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XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 1 A RELAÇÃO CIDADE-CAMPO NA DISCUSSÃO SOBRE O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL LOCAL/REGIONAL NOS COREDES FRONTEIRA NOROESTE E MISSÕES/RS ANELISE GRACIELE RAMBO (1) ; LUIZ FERNANDO MAZZINI FONTOURA (2) . 1.PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL - PGDR/UFRGS, PORTO ALEGRE, RS, BRASIL; 2.PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA PPG-GEO/UFRGS, PORTO ALEGRE, RS, BRASIL. [email protected] APRESENTAÇÃO ORAL DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E RURALIDADE A RELAÇÃO CIDADE-CAMPO NA DISCUSSÃO SOBRE O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL LOCAL/REGIONAL NOS COREDEs FRONTEIRA NOROESTE E MISSÕES/RS 1 Grupo de Pesquisa: Desenvolvimento Territorial e Ruralidade Resumo O presente artigo propõe estabelecer uma discussão acerca da temática relação cidade- campo relacionando-a com a questão do desenvolvimento territorial local/regional. Busca discorrer sobre uma forma de pensar esta relação cidade-campo ao tratar-se dos processos de desenvolvimento, em uma região onde a modernização da agricultura acabou por gerar a exclusão das pequenas propriedades rurais. Por sua vez, os agricultores familiares vêm buscando alternativas de desenvolvimento, pautadas em experiências inovadoras, com uma nova racionalidade baseada em um consumo urbano, integrando campo e cidade. Portanto, serão apresentadas experiências de cooperativas e centrais de cooperativas da agricultura familiar, um programa municipal de desenvolvimento agroindustrial além de agroindústrias familiares e empreendimentos de turismo rural. Palavras-chaves: relação cidade-campo, desenvolvimento territorial loca/regional, modernização da agricultura 1 Artigo resultante das discussões na disciplina A Modernização da Agricultura e a Relação Cidade-Campo, ministrada pelo Prof. Dr. Luiz Fernando M. Fontoura, no PPG-Geografia - UFRGS.

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XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro"

Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

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A RELAÇÃO CIDADE-CAMPO NA DISCUSSÃO SOBRE O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL LOCAL/REGIONAL NOS CORE DES FRONTEIRA NOROESTE E MISSÕES/RS ANELISE GRACIELE RAMBO (1) ; LUIZ FERNANDO MAZZINI FONTOURA (2) . 1.PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURA L - PGDR/UFRGS, PORTO ALEGRE, RS, BRASIL; 2.PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA PPG-GEO/UFRGS, PORTO ALEGRE, RS, BRASIL. [email protected] APRESENTAÇÃO ORAL DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E RURALIDADE

A RELAÇÃO CIDADE-CAMPO NA DISCUSSÃO SOBRE O

DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL LOCAL/REGIONAL NOS COREDEs FRONTEIRA NOROESTE E MISSÕES/RS1

Grupo de Pesquisa: Desenvolvimento Territorial e Ruralidade

Resumo O presente artigo propõe estabelecer uma discussão acerca da temática relação cidade-campo relacionando-a com a questão do desenvolvimento territorial local/regional. Busca discorrer sobre uma forma de pensar esta relação cidade-campo ao tratar-se dos processos de desenvolvimento, em uma região onde a modernização da agricultura acabou por gerar a exclusão das pequenas propriedades rurais. Por sua vez, os agricultores familiares vêm buscando alternativas de desenvolvimento, pautadas em experiências inovadoras, com uma nova racionalidade baseada em um consumo urbano, integrando campo e cidade. Portanto, serão apresentadas experiências de cooperativas e centrais de cooperativas da agricultura familiar, um programa municipal de desenvolvimento agroindustrial além de agroindústrias familiares e empreendimentos de turismo rural. Palavras-chaves: relação cidade-campo, desenvolvimento territorial loca/regional, modernização da agricultura 1 Artigo resultante das discussões na disciplina A Modernização da Agricultura e a Relação Cidade-Campo, ministrada pelo Prof. Dr. Luiz Fernando M. Fontoura, no PPG-Geografia - UFRGS.

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Abstract The article discusses the thematic city-countryside relating it with the local/regional territorial development. It aims to think the relation city-countryside dealing of the development processes in a region wich the agriculture modernization generated the exclusion of the small country properties. In turn, the family farm, to aims to development alternative, based in innovative experiences, with a new rationality based on urban consumption, integrating countryside and city. Therefore, we will present experiences of cooperatives and family farm cooperative central, a agroindustrial development local program beyond family agroindustries and enterprises of agricultural tourism. Key Words: city-countryside relating, local/regional territorial development, agriculture modernization.

INTRODUÇÃO

O presente artigo propõe-se a realizar uma discussão sobre a temática da relação cidade-campo relacionando-a com a questão do desenvolvimento territorial local/regional. Ou seja, discorrer acerca de uma forma de pensar a relação cidade-campo ao se tratar dos processos de desenvolvimento. Assim, num primeiro momento, busca-se discutir os reflexos da modernização da agricultura e da exclusão que esta ocasionou nas regiões de planejamento dos COREDES Fronteira Noroeste e Missões/RS.

Num segundo momento, partindo da realidade ocasionada pelo processo de modernização, pretende-se discorrer sobre a relação cidade-campo. Entende-se que, apesar das diferenças entre ambos, pensá-los de forma dissociada, não mais possibilita a compreensão de sua dinâmica, principalmente ao tratar-se da questão dos processos de desenvolvimento. Assim sendo, considera-se que, frente a um mundo crescentemente globalizado, o urbano expande-se sobre o rural. Em função disso, observa-se que o campo, cada vez mais, passa a incorporar essa racionalidade urbana em ações que visam seu desenvolvimento.

Num terceiro momento, a partir dessa realidade, serão elencadas algumas atividades que vem sendo praticadas na região como uma alternativa de desenvolvimento às pequenas propriedades rurais, destacando principalmente a experiência da COOPERCANA, uma cooperativa produtora de álcool combustível no município de Porto Xavier. Tentar-se-á destacar como estas experiências se desenvolvem no campo, porém adotando uma nova racionalidade.

1 A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA: DESENVOLVIMENTO OU EXCLUSÃO!?

De modo geral, a modernização, segundo Featherstone, pode ser definida como indicador dos

efeitos do desenvolvimento econômico sobre estruturas sociais e valores tradicionais. A teoria da modernização é ainda usada para designar as etapas do desenvolvimento social baseadas na industrialização, a expansão da ciência e da tecnologia, o Estado-nação

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moderno, o mercado capitalista mundial, a urbanização e outros elementos infra-estruturais. (...) Admite-se de modo geral, (...) que certas mudanças culturais (...) decorrem do processo de modernização (1995, p.23).

O processo de modernização teve início na cidade, sendo em função disso considerada por muito tempo como sinônimo de moderna em oposição ao rural, atrasado e arcaico. No entanto, este processo expande-se para o campo a partir da revolução verde, como será relatado logo mais.

As regiões de planejamento dos COREDES2 Fronteira Noroeste3 e Missões4 passam a ser colonizadas no final do século XIX, porém já encontravam-se habitas. Primeiramente pelos indígenas, organizados sob o modo de produção primitivo, que nos séc. XVI e XVII, por influência dos jesuítas espanhóis constituem a “República Comunista-Cristã dos Guaranis”, experiência que tem fim no início de 1800 pela conjugação dos interesses entre Portugal e Espanha.

