a reinstrumentaçização do serviço social

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UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Jlio de Mesquita Filho

FACULDADE DE HISTRIA, DIREITO E SERVIO SOCIAL CAMPUS DE FRANCA

Franca - SP 2006

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Rita de Cssia Camargo Brando

O Servio Social no Brasil: A Reinstrumentalizao Necessria

Tese de Doutorado apresentada Faculdade de Historia, Direito e servio Social da UNESP Campus de Franca, como requisito para a obteno do ttulo de Doutora em Servio Social. rea de Concentrao: Servio Social: Trabalho e Sociedade. Linha de Pesquisa: Servio Social e Formao Profissional. Orientador: Prof. Dr. Pe. Mrio Jos Filho.

Franca - SP 2006

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Brando, Rita de Cssia Camargo O Servio Social no Brasil: A reinstrumentalizao necessria / Rita de Cssia Camargo Brando. - Franca: UNESP, 2006. Tese Doutorado Servio Social Faculdade de Historia, Direito e Servio Social UNESP. 1 Servio Social Metodologia. 2. Servio Social Histria Brasil. 3. Instrumentalidade Servio Social. 4. Servio Social Profisso. CDD 361. 0018

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Rita de Cssia Camargo Brando

O Servio Social no Brasil: A Reinstrumentalizao Necessria

UNESP FRANCA 2006

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Rita de Cssia Camargo Brando

COMISSO JULGADORA Tese para obteno do Ttulo de Doutora

_________________________________________________________________________________ ______ Presidente e Orientador: Prof. Dr. Mrio Jos Filho

_________________________________________________________________________________ ______ 2 Examinador

_________________________________________________________________________________ ______ 3 Examinador

_________________________________________________________________________________ ______ 4 Examinador

_________________________________________________________________________________ ______ 5 Examinador

Franca (SP), _____de___________de_________

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queles que fazem de verdade a minha vida acontecer: Gabriel e Andr, meus filhos.

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AgradecimentosAo

Marcus,

companheiro e amigo, meus mais profundos agradecimentos, pela co-

autoria desta tese, pela importncia neste processo, estmulo, afeto, orientao e pela generosidade de confiar e me fazer acreditar que eu seria capaz de concretizar este trabalho.

Aos meus filhos,

Gabriel e Andr,

que desde a graduao at a este estudo

caminham comigo de mos dadas, estimulando, facilitando alguns caminhos, abrindo outros e torcendo sempre. Tudo que sou, sinto e fao no existiria sem o amor de vocs.

Ao

Prof. Mrio Jos, pela orientao, pertinncias e impertinncias e pela acolhida

numa fase difcil da minha vida profissional. Meus sinceros agradecimentos pelo apoio incondicional desde o incio. Fica minha admirao pela serenidade, confiana e respeito com que conduziu a superviso deste trabalho.

Prof.

Claudia Cozac,

pelo carinho, ateno e amizade sempre.

Vera Otero, irm de corao, pelo afeto, disponibilidade e reviso desse trabalho,

apesar de sua longa jornada diria de trabalho.

Vera

Sobral, meus sinceros agradecimentos pela correo desse trabalho.

Fabiana (minha filha postia), que em todos momentos buscou apoiar e dividir as

tarefas deste estudo, com o mais profundo zelo.

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minha

me

mulher fortaleza que me ensinou a ser forte em momentos difceis,

dcil quando a vida assim manda, determinada quando necessrio e foi capaz de plantar na minha vida os princpios e valores que carrego comigo hoje e sempre. Pelas manifestaes de amor e carinho durante toda a minha vida e por tudo que me ensinou e at hoje ensina.

Ao

meu irmo pela nobreza de carter que o acompanha durante toda a sua vida e

com esta mesma nobreza conduz esta situao difcil que a todos ns atinge.

Maria

Paula, pelo respeito e carinho e por sempre ter cuidado da nossa amizade,

da nossa histria, dos meninos e dos nossos sonhos.

Aos meus amigos de todas as horas que certamente sem o apoio, a ateno e disponibilidade essa tese no teria acontecido: Carlinhos,

Vanda Caum, Cristina

Lellis, Luquinha, Regina Furlan e Eliane Vecchi .Agradecimentos especiais aos sujeitos dessa pesquisa que com grande disponibilidade e peito aberto tornaram possvel esse trabalho.

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A memria do meu pai e da minha irm...saudades.

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RESUMO

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RESUMOEste trabalho visa contribuir para os estudos sobre a instrumentalidade profissional dos Assistentes Sociais na perspectiva do seu significado histrico-social, da sua dimenso tcnica e para a reflexo sobre contedos, metodologias, habilidades e atitudes. Quando bem articulados, estes elementos expressam a concepo do Assistente Social, inserido coerentemente em sua profisso e contextualizado no mundo em que vive. Para este entendimento apresentamos um breve histrico da profisso, desde a sua gnese (dcadas de 1920 e 1930) at chegar aos anos 1990. Esta retrospectiva se fez necessria para que se possa compreender, ainda que de modo rpido, a relao entre o positivismo, a fenomenologia, a dialtica e o Servio Social brasileiro no mbito do agir profissional no Brasil nos dias de hoje. O Servio Social desenvolve aes instrumentais como exigncias da sua forma de insero na diviso social e tcnica do trabalho e alocao nos espaos scio-institucionais da ordem capitalista dos monoplios. Estas aes so amparadas por uma modalidade de razo e paralelamente requisitadas por ela. Dado o carter que ocupa na constituio da profisso. A instrumentalidade denota a razo de ser do Servio Social produzida e reproduzida pelo racionalismo formal-abstrato das formas de existncia e conscincia dos homens nas sociedades contemporneas. Este carter instrumental, se, por um lado, constitui a funcionalidade para a qual a sociedade convoca o profissional por outro lado, o que lhe possibilita a passagem das teorias s prticas constituindo sua razo de ser meta maior fazer uma reflexo sobre a profisso em questes como a sua concepo e seus valores uma vez que tais elementos constroem, delimitam e do concretude ao profissional. A instrumentalidade no bojo da ao do Assistente Social um mecanismo que permite identificar a dimenso que o conjunto do instrumental tcnico ocupa no contexto geral das prticas assistenciais. Fica ento a indagao: Por que no cumpre este papel? Quais os fatores que determinam essa contradio? Seria um problema de dificuldade na leitura do seu determinismo scio-histrico ou uma lacuna na metodologia do Servio Social? Acreditamos que as bases para a discusso desta questo esto aqui pontuadas. Palavras-chave: Servio Social, Instrumentalidade, Tcnicas, Interveno Professional.

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ABSTRACT

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ABSTRACTThis research is an attempt at contributing to the understanding of the professional instrumentality of the Social Work in Brazil, in the perspective of its social and historical meaning and in the contents of its technical dimension. It is also an enquiry on contents, methodologies, skills, abilities and attitudes of the professionals that work in this field. When all these elements are well articulated, they can express the concepts and define the procedures and instruments to adequately deal with the unequal distribution of opportunities in this country. The research is aimed at showing a brief historical survey of the profession in Social Work, since its genesis back in the years 20s and 30s in Brazil until the 90s. This retrospective is necessary for the understanding, though done briefly, the relationship between Positivism, Dialethic and Marxism in the establishment of the Brazilian Social Work and the meaning of social intervention in Brazil today. The social workers develop instrumental actions as a requirement for their insertion in the technical and social division of work as well as for its absorption in the world of work in the frame of the social institutions of the capitalist world. These actions are supported by a modality of reason and at the same time required by the capitalist order. Given the social position that occupies in the professional set up, the instrumentality denotes the reason of being of the Social Work, which is an important part of mans consciousness in the contemporary society. Nevertheless, the demands for the professional action are also important means through which the theories channel the practical intervention. Thus, the main aim of this work is to carry out a discussion on professional questions such as concepts, values and procedures underlying the adequate choice among the different approaches targeted at transforming this unequal world in something more socially acceptable. The question is to identify the real dimension of the technical instrumentality, handled by the social service and to define the general context in which the social workers act. The question that has been raised is why the Social Work does not play the role that is expected and hoped for? What are the factors that determine this contradiction? Is there a problem of misunderstanding of the socio-historical context in which it is inserted? Or else, there is an important gap in the methodological development of the Social Work. These questions are launched here and the bases for this discussion are put forward in this thesis.

Key words: Social Work, Instrumentality, Techniques, Social Intervention.

