busca por respostas à questão principal que norteia

o tema desta pesquisa tendo o propósito de descrever e interpretar o que pensam os

profissionais de Fisioterapia egressos da UNIFOR sobre sua formação e a importância da

compreensão da integralidade do sujeito-paciente a partir da relação dialógica entre

fisioterapeuta/sujeito-paciente durante a prática clínica.

A categorização concretiza a imersão do pesquisador nos dados e sua forma

particular de agrupá-los segundo a sua interpretação. Em se tratando de entrevista reflexiva,

o processo de categorização inicia-se a partir das leituras e releituras do texto de referência

– o depoimento -, onde os itens emergentes das entrevistas permitiram a elaboração de

sínteses provisórias – as unidades de significado -, bem como a visualização de falas dos

participantes que convergiram para os mesmos assuntos, estes por sua vez nomeados pelo

aspecto do fenômeno a que se referem, constituíram as categorias desse estudo.

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Os quadros relacionados à categorização geral e específica serão apresentados

no capítulo referente à apresentação e análise das entrevistas reflexivas.

Vale ressaltar, porém que neste estudo não elencamos previamente categorias

específicas a serem analisadas, o que não significa que desconsideramos a ideia das

possibilidades de emersão de algumas categorias estritamente ligadas ao objeto de estudo.

Como esclarecem Ludke e André (1986, p.48) ao afirmarem que o “(...) pesquisador já deve

ter uma ideia mais ou menos clara das possíveis direções teóricas do estudo (...)”.

De acordo com Moroz e Gianfaldoni (2006) as categorias devem apresentar:

I. Exaustão, ou seja, a inclusão de todos os dados coletados;

II. Exclusão mútua, ao permitir que os dados sejam classificados em uma única

categoria; e

III. Objetividade, ou seja, os dados coletados devem ser codificados do mesmo

modo.

IV. Homogeneidade, no qual um único princípio de classificação governa a

organização dos dados.

Após a fase de categorização, iniciou-se o trabalho com os dados onde

destacamos partes das entrevistas, bem como das observações e percepções que

contribuíssem para a discussão qualitativa dos dados, fornecendo assim consistência à

análise.

Para a sistematização do procedimento de análise dos dados coletados nas

entrevistas, após a transcrição das falas, seguimos os seguintes passos:

1. Leitura inicial sem a preocupação com interpretações, o que veio acontecer

nas leituras seguintes, que tinham a intenção de buscar o foco;

2. Grifo das ideias concernentes à fundamentação teórica;

3. Escuta das gravações com o intuito de complementar as anotações

realizadas durante a entrevista;

4. Listagem das ideias que se repetiam no texto;

5. Reunião das ideias principais, procedendo a composição das unidades de

significados, estas em eixos temáticos e por último em categorias;

6. Descrição do conteúdo das mensagens dos sujeitos entrevistados,

identificados nesta pesquisa pela sigla F1, F2, F3, F4,...F8, com o objetivo de

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facilitar a descrição de suas falas e a análise da essência dos fenômenos que

desejamos desvelar.

7. Apreciação e inferência do conteúdo as mensagens.

Esclarecemos que ao utilizarmos o método hermenêutico-dialético e uma

adequação da técnica de análise de conteúdo de Bardin, aproximamo-nos da metodologia

interativa3 que se apresenta como um processo hermenêutico-dialético com o intuito de

facilitar o entendimento e a interpretação tanto das falas e depoimentos dos sujeitos quanto

dos documentos relacionados com a investigação. De acordo com Oliveira (2010, p.124):

A metodologia interativa é um processo hermenêutico-dialético que facilita entender e interpretar a fala e depoimentos dos atores sociais em seu contexto e analisar conceitos em textos, livros e documentos, em direção a uma visão sistêmica da temática em estudo.

Apresentamos a seguir a análise das palavras-chave do conceito de metodologia

interativa segundo Oliveira (2010, p.124):

QUADRO 2 – Palavras-chave da metodologia interativa

Termos Significados

Metodologia Processo que implica a utilização de métodos e técnicas.

Interativa Fusão de métodos e técnicas de pesquisa e adaptações segundo a realidade do estudo.

Processo hermenêutico-dialético

Interpretação da realidade em seu movimento (dialética).

Entender/interpretar Trata-se de um mesmo movimento: ao mesmo tempo em que buscamos entender fatos e fenômenos, fazemos uma análise (interpretação da realidade) à luz de teorias.

Fala/depoimentos O que dizem os atores sociais sobre a realidade pesquisada.

Contexto Realidade empírica: local e/ou documentos que situam de forma geográfica e histórica o tema em estudo.

Visão sistêmica As partes só podem ser compreendidas a partir da dinâmica do todo.

Fonte: (OLIVEIRA, 2010, p.124).

Quando da análise dos dados coletados nesta pesquisa, confirmou-se a

classificação deste estudo como do tipo fenomenológico, apoiando-se em Bogdan e Biklem

(1994), que apontam o ambiente natural como fonte direta dos dados e seu caráter

descritivo. Segundo os autores, os investigadores fenomenologistas tentam compreender o

3 Oliveira (2010) apresenta a metodologia interativa como uma proposta metodológica. A autora se embasa teoricamente no método pluralista construtivista ou método da quarta geração de Guba e Lincoln (1989), o método de análise de conteúdo de Bardin (1977) e o método hermenêutico-dialético de Minayo (2004).

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significado que os acontecimentos e interações têm para pessoas comuns, em situações

particulares. E ainda, que ao não presumirem que conhecem os diferentes significados que

os sujeitos dão ao fenômeno que se estuda, a investigação de caráter fenomenológico parte

do silêncio. Onde tal ação se expressa como uma tentativa de penetração no mundo

conceitual dos sujeitos com o objetivo de compreender como e qual o significado que

constroem para os acontecimentos de suas vidas, ou seja, a realidade não é mais do que o

significado das nossas experiências e, portanto, constitui-se algo socialmente construído.

No capítulo referente à análise dos dados apresentaremos a apreciação e

inferência do conteúdo das informações coletadas nas entrevistas fundamentadas pelo

arcabouço teórico desta investigação.

Ressaltamos que esta pesquisa ao envolver seres humanos, obedeceu aos

princípios que regem a RESOLUÇÃO nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho

Nacional de Saúde (CNS), que embasam a proteção da privacidade dos sujeitos e não

utilização das informações em prejuízo dos outros; a garantia que não haverá riscos para o

sujeito de pesquisa; a inexistência de ônus de qualquer espécie e, o emprego dos dados

somente para fins previstos nesta pesquisa. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de

Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Ceará (COMEP - UFC) em 14 de outubro de

2014 sob parecer nº 830.599.

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3 FISIOTERAPIA: CONTEXTO HISTÓRICO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL

O presente capítulo apresenta a trajetória histórica da Fisioterapia no Brasil e no

mundo, bem como sua conceituação que vem mudando ao longo do tempo, deixando de

enfatizar seu caráter e exclusividade de uma ciência reabilitadora para se voltar a um campo

de atuação mais coletivo, no âmbito da promoção de saúde e prevenção de agravos. Porém

muito ainda precisa ser conquistado, pois sua característica histórica ainda é muito presente

nas práticas em termos de atenção ao sujeito já doente ou incapacitado.

3.1 História da Fisioterapia no Mundo

A fim de compreendermos a característica ainda tão presente de uma prática

profissional fisioterapêutica onde a reabilitação persiste enquanto foco de ação com

destaque para a presença de técnicas que não privilegiam a abordagem do sujeito-paciente

de forma integral, faz-se necessária uma incursão às bases históricas da profissão. Assim

perceberemos como o objeto de trabalho da profissão tem sido concebido, definido ou

exercido.

De acordo com Rebelatto e Botomé (1999), na Antiguidade os povos (4000 a.C.

e 395 d.C.) preocupavam-se com as diferenças incômodas, atualmente conhecidas por

doenças. Para eliminá-las, lançavam mão da utilização de agentes físicos disponíveis como

recursos e técnicas. Um exemplo de recurso natural terapêutico foi a utilização do peixe

elétrico, o que provavelmente impulsionou pesquisas acerca da eficácia da corrente elétrica

com finalidade de tratamento, originando assim um dos recursos atuais da Fisioterapia, a

eletroterapia. Também na Antiguidade, a ginástica era de domínio dos sacerdotes que a

utilizavam com fins terapêuticos, especialmente na cura de alguma doença já instalada.

Os agentes medicinais e físicos eram também utilizados pelos gregos e romanos

nos templos. A importância dos exercícios terapêuticos, ficam aí esclarecidas pela nota de

Galeno, de que o próprio Esculápio recomendava a equitação como meio de recuperar a

saúde (BASMAJIAN, 1980). Galeno também utilizou uma ginástica planificada do tronco e

dos pulmões para correção de uma deformidade de tórax apresentada por um jovem.

Hipócrates, o pai da medicina, já adotava os recursos terapêuticos com objetivo

de fortalecimento de músculos enfraquecidos. Foi Hipócrates quem utilizou pela primeira vez

o termo “Medicina de Reabilitação,” caracterizando a fisioterapia em uma de suas áreas de

atuação até hoje tão conhecida.

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A Medicina foi amplamente desenvolvida através de novas e importantes

descobertas atribuídas aos filósofos ao trazerem para o mundo uma evolução do

conhecimento em várias áreas. Os exercícios e os meios naturais para desenvolvimento da

saúde ou a cura de doenças foram ressaltados neste período pela visão de que tudo

acontecia de forma natural.

Durante a Idade Média (Século IV a XV), com o predomínio da visão religiosa

centrada no divino e a exaltação da fé, houve uma interrupção no avanço dos estudos na

área de saúde, pois o corpo humano foi desvalorizado, considerado “algo inferior”,

consequentemente os cuidados relativos ao corpo bem como seus movimentos foram

negligenciados.

A beleza física foi exaltada no Renascimento (Séc. XV a XVI),

concomitantemente os valores rígidos e morais da Idade Média sofrem uma decadência.

Rebelatto e Botomé (1999) apontam que a partir do desenvolvimento do humanismo e das

artes nesse período, houve a retomada dos estudos relativos ao cuidado com o corpo bem

como o culto ao físico. O avanço na utilização dos recursos físicos como meio de tratamento

das doenças ocorreu no final do Renascimento, com influência no mundo ocidental. Ainda

nesta época há relatos de preocupações com a prevenção de doenças e manutenção de

saúde.

O período Industrial (Séc. XVIII e XIX) trouxe a produção em grande escala com

o uso de máquinas, intensificando o trabalho operário com excessivas jornadas de trabalho

e condições sanitárias e alimentares precárias. Nesta época as condições alimentares e

sanitárias eram precárias, o que propiciava o surgimento e proliferação de novas doenças

como as epidemias de cólera, a tuberculose pulmonar e o alcoolismo. Começaram então a

ocorrer acidentes de trabalho devido a jornadas intensas e exaustivas, chegando a 16 horas

por dia. Assim para manutenção da força de trabalho e consequentemente do poder

econômico por ela gerado, era necessário tratar essas patologias para não perder ou

diminuir a sua fonte de riqueza proveniente do trabalho daqueles de poder econômico mais

baixo e socialmente dominados. O homem nessa época buscou concentrar-se na

descoberta de métodos de tratamento de doenças e suas sequelas, o que levou ao

desenvolvimento e evolução no que tange a aplicação de recursos elétricos, térmicos e

também a utilização da água e a aplicação de exercícios físicos no atendimento desse

indivíduo (REBELATTO; BOTOMÉ, 1999).

A Fisioterapia surge na metade do século XIX na Europa com as primeiras

escolas nas cidades de Kiel em 1902 e Dresdem em 1918 ambas na Alemanha. No cenário

mundial a Fisioterapia surge com grande evidência primeiramente na Inglaterra com os

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trabalhos de massoterapia desenvolvidos por Mendell e Cyriax, os trabalhos de

cinesioterapia respiratória realizados por Winifred Linton em Londres e especialmente os

trabalhos de fisioterapia neurológica desempenhados pela fisioterapeuta Berta Bobath

juntamente com o neurofisiologista Karell Bobath para o tratamento de pacientes com

sequela de paralisia cerebral (NAVES; BRICKS, 2001).

As especializações na área da medicina começaram a surgir no século XIX, com

as formas de tratamento utilizando-se técnicas e recursos que viriam a caracterizar a

Fisioterapia, definindo-a como área de estudo e campo de atuação profissional. Somente

no século XX é que acontece uma melhor elaboração das especializações, destacando-se a

Fisioterapia. É nesse período que se dá grande expansão mundial da fisioterapia: após as

duas grandes guerras. Tais batalhas tiveram como consequência um grande número de

mutilados, trazendo a necessidade de readaptação desses sujeitos lesionados às suas

atividades e o retorno ao trabalho e à sociedade. Assim, a Fisioterapia emerge como

especialidade voltada para a utilização do exercício físico como forma de retomada dos

movimentos e da funcionalidade do membro ou órgão com sequela de lesão.

De acordo com Rebelatto e Botomé (1999), no final do século XX, a Fisioterapia

passa a fazer parte da chamada "Área da Saúde" e sua evolução no decorrer da história,

teve seus recursos e formas de atuação quase que voltadas exclusivamente ao atendimento

do indivíduo doente.

Em 1948 em Londres foi criada a World Confederation for Physical Therapy

(WCPT) que aliou-se à Organização Mundial de Saúde (OMS) com o objetivo de promover a

Fisioterapia em todo o mundo (NAVES; BRICKS, 2001).

Assim, os marcos do avanço da profissão no mundo foram a industrialização,

que trouxe os acidentes de trabalho, as epidemias de poliomielite e as duas grandes guerras

mundiais. O avanço da Industrialização levou ao desenvolvimento de formas de trabalho

que ultrapassavam os limites físicos do trabalhador, sujeitando-o a situações que lhe

causavam danos à saúde, pois tais formas de trabalho priorizavam a produção e o lucro,

desconsiderando as condições de saúde do trabalhador.

Estes fatores foram determinantes para afirmação da Fisioterapia como uma

profissão necessária para o tratamento do sujeito acometido de uma lesão, o que ocasionou

a necessidade de investimento em pessoal qualificado, bem como em conhecimentos e

técnicas voltadas para a reabilitação.

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3.2 A Fisioterapia no Brasil

A Fisioterapia no Brasil coincidiu com a chegada da família real portuguesa em

1808, pois juntamente com os nobres houve a necessidade de instalar na colônia uma

estrutura sanitária mínima o que justificou a vinda de muitos recursos trazidos de Portugal

para serem incorporados em serviços de saúde no Brasil.

Rebelatto e Botomé (1999), afirmam que no Brasil, os recursos físicos

começaram a ser utilizados no âmbito da saúde por volta de 1870, devido aos acidentes de

trabalho resultado da industrialização. E em 1951 iniciou-se o primeiro curso para a

formação de técnicos em Fisioterapia.

Houve muitos outros fatores que fortaleceram a concepção de fisioterapia no país como uma atuação reabilitadora. A incidência de poliomielite no Brasil, na década de 50, atingia índices alarmantes e, como consequência, a quantidade de indivíduos portadores de sequelas motoras e que necessitavam de uma reabilitação para a sociedade era muito grande (p. 49).

Rebellato e Botomé (1999), ao analisarem a legislação que regulamenta a

profissão, observam limitações nas possibilidades de atuação em outros níveis de atenção.

Apontam restrições à prática profissional, impostas pelo Decreto-Lei no 938/69 que institui

“atividade privativa do fisioterapeuta executar métodos e técnicas fisioterápicas com a

finalidade de restaurar; desenvolver e conservar a capacidade física do paciente”. Um

profissional de nível superior, especialmente da área de saúde, não pode restringir-se a

apenas executar métodos e técnicas. Deve ter a capacidade de mais do que executar

procedimentos, analisar e produzir novos saberes. Outra questão que também merece

destaque é a restrição da atuação à restauração, desenvolvimento e conservação da

capacidade física, ou seja, o profissional deve atuar apenas sobre a capacidade física, não

sendo sua responsabilidade atuar para o desenvolvimento da qualidade de vida e saúde de

forma plena.

De acordo com o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional

(COFFITO), a Fisioterapia é uma ciência da saúde que estuda, previne e trata os distúrbios

cinético-funcionais intercorrentes em órgãos e sistemas do corpo humano, gerados por

alterações genéticas, por traumas e por doenças adquiridas e que fundamenta suas ações

em mecanismos terapêuticos próprios, sistematizados pelos estudos da biologia, das

ciências morfológicas, das ciências fisiológicas, das patologias, da bioquímica, da biofísica,

da biomecânica, da cinesiologia, da sinergia funcional e da cinesiopatologia de órgãos e

sistemas do corpo humano e as disciplinas comportamentais e sociais.

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As atuais exigências profissionais nessa área caminham em direção a uma

prática integral em saúde e menos focada na doença e na incapacidade, rompendo assim,

com o modelo biomédico e inserindo-se em uma atuação profissional mais voltada para a

promoção, a prevenção, a assistência e a reabilitação em padrões mais coletivos e

comunitários.

Atualmente o fisioterapeuta, é um profissional reconhecido e habilitado para

atuar nos três níveis de atenção à saúde – primário, secundário e terciário. No entanto, uma

inserção profissional assim caracterizada e que atende a demanda e exigências das práticas

em saúde nos dias atuais nem sempre foi abordada e, a formação acadêmica e as

habilidades técnicas não necessariamente acompanharam as mudanças e a avanços na

organização do sistema de saúde brasileiro.

Ao considerarmos a dinamicidade dos problemas de saúde da população, vemos

a importância de uma visão não somente técnica, mas também de uma consciência social,

entendendo o sujeito através de uma visão holística, contemplando os aspectos técnico-

científicos, humanísticos e sociais.

O contexto das ações em saúde na atualidade requerem profissionais capazes

de dar conta das necessidades dos sujeitos abrangendo aspectos físicos e afetivos. Práticas

pautadas somente em técnicas não respondem à demanda relacional terapeuta-paciente.

Daí a importância de uma formação que contemple o outro total, sem fragmentá-lo.

Reconhecendo que é um sujeito inacabado, humano.

3.3 Fisioterapia: conceituação e profissão

Vários são os conceitos desta profissão, porém a definição constante da

Resolução n.º 80 do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) se

destaca ao descrever a Fisioterapia como uma ciência aplicada, cujo objeto de estudo é o

movimento humano, em todas as suas formas de expressão e potencialidades, seja nas

suas alterações patológicas, nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, com objetivo de

preservar, manter, desenvolver ou restaurar a integridade de órgãos, sistemas e ou funções.

Percebemos para tanto, que de acordo com a definição, a Fisioterapia tem como objetivo

preservar (prevenção), desenvolver ou restaurar (reabilitação) a integridade de órgãos,

sistema ou função visando a uma melhor qualidade de vida do sujeito.

A Fisioterapia pode ser definida como uma ciência aplicada ao estudo,

diagnóstico, prevenção e tratamento de disfunções cinéticas funcionais (da biomecânica e

funcionalidade humana) de órgãos e sistemas decorrentes de alterações de órgãos e

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sistemas humanos. Para a efetivação de seu trabalho o profissional fisioterapeuta necessita

do entendimento das estruturas e funções do corpo humano.

Naves e Bricks (2011) em artigo recente sobre a atuação do fisioterapeuta na

saúde pública definem Fisioterapia como uma ciência da saúde que estuda, previne e trata

os distúrbios cinéticos funcionais intercorrentes em órgãos e sistemas do corpo humano,

gerados por alterações genéticas, por traumas e por doenças adquiridas.

Para Copetti (2004) a Fisioterapia é uma ciência que utiliza os meios físicos e

naturais na promoção da saúde, prevenção de doenças e reabilitação dos indivíduos, com o

objetivo de proporcionar uma melhor qualidade de vida, promovendo a sua manutenção ou

reintegração às atividades cotidianas.

De acordo com Ferreira et al., (2007), a Fisioterapia é uma área de atuação que,

em sua prática diária, utiliza o exercício físico como ferramenta importante de intervenção

tanto do ponto de vista preventivo quanto terapêutico.

Segundo Biasolli (2007), a Fisioterapia é considerada uma intervenção não

farmacológica que envolve várias técnicas de terapias físicas locais ou globais, assim como

todas as suas modalidades específicas.

Agne (2012), em seu livro “Eu sei eletroterapia”, destaca que a definição de

Fisioterapia tem relação direta com a definição do termo “agentes físicos”, segundo o autor,

fisio = agentes físicos + terapia = tratamento através dos agentes físicos. Tal afirmação nos

remete à objetividade do fazer fisioterápico em relação à utilização quase que exclusiva de

agentes físicos no tratamento.

A partir desses conceitos observamos o fato de que a Fisioterapia é uma

profissão contemporânea que incorporou o uso de recursos e técnicas utilizados desde os

primórdios da humanidade e que o uso dessas técnicas foi sendo aprimorado ao longo dos

tempos onde a constatação da eficácia desses instrumentos foi objeto de inúmeros estudos

e pesquisas científicas ao longo dos séculos. Percebemos a ênfase dada a sua dimensão

técnico-cientifica ao considerar a reabilitação do ponto de vista do movimento, aspecto

inquestionável para um retorno as atividades sejam estas sociais ou laborais e que segundo

os autores remetem a uma melhoria na qualidade de vida dos sujeitos.

Enquanto profissão, a Fisioterapia surgiu inicialmente derivada da Medicina,

cujos profissionais atuavam como paramédicos cujo fazer se restringia a executar

mecanicamente as determinações e orientações médicas. Aos poucos, a categoria foi

ocupando seu espaço profissional no campo da saúde. Porém, mesmo com o

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desenvolvimento e regulamentação da profissão, vários desafios ainda precisam ser

enfrentados. Um deles é a noção de que a Fisioterapia é um campo do conhecimento

voltado exclusivamente para a reabilitação e para um modelo assistencial e curativista,

tendo como clientes apenas pessoas já doentes ou com incapacidades instaladas.

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4 CURRÍCULO: CONSTRUÇÃO SOCIAL E PRÁXIS

O presente capítulo apresenta a concepção de currículo enquanto objeto

construído a partir da teia de relações social, política, cultural e histórica a qual faz parte o

humano inserido nesse contexto real e a sua prática enquanto profissional, o que nos

remete a ideia de currículo enquanto práxis que corrobora para a sua emancipação.

Abordamos ainda a conceituação de currículo bem como suas teorias. Para tanto

recorremos às obras de Silva (2010), Sacristán (2000), Goodson (2008), Vianna (2000).

Com o intuito de justificarmos nossa opção conceitual sobre o tema currículo na

prática do profissional fisioterapeuta, abordamos as duas concepções que embasaram

nossa construção teórica. A primeira concepção, à luz do livro “Documentos de Identidade:

uma introdução às teorias do currículo” de Tomaz Tadeu da Silva (2010). Segundo o autor:

(...) o currículo é uma construção social. O currículo é uma invenção social como qualquer outra: o Estado, a nação, a religião, o futebol...Ele é o resultado de um processo histórico. (...) É também através de um processo de invenção social que certos conhecimentos acabam fazendo parte do currículo e outros não. Com a noção de que currículo é uma construção social aprendemos que a pergunta importante não é “quais conhecimentos são válidos?”, mas sim “quais conhecimentos são considerados válidos?” (SILVA, 2010, p.148).

E a concepção de currículo enquanto práxis de Gimeno Sacristán (2000) que no

cotidiano de ações aborda a perspectiva prática sobre o currículo que resgata como âmbito

de estudo “o como se realiza de fato, o que acontece quando está se desenvolvendo. (...)

Nem as intenções nem a prática são, de modo separado, a realidade, mas ambas em

interação” (p.51).

Na perspectiva quer de currículo enquanto construção social quer currículo

enquanto práxis, significa apreendermos que sua construção está ligada às condições reais

no qual se desenvolve, considerando a teia de relações social, política, cultural e histórica a

qual faz parte, e a figura do homem inserido nessa realidade contextual.

Com o intuito de compreendermos o que é práxis, recorremos ao conceito de

Vásquez que afirma que é (1977, p. 108):

(...) uma atividade material, transformadora e ajustada a objetivos. Fora dela fica atividade teórica que não se materializa, na medida em que é atividade espiritual pura. Mas, por outro lado não há práxis como atividade puramente material, isto é, sem a produção de finalidades e conhecimentos que caracteriza a atividade teórica.

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Sacristán (2000), afirma que sendo o currículo entendido como uma práxis, o

mesmo contribui para o interesse emancipatório de seus participantes. Sendo ação,

distancia-se de um mero objeto estático, configurando-se uma expressão da função

socializadora e cultural de uma determinada instituição. É ainda uma prática que se

expressa em comportamentos práticos diversos, ou seja, ao apresentar-se como um projeto

baseado num plano devidamente ordenado, o currículo relaciona conexão entre princípios e

a realização dos mesmos, onde cada expressão prática concretiza seu valor. Segundo o

autor (p.16):

É uma prática na qual se estabelece um diálogo, por assim dizer, entre agentes sociais, elementos técnicos, alunos que reagem frente a ele, professores que o modelam, etc. Desenvolver esta acepção do currículo como âmbito prático tem o atrativo de poder ordenar em torno deste discurso as funções que cumpre e o modo como as realiza, estudando-o processualmente: se expressa numa prática e ganha significado dentro de uma prática de algum modo prévio e que não é função apenas do currículo, mas de outros determinantes. É o contexto da prática, ao mesmo tempo em que é contextualizado por ela.

Ao acreditarmos que nenhum fenômeno perfaz-se indiferente ao contexto no

qual é produzido e sendo o currículo algo que se constrói, seus conteúdos e expressões

últimas também não podem ser indiferentes aos contextos nos quais se apresentam. Assim,

ao considerarmos o enfoque técnico predominante na formação do profissional

fisioterapeuta e que faz parte da realidade da sua prática profissional vemos que o que é

interessante para o profissional é estar apto a solucionar o problema de saúde do sujeito

que busca tratamento. Assim o profissional lança mão de um aporte técnico científico e por

que não dizer racionalmente utilizado que se enquadra perfeitamente em cada caso

específico cujos sujeitos têm certa pressa em solucioná-los. Segundo Sacristán (2000, p.22)

a abordagem demasiadamente tecnicista de currículo nunca alcançará o real. De acordo

com o autor:

Uma visão tecnicista ou que apenas pretenda simplificar o currículo, nunca poderá explicar a realidade dos fenômenos curriculares e dificilmente pode contribuir para mudá-los, porque ignora que o valor real do mesmo depende dos contextos nos quais se desenvolve e ganha significado.

Diante disso, a teoria curricular deve contribuir para uma melhora da

compreensão dos fenômenos que se produzem, sejam nos sistemas de educação, sejam no

contexto da realidade da prática profissional na qual esta se insere considerando as

dimensões social, econômica, política vigentes.

O crescimento da profissão de Fisioterapia nas últimas décadas tem sido gradual

e constante e alcança tanto os aspectos sociopolíticos quanto o tecnológico, ampliando

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assim sua complexidade enquanto campo de atuação no que tange a intervenção bem

como o seu campo de conhecimento científico. Assim, compreendemos que, para falar na

estrutura curricular do curso de Fisioterapia, precisamos aprofundar conceitualmente as

teorias de currículo, bem como sua estrutura e organização.

4.1 Conceituação e teorias curriculares

Sabemos que o desenvolvimento curricular apresenta-se como processo

dinâmico e complexo uma vez que compreende prescrição, ação e avaliação e ainda que

ideologias, práticas e a própria política educacional são aspectos que dentre outros denotam

a complexidade do currículo.

Conceitualmente, o termo currículo apesar das ressignificações que vem

passando ao longo dos tempos, geralmente encontra-se ligado a ideia de conhecimento

válido, saber legitimado em determinada sociedade. Onde esse saber é submetido a

critérios, para que seja selecionado para somente a partir de então ser moldado a padrões

históricos e quando finalmente elaborados torna-se uma construção social e política. De

acordo com Berticelli (1999, p.160):

Currículo é lugar de representação simbólica, transgressão, jogo de poder multicultural, lugar de escolhas, inclusões e exclusões, produto de uma lógica explicita muitas vezes e, outros, resultado de uma “lógica clandestina” que nem sempre é a expressão da vontade de um sujeito, mas imposição do próprio ato discursivo.

Assim, por ser um saber legitimado, o conceito de currículo varia de acordo com

o que cada momento histórico aponta como legitimo. Configura-se saber socialmente aceito

revelando sua dimensão social, cultural e educacional.

Para Goodson (2008), a palavra currículo, de origem latina, refere-se a

expressão scurrere, que significa caminho percorrido, ou ainda, a trajetória percorrida por

um carro. A ideia de trajetória, percurso, caminho levou ao surgimento da expressão

currículo, que no mundo escolar refere-se ao caminho que o aluno percorrerá na vida

acadêmica.

A ideia de padronização e a linearidade ainda é muito forte nos modelos e

concepções de estrutura e organização curricular, pois estudos e reflexões acerca de sua

função político-social só emergiram no final do século XX. Goodson (2008) demarca a

evolução epistemológica do currículo e aponta quatro tendências progressivas

historicamente: a primeira marcada pelos padrões de organização e pelo controle social do

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conhecimento gerado na escola; a segunda, influenciada pela Revolução Industrial, traz o

modelo fabril como referencia à organização do trabalho e da estrutura escolar; a terceira,

caracterizada pela retórica da produção em série, cujos elementos centrais se relacionam à

padronização; e a quarta, o currículo como matéria acadêmica para formação profissional,

cuja compreensão relaciona-se diretamente ao desenvolvimento de saberes a grupos que

apresentam aptidão ou afinidade com a área de estudo escolhida.

Em estudos sobre currículo, faz-se pertinente a compreensão acerca das

concepções e ideologias implícitas e explicitas em sua constituição. Silva (2010) categorizou

as teorias curriculares apresentando em suas obras as bases epistemológicas que

promoveram maior compreensão acerca dos conceitos e ideologias do currículo tão

importantes para esta pesquisa. De acordo com o autor, as teorias do currículo relacionam-

se a três categorias conceituadas historicamente: as tradicionais, as críticas e as pós-

críticas.

Tais teorias emergem no inicio do século XX e iniciam-se com Bobbit, em 1918,

ao publicar The curriculum e, mais tarde, em 1949, surgem os trabalhos de Ralph Tyler.

Bobbit e Tyler tornam-se precursores influenciando mundialmente as concepções, a

organização e o desenvolvimento dos currículos.

O modelo de currículo de Bobbit iria encontrar sua consolidação definitiva num livro de Ralph Tyler publicado em 1949. O paradigma estabelecido por Tyler iria dominar o campo de currículo nos Estados Unidos, com influencia em diversos países, incluindo o Brasil, pelas próximas quatro décadas. Com o livro de Tyler, os estudos sobre currículo se tornam decididamente estabelecidos em torno da ideia de organização e desenvolvimento. Apesar de admitir a filosofia e a sociedade como possíveis fontes de objetivos para o currículo, o paradigma formulado por Tyler centra-se em questões de organização e desenvolvimento. Tal como no modelo de Bobbit, o currículo é, aqui, essencialmente, uma questão de técnica (SILVA, 2010, p.24-25).

Somente em 1960 é que surge uma perspectiva de organização e

desenvolvimento do currículo, mais reflexiva e crítica, quando os paradigmas mais

tradicionais do currículo já não davam mais conta das necessidades surgidas na América e

na Europa àquela época, que pediam pela compreensão de um currículo para além do

paradigma de controle e manutenção cartesiana do conhecimento. Então surgem as teorias

criticas do currículo, o que Silva (2010) caracteriza como a segunda categoria:

Ao tomar o status quo como referência desejável, as teorias tradicionais se concentravam, pois nas formas de organização e elaboração do currículo. Os modelos tradicionais de currículo restringiam-se a atividade técnica de como fazer o currículo. As teorias críticas sobre currículo, em contraste, começam por colocar em questão os pressupostos dos presentes arranjos sociais e educacionais. As teorias críticas desconfiam do status quo,

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responsabilizando-o pelas desigualdades e injustiças sociais. As teorias tradicionais eram teorias de aceitação, ajuste e adaptação. As teorias críticas são teorias de desconfiança, questionamento e transformação radicais. Para as teorias criticas o importante não é desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz (SILVA, 2010, p.30).

Segundo Moretti-Pires, (2008, p.287), os currículos tradicionais não permitem o

desenvolvimento da criticidade no discente por que entre outras características, há

idealização dos parâmetros aceitáveis e não aceitáveis para o aluno a partir da ideologia

que direciona politicamente a instituição de ensino, desconsiderando tanto a realidade e se

é possível ou não articular esta idealização com esta, como também se desconsideram

outros parâmetros de aprendizagem não previstos ou contrários ao que é aceitável. Sendo a

realidade e a relação homem-homens-mundo complexa, não há como ser contida na

perspectiva tradicional.

Silva (2010) denomina a terceira categoria de pós-crítica. Esta, por sua vez

busca enfatizar a dimensão multiculturalista que o currículo assume na atualidade,

apontando a identidade cultural como forte aliada ao desenvolvimento curricular. A partir da

compreensão de que os processos de globalização tendem a padronizar os sistemas de

organização social e acomodar os sujeitos em padrões, distanciando-os assim de suas

matrizes culturais, é que emerge, nesse contexto, a categoria pós-crítica cujo desafio é

desenvolver processos considerando as diferenças ligadas a etnia, gênero, credo e outros

que revelam multiculturalismo, seja local ou global.