Com o fim da experiência, ocorre uma nova apropriação das terras: os campos passam a ser ocupados por tropeiros e militares formando estâncias produtoras de gado e as áreas de mata ocupadas por caboclos que as utilizavam para a extração de erva-mate, em geral, exportada para países vizinhos. Com a chegada dos imigrantes - alemães, italianos e poloneses - oriundos das colônias velhas, os caboclos são expulsos, considerados posseiros por não possuírem a escritura das terras.

Os imigrantes passam a desenvolver em pequenas propriedades, uma pequena produção mercantil policultora, com restritos vínculos com o mercado até a década de 40, podendo-se destacar produtos como banha, feijão, fumo, arroz, trigo. A região passa a ter grande desenvolvimento na atividade econômica entre 1930 e 1950 impulsionada pela agropecuária - milho, feijão, linhaça, mandioca, fumo (ROTTA, 1999).

Já a partir da década de 50 tem início à crise do modelo regional de desenvolvimento, estruturado no binômio policultura-industrialização. Nesse período ocorre:

a) a divisão das propriedades em função da herança; b) o empobrecimento dos colonos em virtude da transferência do fluxo financeiro para os comerciantes e industriais; c) o esgotamento da fertilidade natural dos solos; d) a falta de investimentos públicos. Estas são variáveis que contribuíram para a crise econômica, social e política da

região. Ou seja, “a estagnação decorre dos limites estruturais do sistema de produção baseado na pequena propriedade familiar dependente do uso intensivo da mão-de-obra familiar e na fertilidade natural dos solos” (Cadernos IPD, 2003, p.70).

2 A regionalização dos COREDEs foi criada pela Lei Estadual nº 10.283 de 1994, com a finalidade de descentralizar e democratizar as ações de investimento sendo referência para as estruturas administrativas regionais dos órgãos do Poder Executivo. Os 497 municípios do RS estão distribuídos em 24 COREDEs. 3 A região Fronteira Noroeste é composta por 21 municípios: Alecrim, Alegria, Boa Vista do Buricá, Campina das Missões, Cândido Godói, Doutor Maurício Cardoso, Giruá, Horizontina, Independência, Nova Candelária, Novo Machado, Porto Lucena, Porto Mauá, Porto Vera Cruz, Santa Rosa, Santo Cristo, São José do Inhacorá, Senador Salgado Filho, Três de Maio, Tucunduva e Tuparendi. 4 A região das Missões é composta por 23 municípios: Bossoroca, Caibaté, Cerro Largo, Dezesseis de Novembro, Entre Ijuis, Eugenio de Castro, Garruchos, Guarani das Missões, Mato Queimado, Pirapó, Porto Xavier, Rolador, Roque Gonzáles, Salvador das Missões, Santo Ângelo, Santo Antônio das Missões, São Luiz Gonzaga, São Miguel das Missões, São Nicolau, São Paulo das Missões, São Pedro do Butiá, Sete de Setembro, Vitória das Missões.

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A resposta à crise dos anos 50, deu-se de forma exógena, através do processo denominado modernização da agricultura. Este fazia parte do projeto de internacionalização do capitalismo monopolista ditado pelos EUA, o qual objetivava introduzir o capital industrial e financeiro na agricultura. A modernização da agricultura consistia na introdução: (a) de máquinas e equipamentos; (b) no uso intensivo de pesticidas e fertilizantes; (c) novas técnicas de plantio e manejo do solo; (d) colheita e armazenamento da produção. Segundo Brum (1988, p.44) caracterizava um programa

...que tinha como objetivo explícito contribuir para o aumento da produção e da produtividade agrícola no mundo, através do desenvolvimento de experiências no campo da genética vegetal para a criação e multiplicação de sementes adequadas às condições dos diferentes solos e climas e resistentes às doenças e pragas, bem como da descoberta e aplicação de técnicas agrícolas ou tratos culturais mais modernos e eficientes. Através dessa imagem humanitária, ocultavam-se, no entanto, poderosos interesses econômicos e políticos ligados à expansão e fortalecimento das grandes corporações a caminho da transnacionalização”.

Este foi o momento em que a policultura passa a ceder espaço às monoculturas da soja e do trigo, desenvolvendo-se principalmente a cultura da soja em âmbito regional, podendo-se dizer que existe uma territorialidade muito forte em torno de seu cultivo5. Com as monoculturas trigo-soja, voltadas para o mercado de exportação, a economia regional passa a caminhar para uma integração com o mercado internacional.

A década de 1960 foi marcada pelo desenvolvimento do processo de industrialização (colheitadeiras, automotrizes, implementos agrícolas), pelo surgimento das agroindústrias, pelo desenvolvimento da atividade comercial e financeira, resultante do desenvolvimento do setor primário. Apesar da prosperidade num primeiro momento, a região passa a sentir a necessidade de mudança na matriz produtiva, pois o caminhar desse processo acabou por gerar a exclusão das pequenas estruturas, nos três setores, que constituíam, e hoje ainda constituem, a base econômica da região (Cadernos IPD nº3, 2003).

Neste processo, é marcante a subordinação da agricultura à indústria principalmente de máquinas e insumos, além do comércio e bancos. Contudo, há uma ação um pouco maior quanto à presença do Estado na região, possibilitando certa inovação tecnológica na produção agrícola regional em três linhas: crédito rural, pesquisa agropecuária, assistência técnica e extensão rural (Cadernos IPD, 2003). Porém, essas políticas, em geral, foram restritas aos médios e grandes proprietários, o que acabou por gerar o enfraquecimento das pequenas propriedades.Acentua-se assim a crise na agricultura regional, como pode-se observado abaixo:

A base técnica da modernização condicionou o processo de apropriação social, adequando-se às médias e grandes propriedades. Com isso ampliaram-se os estrangulamentos da pequena propriedade familiar, base histórica da policultura regional. A inviabilidade da pequena propriedade intensificou o êxodo rural e a concentração da estrutura de propriedade da terra. Outro fator que estimulou a migração de grandes contingentes populacionais para as cidades foi a liberação da força de trabalho pelo uso intensivo de máquinas (Cadernos IPD, 2003, p.71)

Essa situação torna-se mais preocupante porque a partir da década de 80 houve um considerável aumento dos custos de produção, e em contra-partida uma diminuição de

5 A este respeito ver Rückert, 2003.

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produtividade, bem como um grande endividamento e empobrecimento dos agricultores, o que acabou intensificando ainda mais o êxodo rural.

Os anos 90 foram marcados pelo aprofundamento das dificuldades, sendo que o Plano Estratégico de Desenvolvimento da Região Noroeste do Rio Grande do Sul- PED (1996), aponta numa visão prospectiva, para o empobrecimento crescente da região e um colapso no modelo agrícola.

Ao tratar-se mais especificamente da agricultura, Brum (2002, p.142), afirma que “...a soja continua sendo o motor econômico regional, porém, não permite a sobrevivência das pequenas e médias propriedades rurais quando vista isoladamente. Os altos custos de produção, a estagnação na baixa dos preços internacionais da oleaginosa, e a incapacidade destes produtores em assimilarem novas técnicas de comercialização, os obriga a modificarem seu sistema de produção” (p.142).

Percebe-se assim que, a agricultura, representada principalmente pela soja, apresenta grande importância econômica na região, porém está passando por grandes dificuldades. Essa situação, de certa forma, obriga os pequenos agricultores, os quais não incorporaram-se de forma completa e ativa no processo de modernização, a buscar novas alternativas.

O mesmo autor é ainda mais enfático ao afirmar que nas atuais “condições internacionais em que se encontram o mercado da soja, onde o comportamento da oferta define os preços, em detrimento da demanda, regiões produtoras de soja como a do Noroeste gaúcho, cuja base produtiva é o minifúndio, ficam relativamente comprometidas” (2002, p.51). “Na medida em que estas [as pequenas propriedades rurais] não alcançam sobras suficientes, por falta de escala, tanto horizontal (área) quanto vertical (produtividade), a exclusão das mesmas se acelera, agravando a realidade econômica da região” (BRUM, 2002, p.111).

