a relaÇÃo entre a aritmÉtica e a Álgebra na … · [email protected] introduÇÃo:...

22
A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA MATEMÁTICA ESCOLAR: A INFLUÊNCIA DA COMPREENSÃO DAS PROPRIEDADES DA IGUALDADE E O CONCEITO DE OPERAÇÕES INVERSAS NA RESOLUÇÃO DE EQUAÇÕES POLINOMIAIS DO 1º GRAU Rosinalda Aurora de Melo Teles UFPE [email protected] INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da compreensão das propriedades da igualdade e do conceito de operações inversas com números racionais, na resolução de equações polinomiais do 1º grau. Nossa hipótese é que, na perspectiva de continuidade, pelo menos parcialmente, as dificuldades apresentadas pelos alunos do ensino fundamental, na resolução de equações são herdadas de uma compreensão insuficiente das operações inversas com números inteiros. Enquanto a ruptura, refere-se à questões de “sintaxe” relacionadas aos diferentes usos das letras e as diferentes funções do sinal de igual (=) na aritmética e na álgebra. Para alcançarmos nosso objetivo, como também, articular esta interferência com escolhas subjacentes à maneira de abordar o tema nos Livros didáticos, utilizamos uma metodologia dividida em 4 etapas: análise transversal de duas coleções de livros didáticos de Matemática para o ensino fundamental (5ª a 8ª séries); análise de forma diagnóstica, de sete volumes da 6ª série; aplicação de testes de sondagem com alunos do ensino fundamental e médio de escolas públicas para um estudo diagnóstico e entrevistas semi- diretivas com alunos, selecionados em função dos erros cometidos no teste de sondagem. Na etapa 1, buscamos identificar escolhas de Transposição Didática relativas a continuidades e rupturas, subjacentes à maneira de abordar as letras como incógnitas na

Upload: phungdung

Post on 09-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA MATEMÁTICA

ESCOLAR: A INFLUÊNCIA DA COMPREENSÃO DAS PROPRIEDADES DA

IGUALDADE E O CONCEITO DE OPERAÇÕES INVERSAS NA RESOLUÇÃO

DE EQUAÇÕES POLINOMIAIS DO 1º GRAU

Rosinalda Aurora de Melo Teles

UFPE

[email protected]

INTRODUÇÃO:

Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da

compreensão das propriedades da igualdade e do conceito de operações inversas com

números racionais, na resolução de equações polinomiais do 1º grau.

Nossa hipótese é que, na perspectiva de continuidade, pelo menos parcialmente, as

dificuldades apresentadas pelos alunos do ensino fundamental, na resolução de equações

são herdadas de uma compreensão insuficiente das operações inversas com números

inteiros. Enquanto a ruptura, refere-se à questões de “sintaxe” relacionadas aos diferentes

usos das letras e as diferentes funções do sinal de igual (=) na aritmética e na álgebra. Para

alcançarmos nosso objetivo, como também, articular esta interferência com escolhas

subjacentes à maneira de abordar o tema nos Livros didáticos, utilizamos uma

metodologia dividida em 4 etapas: análise transversal de duas coleções de livros didáticos

de Matemática para o ensino fundamental (5ª a 8ª séries); análise de forma diagnóstica, de

sete volumes da 6ª série; aplicação de testes de sondagem com alunos do ensino

fundamental e médio de escolas públicas para um estudo diagnóstico e entrevistas semi-

diretivas com alunos, selecionados em função dos erros cometidos no teste de sondagem.

Na etapa 1, buscamos identificar escolhas de Transposição Didática relativas a

continuidades e rupturas, subjacentes à maneira de abordar as letras como incógnitas na

Page 2: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

Anais do VIII ENEM - Comunicação Científica GT 2 - Educação Matemática nas séries finais do Ensino Fundamental

2

resolução de equações. Na 2ª etapa, afunilamos nossa investigação, desta vez centralizando

nosso olhar nos livros de 6ª série, onde há introdução formal da resolução das equações

polinomiais do 1º grau. Mapeamos nestes livros, sob o ponto de vista da Teoria dos

Campos Conceituais, os tipos de problemas, procedimentos e representações simbólicas

utilizados no estudo das equações polinomiais do 1º grau. Subsidiados pelas etapas

anteriores elaboramos um teste diagnóstico que foi aplicado a um grupo de alunos de uma

escola pública com o objetivo de identificar os tipos de erros cometidos na resolução de

equações polinomiais de 1º grau. E finalmente, na 4ª etapa, complementamos a 3ª, através

de entrevistas nas quais destacamos algumas justificativas para os erros cometidos na

resolução de equações polinomiais de 1º grau, enfatizando a influência das dificuldades

conceituais associadas às propriedades da igualdade e das operações inversas.

1. O Livro Didático de Matemática e o “saber a ensinar”

Os livros didáticos, os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Propostas

Pedagógicas são referências no sentido de selecionar os conteúdos que deverão ser

ensinados, a forma como deverão ser organizados, as estratégias que serão utilizadas, ou

seja, designam “o saber a ensinar”. O processo de ensino resulta no objeto do saber

ensinado.

