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A RELAÇÃO DOS TRANÇADOS MASCULINOS COM A HISTÓRIA E A CULTURA DO POVO INDÍGENA ASURINI DO XINGU
THE RELATIONSHIP OF TWISTED MALE WITH HISTORY AND CULTURE OFINDIGENOUS PEOPLE ASURINÍ XINGU 1
Reliane Pinho de Oliveira2
RESUMO
O artigo pretende estabelecer informações sobre o trançado masculino, em uma perspectiva histórico-social, como um instrumento de aprendizagem e consolidação cultural, simbólica e de produção material do povo Asurini do Xingu. Os trançados realizados nas flechas, arcos e capacetes, são objetos do cotidiano e cerimônias ritualísticas, que remetem à identidade do grupo, que passa a ser um elo da etnia Asurini, estabelecido pelos ancestrais que repassam esses ensinamentos entre os homens da aldeia. Essas tradições são resignificadas com o avanço da modernidade, se estabelecendo em um código de comunicação complexo, que exprime a concepção artística de um grupo e suas relações com os outros.
PALAVRA CHAVE: trançados, indígenas, cultura.
ABSTRACT
The article intends to provide information on the twisted male, in a socio-historical perspective, as a tool for learning and cultural, symbolic and consolidation of material production Asurini Xingu people. The twisted made the arrows, bows and helmets are everyday objects and ritualistic ceremonies, which refers to the identity of the group, which happens to be an ethnic link Asurini established by the ancestors who pass these teachings among the men of the village. These traditions are resignified with the advance of modernity, settling into a complex code of communication that expresses the artist's conception of a group and their relationships with others.
KEY-WORDS: twisted, indigenous culture.
1 Trabalho apresentado no I Encontro de Antropologia visual da América Amazônica. Na Universidade Federal do Pará. GT 07- Pesquisa de campo em Antropologia Visual - diálogos contemporâneos. Coordenado pelo Professor Adjunto da Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA. Dr. Rubens Elias da Silva. E-mail [email protected] 2 Professora de Sociologia da Secretaria executiva do Estado do Pará, Mestranda da Universidade da Amazônia em Comunicação, Linguagem e Cultura. E-mail [email protected]
INTRODUÇÃO
Os povos indígenas do Estado do Pará formam sociedades que ajudam a
entender o universo amazônico, já que se trata de grupos específicos, com um rico e
diversificado patrimônio étnico e cultural.
Os registros atuais mostram a presença de 36 povos no território paraense, com
aproximadamente 19.000 índios, que falam idiomas dos três troncos linguísticos:
Macro-jê, Tupi e Karib. São 39 áreas de terras indígenas oficialmente reconhecidas,
que representam 24,52% da área total do Estado, falando 25 línguas diferentes, dados
de Brasil/MEC (1994).
O povo indígena Asurini vive na Aldeia Koatinemo, localizada no município de
Senador José Porfírio, no Estado do Pará, com acesso pelo Município de Altamira, à
margem direita do Rio Xingu com a navegação fluvial sendo a única forma de acesso.
Para se chegar à terra dos Asurini é um verdadeiro labirinto na margem direita
do Rio Xingu, na floresta amazônica, rodeado por furos, igarapés e cachoeiras que
trazem seus nomes com animais da floresta como: porco, jabuti, jabota. O médio
Xingu é um rio perigoso que para navegar precisa cautela e conhecimento do piloteiro
(pessoa que é responsável pela condução da embarcação).
A saída de Altamira e o desejo de chegar à aldeia do Koatinemo na hora
prevista, desperta uma ansiedade, no percurso de belas paisagens, vários desvios e o
rio quando seco, pode se ver diversos corredores de pedras, corredeiras, canais que
jamais imaginaria que por ali passasse uma embarcação.
O piloteiro, com a sua habilidade e conhecimento geográfico desse percurso,
desvia das pedras dos lados e do fundo do rio. Só percebemos que existem pedras,
quando diminui a velocidade da lancha e passa de vagar, visualizando a proximidade
das pedras no fundo do rio e o perigo que nele se esconde e por isso a necessidade
de ter um piloto, que conheça a região.