Percebemos atualmente nos cursos de Fisioterapia, ainda a persistência de uma

organização e desenvolvimento de currículo que ressalta a fragmentação de saberes, tão

característico do modelo cartesiano de conhecimento. Tal concepção enobrece a

racionalidade técnico-científica que prioriza as demandas mercadológicas em detrimento

daquelas que promovem qualidade de vida aos sujeitos que buscam atenção em saúde.

Diante disso, cabe destacar a contribuição da crítica de Giroux (1983 apud

SILVA, 2010) à racionalidade técnica e utilitária; em sua análise, o currículo deve se

constituir de bases históricas e não somente da necessidade técnico-burocrática

determinada pelo modelo econômico. As teorias de reprodução capitalista situam os sujeitos

como reféns de suas necessidades e, para o autor, o currículo deve conter todas as

possibilidades e necessidades de seus sujeitos formandos, não somente àquelas

mercadológicas.

Silva (2010, p.25) ressalta que tanto a organização quanto o desenvolvimento do

currículo deve buscar responder, de acordo com Tyler, a quatro questões básicas: 1. que

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objetivos educacionais deve a escola procurar atingir?; 2. que experiências educacionais

podem ser oferecidas que tenham possibilidade de alcançar esses propósitos?; 3. como

organizar eficientemente essas experiências educacionais?; 4. Como podemos ter certeza

de que esses objetivos estão sendo alcançados? As quatro perguntas de Tyler

correspondem à divisão tradicional da atividade educacional: (1) “currículo”, (2 e 3) “ensino e

instrução”, (4) “avaliação”.

Benfatti (2011, p. 60-61) sobre a organização curricular acrescenta:

A organização curricular abre as portas para a definição sociológica e política dos contextos. Um currículo é constituído por seus registros - projeto pedagógico, planos, conteúdos, regimento etc., - mas, também o integram os espaços sociais, as manifestações, discursos, crenças, escolhas metodológicas, tensões sociais, a organização do trabalho pedagógico, dentre outros elementos. Há forte tendência de caracterizá-lo como artefato objetivo e neutro, contudo, nele estão presentes os elementos subjacentes à cultura. O currículo é, portanto, um produto político, e, quando os agentes que fazem parte desse quadro compreendem essa dimensão, tornam-se capazes de identificar suas contingências e os elementos que prevalecem na sua identidade.

Remetendo ao universo dessa investigação, indagamo-nos acerca de objetivos e

experiências educacionais que promovam uma formação crítica, reflexiva, humanizada.

Formação não mais pautada em teorias tradicionais do currículo, preocupando-se tão

somente com questões de organização, ou “o quê”? Que conhecimento deve ser ensinado?

E sim formação que promova uma consciência crítica acerca do “por quê?” Por que esse

conhecimento e não outro? Currículo e formação alicerçados por teorias preocupadas com

as conexões entre saber, identidade e poder (SILVA, 2010).

Ao pensar no currículo como agente mediador de transformação do sujeito,

vemos a necessidade de uma abrangência de conhecimentos que busquem dar conta do

universo do sujeito que busca tratamento em saúde. As práticas só mudarão se houver um

trajeto de formação que seja seguido e que seja condizente com a realidade do cotidiano

das atuações em saúde atualmente. Pacientes que buscam atendimento e profissionais que

estão distantes da realidade em que esse indivíduo vive. Um currículo que contemple o

humano na sua concepção mais ampla. Disciplinas oriundas das ciências humanas e sociais

fazendo parte do todo desse currículo num processo dialógico com as disciplinas próprias

da saúde. Assim, encontramos em Silva (2010) e em Vianna (2000) suporte para nossos

pensamentos acerca da visão de currículo e da educação enquanto valor social. De acordo

com Silva (2010, p. 27) “o currículo não pode ser visto simplesmente como um espaço de

transmissão de conhecimentos. O currículo está centralmente envolvido naquilo que somos,

naquilo que nos tornamos. O currículo produz, o currículo nos produz”. Vianna (2000, p. 23)

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corrobora com nosso pensamento ao afirmar que: “a educação, como um valor social,

extrapola os interesses circunstanciais de grupos isolados e passa por uma preocupação da

sociedade global”.

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5 PARADIGMAS DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Este capítulo aborda os paradigmas da educação em saúde: o paradigma

flexneriano ou biomédico idealizado por Abraham Flexner que é caracterizado por um

modelo reducionista, fragmentador e excludente dos aspectos psicossociais do sujeito-

paciente; e, o paradigma da integralidade que surgiu como proposta de superação de uma

prática especializada e indiferente ao contexto real de inserção desse sujeito que adoece.

Para tanto caracterizamos cada um dos modelos à luz das obras de Capra (2012), Camargo

Jr. (2005), Lampert (2002; 2003) e Mattos (2004; 2006).

5.1 O Relatório Flexner e sua influência na formação em saúde

O ensino da medicina nos Estados Unidos foi moldado, em sua forma atual, no

começo do século, quando a American Medical Association encomendou uma pesquisa

nacional sobre as escolas de medicina com o objetivo de proporcionar a esse ensino uma

sólida base científica (CAPRA, 2012). Esta pesquisa realizada por Abraham Flexner4 deu

origem ao livro Medical Education in the United States and Canada, mais conhecido como

Flexner Report – o relatório Flexner – publicado em 1910, que serviu de embasamento para

uma profunda reforma no ensino médico na América do Norte e que posteriormente

estendeu-se a outros campos de conhecimento. Tal relatório consolidou uma arquitetura

curricular fixando diretrizes rigorosas que são predominantes até hoje nas universidades de

países industrializados (ALMEIDA FILHO, 2010). Esse paradigma fundamentado na

fragmentação do conhecimento em disciplinas isoladas, na capacitação técnico científica

docente, na pesquisa e no treinamento em grandes hospitais, com (super)valorização da

especialização, impulsionou o conhecimento médico e as ciências da saúde na época

(ARCOVERDE, 2004).

No paradigma flexneriano também chamado de biomédico, a escola de medicina

se voltaria para o ensino e a pesquisa e seu principal objetivo era a formação de novos

médicos e o estudo das doenças e não a assistência aos enfermos. Para Capra (2012) a

4 Abraham Flexner foi um educador, graduado em química. Por encomenda da American Medical Association

(AMA) realizou um estudo para a Fundação Camegie para o Progresso no Ensino, sobre a situação das escolas

e da educação médica americana e canadense. Tal estudo resultou no Relatório Flexner publicado em 1910.

Esse trabalho foi determinante na reforma do ensino médico americano, influenciando também o

desenvolvimento das ciências da saúde, com o incentivo à pesquisa, ao ensino ligado ao hospital de ensino e à

docência com dedicação exclusiva, e consequentemente a delimitação e aprofundamento de áreas de estudo, as

especialidades (LAMPERT, 2002).

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ciência a ser ensinada e a pesquisa a ser desenvolvida em tal modelo inseriam-se no

modelo biomédico reducionista uma vez que tinham que ser separadas de questões sociais

onde tais questões não faziam parte do universo da medicina.

O paradigma flexneriano como a maioria das transições paradigmáticas, não foi

simples. Segundo Kuhn, apud Lampert (2002), há duas condições que devem ser

consideradas pelo novo paradigma: 1. solucionar problemas detectados que o paradigma

anterior não tenha conseguido resolver e 2. preservar uma parte substantiva do que foi

construído pelo paradigma anterior. Então o paradigma flexneriano passou a ser associado

ao rígido ensino médico que privilegiava a formação científica de alto nível, estimulando as

especializações profissionais, deixando a desejar uma abordagem mais humanista do

cuidado em saúde (NEVES; NEVES; BITENCOURT, 2005).

Figura 2. Abraham Flexner (1866-1959)

Fonte: Cad. Saúde Pública, 2010.

Arcoverde (2004) ao citar Flexner relata que em um estudo comparativo sobre

educação médica, Flexner iniciou postulando que para pesquisar a questão do ensino

médico era necessário, inicialmente definir qual concepção de Medicina se estava adotando.

Se esta fosse classificada como arte baseada apenas na observação empírica superficial,

ao bom prático bastava apenas atuar consciente desta superficialidade. Por outro lado,

utilizando-se uma nova concepção, baseada no método científico e dentro do que Flexner

denominou de consciência da responsabilidade deste espírito científico, o médico ideal não

deveria abrir mão de procedimentos sistemáticos uma vez que acúmulo de dados, o mesmo

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pudesse formular hipóteses e checar os resultados. Então a partir desta dicotomia, própria

do pensamento positivista da época, entre conhecimento prático desvalorizado e

conhecimento científico especializado, Flexner inaugurou o modelo sistematizador,

segmentado, organicista e tecnicista de educação médica.

Figura 3. Fascículo da folha de rosto do Relatório Flexner (1910)

Fonte: Cad. Saúde Pública, 2010.

O relatório Flexner apontou que apenas 20% das escolas médicas dos Estados

Unidos estavam dentro dos padrões científicos. Seu impacto impulsionou a Medicina

científica a voltar-se ainda mais para a biologia tornando-se mais especializada e

concentrada em hospitais. No ensino, os especialistas tomaram os lugares dos clínicos-

gerais e durante os estágios que eram realizados em grandes hospitais alunos cada vez

mais tinham contato com as especialidades e se concentravam também nos aspectos

biológicos das doenças e assim distanciavam-se das pessoas e suas enfermidades da vida

cotidiana (CAPRA, 2012).

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5.2 O modelo biomédico de educação em saúde

O modelo biomédico é o resultado da influência do paradigma cartesiano sobre o

pensamento médico e constitui ainda o alicerce conceitual da moderna medicina científica.

Nesse modelo o corpo humano é considerado uma máquina que pode ser analisada em

termos de peças (órgãos) onde a doença é vista como um mau funcionamento de um

desses mecanismos biológicos. Em situações de mau funcionamento o papel dos médicos é

intervir física ou quimicamente para que o defeito seja reparado. Tal olhar se estendeu aos

demais profissionais de saúde, entre eles o fisioterapeuta (CAPRA, 2012).

Este modelo reflete o referencial técnico-instrumental das biociências e exclui o

contexto psicossocial dos significados, dos quais uma compreensão adequada dos

pacientes e sua condição clínica depende. De acordo com Vieira (1998), o modelo

biomédico, associado ao paradigma positivista e ao modelo cartesiano predomina em todas

as áreas da saúde desde o fim do século XIX.

Ao apresentar um caráter reducionista e fragmentador, o modelo biomédico tem

como propósito a cura das doenças e a recuperação da saúde, isto é atua quando a doença

já está instalada, o que nos remete a prática do profissional fisioterapeuta que se volta para

a reabilitação daqueles já acometidos de lesão.

Quando voltamos nosso olhar para partes cada vez menores do corpo humano,

perdemos de vista o paciente como ser humano e todo o processo de inter-relação social,

cultural, psicossocial e até espiritual que permeia qualquer doença. Assim o sujeito-paciente

se reduz a um mero portador de doença. Assim sendo, o foco, o ataque à doença, aumenta-

se a distância entre aquele que trata e o que é tratado, não ocorrendo espaço para o

desenvolvimento de vínculo entre o profissional da saúde e o sujeito-paciente. E ainda, o

não estabelecimento de vínculo entre a doença e o doente na maioria das vezes não leva

em conta o sofrimento do paciente, reforçando as intervenções tecnicistas. Aqui o foco do

tratamento é a doença tornando cada vez maior a distância entre o profissional da saúde e o

sujeito paciente (AUGUSTO et al., 2008).

Capra (2012) afirma que a maior mudança na história da medicina ocidental se

deu com a revolução cartesiana, pois, antes de Descartes as práticas em saúde atentavam

para a interação de corpo e alma e consideravam o contexto do meio ambiente social e

espiritual de seus pacientes. A filosofia de Descartes alterou tal visão ao dividir

rigorosamente corpo e mente, resultando em práticas concentradas no funcionamento da

máquina corporal, negligenciando os aspectos psicológicos, sociais e ambientais da doença.

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O avanço da moderna medicina científica teve início no século XIX com os

grandes progressos feitos pela biologia. No início do século, a estrutura do corpo humano

em suas particularidades era quase completamente conhecida. Além da compreensão dos

processos fisiológicos do organismo, o que só sustentava a fidelidade reducionista de

biólogos e médicos ao dirigirem seus olhares a partes cada vez menores, aquelas

constituintes das peças ou engrenagens da máquina. Tal tendência de abordagem

desenvolveu-se em duas direções: a biologia celular como base da ciência médica (Rudolf

Virchow); e o estudo intensivo de micro-organismos (Louis Pasteur) que ocupou os

pesquisadores biomédicos.

Ao longo da história da medicina, ocorreram debates acerca da possibilidade de

uma doença específica ser causada por um único fator ou ser o resultado de uma

constelação de fatores agindo simultaneamente. Tais pontos de vista foram enfatizados no

século XIX por Pasteur e Bernard, respectivamente. Bernard concentrou-se em fatores

ambientais externos e internos ao indivíduo e definiu doença como o resultado de um

desequilíbrio interno envolvendo em geral a concorrência de uma variedade de fatores. Já

Pasteur esforçou-se na descoberta do papel das bactérias no surgimento das doenças,

associando tipos específicos de doenças a micróbios também específicos. A teoria

microbiana de Pasteur venceu o debate e recebeu prontamente a adesão dos médicos. A

razão mais importante de tal vitória foi o fato de que a doutrina da causação específica de

doença se ajustava à estrutura da biologia. Nessa concepção, “(...) a ideia de que uma

doença ser causada por um único fator estava em perfeita concordância com a concepção

cartesiana dos organismos vivos como sendo máquina cujo desarranjo pode ser imputado

ao mau funcionamento de um único mecanismo” (CAPRA, 2012, p.124).

Durante o século XIX os progressos em biologia foram acompanhados pelo

avanço da tecnologia médica e gradualmente a atenção dos médicos era transferida do

paciente para a doença. A tendência reducionista persistiu na ciência biomédica também no

século XX.

A medicina do século XX caracteriza-se pela progressão da biologia até o nível

molecular e pela compreensão de vários fenômenos biológicos nesse nível. Tal progresso

firmou-se então como forma de pensamento, se impôs às ciências humanas e

consequentemente, configurou-se como base científica da medicina.

O detalhado conhecimento das funções biológicas em níveis celulares e

moleculares levou ao desenvolvimento da Farmacoterapia.

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Apesar do considerável aumento nos gastos com saúde nas ultimas três décadas, e em meio aos pronunciamentos dos médicos acerca do valor da ciência e da tecnologia, a saúde da população não parece ter apresentado uma melhora significativa (CAPRA, 2012, p.129).

De acordo com Capra (2012), uma concepção mais abrangente de medicina e

saúde envolveria a saúde do individuo e a saúde da sociedade, tendo que incluir as doenças

mentais e também as patologias sociais. Pois, assim se mostraria que embora a medicina

tenha contribuído para a descoberta e eliminação de algumas doenças, isso não

restabeleceu necessariamente a saúde. O autor nos remete a concepção holística de

doença, na qual a enfermidade física representa apenas uma das diversas manifestações

de um desequilíbrio do organismo e ainda:

Outras manifestações podem assumir a forma de patologias psicológicas e sociais; e quando os sintomas de uma enfermidade física são efetivamente suprimidos por intervenção médica, uma doença pode muito bem expressar-se de algum outro modo (CAPRA, 2012, p.130).

Para Capra (2012), a ciência biomédica tem realizado grande progresso ao

descobrir mecanismos biológicos associando-os a doenças especificas e ao

desenvolvimento de tecnologia que serão utilizadas para dizimar tais doenças. Porém, como

os mecanismos biológicos não se configuram na tua totalidade como as únicas e exclusivas

causas das doenças, compreendê-los não perfaz necessariamente promover ou

proporcionar saúde. Capra (2012, p.132) lembra que alguns críticos falam que a medicina

fez poucos progressos nos últimos vinte anos, pois se referem a cura e não somente a

conhecimento cientifico. Porém essas duas vertentes de progresso não são, segundo o

autor, incompatíveis e ressalta “a pesquisa biomédica continuará sendo uma parte

importante da futura assistência à saúde, ainda que integrada numa abordagem mais ampla,

holística”.

Segundo o autor o modelo biomédico está firmemente assente no pensamento

cartesiano. Descartes introduziu a rigorosa separação de mente e corpo, a par da ideia de

que o corpo é uma máquina que pode ser completamente entendida em termos da

organização e do funcionamento de suas peças. Uma pessoa saudável seria como um

relógio bem construído e em perfeitas condições mecânicas; uma pessoa doente um relógio

cujas peças não estão funcionando apropriadamente. As principais características do

modelo biomédico, assim como muitos aspectos da prática médica atual (aqui incluo a

Fisioterapia) podem ter sua causa primeira nessa metáfora cartesiana.

Segundo Capra (2012) obedecendo à abordagem cartesiana, a ciência médica

limitou-se à tentativa de compreender os mecanismos biológicos envolvidos numa lesão em

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alguma das várias partes do corpo. Concentram-se olhares aos mecanismos do ponto de

vista celular e molecular, deixando de fora toda e qualquer influência de circunstâncias não

biológicas sobre os processos biológicos. Assim, em meio à enorme rede de fenômenos que

influenciam a saúde, a abordagem biomédica estuda apenas alguns aspectos fisiológicos.

Tal prática reducionista e limitante causa mais sofrimento e doença do que cura, segundo

alguns críticos e para Capra (2012, p.135), “isso não mudará enquanto a ciência médica não

relacionar seu estudo dos aspectos biológicos da doença com as condições físicas e

psicológicas gerais do organismo humano e o seu meio ambiente”.

Com base nesse espírito reducionista, os problemas em saúde são analisados

passando-se ao estudo de fragmentos cada vez menores, seja de órgãos, tecidos, células e

depois para fragmentos dessas células e finalmente para moléculas isoladas. Esse espírito

reducionista com frequência deixa de lado o fenômeno original, aquele causador da doença.

Assim a história da ciência médica mostrou rapidamente que a redução da vida a

fenômenos moleculares não é suficiente para a compreensão da condição humana. E ainda,

“um tão limitado ponto de vista desconsidera os sutis aspectos psicológicos e espirituais da

doença (...)” (CAPRA, 2012, p.140)

A abordagem cartesiana influenciou a prática em saúde em vários e importantes

aspectos. Um deles é a divisão da profissão em dois campos distintos a saber: os médicos

tratam o corpo, enquanto psiquiatras e psicólogos, da mente. Esses dois campos raramente

se comunicam. Outro aspecto é a existência de dois corpos distintos de literatura na

pesquisa em saúde. Na literatura psicológica, os estados emocionais e sua importância para

a doença é exaustivamente debatida. Já as produções literárias médicas se fundamentam

quase que exclusivamente na fisiologia.

Compreender o paciente como sujeito adoecido implica considerá-lo em todos os

seus aspectos, não somente biológicos e psíquicos, mas também enquanto porta-voz de um

conjunto de representações sociais, culturais e agente de um processo de interação

(CAVALCANTE, 2012).

Cavalcante (2012), afirma que a centralidade da doença no paradigma da

medicina ocidental contemporânea e a crescente intermediação tecnológica da prática

médica atual, têm em muito contribuído para o distanciamento e a alienação do médico em

relação à situação de adoecimento do sujeito. E ainda complementa a autora que “muitas

das dificuldades da atenção àquele que sofre estão baseadas em práticas que, ao

privilegiarem os aspectos técnicos da doença, abandonam a dimensão subjetiva do

adoecer” (p.78). Capra (2012, p.137) defende que “o estado psicológico de uma pessoa não

só é importante na geração da doença, mas também crucial para o processo de cura”.

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Evitar as questões filosóficas e existenciais próprias do sujeito que adoece, é

outra consequência da divisão cartesiana. Ou seja, o que é pertencente ao “domínio

espiritual e consequentemente encontra-se fora da esfera da medicina pressupõe juízo

moral e a medicina enquanto ciência objetiva não deve preocupar-se com tais questões”

(CAPRA, 2012, p.140). Assim também é a morte por ser também considerada uma questão

filosófica e existencial e além do mais dentro do âmbito mecanicista e tecnológico das

ciências em saúde, a morte não pode ser qualificada, pois segundo o autor, a morte significa

nessa concepção uma paralisação total da máquina (corpo).

Na medicina contemporânea as consequências da divisão cartesiana continuam

latentes. A concepção mecanicista do organismo humano levou a uma abordagem técnica

em saúde, na qual a doença é reduzida a um defeito mecânico e o tratamento à

manipulação técnica.

De acordo com o ponto de vista biomédico a definição de doença tem como

base a enfermidade. Pois a enfermidade é reduzida à doença (CAPRA, 2012). Enquanto

que a enfermidade é condição do ser humano total, a doença é a condição de uma

determinada parte do corpo; e assim, em vez de tratar pacientes que estão enfermos, os

profissionais da saúde se voltam para o tratamento de suas doenças. O tratamento é

dirigido exclusivamente para questões biológicas ou àquelas referentes a lesões.

O modelo biomédico tradicional baseia-se, quase totalmente, numa visão

cartesiana do mundo e considera que a doença consiste em um mau funcionamento

temporário ou permanente de um componente da máquina ou da relação entre os

componentes. A cura de determinada doença, nessa perspectiva, significava, consertar,

reparar essa máquina (BARROS, 2003). Tal visão nos remete ao termo racionalidade

médica que foi criado por Madel Luz e apresenta-se como uma categoria operacional. Uma

racionalidade médica é um conjunto integrado e estruturado de práticas e saberes composto

de cinco dimensões interligadas: uma morfologia humana (anatomia), uma dinâmica vital

(fisiologia), um sistema de diagnose, um sistema terapêutico e uma doutrina médica

(explicativa). Tal racionalidade trata o sujeito que adoece investigando seu corpo em relação

a anatomia e a fisiologia, para assim estabelecer um diagnóstico e intervenções de

tratamento, onde todo sintoma clinico relaciona-se a uma alteração morfológica (CAMARGO

JR., 2005).

Camargo Jr. (2005, p.178), resume a racionalidade biomédica em três

proposições:

“(...) dirige-se à produção de discursos com validade universal, propondo modelos e leis de aplicação geral, não se ocupando de casos individuais:

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caráter generalizante; os modelos aludidos tendem a naturalizar as máquinas produzidas pela tecnologia humana, passando o “Universo” a ser visto como uma gigantesca máquina, subordinada a princípios de causalidade linear tradutíveis em mecanismos: caráter mecanicista; a abordagem teórica e experimental adotada para a elucidação das “leis gerais” do funcionamento da “máquina universal” pressupõe o isolamento de parte, tendo como pressuposto que o funcionamento do todo é necessariamente dado pela soma das partes: caráter analítico”.

Associar determinada doença a uma parte definida do corpo é evidentemente

muito útil em diversos casos. Mas a moderna medicina tem enfatizado excessivamente a

abordagem reducionista e desenvolveu suas disciplinas especializadas a um ponto tal que

os profissionais da saúde frequentemente não são mais capazes de ver a enfermidade

como um desequilíbrio do organismo todo e consequentemente nem tratá-la. Daí a

tendência ao cuidado de um determinado órgão, sem geralmente considerar o resto do

corpo, os aspectos subjetivos e sociais do sujeito paciente.

De acordo com o modelo biomédico, somente o médico sabe o que é importante

para a saúde do indivíduo, e só ele pode fazer qualquer coisa a respeito disso baseado no

fato de que todo o conhecimento acerca da saúde é racional, científico, baseado na

observação objetiva de dados clínicos (CAPRA, 2012, p.152).

Sob o impacto do Relatório Flexner, a medicina científica voltou-se ainda mais

para a biologia, tornando-se mais especializada e exercida em grandes hospitais. Assim

especialistas passaram a substituir clínicos gerais tanto no ensino quanto no atendimento ao

sujeito paciente.

Capra (2012) finaliza apontando que os centros universitários têm como

finalidade não somente o treinamento, mas a pesquisa. Pesquisas que priorizam aspectos

biológicos são prontamente favorecidas por concessão de verbas para seu

desenvolvimento. O que se vê é a aceitação do modelo biomédico cujos princípios básicos

encontram-se enraizados na cultura do povo. E ainda, segundo o autor, o modelo biomédico

é muito mais que um modelo, é um dogma, e para o grande publico está vinculado a sua

cultura. Capra (2012) afirma que para superá-lo faz-se necessária uma revolução cultural

para melhoria e manutenção da saúde. Tal modelo é útil desde que se reconheçam suas

limitações. E que os pesquisadores precisam entender que a análise reducionista da

máquina corpo não pode fornecer um completo e profundo conhecimento do homem. A

pesquisa biomédica terá que ser integrada a outros campos de conhecimento para que as

manifestações de todas as enfermidades humanas sejam encaradas como produto da

interação corpo, mente e meio ambiente e também sejam estudadas e tratadas dentro

dessa perspectiva abrangente.

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Pensamos que um conceito de saúde que incorpore dimensões holísticas e

ecológicas e que sejam aceitas em termos teóricos e práticos, exigirá uma mudança

conceitual na ciência médica além de uma reeducação do público em geral. Capra (2012,

p.157) acrescenta: “só será possível transcender o modelo biomédico se estivermos

dispostos a mudar também outras coisas; isto estará ligado, em última instância, a uma

completa transformação social e cultural”.

5.3 A proposta do paradigma da integralidade na educação em saúde.

Percebemos que o modelo comumente praticado na saúde, em geral consiste

em uma prática fragmentada, dicotomizada e centrada na produção de atos, predominando

a desarticulação entre as inúmeras queixas dos sujeitos-pacientes. Para a superação desse

cenário, emerge a necessidade de um novo referencial, assentado no compromisso ético

com a vida, com a promoção e a recuperação da saúde (MACHADO et al., 2007, p. 338).

De acordo com o dicionário, o termo integralidade significa uma característica,

particularidade ou condição do que é integral (completo). O conjunto de tudo aquilo utilizado

para formar ou completar um todo. Completude. Já em saúde o termo não é apenas uma

diretriz do Sistema Único de Saúde constitucionalmente definido. Para Machado et al.,

(2007) significa uma bandeira de luta, ação defendida por aqueles que partem de uma

imagem objetiva de um contexto do sistema de saúde que deixa a desejar quanto a seus

aspectos institucionais e por práticas ainda excludentes. Nesse cenário do sistema de

saúde, a imagem subjetiva configura-se o elemento balizador atrelado ao ideário de uma

construção de práticas em saúde que valorizem o outro.

A integralidade concebe a identificação do sujeito no todo, ainda que tal noção

não seja alcançada de forma plena. Permite um atendimento para além de estruturas

hierarquizadas, organizadas, uma vez que contempla uma atenção em saúde que privilegia

a qualidade do cuidar do individual ao coletivo e ainda o compromisso com o aprendizado e

com práticas multidisciplinares.

A possibilidade de realização de uma prática que responda à concepção de

integralidade do sujeito-paciente requer a atenção para a importância da compreensão do

sujeito-paciente enquanto ser histórico, político e socialmente inserido em contexto. E ainda

que a discussão sobre a integralidade perpassa a formação do profissional de saúde assim

como sua educação permanente, a qual deve estimular o trabalho em equipe (inter e

multidisciplinar) e o ambientes de promoção de relações dialógicas entre esses

profissionais.

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É preciso estabelecer estratégias de aprendizagem que favoreçam o diálogo, a troca, a transdisciplinaridade entre os distintos saberes formais e não formais que contribuam para as ações de promoção de saúde a nível individual e coletivo (MACHADO et al., 2007, p. 337).

Assim emerge uma nova visão das práticas em saúde centradas na integralidade

do cuidado. Segundo Machado et al., (2007) “A ideia de cuidado integrado em saúde

compreende um saber fazer de profissionais, docentes, gestores e usuários/pacientes co-

responsáveis pela produção da saúde, feito por gente que cuida de gente” (p.338). A autora

acrescenta ainda que o cuidar do outro articula a escuta, o acolhimento, o diálogo e a

relação ética e dialógica entre os atores implicados na prática.

Portanto, para que essa realidade de compreensão do sujeito-paciente na sua

integralidade é preciso repensar estruturas de processos de formação dos profissionais de

saúde e também o modo de organização dos profissionais da área. Segundo a autora (p.

338):

A noção de integralidade como princípio deve orientar para ouvir, compreender e, a partir daí, atender às demandas e necessidades das pessoas, grupos e comunidades num novo paradigma de atenção a saúde.

O paradigma da integralidade requer que profissionais que lidam com o cuidado

com o outro em suas práticas, devem desenvolver e aprimorar uma visão holístico-ecológica

do cuidado em saúde, ou seja, os profissionais de saúde despertaram interesse pela

ampliação do foco dos resultados terapêuticos e de cuidados em saúde, para além do

estado físico, elegendo a melhora constante da qualidade de vida como um propulsor que

engloba estados subjetivos de satisfação do sujeito-paciente em suas atividades de vida

diária. “Esta atitude incorpora o princípio da integralidade como uma dimensão do cuidar”

(MACHADO et al., p. 339, 2007).

É importante que a compreensão da integralidade no atendimento em saúde

esteja inserida na consciência crítica dos profissionais de saúde e ainda vale ressaltar que

quanto mais conscientizados, mais capacitados nos tornamos. De acordo com Machado et

al. (2007), estando capacitados anunciamos e denunciamos a realidade tal qual se

apresenta. Tal consciência nos permite desvelar a realidade e assim alcançar a realização

de práticas com ações transformadoras dessa realidade.

A concepção crítica da educação que pretende ser uma educação para a

conscientização, para a mudança, para a libertação solicita uma relação de proximidade

entre os profissionais e a população. Nessa relação educativa, a produção do conhecimento

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passa a ser coletiva, gerando uma modificação mútua, porque ambos são portadores de

conhecimentos distintos (MACHADO et al., p. 339, 2007).

Para Paulo Freire o exercício de uma prática educativa crítica, como experiência

especificamente humana, constitui uma forma de intervenção no mundo comprometida com

o princípio de democracia que rejeita qualquer forma de discriminação, dominação e integra

uma atitude de inovação e renovação na crença de que é possível mudar.

Neste sentido, consideramos a prática em saúde inspirada nos pensamentos de

Paulo Freire, “coerente e competente, que testemunha seu gosto pela vida, sua esperança

no mundo melhor, que atesta sua capacidade de luta, seu respeito às diferenças da

realidade, a maneira consistente com que vive sua presença no mundo”.

Para tanto, se faz necessário um olhar para além do visível. É preciso enxergar o

ambiente, a sociedade, o meio político e cultural, a família e a comunidade desse sujeito.

O paradigma da integralidade surge pela necessidade de se corrigir ações em

saúde caracterizadas pela fragmentação, desarticulação e supervalorização de um saber

científico descontextualizado e que por sua vez não dava conta das necessidades reais em

saúde e condição de vida dos sujeitos. Tal paradigma surge para possibilitar um ouvir, um

entender e assim atender as demandas do sujeito-paciente e a partir dele, grupos e

coletividades.

5.3.1 A integralidade na prática

Mattos (2004) destaca que o termo integralidade significa mais do que um dos

princípios do SUS, ele expressa uma imagem-objetivo. Segundo o autor (p.1411): “uma

forma de indicar (ainda que de modo sintético, características desejáveis do sistema de

saúde e das práticas que nele são exercidas, contrastando-as com as características

vigentes (ou predominantes).

Dentre os princípios e diretrizes do SUS, o da integralidade talvez seja o que é

menos visível dentro da trajetória do sistema e das suas práticas. Para Mattos (2004),

quanto ao princípio da universalidade, atualmente as barreiras formais que impossibilitavam

acesso ao sistema de saúde aqueles que não contribuíam com a previdência já não

existem. Mas se sabe que ainda há barreiras quanto ao acesso de pessoas que necessitam

dos serviços de saúde de forma igualitária.

A Constituição Brasileira de 1988 afirma ser dever do Estado garantir “o acesso

universal e igualitário aos serviços de saúde para sua promoção, proteção e recuperação”.

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No mesmo texto vemos o que chamamos de integralidade “atendimento integral com

prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”. Ambos

os trechos evidenciam ações no campo da saúde. No primeiro, promoção, proteção e

recuperação e no segundo, ações preventivas e assistenciais.

Para Mattos (2004), “uma coisa é defender o acesso universal e igualitário às

ações e serviços de saúde que se façam necessários, o que, numa rede regionalizada e

hierarquizada, pode assumir a defesa ao acesso a todos os níveis de atenção do sistema de

saúde. Outra coisa igualmente importante é defender que em qualquer nível haja uma

articulação entre a lógica da prevenção e da assistência, de modo que haja sempre uma

apreensão ampliada das necessidades de saúde” (p.1413).

Assim o autor aponta como útil não considerar integralidade como sinônimo do

acesso a todos os níveis do sistema e sim refletir sobre as características das práticas que

se pautam pela integralidade.

Uma primeira dimensão da integralidade na pratica se expressa exatamente na capacidade dos profissionais para responder ao sofrimento manifesto, que resultou na demanda espontânea, de um modo articulado à oferta relativa a ações ou procedimentos preventivos (MATTOS, p.1413, 2004).

Para os profissionais, durante a prática clínica no tratamento de seus pacientes,

isso significa incluir no seu cotidiano rotinas ou processos de busca sistemática daquelas

necessidades mais silenciosas e menos vinculadas ao processo físico.

Para Mattos (2004), a integralidade na prática se manifesta na postura do

profissional que não aceita a redução da necessidade de ações ou serviço da saúde à

necessidade de identificar e das respostas única e exclusivamente para a doença que

ocasionou o sofrimento por ora manifestado. Essa postura envolve: 1. uma apreensão

ampliada das necessidades do sujeito-paciente que englobe tanto as ações de cuidado

quanto aquelas voltadas para a prevenção de futuros sofrimentos; 2. capacidade de

contextualização da realidade desse sujeito-paciente.