Um conteúdo do conhecimento, tendo sido designado como saber a ensinar, sofre então um conjunto de transformações adaptativas que vão torna-lo apto a tomar lugar entre os ‘objetos de ensino’. O ‘trabalho’ que, de um objeto de saber a ensinar faz um objeto de ensino, é chamado de transposição didática.” (CHEVALLARD, 1991:39).

O livro didático de Matemática, assim como os de outras disciplinas curriculares,

tem tido grande influência na determinação do saber escolar culturalmente valorizado

(MEC, 1999. PP. 235). Também é um dos principais recursos didáticos utilizados pelo

professor em sala de aula, refletindo verdadeiramente as escolhas metodológicas,

conceituais e organizacionais da sua prática, explicitando um modelo de ensino vivenciado

na escola (JUREMA, 1988). É, ainda, objeto familiar a todo aluno, podendo-se afirmar que,

muitas vezes, é um elemento tão presente na sala de aula quanto o próprio professor

(MOLINA, 1988).

Page 3: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

Anais do VIII ENEM - Comunicação Científica GT 2 - Educação Matemática nas séries finais do Ensino Fundamental

3

Partindo desses pressupostos decidimos mapear nos livros didáticos, sob o ponto de

vista da Teoria dos Campos Conceituais (VERGNAUD,1990), os tipos de problemas,

procedimentos e representações simbólicas utilizados no estudo das equações. Partindo,

também, do pressuposto que os livros didáticos reproduzem “o saber a ensinar”, sua análise

torna-se indispensável para conjeturarmos sobre que tipo de informação o aluno recebeu;

que escolhas de transposição didática estão subjacentes na maneira de abordar as letras

como incógnitas na resolução de equações.

2. Abordagem da Álgebra em duas coleções de Livros Didáticos de 5ª a 8ª série

Alguns autores, entre eles, Germi (1997), Souza e Diniz (1996), Usiskin (1995) e

PCNs (Brasil, 1998) construíram classificações para álgebra, com base nestes, elaboramos

um quadro que indicará categorias para mapear, através de uma leitura transversal, em duas

coleções de Livros de Didáticos de Matemática para o Ensino Fundamental:

1. onde as letras aparecem e com que função;

2. indícios de rupturas e continuidades entre aritmética e álgebra;

3. que situações são propostas em torno da álgebra.

Escolhemos as coleções Matemática na Medida Certa, de José Jakubovic e

Marcelo Lellis, editado pela Scipione no ano de 1994 e Matemática – Uma aventura do

pensamento, de Oscar Guelli, editado pela Ática em 1998, inscritas no Programa Nacional

do Livro Didático (PNLD), recomendadas pelos pareceristas do MEC.

Chamamos aqui Leitura Transversal a análise em todos os capítulos destes livros

didáticos, dos diversos aspectos da álgebra: como, onde, quando são enfocados; que papéis

a letra assume e indícios de rupturas e/ou continuidade da álgebra em relação à aritmética.

Nesta leitura, não nos preocupa justificar, mas apenas detectar e relatar.

Page 4: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

4

Categorias para Leitura Transversal dos Livros Didáticos:

Funções da letras ou dos símbolos

Conteúdos

Dimensões da álgebra à qual se associa

Designar objetos geométricos ou

grandezas associadas a estes objetos; Unidades de medidas

Geometria (pontos, retas, planos, ângulos)

Comprimento, área, volume perímetro

_________

Traduzir e generalizar padrões

numéricos

Propriedades das operações; Generalização de padrões aritméticos.

Aritmética generalizadora.

Expressar relações entre grandezas ou quantidades.

Variável: argumento ou parâmetro.

Funções lineares, quadráticas; tabelas e

gráficos; fórmulas, conceitos e procedimentos envolvendo variação de grandezas.

Funcional

Representar simbolicamente através de uma equação situações envolvendo um ou mais valores desconhecidos para em seguida simplificá-las e resolvê-las.

As letras são incógnitas.

Escrita e resolução de equações e

sistemas de equações.

Interpretativa e procedimental

As letras são símbolos abstratos, tratadas como marcas no papel, sem qualquer relação com um problema, ou função ou padrão a ser generalizado. Podem ser manipuladas através das regras das operações da aritmética ou de alguma estrutura algébrica mais complexa.

Polinômios, cálculo algébrico,

obtenção de expressões equivalentes. (álgebra abstrata)

Estrutural

Page 5: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

Destacamos através desta leitura transversal, diferenças e

semelhanças entre as opções de transposição dos autores, identificando escolhas

metodológicas e estratégias subjacentes à textualização do saber algébrico

nestas coleções.

Em ambas há introdução explícita da simbologia na 5ª série. Ora as

letras ou símbolos desempenham o papel de incógnitas, ora de variável. Jakubo

e Lellis usam a figura do quadrado para trabalhar a noção de incógnita, antes de

usar letras, mas ainda na 5ª série introduzem as letras para simbolizar

incógnitas. Guelli, na 5ª série, usa as letras para designar conjuntos, generalizar

propriedades.

Vimos também que as dimensões da álgebra, quais sejam, aritmética

generalizadora, funcional, interpretativa e procedimental e estrutural permeiam

todos os volumes das duas coleções.