Isso demonstra a situação preocupante dos dois COREDEs em questão. Além disso, é importante ressaltar ainda que da mesma maneira como a agricultura se encontra estruturada em pequenas e médias propriedades, o espaço urbano da mesma forma assim se estrutura, em empreendimentos de pequeno e médio porte. Em função disso, estes enfrentam grandes dificuldades de inserção ativa e competitiva no mercado.

Pelo acima mencionado, pode-se considerar que a modernização da agricultura, apesar de ter proporcionado um incremento técnico e tecnológico, também tem levado a exclusão das pequenas propriedades. Diante dessa realidade, buscar-se-á a seguir, discorrer sobre como pensar a relação cidade-campo na discussão sobre o desenvolvimento territorial local/regional, numa região onde grande parte do PIB provém da agricultura. Além disso, os dois COREDEs são considerados, essencialmente agrícolas, tanto pela metodologia utilizada pela OCDE quanto por José Eli da Veiga. Isso demonstra a importância que o espaço rural e agrícola assume no recorte a ser analisado.

2 A RELAÇÃO CIDADE-CAMPO E O DESENVOLVIMENTO TERRIT ORIAL LOCAL/REGIONAL

Frente à realidade acima descrita, tem-se percebido o surgimento de experiências

alternativas e de certa forma inovadoras no espaço rural. Como já mencionado, o cultivo de soja em pequenas propriedades vem tornando-se uma atividade pouco viável em função de

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seu pequeno porte, principalmente devido ao desenvolvimento e à modernização desta cultura nas demais regiões do Brasil. Entende-se que esta situação tem levado os atores locais/regionais a buscarem alternativas à cultura da soja e aos obstáculos decorrentes da pequena extensão das propriedades rurais na região.

Segundo Delgado (apud Fontoura, 2004, p.05), “todo esse processo de modernização se realiza com intensa diferenciação e mesmo exclusão de grupos sociais e regiões econômicas. Não é, portanto, um processo que homogeneíza o espaço econômico, tampouco o espectro social e tecnológico da agricultura brasileira”.

Assim, os atores locais/regionais buscam por novas alternativas de sobrevivência e de inserção no capitalismo, ou melhor, na modernidade6. O que tem caracterizado tais experiências, aqui denominadas alternativas é a lógica ou a racionalidade que as têm permeado.

Historicamente, o espaço rural pode ser caracterizado por quatro aspectos fundamentais:

a) a produção de alimentos como função principal; b) a agricultura como atividade econômica dominante; c) a família camponesa como grupo social de referência, com modos de vida, valores e comportamentos próprios; d) uma paisagem, que reflete equilíbrio entre características naturais e o tipo de atividade humana desenvolvida (Ferrão, 2000). No entanto, com o desenvolvimento capitalista, a modernização e o processo de

globalização, decorre uma evolução ou uma mudança nesses aspectos. Essa mudança pode ser associada à classificação de Queiroz (1978) quanto à evolução das relações entre campo-cidade, distinguindo entre sociedade tribal, sociedade agrária e a sociedade urbana:

a) sociedade tribal: não há divergência entre rural e urbano, os grupos sociais são de pequena envergadura, a divisão social do trabalho é fraca e não há concentração urbana;

b) sociedade agrária: a cidade surge como centro político-administrativo organizando e dominando o meio rural, mas é dominado e delimitado pelo rural sendo por este abastecido. A cidade é consumidora de produtos do campo;

c) sociedade urbana: em função do desenvolvimento tecnológico, a cidade deixa de ser consumidora para ser produtora, reorganizando o trabalho através das máquinas, impondo ao meio rural seu gênero de vida e sua estratificação social de base econômica (QUEIROZ, 1978).

Essa classificação demonstra a evolução das relações cidade-campo. Parte de um espaço onde não há distinção entre cidade e campo, passando a outro, onde a cidade se adecúa ao campo, chegando àquele onde há uma certa predominância da cidade sobre o campo, ou melhor, da racionalidade urbana sobre a rural. Entretanto, é possível reconhecer uma forte interdependência entre ambos. Mesmo que a cidade seja o centro das decisões e que tenha grande influência sobre as ações do campo, esta não se mantém sem o primeiro.

Atualmente a visão dualista que opunha o rural ao urbano como realidades distintas e de negação uma a outra, associando o ‘rural’ ao agrícola e ao atrasado e o ‘urbano’ ao industrial e ao moderno foi superada. A dicotomia entre rural e o urbano está se diluindo em um continuum (Santos, 1997-a). Até pois, a modernidade deixou de ser

6 Segundo Featherstone (1995, p.20) “a modernidade contrapõem-se a ordem tradicional, implicando a progressiva racionalização e diferenciação econômica e administrativa do mundo social”.

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exclusiva das cidades a partir do processo de modernização da agricultura, mesmo que este não tenha se expandido a todos os lugares e ter levado a exclusão de muitos.

Pode-se dizer ainda, que a racionalidade urbana tem-se expandido sobre o rural, ao levar-se em consideração que “a noção de conforto passa a ser um objetivo ideal a todos os homens” (FONTOURA, 2002, p.29) e com base nisso surgem no campo novas atividades e novas racionalidades.

Nesse sentido Castells contribui afirmando que “se existem evidentemente diferenças entre a cidade e o campo, elas são apenas a expressão empírica de uma série de processos que produzem ao mesmo tempo toda uma série de efeitos específicos em outros níveis da estrutura social” (2000, p.132). Pode-se dizer assim, que o que diferencia a cidade do campo é o grau de artificialização da natureza. Dessa forma, “pode haver difusão da ‘cultura urbana’ nos campos, sem, no entanto, anular as diferenças das formas ecológicas entre as duas” (Castells, 2000, p.132), aumentando sua interdependência.

Por sua vez, a cultura urbana, a racionalidade ou modo de vida urbano se define, não “unicamente por oposição à rural, mas por um conteúdo específico que lhe é próprio, sobretudo num momento em que a urbanização generalizada e a interpretação das cidades e dos campos tornam difíceis sua distinção empírica” (Castells, 2000, p.134). Ou ainda, segundo Milton Santos, a racionalização designa “a extensão dos domínios da sociedade submetidos aos critérios da decisão racional”. Reportando-se a Max Weber, Santos afirma que o conceito de racionalidade foi por este introduzido para caracterizar a forma capitalista da atividade econômica, a forma burguesa das trocas ao nível do direito privado e a forma burocrática da dominação (1997-b, p.230).

O mencionado acima permite afirmar que “o meio rural não pode ser estudado em si mesmo, mas deve ser encarado como parte de um conjunto social mais amplo, do qual faz parte juntamente com a cidade” (QUEIROZ, 1978, p.51). Da mesma forma, as alternativas de desenvolvimento, praticadas no campo, não deixam de levar em consideração a cidade e a racionalidade urbana, a partir daí, estabelecendo e reforçando o continuum rural-urbano.

De acordo com Ferrão (2002), as relações de complementaridade entre campo e cidade tendem a aumentar, principalmente na medida em que há, numa procura urbana, o essencial da evolução futura das áreas rurais onde a atividade agrícola orientada para o mercado não alcança uma expressão significativa. Ou seja, as experiências alternativas e inovadoras surgem em áreas de declínio e estrangulamentos econômicos. Assim, se o futuro dos “mundos rurais” define-se em grande parte, nas sedes urbanas, surge uma questão: como gerir a procura e a oferta urbana a favor dos vários mundos rurais, ou seja, áreas de declínio e prosperidade sócio-econômica? Considera-se que este seja o grande desafio de regiões, como as duas em questão, onde a agricultura ainda tem grande importância, sendo responsável por parte considerável do PIB e por abrigar quase 50% da população regional.