O autor aponta que o que caracteriza a integralidade é a apreensão ampliada

das necessidades de cada sujeito que busca o atendimento em saúde, mas especialmente é

a habilidade de reconhecer a adequação de ofertas ao contexto específico da situação no

qual se dá o encontro do sujeito-paciente com o profissional ou equipe de saúde.

Mattos (2004) em seu artigo “A integralidade na prática (ou sobre a prática da

integralidade)” ao exemplificar o caso de violência domestica e a postura de uma agente

comunitária diante das marcas de maus tratos nos braços das crianças daquela família e

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sua atitude de orientar a mãe das crianças quanto ações a serem tomadas para proteção de

todos da violência do pai e marido. Tal atitude evidencia que “o principio da integralidade é

exercido por meio de um olhar atento, capaz de apreender as necessidades de ações de

saúde no próprio contexto de cada encontro“ (p. 1414).

Em qualquer contexto onde ocorra o encontro entre sujeito-paciente e

profissional da saúde é possível articular a integralidade quando se articulam ações

preventivas e assistenciais que segundo Mattos (2004, p.1414) envolvem um duplo

movimento por parte dos profissionais da saúde.

De um lado, apreender de modo ampliado as necessidades de saúde. E outro, analisar o significado para o outro das demandas manifestas e das ofertas que podem ser feitas para as necessidades apreendidas, tendo em vista tanto o contexto imediato do encontro como o contexto da própria vida do outro de modo a selecionar aquilo que deve ser feito de imediato e gerar estratégias de produzir novos encontros em contextos mais adequados aquelas ofertas impertinentes no contexto especifico daquele encontro. O que nos remete a questão da contextualização.

Assim emerge uma compreensão que perpassa os variados sentidos da

integralidade que se referem aos encontros entre profissional da saúde, equipe e sujeito-

paciente. A integralidade requer que as práticas em saúde sejam sempre de natureza

intersubjetiva, onde profissionais de saúde se relacionam com pessoas, sujeitos que

naquele momento apresentam um tipo de sofrimento. Então práticas intersubjetivas

envolvem necessariamente uma relação dialógica. Ou seja, práticas em saúde configuram-

se práticas de conversação. Significa que enquanto cuidamos, lançamos mão de nossos

conhecimentos para identificar as necessidades de cada sujeito-paciente e reconhecer

amplamente as ações que podemos por em prática para dar conta das necessidades que

apreendemos a partir da dimensão dialógica ao nos relacionarmos com esse sujeito. E

ainda, para Mattos (2004, p. 1414), “defender a integralidade nas práticas é defender que

nossa oferta de ações deve estar sintonizada com o contexto especifico de cada encontro”.

Sabemos que sujeitos têm modos de viver e encarar a vida que perante um

sofrimento se modificam. E ainda que modos de vidas não são simples escolhas dos

sujeitos, mas “emergem do próprio modo como a vida se produz coletivamente” (MATTOS,

2004). Cada sujeito apresenta particularidades que se expressam no seu modo de viver a

vida. Isso significa que mesmo detendo conhecimentos sobre doenças e sofrimento e

conjuntos de ações em saúde capazes de amenizar sofrimentos ou curar doenças. Esse

conhecimento nos ajuda a dar conta desse sofrimento a partir da dimensão do cuidado. Já

na perspectiva da integralidade não podemos reduzir o sujeito à doença que lhe causa

sofrimento.

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Ao contrário, manter a perspectiva da intersubjetividade significa que devemos levar em conta, além dos nossos conhecimentos sobre as doenças, o conhecimento (que não necessariamente temos) sobre os modos de viver a vida daqueles com quem interagimos nos serviços de saúde. Isso implica a busca de construir, a partir do diálogo com o outro, projetos terapêuticos individualizados (p.1415).

Mattos (2004) aponta que, na perspectiva da integralidade, projetos terapêuticos

individuais devem levar em consideração também as ações voltadas para a prevenção. Uma

vez assim entendidos, tais projetos não são produto da simples aplicação de conhecimentos

sobre determinada doença. Na perspectiva da integralidade, esses projetos devem emergir

do diálogo, da negociação entre profissional da saúde e sujeito-paciente onde a

compreensão do contexto especifico de cada encontro faz-se imprescindível para a

existência dessa relação dialógica.

Compreensão que envolve por parte dos profissionais o esforço de selecionar num encontro os elementos relevantes para a elaboração do projeto terapêutico, tanto os evocados por ele com base em seus conhecimentos, quanto os trazidos pelo outro a partir de seus sofrimentos, de suas expectativas, de seus temores e de seus desejos (p.1415)

Mattos (2004) afirma que a perspectiva da integralidade na prática em saúde não

se trata de uma postura holística, ou seja, não se trata de apreender tudo. Refere-se a um

“exercício de seleção negociada do que é relevante para a construção de um projeto

terapêutico” capaz de dar conta das necessidades dos sujeitos-pacientes.

5.3.2 Os sentidos do termo integralidade

Mattos (2006) investigou os sentidos da integralidade com vistas a identificar

quais as marcas específicas das políticas e das práticas que são relacionadas ao termo.

Ao questionar acerca do que seria a integralidade, o autor destaca que numa

primeira aproximação pensaríamos em uma das diretrizes básicas do Sistema Único de

Saúde (SUS). Mas o texto da Constituição não se refere ao termo “integralidade” e sim,

atendimento integral (Brasil, 1988, art. 198). Mas sabemos que o termo integralidade tem

sido usado com o propósito de designar essa diretriz do SUS (MATTOS, 2006).

Voltando à definição de integralidade, Mattos (2006) afirma que “integralidade

não é apenas uma diretriz do SUS, é uma bandeira de luta”, ou seja, parte de uma “imagem-

objetivo”5. Em outras palavras seria um conjunto de características do sistema de saúde, de

5 A noção de “imagem objetivo” tem sido utilizada na área de planejamento para designar uma configuração de um sistema ou situação que alguns sujeitos do cenário político consideram desejável. Mattos (2006) aponta que

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suas instituições e de suas práticas que são consideradas absolutamente desejáveis.

Segundo o autor, a integralidade aponta para um “conjunto de valores pelos quais vale a

pena lutar, pois se relacionam a um ideal de uma sociedade mais justa e mais solidária”.

E ainda, caracteriza-se uma “imagem objetivo” com o objetivo de distinguir o que

se deseja construir, do que realmente existe. Assim a integralidade parte de um pensamento

crítico, da indignação das práticas em saúde vigentes que privilegiam a doença e não o

doente e que ainda se voltam para uma prática assistencial privatista não considerando o

sujeito e seu contexto. Uma indignação que não para em si mesma e impulsiona superação

de práticas conservadoras que limitam o sujeito-paciente a uma patologia.

Mattos (2006) aponta que a “imagem objetivo” nunca é detalhada. Não é um

projeto bem especificado em linhas. Ela é expressa através de enunciados gerais. Abarca

várias leituras distintas, sentidos diversos. Assim, toda imagem objetivo é polissêmica, ou

seja, tem vários sentidos que possibilitam que vários atores cada um com suas indignações

e criticas ao que existe, comunguem tais indignações e críticas e no mesmo instante

comunguem também os mesmos ideais. E ainda, ela não estabelece como a realidade deve

ser. Traz consigo uma diversidade de possibilidades de realidades futuras que serão criadas

através de lutas que buscam a superação de características que são criticadas no contexto

real.

Partindo da ideia de integralidade enquanto imagem objetivo, faz-se necessária

a compreensão dos vários sentidos atribuídos ao termo e o primeiro sentido do termo

integralidade relaciona-se com um movimento que ficou conhecido como medicina integral

que se originou a partir das discussões sobre o ensino médico nos Estados Unidos. A

medicina integral criticava a atitude fragmentada dos médicos diante de seus pacientes. Tal

sistema privilegiava as especialidades médicas construídas em torno de aparelhos ou

sistemas anátomofisiológicos e pacientes eram reduzidos a partes cada vez menores. Neste

sentido as criticas da medicina integral se voltavam para os currículos de base flexneriana

que eram dicotômicos, ou seja, apresentavam um ciclo básico voltado para o conhecimento

das chamadas ciências básicas e feitos predominantemente em laboratórios onde também

se tinha certa noção de ciência; e um ciclo profissional voltado para o aprendizado da

prática clinica e também de certo modo como lidar com o paciente.

Esta crítica da medicina integral a esse arranjo curricular levou a novas

propostas curriculares onde a ideia central era a criação de escolas médicas formadoras de

“imagem objetivo” diferencia-se de utopia uma vez que aqueles que a sustentam julgam que tal configuração pose se tornar realidade em tempo definido.

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profissionais menos reducionistas e menos fragmentadores e ainda, profissionais capazes

de compreender os pacientes e suas necessidades de maneira mais integral. As propostas

de reforma curricular da medicina integral tomaram dois eixos. O primeiro pretendia

modificar a acepção do que era básico, quer pela introdução de outros conhecimentos

relativos ao adoecimento, à sociedade e ao contexto cultural e valorização da integração

desses conhecimentos básicos na prática. Já o segundo, buscava enfatizar o ensino tanto

em laboratório quanto nas comunidades, lugares que permitem a apreensão do contexto

real, condições de vida do paciente.

Assim para a medicina integral, integralidade teria a ver com uma atitude de

profissionais de saúde que seria desejável, ou seja, nessa vertente, tal atitude se

caracterizaria pela não aceitação de reduzir o paciente a um aparelho, sistema ou órgão

biológico aonde se encontra a patologia, sofrimento e queixa desse paciente. Tal atitude

deveria ser contemplada na formação e relacionava-se à boa prática em saúde.

Segundo Mattos (2006), no Brasil o movimento da medicina integral associou-se

de início à medicina preventiva, espaço que se consolidou como resistência ao regime

militar e um dos berços do que mais tarde seria chamado de movimento sanitarista. Alguns

traços das reivindicações do movimento da medicina integral podem ser vistos em algumas

reformas curriculares de escolas médicas nos anos 70 e 80.

Tal proximidade com os departamentos de medicina preventiva proporcionou

uma renovação teórica e nos anos 70 nasceu no Brasil a Saúde Coletiva, campo do

conhecimento que surgia a partir de uma critica à saúde pública tradicional e a partir das

contribuições da medicina social. “Uma das premissas da saúde coletiva era a de considerar

as praticas em saúde como práticas sociais e como tal analisá-las”. Assim a saúde coletiva

foi reconfigurando o eixo de interpretação do movimento da medicina integral: a atitude

reducionista dos profissionais de saúde não deveria ser atribuídos somente a formação e

sim a um conjunto de fatores tais como, a crise de uma medicina tipicamente liberal e o

crescente assalariado dos médicos, articulações entre Estado, serviços de saúde e

industrias farmacêuticas e de equipamentos médicos – complexo médico-industrial. Assim, a

transformação da escola médica deixou de ser a estratégia de mudança de práticas do

movimento sanitário.

Concomitantemente ao surgimento do movimento de saúde coletiva, surgiram

críticas às instituições e também às práticas médicas através da circulação de trabalhos de

autores como Foucault, Ilich e Canguilhem. Tais contribuições trouxeram consequências

para a versão brasileira da medicina integral, pois considerou para muitos que a atitude

reducionista e fragmentária dos profissionais de saúde pareceu ser decorrente da

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racionalidade médica e também do caráter cientificista dos mesmos. Para se produzir uma

postura integral, faz-se necessário superar alguns limites dessa medicina tão firmemente

fincada em raízes anatomopatológicas e, portanto, dessa racionalidade médica

intensamente reproduzida nas universidades.

O primeiro sentido de integralidade para Mattos (2006) emergiu a partir do

contexto dos atributos da boa prática médica e da tendência de distanciamento da saúde

coletiva da prática em saúde. Segundo o autor a integralidade deve ser defendida como um

valor a ser sustentado nas práticas de profissionais de saúde, ou seja, um valor que se

expressa através da forma como tais profissionais respondem as demandas desses

pacientes. E ainda que uma postura médica que se recusa a reconhecer que todo paciente

que busca seu auxilio é bem mais do que um aparelho ou sistema biológico com lesões ou

disfunções, e que negligencia o fato de se tomar qualquer atitude além de tentar, com todos

os aparatos disponíveis, como, recursos tecnológicos, abrandar ou até mesmo silenciar o

sofrimento supostamente causado por aquela lesão ou disfunção, é repreensível.

No contexto da nossa pesquisa, acreditamos que em situações de encontro

entre fisioterapeuta e sujeito-paciente, uma atitude motivada por algum sofrimento ou

disfunção aproveita tal momento para, a partir de um diálogo, apreciar outras e demais

condições que se encontram direta ou indiretamente envolvidas com aquele sofrimento,

perfaz-se um sentido de integralidade.

Para Mattos (2006), tais atitudes relacionam-se com o segundo sentido de

integralidade que articula prevenção com assistência, onde as atividades preventivas são

distintas das experiências assistenciais que são por sua vez demandadas pelo sujeito-

paciente. Do contrário, práticas em saúde que não são demandadas pelo sujeito-paciente,

ou seja, aquelas relacionadas à prevenção devem ser exercidas com certa prudência, pois

caracterizam o processo de medicalização6 que indica um processo social de

responsabilidade sobre aspectos da vida social do sujeito-paciente. Assim, não se trata

somente o doente, recomendam-se hábitos e comportamentos de vida mais saudáveis que

na grande maioria das vezes são capazes de impedir o adoecimento e o sofrimento.

Assim, integralidade é uma característica da boa prática da biomedicina, ou seja,

deixou-se de lado o foco e objetivo de todas as suas práticas e intervenções somente para a

doença. Isso não significa que não se considere a doença e suas consequências sejam

estas muito ou pouco limitantes, causadoras de muito ou pouco sofrimento. Fala-se de

6 Praticas preventivas em saúde são consideradas medicalizantes uma vez que estendem as possibilidades de aplicação de conhecimentos técnicos sobre a doença para de certa forma regular aspectos da vida social (MATTOS, 2006).

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prudência a respeito do conhecimento sobre a doença que seja orientado por uma visão

abrangente acerca das reais necessidades desse sujeito-paciente o qual tratamos. Para

tanto, a abertura de profissionais de saúde para outras necessidades além daquelas

relativas aos sintomas diretamente ligados à doença ou disfunção presente ou que pode vir

a se apresentar – como uma simples conversa – também é exemplo de integralidade.

Mattos (2006) reforça que a mesma preocupação prudente com o uso das

técnicas de prevenção e com as necessidades mais abrangentes das necessidades dos

sujeitos-pacientes deve ser defendida para todo o conjunto de profissionais de saúde nos

mais diferentes níveis de atenção a saúde, ou seja, a integralidade perfaz-se atributo de

todos os profissionais de saúde.

O terceiro sentido de integralidade surge como uma dimensão das práticas.

Quando tais práticas acontecem como um encontro entre o profissional de saúde com o

sujeito-paciente. Aqui cabe ao profissional e sua postura diante de todo um contexto de

encontro a realização da integralidade, ou seja, reconhecer e considerar importantes as

necessidades desse sujeito que não devem ser reduzidas a atitudes que tem como foco a

doença.

Concluímos que o sujeito-paciente não se limita a uma lesão, a uma doença que

lhe provoca sofrimento. Tampouco a uma máquina com possíveis danos que precisam ser

reparados. Profissionais de saúde que buscam orientar suas práticas a partir do princípio da

integralidade consequentemente fogem aos reducionismos.

Pode ser que esse reducionismo ainda tão vivo e tão resistente nas práticas em

saúde seja resultado de certa incapacidade de estabelecermos uma relação com o outro.

Talvez seja mais fácil para nós profissionais de saúde, formados por um modelo

fragmentador, considerarmos aquele sujeito um objeto e assim tratarmos. Sujeitos que

trazem consigo uma doença somente. Falta-nos a capacidade de percebermos que diante

de nós há sujeitos que trazem consigo além de uma doença ou sofrimento, também uma

carga repleta de sonhos, desejos, esperanças.

Uma integralidade de fato só se realizará se estabelecermos uma relação

sujeito-sujeito. Pois se nos despirmos da condição de profissional de saúde e detentor de

conhecimentos e técnicas acerca de doenças e incapacidades e incorporarmos o humano

sem deixar de lado toda a realidade que nos cerca com seus limites e possibilidades, ai sim

a integralidade fará parte da boa prática em saúde.

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5.4 Reformas curriculares e o paradigma da integralidade

As reformas curriculares do campo da saúde brasileiro foram realizadas com o

objetivo de analisar o perfil do profissional que se deseja formar. A matriz curricular da

grande maioria dos cursos da saúde ainda está organizada de maneira disciplinar com os

primeiros anos dedicados ao estudo de disciplinas básicas para cada curso e os anos

restantes dedicados às disciplinas profissionalizantes, cujas aulas são realizadas em

campos de atuação específicos para cada área ou especialidade, tais como hospitais,

clínicas, postos de saúde comunitários. Durante esse período os alunos desenvolvem

atividades como práticas assistidas, estágio supervisionado em clínicas de serviço em

saúde e estágio supervisionado em hospitais, além de atividades de extensão.

O ensino e, consequentemente, as práticas em saúde no Brasil sofreram

influência de dois fatores importantes: 1) A visão cartesiana de mundo com sua

característica dualista, ou seja, a separação mente e corpo e a lógica da causa-efeito e; 2) A

predominância do cientificismo nas práticas em saúde. Assim, os currículos dos cursos da

saúde sofreram influência desta tendência e tornaram-se pragmáticos e utilitários, os quais

diferem do modelo de concepção de sujeito de Hipócrates. A partir dessa lógica, Neves;

Neves e Bitencourt (2005), apontam que “o conhecimento foi dividido em áreas para ser

mais bem estudado e isso produziu uma incomunicabilidade entre as mesmas, inclusive no

âmbito das universidades, permitindo enormes zonas de desconhecimento”.

A intenção dos paradigmas que tem surgido desde a década de 60 apresenta a

ideia de contraposição ao modelo hospitalocêntrico e reducionista das ações em saúde. A

proposta do novo paradigma é uma abordagem dialética com contribuição de varias ciências

e encorajando ações interdisciplinares, transdisciplinares e multiprofissionais.

Para Neves; Neves e Bitencourt (2005), a inclusão das ciências humanas é

fundamental para contextualizar o binômio saúde-paciente numa espacialidade social, pois

há a necessidade de conhecer as especificidades do ser humano inserido no mundo, como

ator social do processo histórico, contudo sem deixar de lado todas as técnicas científicas

atuais que possibilitam a diminuição de um sofrimento. Daí a articulação da objetividade

com a subjetividade para viabilizar práticas condizentes sejam no âmbito da promoção a

saúde, prevenção de agravos, tratamento e reabilitação.

O paradigma da integralidade indica mudanças na formação do profissional na

graduação. Tal paradigma requer uma formação em saúde mais contextualizada

considerando as dimensões social, econômica e cultural do sujeito-paciente.

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De acordo com Lampert (2002), o paradigma da integralidade induziria a

construção de um novo modelo pedagógico, visando a interação e o equilíbrio entre

excelência técnica e relevância social. A operacionalização do paradigma da integralidade

seria norteada pela construção de um currículo integrado aos modelos pedagógicos mais

interativos através da utilização de metodologias de ensino-aprendizagem centradas no

aluno, sendo o professor o facilitador do processo de construção do conhecimento.

Muito recentemente no cenário mundial da educação e práticas em saúde

surgiram duas abordagens. A “Evidence Based Medicine” (medicina baseada em

evidências, MBE), essencialmente clinica e a “Problem Based Learning” (aprendizagem

baseada em problemas, PBL). Esta última, por sua vez, é essencialmente pedagógica e

incorpora fundamentos do construtivismo em sua base teórico-prática e apresenta-se como

uma filosofia educacional em saúde com características da Pedagogia da Autonomia de

Paulo Freire, o qual acredita que “Ensinar não é transferir conhecimento; ensinar é uma

especificidade humana”.

5.5 O paradigma flexneriano versus paradigma da integralidade: o que o paradigma da

integralidade contempla que o paradigma flexneriano não deu conta.

O relatório Flexner (1910) caracterizou o modelo de formação em saúde o qual

impulsionou as pesquisas e as especializações nas ciências básicas e desenvolvendo um

conhecimento disjunto. Tal conhecimento que se volta para as mais diferentes

especializações foi ampliado e aprofundado, porém estabeleceu um distanciamento acerca

do sujeito-paciente e de todo o contexto que o cerca.

E ainda, ao referenciar-se numa racionalidade técnico-instrumental das

biociências o paradigma flexneriano excluía o contexto psicossocial dos significados,

aspectos estes imprescindíveis para uma melhor compreensão dos sujeitos-pacientes, seu

contexto e consequentemente de sua condição clínica.

A medicina preventiva nas décadas de 1960 e 1970 buscou diminuir esse

distanciamento, porém em muitos currículos restringiu-se apenas a uma disciplina sem

alterar a estrutura de tais currículos. Faltava uma integração maior dos conhecimentos na

abordagem em saúde. Atualmente observa-se claramente uma distinção entre a realidade

da saúde e esse novo sujeito-paciente que se apresenta e os modelos de educação

vigentes que não dão conta desse sujeito e suas dimensões. Tais condições incentivaram a

busca por soluções e a criação de condições para a mudança de paradigma na educação

em saúde. Sendo o currículo também e principalmente um instrumento de formação urgia a

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necessidade de uma (re)organização curricular que buscasse dar conta de formar

profissionais para responder as demandas da realidade.

Lampert (2003) aponta que o Informe Lalonde7 (1974) despertou o entendimento

acerca do fato de que tão somente tratar as doenças não é a solução para se ter saúde, o

que impulsionou discussões e estudos sobre o processo saúde-doença. Ainda segundo

Lampert (2003), duas conferências mundiais de educação médica (Edimburgo, 1988 e 1993)

e cinco conferências internacionais sobre promoção da saúde (Ottawa, 1986; Adelaide,

1988; Sundsvall, 1991; Jacarta, 1997; México, 2000) são marcos de âmbito mundial que dão

embasamento juntamente com outros estudos, para a construção de um novo paradigma de

educação em saúde.

Segundo Lampert (2003) em nível de Brasil a VIII Conferência Nacional de

Saúde (1987), o movimento da Reforma Sanitária, a Constituição Brasileira (1988), e mais

recentemente, a homologação das Diretrizes Curriculares (ME/CNE, 2001) dão uma

sequência da consolidação em termos de leis e decretos para mudanças tanto nas ações

em saúde quanto na formação de profissionais devidamente preparados para a realização

de uma “assistência de qualidade em saúde, com abordagem integral, interdisciplinar,

multiprofissional e equitativa”.

É importante observar que o sistema de saúde brasileiro ainda está muito

centrado na assistência médica e no atendimento hospitalar, reproduzindo o paradigma

flexneriano e mostrando que o paradigma da integralidade precisa ser de fato conhecido,

“carece de socialização, de delinear-se com clareza e permear as mentes para, então,

produzir as mudanças esperadas traduzidas em ações predominantes” (LAMPERT, 2003).

Lira (2010) aponta que as soluções disponíveis para os problemas que enfrenta

a Medicina e as práticas em saúde (grifo da autora) neste início de século XXI são aquelas

condizentes com a racionalidade e a ideologia biomédicas. Segundo o autor, se utilizarmos

o referencial de Kuhn (1998), poderíamos afirmar que, essas soluções enquadram-se sim,

“numa perspectiva de ciência normal orientada por um paradigma, à resolução de quebra-

cabeças” (p.38).

7 O moderno movimento de promoção da saúde surgiu formalmente no Canadá, em maio de 1974, com a

divulgação do documento A New Perspective on the Health of Canadians, também conhecido como Informe

Lalonde (1974). Lalonde era então ministro da Saúde daquele país. A motivação central do documento parece

ter sido política, técnica e econômica, pois visava enfrentar os custos crescentes da assistência médica, ao

mesmo tempo em que apoiava-se no questionamento da abordagem exclusivamente médica para as doenças

crônicas, pelos resultados pouco significativos que aquela apresentava (BUSS et al., 2000).

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Assim, a partir desse mesmo referencial, é possível enquadrar os desafios atuais

da educação em saúde como consequências do paradigma orientador da ciência normal

estruturante das práticas em saúde. E ainda segundo Lira (2010) qualquer abordagem de

tais práticas baseadas em reformas estas a partir de concepções meramente instrumentais

com base no paradigma hegemônico mostra-se ineficaz. Ao referenciar Kuhn (1998), Lira

(2010) aponta que para se efetivar uma reforma em marcos epistemológicos de um

paradigma normal, que se mostra “em crise” expressão kuhniana, o autor afirma que se faz

necessária uma revolução, como aponta Kuhn.

Lira (2010) aponta que a revolução kuhniana no campo da educação médica tem

sido entendida no Brasil como uma transição do paradigma flexneriano de educação em

saúde para um paradigma emergente, chamado paradigma da integralidade. Ainda,

segundo o autor ambos podem ser caracterizados quanto a três dimensões: objetal, que

concerne ao objeto da Medicina como prática social, explicitando a natureza da realidade da

saúde-doença como fenômeno humano; pedagógica, que concerne às concepções

subjacentes à prática pedagógica, sofrendo múltiplas influências e circunscrições

epistêmicas e sócio-econômicas, referidas à Filosofia da Educação, às Teorias da Educação

e à Psicologia do Ensino; e social, que abarca as relações entre Medicina e Sociedade,

particularmente à Medicina como prática social (Quadro 3).

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QUADRO 3: Comparação entre os paradigmas educacionais flexneriano e da integralidade.

DIMENSÕES PARADIGMA FLEXNERIANO PARADIGMA DA INTEGRALIDADE

Objetal Enfoque no polo doença-atenção no processo saúde-promoção-doença-atenção

Enfoque no polo saúde-promoção no processo saúde-promoção-doença-atenção

Pedagógica

Aprendizagem acumulativa e linear Aprendizagem errática e não linear

Centralidade no processo ensino-aprendizagem no professor em aulas expositivas e demonstrativas

Centralidade do processo ensino-aprendizagem no aluno e valorização do seu papel ativo na própria formação

Práticas educativas hospitalocêntricas

Integração precoce do aprendizado da Medicina aos serviços de saúde, pela orientação às necessidades básicas de saúde da população, dentro de uma visão interdisciplinar e interssetorial

Avaliação nas mãos do professor Aluno incluído na avaliação

Capacitação docente centrada unicamente na competência técnico-científica na área médica

Capacitação docente centrada tanto na competência técnico-científica na área médica, quanto na competência didático-pedagógica, e orientada para a participação e comprometimento com o sistema público de saúde.

Fragmentação entre disciplinas Multi(inter-/trans-)disciplinaridade

Currículo atomizado, acumulativo, metódico, harmônico, disciplinar, com objetivos pré-estabelecidos, organizado em unidades lineares combinando princípios do positivismo com os do academicismo.

Currículo integrado em eixos temáticos, como contrato negociável entre as partes interessadas com fins em aberto que favorecem o inesperado, o criativo.

Social

Mercado de trabalho referido à prática liberal da medicina, à tecnificação do ato médico e ao consumo de tecnologia de alta densidade.

Acompanhamento da dinâmica do mercado de trabalho médico que está orientada pela reflexão e discussão crítica dos aspectos econômicos e humanísticos da prestação de serviços de saúde e de suas implicações éticas.

Fonte: LIRA, tese de doutorado, 2010.

Considerando a demanda de novas atitudes e boas práticas em saúde o

paradigma flexneriano foi dando sinais de que não daria conta de exigências para além do

visto e assim abriu espaço e condições para um modelo que conciliasse os avanços

tecnológicos e também o caráter humano guiado para um atendimento que contemplasse

questões sociais sem desconsiderar a importância das pesquisas e seu caráter científico

que impulsionam o conhecimento. Ou seja, um modelo que equilibre de fato a tecnologia

com o social.

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6 A DIALOGICIDADE EM PAULO FREIRE E A VALORIZAÇÃO DO HUMANO

Este capítulo abordará a concepção de homem e mundo e a importância do

diálogo, segundo o pensamento de Paulo Freire, como proposta para valorização e

formação humana.

Para destacar a ação dialógica como fundamento mediador na prática do

profissional fisioterapeuta, recorremos à dimensão consciente do diálogo, aquilo que é dito e

que expressa a objetividade. Ao abordar a dimensão consciente do diálogo optamos por um

passeio à luz da teorização de Paulo Freire. A escolha do referencial teórico freiriano e o

presente trabalho, oriundo das ciências da saúde deu-se por uma questão de investigação

no âmbito da prática do profissional fisioterapeuta em sua origem, ou seja, a partir do seu

currículo, pois investigar esse percurso é envolver o próprio ser humano. E ainda, a

constante marca da obra de Paulo Freire, é que ela exprime a realidade, a vida vivida, o

homem real.

Paulo Freire impulsionado pela grandeza da existência humana e pelos conflitos

históricos de seu tempo reflete acerca do pensamento e ação do homem em sua relação

com o mundo e com o outro. Ao criticar os princípios de uma sociedade governada por

interesses que oprimiam a consciência daqueles não compreendidos enquanto sujeitos de

sua história e de seu papel no mundo, propôs uma educação voltada à promoção de uma

prática político-pedagógica na qual o homem, consciente de seu processo de humanização

contínua, faz-se crítico em interação com o mundo.

A dialogicidade humana segundo o pensamento freiriano surgiu a partir de sua

experiência como educador e tornou-se uma proposta de formação com o intuito de uma

transformação social na busca de proporcionar a vivência profunda da condição de

humanidade do sujeito. Considerar tais reflexões nos ajuda a compreender o sentido do

diálogo não somente nas relações educacionais, mas também nas ações profissionais que

envolvem o encontro entre pessoas. Diálogo enquanto agente promotor de conhecimento

que considera o outro em todo o seu valor relacional e leva à renovação da sociedade e de

suas estruturas.

6.1 A concepção do humano segundo Paulo Freire

Entre as conceituações na fundamentação freiriana, apontamos duas de caráter

relevante para esse trabalho. A primeira delas aponta o homem como ponto central, sendo a

educação um momento ímpar com possibilidades de torná-lo melhor quando o faz perceber

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criticamente a sua realidade, pois “não há educação fora das sociedades humanas e não há

homem no vazio” (FREIRE, 1979). A segunda apresenta o homem em constante

relacionamento com seus semelhantes e com o mundo. “É fundamental, contudo, partirmos

de que o homem ser de relação e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com

o mundo. Estar com o mundo resulta de sua abertura a realidade, que o faz ser o ente de

relações que é” (FREIRE, 1979). É nesse relacionamento com os outros homens e com o

mundo que o homem cria sua história. A partir dessa percepção de acordo com Moretti-

Pires (2008, p.31):

(...) o homem não pode ser pensado ou analisado como um recorte isolado do contexto em que se insere. Toda e qualquer reflexão deve estar embasada no momento histórico e no lugar em que este homem vive e no seu momento.

Paulo Freire considera o homem ser em situação, ou seja, compreende o

homem enquanto constituição social e histórica. É inconcluso, historicamente inacabado, na

contínua busca em um mundo de possibilidades e ainda, o contexto social no qual se insere

é entendido como processo histórico em constante transformação, opondo-se assim ao

pensamento que a define como natural.

Portanto, Paulo Freire, ao afirmar a condição de homem enquanto ser inconcluso

em um mundo inacabado, supera uma visão objetivista e determinista que apresenta o

homem enquanto objeto histórico e, ainda uma visão subjetivista que concede ao homem a

exclusividade do domínio e poder sobre as circunstancias vividas. Desse modo, é na relação

do homem com o mundo, na inter-relação entre o subjetivo e o objetivo da sua vivência que

seu pensamento surge. De acordo com Moretti-Pires (2008, p.34):

O homem tem sua existência de forma histórica, em contextos da realidade. Contextos concretos, objetivos, mas que pela característica do homem ter consciência e esta não lhe permitir apenas sobreviver nesta realidade, mas ao contrário, agir sobre ela e criar a história, o homem é um ser inconcluso, ou seja, não está pronto e não é apenas o fruto do mundo e da história que o precede. Tem capacidade de ser diferente, mediante a uma própria ação moduladora e modulada por este mundo.

Desse modo, o homem ao interagir com o as condições de vida, torna-se capaz

de transformar o mundo através de sua ação intencional sobre ele, humanizando-o.

O homem como ser de relações, desafiado pela natureza, a transforma com seu trabalho; e que o resultado desta transformação, que se separa do homem, constitui seu mundo. O mundo da cultura que se prolonga no mundo da história (FREIRE, 2006, p.65).

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Na interrelação homem-mundo, este cria o seu mundo – o mundo da cultura –

através de seu trabalho. Esse mundo da cultura é histórico ao tornar-se mediação no

encontro entre homens. Nessa direção, o mundo agora objeto de conhecimento, torna-se

mediador de comunicação e não mais finalidade de pensamento. Torna-se objeto de

reflexão humana através da capacidade do homem de conscientemente objetivá-lo. O

mundo, nesse processo intencional é criado e recriado pela práxis humana, sustentada

pelas suas intenções e necessidades, pois, “é pensando criticamente a prática de hoje ou de

ontem que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 1997, p.43).

Nesta direção, o mundo cultural e histórico perfaz uma realidade em processo

continuo de transformação. Assim, Paulo Freire contextualiza sua ideia de que o homem

não está sobre ou dentro do mundo, mas com ele. Segundo Paulo Freire, ao transformar o

mundo, este se volta problematizado para o homem, transformando-o.