Indícios de rupturas e continuidades entre aritmética e álgebra estão

subjacentes à maneira como os autores introduzem determinados conteúdos

algébricos. Especialmente no volume da 7ª série, nas duas coleções, quando a

álgebra aparece no seu aspecto estrutural, pudemos verificar exemplos

numéricos sendo usados para introduzir operações com monômios ou

polinômios.

Na seqüência que os conteúdos são distribuídos nos livros dá a

impressão que há uma relação de continuidade: primeiro conteúdos

relacionados aos números, mesmo que na hora da generalização recorramos a

linguagem simbólica própria da álgebra; depois conteúdos relacionados à

álgebra: equações, polinômios, etc, mesmo que para isto recorramos a exemplos

numéricos e os cálculos sejam feitos com os coeficientes numéricos que

acompanham as letras.

As situações propostas em torno da álgebra são variadas. Enquanto

Guelli faz a opção de trazer referências à história da matemática e em

particular à história da simbologia, desta forma mostrando como uma suposta

linha de desenvolvimento histórico da álgebra pode ser retraçada seguindo o

Page 6: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

6

desenvolvimento das notações algébricas. Jakubo e Lellis, não mencionam

história da Matemática e além das letras, utilizam outras representações

simbólicas, destacando o uso de fórmulas.

Jakubo e Lellis utilizam o conceito de operação inversa na 6ª série,

por exemplo, para encontrar o valor de X numa equação inicialmente montada a

partir do equilíbrio de dois pratos numa balança, que aparecem, posteriormente,

como recurso para resolver uma equação. Há destaque para o fato de que toda

equação tem: pelo menos uma letra que indica um número desconhecido; e

um sinal = entre duas expressões e que resolver uma equação é encontrar as

suas soluções. Fica evidente, a utilização informal das propriedades da

igualdade para resolver uma equação.

Guelli, na 6ª série dá ênfase às propriedades da igualdade como forma

de solucionar equações do 1º grau, mas não fica claro o critério para determinar

o número que deve ser somado ou subtraído a cada membro da igualdade. As

operações inversas não são mencionadas.

A seguir, na 2ª etapa, afunilamos nossa investigação, desta vez

centralizando nosso olhar nos livros de 6ª série, onde há introdução formal da

resolução das equações polinomiais do 1º grau. Queríamos mapear nestes

livros, sob o ponto de vista da Teoria dos Campos Conceituais, os tipos de

problemas, procedimentos e representações simbólicas utilizados no estudo das

equações polinomiais do 1º grau.

3. A Introdução da Resolução de Equações em Livros Didáticos de 6ª

Série

O objetivo desta seção foi realizar uma análise diagnóstica em sete

volumes de 6ª série, nos tópicos referentes às equações polinomiais do 1º grau,

mapeando como os autores introduzem o conceito de equação, que estratégias

usam, que dificuldades estariam subjacentes, que outros conceitos os alunos

deverão mobilizar. Os conceitos, segundo Vergnaud (1990), envolvem um

conjunto de situações, que lhes dão significados, um conjunto de invariantes,

que podem ser vistos como as propriedades distintas do conceito, e um conjunto

Page 7: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

7

de símbolos, utilizados na representação do conceito. Na perspectiva de

identificar nos livros didáticos elementos relativos à Teoria dos Campos

Conceituais: invariantes, situações e representações simbólicas, relacionados

ao conceito de equação do 1º grau, elaboramos algumas categorias de análise.

Procuramos identificar:

I. o uso da metáfora da balança;

II. a presença no vocabulário de simbologias da teoria dos conjuntos;

III. funções das letras na resolução de equações

IV. as representações simbólicas utilizadas, tais como: letras, tabelas, diagramas

V. a exploração de procedimentos numéricos ( cálculo mental)

VI. os tipos de equações e valores numéricos dos coeficientes;

Analisamos os seguintes livros de 6ª série, indicadas pelo MEC, em 1999:

• BONGIOVANNI, Vincenzo; LEITE, Olímpio Rudini Vissoto e

LAUREANO, José Luiz Tavares. Coleção Matemática e Vida. São Paulo:

Ática, 1995.

• GIOVANNI, José Ruy e GIOVANNI JR., José Ruy. Coleção Matemática

Pensar e Descobrir. São Paulo: FTD, 1996.

• GUELLI, Oscar. Coleção Matemática – Uma aventura do pensamento. São

Paulo: Ática, 1998.

• BIGODE, Antonio José Lopes. Coleção Matemática Atual. São Paulo:

Atual, 1994.

• JAKUBOVIC, José e LELLIS, Marcelo. Coleção Matemática na Medida

Certa. São Paulo: Scipione, 1994.

• MORI, Iracema e ONAGA, Dulce Satiko. Coleção Matemática – Idéias

e Desafios. São Paulo: Saraiva, 1997.

• IMENES, Luiz Marcio e LELLIS,Marcelo.Coleção Matemática Imenes e

Lellis. São Paulo: Scipione, 1997

De forma geral, a estratégia utilizada para resolver equações nos livros

didáticos de 6ª série, refere-se à aplicação das Propriedades da Igualdade,

como sejam, o Princípio Aditivo (PA) e o Princípio Multiplicativo (PM). Há,

Page 8: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

8

algumas vezes, um enfoque simultâneo sobre as operações inversas,

estabelecendo uma “regra prática” para resolver equações; como também há

determinação das raízes mentalmente, por tentativa e substituição.