Segundo o mesmo autor, um caminho pode estar na consolidação de relações de proximidade mutuamente benéficas e de natureza sinergética em detrimento de relações assimétricas e predadoras do mundo rural; bem como na transformação das cidades em pontes efetivas entre as áreas rurais e o mundo exterior (FERRÃO, 2002).

Ou seja, pensar em alternativas de desenvolvimento territorial requer: a) buscar políticas, projetos e ações que transformem a massa crítica de recursos

urbanos (humanos, institucionais, físicos) em externalidades possíveis de serem absorvidas pelo rural;

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b) apoio a iniciativas que favoreçam o acesso a infra-estruturas, equipamentos, serviços e competências cujo grau de especialização é incompatível com uma localização no espaço rural;

c) conciliar uma articulação territorial (coesão) e uma articulação funcional (integração) entre centros urbanos e áreas rurais envolventes permitindo, por sua vez: - um continuum rural-urbano, - construção de uma região cognitiva constituída por centros urbanos e áreas rurais vizinhas; - oferta pública de serviços especializados úteis às populações e organizações no espaço rural; - estímulo à construção de parcerias de proximidade que constituam redes de produção e disseminação de informação, aprendizagens e conhecimentos estrategicamente relevantes para as populações e organizações no espaço rural; - recorrer as potencialidades das tecnologias de comunicação e informação objetivando a coesão social e a competitividade econômica; - garantir a articulação entre políticas de ordenamento do território e conservação da natureza; - conceber uma logística para o espaço rural que articule os pontos acima em função das particularidades e potencialidades de cada área (Ferrão, 2002).

Este caminho exige uma visão de conjunto das áreas geográficas de ação, uma forte capacidade de diálogo institucional e organizacional, principalmente entre Estado e sociedade civil, que permitam satisfazer não apenas as necessidades econômicas, mas também e principalmente sociais, tanto da população rural quanto urbana.

As experiências a serem destacadas posteriormente, apresentam-se como atividades alternativas que surgem no campo e se norteiam por uma racionalidade urbana, buscando adaptar-se as demandas e ‘desejos’ do modo de vida urbano, não mais exclusivo das cidades. Esta pode ser a característica em comum destas experiências.

Surgem assim, atividades rurais não-agrícolas, relativamente inovadoras, como atividades turísticas, o chamado turismo rural (rotas turísticas, balneários, trilhas, pesque-pague, etc), produções orgânicas e/ou agroecológicas, agroindústrias7 (alimentares, de artesanato, etc), certificação de qualidade de produtos, marketing sobre a produção familiar, o que vem atribuir novos valores ao campo, não restringindo-o a um simples fornecedor de alimentos e matérias-primas para a cidade.

Apesar de serem experiências relativamente recentes, pode-se perceber nelas alguns elementos acima citados, levando a uma interação e uma reciprocidade maior entre campo e cidade. O espaço rural deixou a muito de ser auto-suficiente e, cada vez mais, busca atender e seguir uma racionalidade urbana. Dessa forma, também passam a ser adquiridos e consumidos produtos e serviços urbanos que antes não eram conhecidos pelos “colonos”.

Além destas experiências serem entendidas como uma adequação do campo à lógica urbana, são ao mesmo tempo alternativas de sobrevivência das regiões periféricas aos grandes centros industriais e de tomada de decisão. No caso em questão, mais um obstáculo a ser superado, é o pequeno porte das propriedades rurais e da mesma forma das empresas na área urbana.

Isso se coloca como um problema a ser superado, pois, a competitividade e a produtividade são marcos do processo de globalização, caracterizando um entrave às

7 O termo agroindústria é entendido aqui como indústrias estabelecidas no campo.

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regiões periféricas. Além disso, percebe-se uma exigência crescente quanto à produtividade, qualidade, flexibilidade, variedade, reação às variações dos mercados, capacidade de modificação de produtos e processos e, a capacidade de inovação (BREITBACH, 2001), enfim, o domínio do meio técnico-científico-informacional. Essas exigências tornam-se mais difíceis de serem enfrentadas quando os territórios são sustentados por pequenos empreendimentos, tanto na área urbana quanto rural e, principalmente quando a base econômica é sustentada em grande parte pela agricultura familiar.

Mediante esta situação é possível observar, neste caso, destacando experiências rurais, que formas antigas, ou as rugosidades do espaço, passam a adquirir uma nova função. Ou seja, as experiências inovadoras no espaço rural atribuem novas funções às velhas formas, como uma maneira de incluir-se na modernidade. Pode-se dizer que, antes, o que era obstáculo, passa a constituir-se como uma potencialidade destes espaços agrícolas. Isso pois,

ao contrário da modernização assistida na década de 60, onde imperava o discurso da produtividade, da mecanização e do consumo de massa, o que hoje assistimos, é o discurso da qualidade de vida, da qualificação e da participação da mão-de-obra e da competitividade, ou seja, à disputa de mercados específicos e internacionais (FONTOURA, 2002, p.33).

Devido a essa realidade os atores locais/regionais buscam diferenciais e inovações que atendam essa racionalidade, com base na estrutura que dispõem. Aliado a isso, está a propagação cada vez maior da cultura de consumo, e com base nessa premissa, pode-se citar o surgimento do turismo rural, ecológico, como oposição aos grandes centros urbanos, poluídos, bem como a produção orgânica, os produtos naturais, com certificados de origem e qualidade. Segundo Featherstone (1995) há três perspectivas fundamentais sobre a cultura do consumo:

1) esta tem como premissa a expansão da produção capitalista de mercadorias, levando a acumulação de uma cultura material na forma de bens e locais de compra e consumo. Isso levou a proeminência do lazer e das atividades de consumo, visto por alguns como uma forma de igualitarismo e liberdade individual, por outros, como alimentadores da capacidade de manipulação ideológica e controle sedutor da população, prevenindo qualquer alternativa de organização das relações sociais;

2) a relação entre satisfação proporcionada pelos bens e seu acesso socialmente estruturado é um jogo de soma zero, na qual a satisfação e o status dependem da exibição e da conservação das diferenças em situação de inflação. Focaliza-se o fato de que as pessoas usam as mercadorias de formas a criar vínculos ou estabelecer distinções sociais;

3) a questão dos prazeres emocionais do consumo, os sonhos e desejos celebrados no imaginário cultural consumista e em locais específicos de consumo que produzem diversos tipos de excitação física e prazeres estéticos.

Entende-se que as experiências da agricultura familiar, que atribuem ao pequeno porte das propriedades, a produção artesanal e/ou manual, livre de agrotóxicos, entre outras características, se dão em função, ou mesmo buscam se guiar por essa cultura de consumo que aí se coloca. Tornam-se assim, alternativas de desenvolvimento territorial e formas de inserção na modernidade, dando nova função a antigas formas. Nesse sentido contribui Peixoto (1998) ao tratar da expansão do capitalismo no campo por meio da diversificação

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da produção e do desenvolvimento dos complexos agroindustriais. Enfatiza que estas novas atividades estão

voltadas para o atendimento de mercados consumidores exigentes de produtos personalizados e de maior qualidade nutritiva. Por outro lado, proporcionou uma significativa expansão das atividades não-agrícolas, a exemplo do turismo rural, das feiras agropecuárias, rodeios e exposições, das construções de imóveis como opção de moradia, etc. Mais que isso, o "rural" passa a ser vendido, em um sentido simbólico, como um ambiente natural (em contraposição ao excessivo artificialismo tecnológico das cidades), livre da poluição, da violência e da agitação estressante dos centros urbanos. Por certo, a realização desses empreendimentos traz em seu bojo a necessidade de outros serviços urbanos como os de transportes, comunicações, entretenimento etc., o que amplia e diversifica ainda mais o leque de atividades não-agrícolas. Neste processo, pode-se observar que ao mesmo tempo em que valores inerentes a um modo de vida campestre são veiculados com o objetivo de atrair consumidores urbanos, um conjunto de valores de caráter essencialmente urbano passa a integrar e permear as relações sociais nas áreas rurais.