Na verdade, não há eu que se constitua sem um não-eu. Por sua vez, o não-eu constituinte do eu se constitui na constituição do eu constituído. Dessa forma, o mundo constituinte da consciência se torna mundo da consciência, um percebido objetivo seu, ao qual se intenciona (FREIRE,

2005, p.81 – grifos do autor)

De acordo com Freire (2005), a consciência humana e o mundo existem em

paralelo através das tramas de relações e inter-relações entre homem e mundo.

Compreendendo a impossibilidade de separação homem-mundo, a consciência não pode

ser entendida como espaço dentro do homem que pode ser passivamente preenchido,

cabendo ao homem imitar esse mundo apresentado. Portanto, sendo a relação homem-

mundo algo interligado, a consciência humana corresponde aos aspectos objetivos

presentes ao homem. Assim, o mundo tornado objeto do conhecimento humano é permeado

de significados, o que Paulo Freire define como pronúncia do mundo.

Na perspectiva freiriana, numa relação dialógica prioriza-se a formação da

consciência crítica, caracterizada pela análise contextualizada da realidade que os cerca. O

exercício dessa consciência crítica é problematizar, ou ainda, refletir sobre situações reais.

E para a problematização faz-se necessário o diálogo. “É uma relação horizontal (...). nasce

de uma matriz crítica e gera criticidade. (...) Só ai há comunicação. (...) O antidiálogo que

implica numa relação vertical (...), é oposto a tudo isso. Não comunica. Faz comunicados”

(FREIRE, 2007).

A conscientização humana exige a percepção de si próprio enquanto sujeito no

mundo e com o mundo e dos condicionantes sociais que influenciam também tal percepção.

Portanto, a consciência crítica só é de fato alcançada quando se faz uma reflexão sobre o

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real e assim consequentemente proporcione uma “leitura de mundo”. Com explicita Freire

(2005, p.69):

A criticidade para nós implica na apropriação crescente pelo homem de sua posição no contexto. Implica na sua inserção, na sua integração, na representação objetiva da realidade. Daí a conscientização ser o desenvolvimento da tomada de consciência. Não será, por isso mesmo, algo apenas resultante das modificações econômicas, por grandes e importantes que sejam.

Ressaltamos que essa tomada de consciência não ocorre de maneira individual,

mas sim social, pois ocorre na trama de relações entre homens e homem com o mundo.

Nessa perspectiva, Freire (2005) identifica o homem enquanto ser condicionado pelo mundo

e não determinado por ele. Assim, a complexidade do pensamento de Paulo Freire sobre a

relação homem-mundo é sintetizada por Giovedi (2006):

O ser humano é o mundo, ao mesmo tempo em que é a sua negação (na medida em que possui uma subjetividade). O mundo é o que o ser humano faz, ao mesmo tempo em que é uma realidade maior que nega a possibilidade de ser reduzido a uma subjetividade. Mundo-consciência, realidade-indivíduo é uma unidade dialética na qual os dois polos não podem nunca se reduzir um ao outro, sob a pena de se ter uma compreensão distorcida da História Humana. (GIOVEDI, 2006, p.73).

Nesta direção, quanto mais os homens refletem sobre si próprios e sobre sua

relação com o mundo e com os outros, maior se torna seu campo de percepção. Passa a

enxergar coisas que mesmo sempre existentes, não eram percebidas. Assim, ao

compreender a si próprio na inconclusão que intencionado a saber mais será capaz de

apreender a realidade como processo contínuo ao exercer escolhas e mudanças.

Paulo Freire aponta ainda que o homem no seu processo histórico coexiste a

possibilidade de considerar o outro como quase coisa, ao negar-lhe sua capacidade de se

situar enquanto transformador do mundo, ou seja, homens que se submetem passivamente

à prescrição de um mundo determinista cujos atores são aqueles que detêm certo

conhecimento cultural e considerado socialmente dominante. Homens que segundo Paulo

Freire, perderam sua condição de sujeitos ativos da sua própria história e se tornaram

passivos de uma ordem socialmente constituída que os isenta do chamado ao saber, ao

conhecimento, ao questionamento, a tomadas de decisões e a transformações.

É diante dessa negação da humanidade em seu trajeto histórico que Paulo

Freire expressa em suas obras um forte compromisso com a vida, propondo a valorização

do homem em suas capacidades e possibilidades a partir de uma política educacional cuja

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atuação é voltada a produção de posturas críticas diante das circunstâncias do mundo,

tendo a dialogicidade como teoria fundante.

6.2 A importância do diálogo para Paulo Freire

Na perspectiva freiriana, o encontro entre homens configura o diálogo, que

estabelece ação e reflexão na busca por transformações necessárias para um mundo mais

humanizado, é, portanto o “(...) caminho pelo o qual os homens ganham significação

enquanto homens” (FREIRE, 2005, p.91).

De acordo com Freire (2006, p.65), o mundo humano é um mundo de

comunicação: “o mundo social e humano não existiria como tal se não fosse um mundo de

comunicabilidade fora do qual é impossível dar-se o conhecimento humano”. Ou seja, um

encontro que ao gerar conhecimento perfaz-se histórico através do diálogo.

O diálogo, apresentado por Paulo Freire enquanto comunicação a fim de

produzir ou reconstruir conhecimento, não se fundamenta na ação de um homem e a

negação do outro, mas na comunicação entre homens compartilhando saberes a fim de

transformarem juntos, o mundo.

Paulo Freire ao definir o diálogo, relaciona-o com um conjunto de valores o qual

se concretiza em ações permeadas de amor, de humildade, de esperança, de fé, de

confiança. Segundo o autor:

E que é o diálogo? È uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (...). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só com o diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação. (2007, p.115).

De acordo com Paulo Freire, o diálogo enquanto ato de amor expressa um

compromisso com os homens e com o mundo e não com interesses próprios, individuais.

Onde o processo de humanização depende do amor aos homens e ao mundo expresso no

fundamento de criação e recriação do mundo. Também condição de emancipação humana

ao colocar homens enquanto sujeitos da sua própria história e responsáveis pelo mundo.

Uma relação dialógica requer humildade, condição para que homens não

busquem agir sob soberba ou supremacia. O diálogo leva o humano a perceber o outro tão

humano quanto si próprio. A humildade exige uma relação de horizontalidade, pois a

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pronúncia do mundo é atitude de todos e não privilégio de alguns. Freire (2005, p.79)

acrescenta ainda que:

(...) não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados desse direito. É preciso primeiro que, os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, reconquistem esse direito, proibindo que este assalto desumanizante continue.

Para Paulo Freire, a vocação de ser mais fundamenta a fé nos homens. Pois a

possibilidade do humano vir a ser mais livre, mais crítico, mais criativo, mais transformador,

é acreditada. Assim, atitude de fé é escolha de vida que antecede o estar com o outro.

É através da confiança que as trocas de intenções ao se pronunciar o mundo

tornam-se mais claras. A confiança resulta do encontro entre homens enquanto sujeitos na

pronuncia e na transformação do mundo. E ainda, confiar é mostrar-se companheiro no ato

de pronunciar o mundo. É ser coerente ao aliar ação e discurso.

Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma relação horizontal, em que a confiança de um polo no outro é consequência óbvia. Seria uma contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo não provocasse este clima de confiança entre seus sujeitos (FREIRE, 2005, p. 94 – grifo do autor).

Na condição de inconcluso, o homem busca querer ser mais. Para Paulo Freire,

ter esperança não remete a uma atitude de acomodação em relação ao real, mas

impulsionará a lutar por uma sociedade mais justa, mais humana. Portanto, o humano nutre-

se de esperança, que é impulso vivo de otimismo. Para Freire (1995, p.87), “não é possível

buscar sem esperança; nem, tampouco, na solidão”.

Paulo Freire afirma que o diálogo, enquanto fenômeno humano se fundamenta

na palavra cuja pronúncia pode ser verdadeira ou inautêntica. A palavra verdadeira volta-se

à transformação do mundo e constitui-se de ação-reflexão que enquanto dimensões

intrínsecas são capazes de transformar o mundo. Já a inautenticidade da palavra inviabiliza

uma experiência dialógica. Tem na sua constituição dimensões dicotomizadas, perdendo

assim, seu caráter transformador. Ação separada da reflexão configura ativismo e ação que

penaliza ou sacrifica a reflexão perfaz-se verbalismo.

Assim, o diálogo, tem na palavra seu elemento constitutivo, numa dimensão de

reflexão-ação. Segundo o autor “(...) de tal forma solidária, e em uma interação tão radical

que, sacrificada uma delas, ainda que em parte, imediatamente ressente-se a outra”

(FREIRE, 2005, p.89). Acrescenta ainda:

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O eu dialógico, pelo contrário, sabe que é exatamente o tu que o constitui. Sabe também que, constituído por um tu – um não eu –, esse tu que o constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu eu um tu. Desta forma, o eu e o tu passam a ser, na dialética destas relações constitutivas, dois tu que se fazem dois eu (FREIRE, 2005, p. 192 – grifos do autor).

Percebemos o quanto Paulo Freire enfatiza a práxis humana. De fato, a práxis é

uma dimensão humana caracterizada pela ação-reflexão. Reflexão e ação que ocorrem num

movimento dialético de ressignificação, produzindo conhecimento crítico do vivido e

transformador da realidade. Segundo Paulo Freire, não uma reflexão solitária, mas solidária,

junto com os outros. Aqui, o autor apresenta a colaboração como uma das características da

relação dialógica a qual é ação vivida pelos sujeitos através da comunicação.

Paulo Freire ressalta a importância fundamental da dialogicidade ao gerar

unidade entre homens que no exercício da tarefa comum a ação dialógica seja duradoura e

que os homens sejam comprometidos com o mundo e com o outro, que haja coerência entre

o falado e o vivido.

Em torno do tema diálogo, faz-se necessária a abordagem do papel da fala e da

escuta. É escutando que se aprende a falar com o outro e não a ele. Quando se fala ao

outro, assume-se uma relação de imposição, considerando o outro objeto do discurso. Do

contrário, aprende-se a falar com o outro quando se é capaz de silenciar, entendido aqui

como condição de abertura. De acordo com Paulo Freire ao se estabelecer enquanto sujeito

da escuta para com o outro, o homem se abre para a questão da “decisão humana”, para a

crença no potencial de criação do homem de (re)inventar novos caminhos para sua

condição existencial, para além de uma atitude conformista com a realidade dada.

A importância do silêncio no espaço da comunicação é fundamental. De um lado, me proporciona que, ao escutar, como sujeito e não como objeto, a fala comunicante de alguém, procure entrar no movimento interno do seu pensamento, virando linguagem; de outro, torna possível a quem fala, realmente comprometido com comunicar e não com fazer puros comunicados, escutar a indagação, a dúvida, a criação de quem escutou. Fora disso, fenece a comunicação (FREIRE, 1997, p. 132 – grifos do autor).

Desse modo, dialogar configura saber conviver com diferenças e que a ação de

escutar remete ao controle da necessidade de falar, pois se não calar, será o único a dizer.

De acordo com Freire (1997, p.136): “Se a estrutura do meu pensamento é a única certa,

irrepreensível, não posso escutar quem pensa e elabora seu discurso de outra maneira que

não a minha”.

No contexto da prática clínica do profissional fisioterapeuta, percebemos que a

dialogicidade humana segundo as considerações de Paulo Freire configuram-se significativo

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caminho de compreensão do sujeito-paciente em busca de transformação da realidade,

humanizando-o e aprendendo a humanizar mais o próprio homem.

6.2.1 A perspectiva da dialogicidade humana em Paulo Freire

Paulo Freire aponta que o homem ser de relação, estabelecendo-se como ser de

diálogo, busca perceber e compreender o mundo, o que o faz também ser de curiosidade.

Segundo o autor: “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a

relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em

permanente movimento na História” (FREIRE, 1997, p.154).

O homem, ser de abertura ao outro e ao mundo, devido a sua condição de

inacabado historicamente e situado em um mundo em constante construção, confirma sua

finitude ao permitir-se questionar e deixar-se questionar sobre o sentido de sua existência

com o outro e com o mundo. Nesta direção, Freire (1997, p. 153) afirma: “seria impossível

saber-se inacabado e não se abrir ao mundo e aos outros à procura de explicação, de

respostas a múltiplas perguntas. O fechamento ao mundo e aos outros se torna

transgressão ao impulso natural da incompletude”.

A dialogicidade exige que homens estabeleçam uma relação instituída pela

capacidade de comunicabilidade, onde homem-mundo configura-se uma relação

indissociável. O diálogo consiste numa relação horizontal entre homens na qual o saber de

todos, e por que não dizer o humano de cada um, deve ser valorizado, respeitado. O diálogo

produz a conscientização libertadora e transformadora, ou seja, dialógica.

O pensamento freiriano em relação à dialogicidade nos remete nesse trabalho

ao contexto da prática clínica do profissional fisioterapeuta e a relação fisioterapeuta/sujeito-

paciente, onde reportamos o universo da educação para o do atendimento fisioterápico.

Assim, um tratamento pautado na dialogicidade, fundado no diálogo, dá-se numa relação de

humildade e solidariedade. Sendo o diálogo, portanto, promotor de encontros onde a partir

de uma relação horizontal na qual a realidade social-político-econômico-social do sujeito-

paciente é considerada, gera-se confiança e esperança ao conduzir homens a serem mais

humanos.

Ao pronunciar o mundo, o homem amplia sua capacidade de pronunciá-lo. O

diálogo efetiva as experiências de trocas de ideias, de conhecimentos e saberes, de

opiniões corroborando para a ampliação do sentido que dão à sua compreensão de mundo

e de si mesmo.

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O diálogo é, portanto, o indispensável caminho (...), não somente nas questões vitais para a nossa ordenação política, mas em todos os sentidos do nosso ser. Somente pela virtual da crença, contudo, tem o diálogo estímulo e significação: pela crença no homem e nas suas possibilidades, pela crença de que somente chego a ser eles mesmos (2007, p.115 -116).

Entendemos, a partir dessa reflexão, que, de acordo com o pensamento de

Paulo Freire, a relação homem-mundo é indissociável, onde o diálogo ocorre numa relação

horizontal permeada de solidariedade na busca por transformação e modificação do mundo

dado. O diálogo produz ainda uma conscientização libertadora e transformadora do real, ou

seja, a dialogicidade.

Em educação em saúde e para a saúde o diálogo apresenta-se como uma

ferramenta importante na viabilização das ações em saúde, uma vez que dialogando

respeitam-se os aspectos relativos a intersubjetividade, reconhecendo-se assim o paciente

enquanto sujeito participante e não apenas objeto da prática. O diálogo nessa perspectiva é

aproximador.

A partir dessa reflexão, Moretti-Pires (2008), ressalta que não se aprendendo de

modo democrático, não se poderá exercer democraticamente as práticas em saúde e daí a

importância de uma formação pautada em um ensino problematizado e democrático

implicados no processo de construção de uma prática profissional condizente com a

realidade em saúde. Ressalta também que um modelo formativo pautado em teorizações e

desarticulado dos contextos concretos vivenciados nos serviços em saúde é característico

do modelo tradicional de ensino que continua formando profissionais da área de saúde. E

ainda segundo o autor,

Problematizar é deixar de treinar (...) para atuarem como técnicos prestadores de serviços em saúde para então formá-los em sentido humano e não simplesmente adestrá-los em protocolos de saúde, respeitando sua vocação ontológica de ser mais (...).

Assim, apontamos a necessidade de uma formação acadêmica em Fisioterapia

que promova a delimitação de espaços dialógico-terapêuticos como parte do currículo, de

forma que os profissionais possam dar conta de seus pacientes não só de maneira técnica,

mas também e, sobretudo, como seres humanos que são no mundo e com o mundo.

De forma sintética, anunciamos as categorias conceituais de análise, definidas à

priori, decorrentes das teorias discutidas e que embasaram a análise dos dados desta

pesquisa, que foram: o diálogo, compreendido como fenômeno humano e facilitador da

compreensão do outro, sua história, posição e sua relação no mundo e com o mundo; a

subjetividade, entendida como a expressão diferenciada dos sujeitos; a prática profissional,

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enquanto práxis; e a integralidade, que corresponde aos aspectos biológicos, psicológicos, e

sociais do indivíduo e seu contexto. Outras categorias empíricas surgiram no decorrer da

investigação, como, vínculo, racionalidade técnica, saberes da experiência, humanização.

No conjunto, elas nos ajudaram a compreender como durante a prática clínica, o

fisioterapeuta, a partir da relação dialógica estabelecida com o sujeito-paciente, aproxima-se

do seu mundo real e subjetivo, perfazendo assim, o foco desta pesquisa.

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7 COLETA E ANÁLISE DOCUMENTAL: AS DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO

DE GRADUAÇÃO EM FISIOTERAPIA E O PROJETO PEDAGÓGICO.

O presente capítulo apresenta os documentos que regulamentaram a profissão.

Aborda em especial as Diretrizes Curriculares do curso quanto ao modelo de educação por

competências. Conceitua e estabelece a importância do projeto político pedagógico como

elemento estruturante do currículo. Por fim apresenta reflexões a partir da concepção de

currículo enquanto construção social e enquanto práxis. Para tanto utilizamos como

referencial teórico as obras de Rebelatto e Botomé (1999); Sacristán (2000); Silva (2010).

O fisioterapeuta, de forma geral, tem sido formado por um modelo de formação

caracterizado por um processo de ensino-aprendizagem baseado na fragmentação do

conhecimento, o que leva consequentemente à uma formação profissional fragmentada,

gerando um perfil de profissional baseado em uma visão de mundo cartesiana e mecanicista

(CAPRA, 2012).

A partir da aprovação das Diretrizes Curriculares, o Curso de Graduação em

Fisioterapia passa a contar com uma formação baseada em um perfil generalista,

humanista8, crítico e reflexivo; um profissional que detêm uma visão ampla e global, apto a

atuar em todos os níveis de atenção à saúde, baseado em princípios éticos e bioéticos. As

Diretrizes Curriculares propõe um novo perfil de profissional diferente do proposto pelo

Currículo Mínimo do curso de Fisioterapia que vigorou de 1964 a 2001 e que tal sistema de

acordo com o Parecer nº 776/97 foi considerado rígido.

Consideramos assim, que a formação acadêmica fragmentada que gerava um

perfil baseado em uma visão de mundo cartesiana e mecanicista advém da formação

representada pelo Currículo Mínimo, na qual fui formada.

A Fisioterapia enquanto profissão é relativamente nova, pois foi regulamentada

como curso superior somente em 13 de outubro de 1969, através do Decreto-lei, nº 938/69

(BRASIL, 1969). Portanto, os profissionais que se formaram antes da regulamentação da

profissão eram considerados técnicos em Fisioterapia, o que foi abolido após o referido

Decreto.

8 As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia refletem uma abordagem

humanística de aprendizagem e, portanto tendem a formar indivíduos humanistas, por considerar uma aprendizagem holística representada no referido documento como visão global, crítica e reflexiva do futuro egresso. Tal abordagem envolve uma preocupação com o indivíduo e suas necessidades sociais, psicológicas, físicas e cognitivas (TEIXEIRA, 2004).

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O Currículo Mínimo necessário para a formação acadêmica do profissional

Fisioterapeuta em Nível Superior foi aprovado em 1983 e vigorou até 12 de setembro de

2001, quando o Ministério da Educação através do Conselho Nacional de Educação

aprovou as Diretrizes Curriculares.

A leitura da Fisioterapia enquanto campo de atuação é apresentada nesse

trabalho a partir das contribuições da obra de Rebelatto e Botomé (1999), intitulada

Fisioterapia no Brasil. Esta escolha justifica-se por se tratar de uma obra de referência,

dentre as raras existentes, que contempla o desenvolvimento do campo da Fisioterapia,

desde a antiguidade até o Currículo Mínimo, vigente até 2001, quando da aprovação das

Diretrizes Curriculares do Curso de Fisioterapia.

A trajetória histórica de elaboração do documento das Diretrizes Curriculares dos

Cursos de Graduação, em específico, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de

Graduação em Fisioterapia, é de suma importância para compreender como se processa e

em que está embasada a formação acadêmica do Fisioterapeuta. Além, de viabilizar a

análise do perfil deste profissional, no referido documento, a partir da análise textual do

mesmo, que permite desvendar e analisar o conteúdo latente e, por conseguinte, o perfil

latente do Fisioterapeuta.

7.1 Fundamentos legais da Fisioterapia: um breve resgate

A Constituição Federal de 1988 considera que “as universidades passam a ter

autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial,

obedecendo ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Porém, o

cenário da Educação Superior no Brasil na década de 1990 não se mostrava condizente

com o princípio constitucional relativo à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e

extensão, inclusive em relação à formação acadêmica do fisioterapeuta que segundo

Dourado (2002), as universidades e demais Instituições de Educação Superior (IES),

disponibilizavam uma formação acadêmica baseada apenas no ensino o que resultou em

prejuízo na qualidade da formação acadêmica em diversas áreas do conhecimento, entre

elas a Fisioterapia.

Dourado e Oliveira (1999), consideram que o processo de globalização e a

revolução tecnológica imersos num projeto neoliberal requerem uma nova concepção de

formação profissional voltada às leis do mercado, e ainda, a exigência de um novo perfil do

profissional, ou seja, um novo modelo de formação profissional que responda as demandas

do mercado. Estando a universidade inserida nesse contexto, sua função básica de

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produção de conhecimento volta-se a criação de capital intelectual, a formação de

competências e a elevação da qualificação profissional o que torna a economia mais

competitiva. Já sua função de formação profissional, centraliza-se na operacionalização do

ensino, nas leis do mercado, em consonância ao capitalismo. Percebemos a prioridade ao

ensino em detrimento de pesquisa e extensão, o que tornou a educação superior, nesse

cenário, uma via de certificação (DOURADO, 2002). Nesse contexto, as instituições tendem

a não formação de profissionais críticos e reflexivos, mas sim, meros reprodutores de

técnicas com base no ensino e transmissão de conhecimento.

Percebe-se então que tal sistema educacional centrava-se na operacionalização

(reprodução de técnicas), certificação (para atender às demandas de mercado), banalização

(do conhecimento) e aligeiramento (no processo) da formação acadêmica. Desse modo,

para se alcançar a expansão qualitativa da educação superior no país, os princípios da

Universidade – ensino, pesquisa e extensão – deveriam ser de fato indissociáveis.

Assim, a aprovação e instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso

de Graduação em Fisioterapia sinalizou um crescimento no âmbito qualitativo na formação

acadêmica do Fisioterapeuta.

A Reforma do Estado Brasileiro, nos anos noventa, proveniente da implantação

de políticas públicas propôs a efetivação de exigências provenientes de organismos

internacionais e que acarretaram mudanças significativas nos rumos da saúde e da

educação. Rebelatto e Botomé (1999) descrevem a legislação da Fisioterapia com base nos

principais documentos existentes desde a década de sessenta até o final da década de

noventa. Foram analisados:

a) o Parecer nº 388/63, do Conselho Federal de Educação – CFE. Um dos

primeiros documentos oficiais que definem a ocupação do fisioterapeuta e os

limites de sua atuação, na época (BRASIL, 1981);

b) o Decreto-lei nº 938/69, de 13 de outubro de 1969, que regulamenta a

profissão de Fisioterapia. Assim, o profissional fisioterapeuta passa a ter

formação em nível superior agora regulamentada;

c) a Lei nº 6.316, de 17 de dezembro de 1975, decretada pelo Congresso

Nacional e sancionada pelo então Presidente da República, Ernesto Geisel,

que se referia à criação dos Conselhos Federal e Regional de Fisioterapia e

Terapia Ocupacional (BRASIL, 2002);

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d) a Resolução 10, do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional

– COFFITO, de 3 de julho de 1978, publicado no Diário Oficial da União em

22 de setembro de 1978, que aprovou o Código de Ética do profissional de

Fisioterapia e Terapia Ocupacional (BRASIL, 2001).

Importante salientar que a referida Resolução, estabelece a função do

fisioterapeuta, que deve ser de assistência ao ser humano, contemplando a promoção, o

tratamento e a recuperação de sua saúde. Considera ainda que este profissional deve

direcionar sua atuação a fim de prevenir e minimizar o sofrimento humano, através de

conhecimentos técnicos e científicos. O referido documento, também menciona a

participação do fisioterapeuta em programas de assistência à comunidade sejam em âmbito

nacional quanto internacional.

De acordo com Rebelatto e Botomé (1999) as limitações que o Currículo Mínimo

colocava ao profissional fisioterapeuta se davam quanto à concepção do objeto de trabalho

e do nível profissional do fisioterapeuta; e ainda em relação à conduta terapêutica seja

durante o tratamento de indivíduos já doentes, ou cuidados com a saúde da população em

geral. A vigência do Currículo Mínimo do Curso Técnico em Fisioterapia foi de 1964 a 1983,

enquanto o Currículo Mínimo do Curso de Graduação em Fisioterapia vigorou de 1983 à

2001. Consideramos que muitas foram as limitações sofridas pelo profissional de

Fisioterapia durante a vigência do Currículo Mínimo e que estavam associadas a uma não

definição em relação à profissão, o que pode ter resultado numa atuação voltada à

aplicação de técnicas, desconsiderando um saber-fazer crítico e reflexivo. A partir desse

contexto, o perfil do fisioterapeuta se delineava baseado numa visão de mundo fundada

numa concepção cartesiana e mecanicista que não favorecia uma atuação que desse conta

dos problemas de saúde da sociedade.

Na vigência do Currículo Mínimo, o conhecimento era reproduzido e revelava

que a visão de mundo na formação acadêmica em Fisioterapia, tendia a ser tradicional,

cartesiana e mecanicista. Segundo Rebelatto e Botomé (1999, p. 74):

(...) quanto mais o conhecimento for apenas “reproduzido” e “transmitido”, ao invés de também produzido, levando-se em consideração a realidade circundante, mais distantes estarão os futuros profissionais de obterem a resolução dos problemas da população do país.

Assim, com a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de

Graduação em Fisioterapia pode-se perceber um processo de mudança na formação

acadêmica do fisioterapeuta que apontava para a superação da visão de mundo

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fragmentada, cartesiana, reducionista e mecanicista, tão característica da formação

acadêmica desse profissional (CAPRA, 2012).

Rebelatto e Botomé (1999) consideram que a universidade ao invés de ser

considerada um local gerador de conhecimento, de debates acerca de soluções para os

mais diferentes enfrentamentos pelos quais a sociedade passa e, de emancipação humana

(alunos e instituição), revela-se reprodutora e transmissora de conhecimento.

Diante do exposto, percebemos que a partir da década de noventa, o cenário da

educação superior no Brasil, corresponde a uma concepção de formação acadêmica

pautada na reprodução e transmissão de conhecimento e de técnicas (onde o curso de

graduação em Fisioterapia também faz parte de tal concepção). Tal cenário é reflexo da

dissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, o que favoreceu a expansão da

educação superior no país em termos quantitativos, consequência do grande número de

Instituições de Educação Superior (IES) que se voltavam ao ensino.

Nesse contexto, consideramos, portanto que a formação universitária, volta-se

de maneira geral, para as leis do mercado, ou seja, a formação profissional busca suprir as

demandas mercadológicas através da reprodução do conhecimento técnico.

O transculturalismo foi proporcionado a partir da instituição das Diretrizes

Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação nas diversas áreas do conhecimento e

com o surgimento dos Programas de Mestrado no Brasil, uma vez que houve acesso a

bibliografia nacional e estrangeira o que permitiu conhecimento e utilização de avanços

científicos nas mais diversas áreas de conhecimento. Diante disso, Rebelatto e Botomé

(1999), consideram imprescindíveis, além da assistência curativa e reabilitadora do

fisioterapeuta, a promoção e a manutenção da saúde, e a prevenção de doenças, sendo,

portanto inadequado atrelar a educação superior ao aprendizado e aplicação de técnicas.

Os autores apontam que a superação de tal concepção somente será alcançada a partir de

um saber crítico e reflexivo frente à realidade do mundo e da profissão inserida num dado

contexto social e histórico.

Rebelatto e Botomé (1999) pesquisaram os Currículos Plenos em vigor de todos

os Cursos de Fisioterapia existentes no Brasil bem como os planos de ensino das disciplinas

que contemplavam a aprendizagem ou a definição do objeto de estudo da Fisioterapia.

Perceberam que os objetivos propostos pelas disciplinas relacionadas ao objeto de estudo

do Fisioterapeuta não eram condizentes com a forma como foram propostos, o que

apontava uma ausência de objetivos de ensino. De acordo com os autores, o que precisa

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estar claro é o que os alunos vão aprender nas atividades propostas, configurando assim, os

objetivos de ensino.

Na medida em que não existe um consenso, um “eixo” mais ou menos comum ou uma maior clareza sobre as disciplinas ou classes de aptidões que deverão compor a formação profissional do fisioterapeuta, menores serão as probabilidades de se ter definidas as características (ou o objeto de trabalho) desses profissionais enquanto tais. Da mesma forma, a ausência de uma formação científica do profissional que permita a elaboração de pesquisas (inclusive sobre o próprio objeto de trabalho da profissão) diminui a possibilidade de um desenvolvimento da profissão que seja pensado, estudado, adequado e suficiente (REBELATTO; BOTOMÉ, 1999, p. 154).

Os autores concluíram que tanto o Currículo Pleno, quanto o Currículo Mínimo

do Curso de Graduação em Fisioterapia, condicionam uma formação acadêmica com

objetivo de ensino mal elaborados, o que pode ser aspecto determinante no que se refere às

indefinições quanto a atuação profissional do fisioterapeuta. Consideram ainda que a ênfase

na formação curativa e reabilitadora pode ser considerada insuficiente para a formação de

um profissional da Área da Saúde. Tal aspecto é considerado nas Diretrizes Curriculares

Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia, ao mencionar que o profissional

fisioterapeuta deve estar apto a atuar em todos os níveis de atenção a saúde.

Com o objetivo de favorecer a compreensão do documento das Diretrizes

Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia, descrevemos a seguir, os

aspectos históricos presentes na trajetória de elaboração do documento.

7.2 As Diretrizes Curriculares Nacionais e o campo da Fisioterapia: contexto histórico.

O processo histórico de elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais do

Curso de Graduação em Fisioterapia (ANEXO I) aprovadas através do Parecer nº

1210/2001, em 12 de setembro de 2001, pelo MEC/CNE e instituídas pela Resolução

CNE/CES 4, em 19 de fevereiro de 2002, envolveu vários documentos que, direta ou

indiretamente, contribuíram para a elaboração das referidas Diretrizes Curriculares.

O primeiro documento importante foi o Parecer nº 388/63, aprovado pelo

Conselho Federal de Educação (CFE), em 10 de dezembro de 1963, que deliberou que o

CFE fixasse o Currículo Mínimo do Curso de Fisioterapia que, até então, apresentava-se

como um Curso Técnico, cujos profissionais eram considerados auxiliares médicos, que

atuavam sob orientação e responsabilidade de médicos.

A partir deste Parecer, a Portaria Ministerial nº 511/64, de 23 de julho de 1964,

fixou o Currículo Mínimo do Curso de Fisioterapia para a formação do técnico em

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Fisioterapia com duração de três anos letivos. Este currículo compreendia matérias gerais e

específicas. De acordo com o documento as matérias gerais eram: a) Fundamentos de

Fisioterapia; b) Ética e História da Reabilitação; c) Administração Aplicada; e, as matérias

específicas eram: a) Fisioterapia Geral; b) Fisioterapia Aplicada (BRASIL, 1981).

O Decreto-lei nº 938/69, de 13 de outubro de 1969, reconheceu o Curso de

Fisioterapia como Curso Superior através do, que estabelecia como atividade privativa do

fisioterapeuta, a execução de métodos e técnicas fisioterápicas com a finalidade de

restaurar, desenvolver e preservar a capacidade física do indivíduo.

A Resolução nº 4/83, de 28 de fevereiro de 1983, aprovada pelo presidente do

CFE, estabeleceu o Currículo Mínimo do Curso Graduação em Fisioterapia, em substituição

à Portaria Ministerial nº 511/64 (BRASIL, 1983).

Percebemos assim que durante catorze anos (1969 a 1983), a formação

acadêmica do profissional fisioterapeuta estava embasada no Currículo Mínimo do Curso

Técnico em Fisioterapia. Tal currículo passava a apresentar, de acordo com a Resolução nº

4/83, quatro ciclos apresentados no quadro 4:

QUADRO 4: Ciclos e respectivas matérias do Currículo Mínimo do Curso Técnico em

Fisioterapia

CICLOS MATÉRIAS

Ciclo I

Matérias biológicas

Biologia

Ciências Morfológicas: Anatomia Humana e Histologia

Ciências Fisiológicas: Bioquímica, Fisiologia e Biofísica

Patologia: Patologia Geral, Patologia de Órgãos e Sistemas.

Ciclo II

Matérias de

formação geral

Ciências do Comportamento: Sociologia, Antropologia; Psicologia,

Ética e Deontologia

Introdução à Saúde Humana: Saúde Pública, Metodologia da

Pesquisa Científica e Estatística.