Em seis dos livros analisados, os autores recorrem à metáfora da balança

em equilíbrio para representar a equação, trabalhando simultaneamente no

texto o estudo das equações e a aplicação das propriedades da igualdade.

Apenas Bongiovanni, et alii 1995, não utiliza esta ilustração e apresenta as

propriedades da igualdade num tópico separado.

Mesmo utilizando, em alguns casos, o conceito de operações inversas,

ou basicamente os princípios de equivalência, nenhum dos autores justifica qual

o critério para escolher o número que deve ser adicionado, subtraído,

multiplicado ou dividido a cada um dos membros da equação, ou a cada prato

de uma balança. Apesar deste recurso: equilíbrio de pratos de balanças, a

escolha é totalmente implícita; quando muito, frisam que o 1º membro é o

escolhido para isolar a incógnita.

O conceito e a linguagem “Conjunto Universo” (U) e “Conjunto Solução” (S)

está presente em quatro dos sete volumes analisados. Porém, apenas 2

referem-se a equações indeterminadas (S = Q) e equações impossíveis (S =

∅) .

Na equação, a letra é tratada pela maioria dos autores como “termo

desconhecido” ou “incógnita”. Porém, o termo “variáveis” aparece em duas

coleções para designar as letras que aparecem numa “sentença matemática

aberta”, com o mesmo significado de incógnita. Fórmulas, como uma analogia

à utilidade e importância das equações, também aparecem em duas coleções,

representando fatos genéricos e problemas solúveis através de uma regra. Desta

forma, fica imbricado o aspecto generalizador, funcional e procedimental da

álgebra.

Sobre as representações semióticas utilizadas neste conteúdo

matemático, três livros (Imenes e Lellis,1997; Jakubovic e Lellis, 1994 e

Guelli, 1998), reservam algum espaço na explanação do conteúdo para falar

sobre a supressão do sinal de multiplicar (.) entre o coeficiente e a incógnita (a .

Page 9: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

9

x), para, então, propor uma representação sincopada (ax). A maioria deles

utiliza a representação sincopada ax, apenas Mori e Onaga, 1997 usa a . x do

início ao fim do texto. Nenhum deles, porém, refere-se, no capítulo analisado,

ao significado da representação sincopada a/b ao invés de a ÷ b.

Nos sete livros, todas as situações concretas modelizadas por equações

do 1º grau, utilizando diferentes artifícios, tais como, balanças, diagramas,

esquemas gráficos, tabelas, máquinas de fazer operações especiais, cartas

enigmáticas, representam, sempre equações do tipo ax + b = c, com a ∈Ν* e b

e c∈ Z.

Quanto ao tratamento dado ao coeficiente a racional fracionário percebemos

em todos a ênfase na resolução através do m.m.c.

Bigode (1994) e Imenes e Lellis 1997) aplicam o princípio

multiplicativo, propondo que se multiplique os dois membros da igualdade por

um mesmo número, mas não deixam claro como deve ser feita esta escolha.

Segundo Giovanni (1196) e Mori e Onaga (1997) uma equação com

coeficiente fracionário resolve-se multiplicando os dois membros da equação

pelo m.m.c. dos denominadores e em seguida multiplicando os dois membros

da igualdade pelo inverso do coeficiente a , usando também, o princípio

multiplicativo.

Em todos os livros, os denominadores aparecem geralmente em vários

termos da equação e nos dois membros da igualdade, quase obrigando a solução

através do m.m.c.

Jakubovic e Lellis (1995) – Matemática na Medida Certa – se diferencia dos

outros ao sugerir que o coeficiente a sendo racional fracionário passe para o

segundo membro multiplicando. Diferenciam-se também, quando, ao

apresentar coeficientes fracionários recorrem à multiplicação em cruz, numa

aplicação da propriedade fundamental das proporções.

Ao todo, nos 7 livros analisados são apresentados 128 exemplos

resolvidos. Destes, em apenas 6 o coeficiente a é negativo, não fracionário, isto

é, a ∈ ( 4,7 % dos 128); em 15 (11,72% dos 128) o coeficiente a é −Z

Page 10: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

10

fracionário não-negativo ( a ∈ ), sendo que entre os 15, em 10 o numerador

do coeficiente a é igual a 1 ( 66,7 % dos 15 e 7,8 % dos 128) e em 5 diferente

de 1 ( 33,3% dos 15 e 3,9 % dos 128). Em apenas 2, simultaneamente o a é

negativo, fracionário e com numerador diferente de 1 ( a ∈ ) ( 1,7 % dos 128

e 13, 3% dos 15). Entretanto, é possível, que em algumas coleções as equações

com coeficientes fracionários sejam exploradas em anos subseqüentes, como

por exemplo, Imemes e Lellis (1997), no volume da 7ª série destinam um tópico

ao estudo de “Equações com coeficientes fracionários”.

+Q

−Q

e

Ao todo, também, são propostas 759 equações para serem resolvidas.