É seguindo essa racionalidade urbana, nova ao espaço agrícola, que este ganha novas funções. A busca e o desenvolvimento destes diferenciais pode significar uma forma de desenvolvimento viável e de reprodução social da agricultura familiar, dentro de uma economia agrícola que tem nos conhecimentos científicos avançados, como a biotecnologia e a informática, o fator estratégico mais importante para o seu desenvolvimento. À medida que as experiências alternativas que se desenvolvem no campo tem em vista a racionalidade urbana, e buscam essa integração com a cidade, as possibilidades de desencadear-se um processo de desenvolvimento territorial aumentam.

Por desenvolvimento territorial local/regional entende-se que sejam ações, mecanismos, estratégias e políticas endógenas, desencadeadas por atores locais/regionais em interação com as demais escalas de poder e gestão, reforçando e constituindo territórios por meio de novos usos políticos e econômicos. Segundo Boisier (1995), o desenvolvimento territorial consiste numa expressão ampla que inclui o desenvolvimento de micro-localidades, tais como comunidades e meso-localidades, províncias ou regiões. O conceito refere-se a processos de mudança sócio-econômica, de caráter estrutural, delimitados geograficamente e inseridos num marco configurado por sistemas econômicos de mercado, ampla abertura externa e descentralização dos sistemas de decisão. Sendo ssim, os atores locais/regionais acabam assumindo um protagonismo maior no desencadeamento de ações e do próprio exercício de poder sobre seu território.

Ao discutir-se a questão do desenvolvimento territorial local/regional, merece importância também a discussão sobre a densidade institucional. Esta é entendida como a freqüência ou densidade de interações entre organizações e instituições em um território, com vistas à realização de determinadas ações em prol de objetivos comuns.

Ou ainda, segundo Fernández (2004) a densidade institucional diz respeito a uma sólida presença institucional (formal), representada através da presença de firmas, associações empresariais, instituições financeiras, ONGs, agências de desenvolvimento, escolas, centros de serviço, institutos tecnológicos e universidades, etc; bem como o desenvolvimento de formas de cooperação entre os atores a partir da consolidação entre esse complexo de atores, de uma consciência de pertença mútua a uma dinâmica territorial e ao padrão de coalizão representativo dos interesses locais.

Assim, entende-se que a cooperação entre atores locais/regionais, entre organizações e instituições, tanto da sociedade civil quanto do Estado e do mercado,

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buscando alcançar objetivos comuns, são fundamentais para o desencadeamento de processos de desenvolvimento territorial local/regional. Isso é possível à medida que, cidade e campo são considerados como um continuum, ao levar-se em consideração que as ações e políticas, desenvolvidas tanto em um quanto em outro terão reflexos em ambos os espaços. E, levando em consideração tal premissa, torna-se possível estabelecer políticas e ações que melhor se adaptem aos anseios e necessidades dos atores do campo e da cidade.

Da mesma forma, a importância da preocupação dos atores locais/regionais com a inovação territorial coletiva, acentua-se, pois, a manutenção da diferença, ou da inovação, não é só conciliável com os processos de globalização como deles faz parte integrante (FERRÃO, 2002). De forma sintética, a inovação territorial coletiva é entendida aqui, como um sistema dinâmico de reprodução territorial fundado em inovações permanentes, resultado de relações de cooperação entre os atores - públicos e privados, individuais e coletivos - de determinada região/território (Fernández, 2004).

Assim sendo, entende-se que, principalmente em regiões ou territórios periféricos, onde, muitas vezes, a agricultura familiar é responsável por grande parte da geração de riquezas, a preocupação dos atores locais/regionais com a inovação territorial coletiva e com a densidade institucional são fatores fundamentais no desencadeamento de processos de desenvolvimento territorial local/regional, capazes de ser potencializados à medida que cidade e campo são um continuum, ou seja, um não existe e não se mantém sem o outro.

Em síntese, entende-se ser de crucial importância que as políticas, ações e projetos de desenvolvimento, principalmente àquelas que tem como foco o campo ou o espaço rural, levem em consideração a expansão da racionalidade urbana. Pensar o desenvolvimento do campo sem levar em consideração a cidade, ou melhor, a racionalidade urbana, pode não resultar no alcance dos objetivos almejados.

A seguir busca-se elencar algumas experiências alternativas e inovadoras que vem sendo desenvolvidas no espaço agrário regional, permeadas por essa nova racionalidade.

3 UMA CARACTERIZAÇÃO DOS COREDEs FRONTEIRA NOROESTE E MISSÕES E AS ALTERNATIVAS ADOTADAS PELA AGRICULTURA

FAMILIAR Antes de tratar-se de algumas experiências consideradas alternativas e inovadoras

nos COREDEs, buscar-se-á caracterizá-los quantitativamente de modo a melhor demonstrar sua realidade sócio-econômica, principalmente do espaço rural.

Ao analisar-se o IDESE8 observa-se que a média do Estado é de 0,751. Ambas as regiões estão abaixo desta média. A região Fronteira Noroeste aparece com um índice de 0,747 enquanto que a região das Missões possui índice menor, de 0,731.

A Fronteira Noroeste representa 2% da população do Estado, enquanto que as Missões 2,9%, (FEE, 2003). Quanto ao PIB total, pode-se observar que em 2002, a região Fronteira Noroeste representou 2,4% do PIB do Estado, enquanto que as Missões apenas 1,7% Os valores absolutos podem ser visualizados na tabela abaixo. Observa-se que as Missões demonstram um percentual maior na população, porém menor quanto ao PIB, o que vai refletir-se também no PIB per capita.

Tabela 01: PIB Total dos COREDEs Fronteira Noroeste, Missões e RS

8O IDESE – Índice de Desenvolvimento Social e Econômico, da FEE – Fundação de Economia e Estatística, é um índice que vai de 1 a 10 e avalia variáveis como saúde, educação, renda e saneamento/domicílio.

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PIB TOTAL (R$/milhões) ANO F. Noroeste Missões RS

1998 1.623 1.348 70.542 1999 1.540 1.219 75.450 2000 1.813 1.509 85.138 2001 2.092 1.617 94.084 2002 2.542 1.742 104.451

Fonte: IPD/Unijuí e FEE A tabela a seguir demonstra que o PIB per capita apresenta-se abaixo da média do

Estado, Nos dois COREDEs, exceto no ano de 2002, quando a Fronteira Noroeste apresenta-se um pouco superior. As Missões apresentam valores mais discretos, sendo que em 2002 ficou 28% abaixo da média do Estado.