O tempo quase interminável que aumenta cada vez mais com a vontade de
chegara à aldeia e quando se chega sempre uma surpresa, as crianças, os jovens, os
velhos todos pintados esperando o grupo na margem do rio, no alto da ladeira.
O visual é algo inesquecível, sempre belo, maravilhosos, cheios de mensagens
não ditas, sempre nas entrelinhas, mas para quem não conhece o povo Asurini o que
se vê na aparência não é a realidade que se imagina, pois a realidade está encoberta
por uma essência desse universo que possui seu colorido próprio, seus trançados, sua
espontaneidade, sua história, suas memórias.
Foto 1- Aldeia Indígena Asurini do Koatinemo.
Fonte: Ampuero. Janeiro 2014.
Este povo desde sua origem produz cultura, cultura que acumula história
contada através do trançado masculino, em peças do cotidiano como as flechas, arcos
e capacetes, construindo e reconstruindo laços de memória.
Neste contexto, historicamente, o fazer do índio Asurini desde sua origem,
produziu cultura que acumula história contada através do trançado masculino, em
peças do cotidiano e ritualístico.
O conceito de cultura é aqui entendido como produto da sociedade, da
coletividade a qual os indivíduos pertencem, antecedendo-os e transcendendo-os,
Laraia (2001). É preciso considerar que não se trata do sentido mais usual do termo
cultura, empregado para definir certo saber, ilustração, refinamento de maneiras.
O sentido antropológico do termo afirma que todo e qualquer indivíduo nasce no
contexto de uma cultura, não existe homem sem cultura, mesmo que não saiba ler,
escrever e fazer contas. É como se pudesse dizer que o homem é biologicamente
incompleto: não sobrevive sozinho sem a participação das pessoas e do grupo que o
gerou, segundo Soares (1992).
O referido estudo estabelecerá informações sobre o trançado masculino, numa
perspectiva histórico-social, como um instrumento de aprendizagem e consolidação
cultural, simbólica e de produção material do povo Asurini do Xingu.
Foto 2- Trançado do capacete.
Fonte: Reliane. Janeiro 2014.
De acordo com Laraia (2001), as realizações humanas são justificadas pela sua
cultura, muito mais do que a herança genética, pois ela determina seus
comportamentos, sua maneira de pensar, agir e fazer na sociedade. Segundo o autor,
os instintos do homem foram transformados com o passar dos tempos, uma vez que
ao longo da história, seguindo os padrões culturais dos grupos em que estão
inseridos, constantemente são levados a adaptar-se naturalmente aos diversos
ambientes.
Uma das manifestações culturais dos povos indígenas são os trançados
dos índios da região do Médio Xingu, considerados muito importantes e uma das mais
expressivas marcas do Povo Asurini. Além do que, o trançado é a marca identitária e
de gênero, expressiva desse povo que exercita como parte de suas crenças, de suas
práticas, de sua cultura tradicional, Ampuero (2007).
Observou-se no período de visitas à aldeia, que a prática dos trançados
manifesta-se como um elo na etnia Asurini, ao passo que os seus membros se
identificam e se reconhecem como parte de um coletivo, o qual construiu, ao longo do
tempo, tradições que precisam ser constantemente revisitadas e reelaboradas pelas
gerações atuais.
Como se trata de um código de comunicação complexo, que exprime a
concepção artística de um grupo e suas relações com os outros, com entidades e com
o meio onde vivem, reserva-se a aldeia do Koatinemo como lugar especial para
realização destes trançados.
Os trançados masculinos do povo Asurini realizados nas flechas, nos arcos e
nos capacetes, são objetos de seu cotidiano ou cerimonial. Apesar da grande
padronização, cada índio, na hora de confeccionar, possui seu estilo, sua excelência,
deixando assim a sua marca expressa no objeto como se fosse sua digital.
Foto 3- Trançados Asurini.
Fonte: Ampuero. Janeiro 2014.
Tradicionalmente, os desenhos são sempre motivos geométricos abstratos de
sua mitologia. Os homens, no ato de confeccionar, seguem suas tradições, usando
sempre as cores naturais dos vegetais.
Nesse sentido, o trançado é um objeto de transmissão de conteúdos simbólicos
e afirmação de identidade pessoal e étnica.