Destas, 23 possuem a < 0 não fracionário( 3% em relação às 759); 94 a

racional fracionário ( 12,4 % em relação às 759); Na maioria destas 94 o

numerador do coeficiente a é igual a 1; em apenas 19 ( 20,2 % em relação às

94) o numerador do coeficiente a é diferente de 1. Em apenas 3

simultaneamente o a é negativo, fracionário e com numerador diferente de 1

(3,2 % em relação a 94 e 04% das 759).

Gráfico 1

77%

20% 3%

numerador docoeficiente a igual a 1

numerador docoeficiente a diferentde 1

coeficiente a <0,fracionário enumerador diferentede 1

A análise diagnóstica dos livros de 6ª série, sob a ótica da Teoria dos

Campos Conceituais, mostrou que implicitamente os autores fazem a opção de

modelizar situações concretas com equações simples e explicar a resolução de

equações utilizando as operações inversas.

Page 11: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

11

Os tipos de equações e valores numéricos dos coeficientes dão pistas de

possíveis dificuldades. Apesar dos livros didáticos optarem por introduzir o

conceito de equações usando a representação simbólica dos pratos da balança

em equilíbrio, este artifício parece não ser suficiente para favorecer a

compreensão e conseqüente aplicação da noção de operações inversas na

resolução de equações menos habituais, por exemplo, as que possuem o

coeficiente a racional fracionário.

3ª E 4ª ETAPAS: O TESTE DIAGNÓSTICO E A ENTREVISTA:

Com base nas análises de Livros Didáticos e após uma criteriosa

análise a priore, elaboramos um teste diagnóstico que foi aplicado para alunos

do ensino fundamental e médio de uma escola pública. Dentre os 62 alunos que

responderam o teste diagnóstico, selecionamos, em função dos erros cometidos,

5 alunos para serem entrevistados. Destacamos algumas justificativas para os

erros cometidos na resolução das equações polinomiais do 1º grau propostas

naquele teste. Enfatizaremos as dificuldades conceituais associadas às

propriedades da igualdade e das operações inversas, colhendo alguns indícios

para pensar sobre as filiações e rupturas entre aritmética e álgebra.

A entrevista foi individual, gravada em áudio e registrada num

protocolo (anotações, resolução de equações). Inicialmente foi proposto ao

aluno que resolvesse uma determinada equação. Em seguida, numa entrevista

semi-diretiva, pedia-se para que tentasse explicar como tinha resolvido aquela

equação. Após a exposição do aluno, era-lhe proposta outra equação e repetia-se

o processo dos questionamentos.

Numa segunda etapa o aluno era solicitado a operar numa máquina de

“fazer operações especiais1”. Queríamos observar se manipulando números o

aluno cometia erros análogos aos cometidos na resolução de equações.

1 Esta máquina foi inspirada em BIGODE, Antonio José Lopes. Coleção Matemática

Atual. São Paulo: Atual, 1994.

Page 12: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

12

Procurou-se através delas verificar se erros cometidos na álgebra são herdados

da aritmética ou são frutos da ruptura entre elas.

Modelo da “máquina de fazer operações especiais”:

ALUNO:______________________ SÉRIE:____ DATA:_____/____/2001 Máquina:_______________________________

ENTRADA SAÍDA REGISTRE

AQUI

Foram propostos 5 tipos de máquinas:

1)Máquina que soma “n”; onde n representa um número natural fixo.

2) Máquina que subtrai “n”, onde n representa um número natural fixo.

3) Máquina que multiplica por “n”, onde n representa um número natural

fixo.

4) Máquina que divide por n, onde n representa um número natural fixo.

5) Máquina que multiplica por n e em seguida divide por m.

A opção pelo número natural deve-se ao fato que não queríamos

mobilizar neste momento outras dificuldades relacionadas com as operações

com inteiros ou racionais.

A máquina faz a interface entre a aritmética e a álgebra. Quando

propomos a entrada para que o aluno dê a saída, explicitamente deverá

mobilizar um raciocínio aritmético – fará a operação da máquina. Quando é

dada a saída e pede-se a entrada, embora estejamos tratando com números, ele

deverá utilizar implicitamente (ou explicitamente) as operações inversas da

máquina. Situamos este raciocínio na fronteira entre aritmética e álgebra.

Page 13: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

13

Utilizamos em nosso estudo equações polinomiais do 1º grau do tipo ax +

b = c, sendo a, b, c ∈Q e a 0. Para facilitar a leitura, designamos de forma

arbitrária, coeficiente a como sendo o coeficiente do termo de 1º grau; coeficiente

b o termo independente e coeficiente c o segundo membro da equação.

Procuramos contemplar no universo dos entrevistados sete (7) tipos de erros,

destacados na análise qualitativa dos procedimentos de resolução dos alunos no

teste:

E1)não aplicar a inversa da adição ou da subtração em relação ao coeficiente b;

E2) aplicar, em relação ao coeficiente a (a positivo, negativo, inteiro ou

racional fracionário) a inversa da adição ou da subtração, ao invés da

inversa da multiplicação;

E3)trocar o sinal do c, que já estava no segundo membro;

E4)ao aplicar a inversa da divisão ou da multiplicação em relação ao

coeficiente a, os alunos procedem a uma troca de sinal qualificativo;

E5) ao aplicar a inversa da multiplicação trocar o numerador e o

denominador do coeficiente a;

E6)multiplicar numerador pelo denominador do coeficiente a;

E7)o numerador e o denominador do coeficiente a, aparecem no 2º

membro sendo multiplicados, conservando ou não o sinal qualificativo e

aplicando ou não a inversa da adição ou da subtração.