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RSUM

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RSUMCe travail vise contribuer aux tudes relatives aux instruments utiliss par les Assistants Sociaux dans leur cadre professionnel. Ils se situent dans la perspective de leur signification socio-historique, dans leur dimension technique, pour alimenter une rflexion sur la teneur, les mthodes, le savoir-faire ainsi que les attitudes adopter pour leur mise luvre. Bien articuls les uns aux autres, ces lments rendent compte dune conception de lAssistant Social, harmonieusement insr dans sa profession et bien cadr dans le monde dans lequel il vit. Dans cette acception, nous prsentons une courte histoire de la profession, depuis sa gense (dcade de 1920 1930) jusquau dbut des annes 1990. Cette rtrospective est rendue ncessaire pour quon puisse comprendre, bien que de faon rapide, la relation entre le positivisme , la dialectique, le marxisme et le Service dAction Sociale Brsilien avec lambition dagir efficacement dans le Brsil actuel. Le Service dAction Sociale dveloppe des moyens concrets en rponse son modle de segmentation de la socit, ses mthodes de travail et la disponibilit despaces socio-institutionnels dans le systme capitaliste des monopoles. Ces actions sont tayes par des moyens rationnels qui sont, paralllement, requis par elles. Etant donn le caractre pris par la constitution de la profession, et les moyens qui sont en ralit la raison dtre du Service dAction Sociale, elle produit et reproduit sous la forme dun rationalisme formalis de faon abstraite les formes dexistence et de conscience des tres humains des socits contemporaines. Dun cot, cet aspect technique sest constitu en un mode de fonctionnement dans lequel la socit sollicite le professionnel et, dun autre cot, sa raison dtre se justifie par la possibilit de passer de la thorie la pratique. Lobjectif ultime est de procder une rflexion sur la profession sur des points tels que sa conception et ses valeurs, une fois que tels lments constituent, dlimitent et rendent concrets laction professionnelle. Les moyens techniques, au cur de laction de lAssistant Social, forgent un mcanisme qui permet didentifier limportance que lensemble des moyens techniques utiliss par le Service dAction Sociale prend dans le cadre gnral de la pratique de lassistance. Une question se pose alors : pourquoi ne remplit-il pas cet office ? Quels sont les facteurs qui dterminent cette contradiction ? Seraient-ils les fruits dune difficult dchiffrer son dterminisme socio-historique ou dune lacune dans les mthodes du Service dAction Sociale? Voici ce que sont les points sur lesquels se fonde la discussion. Mots-cls: Service Social, Instrumentalit, Techniques, Intervention Sociale.

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CRDITOS DAS FIGURAS DE ABERTURA DOS CAPTULOS

Captulo I - Melting Clock - Salvador Dali Capitulo II Descobrimento do Brasil - Candido Portinari Capitulo III True art is made noble and religious by the mind producing itMichelangelo Capitulo IV EFCB Estrada de Ferro Central do Brasil -Tarsila do Amaral Capitulo V - Village Street and Stairs with Figures Vincent van Gogh Capitulo VI - Battle of the Angels: Fortissimo Sraphin Soudbinine e Jean Dunand Concluses "Child with Top" Candido Portinari

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SUMRIOINTRODUO..................................................................................................... CAPTULO I. O Incio da Instrumentalidade...............................................1.1 O Trabalho............................................................................................................ 1.2 O Papel da Instrumentalidade................................................................................ 1.3 O Papel Mediador da Instrumentalidade.................................................................

18 22 22 25 27 32 33 35 41 43 48 57 58 61 66 70 71 76 76 78 83 84 94 95 100 101 101 103 104

CAPTULO II. A Trajetria do Servio Social No Brasil.........................2.1 O Inicio.................................................................................................................. 2.2 A Era Vargas......................................................................................................... 2.3 A Doutrinao do Servio Social e a Influncia Europia..................................... 2.4 A Influncia Norte-Americana............................................................................... 2.5 A Reconceituao do Servio Social no Brasil......................................................

CAPTULO III. Referencial Filosfico............................................................3.1 O Positivismo........................................................................................................ 3.2 A Fenomenologia................................................................................................... 3.3 A Dialtica..............................................................................................................

CAPTULO IV. Percurso Metodolgico.................................................... 4.1 Determinante Metodolgico........................................................................ 4.2 Os Sujeitos................................................................................................. 4.3. A Entrevista............................................................................................. 4.4 O Mtodo.................................................................................................. CAPTULO V. A Questo dos Mtodos, dos Instrumentos e das Tcnicas..... 5.1 Os Mtodos................................................................................................ 5.2 Instrumentos e Tcnicas............................................................................ 5.2.1 A Entrevista........................................................................................ 5.2.2 A Reunio.......................................................................................... 5.2.3 A Visita Domiciliar............................................................................ 5.2.4 Estudo Social...................................................................................... 5.2.5 Relatrio Social.................................................................................. 5.3 Mediao como Instrumento de Trabalho.................................................

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CAPTULO VI. Anlise e Discusso dos Resultados.................................... 6.1 Impacto do discurso na prtica profissional............................................. CONCLUSES.....................................................................................................

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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..........................................................

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INTRODUO

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INTRODUOA idia dessa tese nasceu a partir da nossa prtica profissional como uma necessidade de reflexo sobre questes em torno da instrumentalidade no bojo da ao do Assistente Social. Esta introduo um roteiro do que apresentamos ao longo da tese. Iniciamos com a construo do objeto de estudo, delineando a temtica escolhida. A reflexo que procuramos fazer est apoiada em abordagens que do sustentao anlise tericometodolgica. Nosso objetivo oferecer uma contribuio ao debate da dimenso operativa do Servio Social, enfatizando a viso do profissional, sua ao interventiva e as concepes acerca das bases tericas que norteiam a profisso. As reflexes que se apresentam so uma tentativa de contribuio ao repensar do papel dos instrumentos e tcnicas na ao profissional do Assistente Social. Do ponto de vista metodolgico trabalhamos com pesquisa bibliogrfica, recorrendo aos mtodos de anlise de discurso para interpretar as entrevistas coletadas. Como optamos por trabalhar com essas tcnicas, elaboramos roteiros abertos para colher os depoimentos. Aps ouvi-los e transcrev-los, os depoimentos foram lidos, relidos, comparados com as anotaes adicionais que fizemos durante as entrevistas; em seguida foram novamente ouvidos para captarmos as nuances e inflexes de voz que pudessem ser significativas para a compreenso dos discursos. O tratamento do material buscou seguir os passos da pesquisa qualitativa: descrio, anlise temtica e interpretao. Optamos por um tratamento que recuperasse aquilo que foi legitimado historicamente nas prticas da profisso. Por esta razo, utilizamos como referencial analtico o que podemos chamar de mtodo histrico-crtico. A estrutura da tese contm a introduo ao tema partindo do conceito do processo do trabalho e chegando conscincia participativa do homem. Analisamos tambm a estreita ligao entre o pensamento e a ao visto que o homem para satisfao de suas necessidades concretas no aceita o mundo como ele e busca sempre transform-lo. nesse processo de atividades concretas que ao agir ele se percebe e conhece, bem como se conhece agindo. a partir dos instrumentos que a relao entre o homem e a natureza deixa de ser direta e imediata. O aparecimento de instrumentos mais aperfeioados modifica o tipo de relao entre o homem e a natureza e nesse sentido um ndice revelador do desenvolvimento de sua fora de trabalho e de seu domnio sobre a natureza. Assim, quaisquer que sejam os instrumentos de que se valha para transformar a matria , sem dvida, o homem quem os fabrica e utiliza. ele quem, em ltima instncia, se valendo dos instrumentos atua sobre as

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matrias e as transforma de acordo com suas necessidades. Refletir sobre a instrumentalidade no bojo da ao do Assistente Social um modo de identificar a dimenso que o conjunto do referido instrumental tcnico utilizado pelo Servio Social ocupa no contexto geral das prticas assistenciais. Em seguida, descrevemos o percurso histrico do Servio Social e a influncia da Primeira Guerra mundial a partir da qual a fora da classe trabalhadora organiza-se para garantir o atendimento de suas necessidades. Analisamos a gnese do Servio Social que surgiu em um momento histrico com forte vinculao ao da Igreja catlica e com ligao da profisso ao Estado. Desta maneira, o Servio Social acompanhou o processo de agudizao econmica e social e o fortalecimento do populismo como alternativa para manipulao dos trabalhadores e da sua vinculao aos interesses dominantes. Assim, o incio da profissionalizao do Servio Social est intimamente relacionado aos movimentos religiosos e estatais ligados Questo Social que visavam a garantia de privilgios especficos de cada setor. A origem do Servio Social na militncia catlica marca profundamente seu contedo profissional. O Servio Social se desenvolveu enquanto profisso sob a gide do desenvolvimento capitalista industrial e da expanso urbana com a influncia franco-belga at ceder influncia norte-americana. Passamos pelo incio do chamado "Movimento de Reconceituao" que surgiu a partir de fortes questionamentos feitos por alguns profissionais sobre as prticas, compromissos e conscincia social dos Assistentes Sociais. Este movimento rejeitou o modelo importado dos EUA, passando a vincular a prtica profissional aos interesses populares e rejeitou o trabalho institucional. A partir de ento, resgatou-se no Servio Social a necessidade de articular a teoria e a prtica atravs de metodologias prprias e de dialogar com as Cincias Sociais. Com isso, foi possvel propor um projeto da categoria para a sociedade. No tpico seguinte buscamos a conceituao das linhas filosficas que influenciaram o Servio Social bem como discorremos sobre as bases filosficas responsveis pela formao do Assistente Social. Prosseguimos com o capitulo IV no qual expomos, atravs de pesquisa bibliogrfica, os mtodos e as tcnicas mais utilizadas pelo Assistente Social antes e ps-movimento de Reconceituao. Observa-se que as referncias indicadas so marcantes no sentido que ocorreram anteriormente ao movimento de Reconceituao. Insistimos em cit-las como forma de chamar a ateno do leitor uma vez que aps o movimento de reconceituao a literatura oferece poucos ttulos. Dada essa escassez de