Tabela 02: PIB Per Capita das Regiões Fronteira Noroeste, Missões e RS

PIB PER CAPITA (R$) ANO F. Noroeste Missões RS

1998 6.953 5.553 7.063 1999 6.624 5.039 7.478 2000 7.823 6.257 8.357 2001 9.039. 6.727 9.144 2002 10.989 7.260 10.045 Fonte: IPD/Unijuí e FEE

A seguir apresentam-se dois gráficos que buscam demonstrar a participação dos

três setores no PIB dos dois COREDEs. Pode-se observar que apesar da maior participação dos serviços, a agricultura ainda tem papel de destaque:

Figura 01: PIB por Setor de Atividade Econômica (%) no COREDE Fronteira Noroeste

PIB por Setor de Atividade Econômica (%)- Região Fronteira Noroeste

45,4 47,3 47,5

27,225,5 24,0

27,4 27,2 28,5

0

10

20

30

40

50

1996 1997 1998

AGRICULTURA INDÚSTRIA SERVIÇOS

Fonte: Baseado em dados do IPD/UNIJUÍ

Figura 02: PIB por Setor de Atividade Econômica (%) no COREDE Missões

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PIB por setor de Atividade Econômica (%) - Região das Missões

13,3 13,5 14,4

31,9 29,9 28,7

54,8 56,6 56,9

0

20

40

60

1996 1997 1998

INDÚSTRIA AGRICULTURA SERVIÇOS

Fonte: Baseado em dados do IPD/UNIJUÍ Os dados demonstram que no COREDE Fronteira Noroeste a agricultura e a

indústria encontram-se num mesmo nível de contribuição, variando entre 24% e 28% de 1996 a 1998. Já nas Missões a agricultura sobrepõem-se a indústria, embora esteja decrescendo, sendo que em 1998 ainda representava 28,7% do PIB.

Estes dados obtidos ao nível de Estado, embora sendo mais recentes, de 2004, permitem uma comparação. Neste caso, a indústria e os serviços colocam-se lado a lado, contribuindo com 40,6% e 41,4% do PIB estatal, respectivamente. Já a agricultura tem uma participação menor, sendo esta de 18%. Assim, nos dois COREDEs em questão, a agricultura tem uma importância maior quanto à participação no PIB do que ao nível de Estado.

Outro dado que permite demonstrar a importância das atividades agrícolas ou rurais nas regiões é a distribuição da população no campo e na cidade, como segue na tabela abaixo:

Tabela 03: População Rural e Urbana das Regiões Fronteira Noroeste, Missões e RS

(1996-2000) URBANA RURAL TOTAL (hab)

ANO F. Noroeste Missões RS F. Noroeste Missões RS F. Noroeste Missões RS 1996 57,1% 61,8% 78,7% 42,9% 38,2% 21,3% 235.344 243.641 9.634.688 1997 57,1% 62,0% 79,6% 42,9% 38,0% 20,4% 234.250 243.610 9.879.813 1998 60,1% 63,5% 80,3% 39,9% 36,6% 19,7% 233.426 242.832 9.987.770 1999 59,9% 63,3% 90,8% 40,1% 36,7% 19,1% 232.590 242.037 10.089.899 2000 61,3% 64,0% 81,6% 38,7% 36,0% 18,4% 231.792 241.254 10.187.798

Fonte: Baseados em dados do IPD/UNIJUÍ e FEE. Pode-se observar que o percentual da população rural é maior nas duas regiões,

sendo que o maior índice chega a quase 39%, enquanto que este valor ao nível de Estado chega a apenas 21,3%. Isso demonstra que, um número ainda considerável de pessoas reside no campo, chegando a alcançar mais de 50% em alguns municípios. A estrutura fundiária certamente tem influência sobre esses valores, em função do grande número de pequenas e médias propriedades, como pode ser visualizado a seguir:

Tabela 04: Estrutura fundiária dos COREDEs Fronteira Noroeste e Missões (1960-95) FRONTEIRA NOROESTE

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ANO 0-10 10-20 20-50 50-100 100-200 200-500 500-1000

1000-5000

Mais 5000

Total

1960 6045 9956 7880 798 93 54 15 3 - 24844 1970 13083 13024 7310 545 166 83 20 5 - 34236 1980 11054 11911 6789 747 217 100 25 3 - 30846 1995 10468 10377 5925 832 213 95 14 8 - 27932

MISSÕES ANO 0-10 10-20 20-50 50-100 100-200 200-500 500-

1000 1000-5000

Mais 5000

Total

1960 6557 5302 5511 1326 503 416 186 103 4 19908 1970 12139 7186 5535 1246 732 639 216 98 7 27798 1980 10761 6618 5267 1368 866 698 206 107 3 25894 1995 9554 6200 4821 1495 947 752 227 100 0 24096

Fonte: IPD/UNIJUÍ

As tabelas demonstram a dinâmica da estrutura fundiária dos anos de 1960 a 1995. O número de propriedade com até 20 hectares apresentam considerável aumento durante este período. Porém, para melhor visualização da estrutura fundiária das regiões são apresentados os gráficos abaixo:

Gráfico 03: Estrutura Fundiária – Fronteira Noroeste e Missões (1995)

Fonte: Elaborado com base nos dados extraídos do IPD/UNIJUÍ Observa-se que as propriedades de até 20 hectares representam 74,6% do total no

COREDE Fronteira Noroeste e 65,3% nas Missões, ressaltando que o módulo rural é de 25 hectares. Para finalizar essa caracterização, são trazidos alguns dados que demonstram como a cultura da soja é difusa no espaço regional. As três espécies mais cultivadas são a soja, o milho e o trigo.

No COREDE Fronteira Noroeste em 2002 foram cultivados 297.750 hectares de soja, 96.912 hectares de milho e 85.930 hectares de trigo. O cultivo do milho e do trigo juntos equivalem a 61,4% da área de soja cultivada nessa região. No COREDE Missões neste mesmo ano foram cultivados 360.100 hectares de soja, 77.350 hectares de milho e 83.230 hectares de trigo. O cultivo do milho e do trigo juntos equivaleram a apenas 44,6%

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da área de soja cultivada nessa região. Ou seja, essas duas culturas juntas ocupam menos da metade da área que é cultivada com soja. Dessa maneira, fica claro o destaque desta oleaginosa na agricultura regional, mesmo que, como já mencionado, a mesma encontra dificuldades em viabilizar-se em pequenas propriedades, que, além de serem de pequeno porte, por vezes, não são mecanizáveis em toda sua extensão.

Apresentada um pouco da realidade sócio-econômica das regiões pode-se entender melhor em que contexto surgem as experiências aqui denominadas alternativas e inovadoras as quais tem o intuito de viabilizar a agricultura familiar. São experiências que já possuem ou surgem em torno de uma nova racionalidade, destinando-se ao consumo urbano, integrando campo e cidade:

CRECAF - Central Regional de Cooperativas da Agricultura Familiar :

Com sede no município de Santa Rosa (Fronteira Noroeste), a CRECAF é uma

central de comercialização que comercializa e busca novos mercados para os produtos da agricultura familiar. Estes são oriundos de cooperativas da agricultura familiar dos municípios de Campina das Missões (Coopertereza), Cândido Godói (Cooperae), Salvador das Missões (Coopleite), São Pedro do Butiá (Cooperbutiá), Alecrim (Cooperal) e Santo Cristo (Coopasc).

Esta Central dispõe de produtos como melado, açúcar mascavo, mel, erva mate, amendoim pipoca, bem como produtos ecológicos e orgânicos. Pode-se dizer que esta é uma experiência estruturada em rede, possuindo como nós os pontos de produção, comercialização, e como nó central à própria CRECAF. É uma experiência inovadora, pois caracteriza uma rede de cooperativas. Destaca-se pela comercialização de produtos oriundos da agricultura familiar, pelo incentivo dado aos associados quanto à produção ecológica e orgânica. Observa-se uma racionalidade urbana, à medida em que a Central busca atender as necessidades e anseios do urbano, principalmente quando busca incrementar a comercialização de produtos livres de agrotóxicos.