Procedimentos dos alunos nas atividades com as máquinas

I. O predomínio dos procedimentos numéricos

O aluno Paulo, por exemplo, acertou todas as questões propostas, dando a

entrada ou a saída, operando sempre com um raciocínio numérico, não

mobilizando as operações inversas. Justifica seus procedimentos na “máquina

que soma 3”, na máquina que subtrai 6, máquina que multiplica por 5 e na

máquina que divide por 2, quando foram propostas as saídas 8, 10, -3, 24 e 30,

respectivamente, como sendo por tentativas, da seguinte forma:

“Procurei um número que somado com 3 desse 8”;

“Procurei um número que subtraindo 6 desse –3”;

Page 14: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

14

“Procurei um número que multiplicado por 5 desse 25” e

“Procurei um número que dividido por 2 desse 30”, respectivamente.

II. O uso explícito das operações inversas

Dentre os cinco entrevistados, apenas dois alunos, Silvana e Breston,

mencionaram as operações inversas da adição e da divisão na explicação de

seus procedimentos nas máquinas e nenhum deles menciona as inversas na

resolução de equações.

Silvana, por exemplo, usa a operação inversa da adição na

“máquina que soma 3”. Quando foi proposta a saída 10 e pergunta-se qual

teria sido a entrada, ela responde corretamente, sete, e justifica quando

argüida sobre qual a operação realizada para encontrar o sete:

”_ Eu diminuí... do 10 tirei 3!”

Analogamente quando proponho a saída 1000, aluna justifica:

“_Porque a máquina soma 3. Se a máquina soma 3, eu tirei de 1000, 3”.

Porém, a aluna não mobilizou na “máquina que subtrai 5” a operação

inversa da subtração. Quando propus a saída 8, ela justifica assim sua

resposta:

“_Eu fui tentando ai cheguei ao número 13”.

Intuitivamente, sem muita convicção, também aplica a operação inversa

da divisão. Na máquina que divide por 2, quando proponho a saída 4, ela

justifica assim, a entrada 8: “_ porque 4 x 2 = 8! “. Ela não parece capaz

de explicar o que usa, nem porque, mas aplica propriedades matemáticas

relacionadas com as operações inversas, ou seja, usa o seguinte teorema-

em-ação:

Se .0,,, ≠∈ bNcba cbaba ×=⇔÷

Outro aluno, Breston, na máquina que soma 5, demonstrou ter usado a

inversa da adição. Quando propus a saída 999, ele escreveu 994. Então

perguntei: “_ qual foi o cálculo que você fez para encontrar este 994?”

“_ Eu coloquei 999 menos o 5 que a máquina soma e me deu o resultado

994, que seria a entrada dela.”

Page 15: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

15

O aluno usou também a inversa da divisão na máquina que divide por 7,

quando propus a saída 6, ele justifica assim a entrada 42: “_ por que 6 x 7

dá 42”. E quando proponho a saída 13, justifica assim a entrada 91: “ _

eu fiz 13 x 7, aí deu 91”.

III. Os automatismos:

Podemos destacar que estes dois alunos, Silvana e Breston, apesar

de terem sinalizado para uma utilização das operações inversas da adição

e da divisão na aritmética, por ocasião da manipulação das máquinas, na

resolução das equações deixam claro o automatismo na manipulação dos

termos das equações, em momento algum fazendo referência às inversas.

Por exemplo, Silvana ao ser questionada sobre a passagem do

coeficiente b ( +1) na equação -3x + 1 = 0 para o segundo membro, que

ela chama “passar para depois da igualdade” , diz que o “ +1

transformou em –1” e justifica: “Quando a gente muda um número de

lugar ele muda o sinal, seja mais ou seja menos.” Ainda nas equações -

3x + 1 = 0 e 2x – 1 = 3, na passagem do coeficiente a , -3 e 2

respectivamente, para o 2º membro, aluna comete o erro 4, troca o sinal

qualificativo do a, quando aplica a inversa da multiplicação, mas justifica:

“vai tudo pro brejo por causa de um sinal... só sei que o ideal é a gente

trocar o sinal, já que ele está mudando de lugar”.

Já Breston, ao resolver a equação (7): 2/3x + 2 = 0, aplica

corretamente a inversa da adição em relação ao coeficiente b (2), a

inversa da divisão em relação ao denominador do coeficiente a (3) e a

inversa da multiplicação em relação ao numerador do coeficiente a (2).

Mas justifica assim seus procedimentos: “_ Eu resolvi a equação

Page 16: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

16

primeiro ‘mudando os termos dos números’: letras no 1º membro e

números no 2º. Passando os números para o segundo membro, trocando

os sinais... com os sinais opostos e resolvi o resto da equação”. Pergunto

então: “_ O que levou você a pensar em passar para o segundo membro

com os sinais opostos?”.

_ Eu passei para o segundo membro com os sinais opostos por que

quando um número passa para o segundo membro, pro outro lado da

igualdade, ele muda de sinal.”