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material o Servio Social acaba se utilizando de referenciais tericos de outras disciplinas. A seguir, discorremos sobre o percurso metodolgico, mostrando o referencial terico, as tcnicas de investigao de anlise dos dados, assim como o campo de estudo e seus sujeitos. Finalmente, apresentamos uma anlise global dos resultados na tica dos objetivos que nortearam esta tese. Na anlise dos resultados buscamos fazer uma interpretao orientada pela tcnica de anlise dos discursos. Por ltimo, ressaltamos na discusso desse trabalho os pontos que definimos como concluses, mas que, na realidade, devem ser considerados mais apropriadamente como uma reflexo crtica sobre o agir profissional no Servio Social.

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CAPTULO 1

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O INCIO DA INSTRUMENTALIDADE1.1 O Trabalho Segundo Engels, o trabalho o fundamento da vida humana: a natureza oferece materiais e o trabalho os transforma em riqueza. O passo decisivo na transformao do macaco em homem deu-se pela diferenciao entre as funes dos ps (caminhar) e das mos (firmarem-se em galhos). Passando a assumir uma postura mais ereta, os macacos foram ficando com as mos mais livres, desempenhando funes cada vez mais diferenciadas tais como apanhar e segurar alimentos, construir ninhos em rvores, empunhar paus e pedras como mecanismos de defesa. Pode-se dizer que a mo do homem desenvolveu-se atravs de milhares de anos de trabalho e, portanto, entende-se que a mo no apenas o rgo do trabalho, mas tambm produto dele. No sendo a mo uma parte independente do corpo, os benefcios proporcionados por ela repercutiram em todo o desenvolvimento do indivduo. A cada novo progresso (avano do homem no domnio da natureza) decorrido do trabalho (desenvolvimento da mo) o homem foi alargando seus horizontes. Multiplicaram-se as circunstncias de atividades em comum (auxlio mtuo). O desenvolvimento do trabalho contribuiu para a consolidao dos laos societrios e para o aparecimento da linguagem, a qual, em um processo de mo dupla, favoreceu e refinou os mecanismos de execuo do trabalho. O trabalho primeiro e depois a palavra articulada foram os principais fatores que atuaram no desenvolvimento gradual do crebro do macaco e do homem. O trabalho e a linguagem permitiram o desenvolvimento dos sentidos, a evoluo do pensamento, da conscincia, da socializao, da capacidade de discernimento e abstrao. Estes fatores por sua vez incidiam na qualidade do trabalho e da linguagem, imprimindo-lhes um processo evolutivo constante. Em sntese, o desenvolvimento da linguagem no ser humano deu-se

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concomitantemente, com a construo do ser social, inserido e integrado no seu meio atravs de suas experincias passadas e perspectivas futuras (BRANDO, 2000). Comeamos a falar em trabalho a partir do surgimento de instrumentos elaborados e fabricados na pr-histria como os instrumentos de caa, da pesca e da defesa. Com a caa e a pesca o homem passou a adotar uma dieta carnvora, que continha elementos fundamentais para o desenvolvimento do crebro. A cooperao entre os rgos da linguagem, crebro e habilidades manuais contribuiu para o desenvolvimento da humanidade como um todo, levando os homens a executarem operaes complexas e a atingir objetivos mais elevados. O trabalho foi se diversificando, aperfeioando-se a cada gerao. A agricultura surgiu como alternativa caa e pesca, e mais tarde surgiram a fiao, a tecelagem, a manipulao de metais, a olaria e a navegao. Simultaneamente, surgiram o comrcio e os ofcios (profisses), as artes e as cincias. Com a evoluo do trabalho (criaes produzidas pelo crebro humano) as produes mais simples, resultado das atividades manuais, foram deixadas em segundo plano. J na famlia primitiva comeou a aparecer a diviso entre o pensar e o fazer: a cabea que planejava o trabalho sujeitava mos alheias a realizarem o que era projetado. Marx enunciou os componentes do processo de trabalho e, a partir deles, o objeto de seu estudo refere-se questo dos instrumentos de trabalho. Verificamos que raramente Marx utiliza o termo tcnica em sua obra, mas, nem por isso ele deixa de trabalh-la quando fala de trabalho, indstria, foras produtivas, etc. De fato, a anlise marxista da produo se concentra no processo de trabalho, no qual as matrias primas so transformadas pela atividade humana consciente passando assim a produzir valores-de-uso. Marx ressalta que a tecnologia e no a natureza, que tem importncia fundamental. Verifica-se, ento, que no processo de desenvolvimento do trabalho humano a conscincia participa ativamente, uma vez que elabora finalidades e produz conhecimento. Assim, acaba por existir uma relao ntima entre o pensamento e a ao, pois que o homem, para satisfazer suas necessidades concretas, no aceita o mundo tal como ele , da a necessidade de transform-lo. nesse processo de atividades concretas, onde ele estabelece sua conscincia elaborando, organizando suas aes e prevendo o significando de seus atos em que ao mesmo tempo, posiciona social e politicamente no meio em que vive (BRANDO, 2004). O homem transforma o objeto obedecendo s finalidades, valendo-se, para tanto, de instrumentos (meio atravs do qual se mensura determinado fenmeno ou se obtm dados numa pesquisa) que ele mesmo usa e fabrica, onde a razo que elabora o prprio uso e

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fabricao destes instrumentos refora o trabalho humano. Assim, ao falarmos de instrumentos de trabalho - condio material e objetiva do processo de trabalho - devemos estar atentos sua interao com o trabalho humano, de forma que o instrumento aparea tambm humanizado, tanto por seu uso quanto por sua fabricao. Disso decorre que da interao indivduo e seu meio resultou instrumentos que passaram a ser um novo elemento neste processo, estabelecendo uma trade que deve evoluir visando, homem-meioinstrumentos, ao bem estar da humanidade. Esta humanizao do instrumento no pode ser concebida num sentido abstrato, mas sim, como expresso tanto de uma determinada relao entre homem e a natureza como das condies sociais em que os homens produzem (relaes de produo). a partir dos instrumentos que a relao entre o homem e a natureza deixa de ser direta e imediata. O aparecimento de melhores e mais elaborados instrumentos modifica o tipo de relao entre o homem e a natureza. Nesse sentido, o instrumental utilizado um ndice revelador do desenvolvimento de sua fora de trabalho e de seu domnio sobre o meio. Assim, quaisquer que sejam os instrumentos de que se valha para transformar a matria conforme suas finalidades, o homem os fabrica e utiliza para, em ltima instncia, atuar sobre a matria e a transformar de acordo com suas necessidades, ou seja, torn-lo sua instrumentalidade. Do ponto de vista filosfico, considera-se o valor de uma ao em funo das suas conseqncias. 1.2 O Papel da Instrumentalidade O tema instrumentalidade de grande relevncia, devido sua complexidade e s vrias vertentes que dela se originam. Atravs do seu estudo, recorremos a vrios aspectos do exerccio profissional e da interveno na realidade. Entretanto, como colocado anteriormente para compreender preciso tambm apreender o processo de formao do conhecimento humano e da prpria cincia. Edgar Morin (2000) parte do principio da superao da fragmentao dos vrios aspectos do conhecimento. Atravs desta premissa, indica a necessidade do rompimento do saber parcelado. Entendendo que a cincia uma aventura, sempre est em constante modificao, contestando as prprias estruturas do pensamento, fazendo uma articulao entre as partes e a totalidade em uma relao dialgica baseada na generalizao da incerteza e na multidimensionalidade. O autor critica a cincia tradicional que separa o objeto do seu espao, segunda a qual, o objeto se define sozinho sem se relacionar com o seu ambiente. Na sua concepo, na relao neste principio surge uma nova viso entre mundo e sujeito, cita o sujeito como capaz de se transformar, de alterar a