A produção do trançado masculino Asurini desempenha, no cotidiano desta
etnia, uma expressão cultural atuante, que busca reafirmar a identidade como uma
aliada na tentativa de perpetuar, nas gerações atuais, o valor das práticas culturais
dos mais velhos, bem como solidificar para a posteridade a importância de aprender a
tecer, para servirem de suporte à sua cultura material.
O trançado do povo Asurini é uma referência étnica desse povo. Trata-se de um
elemento de uso exclusivo dos homens. Os processos de ensino e aprendizagem do
trançado se dão de maneira informal e contínua – desde a infância até a fase adulta,
quando transpõem o desafio de apreender; passam a transmitir seus conhecimentos
aos seus descendentes – o conhecimento é transmitido pelos mais velhos às novas
gerações, que retratam os vestígios de um passado marcado pela valorização da
ancestralidade.
Foto 4- Índio Asurini realizando trançado em arco.
Fonte: Ampuero. Janeiro 2014.
Esse processo de informação entre gerações ocorre por meio da própria
dinâmica do cotidiano da aldeia. A tradição oral é penetrada na arte do trançado, como
um conhecimento, que continua a viver do próprio ato permanecido, por meio da fala,
dos cantos, dos ritos e mitos da tradição cultural viva desse povo.
São conhecimentos empíricos, consolidados pela vivência, contados com
minúcias em cada ação e outras particularidades do passado e do presente, que são
repassados dos pais para os filhos.
A prática dos trançados na aldeia desempenha funções diversificadas, pois
estão atreladas aos rituais, aos mitos3, ao embelezamento dos arcos, das flechas e
dos capacetes como uma forma de manter a cultura ancestral, uma vez que demarca
um traço da identidade Asurini.
Os trançados trazem a digital da construção individual, onde a produção é
identificada por cada membro, nos ornamentos de cabeça, arco e flecha, dando
continuidade a aspectos que compõe a cultura do povo Asurini. Neste sentido, seria
um caminho para garantir aos mais jovens o contato com os costumes ensinados
3 O mito do surgimento do grafismo conta que existia um ser conhecido como Ajykwasara, o qual tinha o corpo todo pintado. Em cada parte apresentava uma pintura diferente e apenas algumas pessoas podiam ver esse ser. Segundo o mito, o jovem índio Ajygawu’i, em fração de segundos, viu passar esse ser mitológico e, para não esquecer os desenhos, os reproduziu na ponta da sua flecha e de seu arco. Ver: AMPUERO, Alberto. O Grafismo corporal dos Asurini do Koatinemo: preservação cultural de um povo indígena. Dissertação apresentada ao curso de Gestão e Desenvolvimento Regional do Departamento de Economia, Contabilidade e Administração da Universidade de Taubaté, São Paulo: 2007, p. 89.
pelos mais velhos, introduzindo para a sua vida, ensinamentos adquiridos através da
observação diária.
Esta rede de relações e interações está presente na memória dos mais velhos
que guardam como "exclusividade pessoal”, Ampuero (2007). O passado é sempre
reconstruído de acordo com tensões, normas e situações do presente.
Logo, a memória é fruto de interações sociais que ocorrem no presente; de que
nestas interações dá-se a constituição da imagem de cada "um" no "outro"; e de que a
personalidade dos indivíduos se forma nestes contextos interativos, de forma
fragmentada e aberta a múltiplas composições. Bossi (1994).
Foto 5- Índio Asurini realizando trançado na flecha.
Fonte: Reliane. Julho 2014.
O trançado dos Asurini é um símbolo, com seus diversos significados que são
diferentes no seu movimento, de acordo com os acontecimentos do cotidiano da
aldeia, contribuindo para a revitalização étnica desse povo. É por meio dos símbolos
que são instituídos e legitimados os valores da vida do povo, através de concordância
social e valorização grupal.
Falando de símbolo Malinowski (1986, p.181), descreve que:
Os símbolos servem para ligar os atores sociais entre si, por intermédio dos diversos meios de comunicação que põem ao seu serviço; serve igualmente para ligar os modelos aos valores, de que é a expressão mais completa e mais diretamente observável; por último os símbolos recriam incessantemente a participação e a identificação das pessoas e dos grupos as coletividades.