Breston também muda o sinal qualificativo do coeficiente a, ao

aplicar a inversa da divisão na equação 6: (-2x – 4 = 0) e 10: ( 4x – 1 = -4)

Mas justifica o erro na equação 6, assim: “_Porque no primeiro

membro ele (o coeficiente –2) estava negativo e quando passa para o

segundo membro, automaticamente troca de sinal.” E na 10 assim:

“_passei o 4 que estava multiplicando para o outro lado com o sinal

negativo e dividindo e deixei o –3 em cima dele.”

A aluna Fernanda, por exemplo, apesar de demonstrar segurança na

resolução de algumas equações, na equação 5: x/3 – 1 = 0, comete o erro

6, multiplica o numerador pelo denominador do coeficiente a.

Page 17: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

17

E justifica: “−Esse x sobre 3 está dividindo, eu passei para multiplicar

pelo 3... botei o sinal de = e troquei o sinal do –1 que passou a ser +1.

Eu tive que inverter, trocar de posição”.

Outra evidência de automatismo ao lidar com a mudança de

membros dos termos de uma equação, constatamos com a aluna Kênia.

Ela apesar de demonstrar noção de redução de termos semelhantes e

comparação de inteiros, despreza o sinal de = nas sentenças que escreve

para solucionar a equação e repete dois dos erros categorizados no teste: o

número 1: não aplicar a operação inversa em relação ao coeficiente b e o

número 3: trocar o sinal do c que já estava no 2º membro.

Ao analisarmos a entrevista de Kênia, tivemos a impressão que

estes dois erros relacionam-se: ela sabe que precisa mudar um sinal e opta

pelo c, desta forma, em sua compreensão, satisfaz a aplicação da inversa

em relação ao b.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

De forma geral, confirmando a posição de Da Rocha Falcão (1993) e

Souza e Diniz (1996), pensamos que entre os erros que os alunos cometeram na

resolução de equações polinomiais do 1º grau há aqueles, numa perspectiva de

Page 18: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

18

continuidade herdados da aritmética; outros próprios da álgebra, incluindo

aqueles que são frutos da ruptura entre aritmética e álgebra.

No que se refere à resolução de equações polinomiais do 1º grau, uma

ruptura seria, por exemplo, a notação p/q, que na aritmética representa um

único número (racional fracionário), que deve ser trabalhado de uma só vez: p e

q, ao mesmo tempo; enquanto na álgebra quando este p/q é o coeficiente a de

uma equação polinomial do 1º grau, ele pode além de representar a relação

parte/todo, quociente, razão ou funcionar como um operador, assumir um

caráter de dois números distintos, ou seja, o p seria um número que multiplica a

incógnita x da equação, enquanto o q seria o número que dividiria este

resultado, portanto, esta notação p/q mobilizaria duas operações inversas: a

inversa da multiplicação em relação ao p e a inversa da divisão em relação ao q.

Em relação às continuidades, uma categoria de erros que se destacou na

análise dos testes e das entrevistas, está relacionada à extensão dos conjuntos

numéricos, ou seja, a passagem dos Naturais para os Inteiros e para os

Racionais. Como vimos na análise dos livros de 6ª série, a maioria dos autores

faz a opção de resolver equações com coeficientes fracionários tirando o m.m.c.

dos denominadores e quando o coeficiente a é negativo, multiplicar os dois

membros da equação por (–1), reduzindo assim a manipulação de números

negativos e fracionários.

Se partirmos da perspectiva da matemática escolar, onde aritmética

refere-se aos números e álgebra às letras, outro aspecto de continuidade da

álgebra em relação à aritmética seria, na resolução das equações polinomiais do

1º grau, todos os cálculos serem feitos com os números que acompanham as

incógnitas ou que aparecem independentes, na verdade se manipulam os

“números” para descobrir o valor da “letra”. Mas por outro lado para esta

manipulação exige a mobilização das operações inversas.

Finalmente, concluímos que a compreensão das propriedades da igualdade

e do conceito de operações inversas com números racionais na aritmética

interfere na apropriação da álgebra e mais especificamente na resolução de

equações polinomiais do 1º grau. Coerentes com pesquisas anteriores sobre o

Page 19: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

19

tema, os resultados desta investigação mostram que os erros cometidos pelos

alunos na resolução de equações polinomiais do 1o grau são parcialmente

herdados da aritmética, uma vez que o domínio das operações inversas com

números inteiros e racionais é instável nos alunos de ensino fundamental e

médio. Por outro lado, alguns erros parecem ser fruto da ruptura entre

aritmética e álgebra, e mais especificamente dos diferentes sentidos assumidos

pelos símbolos e da dificuldade dos alunos na manipulação de uma linguagem

simbólica centrada no referencial sintático. Ainda ao articular esta interferência

com escolhas subjacentes à maneira de abordar o tema nos Livros didáticos, o

cruzamento dos dados das quatro etapas aponta para a insuficiência do artifício

da balança em equilíbrio, amplamente utilizado nos livros didáticos, para

favorecer a compreensão das operações inversas e das propriedades da

igualdade na resolução de equações polinomiais de 1o grau com coeficientes

racionais. Observamos também que o uso de coeficientes inteiros negativos e

racionais fracionários é pouco explorado nos livros didáticos de 6a série e, ao

mesmo tempo, as equações destes tipos são aquelas com maiores índices de

erro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BIGODE, Antonio José Lopes. Coleção Matemática Atual. São Paulo: Atual,

1994.