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realidade e ser por ela modificado. Esta capacidade significa, autonomia, reflexo e conscincia, resgatando o carter de movimento presente nesta relao. Nos anos de 1990 a prtica dos Assistentes Sociais vem sendo discutida predominantemente a partir da instrumentalidade. No mbito da diviso sciotcnica a lgica da razo instrumental tem prevalecido no contexto da prtica profissional desde o surgimento da profisso e do trabalho. Refletir questes como a concepo, os valores e a instrumentalidade no bojo da ao do Assistente Social tambm um modo de identificar a dimenso que o conjunto do instrumental tcnico utilizado pelo Servio Social ocupa no contexto geral das prticas assistenciais. AO discutir que a lgica da razo instrumental determinou uma racionalidade, significa dizer que esta constitui-se, portanto, de um conjunto de atividades e funes, no se importando nem com a correo dos meios, nem com a legitimidade da ao. Se for correto que o valor do trabalho do Assistente Social reside na sua utilidade social, que medida em termos das respostas concretas que venham a produzir uma alterao imediata na realidade emprica, ao se converter num trabalho em geral, cujo valor reside na forma social que adquire, o seu resultado final, passa a ser o dependente da forma de realiz-lo. Em outras palavras, se o produto final do trabalho do Assistente Social consiste em provocar transformaes no cotidiano dos segmentos que o procuram, os instrumentos e tcnicas a serem utilizados podem variar, porm devem estar adequados para proporcionar os resultados concretos esperados. Para tanto, as aes instrumentais mobilizao de meios para o alcance de objetivos imediatos so, necessrias, mas no suficientes. Netto (1996) indica, contudo, que no pode prescindir de um conjunto de informaes, conhecimentos e habilidades que o instrumentalize. A instrumentalidade do Servio Social o espao onde a profisso se consolida e se materializa, permitindo a unio das dimenses instrumental, tcnica, poltica, pedaggica e intelectual da interveno profissional. Essa viso integrada entre os diversos elementos possibilita que os processos e prticas sociais sejam traduzidos em aes tcnicas e politicamente comprometidas. Salienta-se, ainda, a importncia de agir metodologicamente, com base no conhecimento do objeto sobre o qual se trabalha, a fim de estabelecer as estratgias da ao profissional com vistas construo de uma instrumentalidade eficiente e tica para o contexto poltico atual. Netto (1994) indica que a situao atual que aloca os Assistentes Sociais como prestadores de servios, executores de atividades finalsticas, visa descaracterizar a

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profisso como um trabalho e a exclui da intermediao direta da relao capital-trabalho. Alm disso, esta prtica obscurece a natureza poltica da profisso, limitando sua interveno a aes instrumentais, determinando a prpria representao que os profissionais tm das suas funes. De acordo com o mesmo autor, preciso romper com o hiato entre o passado conservador do Servio Social e os indicativos prticos de uma nova racionalidade e instrumentalidade. Segundo Guerra (1999) a passagem da teoria prtica possibilitada pelo carter instrumental das aes profissionais. Para a autora a instrumentalidade fundamenta a razo de ser do Servio Social como campo de mediao e como referenciais de novos norteadores. A partir destes, os padres de uma nova racionalidade e aes instrumentais passam a se estabelecer. As aes profissionais constituem-se de um arsenal de conhecimentos, informaes, tcnicas e habilidades que esto subjacentes s prticas do Assistente Social. Com estes elementos, essas prticas ganham um modus faciendi e se materializam como o resultado do que est sendo executado com base em um plano genrico de atuao, que se define e se modela em um quadro de correlao de foras de diversas naturezas. Para os profissionais que tm a prtica como fundamento da determinao das suas aes, as teorias no passam de construes abstratas. Entretanto, necessrio construir um quadro explicativo do objeto que contemple um conjunto de tcnicas e instrumentos de valor operacional que sirvam de referenciais aos profissionais que reconhecem as teorias como processos de reconstruo da realidade. As teorias devem ser vinculadas a determinados projetos de sociedade, a vises de homem e mundo e da prpria sociedade. Partindo dessas concepes, o profissional assume uma posio, bem como assume determinados mtodos de conhecimento e anlise da sociedade. Para tanto, uma outra categoria entra em cena, a mediao. 1.3 O Papel Mediador da Instrumentalidade Atravs da mediao fundada no pensamento dialtico, busca-se reconstruir o movimento do real e construir cognitivamente as conexes entre o universal e o singular. Pontes (1995) indica que consiste em estabelecer as relaes entre as grandes determinaes sociais e as suas formas de expresses singulares no contexto particular dos complexos sociais. Implica na revelao da dinmica do imediato e do factvel que recobre cada singularidade e com sua complexidade. Esta perspectiva metodolgica,

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calcada na dialtica do singular-universal-particular, no est restrita apenas dimenso cognitiva. Relaciona-se tambm interveno profissional, uma vez que articula conhecimento e ao. H, pois, uma razo de ser no Servio Social, estreitamente vinculada tanto s condies que gestaram sua institucionalizao e quelas por meio das quais a profisso reconhecida e requisitada. Mas h uma razo de conhecer o Servio Social como tendo uma postura sistemtica e coerente de compreenso racional da profisso. Ambas, em razo de ser e razo de conhecer, constituem-se plos de uma mesma configurao. Assim compreendida a razo de estudar, o Servio Social ultrapassa os limites histricos, tanto pela sua forma de aparecer, quanto pela funcionalidade que lhe atribuda na diviso social e tcnica do trabalho. Neste sentido, as racionalidades do Servio Social podem ser tomadas como um conduto de passagem e eixo articulador entre teorias e prticas. Se h vrias racionalidades no Servio Social com nveis e graus de abrangncia distintos que adquirem maior ou menor ponderao em determinados momentos da trajetria histrica da profisso, ento porque esta interveno, de modo geral, vem se traduzindo por aes terminais de um fazer pragmtico, repetitivo e imediatista. Aps a anlise exposta, h que se repensar o processo das relaes sociais definidas nas relaes de produo no sistema capitalista, no qual o plano econmico subordina os demais em ltima instncia. Nele o trabalho do Assistente Social atende ao interesse de valorizao do capital, que secundariamente responde a demandas do trabalho, atravs do atendimento das necessidades da populao. A prtica profissional a partir da compreenso das contradies que constituem o mvel bsico da histria, pode viabilizar estratgias em favor das classes trabalhadoras, desde que antes sejam atendidos os interesses da prpria burguesia. Vale a pena questionar se o Assistente Social , objetivamente, um agente de reproduo da fora de trabalho. Neste caso, ento, e a partir da anlise aqui feita, o Servio Social nada mais faz do que atender ao capital? Neste contexto, Guerra (2000) coloca quatro reflexes fundamentais: O Servio Social desenvolve aes instrumentais como exigncias da sua forma de insero na diviso social e tcnica do trabalho e alocao nos espaos scioinstitucionais. Estas aes so, ao mesmo tempo, amparadas por uma modalidade de razo e requisitadas por ela. Tal carter instrumental se, por um lado, constitui a funcionalidade para a qual a sociedade convoca o profissional, a sua razo de ser, por outro, o que lhe possibilita a passagem da teoria prtica;

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A funo de mediao que a instrumentalidade do Servio Social deve incorporar padres de racionalidade subjacentes s teorias e mtodos pelos quais os agentes apreendem os fenmenos da realidade. a partir dessas (re) construes mentais que os profissionais do forma s suas aes nos processos e relaes com os quais se defrontam na interveno profissional; O fazer do Assistente Social dado pela sua instrumentalidade. Esta dimenso da profisso a mais desenvolvida, capaz de designar os processos que se manifestam no mbito da ao; A argumentao da autora demonstra que a complexidade e a diversidade alcanadas pela interveno profissional, no sentido de atender s demandas e requisies originadas das classes sociais, colocam a dimenso instrumental como a mais desenvolvida da profisso e, portanto, capaz de indicar as condies e possibilidades da mesma. Se a interveno encontra-se num plano objetivamente central para o conhecimento e reconhecimento dos modos de realizao da prtica profissional, h que se considerar que essas aes no ocorreram sem seus agentes. Estes, por sua vez, possuem no apenas uma forma de ver o mundo. Fundamentada em uma dada formao acadmica, intelectual, cvica e pessoal, mas tambm atuam como mediadores nas aes e formas de compreenso dos profissionais sobre as relaes sociais que confrontam. importante situar o debate sobre o uso de tcnicas (conjunto de procedimentos organizados baseados num conhecimento cientfico correspondente) em Servio Social de forma integrada com as questes terico-metodolgicas utilizadas pela profisso. O Assistente Social apreende o significado e as contradies existentes na realidade atravs de sua ao, utilizando para tais instrumentos. A matria-prima da interveno profissional composta por mltiplas determinaes, heterogneas e contraditrias, que se movimentam, se alteram e se transformam em outras. A forma de insero da profisso na diviso social e tcnica do trabalho relaciona-se com determinaes mais gerais do modo de produo capitalista. De fato, as fragmentaes que a diviso do trabalho acarreta nos processos de trabalho, recolocadas na sociedade como um todo, colidem com a exigncia do profissional em encontrar a sua especificidade. Essa ausncia, por sua vez, se expressa nas indefinies sobre o que e o que faz o Servio Social. Guerra (1999) questiona a forma mistificada de compreender a interveno profissional pela dinmica da realidade, j que o modo predominante de apreender os processos sociais a forma material pela qual as coisas se expressam. Nesse sentido, no