Ciclo III

Matérias pré-

profissionalizantes

Fundamentos da Fisioterapia: História da Fisioterapia, administração

em Fisioterapia

Avaliação Funcional: Cinesiologia, Bases de Métodos e Técnicas de

Avaliação em Fisioterapia

Fisioterapia Geral: Eletroterapia, Termoterapia, Fototerapia,

Hidroterapia, Mecanoterapia

Cinesioterapia: Exercícios Terapêuticos e Reeducação Funcional

Recursos Terapêuticos Manuais: Massoterapia e Manipulação

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CICLOS MATÉRIAS

Ciclo IV

Matérias

profissionalizantes

Fisioterapia Aplicada às condições Neuro-músculo-esqueléticas:

Fisioterapia aplicada à Ortopedia, à Traumatologia, à Neurologia e à

Reumatologia

Fisioterapia aplicada às condições Cardiovasculares: Fisioterapia

aplicada à Cardiologia e à Pneumologia;

Fisioterapia aplicada às condições Gineco-obstétricas e Pediátricas:

Fisioterapia aplicada à Ginecologia e Obstetrícia, Fisioterapia

aplicada à Pediatria;

Fisioterapia aplicada às condições Sanitárias: Fisioterapia

Preventiva;

Estágio Supervisionado: prática de Fisioterapia Supervisionada.

Fonte: BRASIL, Ministério da Educação. Currículo Mínimo do Curso de Graduação em Fisioterapia. Resolução nº 4/83.

Observamos que o Currículo Mínimo embasava-se numa visão de mundo

cartesiana e mecanicista, com disciplinas organizadas num sistema curricular fechado,

caracterizadas por uma não flexibilidade de ensino que condicionava a transmissão do

conhecimento. Tal modelo de organização curricular é característico do paradigma

biomédico no qual a formação apresenta-se tradicional, possibilitando a reprodução do

conhecimento em detrimento de sua produção.

O Currículo Mínimo do Curso de Graduação em Fisioterapia vigorou até 2001,

quando foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais do referido curso.

O Parecer nº 776/97 MEC/CNE, denominado: Orientação para as Diretrizes

Curriculares dos Cursos de Graduação deu inicio às discussões para a criação das

Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação. De acordo com o Parecer, o Currículo

Mínimo mostrava-se insuficiente para garantir a qualidade na formação acadêmica dos

egressos nas diversas áreas do conhecimento.

Diante desse cenário, a Secretaria de Educação Superior (SESu/MEC), através

do Edital nº 4/97, de 10 de dezembro de 1997, convocou as Instituições de Ensino Superior

(IES) a apresentar propostas para as novas Diretrizes Curriculares dos cursos superiores,

que seriam discutidas e elaboradas pelas Comissões de Especialistas da Sesu/MEC, nas

diversas áreas de conhecimento. O documento final das Diretrizes Curriculares Nacionais de

cada área específica do conhecimento foi sistematizado pelas Comissões de Especialistas

da SESu/MEC e aprovadas pelo MEC/CNE (BRASIL, 1997, SESu/MEC).

Baseado no Parecer nº 776/97, foi finalmente aprovado pelo MEC/CNE, no dia 4

de abril de 2001, o Parecer nº 583/2001, que contemplava a Orientação para as Diretrizes

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Curriculares dos Cursos de Graduação. Este parecer consubstanciou a proposta de

adequação das Diretrizes para cada curso de graduação, que foi amplamente discutida pela

comunidade acadêmica, SESu/MEC e pelo Fórum Nacional de Pró-reitores de Graduação –

ForGrad (BRASIL, MEC, 2001).

A partir desses debates surgem, enfim as Diretrizes Curriculares Nacionais dos

Cursos de Graduação nas diversas áreas do conhecimento. No documento que

estabelecem as Diretrizes Curriculares são propostos aspectos gerais que abordam o perfil

do egresso, suas competências e habilidades almejadas para os diferentes cursos de

graduação. As Diretrizes para o curso de graduação em Fisioterapia foram aprovadas em 12

de setembro de 2001 e instituídas em 19 de fevereiro de 2002.

Assim, no contexto das normatizações as Diretrizes Curriculares Nacionais para

os cursos de graduação para qualquer área de conhecimento no Brasil, apresentam-se

como orientações básicas para a formação de profissionais no ensino superior. Anunciam

ainda, a perspectiva inovadora por meio da flexibilização da formação acadêmica técnica e

científica:

Diretrizes curriculares tem por objetivo servir de referência para as IES na organização de seus programas de formação, permitindo uma flexibilização na construção dos currículos plenos e privilegiando a indicação de áreas de conhecimento a serem consideradas, ao invés de estabelecer disciplinas e cargas horárias definidas (BRASIL, 1996, SESu/MEC).

As Diretrizes Curriculares surgem como um marco na formação profissional ao

se apresentarem como uma proposta de currículo aberto onde cada Instituição de ensino

superior passa a planejar e elaborar seus próprios currículos com autonomia e flexibilidade.

Vale ressaltar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9, nº

9.394/96 de 20 de dezembro de 1996, do MEC/CNE garante às IES autonomia e

flexibilidade, inicialmente, estabelecidas pela Orientação para as Diretrizes Curriculares dos

Cursos de Graduação, e, posteriormente, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais que

passam a orientar o planejamento e a elaboração dos currículos dos cursos de graduação

em todo o país, oposto do que ocorria na vigência do Currículo Mínimo que estabelecia

detalhadamente as disciplinas que deveriam fazer parte de cada curso (BRASIL, MEC/LDB

9394, 1996).

9 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional determina no Art. 53, inciso II, no momento em que dispõe

sobre autonomia universitária, que é tarefa das universidades: “fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes”.

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7.3 As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia

O ensino de Fisioterapia no Brasil deverá atender às recomendações das

Diretrizes Curriculares propostas pelo Conselho Nacional de Educação do Ministério da

Educação (MEC). Tais Diretrizes:

Definem os princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de Fisioterapeutas, estabelecidas pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, para a aplicação em âmbito nacional na organização, desenvolvimento e avaliação dos projetos pedagógicos dos cursos de Graduação em Fisioterapia das Instituições do Sistema de Ensino Superior (RESOLUÇÃO CNE/CES 4/2002).

As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia

(ANEXO I) surgem para nortear a formação acadêmica no sentido esclarecer os objetivos da

formação profissional em especial no que concerne aos aspectos relacionados às

habilidades e competências desenvolvidas durante sua formação acadêmica. De acordo

com o Parecer nº 1210/2001, MEC/CNE, aponta que o objeto das Diretrizes Curriculares

Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia deve:

Permitir que os currículos propostos possam construir perfil acadêmico e

profissional com competências, habilidades e conteúdos, dentro de

perspectivas e abordagens contemporâneas de formação pertinentes e

compatíveis com referências nacionais e internacionais, capazes de atuar

com qualidade, eficiência e resolutividade, no Sistema Único de Saúde

(SUS), considerando o processo da Reforma Sanitária Brasileira

(MEC/CNE, Parecer nº 1210/2001, p. 3).

Percebemos que as Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em

Fisioterapia apontam para uma formação acadêmica do fisioterapeuta que favoreça o

desenvolvimento de perfil profissional baseado em competências e habilidades que deem

conta das demandas sociais, onde o fisioterapeuta possa exercer sua profissão com

qualidade e eficiência com o intuito de solucionar questões de saúde da comunidade.

O Parecer nº 1210/2001, do MEC/CNE que estabelece as Diretrizes Curriculares

dos Cursos de Graduação na Área da Saúde, onde se inserem as Diretrizes Curriculares

Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia, apontam como objetivos:

Levar os alunos dos cursos de graduação em saúde a aprender a aprender que engloba aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer, garantindo a capacitação de profissionais com autonomia e discernimento para assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidade (MEC/CNE, Parecer nº 1210/2001, p. 3).

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A educação por competências, tão citada nas Diretrizes Curriculares é fruto da

Reforma do Estado Brasileiro que trouxe nas suas propostas a efetivação de exigências de

órgãos internacionais que determinaram mudanças no cenário da educação e da saúde. A

Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI a qual foi organizada após a

Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura (UNESCO), em novembro de 1991, foi presidida por Jacques Delors que também

deu nome ao Relatório do trabalho desta Comissão - o Relatório Jacques Delors10.

Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve

organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo

de toda a vida de cada individuo, serão de algum modo os pilares do

conhecimento: aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da

compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente,

aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em

todas as atividades humanas; e finalmente aprender a ser, conceito

essencial que integra os três precedentes. É claro essas quatro vias do

saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos

pontos de contato, de relacionamento e de permuta (DELORS, 2005, p.73).

Sobre uma formação baseada em competências, Rabelo (2005, p.58) afirma: “a

empreitada é de idealizar uma educação à prova da crise das relações sociais”, cujo modelo

de Educação consubstancia-se em competências e saberes, chamado de Modelo das

Competências, ou Pedagogia das Competências. A partir desse modelo surgiu a

necessidade de reorganizar a Educação em torno de quatro pilares do conhecimento. São

eles:

Aprender a conhecer (aprender a aprender): desenvolvimento de

instrumentos de compreensão do mundo;

Aprender a fazer: passagem da noção de qualificação para a de competência

frente às exigências dos sistemas de produção;

Aprender a conviver: compreendida como um dos maiores desafios da

Educação, ou seja, uma educação capaz de resolver os conflitos de forma

pacífica, a partir do conhecimento dos outros;

10 O Relatório Delors (1999), identifica a educação como chave do desenvolvimento. Este relatório interferiu de

maneira significativa na definição de ações políticas para o Brasil, sob a referência da concepção de “educação ao longo da vida”. No Relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO – Jacques Delors aponta para a necessidade de superação e distinção da educação inicial da educação permanente, uma vez que a educação e o prolongamento desse processo de aprendizagem é a chave para os desafios que a sociedade enfrenta no século XXI.

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Aprender a ser: a Educação desenvolvendo a personalidade, a autonomia, o

discernimento e a responsabilidade pessoal, contribuindo assim com a

sociedade.

As Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em Fisioterapia

estabelecem competências e habilidades gerais e específicas (ANEXO I). Segundo o

documento o desenvolvimento dessas competências configura-se aspecto fundamental para

que o fisioterapeuta possa exercer sua profissão com autonomia, com qualidade, garantindo

a integralidade e a humanização no atendimento em saúde, conferindo-lhe capacidade para

solucionar problemas de saúde da sociedade.

7.3.1 As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia e o

Perfil do Egresso

A palavra perfil, considerada neste estudo as características de um indivíduo que

segundo o dicionário significa “pequeno escrito em que se faz o retrato de uma pessoa”. No

que se refere ao perfil profissional, consideramos as características de uma profissão

presente em seus integrantes. Mueller (1989, p.63), define a expressão perfil profissional

como:

(...) o conjunto de conhecimentos, qualidades e competências próprias dos integrantes de uma profissão. O Conceito assim entendido está intimamente ligado a ideia da função profissional - o perfil é delineado pelas habilidades, competências e atitudes necessárias para o desempenho da função profissional. A discussão dos problemas ligados ao perfil profissional é, na verdade, a discussão da função social da profissão, a qual, sujeita às influências do contexto, exige que a prática profissional se modifique, para atender expectativas novas e diversificadas que emergem da sociedade.

Rebelatto e Botomé (1999, p.79), consideram a consonância entre os objetivos

das disciplinas e a formação do perfil profissional do fisioterapeuta em relação às Diretrizes

Curriculares Nacionais do curso, segundo os autores:

(...) os programas e planos de ensino das disciplinas dos cursos que formam fisioterapeutas, contêm um registro dos objetivos que são propostos para as disciplinas. No conjunto, esses objetivos constituem o perfil profissional que os responsáveis pela formação desse profissional propõem como conjunto de suas atribuições como fisioterapeuta.

Percebemos que o desenvolvimento do perfil profissional se dá também a partir

da determinação dos objetivos do curso, que são considerados competências mínimas que

o aluno deve amadurecer ao longo do curso, tais como técnicas e habilidades inerentes aos

sujeitos de uma determinada profissão. Rebelatto e Botomé (1999, p.139), afirmam ainda

que os objetivos do curso devem apresentar características tanto de correção quanto de

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adequação de técnicas que “explicitem aquilo que se quer conseguir que o aprendiz seja

capaz de fazer, ao final de um processo de aprendizagem e em relação às situações com

que deve lidar como profissional”.

No entanto, pensamos que o perfil profissional não se restringe unicamente ao

desenvolvimento de competências ao conhecimento adquirido ao longo da formação, ou

ainda às atribuições que venha a desempenhar durante a atuação profissional.

Consideramos que todos os elementos do currículo e as condições de implementação –

desde o currículo prescrito até a sua ação – contribuem para o desenvolvimento do perfil

que inclui ainda a identidade profissional dos sujeitos. De acordo com Pimenta (1999, p.19),

essa identidade é construída a partir dos significados sociais da profissão:

(...) a identidade é construída a partir da significação social da profissão; da revisão constante dos significados sociais da profissão; da revisão das tradições. Mas, também da reafirmação das práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que resistem a inovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades da realidade. Do confronto entre as teorias e as práticas, da análise sistemática das práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias.

Com a implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de

Graduação em Fisioterapia, tanto o perfil quanto a identidade do profissional Fisioterapeuta

sofreram alterações com objetivo de dar conta das exigências da nova concepção da

educação superior no Brasil. Percebemos que o desenvolvimento do perfil profissional deve

se dá a partir de novas tendências relacionadas a competências e habilidades que

promovam uma formação contínua. O profissional fisioterapeuta deve desenvolver

capacidade crítica e reflexiva de modo a ressignificar constantemente seus saberes e

conhecimentos na e sobre a sua prática profissional.

7.3.2 O Perfil do Fisioterapeuta: do Currículo Mínimo às Diretrizes Curriculares

Nacionais

O Currículo Mínimo do Curso Técnico em Fisioterapia através da Portaria nº

511/64, considera o Técnico em Fisioterapia um auxiliar, atuando sob a responsabilidade de

um médico. Ao fisioterapeuta cabia a realização de técnicas e exercícios terapêuticos

indicados e deliberados pelo médico. Assim, podemos perceber que o perfil do

fisioterapeuta, ou seja, um profissional de Nível Técnico restringia-se a execução de

técnicas. Um perfil alicerçado numa formação tecnicista que evidenciava a ausência de um

saber-fazer crítico.

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A partir do Decreto-lei 938/69, que regulamentou a profissão, o fisioterapeuta

continuava a restringir-se a execução de técnicas fisioterápicas visando a restauração,

desenvolvimento e garantia da condição física do indivíduo. Portanto, apesar da

regulamentação da profissão, continuávamos reduzidos a meros executores de técnicas,

uma vez que o documento que serviu de base para a elaboração do referido Decreto-lei foi o

Currículo Mínimo que estabelecia os Cursos Técnicos em Fisioterapia. Percebemos que não

houve intenção em revisar ou reformular a definição das competências e habilidades que

deveriam ser contempladas durante a formação acadêmica do fisioterapeuta. Neste cenário,

a Fisioterapia foi então regulamentada como formação em Nível Superior, embasada

legalmente no documento que regulamentou a formação do Curso Técnico em Fisioterapia,

vigente até o ano de 1969, o que gerou limitações acerca da real definição do perfil

profissional do fisioterapeuta.

O Currículo Mínimo do Curso de Graduação em Fisioterapia, através da

Resolução nº 4/83, não alterou significativamente o cenário, uma vez que o Parecer nº

776/97, do MEC/CNE, considerou o Currículo Mínimo ineficaz na promoção da qualidade de

ensino almejada e ainda não incentivava a inovação da formação acadêmica. Diante disso,

consideramos que o perfil do fisioterapeuta não foi alterado em relação ao evidenciado no

Decreto-lei nº 938/69, que por sua vez apenas seguiu orientações propostas no Currículo

Mínimo do Curso Técnico em Fisioterapia.

Frente a essa realidade, a comunidade acadêmica levantou críticas em relação

aos modelos de currículos propostos pelo Currículo Mínimo, vigentes à época. O documento

da SESu/MEC, referente às Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação Propostas,

apresenta várias críticas. Entre elas podemos citar: “necessidade de melhor contextualizar o

perfil do diplomado frente às demandas e transformações das profissões” (BRASIL,

SESu/MEC, 1999, p. 6 - 7).

Iniciou-se então a reforma curricular, onde a SESu/MEC através do Edital de 4

de dezembro de 1997, solicitou que as IES enviassem propostas que embasariam o

trabalho das comissões de Especialistas de Ensino da cada área específica para posterior

elaboração das Diretrizes Curriculares dos cursos de graduação. De acordo com o Edital, a

ideia principal era adaptar os currículos às mudanças dos perfis profissionais. Para tanto,

princípios como: a) flexibilidade na organização curricular; b) dinamicidade do currículo; c)

adaptação às demandas do mercado de trabalho; d) integração entre graduação e pós-

graduação; e) ênfase na formação geral; f) definição e desenvolvimento de competências e

habilidades gerais foram orientadores para tais mudanças. Catani; Oliveira e Dourado (2001,

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p.74) apontam que o objetivo geral que orientou a reforma foi “tornar a estrutura dos cursos

de graduação mais flexível”.

Na esperança de superação das dificuldades enfrentadas na vigência do

Currículo Mínimo, surgem as Diretrizes Curriculares em cada área específica do

conhecimento. Porém ao perfil profissional do fisioterapeuta não foi dispensada especial

atenção. Percebemos ainda certas restrições no que tange às competências e habilidades,

bem como às definições da profissão que não esclarece satisfatoriamente seu objeto de

trabalho, ou o(s) campo(s) de atuação profissional. Consequentemente nos deparamos com

um perfil limitado, proveniente de um sistema educacional consubstanciado numa visão de

mundo cartesiana, reducionista, mecanicista.

As Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em Fisioterapia estabelecem

como perfil do formando egresso/profissional:

Fisioterapeuta, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor científico e intelectual. Detém visão ampla e global, respeitando os princípios éticos/bioéticos, e culturais do indivíduo e da coletividade. Capaz de ter como objeto de estudo o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potencialidades, quer nas alterações patológicas, cinético-funcionais, quer nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, objetivando a preservar, desenvolver, restaurar a integridade de órgãos, sistemas e funções, desde a elaboração do diagnóstico físico e funcional, eleição e execução dos procedimentos fisioterapêuticos pertinentes a cada situação.

Consideramos que a partir da instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais do

Curso de Graduação em Fisioterapia pode haver alteração na forma de desenvolver o perfil

profissional durante a formação acadêmica uma vez que a flexibilização curricular permite

às IES uma organização de disciplinas com conteúdos e objetivos estabelecidos que podem

contemplar abordagens contextualizadas que fomentem discussões embasadas em críticas

e reflexões acerca da realidade da saúde, o que possibilita uma formação que considera o

todo e suas partes. Do contrário, mesmo com a flexibilização curricular, algumas IES

podem manter seu caráter tradicional de ensino inviabilizando discussões durante a

formação que dificultem ou até anulem o desenvolvimento crítico e reflexivo de seus

formandos. Segundo Cabral Neto (2004), a perspectiva de flexibilização curricular supera a

condição de currículo meramente técnico e burocrático, para reconhecê-lo como artefato

construído a partir de condicionantes históricos, políticos e sociais vinculados às formas de

organização e relações de poder existentes.

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7.4 O Projeto Político Pedagógico: pressupostos teóricos

Diante da complexidade da prática educativa, a partir de 1980, os espaços

educacionais constituem uma organização social, caracterizados cada vez mais como

campo de concretização de políticas de educação. Nessa direção, o projeto pedagógico se

afirma como elemento favorecedor do diálogo, revelando-se uma necessidade para os

sujeitos que integram as instituições de ensino. É ainda, instrumento que ao viabilizar o

diálogo, oportuniza o enfrentamento das questões que surgem no âmbito institucional em

relação à realidade contextualizada. Constitui-se ainda como expressão de autonomia

institucional no sentido de formular e executar uma proposta de trabalho.

Segundo Vasconcelos (2000), o projeto pedagógico é um plano global da

instituição que pode se consolidar como a sistematização de um processo de planejamento

participativo, que se aperfeiçoa e se define como o tipo de ação que se pretende realizar,

considerando o posicionamento do coletivo institucional. Percebemos que o projeto

pedagógico se identifica pela participação coletiva e democrática de caráter processual que

acontece na articulação entre ação e reflexão. De acordo com o autor, o projeto pedagógico

de um curso atua nas seguintes dimensões:

Psicológico: envolvimento do grupo na tarefa; inclusão, reconhecimento do sujeito no produto coletivo; epistemológico: parte-se de onde o grupo está; coloca-se o sujeito na condição de produtor de conhecimento (e não de reproduzir ou receptáculo); político: resgate da participação, da contribuição de cada um e de todos, exercício da decisão coletiva e o pedagógico: é um aprendizado de metodologia participativa, de diálogo, de respeito pelo outro, de tolerância (VASCONCELOS, 2000, p.21).

Vasconcelos (2000) aponta que as finalidades do projeto pedagógico são: o

resgate da intencionalidade da ação para somente assim se configurar como instrumento

transformador da realidade; a potencialidade da coletividade como referência para

superação de práticas educativas fragmentadas e não contextualizadas; a utilização dos

recursos de forma eficiente e eficaz; o fortalecimento do grupo no enfrentamento de conflitos

e pressões com vistas à autonomia e ainda a colaboração com a formação de todos os seus

participantes.

O Projeto Político Pedagógico (PPP) de um curso é parte integrante do plano de

desenvolvimento institucional da Instituição de Ensino Superior. Sua fundamentação legal se

deu a partir da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB 9394/96, que

preconiza no artigo 12: “os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as

do seu sistema de ensino, terão a incumbência de elaborar e executar sua proposta

pedagógica.” É ainda uma exigência a ser cumprida por determinação do Ministério da

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Educação e Cultura (MEC), do Conselho Nacional de Educação (CNE) para reconhecimento

de cursos, depois de submetido à avaliação de especialistas na área onde ele se

desenvolve. Configura-se também um compromisso assumido pelo Fórum Nacional de Pró-

Reitores de Graduação, no Plano Nacional de Graduação. A fim de ilustrar a importância de

um Projeto Pedagógico, fazemos valer as palavras de Veiga (2004, p. 25):

O projeto político-pedagógico é mais do que uma formalidade instituída: é uma reflexão sobre a educação superior, sobre o ensino, a pesquisa e a extensão, a produção e a socialização dos conhecimentos, sobre o aluno e o professor e a prática pedagógica que se realiza na universidade. O projeto político-pedagógico é uma aproximação maior entre o que se institui e o que se transforma em instituinte. Assim, a articulação do instituído com o instituinte possibilita a ampliação dos saberes.

O Projeto Político Pedagógico deve estar de acordo com as Diretrizes

Curriculares Nacionais do curso de graduação, no caso da presente pesquisa, o curso de

Fisioterapia, que devem ser observadas na organização curricular das instituições do

sistema de ensino superior do país. Assim, o currículo perfaz-se o eixo estruturante do

Projeto Político Pedagógico, e ainda, é ele que dá identidade à formação profissional de

determinado curso.

7.4.1 Dimensões Política e Pedagógica do Projeto Político Pedagógico

De acordo com Veiga (2005), o Projeto Político Pedagógico aborda diretamente

a relação entre as dimensões políticas e pedagógicas da instituição de ensino. Perfaz-se

pedagógico quando ao definir as ações educativas que serão desenvolvidas, com objetivo

de formar cidadãos críticos e participativos. É político ao tratar de interesses da coletividade,

principalmente ao comprometer-se com a formação de cidadãos em consonância com a

sociedade onde estão inseridos.

Portanto, o projeto assim concebido orienta práticas que produzem uma

determinada realidade. Para tanto, é necessário conhecer essa realidade, refletir sobre ela e

planejar ações para a construção da realidade que se deseja a partir de estratégias

adequadas e que atendam os anseios sociais e individuais de cada educando.

Sua função social se estabelece ao desenvolver relações democráticas no

cotidiano da instituição o que favorece a formação de sujeitos críticos e reflexivos de

maneira coletiva, estabelecendo uma conexão entre o papel pedagógico institucional e seu

papel na sociedade. Veiga (2003, p.50) afirma que “educar nessa perspectiva, é entender

que direitos humanos e cidadania significam prática de vida em todas as instâncias de

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convívio social dos indivíduos”. Sujeitos que aprendem e participam na transformação da

realidade e não somente se coloquem como meros expectadores.

7.4.2 A Abordagem por Competências e o Projeto Pedagógico

Sabemos que a educação baseada no modelo por competências oferece como

subsídio para a especificação do perfil do egresso dos cursos de graduação, a indicação de

uma formação que deve articular os requisitos exigidos pela realidade do mercado de

trabalho ao compromisso com o desenvolvimento humano e social dos sujeitos. (Fig.4)

Figura 4 - Abordagem por competências e o projeto pedagógico de um curso de graduação

Fonte: CIDRAL, KEMCZINSKI E ABREU (2001).

Segundo Cidral; Kemczinski; Abreu (2001) o modelo de educação por

competências pode ser empregado na integração dos elementos de um projeto pedagógico

ao articular o compromisso com o desenvolvimento humano e social em consonância com

as necessidades do mercado de trabalho. Segundo os autores, os elementos do projeto

pedagógico podem ser caracterizados de forma sintética conforme o quadro abaixo:

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QUADRO 5 - Elementos do projeto pedagógico

Fonte: CIDRAL, KEMCZINSKI E ABREU (2001).

Ao abordar as dimensões politicas e pedagógicas da instituição de ensino a qual

faz parte, o projeto político pedagógico perfaz-se orientador de práticas que produzem uma

dada realidade. E ainda quando os elementos desse projeto integram-se ao modelo de

abordagem por competências, o que percebemos é uma articulação entre a formação e sua

adequação às demandas mercadológicas. Assim, essa perspectiva restringe uma formação

que venha promover o desenvolvimento de uma visão de mundo originada a partir de um

pensar crítico e reflexivo do contexto a sua volta.

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7.4.3 O Projeto Político Pedagógico do Curso de Fisioterapia da UNIFOR

Em março de 1973 foi criado o curso de Fisioterapia da UNIFOR vinculado ao

Centro de Ciências da Saúde. O curso somente foi regulamentado em 24 de novembro de

1976, através do Parecer do Conselho Federal da Educação no 2953/76, reconhecido pelo

Decreto no 78813/76 e publicado no Diário Oficial da União, no dia 25 de novembro de

1976, que estabeleceu o Currículo Pleno do Curso, na modalidade de bacharelado sob

regime acadêmico de modalidade semestral (UNIFOR, PPP, 2012).

A UNIFOR foi a pioneira em sua criação no Estado do Ceará, respondendo a

uma demanda emergente na formação desse profissional. No inicio a oferta era semestral e

eram ofertadas 55 vagas para o turno integral (diurno), com duração de três anos e meio. O

público-alvo do curso é constituído de alunos egressos do Ensino Médio de escolas do

estado do Ceará e de diversos Estados das regiões Norte e Nordeste bem como de um

número significativo de alunos transferidos de outras Instituições de Ensino Superior – IES

(UNIFOR, PPP, 2012).

O Projeto Pedagógico do Curso de Fisioterapia da UNIFOR (2012) aponta que

as propostas de mudanças no âmbito da formação profissional foram acompanhadas pela

valorização de conceitos relacionados ao binômio ensino-aprendizagem, evidenciando-se a

necessidade de aprender a aprender, de saber como, por que e para que utilizar a

informação recebida e, assim, ser capaz de decidir de forma inteligente (DELORS, 2000).

De acordo com o Projeto:

A velocidade de produção do conhecimento deu maior ênfase a esse processo de busca e domínio adequados da informação, de aquisição do conhecimento, ferramenta indispensável para a educação permanente, processo ininterrupto de aprendizagem do fisioterapeuta, que a graduação não esgota, devendo, ao contrário, favorecer com flexibilidade de raciocínio e capacidade de adaptação.

O projeto aponta que tais fatores justificam o desejo da Instituição em oferecer

um curso de Fisioterapia de qualidade com padrões modernos e globalizados.

De acordo com o Projeto Pedagógico da UNIFOR (2012), a habilitação curricular

teve seu início em 1973.1, com o fluxograma 32.1, contendo 150 créditos e que a

reestruturação de um novo currículo para o curso de Fisioterapia, iniciou-se em 1978,

seguindo a sequência de mudanças na busca de melhorias para o curso.

Em dezembro de 2011, por meio da Resolução nº 64/2011, o curso de

Fisioterapia da UNIFOR renovou sua proposta curricular. Com a implantação do fluxograma

32.10 o curso passou a contemplar todos os aspectos propostos pelo Ministério da

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Educação e Cultura (MEC), Conselho Nacional de Educação (CNE) e comissão de

especialistas da área de Fisioterapia.

Assim, o Projeto Pedagógico do Curso de Fisioterapia (2012) em consonância

com os princípios fundamentais da Instituição, tem como princípios norteadores:

I. Formação geral e sólida do aluno na valorização da criatividade, da cooperação e na

tomada de decisão;

II. Respeito pela pessoa humana e compromisso social;

III. Observância estrita às leis e aos regulamentos da instituição;

IV. Melhoria da qualidade de vida da comunidade interna e externa;

V. Integração entre o ensino, pesquisa e extensão, procurando refletir na articulação da

teoria e prática;

VI. Comprometimento com os valores e princípios éticos na formação do aluno;

VII. Preponderância no desenvolvimento e na multiplicação do conhecimento;

VIII.Comprometimento permanente com as transformações da sociedade, da cultura, da

política e nas transformações tecnológicas e econômicas.

De acordo com a Resolução CNE/CES 4/2002 que instituiu as Diretrizes

Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Fisioterapia, no seu artigo 6º

determina que os conteúdos essenciais para o curso de Fisioterapia devem estar

relacionados com todo o processo saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade

integrado à realidade epidemiológica e profissional proporcionando a integralidade das

ações do cuidar em Fisioterapia. Estes conteúdos devem contemplar:

I. Ciências Biológicas e da Saúde, que são os conteúdos teóricos e práticos de base

molecular e celular englobando os processos normais ou alterados, da estrutura e

função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos;

II. Ciências Sociais e Humanas – abrange o estudo do homem e de suas relações sociais,

do processo saúde-doença nas suas múltiplas determinações, contemplando a

integração dos aspectos psicossociais, culturais, filosóficos, antropológicos e

epidemiológicos norteados pelos princípios éticos. Também deverão contemplar

conhecimentos relativos as políticas de saúde, educação, trabalho e administração;

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III. Conhecimentos Biotecnológicos - abrange conhecimentos que favorecem o

acompanhamento dos avanços biotecnológicos utilizados nas ações fisioterapêuticas

que permitam incorporar as inovações tecnológicas inerentes a pesquisa e a prática

clínica fisioterapêutica; e

IV. Conhecimentos Fisioterapêuticos - compreende a aquisição de amplos conhecimentos

na área de formação específica da Fisioterapia: a fundamentação, a história, a ética e os

aspectos filosóficos e metodológicos da Fisioterapia e seus diferentes níveis de

intervenção. Conhecimentos da função e disfunção do movimento humano, estudo da

cinesiologia, da cinesiopatologia e da cinesioterapia, inseridas numa abordagem

sistêmica. Os conhecimentos dos recursos semiológicos, diagnósticos, preventivos e

terapêuticas que instrumentalizam a ação fisioterapêutica nas diferentes áreas de

atuação e nos diferentes níveis de atenção. Conhecimentos da intervenção

fisioterapêutica nos diferentes órgãos e sistemas biológicos em todas as etapas do

desenvolvimento humano.

Em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais, o fluxograma 32.10

do curso de Fisioterapia da UNIFOR, está organizado em relação aos conhecimentos

biológicos, humanos e sociais, biotecnológicos e fisioterapêuticos, assim apresenta a

distribuição da sua carga horária perfazendo um total de 3852 horas (CB + CHS + CBT +

CF). Ainda de acordo com o fluxograma 32.10 as disciplinas optativas equivalem a 180

horas e ficam a critério de escolha do aluno. Assim o total geral da carga horária do curso é

de 4032 horas segundo a tabela a seguir:

QUADRO 6 - Fluxograma 32.10 do curso de Fisioterapia da UNIFOR

CONHECIMENTOS BIOLÓGICOS

Módulo Carga horária

S002 – Dinâmica Celular 108 horas/aula S003 – Sistemas Reguladores 108 horas/aula S006 – Ambiente e Hereditariedade 108 horas/aula S007 – Sistemas de Defesa 108 horas/aula S386 – Análise da Postura e do Movimento Humano I 144 horas/aula S389 – Análise da Postura e do Movimento Humano II 144 horas/aula S396 – Análise da Postura e do Movimento Humano III 144 horas/aula

TOTAL CB 864 horas/aula

CONHECIMENTOS HUMANOS E SOCIAIS

S004 – Universidade, Saúde e Sociedade 72 horas/aula S008 – Diversidade Humana e Saúde Coletiva 72 horas/aula S388 – Pesquisa e Ações Integradas em Saúde I 72 horas/aula S395 - Pesquisa e Ações Integradas em Saúde II 72 horas/aula S568 - Pesquisa e Ações Integradas em Saúde V 36 horas/aula

TOTAL CHS 324 horas/aula

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CONHECIMENTOS BIOTECNOLÓGICOS

S398 – Pesquisa e Ações Integradas em Saúde III 72 horas/aula

S544 - Pesquisa e Ações Integradas em Saúde IV 108 horas/aula

S582 - Trabalho de Conclusão de Curso I em Fisioterapia 36 horas/aula

S586 - Trabalho de Conclusão de Curso II em Fisioterapia 36 horas/aula

TOTAL CBT 252 horas/aula

CONHECIMENTOS FISIOTERAPÊUTICOS S384 – Vivências Integradas em Fisioterapia I 72 horas/aula S385 - Vivências Integradas em Fisioterapia II 72 horas/aula S387 – Recursos e Habilidades Fisioterapêuticas I 144 horas/aula S390 – Recursos e Habilidades Fisioterapêuticas II 144 horas/aula S397 – Recursos e Habilidades Fisioterapêuticas III 108 horas/aula

S399 – Fisioterapia na Saúde Funcional do Atleta 72 horas/aula

S539 - Fisioterapia na Saúde Funcional da Criança e do Adolescente I

108 horas/aula

S557 - Fisioterapia na Saúde Funcional do Adulto e do Idoso I 108 horas/aula

S559 - Fisioterapia na Saúde Funcional da Criança e do Adolescente II

108 horas/aula

S569 - Fisioterapia na Saúde Funcional do Adulto e do Idoso II 108 horas/aula

S574 - Fisioterapia na Saúde Funcional da Mulher e do Homem I 108 horas/aula

S577 – Estágio Supervisionado em Fisioterapia I 144 horas/aula

S579 - Fisioterapia na Saúde Funcional do Adulto e do Idoso III 180 horas/aula

S583 - Fisioterapia na Saúde Funcional da Mulher e do Homem II 72 horas/aula

S584 - Estágio Supervisionado em Fisioterapia II 360 horas/aula S585 - Estágio Supervisionado em Fisioterapia III 360 horas/aula TOTAL CF 2412 horas/aula

Fonte: UNIFOR, Curso de Fisioterapia, Projeto Político Pedagógico (2012).