Portanto, o símbolo pode representar diversos valores. O que vai determinar
esses valores é a estrutura cosmológica e a organização social do povo organizado,
expressando, deste modo, a visão de mundo e suas interpretações dos
acontecimentos no grupo.
Para Turner (1988, p.52), “O pensamento simbólico e ritual tem uma função
integrada ao corpo com respeito a séries de classificações que se entrecruzam”.
Estudos realizados entre sociedades iletradas em diversas partes do mundo têm
demonstrado que as representações naturalistas, juntamente com os trançados, são
utilizadas para veicular ideias, para narrar estórias mitológicas, ou ainda para
simbolizar parentesco ou filiação a determinado grupo social, Geertz (1989).
Assim sendo, representam formas de pensar, de conceber o mundo, de
entender os papéis sociais - ou seja, representam visões cosmológicas dentro de um
contexto cultural específico. Vista dessa maneira, a arte cumpre o papel de trazer as
ideias para o mundo dos objetos, tornando visual e concreto aquilo que antes estava
no plano do pensamento de Geertz (1989).
Foto 6- Índios Asurini e seus capacetes.
Fonte: Reliane. Julho 2014.
A arte dos trançados masculinos é uma possibilidade dos mesmos se
destacarem na comunidade, ao serem reconhecidos pelas suas habilidades,
transformando-se numa referência na aldeia; fazendo com que o índio que detenha
maior conhecimento cultural seja considerado o mais rico; não como um valor
monetário, mas sim uma valoração ligada ao conhecimento de sua cultura. O
trançado, enquanto saber cultural representa um conjunto de ideias, concepções que
são reelaboradas dentro de um espaço e de um tempo. Logo, são:
Símbolos compartilhados pelos membros de um grupo social específico que, através dela, atribuem significados ao mundo e expressam o seu modo de entender a vida e suas concepções quanto à maneira como ela deva ser vivida, percebemos que a cultura permeia toda a experiência humana, intermediando as relações dos seres humanos entre si, e deles com a natureza e com o mundo sobrenatural. Vidal (1995; 369).
Diante desses fatos, é possível refletir sobre as questões que envolvem a
preservação dos trançados praticados pelos indígenas, caracterizadas como um
costume de grupos étnicos. Entende-se ser de fundamental importância a preservação
da sua cultura tradicional, valorizando a identidade das etnias e assim, atentar para
todas as formas de expressão e comunicação dos povos indígenas.
O contato da aldeia com a sociedade do homem não índio estabeleceu
interferências que são observáveis no cotidiano da comunidade. Logo, é pertinente
ressaltar que tal contato não simbolizou o fim das tradições Asurini, mas sim, uma
reflexão sobre os significados que tais interferências produziram na aldeia.
A aldeia convive, hoje, com a presença de objetos da cultura do homem não
índio, como a televisão, armas de caça, rádios, aparelhos de DVD, alimentos que
vendem na cidade, dentre outros. Tal convivência, neste sentido, permite a
coexistência de experiências compartilhadas, há anos, pelos seus ancestrais e a
inserção de inovações a partir da experimentação e uso de tais aspectos da cultura do
homem não índio.
Todas as interferências da tecnicidade tornam-se atraente para o processo da
vida de qualquer indivíduo, não se fazendo diferente com os povos indígenas que se
dividem entre o fazer cultural e as novas tecnologias, há uma necessidade de
valorização de aspectos culturais, tradicionais para que os mesmos não deixem de
existir enquanto construção de identidade.
É evidente que os índios mais jovens se veem atraídos com as novas
tecnologias, sendo assim, o moderno passa a ser objeto de interesse evidente em
relação aos laços culturais. Essas são algumas das questões que norteiam este
trabalho.
Assim como todos os elementos identitários existentes para que não se percam
na memória das gerações futuras. O trançado mostra-se, neste sentido, como uma
forma distintiva que remete às tradições identificadas pelo grupo para se auto
afirmarem.
Na visão de Castells (2002, p.139) a identidade é compreendida como “fonte de
significado e experiência de um povo”. São nomes, idiomas, culturas que representam
distinção entre o eu e o outro.
Essas características de distinção são fontes de significados definidas pelos
próprios atores, confirmando que não nascemos com uma identidade, pelo fato da
identidade ser uma construção social, Ferreira (2001, p.233).