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possvel determinar a conscincia do Assistente Social pela vinculao direta entre as condies objetivas sob as quais a interveno profissional se estabelece e a forma que adquire. Isto significa que as dificuldades inerentes interveno profissional, a despeito de dar-lhes feies especficas, obedece lgica de constituio da sociedade capitalista, na qual, a substituio do contedo pela forma e a transformao do essencial em acessrio, so condies necessrias manuteno dessa ordem social. Segundo Martinelli e Koumrouyan (1994) o instrumental considerado como um conjunto articulado de instrumentos e tcnicas que permitem a operacionalizao da ao profissional. Nessa concepo possvel atribuir-se ao instrumento a natureza de estratgia ou ttica, por meio da qual se realiza a ao, e tcnica, fundamentalmente a habilidade no uso do instrumental. Disso decorre que o espao da criatividade no uso do instrumental reside exatamente no uso da habilidade tcnica, portanto reside no agente. Decorre, tambm, que o instrumental no nem o instrumento nem a tcnica, tomados isoladamente, mas ambos, organicamente articulados em uma unidade dialtica (entrevista, relatrio, visita, reunio, observao participante). De acordo com Guerra (2000) a legitimidade tanto da profisso quanto do referencial terico-metodolgico e deo-poltico marxiano encontra-se fundamentada nas respostas materiais concretas formuladas pelos profissionais s demandas tradicionais e emergentes. Estas respostas, por sua vez, referem-se produo do conhecimento sobre os objetos, sobre a realidade, sobre a populao, sobre a instrumentalidade do Servio Social, no interior da qual se delimita e se escolhe o instrumental tcnico-operativo a ser utilizado. Referem-se tambm interveno objetiva nas variveis da realidade social com o intuito de alter-las e deve ser capaz de: 1) iluminar as finalidades profissionais; 2) de permitir a escolha dos meios e instrumentos adequados realizao do projeto; 3) de mobilizar as condies objetivas, enfim, deve permitir a concretizao das finalidades profissionais. Os Assistentes Sociais ao acionarem a razo e a vontade na escolha dos procedimentos tcnicos e tico-polticos, dentre eles o instrumental tcnico-operativo, o fazem no mbito de um projeto profissional. Isto permite que a profisso supere a dimenso eminentemente instrumental necessria responda de maneira crtica e consciente s demandas que lhe so postas. As competncias tcnicas e poltica, necessrias para o avano da profisso em suas diversas dimenses tcnica, tico-poltica, intelectual e formativa, so alcanadas atravs do aprimoramento profissional. Para uma reflexo tcnica nas aes profissionais do Assistente Social, necessrio o entendimento fundamentado em bases tericas do significado dos instrumentos,

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dos objetivos da ao que sero utilizados e as bases filosficas que deles se originam e a interlocuo destes para a construo da interveno profissional. No captulo II faremos uma viagem na trajetria histrica do Servio Social no Brasil, seu desenvolvimento, origem e influncias tericas, buscando identificar elementos indispensveis para a compreenso da utilizao dos instrumentais, alicerados numa perspectiva metodolgica.

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CAPTULO 2

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A TRAJETRIA DO SERVIO SOCIAL NO BRASIL2.1 - O Incio O Servio Social no Brasil surgiu em um momento histrico com forte vinculao ao da Igreja. Um dos relatos fidedignos dessa condio sustenta que "tendo suas bases nas formas de assistncia social que se desenvolvem com a mobilizao do movimento leigo pela Igreja Catlica, a partir da segunda metade da dcada de 1920, o reconhecimento do Servio Social, enquanto profisso institucionalizada, s ocorrer quando a Igreja Catlica, enquanto instituio social, organizar-se para assumir um papel ativo na chamada questo social" (RAICHELIS, 1988). Para a autora, o surgimento do Servio Social caminha com a mobilizao da Igreja na busca do resgate de seus interesses e privilgios corporativos atravs de uma influncia normativa. O reordenamento da Igreja foi concretizado a partir da constituio do chamado "Bloco Catlico", que lana pessoas poca vinculadas Igreja, na militncia tanto intelectual quanto poltica, adotando como premissas: uma doutrina social totalitria; um projeto de desenvolvimento harmnico para a sociedade; o capitalismo transfigurado e recristianizado aparece como concorrente do socialismo, na luta pela conquista e o enquadramento das classes subalternas. Observamos que a identidade inicial do Servio Social est caracterizada pelo contedo doutrinrio e confessional da Igreja, sendo que sua emergncia ampliada a partir da criao das primeiras escolas, que visavam profissionalizao da assistncia e o seu tutelamento pelo aparato religioso. O Servio Social, nascido da Revoluo Industrial e legitimado no Brasil na dcada de 1930, passou por diferentes perodos que marcaram profundamente o cenrio profissional. Esta constatao decorre do fato de que as bases da insero do Servio Social no Brasil esto relacionadas dinmica das relaes sociais determinadas historicamente na sociedade brasileira, a partir de um processo cumulativo de fatos e eventos ocorridos nos mbitos social, poltico, econmico e religioso.

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Lima (1982) indica que o sculo XX no Brasil trouxe as condies necessrias para o rompimento do modelo agrrio-exportador vigente at ento e o incio da industrializao em conseqncia da organizao da classe trabalhadora. sabido que at o incio do sculo passado a economia brasileira e sua exportao estavam centradas na produo de caf, principalmente, no eixo So Paulo - Minas Gerais. Em decorrncia da hegemonia econmica destes estados a primeira repblica esteve centralizada tambm, no mbito poltico atravs da adoo de um sistema de rodzio na escolha de presidentes do pas, conhecida como poltica do caf-com-leite, que conservava um grupo restrito no poder, fazendo com que Minas e So Paulo passassem a monopolizar as escolhas dos dirigentes da nao. Havia uma hegemonia, no mbito nacional, dos grandes latifundirios e uma alta concentrao da populao nas zonas rurais. Resultados das repercusses da Primeira Guerra Mundial, principalmente, a diminuio das exportaes, a necessidade de incremento dos setores industriais e a expanso dos movimentos migratrios das zonas rurais para as urbanas, o pas iniciou o seu processo de modernizao que gerou, entre outros fatores, o agravamento das tenses sociais. Pela primeira vez, ficava evidenciada a fora da classe trabalhadora em organizar-se para garantir atendimento de suas necessidades, desencadeadas pelo modelo industrial e pela sua expanso nas zonas urbanas e do reconhecimento pelas classes hegemnicas da necessidade de control-la. Estabelecia-se no cenrio poltico brasileiro a efetiva e tensa luta entre diferentes classes sociais. Em face deste incio de organizao trabalhadora, as oligarquias desencadearam movimentos de represso e reconheceram pela primeira vez, a importncia do trato da Questo Social, entendida como a manifestao, no cotidiano da vida social, da contradio entre o proletariado e a burguesia" (IAMAMOTO, apud Netto, 1994).