Em relação às Diretrizes Curriculares para o Curso de Fisioterapia em seu artigo

4º aponta que a formação tem como objetivo dotar o profissional dos conhecimentos

requeridos para o exercício de competências e habilidades gerais, como:

I. Atenção à saúde: o profissional da saúde dentro do seu âmbito profissional deve estar

apto a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde,

tanto em nível individual quanto coletivo;

II. Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais de saúde deve estar fundamentado na

capacidade de tomar decisões visando o uso apropriado, eficácia e custo efetividade, da

força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de práticas.

Para este fim, os mesmos devem possuir competências e habilidades para avaliar,

sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas;

III. Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e devem manter a

confidencialidade das informações a eles confiadas, na interação com outros

profissionais de saúde e o público em geral. A comunicação envolve comunicação

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verbal, não verbal e habilidades de escrita e leitura; o domínio de, pelo menos, uma

língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação;

IV. Liderança: no trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais de saúde deverão

estar aptos a assumirem posições de liderança, sempre tendo em vista o bem estar da

comunidade. A liderança envolve compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade

para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento de forma efetiva e eficaz;

V. Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativas,

fazer o gerenciamento e administração tanto da força de trabalho, dos recursos físicos e

materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos a serem

empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde; e

VI. Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de aprender continuamente,

tanto na sua formação, quanto na sua prática. Desta forma, os profissionais de saúde

devem aprender a aprender e ter responsabilidade e compromisso com a sua educação

e o treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, mas proporcionando

condições para que haja beneficio mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais

dos serviços, inclusive, estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico/

profissional, a formação e a cooperação através de redes nacionais e internacionais.

Assim a formação de acordo com os conteúdos busca capacitar o fisioterapeuta

para tomada de decisões, liderança, trabalho em equipe, gestão e educação permanente no

âmbito de sua atuação profissional. Atualmente se requer do profissional, seja qual for seu

campo de atuação, um preparo não somente do ponto de vista do seu fazer profissional,

mas também para as mudanças que ocorrerão no mundo do trabalho e para isso é

necessária uma conscientização para uma formação continuada, ou seja, aquela que não

cessa tão somente pela aquisição de um diploma de graduação.

A UNIFOR em seu Projeto Pedagógico para o Curso de Fisioterapia tem como

objetivo geral “formar o fisioterapeuta de cunho generalista, crítico, reflexivo, com

habilidades e competências essenciais para atuar com autonomia, segurança,

responsabilidade, resolutividade e espírito de equipe em todos os níveis de atenção à

saúde, com base na ética, no rigor científico e intelectual, contribuindo para a cidadania e o

bem-estar social” (UNIFOR, PPP, 2012).

Em seu artigo 5º, as Diretrizes Curriculares para o Curso de Fisioterapia

apontam que a formação tem como objetivo também dotar o profissional dos conhecimentos

requeridos para o exercício de competências e habilidades específicas, como respeitar os

princípios éticos inerentes ao exercício profissional. A atuação do profissional deve

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acontecer em todos os níveis de atenção à saúde, integrando-se em programas de

promoção, manutenção, prevenção, proteção e recuperação da saúde, sensibilizados e

comprometidos com o ser humano, respeitando-o e valorizando-o, além de atuar

multiprofissionalmente, interdisciplinarmente e transdisciplinarmente com extrema

produtividade na promoção da saúde baseado na convicção científica, de cidadania e de

ética.

O artigo 5º das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em

Fisioterapia preconiza o reconhecimento da saúde como direito e condições dignas de vida

e a atuação do profissional de forma a garantir a integralidade da assistência, entendida

como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos,

individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do

sistema, como habilidades e competências específicas, além de contribuir para a

manutenção da saúde, bem estar e qualidade de vida das pessoas, famílias e comunidade,

considerando suas circunstâncias éticas, políticas, sociais, econômicas, ambientais e

biológicas.

Quanto às ações do fisioterapeuta o referido documento aponta ainda que o

profissional pode realizar consultas, avaliações e reavaliações do paciente colhendo dados,

solicitando, executando e interpretando exames propedêuticos e complementares que

permitam elaborar um diagnóstico cinético-funcional, para eleger e quantificar as

intervenções e condutas fisioterapêuticas apropriadas, objetivando tratar as disfunções no

campo da Fisioterapia, em toda sua extensão e complexidade, estabelecendo prognóstico,

reavaliando condutas e decidindo pela alta fisioterapêutica, e ainda elaborar criticamente o

diagnóstico cinético funcional e a intervenção fisioterapêutica, considerando o amplo

espectro de questões clínicas, científicas, filosóficas éticas, políticas, sociais e culturais

implicadas na atuação profissional do fisioterapeuta, sendo capaz de intervir nas diversas

áreas onde sua atuação profissional seja necessária.

De acordo com o artigo 5º, o fisioterapeuta deve exercer sua profissão de forma

articulada ao contexto social, entendendo-a como uma forma de participação e contribuição

social; desempenhar atividades de planejamento, organização e gestão de serviços de

saúde públicos ou privados, além de assessorar, prestar consultorias e auditorias no âmbito

de sua competência profissional; e ainda emitir laudos, pareceres, atestados e relatórios,

além de prestar esclarecimentos, dirimir dúvidas e orientar o indivíduo e os seus familiares

sobre o processo terapêutico. Salienta ainda a importância da manutenção da

confidencialidade das informações, na interação com outros profissionais de saúde e o

público em geral. E em casos específicos, aponta o encaminhamento do paciente, quando

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necessário, a outros profissionais relacionando e estabelecendo um nível de cooperação

com os demais membros da equipe de saúde.

No tocante ao aparato tecnológico, o artigo 5º refere à manutenção do controle

sobre à eficácia dos recursos tecnológicos pertinentes à atuação fisioterapêutica garantindo

sua qualidade e segurança e no âmbito da pesquisa, o referido documento sugere o

conhecimento de métodos e técnicas de investigação e elaboração de trabalhos acadêmicos

e científicos.

Perfazem-se ainda habilidades e competências específicas o conhecimento dos

fundamentos históricos, filosóficos e metodológicos da Fisioterapia e seus diferentes

modelos de intervenção.

E ainda em seu Parágrafo Único aponta que a formação do fisioterapeuta deverá

atender ao sistema de saúde vigente no país, a atenção integral da saúde no sistema

regionalizado e hierarquizado de referência e contrarreferência e o trabalho em equipe, o

que sinaliza a preocupação em formar profissionais que deem conta das demandas em

saúde atuais no contexto de práticas voltadas para a saúde coletiva bem como ações que

envolvam profissionais de outras áreas de atenção dentro de uma visão inter e

multidisciplinar.

Em relação às competências e habilidades específicas da formação, a UNIFOR

busca promover a formação de um profissional para uma atuação forma multi, inter e

transdisciplinar, a partir dos conhecimentos científicos básicos de natureza biopsicossocial e

ambiental vinculados à prática fisioterapêutica, reconhecendo a saúde como direito,

garantindo a integralidade da assistência fisioterapêutica. Quanto às ações próprias da

profissão o fisioterapeuta deve avaliar as alterações cinético-funcionais encontradas nos

diversos aparelhos e sistemas do corpo humano além de realizar ações fisioterapêuticas

nos três níveis de atenção à saúde, de forma humanística e global, a partir da realidade

sócio-político-econômico-cultural do ser humano. No âmbito social o profissional está apto a

participar ativamente nas instâncias de controle social, proporcionando o “bem viver”, o

saber fazer” e o “saber pleitear” os direitos da comunidade bem como atender ao cliente de

forma integral, ética e humanística, respeitando os limites da profissão, na busca da

resolutividade da disfunção do paciente diante das etapas terapêuticas (avaliação

fisioterapêutica, diagnóstico cinético-funcional, conduta fisioterapêutica, prognóstico cinético-

funcional e alta fisioterapêutica).

Nas diversas áreas de atuação profissional, o fisioterapeuta planeja estratégias

de saúde funcional nas diversas áreas de atuação da Fisioterapia, baseadas nas evidências

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científicas além de executar a prática fisioterapêutica em todos os ciclos da vida,

prevenindo, promovendo e recuperando a saúde, buscando o bem estar biopsicossocial. É

capaz ainda de exercer liderança, consultoria, auditoria e gerenciamento com

empreendedorismo nas diversas áreas de Fisioterapia e junto às entidades e serviços de

saúde, bem como executar métodos e técnicas fisioterapêuticas utilizando recursos com

habilidades e competências, observando as especificidades das disfunções cinéticas do

indivíduo.

De acordo com o Projeto Político Pedagógico da UNIFOR (2012), a formação do

fisioterapeuta baseada em competências e habilidades específicas prepara este profissional

para atuar com autonomia e segurança no processo de tomada de decisão junto à equipe

de saúde, respeitando a autonomia e competência dos outros profissionais; investigar e

elaborar pesquisas, considerando as mudanças do cotidiano, do conhecimento técnico-

científico dentro da realidade social, econômica, ambiental, cultural e política; comunicar-se

com os pacientes, familiares, membros da equipe de saúde, de modo a prestar

esclarecimentos, dirimir dúvidas, promovendo orientações acerca do processo assistencial

fisioterapêutico, usando técnicas apropriadas de comunicação.

O fisioterapeuta assim formado é capaz de, durante sua atuação profissional,

emitir laudos, pareceres, atestados e relatórios técnicos para fins de acompanhamento

fisioterapêutico; buscar as informações necessárias a partir de laudos de exames

complementares para elaboração do diagnóstico e prognóstico cinético-funcional, auxiliando

na conduta fisioterapêutica; contribuir para sua capacidade de aprendizagem contínua,

mantendo o controle dos recursos tecnológicos pertinentes à atuação fisioterapêutica,

garantindo sua qualidade e segurança; e conhecer os aspectos históricos, filosóficos e

metodológicos da Fisioterapia e seus diferentes modelos de intervenção.

A atuação do fisioterapeuta ocorre em diferentes áreas de especialização, que

são: ortopedia e traumatologia, neurologia, pediatria, cardiologia, reumatologia,

pneumologia, gerontologia, ginecologia e obstetrícia, desportiva, oncologia, dermato-

funcional (estética), ergonomia, reabilitação de queimados. Por envolver uma gama de

conhecimentos, o fisioterapeuta poderá desenvolver sua prática profissional em hospitais,

clínicas, consultórios, centros de reabilitação, unidades de saúde coletiva, na educação, no

esporte, dentre outras. Daí a necessidade de uma formação com visão interdisciplinar, além

de uma formação generalista que dê suporte a uma atuação profissional nas mais diferentes

situações da prática.

A estrutura curricular do curso de Fisioterapia da UNIFOR atualmente apresenta

um desenho direcionado a três eixos de formação do profissional que perpassam os cinco

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anos de graduação. São eles: Ser Humano e suas Relações; Cenários da Prática

profissional; Bases e Ações Técnicas Científicas da Saúde. Em cada um dos eixos há

módulos que contemplam áreas temáticas afins constituindo assim a proposta curricular do

curso. Cada módulo faz integração entre si dentro do mesmo semestre, bem como do

semestre anterior e posterior promovendo integração horizontal e vertical do processo

ensino aprendizagem.

A UNIFOR em seu Projeto Pedagógico do Curso de Fisioterapia (2012) forma o

profissional com perfil generalista, humanista, crítica e reflexiva capaz de atuar em todos os

níveis de atenção à saúde, com rigor científico e intelectual, apto a desenvolver: a

interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, com ênfase na promoção da saúde; a visão

global, respeitando os princípios éticos / bioéticos e culturais do indivíduo e da sociedade; a

capacidade para ter como objeto de estudo o movimento humano em todas as suas formas

de expressão e potencialidades, quer nas alterações patológicas, cinético-funcionais, quer

nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, objetivando a preservar, desenvolver e

restaurar a integridade de órgãos, sistemas e funções, desde a elaboração do diagnóstico

físico e funcional; a eleição e execução dos procedimentos fisioterapêuticos pertinentes a

cada situação.

Um dever do fisioterapeuta é conhecer e aplicar a ética em todos os seus

procedimentos. O Código de Ética do profissional fisioterapeuta e terapeuta ocupacional foi

aprovado pela Resolução COFFITO 10/1978. O Código de Ética representa um conjunto de

normas morais adotadas por um profissional para orientar escolhas consubstanciadas de

valores e de responsabilidade profissional. Assim, além do dever de exercer a profissão

legal e moralmente, o fisioterapeuta deve desenvolver uma consciência humana que o

permita ver no sujeito-paciente seu semelhante.

7.4.4 Estrutura Curricular do Curso de Fisioterapia da UNIFOR

O desenho curricular do curso de Fisioterapia da UNIFOR está direcionado por

três eixos de formação que perpassam os cinco anos de graduação (Ser Humano e suas

Relações, Cenários da Prática Profissional, Bases e Ações Técnicas Científicas da Saúde).

Em cada um dos eixos há módulos que aglutinam áreas temáticas afins que constituem a

proposta curricular do curso.

Cada módulo faz integração entre si dentro do mesmo semestre, assim como do

semestre ascendente com o descendente, promovendo a integração vertical e horizontal do

processo ensino-aprendizagem. A construção do currículo segue uma espiral ascendente de

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complexidade dos níveis de atenção: da atenção básica para a atenção hospitalar, do

simples para o complexo, do geral para o específico.

O “currículo em espiral” apontado no Projeto Político Pedagógico da UNIFOR

(2012), significa que parte de uma intenção e o formando movimenta-se por diferentes

níveis de sequência e continuidade e esse movimento permite um avanço tanto progressivo

quanto gradual a níveis de conhecimento mais elevados. Traldi (1977) considera que esta

estrutura curricular apesar de estática é dinamizada pelas estratégias que forem colocadas

à disposição dos formandos. É “espiral” por que apesar de uma estrutura estática, torna-se

dinâmica pelas estratégias que permite que o formando avance em ritmo e em velocidade

de acordo com seu nível de amadurecimento. Acrescenta a autora ao referir-se a

organização do currículo em espiral nas escolas:

Desta forma, conhecendo o “quê” e o “como”, isto é, o conteúdo e as estratégias cuidadosamente selecionadas em função do “para quê”, isto é, das metas que a escola, como instituição social criada para transmitir-lhes conhecimentos, educá-los e levá-los a contribuir para com a sua realização pessoal bem como para o progresso da sociedade e do mundo em que vive, será possível fazer com que o educando adquira melhor domínio do conhecimento a ser adquirido, aprendendo os aspectos essenciais da matéria a ser estudada, fazendo melhor utilização dos conhecimentos adquiridos em situações novas e imprevistas, e oferecendo novos estímulos para novos descobrimentos desse domínio (TRALDI, 1977, P.213/214).

A inserção do aluno se dá desde o início do curso em sua prática profissional.

Essa inserção será realizada a partir de aproximações sucessivas às atividades práticas,

possibilitando a execução de tarefas de complexidade e responsabilidade crescente (PPP –

UNIFOR).

De acordo com o Projeto Político Pedagógico do Curso de Fisioterapia da

UNIFOR (2012), cada módulo procura apresentar eixos integrativos do raciocínio do campo

de atuação da Fisioterapia com as necessidades de saúde dos indivíduos. Os três eixos

propostos, articulam-se orientados pela formação de profissionais fisioterapeutas

preparados para atuar adequadamente frente às necessidades da sociedade, capazes de

identificar sua história e seus determinantes e, acima de tudo, de se comprometerem

socialmente com esses indivíduos, atuando para a melhoria de suas condições de saúde e

de vida.

Observamos a proposta de ensino de Fisioterapia por módulos cuja proposição

curricular visa “liberar, o quanto possível, o trabalho do professor e dos alunos pela

flexibilidade e individualização de sua utilização”. Para tanto há a necessidade de um bom

planejamento do conteúdo programático assim como a boa definição de seus objetivos.

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Sendo o ensino do curso de Fisioterapia da UNIFOR por competências, tal escolha de

organização curricular justifica-se. Segundo Traldi (1977, p.214):

(...) muitos classificam esse tipo de organização curricular como a do ensino por competência, porque nela, como facilmente se observa, a estratégia utilizada é a de se organizar sistemática e logicamente o ensino/ aprendizagem, com recursos e materiais adequados, níveis de dificuldades crescentes, objetivos claros para o aluno, fazendo com que ele cresça a seu ritmo próprio sem experimentar frustrações ou fracassos e caminhando com segurança na assimilação dos conteúdos previamente estabelecidos.

Traldi (1977) acrescenta ainda que os pressupostos básicos dos módulos de

ensino para competências são:

1. A aquisição de conhecimentos e/ou habilidades é mantida constante,

enquanto o tempo varia conforme as possibilidades, condições e/ou

capacidades do aluno;

2. A ênfase é colocada na saída;

3. O professor deve dizer claramente ao aluno o que quer e onde quer chegar;

4. O módulo de ensino é relativo ao critério mais ensino individualizado, em que

o aluno cumprirá ao máximo sozinho, uma série de atividades com um

mínimo de auxílio externo.

Os módulos ofertados no primeiro ano do curso de Fisioterapia da Universidade

de Fortaleza – UNIFOR apresentam um núcleo comum a oito cursos do Centro de Ciências

da Saúde – CCS, distribuído em seis módulos. Nos núcleos comuns, os estudantes se

organizam em turmas mistas, objetivando-se um maior conhecimento entre as diferentes

profissões e um preparo para o futuro trabalho em equipe (UNIFOR, PPP, 2012).

No 1º semestre tem-se como propósito inserir o estudante na Universidade, no

curso de Fisioterapia da UNIFOR, na dinâmica social das comunidades e aproximá-lo dos

diferentes cenários de práticas, que serão parte importante e ativa na construção do seu

conhecimento com os módulos Vivências Integradas em Fisioterapia I e Universidade,

Saúde e Sociedade. Nos módulos Dinâmica Celular e Sistema Reguladores serão

construídos o conhecimento sobre os fundamentos morfofuncionais do ser humano e sua

relação com o meio ambiente.

No 2º semestre, os módulos Ambiente e Hereditariedade e Sistemas de Defesa

dão continuidade à aprendizagem dos fundamentos morfofuncionais. Nos módulos

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Vivências Integradas em Fisioterapia II e Diversidade Humana e Saúde Coletiva serão

fortalecidas a comunicação paciente-fisioterapeuta e a dinâmica biopsicossocial.

No 3º semestre iniciam-se os módulos Análise da Postura e do Movimento

Humano e Recursos e Habilidades Fisioterapêuticas, que se repetem no 4º e no 5º

semestres, e o módulo I de Pesquisa e Ações Integradas em Saúde, que é uma sequência

dos módulos Universidade, Saúde e Sociedade e Diversidade Humana e Saúde Coletiva, do

primeiro ano do Curso, dando continuidade ao eixo Ser humano e suas relações, se

repetindo até o 8º semestre.

Em Pesquisa e Ações Integradas em Saúde, o aluno desenvolve atividades junto

à comunidade, havendo uma inter-relação entre os demais módulos do mesmo semestre.

Suas atividades vão variar em cada semestre, de acordo com o conhecimento construído

nas aulas. A interação com a comunidade ocorre em procedimentos na unidade, em

atividades de grupo nos diversos cenários sociais (escolas, creches, asilos, associações,

ONG, fábricas) e em visitas domiciliares.

Os três módulos de Análise da Postura e do Movimento Humano dão

seguimento aos quatro módulos (Dinâmica Celular, Sistema Reguladores, Ambiente e

Hereditariedade, Sistemas de Defesa) do eixo Bases e Ações Técnico-Científicas da Saúde,

aprofundando os conhecimentos da análise anátomofuncional, cinesiológica e biomecânica

do movimento humano, com ênfase nos elementos da unidade motora, biomecânica,

cinemática e cinética. O aluno terá oportunidade de estudar o movimento e a postura

humana e os aspectos correlacionados no contexto das atividades cotidianas, laborais e

esportivas, com relação aos seus componentes topográficos, funcionais, de avaliação e

imagem na elaboração do diagnóstico cinesiológico funcional.

Nos módulos de Recursos e Habilidades Fisioterapêuticas encontra-se um

espaço para o desenvolvimento de habilidades psicomotoras, cognitivas e atitudinais em

situações simuladas, representando o cenário real e em prática real. Serão construídos

conhecimentos teóricos e práticos das técnicas e recursos manuais, físicos e equipamentos

utilizados na prática do profissional do fisioterapeuta, abrangendo terapias manuais,

cinesioterapia, hidroterapia, exercícios respiratórios, termofototerapia e eletroterapia, com

compreensão dos princípios biofísicos envolvidos, assim como os aspectos clínicos e os

efeitos fisiológicos destes sobre tecidos e sistemas, desenvolvendo as habilidades

fisioterapêuticas técnicas e cognitivas para a seleção destes recursos manuais e físicos, de

acordo com as fases de recuperação e faixa etária.

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A partir do sexto semestre do Curso, dois módulos se repetem em cada

semestre até o oitavo: Fisioterapia na Saúde Funcional da Criança e do Adolescente e

Fisioterapia na Saúde Funcional do Adulto e do Idoso, que apresentam no eixo horizontal

uma integração entre si com os sistemas estudados no primeiro ano do Curso e com os

conhecimentos construídos nos módulos Análise da Postura e do Movimento Humano I, II e

III e Habilidades Fisioterapêuticas I, II e III e no eixo vertical, de acordo com a complexidade

do perfil do paciente e dos cenários de prática.

Nesses módulos, são observados aspectos integrativos e complementares das

áreas do conhecimento, e o foco continua sendo o ser humano como um todo,

biopsicossocial, e não um somatório de sistemas ou disfunções. Será dada ênfase ao

desenvolvimento de habilidades e competências específicas dentro da visão da assistência

fisioterapêutica.

Observamos a preocupação, registrada no Projeto Pedagógico, da compreensão

do sujeito-paciente enquanto ser biopsicossocial, o que revela a necessidade do olhar mais

atento as questões que extrapolam a esfera física, o conhecido, o palpável, o biológico, a

patologia, para um nível de entendimento fruto de uma reflexão crítica acerca da realidade

de vida desse sujeito-paciente e mais amplamente da realidade do contexto da saúde.

No módulo Fisioterapia na Saúde Funcional do Adulto e do Idoso I, o aluno, com

o conhecimento dos módulos anteriores, aprofundará sua habilidade na avaliação,

planejamento e intervenções fisioterapêuticas para adultos e idosos em atendimento

ambulatorial, a partir dos conhecimentos das afecções e alterações neurológicas,

ortopédicas, traumatológicas e reumatológicas (UNIFOR, PPP, 2012).

No módulo Fisioterapia na Saúde Funcional do Adulto e do Idoso II, mantém-se

a progressão relacionada à avaliação e a intervenções fisioterapêuticas, porém terá como

cenário de prática o ambiente hospitalar e aquático, com foco na saúde funcional do adulto e

do idoso em situação clínica e cirúrgica de origem neurológica, traumatológica, ortopédica,

reumatológica e tegumentar (UNIFOR, PPP, 2012).

O III módulo em Fisioterapia na Saúde Funcional do Adulto e do Idoso é

caracterizado pela inserção do acadêmico de Fisioterapia em atividades consideradas de

alta complexidade, necessárias para a formação do fisioterapeuta generalista que atuará na

assistência ao paciente crítico adulto e idoso, em unidade de terapia intensiva e no pós-

operatório de cirurgia torácica (UNIFOR, PPP, 2012).

Os módulos de Fisioterapia na Saúde Funcional da Criança e do Adolescente I e

II propiciam o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes relativas à saúde

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funcional da criança e do adolescente, considerando os aspectos neuropsicomotores, a

avaliação fisioterapêutica, o diagnóstico e o prognóstico cinesiológico funcional, as ações

educativas, as doenças e os agravos clínicos e cirúrgicos no âmbito ambulatorial (módulo I)

e hospitalar (módulo II) (UNIFOR, PPP, 2012).

No penúltimo ano do Curso, inicia-se o estudo da saúde funcional da mulher e

do homem com os módulos: Fisioterapia na Saúde Funcional da Mulher e do Homem I e II.

O módulo I mantém a integração relacionada aos aspectos de anatomofisiologia do

assoalho pélvico, disfunções e afecções ginecológicas, uroginecológicas e do sistema

linfático, propicia o desenvolvimento de habilidades na avaliação do assoalho pélvico e das

disfunções dermato-funcionais faciais e corporais e a habilidade de promover assistência

fisioterapêutica ginecológica, uroginecológica e dermato-funcional e na saúde funcional do

homem (UNIFOR, PPP, 2012).

No segundo módulo, as discussões se intensificam com foco nas alterações do

ciclo grávidopuerperal e do climatério, a avaliação funcional e a assistência fisioterapêutica

obstétrica e ginecológica na atenção integral à saúde da mulher (UNIFOR, PPP, 2012).

Ao final do quarto ano do Curso, o acadêmico de Fisioterapia, pautado em uma

formação ética e humanística, deve ter a compreensão dos aspectos biopsicossociais do ser

humano e a integração do processo saúde e doença, estando aptos a cursar os Estágios

Supervisionados em Fisioterapia I, II e III, nos 8º, 9º e 10º semestres, respectivamente

(UNIFOR, PPP, 2012).

Os estágios são caracterizados por treinamento supervisionado em serviço, com

aspectos essenciais nas áreas de Fisioterapia Traumato-ortopédica e Reumatológica,

Fisioterapia Neurofuncional, Fisioterapia Gerontológica, Fisioterapia em Saúde do

Trabalhador, Fisioterapia na Saúde da Mulher e do Homem, Fisioterapia Cardiovascular e

Respiratória, Fisioterapia Pediátrica e Saúde Coletiva, devendo incluir atividades nos

diversos níveis de atuação (ambulatorial, hospitalar, comunitário), de complexidade e de

faixas etárias (UNIFOR, PPP, 2012).

Serão respeitadas as normas de supervisão de estágio de no máximo seis

alunos por turma, de acordo com as recomendações do Conselho de Fisioterapia e Terapia

Ocupacional (COFFITO) e do Parecer/Resolução específico da Câmara de Educação

Superior do Conselho Nacional de Educação (CNS/CES) (UNIFOR, PPP, 2012).

Iniciando no oitavo e concluindo no último semestre do Curso, seguindo as

Diretrizes Nacionais, o estudante deverá elaborar o Trabalho de Conclusão de Curso – TCC,

utilizando as experiências adquiridas nos módulos anteriores. O aprendizado da pesquisa no

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currículo integrado do curso de Fisioterapia da Universidade de Fortaleza ocorre em todos

os módulos, nas atividades complementares e, principalmente, nos módulos de Pesquisa e

Ações Integradas em Saúde, que permeiam toda a matriz curricular. Neste percurso, várias

habilidades em pesquisa são exercitadas, como: definir problemas, elaborar hipóteses,

descrever justificativas, definir objetivos, construir instrumentos, conhecer os tipos de

estudo, organizar gráficos e tabelas, utilizar a estatística, discutir dados, analisar um artigo

científico e elaborar um projeto de pesquisa (UNIFOR, PPP, 2012).

Assim, à luz da organização curricular de Traldi (1977), podemos concluir que o

currículo do curso de Fisioterapia da UNIFOR segundo sua descrição e desenho

estabelecido pelo Projeto Pedagógico, é por competência, ou seja, requer ação. É saber

fazer sozinho e esta ação não é necessariamente motora, é também atitude. Esse currículo

apresenta-se com enfoque no conteúdo apresentando disciplinas integradas distribuídas em

módulos de ensino, tudo ocorrendo dentro de uma dinâmica, de um processo lógico e

sistemático de desenvolvimento no qual o formando aprenda por si. Esse currículo estrutura-

se em espiral, estático e dinâmico ao mesmo tempo, pois ao ser intencionalidade permite

que sujeitos “produzidos” por ele movimentem-se, experimentem diferentes possibilidades.

Desta forma, o currículo é produtor e produto ao estabelecer com a sociedade

uma responsabilidade de formar sujeitos para responderem a sua demanda, ao mesmo

tempo em que o campo de atuação nessa mesma sociedade vai determinando o perfil do

profissional formado por esse currículo. É um ir e vir. Dialética que ocorre. Por que não dizer

que há uma práxis? Teoria (currículo prescritivo) e prática (currículo em ação) que num

movimento dialético transformam e são transformadas.

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8 RESULTADOS DA ENTREVISTA REFLEXIVA: A REALIDADE DA ATUAÇÃO

PROFISSIONAL EM FISIOTERAPIA E O CONFRONTO ENTRE FORMAÇÃO E

COTIDIANO DA PRÁTICA.

Este capitulo tem por objetivo refletir sobre a prática do profissional fisioterapeuta

e a percepção de integralidade do sujeito-paciente a partir da relação dialógica estabelecida

no contexto do atendimento clinico. Para tanto, realizamos uma pesquisa de abordagem

qualitativa do tipo fenomenológica. Como instrumento de coleta de dados, utilizamos a

técnica de entrevista reflexiva com oito fisioterapeutas egressos da UNIFOR que atuam na

prática clínica. Os sujeitos estão assim apresentados: F1, F2, F3, F4, F5, F6, F7, F8.

Como dito anteriormente, o caminho percorrido para análise dos dados

coletados foi uma adequação da técnica de análise de conteúdo de Bardin, tal procedimento

exigiu uma leitura exaustiva e redução das falas dos entrevistados, com o objetivo de

organizá-las em unidades de significados, identificadas por eixos e por fim, em categorias, o

que facilitou a análise e o entendimento das mensagens. Importante ressaltar que no

momento de organização dos dados coletados para um melhor entendimento e apreciação

dos mesmos, enquanto pesquisadoras exercemos o pressuposto fenomenológico ao

estabelecer os eixos.

As categorias apresentadas a seguir foram construídas à posteriori e foram

oriundas da imersão no empírico. E ainda, tanto os eixos quanto as categorias foram

construídos mantendo a fidelidade às ideias expressadas pelos sujeitos, resultando na

construção do quadro apresentado a seguir.

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QUADRO 7 – Unidades de significados, eixos e categorias gerais.

UNIDADES DE SIGNIFICADOS EIXOS CATEGORIAS GERAIS

- Experiência como ponto de partida para as ações da prática profissional;

- Significados atribuídos à prática clínica;

- Modelo biomédico de formação; - Formação pautada no tecnicismo; - Currículo prescritivo não prepara

para lidar com aspectos subjetivos; - Formação continuada; - Realização profissional.

Prática profissional em Fisioterapia

- Relação fisioterapeuta/ sujeito-paciente;

- Racionalidade técnica no currículo

- Mecanicismo - Dicotomia corpo/mente - Saberes da experiência - Sobrevivência - Categoria profissional

- Limites e possibilidades do diálogo durante o atendimento clínico;

- A importância do vínculo; - O amadurecimento e a objetividade

na comunicação; - O sucesso no tratamento a partir de

uma empatia inicial.

Relação dialógica no contexto da prática

clínica em Fisioterapia

- Diálogo - Empatia - Vínculo - Somatização

- Compreensão das dimensões funcional, psicológica, afetiva, social e religiosa do sujeito-paciente;

- Visão do paciente de forma humanizada;

- Compreensão holística.

Dimensões biopsicossocial e

religiosa do sujeito-paciente

- Integralidade do sujeito-paciente;

- Humanização

Fonte: dados trabalhados pela pesquisadora (2015).

Organizamos durante a segunda fase, as categorias e sua descrição analítica.

Para tanto foi necessária a identificação das sínteses, convergências e divergências de

ideias que estivessem ligadas ou não ao referencial teórico deste estudo. Assim, um novo

quadro foi construído, mantendo-se os eixos temáticos que desde o primeiro momento

nortearam as ideias e as mensagens, porém sintetizando as categorias (de gerais para

específicas), que a partir de então embasaram a análise dos dados desta investigação.

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QUADRO 8 – Unidades de significado, eixos e categorias específicas.