O conhecimento adquirido através da ancestralidade demonstra o significado da
tradição para os Asurini, ao passo que esta não seria apenas uma repetição do
passado ao longo do tempo, mas uma orientação do passado voltada para o presente.
A tradição é uma orientação para o passado, de tal forma que o passado tem uma pesada influência ou, mais precisamente, é constituído para ter uma pesada influência sobre o presente. Mas evidentemente, em certo sentido e em qualquer medida, a tradição também diz respeito ao futuro, pois as práticas estabelecidas são utilizadas como uma maneira de se organizar o tempo futuro. (GIDDENS 1997, p. 82)
As experiências do cotidiano, na visão de Giddens “1997, p.81”, vêm sofrendo
influências da modernidade, pois no interior das comunidades locais nota-se uma
íntima relação com a mutação das tradições e as questões ligadas ao eu e à
identidade, as quais possibilitam diversificadas mudanças e adaptações na vida
cotidiana. Logo as tradições estariam em constante mutação, porém atreladas ao
sentido de continuidade ao persistirem ao tempo, Giddens (1997, p.82).
As práticas socioculturais na aldeia Asurini, baseadas na transmissão do saber
através de um elo de parentesco, demonstram como as relações sociais ganham um
peso de confiança no grupo, identificando nos rituais evidências de uma comunidade
que compartilha tradições, transformando a identidade num mecanismo orientador de
outras relações de confiança, Giddens (1997, p.102).
O contato dos índios Asurini, com práticas culturais externas, mantém uma
colaboração entre modernidade e tradição, que imprimem relações diversificadas que
são marcadas pelo convívio com a língua Asurini e, ao mesmo tempo, com o
português, com objetos da cultura do homem não índio e a confecção de artefatos
manuais.
No perfil do povo Asurini, a base da tradição firma-se, assim, nas pessoas mais
velhas da aldeia, nas lideranças e pajés que buscam transmitir aos mais jovens
histórias míticas de seu povo, músicas, danças, rituais, pintura, trançados, a prática da
pesca e da caça, entre outras, permitindo que se busque a autonomia dos seus
membros e sua atuação como sujeitos de sua própria história no contexto de interação
entre a tradição e a modernidade.
Considerações finais
Nesse sentido, acredita-se que a modernização e o contato cada vez mais
presentes das etnias com a cultura dos brancos não simbolizam o desaparecimento
dos povos indígenas e sim uma necessidade de reelaborar e construir estratégias que
consigam permitir a convivência com tais elementos externos e os tradicionais.
A comunidade Asurini, neste sentido, reservou aos seus “guardiões” Giddens
(1997, p.83), do saber a contribuição para a continuidade e a identificação dos jovens
com a sua cultura, usando o trançado e a observação como processos de
aprendizagem na transmissão de seus saberes.
A tradição ganha uma ampla dimensão como elemento de identidade, ao passo
que representa um elemento demarcador da cultura Asurini. Assim, os índios utilizam
os trançados como ornamentos e acessórios em seus cotidianos; com base nos
repasses da tradição cultural, mesmo em tempos modernos.
A autonomia dos povos indígenas, talvez, seja uma possibilidade para que as
etnias possam se posicionar frente ao contato com as interferências da modernidade
no cotidiano, estabelecendo, dessa forma, uma relação de convivência e reelaboração
da sua cultura. Logo, tal perspectiva desloca da análise, ou melhor, do “julgamento” de
que os índios podem deixar de serem índios em função do contato, desconstruindo o
modelo de índio que boa parte da sociedade compartilha.
As interferências da modernidade no interior das aldeias corroboram para uma
reelaboração sociocultural dentro do contexto da modernidade, articulando o
diferencial étnico com a convivência de elementos externos, permitindo, assim, um
repensar sobre o imaginário da “indianidade”.
O que se faz necessário é um incentivo cada vez maior dos jovens, em buscar
apreender com os índios mais velhos, detentores do conhecimento dos trançados,
para que essa manifestação cultural não se perca, permanecendo como um legado
histórico e de identidade que reaviva a memória em seu povo e que inspira a
confiança ao grupo, fortalecendo os vínculos entre si através dos trançados
consolidando-se em elo do povo Asurini denominando-se de Awaeté.
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