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2.2 A Era Vargas

O cenrio mundial conviveu com uma sria crise econmica gerada pelo "crack" da bolsa de valores de Nova York (1929) que repercutiu fortemente na poltica brasileira. Paralelamente, a Revoluo de 30 no Brasil veio garantir uma nova poltica, substituindo o domnio dos grandes latifundirios (nos mbitos regionais) pela forte liderana presidencialista de Getlio Vargas, quando da instaurao do populismo. Lima (1982) neste contexto, coloca que a Revoluo de 30 j encontrou um clima favorvel para uma legislao social no Brasil que vinha se esboando desde a dcada anterior e que se reafirmou com a criao do Ministrio do Trabalho. O Estado assumiu, ento, uma organizao corporativista e passa a tutelar as relaes de trabalho, regulando a vida econmica, poltica e social, intervindo nos movimentos populares, que eram entendidos como excessos revolucionrios. Determina uma legislao que busca conciliar os interesses contraditrios entre capital e trabalho e impede a livre negociao entre o patro e o empregado. Fica evidenciada a busca pela harmonia social, na criao de projetos polticos sustentados no amparo e na proteo do trabalhador. Evidentemente, esta nova poltica estatal buscava atender a burguesia industrial que emergia em substituio s oligarquias rurais, procurando atender algumas reivindicaes dos trabalhadores, visando harmonia social e garantia do pleno desenvolvimento urbano e industrial. O conjunto de leis sociais implementadas pelo Estado Novo nessa poca pressupe o reconhecimento poltico da classe trabalhadora e a necessidade de atendimento de seus interesses. Historicamente, a questo social recebe uma nova configurao e passa a ser vista como o centro das contradies sociais. Por outro lado, h que se salientar a ligao da profisso ao Estado, em decorrncia da agudizao da crise econmica e social, do fortalecimento do populismo como alternativa para manipulao dos trabalhadores e da sua vinculao aos interesses dominantes. Assim, o incio da profissionalizao do Servio Social est intimamente relacionado aos

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movimentos religiosos e estatais voltados ao atendimento da questo social e visando garantia de privilgios especficos de cada setor. Neste cenrio o que se constata que as respostas vm do Estado e da Igreja; o primeiro busca consolidar-se politicamente, garantindo a paz poltica e a segunda pretende resgatar seu poder e reconquistar privilgios nesta nova sociedade. A questo social no Brasil, segundo Arlete Lima (1982), tem como referncia a dcada de 1920, estando ligada ao desenvolvimento do capitalismo nacional e ao desequilbrio de natureza estrutural. Nesta poca, o problema do operariado era considerado um problema de polcia e no de ordem social, sendo necessria a represso para a manuteno da ordem na sociedade. Considerando a necessidade de rever o sistema poltico da poca, surgiram novas alianas que redefiniram uma nova conjuntura. Assim, em 1930, Getlio Vargas, lder civil do movimento armado da oposio, assume, ento, a Presidncia da Repblica e inicia uma nova era poltica no Brasil, passando a utilizar mecanismos de conciliao, pois tinha como objetivo impor-se como autoridade e contornar a crise econmica no pas. Foi ento, a partir de 1930, com o governo de Vargas, que teve incio uma ampla implantao de uma Poltica Social, atravs de leis trabalhistas como a CLT (Consolidao das Leis Trabalhistas) em 1943, institutos de aposentadorias e penses e o salrio mnimo. A Era Vargas, de 1930 a 1945, foi um perodo caracterizado por redefinies polticas. O Brasil passava por grandes mudanas tanto nas relaes entre as classes sociais como na organizao do Estado, passando a haver uma centralizao do Estado. O Governo Vargas mudou a poltica econmica, priorizando a industrializao, o nacionalismo econmico e a interveno do Estado na economia. Neste perodo ocorre ento uma mudana de um pas agrcola-comercial e oligrquico para um pas agrcola-industrial, com novas relaes entre o capital e o trabalho. O Estado passa a atuar como agente poltico no processo de industrializao do pas, a respeitar a iniciativa privada e a atender reivindicaes populares pelo bem-estar social. Vargas implanta uma poltica de manipulao de massa, atravs de promessas de atendimento parcial de suas reivindicaes, com o objetivo de evitar conflitos e as lutas de classe, de controlar a classe operria e impedir a influncia

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comunista. O trabalhador perde o direito de fazer greve e os sindicatos passam a ser manipulados por pelegos. A indstria tem a supremacia do capital nacional. O Governo libera o aumento de tarifas, emite dinheiro, tendo como aliado poderoso desse processo a guerra mundial. O pas deixa de importar bens e passa a produzir internamente, o que denominado pelos tericos da rea como "Substituio de Importaes". Ao mesmo tempo em que h uma centralizao poltica em torno do Estado, h uma desmobilizao da sociedade civil. O Estado passa a incluir a sociedade civil organizada no seu projeto poltico, neutralizando-a. As associaes de classes so colocadas sob o controle estatal. Como conseqncia da centralizao do Estado h o inchao do aparelho estatal. A oligarquia continua dominando depois de 1930, mas no mais sozinha. Junto a ela os tenentes e pessoas da classe mdia passam a compor a burocracia estatal. A economia, que at 1930 era deixada livre para determinar as leis do mercado sem a interferncia do Estado, a no ser para defender o preo do caf por solicitao dos prprios cafeicultores, passa a sofrer mecanismos de controle e ficar sob a interveno do Estado. O governo cria institutos, autarquias e conselhos tcnicos que passam a dirigir a poltica econmica. A interferncia do Estado na economia demonstra que o Brasil deixa de adotar idias do liberalismo e passa a ter um Estado intervencionista e centralizador. O contexto scio-econmico do perodo de 1920-1930 favoreceu uma abertura para o social. O governo de Vargas caracterizado por um perodo em que h uma preocupao do Estado com os problemas sociais. Cria-se o Ministrio do Trabalho e instituies assistenciais pblicas e/ou particulares com subvenes do Estado. Pensa-se que atravs da interveno do Estado podese amenizar as reivindicaes da populao trabalhadora. Aps a revoluo constitucionalista de 1932, na qual os paulistas exigiam uma nova constituio, dentre outras solicitaes, Vargas aceita promulgar uma nova Constituio Federal, elaborada com base na constituio alem que previa regime presidencial, voto secreto e feminino, ensino primrio gratuito, jornada de trabalho de oito

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horas, descanso semanal remunerado de trabalho, proibio de trabalho a menores de 14 anos e assistncia pblica. O Servio Social, em seu incio, no s representou o discurso da sociedade da poca, como se identificou com ele. Intrinsecamente relacionado com o Estado paternalista de Vargas e preocupado com a questo social tinha o objetivo de reduzir os males sociais, atravs de seus efeitos. O governo estabelece o Estado Novo, radicaliza a ditadura com a concentrao dos poderes Executivo, Legislativo e Judicirio e restringe as liberdades individuais. Uma nova Constituio de 1937, imposta por Vargas. uma Constituio similar constituio fascista da Polnia que prope a absoluta centralizao pelo governo Federal e a supresso da autonomia dos estados. O Estado Novo de 1937 a 1945 corresponde a um momento partidrio da luta de classes no pas. A questo social passa de uma orientao liberal para uma atuao intervencionista do Estado que mediava as partes envolvidas. Alm da passagem da orientao liberal para a intervencionista, outra proposta vem embutida nessa: a de uma ideologia da outorga. Essa nova ideologia tem como base a viso de inoperncia e insuficincia histrica do proletariado no Brasil. Desta forma, o Estado deveria suprir com favores e legislaes as conquistas que o proletariado seria incapaz de conseguir por conta prpria. Desse modo, a classe operria que antes era vista como ameaa, deveria desistir de ter organizaes autnomas, de ter partido, para receber os benefcios que o Estado daria a ela. Como base de troca ou como pacto, o Estado outorga leis sociais e recebe uma classe operria domesticada que desiste de reivindicaes de greves ou de movimentos. Com essa proposta de pacto, de acordo entre as partes, a opresso e a dominao ficam camufladas. Com a criao do Ministrio do Trabalho iniciam-se vrias mudanas trabalhistas. O Ministrio do Trabalho, de carter intervencionista, passa a intervir nas questes de contrato de trabalho e as relaes entre trabalho e capital, deixam de ser assunto apenas da esfera privada e passam, a ser consideradas de interesse do prprio Estado. Verifica-se a implantao de vrias legislaes trabalhistas.

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Mas, de acordo com o desenvolvimento das foras produtivas e diviso do trabalho, modifica-se tambm o grau de explorao dessas foras de trabalho, bem como a maneira de agir da classe dominante em relao s questes sociais. Passa-se da caridade tradicional para a centralizao e racionalizao da atividade assistencial e da prestao de servios sociais pelo Estado, que passa a atuar sobre as seqelas da explorao do trabalho. importante frisar que a evoluo da questo social apresenta: um contexto influenciado pela classe trabalhadora e suas lutas e conquistas constantes; vrias maneiras de interpretar e agir na questo social propostas pela classe dominante e apoiada pelo Estado. Como iniciou-se um controle cada vez maior do Estado junto sociedade civil, o Servio Social afirmou-se como profisso integrada ao setor pblico e s organizaes patronais privadas, o que evidencia a profisso enquanto parte integrante do aparato estatal e o profissional como assalariado servio do Estado (LIMA, 1982). Neste perodo triplica a quantidade de sindicatos reconhecidos pelo Estado e ocorre uma expanso do sindicalismo oficial. As reivindicaes da classe operria passam a ser canalizadas para esse aparato sindical. Este procedimento impede os sindicatos de se desenvolverem independente e politicamente, levando uma desmobilizao, despolitizao na quanto a organizao da classe operria. Dessa forma, o Estado Novo teve como objetivo principal a despolitizao da sociedade, sobretudo do operariado, uma vez que as classes operrias continuaram a atuar atravs do Estado. A classe operria s tinha como opo aceitar a ao do Ministrio do Trabalho na perspectiva da colaborao entre as classes ou ser enquadrado como questo de polcia. Surge da um novo conceito de trabalhador e de trabalho. O trabalhador despolitizado, disciplinado, produtivo, que ganha o prmio do operrio do ano (SILVA, 1995). A legislao social passa a atingir de forma distinta aos patres e aos operrios. Os patres so favorecidos pela justia do trabalho, enquanto os operrios proibidos de fazer greve, tendo atrelado seus sindicatos ao Estado, passam a competir de forma desigual na luta pelos direitos de classe, tendo como contrapartida o ganho do capital.