COOPAX - Associação dos Pequenos Agricultores de Porto Xavier

A COOPAX surge no ano de 1989 reunindo apenas 20 famílias. Inicialmente,

consistia numa associação de agricultores, liderada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR). O crescimento das vendas e da busca pelos produtos dos agricultores levou estes a formarem uma cooperativa, uma vez que todo o funcionamento da associação já se dava como tal. Assim em 1991 é constituída a COOPAX.

A Cooperativa se propõe a estruturar a comercialização de produtos coloniais no

município de Porto Xavier. Inicialmente foi organizado um mini-mercado, no prédio do STR, além da participação de uma feira no município de São Luiz Gonzaga. Hoje, de caráter regional, caracteriza um dos mais importantes supermercados de Porto Xavier comercializando produtos oriundos das pequenas propriedade rurais, além de fornecer aos agricultores àqueles não produzidos pelos mesmos.

Além disso, a Coopax adquiriu uma unidade da Cooperativa Tritícola Santo Ângelo Ltda. (Cotrisa) que havia no município. Esta aquisição se deu com o objetivo de disponibilizar uma estrutura para a agroindustrialização dos produtos produzidos pelos pequenos agricultores, além da padronização dos mesmos. Dessa forma, a cooperativa pretende transformar a produção de grãos dos pequenos agricultores em rações e

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agroindustrializar a produção de frutas. Esta produção vem se destacando em virtude de um projeto de incentivo à fruticultura desenvolvido no município pela Associação dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais Fronteiriços (ASTRF). Além disso, a COOPAX Participa ainda de feiras, movimentos e organizações populares. Turismo Rural

No COREDE Fronteira Noroeste desenvolvem-se várias ações incentivando as atividades turísticas, tanto no campo quanto na cidade. A região conta com o Comitê Regional de Turismo, que reúne universidades, prefeituras, bem como demais organizações e instituições relacionadas ao turismo. O Comitê busca constituir uma rota turística da região Fronteira Noroeste – Rota do Rio Uruguai, que apresenta atrativos e produtos turísticos, nas áreas histórico-étnico-cultural, negócios, turismo rural, ecológico, náutico, religioso, educacional e outros. O grande ícone da Rota é o Rio Uruguai, com as suas belezas naturais, potencialidades turísticas em harmonia com a sua recuperação e preservação ambiental. (HÖFLER et alli, 2004). Freqüentemente são realizados encontros e seminários envolvendo universidades, SEBRAE, prefeituras, entre outros, que buscam incentivar as atividades turísticas regionais.

Além do rio Uruguai destacam como atrativos turísticos a Terra da Xuxa e Feira Internacional da Soja/FENASOJA (Santa Rosa), Terra dos Gêmeos (Cândido Godói), a Festa do Músico (Tucunduva), a maior igreja não paroquial do Estado, Parque Aquático Lago Azul (Santo Cristo), entre outros.

Destacam-se ainda, no espaço rural, os balneários, podendo citar-se o Hotel Fazenda Três Cascatas, um dos maiores balneários do interior do Estado, que recebe anualmente um grande contingente de turistas argentinos, além de balneários menores e pesque-pague que contam apenas com a mão-de-obra familiar, uma forma de pluriatividade na agricultura familiar.

O simples fato de estar-se investindo em atividades turísticas demonstra uma racionalidade urbana por parte dos empreendedores, pois os produtos turísticos destinam-se ao consumo urbano. Como a região está distante dos grandes centros urbanos, o marketing gira em torno das benesses dessa localização, longe do “caos e da agitação” dos grandes centros. Observa-se que há uma relativa densidade institucional em torno principalmente da constituição da Rota do Rio Uruguai, pois reúne diferentes atores, além de ser uma inovação em se tratando de uma região agrícola, produtora de soja, buscando também novas modalidades de turismo, por exemplo, o turismo rural e ecológico.

AGROINDÚSTRIAS FAMILIARES

Nos dois COREDEs podem ser encontrados diversos tipos de agroindústrias, sendo

grande parte delas de pequeno porte e de economia familiar. Muitas das agroindústrias estão ligadas às cooperativas da agricultura familiar, viabilizando a comercialização de seus produtos. Pode-se citar agroindústrias de melado, açúcar mascavo, aguardente, licores, vinhos, bolachas caseiras, erva-mate, embutidos de carne e abatedouro de peixes, artesanato, confecções entre outros.

Pode-se destacar ainda a agroindústria Doceoli (Santo Cristo), que produz principalmente bolachas caseiras e que, além de ser associada da Coopasc e ligada a Crecaf, faz parte da rede de cooperação empresarial – Rede Panimel. Esta reúne padarias dos seguintes municípios: Horizontina, Boa Vista do Buricá, Santa Rosa, Giruá, Frederico

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Westphalen, Palmitinho, Crissiumal, Panambi, Braga, Campo Novo, Ajuricaba, São Martinho, Santa Bárbara, Palmeira das Missões e em Santa Catarina Pinhalzinho, São Carlos e Xaxim. Vale citar aqui a COOPERCANA de Porto Xavier, a única agroindústria cooperativa produtora de álcool combustível do Estado. Esta experiência será apresentada em seguida.

A existência do grande número de agroindústrias na região, tanto formais quanto informais, demonstra que o campo não caracteriza-se apenas como fornecedor de matéria-prima para a cidade. Este, vem atendendo a diversas demandas da cultura de consumo urbano.

PACTO FONTE NOVA

Esta experiência apesar de não estar localizada nas regiões citadas acima e sim no

Noroeste Colonial, vem inclusa nesta discussão, devido a realidade das regiões ser muito semelhante. Desenvolvida no município de Crissiumal, o Pacto surgiu por iniciativa do Poder Público Municipal. Contou com o apoio de entidades como EMATER, ACI, Cooperativas, Bancos, Sindicato Rural e de Trabalhadores Rurais, o Hospital de Caridade entre outras lideranças locais que encabeçaram a discussão sobre o desenvolvimento do Município.

A iniciativa tinha por preocupação a necessidade de buscar-se melhorias para o pequeno agricultor, visando à agregação de renda, de modo a evitar o elevado êxodo rural, além das migrações para outras regiões. Buscou apoiar assim a constituição de agroindústrias familiares.

Parte dos resultados positivos podem ser atribuídos à densidade institucional constituída com o programa, pois como o próprio nome diz, este consiste num pacto entre os diversos atores. Este pacto reúne: a) agricultores – os quais produziriam novos produtos; b) os comerciantes – que colocariam os produtos em seus estabelecimentos e c) os consumidores, que comprometeriam-se a dar preferência ao consumo dos produtos dos agricultores do Município. Fica evidente que neste caso, o campo e a cidade são entendidos como um continuum, sendo que as ações e resultados do Pacto beneficiariam tanto os atores do campo (agricultores) quanto da cidade (comerciantes e consumidores).

O pacto conta com 31 agroindústrias (2002), está gerando 120 empregos diretos, industrializando 80 produtos e gerando um faturamento bruto de R$ 1,5 a 1,8 milhão por ano. O Poder Público Municipal e a EMATER apóiam o programa através do fornecimento de material de construção para as agroindústrias, além do apoio técnico através de dois agrônomos, dois médicos veterinários, quatro técnicos agrícolas, um nutricionista e um vigilante sanitário.

O Pacto deu origem ao SIM – Sistema de Inspeção Municipal - e a Central de Apoio. O SIM é responsável por liberar o Alvará de Inspeção Municipal e o Selo de Qualidade Fonte Nova. Já a Central de Apoio, têm a função de coordenar e integrar as áreas do programa, além de apoio aos produtores e técnicos, desenvolvendo assim, serviços de melhorias da imagem dos produtos, marketing, auxílio na participação em feiras, na busca de novos mercado etc.