BONGIOVANNI, Vincenzo; LEITE, Olímpio Rudini Vissoto e

LAUREANO, José Luiz Tavares. Coleção Matemática e Vida. São Paulo:

Ática, 1995.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares

Nacionais – Matemática. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CHEVALLARD, Y. La transposition didactique: du savoir savant au savoir

enseigné. Grenable: La Pensée Sauvage, 1991.

DA ROCHA FALCÃO, J. T. “A Álgebra como Ferramenta de

Representação e Resolução de Problemas”. IN: SCHLIEMANN,

Page 20: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

20

Analúcia Dias. Estudos em Psicologia da Educação Matemática. Recife:

Ed. UFPE,1993.

GERMI, P. E. Statut des lettres et notion de variable. Petit x número 45. Pp.

59- 79. Grenoble, França: l997.

GIOVANNI, José Ruy e GIOVANNI JR., José Ruy. Coleção Matemática

– Pensar e Descobrir. São Paulo: FTD, 1996.

GUELLI, Oscar. Coleção Matemática – Uma aventura do pensamento.

São Paulo: Ática, 1998.

IMENES, Luiz Marcio e LELLIS, Marcelo. Coleção Matemática/ Imenes e

Lellis. São Paulo: Scipione, 1997.

JAKUBOVIC, José e LELLIS, Marcelo. Coleção Matemática na Medida

Certa. São Paulo: Scipione, 1994.

JUREMA, Ana L. A. O que dá pra rir dá pra chorar: trabalho e ensino nos

livros didáticos. Recife: Secretaria de Educação, 1988.

MEC. Programa Nacional do Livro Didático. Guia de Livros Didáticos (5ª à

8ª SÉRIE). Brasília: CENPEC/UFPE, 1998.

MOLINA, Olga. Quem engana quem: professor x livro didático. Campinas/SP:

Papirus, 1988.

MORI, Iracema e ONAGA, Dulce Satiko. Coleção Matemática– Idéias e

Desafios. São Paulo: Saraiva, 1997.

SOUZA, Eliane Reame e DINIZ, Maria Ignez de S. Vieira. Álgebra: das

Variáveis às Equações e Funções. São Paulo: IME-USP, 1996.

USISKIN, Zalman. “Dificuldades das crianças que se iniciam em álgebra. IN:

COXFORD, Arthur F. e SHULTE, Albert P. As Idéias da Álgebra. São

Paulo: Atual, 1995.

VERGNAUD, G. “Teoria dos Campos Conceituais”. IN: ANAIS do 1º

Seminário Internacional de Educação Matemática do Rio de Janeiro. Rio

de Janeiro: 1990.

Page 21: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

21

ANEXO: Modelo do teste diagnóstico:

ESCOLA:___________________________________

ALUNO:_______________________________________SÉRIE:___________

RESOLVA AS SEGUINTES EQUAÇÕES:

1)2x + 3 = 5

2)–3x + 1 = 0

3)2x – 1 = 3

4)x

52 1+ =

5)x

31 0− =

6)–2x – 4 = 0

7)2

32 0x+ =

8)− + =2

54 0x

9)− − =2

36 0x

10)4 x – 1 = -4

Page 22: A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA … · rosinaldateles@yahoo.com.br INTRODUÇÃO: Este artigo relata as conclusões gerais de um estudo sobre a influência da ... o

22

A RELAÇÃO ENTRE A ARITMÉTICA E A ÁLGEBRA NA MATEMÁTICA

ESCOLAR: A INFLUÊNCIA DA COMPREENSÃO DAS PROPRIEDADES DA

IGUALDADE E O CONCEITO DE OPERAÇÕES INVERSAS NA RESOLUÇÃO

DE EQUAÇÕES POLINOMIAIS DO 1º GRAU

Rosinalda Aurora de Melo Teles

UFPE/ [email protected]

RESUMO

Analisamos a interferência da compreensão das propriedades da igualdade e do

conceito de operações inversas na aritmética na apropriação da álgebra, especificamente na

resolução de equações polinomiais de 1o grau. Observamos a possível influência de

escolhas subjacentes à maneira de abordar o tema em livros didáticos. Fizemos um estudo

em quatro etapas.

Identificamos escolhas de transposição didática referente aos usos das letras em

duas coleções de livros didáticos. Fizemos o mapeamento, sob o ponto de vista da Teoria

dos Campos Conceituais, de estratégias, tipos de problemas, procedimentos e

representações simbólicas utilizadas na introdução do conceito de equação. Aplicamos um

teste relativo à resolução de equações do 1o grau, com coeficientes racionais. E

entrevistamos 5 alunos. Os resultados mostram que erros cometidos pelos alunos na

resolução das equações são parcialmente herdados da aritmética, outros, porém, parecem

ser fruto da ruptura entre aritmética e álgebra.

PALAVRAS CHAVE: equações polinomiais do 1º grau; propriedades da

igualdade; operações inversas.