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Em 29 de outubro de 1945 Vargas deposto com o povo clamando pela redemocratizao do pas. Estabeleceram-se eleies livres e o vencedor foi o General Eurico Gaspar Dutra que sai vitorioso das urnas. Este cenrio de mudanas polticas, econmicas e sociais tambm teve seus reflexos no sistema religioso da poca. Um relato histrico breve feito aqui, porque ter influncia na organizao descrita mais na frente. Aps a elaborao da constituio brasileira de 1891, que prope a separao da Igreja e o Estado e as encclicas papais, Rerum Novarum e a Quadragsimo Ano, a Igreja inicia um caminho de aproximao entre o clero e os leigos. Com a Carta Pastoral de 1916, Dom Leme, bispo de Recife, conclama os padres a se aproximarem do laicato, num retorno s bases, atuando juntamente com os fiis na Questo Social. Esta, por sua vez, alm de receber ateno do Estado, passa a ser foco de preocupao, tambm, da Igreja Catlica, que passa a intensificar o trabalho de mobilizao de catlicos leigos: visava a difuso do pensamento social da Igreja. Portanto, a ao controladora do governo sobre os movimentos operrios encontra apoio nas elites polticas, militares, como tambm da igreja temerosa da penetrao comunista. Neste contexto histrico e impulsionado pela influncia da Igreja Catlica, o incio da formao para o Servio Social teve como base fundamental o doutrinarismo e a moral. Portanto, o elemento vocacional aliado ao catolicismo, configura o perfil inicial a ser formado para o exerccio do Servio Social. Em 1936 a primeira escola de Servio Social no Brasil foi fundada em So Paulo, estimulada pelo interesse de um grupo de jovens catlicas que, durante um curso de formao social, idealizou a criao de um Centro de Estudos e Ao Social (CEAS) que resultou posteriormente na fundao dessa escola. As bases para a criao dessa escola foram fundamentadas na orientao da Escola de Servio Social de Bruxelas e, por isto, a influncia europia (franco-belga), sob orientao tomista, a primeira repercusso doutrinria na formao dos Assistentes Sociais brasileiros.

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2.3 A Doutrinao do Servio Social e a Influncia Europia

A influncia europia no processo de formao social brasileiro, atravs da igreja catlica e de seus organismos, era to marcante que assume a forma de doutrinao, tendo como referncia fundamental o evangelho com forte influncia positivista. Prevalecem as caractersticas fundamentais do Tomismo, coeso doutrinal, plenitude, docilidade ao real, respeito tradio, possibilidade de progresso, subservincia autoridade e ao Estado. Tudo isso justifica a posio inicial do Servio Social brasileiro do no questionamento da ordem vigente e de buscar, sempre, apenas, reformar a sociedade, melhorando conseqentemente a ordem vigente. O Servio Social, como profisso, converteu-se numa das frentes mobilizadas pela Igreja Catlica para o desenvolvimento da formao doutrinria e social do laicato, qualificando seus intelectuais para a recuperao moral do operrio, visando afast-lo das influncias malficas dos ideais socialistas e do liberalismo econmico. Por meio da Ao Social a Igreja procura fortalecer sua influncia ideolgica e reconquistar os privilgios perdidos pela crescente laicizao da sociedade no bojo das relaes que estabelece com o Estado. Nesses moldes, encarrega-se durante muito tempo da formao dos Assistentes Sociais. O conservadorismo catlico que caracterizou os anos iniciais do Servio Social brasileiro comea, especialmente, a partir dos anos 1940, a ser tecnificado ao entrar em contato com o Servio Social norte-americano e ter suas propostas de trabalho permeadas pelo carter conservador da teoria social positivista. Esta reorientao da profisso que exige a qualificao e sistematizao de seu espao scio - ocupacional tem como objetivo atender s novas configuraes do desenvolvimento capitalista e, conseqentemente, s requisies de um Estado que comea a implementar polticas sociais. Nesse contexto, a legitimao do profissional, expressa em seu assalariamento e ocupao de um espao na diviso sciotcnica do trabalho, vai colocar o Servio Social brasileiro diante da matriz positivista, na perspectiva de ampliar seus referenciais tcnicos para a profisso.

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Esta orientao funcionalista absorvida pelo Servio Social, configurando propostas de trabalho ajustadoras e um perfil manipulatrio, voltado para o aperfeioamento dos instrumentos e tcnicas para a interveno, com a busca de padres de eficincia, sofisticao de modelos de anlise, diagnstico e planejamento, enfim uma tecnificao da ao profissional que acompanhada de uma crescente burocratizao das atividades institucionais (YASBEK, 1999). Os servios sociais, tanto nas agncias pblicas como privadas, foram permeados pela influncia racional e organizacional e por uma viso mais crtica em relao ao esprito profissional e competncia tcnica na prestao de servios. A noo de bemestar individual ou administrao de pessoal contemplava os direitos dos trabalhadores e as responsabilidades do empregador, medida que influenciou a formao de uma sociedade sob a tica rigorosa do puritanismo. O protestantismo, marca dominante nesse perodo e como concepo dominante nas cincias e do pragmatismo como mtodo, concorreu para formar uma sociedade exemplar, sob o esprito do evangelho. A influncia do protestantismo tambm se fez sentir pela imagem assistencial da igreja como fonte de apoio psicolgico, pelos centros comunitrios, pelas visitas domiciliares tpicas das misses e at pela liberalidade do dzimo que possibilitava aos homens de negcio fornecerem apoio financeiro s organizaes privadas e fundaes. O carter de utilidade social era fortalecido pelo rtulo: Esmola no, um amigo. Toda essa influncia marcou histrica e culturalmente a trajetria do Servio Social na Amrica Latina e abriu espaos para a anlise dos indcios ou resqucios do protestantismo no exerccio profissional do Servio Social. Para compreendermos o Servio Social enquanto profisso torna-se necessrio inserir essa prtica nas relaes socais que lhe atribuem um determinado significado. Certo que o Servio Social desenvolveu-se enquanto profisso sob a gide do sistema capitalista industrial e da expanso urbana, contexto que afirmou a hegemonia do

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capital industrial e financeiro, de onde surge a denominada questo social do profissional especializado. Diante da contradio entre proletariado e burguesia, o Estado passa a intervir diretamente nas relaes entre o empresariado e a classe trabalhadora, criando legislao social e trabalhista especficas, alm de gerir a organizao e prestao de servios sociais, enquanto enfrentamento da questo social, posto que havia uma forte preocupao com a manuteno da classe trabalhadora. A expanso da noo de cidadania muito colaborou para a expanso dos servios sociais no sculo XX, medida que o Estado assume os encargos sociais face sociedade civil, mesmo porque os servios sociais representam expresso concreta dos direitos sociais do cidado, embora se dirija queles que necessitam vender sua fora de trabalho para sobreviver. No se pode pensar a profisso como se acabasse em si mesma e como seus efeitos sociais fossem responsabilidade exclusiva do profissional. O significado social da profisso somente ser revelado se considerarmos a atividade profissional envolvida na implementao de polticas sociais, embora se torne conflituoso, no sentido de que o Estado considerado um dos maiores empregadores de Assistentes Sociais no Brasil.

2.4 A Influncia Norte-Americana.

A partir da dcada de 1940, a influncia franco-belga vai ceder o lugar norte-americana. A Segunda Guerra Mundial levou os Estados Unidos a uma situao de supremacia em relao aos pases europeus, fomentando seu interesse pelos pases da Amrica Latina. Esse fato intensificou a influncia norte-americana no Servio Social brasileiro. A Conferncia Nacional do Servio Social, em 1941, iniciou esse intercmbio. Muitos diretores de escolas de Servio Social da Amrica Latina foram convidados oficialmente pelo governo dos Estados Unidos para l fazerem cursos e bolsas de estudos foram oferecidas aos Assistentes Sociais brasileiros.