O Fonte Nova conta com agroindústrias de queijos, pepinos em conserva, mel, melado, rapadura, embutidos, erva mate, sabão, aguardente e licores, bolachas coloniais, tijolos, vassouras, horticultura orgânica, produção de abacaxis, maracujá e acerola além de compotas e doces de frutas impróprias para venda in natura.

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COOPERCANA – Cooperativa dos Produtores de Cana de Porto Xavier

O cultivo da cana, no recorte territorial analisado, é favorecido pela existência de um micro-clima favorável e data desde a época das reduções jesuíticas (1600), sendo utilizado para alimentação humana e animal na própria propriedade. Seu cultivo permanece até os dias de hoje e, frente às dificuldades pelas quais passa a agricultura familiar local/regional, a cana vem desenvolvendo-se como uma alternativa para a pequena propriedade familiar.

A experiência da COOPERCANA iniciou através da criação da Usina de Álcool Porto Xavier – ALPOX S/A –em 1984, sob influencia do Pró-Álcool – Programa Nacional de Álcool de 1975. A ALPOX contou com 156 acionistas, destes, 143 pequenos agricultores detendo 49% das ações e os 13 demais, empresários e profissionais liberais com 51% das ações. A moagem iniciou em 1987, quando é concluído o parque industrial.

Num cenário de divergências entre acionistas majoritários e minoritários e com a evolução da crise financeira da ALPOX, surge a COOPERCANA (1996), composta pelos pequenos produtores de cana e funcionários da usina, com o propósito de encontrar soluções para os problemas da ALPOX. Em 1999 a ALPOX decreta falência, e a COOPERCANA arrenda o parque industrial (usina), renovando contratos anualmente.

Os produtores associados da COOPERCANA distribuem-se pelos municípios de Roque Gonzáles (58%), Porto Xavier (35%) e Porto Lucena (7%), sendo que a produção se dá em propriedades de 5 a 20 hectares. Atualmente há cerca de 250 agricultores fornecedores de cana. A área cultivada para produção de álcool totaliza 2.050ha. No período de funcionamento da usina, (maio/junho a novembro), são envolvidos aproximadamente 900 trabalhadores, que executam as tarefas de corte, carregamento, transporte e industrialização. A Cooperativa conta hoje com 273 associados.

Desde a sua fundação, a COOPERCANA tem desenvolvido parcerias e ações coletivas com outras organizações e instituições podendo-se citar STRs, COOPAX, ASTRF, instituições como universidades (UNIJUÍ, UFPEL) além da EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos), ANTEAG (Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Auto-Gestão), CRESOL/Porto Xavier (Cooperativa de Crédito Rural com Interação Solidária). Além disso, pode-se citar ainda a Usina de San Xavier/Argentina e agroindústrias familiares da região.

Destacam-se como inovações o fato da experiência impregnar novos usos políticos e econômicos do território frente à territorialidade em torno das relações de poder e gestão decorrentes do cultivo da soja, pela forma coletiva como esta se estrutura, não sendo um empreendimento individual. Pelo fato de industrializar e não comercializar cana in natura, como em geral, no caso da soja, e pela produção de álcool combustível, sendo a única usina no Estado, responsável por 4% da demanda estadual. Outro diferencial é a produção de energia elétrica para seu consumo, por meio da queima do bagaço da cana, isentando-se do pagamento de energia elétrica.

O caso da COOPERCANA é um exemplo de que o campo cada vez mais busca inserir-se na racionalidade urbana, reforçando a interdependência entre campo e cidade. É interessante o fato de parte dos funcionários da usina residirem na cidade de Porto Xavier. A realidade que normalmente se observa é o contrário: a população rural é que busca empregos nas cidades. Por outro lado, embora seja uma experiência desenvolvida no campo, sua produção destina-se ao consumo urbano, um consumo, uma racionalidade não exclusiva da cidade, mas que se expande para o campo, sobre o rural.

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Esta experiência, bem como as demais acima citadas, surge como uma alternativa à produção de soja nas pequenas propriedades rurais, buscando viabilizar a agricultura familiar, atendendo suas necessidades econômicas e sociais. Observa-se, pois, que a existência de relativa densidade institucional e de inovações territoriais coletivas em torno da experiência, tem contribuído para desencadear processos de desenvolvimento territorial local/regional, melhorando as condições sócio-econômicas da população rural e urbana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo que foi mencionado acima, quanto a exclusão gerada pelo processo de

modernização da agricultura e ao entender-se a relação cidade-campo como um continuum, inter-relacionado e inter-conectado, pode-se fazer referência ainda às palavras de Milton Santos.

Entende-se dessa forma que, as experiências acima citadas, mesmo seguindo uma racionalidade urbana e, talvez justamente por isso, podem ser consideradas contra-racionalidades. À medida que a modernização e sua racionalidade têm gerado a exclusão de muitos, estes buscam suas próprias formas de sobrevivência, com uma racionalidade diferente, paralela, divergente e convergente ao mesmo tempo. Assim segundo Santos (1997-b, p.247)

o fato de que a produção limitada é associada a uma produção ampla de escassez conduz os atores que estão fora do círculo da racionalidade hegemônica à descoberta de sua exclusão e à busca de formas alternativas de racionalidade, indispensáveis à sua sobrevivência. A racionalidade dominante e cega acaba por produzir seus próprios limites.

Ainda segundo o autor as contra-racionalidades localizariam-se “de um ponto de

vista social, entre pobres, os imigrantes, os excluídos, as minorias; de um ponto de vista econômico, entre as atividades marginais, tradicional ou recentemente marginalizadas; e de um ponto de vista geográfico, nas áreas menos modernas e mais ‘opacas’” (SANTOS, 1997-b, p.246). Dessa maneira, à medida que os atores locais/regionais buscam dar novas funções às antigas formas, estes incutem nestas uma nova racionalidade, que da mesma forma como a racionalidade dominante, busca sua inclusão na modernidade, visando seu desenvolvimento.

É dessa forma, que a racionalidade urbana expande-se sobre o rural e que os atores passam a direcionar suas ações e práticas para o consumo urbano. Em função dessa constatação considera-se de fundamental importância levar em consideração esse continuum cidade-campo, de modo que seja possível promover ações, práticas, mecanismos, políticas e projetos de desenvolvimento, buscando constantemente inovações territoriais coletivas a partir do desenvolvimento da densidade institucional, variáveis consideradas fundamentais para desencadear tais processos.

Entende-se que a experiência da COOPERCANA surge como uma contra-racionalidade que busca a inclusão na modernidade, e por meio de novos usos políticos e econômicos do território, atribui novas funções às velhas formas, ou seja, as pequenas propriedades produtoras de soja, passam também a produzir cana-de-açúcar e industrializá-la. Isso nos reporta a Santos quando afirma que

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na medida em que os agentes locais da produção agrícola, rurais ou urbanos, tem um poder de controle limitado sobre o que é localmente produzido, o conhecimento das relações entre produção local e os aspectos mais globais do intercâmbio acelera essa produção política, aparecendo como um limite à racionalidade, uma vontade de contrariá-la ou o desejo de lhe sobrepor outros objetivos (1997-b, p.245).

Enfim, entende-se que as experiências citadas, podem ser denominadas de contra-racionalidades e estas, são capazes de desencadear processos de desenvolvimento territorial local/regional à medida que os atores locais/regionais, principalmente de regiões agrícolas e periféricas, considerem a cidade e o campo como um continuum, além de buscar inovações territoriais coletivas contínuas por meio de uma densidade institucional.

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