UNIDADES DE SIGNIFICADOS EIXOS CATEGORIAS ESPECÍFICAS

- Currículo prescritivo não prepara para lidar com aspectos subjetivos

- Modelo biomédico de formação - Formação pautada no tecnicismo - Experiência como ponto de partida

para as ações da prática profissional - Formação continuada - Significados atribuídos à prática

clínica

Prática profissional em Fisioterapia

- Racionalidade técnica - Saberes da experiência

- Limites e possibilidades do diálogo durante o atendimento clínico

- A importância do vinculo - O amadurecimento e a objetividade

na comunicação - O sucesso no tratamento a partir de

uma empatia inicial

Relação dialógica no contexto da

prática clinica em Fisioterapia

Diálogo Vinculo

- Compreensão das dimensões funcional, psicológica, afetiva, social e religiosa do sujeito-paciente

- Visão do paciente de forma humanizada

- Compreensão holística

Dimensões biopsicossocial e

religiosa do sujeito-paciente

Integralidade do sujeito-paciente;

Humanização

Fonte: dados trabalhados pela pesquisadora (2015).

Optamos por aprofundar nossa análise a partir das categorias específicas

encontradas nesse estudo, extraídas dos discursos dos sujeitos. Apresentamos a seguir os

resultados, organizados em três eixos, a saber: prática profissional; relação dialógica; e,

integralidade, conforme as mensagens dos sujeitos.

I – EIXO: Prática Profissional em Fisioterapia

O primeiro eixo constitui o contexto da prática do profissional em Fisioterapia. O

âmbito da prática do fisioterapeuta nos remete ao currículo em ação11 onde observamos o

cotidiano do fazer profissional. Nesse momento percebe-se formação e ação num

movimento dialético, onde profissionais efetivam o aprendido através do currículo prescrito12

e a demanda da prática, ou seja, o escrito e o vivido de maneira real. Segundo Pimenta;

Anastasiou (2002, p. 182): “A realidade e as práticas são sociais, construídas, recriadas

individualmente e coletivamente. Na educação, a prática se constitui por meio da

11 O currículo em ação perfaz-se o currículo real que emerge no cotidiano de formação profissional/educacional a

partir do que é de fato efetivado 12 O currículo prescrito caracteriza-se como currículo oficial, regulamentado pela esfera político-administrativa responsável por uma estrutura organizacional escolar, ou seja, relaciona-se aos aspectos formais.

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continuidade proporcionada pelo diálogo entre as ações presentes e passadas dos

indivíduos. A prática gera prática”.

É durante a prática que o fisioterapeuta vivencia o contato com o mundo da

profissão e seus significados. É nesse contexto que a relação com o paciente acontece.

Constatou-se aqui que os sujeitos ao falarem sobre a prática da profissão se remetiam a sua

formação no sentido de afirmarem que a demanda exige ações especificas que a formação

não deu conta. São aspectos subjetivos (relacionais) que o currículo formal não contemplou

e que só emergiram quando do contato com o paciente.

Percebemos ao longo dos depoimentos que os sujeitos se referiam à sua prática

como um momento de realização ou até de adequação de técnicas. E ainda ao abordarem

suas experiências enquanto fisioterapeutas lembravam-se de sua formação no sentido de

justificarem tal enfoque cujo conteúdo do ensino é embasado em conhecimentos científicos

e tem por finalidade a transmissão de conhecimentos produzidos pela pesquisa científica.

A relação terapeuta/paciente é uma relação delicada e que não fomos preparados para isso. Não fui formada para isso. Não tive uma formação específica. Na realidade quando muito você tem algumas disciplinas que te sensibilizam. A minha formação foi muito voltada para a parte técnica e você enquanto aluno começa a valorizar a parte técnica. F1 A prática tem uma dimensão muito grande para nós que somos fisioterapeutas e viemos de uma formação extremamente tecnicista. F3 A minha formação foi voltada mais pro pragmático. Foi mais tecnicista que humanista, com certeza. F6

Remetemo-nos, portanto à concepção de racionalidade que segundo Giroux

(1986), representa um conjunto específico de pressupostos e práticas dentro de um contexto

social que estabelecem a relação entre o micro (indivíduo ou grupo) e o macro (sociedade),

trazendo consigo um conjunto de interesses que orientam a maneira o mundo é visto e

compreendido.

Lira (2010), ao basear-se na teoria crítica de Giroux, aponta que os modelos

educacionais surgem permeados de três racionalidades, a saber: técnica, hermenêutica e

emancipatória. Segundo o autor, a racionalidade técnica considera as dimensões

controláveis assim como a perspectiva de certificação, caracterizando-se por validação

empírica; pretensão de neutralidade dos valores; lógica linear dos processos; possibilidade

de prognóstico do processo educativo. Assim a racionalidade técnica presente na formação

conduz a práticas também que priorizam a técnica como afirma F5:

A minha pratica clinica é voltada para o tratamento de dores físicas, dores

articulares na coluna. Trabalho com técnicas ditas globais que não

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envolvem o psicológico. Durante a minha prática eu converso muito com

pacientes e identifico muitos problemas sociais e familiares, porém as

minhas técnicas, o meu atendimento é cem por cento tratamento físico me

volto a tratar aquela dor que o paciente apresenta no corpo. Muitas vezes

indico um psicólogo, alguém habilitado para trabalhar com esses outros

problemas apesar de muita conversa e de entender que existem outros

problemas associados, meu trabalho é puramente físico, cem por cento das

minhas técnicas são voltadas para reabilitação do corpo. F5

Percebemos aqui a presença do modelo biomédico de formação presente no

curso de Fisioterapia. Tal modelo de formação valoriza a dicotomia corpo/mente,

fragmentando assim o corpo e situando o olhar para tratamento de partes específicas. O

modelo biomédico encontra-se firmemente assente no pensamento cartesiano ao relacionar

ainda o corpo do paciente com uma máquina. Pensamos que ao concentrar o olhar em

partes cada vez menores, perde-se a visão do sujeito-paciente como um todo, ou até

mesmo enquanto ser humano.

A gente via pedaços do corpo, é uma dor no ombro, é uma dor no joelho. A gente sempre via como um corpo talvez desprovido de sentimento, mas com presença de dor, de limitação. A gente botava o foco mesmo pra esse tipo de reabilitação de uma parte do corpo como se fosse separado do emocional do paciente, do ser mesmo. A gente trabalha muito pedaços de corpos e foi pra isso que a gente foi treinado, na verdade foi formado. F5 A formação que eu tive sempre me dirigiu pra um olhar muito em cima de uma patologia especifica. Um joelho doente, uma coluna doente, um ombro doente. F7

Portanto, em se tratando de modelo biomédico, tanto o sofrimento quanto o

adoecimento são aspectos pouco explorados, uma vez que tal modelo e consequentemente

sua forma de abordagem terapêutica reduzem o humano a parte doente, ou seja, o mais

importante é a doença e não o todo. Assim, Cutolo (2006), aponta que ao comparar o

homem a uma máquina, tendo a definição de saúde enquanto ausência de doença e

voltando-se para a fragmentação do humano, perde-se a visão holística do homem, suas

dimensões psicológicas e sociais, voltando a atenção para a doença e sua cura.

O modelo biomédico tem se caracterizado pela explicação unicausal da doença, pelo biologicismo, fragmentação, mecanicismo, nosocentrismo, recuperação e reabilitação, tecnicismo, especialização (CUTOLO, 2006, p.16)

A prática mostrou uma realidade além daquela abordada durante a formação, o

que levou profissionais a ressignificarem suas ações a partir de formações continuadas e

saberes que são acumulados com a experiência profissional. Diante disto, concordamos

com Pimenta; Lima (2004) quando afirmam que a “dinâmica de formação contínua

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pressupõe um movimento dialético, de criação constante do conhecimento, do novo, a partir

da superação (negação e incorporação) do já conhecido”.

Enquanto aluna eu me vi durante uma formação inteira sabendo o que precisávamos aprender o que era necessário para melhorar a condição de dor a amplitude articular caminhada equilíbrio e coordenação enfim todas as questões que eram voltadas, o que era relacionado a sua condição física. (...) por causa de um instinto de curiosidade ou de necessidade de algo mais, a vida foi me levando por alguns caminhos onde eu entendia que eu precisava conhecer um pouquinho mais aquele individuo que não era só um paciente ele era uma pessoa (...) o que me levou a uma trajetória onde a minha formação deixou de ser só na Fisioterapia, pois não existia essa possibilidade de fazer um tratamento e cuidar só das suas limitações físicas e que ele precisava de outro suporte que era exatamente estabelecido através dessa minha relação com ele. F3 Hoje com a minha formação de mais de dez anos eu consigo ter uma relação maior com o paciente. Hoje eu sinto que eu conheço mais o corpo humano e por isso eu mostro mais segurança, eu sinto hoje o paciente se mostra mais, se entrega mais, por eu ter esse acumulo de experiência nesses anos. F5 A prática clínica em Fisioterapia é um momento de grande crescimento pra mim por que eu atendendo aquele paciente idoso queira ou não queira eu me transporto para um dia estar naquele papel de paciente, de idoso e trabalhar dentro do possível a sensibilidade de saber lidar com ele. F7

Ao relatar sobre sua prática profissional, F3 mencionou o movimento que existe

entre a realidade do fazer da profissão e a bagagem teórica advinda da formação. Sua fala

nos remeteu ao movimento dialético presente entre teoria e prática e ainda ao papel da

teoria na epistemologia da prática, o qual proporciona condições de análise dessa mesma

realidade para que se possam compreender os aspectos relativos à sua prática, assim como

seus determinantes, o que se configura, a nosso ver, essencial. Assim, à luz da teoria é

possível desvelar o real a partir de subsídios para sua análise. Portanto, o papel da teoria é

oferecer perspectivas de análise de contextos sejam eles, históricos, sociais, culturais e

também àqueles próprios referentes ao como e onde se dá a efetivação do fazer profissional

em Fisioterapia.

Muitas coisas que a gente percebe no dia a dia em contato com essa relação sujeito-paciente elas vão se agregando aquilo que a gente traz da teoria então essa percepção de quem é essa pessoa que a pessoa necessita, o que a pessoa precisa é algo que não vem na teoria que a gente começa a perceber a partir da fala, da escuta que a gente faz a partir dessa relação então os saberes da experiência vão se agregar a prática e a partir do momento que a gente amadurece a escuta e a leitura que gente faz dessa escuta, esse pedido que muitas vezes é um pedido de ajuda que é uma saúde mental, emocional e que às vezes o trabalho que a gente faz ajuda a condição da alma. F3

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Entre os sujeitos entrevistados, apenas um se reportou à realidade da

Fisioterapia enquanto categoria profissional. Seu sentimento de que a profissão não recebe

a valoração que necessita ficou muito claro no seu depoimento. Expressou ainda a

“subserviência” de fisioterapeutas a determinações de empresários de clínicas que não

garantem o salário desses profissionais em relação ao número de horas trabalhadas.

A nossa profissão ficou muito aquém da importância dela. Eu vejo que a Fisioterapia hoje não tem uma perspectiva, talvez com nossos egressos com uma luta muito grande, mas infelizmente nossa categoria talvez pelo que ela lutou ela ganhou muito pouco do que ela deveria. Eu não vejo esse profissional com boa perspectiva. F2

Este depoimento em especial nos chamou atenção e nos fez pensar acerca da

condição real de trabalho de muitos profissionais da Fisioterapia. Tal reivindicação é para

nós extremamente válida. Porém vale refletir sobre o papel do fisioterapeuta e seu campo

de atuação. É necessário fazer valer o reconhecimento e aqui abrimos para um

questionamento sobre que atuação este profissional desempenha que o faz importante e

organizado em categoria de classe que luta por seus direitos e garantias? Embora com o

advento do SUS que no campo paradigmático vem reorientando as práticas de atenção à

saúde, a Fisioterapia ainda concentra a grande maioria das suas ações na recuperação da

saúde dos indivíduos, ou seja, na reabilitação.

Acreditamos que a Fisioterapia não se resume ao campo de atenção terciária.

Apesar de somente a partir da década de 1980 a formação em Fisioterapia ter incorporado a

promoção à saúde e a prevenção de agravos, e assim redefinido seu objeto de trabalho.

Vale ressaltar que o que se espera é que esse profissional esteja apto a atuar nos diferentes

níveis de atenção. Devemos (e aqui me incluo), romper com essa concepção de reabilitação

enraizada nas nossas atuações e depoimentos advinda da própria história do surgimento da

Fisioterapia e também da cultura criada e recriada a partir das práticas da profissão.

Retomando a prática enquanto momento de contato com o sujeito-paciente e

pontuando a relação dialógica que ali acontece, a integralidade surge como aspecto também

importante em atuações que não se restrinjam a atendimentos dos já doentes. Ao promover

a saúde ou ao prevenir agravos, o fisioterapeuta aborda condições de saúde-doença

relacionadas ao contexto de vida daqueles que buscam atenção e cuidado, caracterizado

por Neves e Aciole (2010), enquanto uma compreensão filosófica e também uma atitude

prática em relação ao sentido de uma ação integral, pautada na construção de projetos

terapêuticos onde a relação profissional-paciente é dialógica, buscando ainda um tratamento

que seja relevante e possível de ser viabilizado, além de compreender o indivíduo no âmbito

familiar e no contexto social no qual está inserido.

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II – EIXO: Relação Dialógica no Contexto da Prática Clínica em Fisioterapia

O diálogo no contexto da prática em Fisioterapia surge como facilitador de uma

compreensão do outro para além da condição clínica. Percebemos que o romper com a

distância compreendida entre a situação clínica e a condição de sujeito do paciente

requisitou atitudes advindas de um conhecimento que perpassa ambiente acadêmico. É no

dia a dia da profissão que o contato com o paciente acontece e com ele toda história de vida

desse sujeito-paciente e sua posição e relação no mundo.

O diálogo é um dos eixos principais e fundantes da teoria de Paulo Freire. De

acordo com Almeida (2008), diálogo em Freire é “nascido na prática da liberdade, enraizado

na existência, comprometido com a vida que se historiciza no seu contexto”. Para Paulo

Freire, o diálogo é tratado como fenômeno humano. Segundo o autor: “se nos revela como

algo que já poderemos dizer ser ele mesmo: a palavra. Mas, ao encontrarmos a palavra, na

análise do diálogo, como algo mais que um meio para que ele se faça, se nos impõe buscar,

também seus elementos constitutivos” (FREIRE, 2005, p.89).

Almeida (2008) acrescenta que não há palavra que não seja práxis, ou que não

surja dela. Na dialogicidade estão sempre presentes as dimensões da ação e da reflexão,

pois ao pronunciarmos o mundo mostramos que humanamente existimos e, se existimos,

agimos e modificamos o mundo dado.

A Fisioterapia apresenta uma vantagem enquanto promotora de conhecimento

desse sujeito-paciente por ser uma profissão que permite na maioria das vezes, muitos

encontros e um tempo prolongado de terapia. O diálogo aqui é estabelecido evidenciando a

necessidade de aproximar-se com o outro e perceber o olhar que este sujeito tem em

relação à sua vida e seu mundo. Considerar tal momento perfaz um conhecimento conforme

expressado em falas anteriores, para além da formação acadêmica. É no ambiente da

prática que a intersubjetividade acontece. De acordo com Subtil et al., (2011):

Nesse panorama, o desenvolvimento do relacionamento entre fisioterapeuta e paciente apresenta-se como algo natural e muito provável de acontecer entre essas partes, visto que o tratamento em questão apresenta fatores favoráveis ao surgimento de um relacionamento interpessoal, tais como: longo período de convivência, estímulos táteis prolongados e comunicação verbal em boa parte do atendimento fisioterapêutico (p. 747).

Sabemos, no entanto que a relação estabelecida entre fisioterapeuta e sujeito-

paciente perfaz-se fator fundamental para o sucesso da reabilitação. É peça-chave para a

continuidade do tratamento e ainda que a relação que se constrói entre esses sujeitos, um

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na posição de quem trata e o outro na de quem é tratado, deve ser permeada por respeito,

empatia, carinho atenção e capacidade de escuta.

De acordo com Freire (2005), o mundo humano, cultural e histórico, é postulado

como um mundo de comunicabilidade tendo como característica principal a

intercomunicação ou a intersubjetividade. Trata-se, então de uma comunicabilidade

relacional dialógica que implica numa “reciprocidade que não pode ser rompida” (p.67), uma

vez que não há nesta relação sujeitos passivos.

Antes havia uma barreira eu não conseguia me comunicar muito bem. A minha forma de abordar o paciente depois de toda a minha vivência e meu diálogo, é uma forma mais madura e objetiva. Então essa forma de ter um diálogo com ele eu vejo que amadureceu muito. F2 Na minha experiência ao tratar gestantes, vi que nenhum paciente deve ser tratado como outro. Uma gestante nunca é igual a outra porque traz consigo toda uma história de vida e muitas vezes eu tinha que parar o atendimento e sentar pra ouvi-la. Pra ouvir qual o problema dela, o que ela tava trazendo de casa, o que tava incomodando. Às vezes o paciente chega pra você com um histórico de muita dor e não sabe de onde é que vem e na verdade o que ele precisa é de ser escutado, de ser acarinhado com palavra. E eu já tive bons resultados. Já tratei uma paciente com síndrome do pânico e eu percebi que a grande necessidade dela era conversar, dialogar. F6 Então antes desse paciente fazer um exercício ele é questionado sobre como ele passou a noite, como ele está, qual a necessidade dele naquele momento e a partir daí eu consigo entender que a gente consegue estabelecer um vinculo de mais maturidade pra que essa dialógica possa começar a existir e esse papel de profissional que passa a ser um profissional que escuta, um paciente sujeito que pode falar dentro de um espaço que pode ter um diálogo quer dizer eu falo, alguém responde, alguém fala, eu respondo, ouvindo e trazendo respostas e dúvidas que tem espaço pra isso que favorece a terapêutica física porque a gente sabe que físico sem mente não funciona. F3

O diálogo perfaz-se uma exigência existencial. É encontro entre aqueles que ao

pronunciarem o mundo podem transformá-lo. Assim, quando não há um diálogo verdadeiro,

não há encontro, amorosidade e respeito. De acordo com Freire:

O diálogo é este encontro dos homens, imediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu. Esta é a razão porque não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados deste direito” (Freire, 2005, p. 91).

O diálogo por sua vez promove o aparecimento de uma característica tão

necessária e ao mesmo tempo tão presente entre os profissionais da Fisioterapia: o vinculo,

caracterizado como uma forma de se relacionar com o outro na perspectiva de manter-se

ligado seja emocional ou comportamentalmente. O vinculo afetivo apresenta-se aqui na

relação fisioterapeuta/sujeito-paciente como uma expressão de segurança e apoio no

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momento de fragilidade quanto a situação de saúde ora enfrentada. Para que seja

estabelecido, o vinculo exige tempo, doação e muitas vezes resoluções de dificuldades por

parte daquele que trata, nesta pesquisa, o profissional fisioterapeuta. De acordo com

Berenstein (2004), vínculo é definido como uma ligação estável entre dois sujeitos, que leva

a privilegiar e dar status à presença do outro real como produtor contínuo de subjetividade.

Tal condição perfaz-se imprescindível para que os objetivos funcionais do tratamento sejam

atingidos.

Às vezes você tem um profissional que tecnicamente não é tão bom, mas tem uma capacidade de relacionamento com o paciente, uma conquista do paciente que faz toda a diferença e o paciente não quer aquele terapeuta e sim o outro, pois ele cria um vinculo, mas se tem que ter cuidado para que esse vínculo não rompa a barreira terapeuta/paciente, mas ao mesmo tempo é um vinculo de respeito de amizade de responsabilidade e com jovens muito imaturos é difícil trabalhar, formar a criatura durante um curso de cinco anos para isso, logo você tem que formá-lo tecnicamente bem. Se você vai tratar alguém que goste de você, que lhe respeita que reconhece você como um profissional cuidadoso que tem contato com você aí seu objetivo é alcançado mais facilmente e mais rapidamente. F1 Em todos os momentos se estabelece vinculo com o paciente. Desde o primeiro momento quando entra para avaliação no toque de mão se nota se a pressão está mais baixa, se tá com medo, se tá com medo da consulta. Alguns têm medo só em estar perto de profissionais da área da saúde. Então ai a gente já vai direcionando, já vai vendo também até que ponto a gente pode entrar um pouco na vida do paciente, na parte emotiva, ou não. O próprio paciente estabelece esse limite ao profissional. F4 Quando consigo mudar estilos de vida, hábitos, pensamentos, conceitos e quando necessário encaminho para psicólogo, nutricionista, educador físico, outros especialistas, acaba que quando o paciente percebe que você cuida realmente dele e tem toda essa atenção então se gera um vinculo que é pra vida toda. F8

Vamos criando laços desde o primeiro momento. Então há esse vinculo e a

gente procura compreender esse paciente e todo o contexto em que ele

vive e ai você vai desenvolvendo suas relações com ele e procurando

atender dentro do possível, as suas necessidades. F7

Percebemos que a relação é descrita como uma amizade com características

profissionais, com a formação de forte vínculo. Vale ressaltar que algumas falas abordaram

o cuidado de se estabelecer um limite acerca desse relacionamento, ou seja, que o mesmo

não deve ultrapassar a “barreira profissional”. Consideramos, no entanto, que independente

de como esse vinculo é caracterizado ele é percebido como fator essencial no processo de

tratamento.

Porém há situações em que a relação dialógica não é favorecida. Seja muitas

vezes pela condição clinica do paciente, seja pela característica do atendimento profissional

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que, por produção, o fisioterapeuta não se permite longos períodos de escuta. Como

relatam os sujeitos a seguir:

Na nossa prática profissional quando se trabalha em hospital e a gente tem que ganhar por produtividade você não tem muito tempo pra isso e você chega pro paciente e dá um “bom dia, como o senhor está?” e o paciente quer contar toda a sua história de vida e se você for ouvir toda a história de vida de todos os pacientes num hospital, numa manhã, não dá. Às vezes eu ouvia, compreendia a necessidade dele e tentava fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Ia conversando, dialogando e ia tratando. Eu não tinha como parar e somente dialogar e ia fazendo a fisioterapia motora e ia ouvindo. Isso ajudava. F6

Quando se trabalha em hospital a coisa fica mais limitada porque você tem um numero pré-estabelecido de atendimentos que são necessários e tanto os outros profissionais como os outros colegas cobram de você então termina que você não tem muito tempo para empregar, investir numa visão tão holística desse paciente. Você tem um trabalho muito pontual. Você chega e atende pacientes que não tem muita interação, pois são pacientes que estão entubados, estão ventilados mecanicamente, estão sedados e há uma dificuldade de se olhar esse sujeito de maneira integral. Você não tem muito tempo para ver uma visão muito holística do paciente. Você termina tendo o contato pele, contato manual, mas o verbal, o contato de cognição de troca de ideias é muito pouco. A não ser o trabalho em enfermaria e ainda assim é estabelecida a quantidade de pacientes para o tempo que você tem para isso, o número de atendimentos. Pode ocorrer numa clinica e dependendo da clinica e do objetivo da clinica. E lá você tem uma rotatividade muito grande, pois para se ter lucro você precisa atender muito em pouco tempo e aí como você vai dar tanta atenção assim? F1

É importantíssimo manter um dialogo com o paciente que às vezes com o dia a dia, com a correria das atividades a gente não consegue estabelecer um dialogo muito profundo, às vezes esse diálogo fica muito na superficialidade, mas é super importante sentar, conversar com ele, saber ouvir e por em prática o que se puder tirar daquela conversa para melhorar o tratamento dele. F4

Apesar de considerarem a importância do diálogo e a partir dele o entendimento

das dimensões físicas, psíquicas e sociais do sujeito-paciente, para que o cuidado integral

seja de fato efetivado, os sujeitos aqui demonstram a dificuldade e por que não dizer a

impossibilidade de realizar uma prática que favoreça a abordagem integral do sujeito-

paciente. Pois na realidade de trabalho exercido principalmente em âmbito privado, o tempo

dispensado aos pacientes é reduzido, pois a produtividade e o lucro são a prioridade nessas

esferas de atuação.

Percebemos um desencontro entre a fala e a prática da atividade profissional,

pois com vistas ao lucro não há tempo suficiente para uma anamnese13 mais detalhada ou

13 O termo anamnese segundo o dicionário Aurélio significa figura de retórica pela qual fingimos lembrar-nos de

uma coisa esquecida; reminiscência; restabelecimento de memória. Em situações de consulta com profissionais da saúde a anamnese é o momento o qual os pacientes referem sua história da doença atual, apontando queixas, princípio e evolução da doença.

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ainda a oportunidade de dedicar alguns minutos a mais para escutar esse sujeito-paciente.

Tal desajuste explica-se a partir do momento em que um único profissional fisioterapeuta

tem que atender vários pacientes por hora de tratamento, o que torna difícil oferecer uma

abordagem efetivamente integral. Caprara e Rodrigues (2004) apontam que o ritmo intenso

de trabalho de profissionais de saúde aliado à necessidade de atender o maior número

possível de pacientes contribui para a perpetuação do modelo biomédico de atenção à

saúde.

III – EIXO: Dimensões Biopsicossocial e Religiosa do Sujeito-paciente

A noção de integralidade entre os sujeitos desta pesquisa os remeteu a

dimensão holística14 do sujeito-paciente. Ou seja, as dimensões biopsicossociais foram

apontadas por todos os sujeitos entrevistados e sua compreensão se estabelece a partir do

conhecimento das suas dimensões biológica (aqui, no contexto da realidade da prática em

Fisioterapia, nos remeteremos à funcionalidade), emocional, social e, religiosa. Pois em se

tratando de saúde, o aspecto religioso muitas vezes determina o olhar que o sujeito-paciente

tem em relação à sua condição clínica e como ele aceita o tratamento.

Várias foram as dimensões apontadas pelos sujeitos da pesquisa: funcional,

social, religiosa, psicológica. Sendo, portanto esta última a mais intensamente abordada

durante as entrevistas. Acreditamos por ser considerada absolutamente determinante de

situações clínicas que extrapolam o conhecimento técnico científico dos sujeitos.

Por conta do primeiro contato a primeira dimensão é a funcionalidade dele que foi interrompida por um problema biológico e físico. Mas ele é um ser humano que precisa de uma atenção que é a dimensão psicológica. F1 Como meus atendimentos se dão no domicilio do paciente, então observando todo o contexto de vida dele, como e que ele mora como se relaciona, como eles vivem, com quem eles vivem e na situação especifica dos idosos que eu atendo, eles passam muito tempo com o cuidador e a presença do familiar não que não queira, muitas vezes pela dinâmica da vida, sua família nuclear é muito reduzida no sentido de cônjuge, ou é viúvo ou é solteiro, se tem filhos, os filhos já constituíram família, então o que eu percebo é muita solidão. F7 Pensando de uma maneira macro, o paciente tem um problema e busca o profissional para resolver, porém o fisioterapeuta deve ter em mente o principal contexto em que vive o paciente na qual irá atender. Por exemplo, o paciente que tem um acidente vascular encefálico, pode ter condições financeiras e andar com um motorista para se locomover, mas ele poder ter um poder aquisitivo de baixa renda e andar de ônibus. As abordagens nos dois casos infelizmente por mais que a doença seja a mesma, o dia a dia de

14 Holismo, do grego holos: total, completo. É uma doutrina que considera que a parte só pode ser compreendida a partir do todo, que privilegia a consideração da totalidade na explicação de uma realidade sustentando que o todo não é apenas a soma das partes, mas possui uma unidade orgânica (JAPIASSÚ; MARCONDES, 1989, p.122).

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cada um não é. O fisioterapeuta deve compreender essas diferenças antes de tratá-los. F2 Se esse paciente mora sozinho porque os filhos moram fora; é uma família de poder aquisitivo alto e supre o material para que não falte nada esse paciente vai ter uma carência emocional por conta de viver muito só. Isso é fato. É o que a gente vê. Ou muitas vezes o paciente tem o suporte afetivo da família, mas não tem as condições materiais de manter aquilo que é necessário para o bem estar dele. A gente precisa saber aprender e manter esse equilíbrio. F3 Compreendo essa analise social dele, como faço atendimento assistencial, de paciente que nem sempre tem boa condição financeira, eu faço uma análise das condições dele, se ele vai ter condição de subir uma escada, se ele vem de carro, se vem de ônibus. F4 Se a gente não tivesse essa vivência ou forma de visão diferenciada. (...) se você me perguntar se eu tive essa visão na faculdade. Eu não tive. Criança era criança, o pé torto congênito era um pé torto congênito e aquela criança tinha alteração no desenvolvimento e só. Hoje eu entendo que essa criança vai sofrer bullying, aquela mãe vai sentir uma rejeição. Aprendi vivendo. F2

De acordo com os sujeitos a dimensão religiosa contempla a forma como o

sujeito-paciente encara a doença ou incapacidade; no que ele acredita e a partir disso

apostar no tratamento de maneira otimista.

Depende muito do humor dele e depende inclusive da religiosidade dele, de como ele encara a doença, a vida, as coisas se ele acredita que é um castigo, ou acredita que ele merece aquilo, se ele se revolta e não adianta fazer nada. F1 Compreender essas questões socioculturais, econômicas e às vezes até religiosa. A maneira que ele encara sua doença ou patologia pra dar continuidade ao tratamento sem interferir ou que essa condição patológica não venha intervir na vida social dele. F4

O cuidado integral perpassa aspectos que envolvem a tomada de decisões do

profissional. Segundo Subtil et al., (2011), cuidar integralmente de um indivíduo significa

percebê-lo como um ser social, físico e emocional, que carrega consigo todos os medos,

angústias e frustrações por estar doente naquele momento. Ainda segundo os autores:

(...) um indivíduo busca o serviço do centro de reabilitação carregando consigo uma série de sentimentos, perspectivas, emoções, dores e angústias que podem, na maioria dos casos, se aproximar ou estar relacionadas de alguma forma ao adoecimento de ordem física (2011, p. 750).

Assim, o sujeito-paciente apresenta-se como portador de uma história, uma

personalidade única e experiências de vida que também influenciam no seu modo de ser,

agir, sentir e reagir em relação à doença ou incapacidade ora apresentada. Considerar essa

junção de aspectos tão relevantes e determinantes no processo de adoecimento e

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consequentemente no tratamento é essencial. Para Silva; Viana e Paulino (2011), o foco no

modelo biopsicossocial não é apenas a doença em si e o tratamento dela, mas todos os

aspectos que se encontram diretamente relacionados ao fenômeno do adoecer, sejam eles

fisiológicos, psicológicos, sociais, ambientais, dentre outros, os quais também devem ser

considerados para que o tratamento seja eficaz. Portanto quanto à noção de integralidade

do sujeito-paciente, os sujeitos apontaram:

É você olhar o paciente como uma pessoa e não como um problema focal. F1 Eu acho que é procurando dentro do possível atendê-lo em suas necessidades, em todas as suas dimensões, não só no biológico, mas no econômico, no social, no afetivo e emocional. F7 O compreender significa o entendimento do que a doença tá trazendo para esse paciente, de saber entendê-lo na sua patologia, a dificuldade que ele tá tendo não só na doença em si, o que ta incomodando, mas no todo dele, como aquela patologia tá influenciando na vida no dia a dia, no trabalho é preciso compreender esse paciente como um ser único, um ser todo, senão aquela doença vai atrapalhar as outras áreas, atividades, de estudo, dependendo do paciente, em casa na sua relação com o companheiro o que a gente identifica muito a esposa com dificuldade com o marido, com os filhos, por conta de uma doença. Dai a importância de entendê-lo como um todo e o meio em que ele vive. F4 É a resposta de um todo, um sujeito global, não dicotomizado, o sujeito como um todo que perpassa essa minha linha de trabalho hoje, social, cultural, mental e até espiritual, que traz a importância de onde e como esse individuo vive. F3

Apesar de expressarem a importância de um olhar mais abrangente tanto em

relação ao sujeito-paciente quanto às questões sociais tão determinantes em alguns dos

agravos a saúde, os sujeitos desta pesquisa afirmaram que tal noção das dimensões

biopsicossocial não toma lugar de destaque durante o atendimento fisioterapêutico. O

privilégio continua sendo dado ao emprego de técnicas que apontam para a resolução da

situação física, ou ainda, a utilização de recursos cada vez mais aprimorados

tecnologicamente com o intuito único e exclusivamente de reabilitação e consequentemente

o retorno desses indivíduos às suas atividades de vida diária.

A prática clínica deve priorizar que o indivíduo irá voltar a realizar as atividades de vida diária o mais rápido possível ou tentará realizá-las com limitações ou não. O fisioterapeuta deve unir ao tratamento respostas condizentes com o dia a dia do paciente de acordo com a especificidade que cada um vir a apresentar. A minha prática privilegia sim a técnica porque minha formação acadêmica foi bem conservadora e porque não dizer mecanicista. F2 No meu contato com o paciente eu tento ser o mais humanizada possível, tento trazer tudo o que eu traria como pessoa, o cuidado, a escuta do sujeito que tá na minha frente não só um paciente, um diagnostico, uma patologia. Claro que a técnica é o que toma maior tempo e se não aplicar a

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técnica o resultado não será alcançado. Privilegio sim a técnica, mas sempre junto a escuta e ao cuidado. F6 Na realidade eu não priorizo uma coisa só. Eu tenho que ter a técnica, isso é uma base eu tenho que saber dominar bem a minha técnica, mas ela não é nada se eu não souber olhar, compreender o meu sujeito. Você tem que ter a técnica e ser bom, mas também não adianta nada se você não avalia e reavalia seu paciente e observa a resposta dele e contextualiza a resposta dele, como você deve mudar as condutas pra adaptá-las ao seu paciente. Na realidade você tanto tem que avaliar bem seu paciente e observa-lo e avaliar bem a técnica se tem resultado. Não existe vou priorizar só a técnica ou só o paciente. Se você prioriza o individuo, você esquece a técnica e ai não adianta nada. Se você prioriza a técnica você esquece do individuo e ai também não adianta nada. F1

Portanto, o cuidado integral do sujeito-paciente requer além das habilidades e

conhecimentos técnico-científicos, a capacidade de estabelecer uma comunicação

adequada entre os envolvidos no processo de tratamento no sentido de contribuir para uma

compreensão em maior profundidade daquele que é tratado, sendo este alguém que se

comunica e expressa das mais variadas maneiras a necessidade de uma atenção especial.

Tanto essa visão quanto a atenção dispensadas a esse sujeito-paciente precisam acontecer

desde o momento do acolhimento até o dia da alta fisioterapêutica.

É a busca pelo sentido que faz esta investigação caracterizar-se como uma

pesquisa cuja abordagem é fenomenológica. Portanto não poderíamos deixar passar a

intenção de percebermos qual o significado atribuído à prática em Fisioterapia na

perspectiva da integralidade do sujeito-paciente a partir do olhar dos sujeitos. Na

perspectiva de situarmo-nos quanto à conceituação de sentido e significado, recorremos a

Aguiar e Ozella (2013, p.304 - 305), pois segundo os autores:

Os significados são, portanto, produções históricas e sociais. São eles que permitem a comunicação, a socialização de nossas experiências. Muito embora sejam mais estáveis, “dicionarizados”, eles também se transformam no movimento histórico, momento em que sua natureza interior se modifica, alterando, consequentemente, a relação que mantêm com o pensamento, entendido como um processo. Os significados referem-se, assim, aos conteúdos instituídos, mais fixos, compartilhados, que são apropriados pelos sujeitos, configurados a partir de suas próprias subjetividades. Afirma-se, assim, que o sentido é muito mais amplo que o significado, pois o primeiro constitui a articulação dos eventos psicológicos que o sujeito produz ante uma realidade. O sentido coloca-se em um plano que se aproxima mais da subjetividade15, que com mais precisão expressa o sujeito, a unidade de todos os processos cognitivos, afetivos e biológicos.

15 Subjetividade de acordo com Aguiar (2013) é entendida como uma possibilidade humana de organizar

experiências convertidas em sentidos, ou seja, é uma dimensão da realidade que podemos denominar dimensão subjetiva da realidade objetiva.

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Nessa perspectiva, quanto à significação, os sujeitos apontaram que a prática

apresenta-se como um momento importante onde a necessidade de proporcionar o retorno

desse sujeito-paciente às suas atividades cotidianas configura-se o alvo.

Escutar um pouco esse paciente e compreendê-lo como sujeito me fez significar que essas várias atribuições e necessidades que ele vai sentindo eu vou agregando a minha prática clínica no sentido de entender os vários contextos que o paciente vive com qualidade de vida porque qualidade de vida significa viver melhor em todos os aspectos e não somente por que não sente uma dor. Significa sair um pouco dessa visão biomédica mesmo. F3

A prática clínica deve priorizar que o indivíduo irá voltar a realizar as atividades de vida diária o mais rápido possível ou tentará realizá-las com limitações ou não. O fisioterapeuta deve unir ao tratamento respostas condizentes com o dia a dia do paciente de acordo com a especificidade que cada um vir a apresentar. F2

A perspectiva da visão integral do sujeito-paciente serve muito pra você trabalhar com pessoas diferentes e ver essa analogia entre seres que tem doenças diferentes, problemas diferentes e que a gente precisa entender holisticamente e analisando todas as suas dificuldades e doenças não só as físicas. Na prática a gente visualiza muito o que o traz para a Fisioterapia e a necessidade dele em busca de alta, a ansiedade do prognóstico, e saber controlar isso e saber dar a previsão de quando ele vai sair da Fisioterapia ou não. F4

Percebemos que alguns sujeitos reportaram a significação da prática clinica na

perspectiva da integralidade do sujeito-paciente em relação ao conhecimento do seu

contexto de vida. Somente F3 conseguiu no seu depoimento abordar a intenção de fugir da

visão biomédica ao buscar compreender o sujeito-paciente, sua condição física e seu

contexto. Vê-se ainda o grande coro que se faz na direção do retorno desse sujeito-paciente

às suas atividades diárias através da resolução dos aspectos físicos e biológicos que o

levaram à Fisioterapia, perfazendo-se, portanto evidente, o caráter reabilitador.

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9 CONCLUSÕES

Quando iniciamos estas conclusões, relembramos os momentos de encontro

com os sujeitos e suas expressões acerca da tarefa de nos mostrar um pouco de seu

universo profissional, seus significados acerca do cotidiano da profissão, bem como o

contato com o paciente. Esclarecemos que ao apresentar os achados desta pesquisa e sua

finalização, pretendemos contribuir para novas e sempre bem vindas reflexões acerca da

temática em questão.

Ao vivermos a experiência de pesquisa, durante as atividades ou disciplinas

cursadas no doutorado, até mesmo na interação entre colegas da Universidade Federal do

Ceará (UFC), percebemos que, à medida que nos aproximávamos do fenômeno estudado,

era suscitada em nós uma aprendizagem advinda do próprio processo de investigação.

Assim, aprofundamentos conceituais, debates e reflexões realizadas ao longo dessa

trajetória bem como saberes, experiências e conhecimentos compartilhados pelos

professores passaram a constituir o nosso arcabouço formativo, pessoal e intelectual.

Retomar o campo de formação e atuação em Fisioterapia, desta vez enquanto

pesquisadora possibilitou um novo olhar para o fenômeno que se perfaz durante a prática,

trazendo um mergulho em questões próprias que permeiam a formação e a atuação desse

profissional. Cada uma das reflexões que emergiram ao longo desta pesquisa pode

contribuir com o fazer da profissão assim como redimensionar aspectos formativos que

trafeguem em consonância com as demandas da realidade da prática em Fisioterapia.

Esta trajetória nos permitiu entrar em contato com a experiência de

subjetividade, como categoria que surge a partir das reflexões oriundas desta tese que não

é de fatos, mas sim de fenômenos. A subjetividade pode estar descrita nos inúmeros

depoimentos, mas deve ser sentida por aqueles que formam e ainda por aqueles que no

exercício do seu fazer profissional, tem nos encontros a possibilidade de exercê-la. Assim, a

subjetividade nesta pesquisa emerge como algo internalizado, sentido, enfim, vivido.

Consideramos importante desenvolver uma pesquisa relacionada à prática do

profissional em Fisioterapia, uma vez que pudemos abordar a formação desse profissional e

sua atuação bem como confrontá-las com um modelo de educação em saúde que privilegia

o sujeito-paciente, seus aspectos biológicos, psicológicos e seu contexto socioeconômico.

Ressaltamos que o último assume posição de destaque enquanto determinante de um

estado de saúde.

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Ao contemplarmos a prática do profissional fisioterapeuta, percebemos a

necessidade de uma aproximação com o sujeito-paciente que ultrapasse a barreira da

condição biológica somente. Um olhar voltado para o todo desse sujeito demanda uma

formação pautada no modelo biopsicossocial o qual permite que a doença seja vista como

um resultado da interação de mecanismos celulares, teciduais, interpessoais e ambientais,

apresentando assim, o ser humano de modo contextualizado em todos os aspectos

inerentes ao seu espaço vital, ou seja: orgânico, psicológico, cultural e socioeconômico onde

cada aspecto influencia e é por outro influenciado dinamicamente. Percebemos que os

discursos apontaram evidências da consciência da importância da visão integral do sujeito-

paciente, apesar da reprodução de técnicas e abordagens condizentes com o modelo

biomédico de educação em saúde que prioriza a doença em detrimento do doente, ou ainda,

o aporte técnico-científico em detrimento de ações que aliem a busca por uma compreensão

mais integral desse sujeito. Acreditamos que o desenvolvimento de tal consciência se dá a

partir do confronto com a prática a qual desvela uma realidade e uma demanda de atuação

profissional para além daquela abordada na formação. Consequentemente para dar conta

dessa realidade o fisioterapeuta busca ressignificar sua prática a partir de formações

continuadas aliadas ao conhecimento advindo da experiência profissional. Considerando tal

realidade pensamos ser o diálogo que se estabelece durante a prática clínica em

Fisioterapia, o agente mediador para esta compreensão do sujeito-paciente e seu contexto

de vida, ou seja, o diálogo perfaz-se, sim, uma exigência existencial.

Apesar dos relatos aqui apresentados apontarem a importância do diálogo na

compreensão do sujeito-paciente de maneira integral, a prática não conseguiu ainda

transpor a barreira da importância da aplicação de técnicas no tratamento, fruto de uma

formação embasada numa concepção técnico-científica do conhecimento.

No tocante aos documentos normativos que regulamentam a formação em

Fisioterapia, o Currículo Mínimo, vigente até a instituição das Diretrizes Curriculares

Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia, em 2002, embasava-se num sistema de

currículo fechado, o qual enfatiza aspectos técnicos (relacionados ao desenvolvimento de

competências), o conhecimento científico e as necessidades próprias da formação em

Fisioterapia. Já as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em

Fisioterapia, documento que norteia o planejamento e a elaboração dos currículos dos

cursos de graduação em todo o país, enfatizam os aspectos formativos, sugerindo que o

profissional terá uma formação baseada não somente em conhecimentos científicos, mas

também pautada em valores éticos, em fundamentos sociológicos, psicológicos e políticos,

determinantes para o desenvolvimento do perfil profissional. Porém, de acordo com o

documento, a formação continua baseada em habilidades e competências, o que evidencia

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a não superação do tecnicismo na formação do fisioterapeuta. Sabemos que tal modelo de

educação é condizente com o fato de articular uma formação que se volta para responder as

demandas do mercado de trabalho.

Percebemos, portanto uma incompatibilidade entre a formação para o

desenvolvimento de um profissional generalista, humanista, crítico e reflexivo, e, o mundo

do trabalho, este por sua vez regido pelas determinações mercadológicas caracterizando

um modelo de ensino que enaltece a dimensão técnica sem a preocupação com “a pessoa

que queremos formar”.

Um currículo por competência não dá conta de formar um fisioterapeuta para

além do aporte técnico-científico, pois o diálogo necessário durante o atendimento não é

condição específica para o mercado. Tal abordagem se faz importante para os arranjos

sociais. Nessa lógica, o termo competência, polissêmico, aberto a inúmeras interpretações

apresenta-se mais adequado do que o de saberes (educação) ou ainda de qualificação (no

exercício profissional) para uma desvalorização do profissional em geral. Nesse sentido, o

discurso das competências vem anunciando ao longo dos anos uma espécie de novo

tecnicismo e ainda, ao aperfeiçoar o positivismo (com seu viés de controle) e

consequentemente do capitalismo, aponta de responsabilidade do profissional a busca por

novas competências sempre, através de diversos cursos.

Pelo que foi exposto ao longo desta investigação, podemos afirmar que a

resposta à grande pergunta anunciada no primeiro bloco de questões - qual a concepção do

profissional de Fisioterapia egresso da UNIFOR sobre as dimensões biopsicossocial do

sujeito-paciente na sua prática clínica? – está ancorada na compreensão acerca do objeto

de trabalho da Fisioterapia, que ainda traz uma concepção voltada para a reabilitação,

muitas vezes desconsiderando os aspectos subjetivos e sociais do sujeito-paciente. Tal

concepção ainda se faz presente no âmbito da formação pautada no discurso das

competências. A pesquisa qualitativa de abordagem fenomenológica hermenêutica-dialética

desenvolvida neste estudo levou-nos a perceber que todas essas dimensões foram

mencionadas e consideradas pelos sujeitos desta pesquisa, embora na maioria dos relatos

a necessidade de resolução dos casos de saúde apresentados pelos sujeitos-pacientes

configurou-se objeto prioritário.

Ao delimitarmos o objetivo geral que foi compreender como ocorre a

comunicabilidade relacional dialógica na prática clinica do profissional fisioterapeuta,

visando à identificação de aspectos subjetivos e objetivos que estabelecem uma visão

integral do sujeito-paciente, percebemos que esse diálogo ocorre na perspectiva de

compreensão das dimensões biopsicossocial, a partir do interesse em aprofundar o

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conhecimento do universo próprio do sujeito-paciente. E ainda que tal comunicação deve

ser feita com devido cuidado para não ultrapassar a barreira estabelecida muitas vezes pelo

profissional. Há também fatores característicos relacionados ao local do atendimento e

condição clínica dos pacientes que favorecem ou dificultam a promoção de um diálogo.

Portanto, pensamos que apreender a concepção sobre o fenômeno do diálogo, requer

contemplar este humano em sua relação com a realidade social e educacional de onde

emerge seu pensar.

Todos os sujeitos desta pesquisa apontaram que não foram preparados para a

compreensão de aspectos particulares dos sujeitos-pacientes. A formação foi caracterizada

como tecnicista e que o entendimento do sujeito e seu contexto, além do biologicamente

apresentado, eles aprenderam no cotidiano da profissão. Um dos sujeitos pontuou a

sensibilização para tais aspectos a partir de disciplinas das ciências sociais e humanas.

Outro apontou a necessidade de uma formação mais humanizada. Portanto, uma formação

cujo currículo contemplasse as disciplinas das ciências sociais e humanas e apresentasse

especialmente um viés humanista configurou-se uma proposta de formação experienciada

por alguns dos sujeitos. Pensamos ainda que tais disciplinas e enfoque humanista podem

fazer uma ligação entre a atuação profissional e o contexto, o que aproximaria mais o

profissional da realidade da saúde numa perspectiva que partiria de um entendimento amplo

das condições de saúde até chegar à especificidade de cada um dos sujeitos-paciente.

Quanto aos significados atribuídos à prática clínica na perspectiva da

integralidade do sujeito-paciente, percebemos que a prática constitui momento de

conhecimento dos aspectos relativos ao contexto dos sujeitos-pacientes. No entanto, a

busca por resolução dos quadros clínicos apresentados por estes e consequentemente a

possibilidade de retorno às suas atividades do dia a dia, configura-se aspecto relevante, o

que expressa a importância dada à dimensão física e/ou biológica, à doença em detrimento

do doente, o que ressalta o perfil reabilitador do profissional fisioterapeuta.

As experiências dos sujeitos no âmbito da formação apresentam forte caráter

técnico-científico. No tocante às vivências práticas, os sujeitos apontaram a dificuldade

inicial de desenvolver um olhar mais amplo exatamente porque a formação não deu conta

de apresentá-los tal realidade. Então a partir dessas lacunas, os profissionais buscaram

novos conhecimentos no sentido de aprimorar e desenvolver condições de lidar com o

sujeito-paciente e o todo ao seu redor. Muitos ainda relataram que aprenderam a

compreender e a valorizar o outro e seu contexto através de saberes da experiência, ou

seja, no dia a dia do fazer da profissão.

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As reflexões surgidas ao longo desta pesquisa nos fizeram atentar para a

realidade das atividades formativas e de trabalho do fisioterapeuta. As relações de trabalho

da sociedade atual marcadas pelo mercantilismo transformam práticas emancipadoras e

humanitárias em cobranças de produtividade. Quando um dos sujeitos desta pesquisa

reconhece que “a profissão ficou muito aquém da importância dela”, percebemos a evidente

proletarização vivida pela Fisioterapia e seus profissionais.

Os achados e as conclusões obtidas por esta pesquisa ratificam os seguintes

argumentos levantados para a formulação da tese. São eles:

- Apesar do currículo prescrito anunciar a importância da formação generalista,

a prática clinica apresenta uma forte atuação tecnicista e fragmentadora;

- A presença da técnica e consequentemente de ações que privilegiam o físico

em detrimento de aspectos subjetivos do sujeito-paciente;

- Formação que não responde às demandas da realidade em saúde no que

tange às necessidades próprias do sujeito-paciente para além da condição

clinica física ou funcional.

Somente o argumento referente a não valorização da intersubjetividade como

aspecto importante para o tratamento, não foi confirmado a partir dos achados desta

pesquisa.

Portanto, os dados da minha pesquisa confirmaram parcialmente a tese de que

na relação fisioterapeuta/paciente há indícios da valorização da intersubjetividade

com forte presença de condutas clínicas que privilegiam o corpo físico não ocorrendo

uma comunicabilidade que supere a dicotomia corpo/mente. Os discursos dos sujeitos

desta pesquisa anunciaram uma conscientização acerca da compreensão dos aspectos

subjetivos dos sujeitos-pacientes evidenciando ainda a importância da perspectiva da visão

integral dos mesmos a partir da intersubjetividade. Tal consciência permite desvelar a

realidade ora apresentada e assim promover ações capazes de transformá-la.

Constatamos, ainda, não apenas indícios e sim afirmações que evidenciaram

que somente a utilização de condutas voltadas para a funcionalidade não dá conta da

demanda do cuidar no âmbito da prática em Fisioterapia e que a comunicabilidade exercida

durante a prática clínica promove o desenvolvimento da compreensão das dimensões

biopsicossocial daquele que busca tratamento.

Assim, o reconhecimento consciente da importância da compreensão das

dimensões biopsicossocial do sujeito-paciente a partir dos discursos dos sujeitos desta

pesquisa sinalizam uma transformação em processo, portanto não devem findar a busca por

melhoria na qualidade da formação do profissional fisioterapeuta.

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APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, Germana Albuquerque Costa Zanotelli, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará, estou realizando minha pesquisa de doutorado, intitulada provisoriamente de “A relação dialógica na prática clínica do profissional fisioterapeuta e a visão integral do sujeito-paciente”, que tem por objetivo geral compreender como ocorre a relação dialógica na prática clínica do profissional de fisioterapia, visando à identificação dos aspectos subjetivos e objetivos que estabelecem uma visão integral do sujeito-paciente. Atesto que a realização dessa investigação observa as normas éticas nacionais e internacionais sobre pesquisa envolvendo seres humanos, particularmente no que concerne ao respeito à autonomia e à proteção das pessoas identificadas como potenciais participantes. Como parte das questões norteadoras da pesquisa, interessa-me conhecer a percepção do profissional fisioterapeuta sobre as dimensões biopsicossocial do sujeito-paciente na sua prática clínica. Para tanto, serão realizadas entrevistas de caráter reflexivo com profissionais que atuam na prática clínica em fisioterapia e que sejam egressos do referido curso da Universidade de Fortaleza – UNIFOR. As entrevistas serão conduzidas por mim e tratarão de questões concernentes ao diálogo estabelecido durante a prática clinica entre o profissional fisioterapeuta e o sujeito-paciente e de que maneira tal relação contribui para a compreensão integral desse sujeito que adoece. Informo que os dados colhidos através das entrevistas serão utilizados para fins de pesquisa e apresentação de trabalhos em eventos científicos. Ressalto que os nomes dos sujeitos que participarem das entrevistas serão mantidos em sigilo, portanto não serão divulgados. Os sujeitos estarão livres para consentir em participar da pesquisa. E em consentindo, terão ainda a liberdade de retirar o seu consentimento a qualquer tempo. Serão utilizados gravadores digitais para registrar as falas dos participantes, permitindo recuperar informações de relevância para a pesquisa. Enfatizo ainda que a participação nas entrevistas não trará nenhum risco aos participantes e também lucro algum. Desde já agradeço a colaboração daqueles que aceitaram contribuir para a efetivação dessa pesquisa. Consentimento pós-informado: Declaro que tomei conhecimento da pesquisa realizada por Germana Albuquerque Costa Zanotelli, que pretende compreender como ocorre a relação dialógica na prática clínica do profissional de fisioterapia, visando à identificação dos aspectos subjetivos e objetivos que estabelecem uma visão integral do sujeito-paciente. Compreendi seus propósitos e, concordo em participar da presente pesquisa, estando ciente dos direitos que ora me são assegurados.

Fortaleza, ______de _______________________de 20__

____________________________________________ Assinatura do entrevistado

____________________________________________ Assinatura do entrevistador

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APENDICE B – DINÂMICA E ROTEIRO PARA A TÉCNICA DE ENTREVISTA REFLEXIVA

PESQUISA: A RELAÇÃO DIALÓGICA NA PRÁTICA CLÍNICA DO PROFISSIONAL

FISIOTERAPEUTA E A VISÃO INTEGRAL DO SUJEITO-PACIENTE

1. Contato inicial: Informações gerais sobre a temática da pesquisa e apresentação dos

objetivos do estudo onde buscamos esclarecer sua finalidade, e também esclarecimento

de dúvidas e perguntas que eventualmente surjam.

2. Aquecimento: delineamento da biografia do entrevistado, assim como o contexto de sua

vida, um entendimento da realidade do atendimento clínico de cada um dos sujeitos,

como, suas especialidades, o que gosta de fazer na área da Fisioterapia, suas condições

de trabalho, como se caracterizam seus sujeitos-paciente e as principais queixas

relatadas pelos mesmos.

3. Apresentar a questão desencadeadora e solicitar que o sujeito discorra livremente sobre

o tema.

4. A devolução: momento da apresentação do texto de referência que se refere à

compreensão do pesquisador sobre a experiência relatada pelo entrevistado. O texto de

referência inclui tanto a escrita das narrativas quanto as percepções do pesquisador

durante a entrevista ou a transcrição de cada depoimento. Neste segundo há a

oportunidade dos sujeitos de acrescentar ou explicitar algo que não ficou claro no

primeiro encontro.

QUESTÃO DESENCADEADORA: Considerando a demanda social, humana e relacional

emergente na realidade da prática profissional do fisioterapeuta, como a relação dialógica

favorece a compreensão do sujeito-paciente de maneira integral no contexto da prática

clínica?

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ANEXO I

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR

RESOLUÇÃO CNE/CES 4, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2002.16

Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia.

O Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, tendo em vista o disposto no Art. 9º, do § 2º, alínea “c”, da Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, e com fundamento no Parecer CES 1.210/2001, de 12 de setembro de 2001, peça indispensável do conjunto das presentes Diretrizes Curriculares Nacionais, homologado pelo Senhor Ministro da Educação, em 7 de dezembro de 2001, resolve: Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia, a serem observadas na organização curricular das Instituições do Sistema de Educação Superior do País. Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de Graduação em Fisioterapia definem os princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de fisioterapeutas, estabelecidas pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, para aplicação em âmbito nacional na organização, desenvolvimento e avaliação dos projetos pedagógicos dos Cursos de Graduação em Fisioterapia das Instituições do Sistema de Ensino Superior. Art. 3º O Curso de Graduação em Fisioterapia tem como perfil do formando egresso/profissional o Fisioterapeuta, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor científico e intelectual. Detém visão ampla e global, respeitando os princípios éticos/bioéticos, e culturais do indivíduo e da coletividade. Capaz de ter como objeto de estudo o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potencialidades, quer nas alterações patológicas, cinético-funcionais, quer nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, objetivando a preservar, desenvolver, restaurar a integridade de órgãos, sistemas e funções, desde a elaboração do diagnóstico físico e funcional, eleição e execução dos procedimentos fisioterapêuticos pertinentes a cada situação. Art. 4º A formação do Fisioterapeuta tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais:

I - Atenção à saúde: os profissionais de saúde, dentro de seu âmbito profissional, devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo. Cada profissional deve assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e contínua com as demais instâncias do sistema de saúde, sendo

16 CNE. Resolução CNE/CES 4/2002. Diário Oficial da União, Brasília, 4 de março de 2002. Seção 1,

p. 11. 136.

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capaz de pensar criticamente, de analisar os problemas da sociedade e de procurar soluções para os mesmos. Os profissionais devem realizar seus serviços dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética, tendo em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto em nível individual como coletivo;

II - Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais de saúde deve estar fundamentado na capacidade de tomar decisões visando o uso apropriado, eficácia e custo-efetividade, da força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de práticas. Para este fim, os mesmos devem possuir competências e habilidades para avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas;

III - Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e devem manter a confidencialidade das informações a eles confiadas, na interação com outros profissionais de saúde e o público em geral. A comunicação envolve comunicação verbal, não-verbal e habilidades de escrita e leitura; o domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação;

IV - Liderança: no trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais de saúde deverão estar aptos a assumirem posições de liderança, sempre tendo em vista o bem estar da comunidade. A liderança envolve compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento de forma efetiva e eficaz;

V - Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativas, fazer o gerenciamento e administração tanto da força de trabalho, dos recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos a serem empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde; e

VI - Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de aprender continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática. Desta forma, os profissionais de saúde devem aprender a aprender e ter responsabilidade e compromisso com a sua educação e o treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, mas proporcionando condições para que haja beneficio mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais dos serviços, inclusive, estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico/profissional, a formação e a cooperação através de redes nacionais e internacionais.

Art. 5º A formação do Fisioterapeuta tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades específicas:

I - respeitar os princípios éticos inerentes ao exercício profissional; II - atuar em todos os níveis de atenção à saúde, integrando-se em

programas de promoção, manutenção, prevenção, proteção e recuperação da saúde, sensibilizados e comprometidos com o ser humano, respeitando-o e valorizando-o;

III - atuar multiprofissionalmente, interdisciplinarmente e transdisciplinarmente com extrema produtividade na promoção da saúde baseado na convicção científica, de cidadania e de ética;

IV - reconhecer a saúde como direito e condições dignas de vida e atuar de forma a garantir a integralidade da assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos,

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individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

V - contribuir para a manutenção da saúde, bem estar e qualidade de vida das pessoas, famílias e comunidade, considerando suas circunstâncias éticas, políticas, sociais, econômicas, ambientais e biológicas;

VI - realizar consultas, avaliações e reavaliações do paciente colhendo dados, solicitando, executando e interpretando exames propedêuticos e complementares que permitam elaborar um diagnóstico cinético-funcional, para eleger e quantificar as intervenções e condutas fisioterapêuticas apropriadas, objetivando tratar as disfunções no campo da Fisioterapia, em toda sua extensão e complexidade, estabelecendo prognóstico, reavaliando condutas e decidindo pela alta fisioterapêutica;

VII - elaborar criticamente o diagnóstico cinético funcional e a intervenção fisioterapêutica, considerando o amplo espectro de questões clínicas, científicas, filosóficas éticas, políticas, sociais e culturais implicadas na atuação profissional do fisioterapeuta, sendo capaz de intervir nas diversas áreas onde sua atuação profissional seja necessária;

VIII - exercer sua profissão de forma articulada ao contexto social, entendendo-a como uma forma de participação e contribuição social;

IX - desempenhar atividades de planejamento, organização e gestão de serviços de saúde públicos ou privados, além de assessorar, prestar consultorias e auditorias no âmbito de sua competência profissional;

X - emitir laudos, pareceres, atestados e relatórios; XI - prestar esclarecimentos, dirimir dúvidas e orientar o indivíduo e os seus

familiares sobre o processo terapêutico; XII - manter a confidencialidade das informações, na interação com outros

profissionais de saúde e o público em geral; XIII - encaminhar o paciente, quando necessário, a outros profissionais

relacionando e estabelecendo um nível de cooperação com os demais membros da equipe de saúde;

XIV - manter controle sobre à eficácia dos recursos tecnológicos pertinentes à atuação fisioterapêutica garantindo sua qualidade e segurança;

XV - conhecer métodos e técnicas de investigação e elaboração de trabalhos acadêmicos e científicos;

XVI - conhecer os fundamentos históricos, filosóficos e metodológicos da Fisioterapia;

XVII - seus diferentes modelos de intervenção. Parágrafo único. A formação do Fisioterapeuta deverá atender ao sistema de saúde vigente no país, a atenção integral da saúde no sistema regionalizado e hierarquizado de referência e contra-referência e o trabalho em equipe.

Art. 6º Os conteúdos essenciais para o Curso de Graduação em Fisioterapia devem estar relacionados com todo o processo saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade, integrado à realidade epidemiológica e profissional, proporcionando a integralidade das ações do cuidar em fisioterapia. Os conteúdos devem contemplar:

I - Ciências Biológicas e da Saúde – incluem-se os conteúdos (teóricos e práticos) de base moleculares e celulares dos processos normais e alterados, da estrutura e função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos;

II - Ciências Sociais e Humanas – abrange o estudo do homem e de suas relações sociais, do processo saúde-doença nas suas múltiplas determinações, contemplando a integração dos aspectos psicossociais,

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culturais, filosóficos, antropológicos e epidemiológicos norteados pelos princípios éticos. Também deverão contemplar conhecimentos relativos as políticas de saúde, educação, trabalho e administração;

III - Conhecimentos Biotecnológicos - abrange conhecimentos que favorecem o acompanhamento dos avanços biotecnológicos utilizados nas ações fisioterapêuticas que permitam incorporar as inovações tecnológicas inerentes a pesquisa e a prática clínica fisioterapêutica; e

IV - Conhecimentos Fisioterapêuticos - compreende a aquisição de amplos conhecimentos na área de formação específica da Fisioterapia: a fundamentação, a história, a ética e os aspectos filosóficos e metodológicos da Fisioterapia e seus diferentes níveis de intervenção. Conhecimentos da função e disfunção do movimento humano, estudo da cinesiologia, da cinesiopatologia e da cinesioterapia, inseridas numa abordagem sistêmica. Os conhecimentos dos recursos semiológicos, diagnósticos, preventivos e terapêuticas que instrumentalizam a ação fisioterapêutica nas diferentes áreas de atuação e nos diferentes níveis de atenção. Conhecimentos da intervenção fisioterapêutica nos diferentes órgãos e sistemas biológicos em todas as etapas do desenvolvimento humano.

Art. 7º A formação do Fisioterapeuta deve garantir o desenvolvimento de estágios curriculares, sob supervisão docente. A carga horária mínima do estágio curricular supervisionado deverá atingir 20% da carga horária total do Curso de Graduação em Fisioterapia proposto, com base no Parecer/Resolução específico da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. Parágrafo único. A carga horária do estágio curricular supervisionado deverá assegurar a prática de intervenções preventiva e curativa nos diferentes níveis de atuação: ambulatorial, hospitalar, comunitário/unidades básicas de saúde etc. Art. 8º O projeto pedagógico do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá contemplar atividades complementares e as Instituições de Ensino Superior deverão criar mecanismos de aproveitamento de conhecimentos, adquiridos pelo estudante, através de estudos e práticas independentes presenciais e/ou a distância, a saber: monitorias e estágios; programas de iniciação científica; programas de extensão; estudos complementares e cursos realizados em outras áreas afins. Art. 9º O Curso de Graduação em Fisioterapia deve ter um projeto pedagógico, construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem. Este projeto pedagógico deverá buscar a formação integral e adequada do estudante através de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência. Art. 10. As Diretrizes Curriculares e o Projeto Pedagógico devem orientar o Currículo do Curso de Graduação em Fisioterapia para um perfil acadêmico e profissional do egresso. Este currículo deverá contribuir, também, para a compreensão, interpretação, preservação, reforço, fomento e difusão das culturas nacionais e regionais, internacionais e históricas, em um contexto de pluralismo e diversidade cultural. § 1º As diretrizes curriculares do Curso de Graduação em Fisioterapia deverão contribuir para a inovação e a qualidade do projeto pedagógico do curso. § 2º O Currículo do Curso de Graduação em Fisioterapia poderá incluir aspectos complementares de perfil, habilidades, competências e conteúdos, de forma a considerar a inserção institucional do curso, a flexibilidade individual de estudos e os requerimentos, demandas e expectativas de desenvolvimento do setor saúde na região.

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Art. 11. A organização do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá ser definida pelo respectivo colegiado do curso, que indicará a modalidade: seriada anual, seriada semestral, sistema de créditos ou modular. Art. 12. Para conclusão do Curso de Graduação em Fisioterapia, o aluno deverá elaborar um trabalho sob orientação docente. Art. 13. A estrutura do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá assegurar que:

I - as atividades práticas específicas da Fisioterapia deverão ser desenvolvidas gradualmente desde o início do Curso de Graduação em Fisioterapia, devendo possuir complexidade crescente, desde a observação até a prática assistida (atividades clínico-terapêuticas);

II - estas atividades práticas, que antecedem ao estágio curricular, deverão ser realizadas na IES ou em instituições conveniadas e sob a responsabilidade de docente fisioterapeuta; e

III - as Instituições de Ensino Superior possam flexibilizar e otimizar as suas propostas curriculares para enriquecê-las e complementá-las, a fim de permitir ao profissional a manipulação da tecnologia, o acesso a novas informações, considerando os valores, os direitos e a realidade sócio-econômica. Os conteúdos curriculares poderão ser diversificados, mas deverá ser assegurado o conhecimento equilibrado de diferentes áreas, níveis de atuação e recursos terapêuticas para assegurar a formação generalista.

Art.14. A implantação e desenvolvimento das diretrizes curriculares devem orientar e propiciar concepções curriculares ao Curso de Graduação em Fisioterapia que deverão ser acompanhadas e permanentemente avaliadas, a fim de permitir os ajustes que se fizerem necessários ao seu aperfeiçoamento. § 1º As avaliações dos alunos deverão basear-se nas competências, habilidades e conteúdos curriculares desenvolvidos tendo como referência as Diretrizes Curriculares. § 2º O Curso de Graduação em Fisioterapia deverá utilizar metodologias e critérios para acompanhamento e avaliação do processo ensino-aprendizagem e do próprio curso, em consonância com o sistema de avaliação e a dinâmica curricular definidos pela IES à qual pertence. Art. 15. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

ARTHUR ROQUETE DE MACEDO Presidente da Câmara de Educação Superior