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A Segunda Guerra Mundial afrouxou um pouco o controle das metrpoles e possibilitou a ocorrncia algumas modificaes no processo de industrializao dos pases dependentes. Setores antes desenvolvidos passam a subdesenvolvidos e, no Brasil, a produo de bens de consumo para atender a um setor pequeno da populao contribui ainda mais para a concentrao da renda. Faleiros (1998) refere-se a esse processo concentrador e excedente como crculo vicioso da riqueza, sinnimo de mais-valia. Alm disso, durante esse perodo, governos ditatoriais e populistas coexistem com as reivindicaes oriundas das classes urbanas, agrupando em torno da industrializao e ocasionando uma crescente urbanizao. O cenrio da Amrica Latina, no sculo XX, o da explorao capitalista dos excedentes econmicos, ocasionando um declnio contnuo no intercmbio da Amrica Latina com as metrpoles. De qualquer forma, o poder econmico, o trabalho qualificado e a mudana em todo o sistema institucional atingiram tal prosperidade que se firmou hegemonicamente ao lado do processo tcnico da agricultura e do comrcio americano. O ideal de democracia e justia social pregado por Jane Addams e as idias da filantropia cientfica de Mary Richmond eram desafios apresentados pelos reformadores particulares e pelos mais esclarecidos moralizadores dos anos progressistas. No entanto, de forma geral, as solues polticas para os problemas sociais no foram satisfatrias, desde a tica da camada da elite sofisticada, at a dos imigrantes humildes. Para garantir a dominao, os Estados Unidos instituram certos mecanismos de ajuda e cooperao por meio de organismos internacionais, que culminaram com a Aliana para o Progresso. A partir de 1945, com o supremo domnio norte-americano sobre o mercado industrial e da produo, surge uma nova diviso industrial do trabalho como imposio de um sistema que sela a aliana com a America-Latina que dessa oferecer matria-prima e mercado para seus produtos manufaturados (PINTO, 1986). Por volta de 1940, o Servio Social comea a receber a influncia norteamericana que um dos frutos da hegemonia econmica daquele pas no Bloco Ocidental, resultando na sua ascenso poltica, ideolgica e cultural. A aproximao do Brasil com os Estados Unidos da Amrica - EUA foi resultante da supremacia americana, com relao

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europia, decorrente do Ps - Segunda Guerra Mundial. Tambm decorreu da poltica de boa vizinhana que representou uma tentativa americana de alcanar maior penetrao comercial na Amrica Latina e se fortaleceu medida que o governo americano injetou recursos nos programas de industrializao do governo brasileiro (PINTO, 1986). A influncia norteamericana se fazia notar atravs da igreja e do Estado na formao do Assistente Social. Em 1946 criada a ABESS (Associao Brasileira de Escolas de Servio Social) entidade civil, de mbito nacional, sem fins lucrativos e que, de acordo com Pinto (1986) at a dcada de 1960, preocupou-se com a formao profissional do Assistente Social na perspectiva crist. Dessa forma, de 1941 a 1957, o panorama do ensino e da profisso, no Brasil modificou-se. A interveno no campo das reformas institucionais era facilitada pela origem do Assistente Social: quanto mais prxima fosse do poder econmico e poltico, maiores possibilidades teriam de realizar a tarefa destinada. No s aos assistentes sociais, mas tambm a todos os que participavam do apostolado da Igreja e militavam nessa tarefa era dada ateno preferencial. Tal fato j era visvel e percebido em trechos da encclica papal. Castro (2000) coloca que com a exigncia de qualificao acadmica, religiosa e tcnica para atender a demanda profissional, as escolas de Servio Social prepararam e formaram um contingente de Assistentes Sociais imbudos de todos os bons valores sociais e religiosos, orientados para a melhoria dos costumes. A funo do profissional em Servio Social era atuar junto famlia operria, intervindo em seus valores e nas instituies, visando a sua reforma. Rodrigues (1994) sintetiza que os crculos de estudos da Ao Catlica representavam um recurso pedaggico, tanto para o profissional como para os monitores. As reunies aconteciam para reflexo e debates sobre os grandes temas, ou seja, sobre os que permitiam conhecer as bases sobre as quais todo o projeto de formao profissional no Servio Social se produzia. A prtica profissional colocava o professor em contato com a realidade social e cotidiana, permitindo-lhe colocar os conhecimentos tericos em prtica. A preocupao com a transmisso de conhecimentos era permeada por uma doutrina crist e a prtica do professor era fundamental para desempenhar a funo docente.

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Em princpio, a nica metodologia utilizada na prtica didtico-pedaggica no ensino de Servio Social era a mesma da qual se valia a ao catlica, chamados crculos de estudos. A estruturao do Servio Social enquanto profisso contou, inicialmente, com duas bases que acionaram a formao acadmica e profissional: a filosofia, como suporte de formao moral e a preocupao com a cientificidade, na busca de uma metodologia prpria. Propostas eram incorporadas, gradativamente, emergindo da prpria prtica profissional, o relato de experincias de outros profissionais, anlises de relatrios elaborados em instituies, leitura de textos, alm dos conhecimentos emanados dos pensadores cristos. Fontes norte-americanas serviam cada vez mais de base ao desempenho profissional. De fato a partir de 1945, o Servio Social assumiu com fora total o modelo funcional implantado pelos Estados Unidos. E se afastou do doutrinarismo da Igreja Catlica que predominava nos fins da dcada de 30 e no incio da dcada de 40. As teorias de Caso, Grupo e Comunidade compuseram a trade metodolgica que orientou o Servio Social na busca da integrao do homem ao meio social em que vivia. Inicialmente, a influncia americana ocorreu com a difuso da base tcnica dos mtodos de caso, grupo e comunidade. Posteriormente, com a proposta do Desenvolvimento de Comunidade, como tcnicas e como campo de interveno profissional. Esse estreitamento das relaes entre Brasil-EUA repercutiu no Servio Social atravs da intensificao de intercmbios de Assistentes Sociais brasileiros que buscavam a ampliao de seus estudos naquele pas. Nesse perodo, a nfase na formao profissional ainda estava sustentada na viso teraputica e na concepo de que a questo social era um desajustamento social. Com a influncia americana emergiu a perspectiva funcionalista, que a princpio era aliada ao neotomismo cristo e que teve como conseqncia reforo da postura teraputica, tratamento s feridas sociais, nas linhas da Psicologia e da Psiquiatria da poca, levando-se em conta os desajustamentos sociais (PINTO, 1986). De acordo com Castro (2000) o Desenvolvimento de Comunidade ainda est presente no Servio Social de hoje. Traduzem-se na utilizao sistemtica do poder de iniciativa e cooperao dos indivduos e das comunidades locais visando ao desenvolvimento

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nacional, participao voluntria, baseada na tomada de conscincia sobre a necessidade de acelerar o desenvolvimento; participao solidria, no sentido de pertencer comunidade; participao orgnica, no sentido de organizao coletiva e responsvel; participao dinmica, no sentido de que o individual e o social se afastem da marginalidade e do subdesenvolvimento. Caracterizada pelo empirismo, a literatura do Servio Social procura explicar o comportamento do indivduo pelos modelos organicistas de Dewey. A ao tcnica do Assistente Social acabava por imprimir um suposto descomprometimento no agir profissional, uma dicotomia teoria-prtica que, na verdade, trazia embutida a ideologia dominante. Aguiar (1985) ressalta que o perfil do aluno que se formava nos cursos de Servio Social era de carter religioso e idealista. Os contedos tericos concentravam-se nos princpios filosficos humanistas e eram articulados prtica na tentativa de superar a aparente dicotomia. A preocupao em articular teoria e prtica se construa numa perspectiva crist de homem. Assim, a interveno na sociedade tinha em vista torn-la mais justa e fraterna, como expresso do bem comum. Nos currculos predominavam as tarefas de aconselhamento. O objetivo era aliviar as tenses sociais, visando reconduo dos desviados como capital humano necessrio industrializao e ao progresso. Igreja, Estado e empresariado vo se constituindo no campo de trabalho do Assistente Social. Ainda que fique evidenciada a influncia ideolgica, de natureza positivista, na formao para o Servio Social, durante a dcada de 1950 e incio da dcada de 1960, o Servio Social incorpora a poltica desenvolvimentista no ensino. Esta poltica enfatizou a acelerao econmica, incentivada pela industrializao e modernizao capitaneada pelos Estados Unidos. Ao Servio Social caberia contribuir no aprimoramento do ser humano, mesmo que o pas convivesse com a existncia de setores subdesenvolvidos. O desenvolvimento de comunidade era uma estratgia lanada para garantir a prosperidade, o progresso social e a hegemonia da ideologia americana (capitalismo). Esta poltica visava preservar o mundo livre de ideologias no-democrticas. Parte do pressuposto

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de que as populaes pobres tm maior receptividade ao comunismo. Ento, preciso melhorar e desenvolver o sistema capitalista. Da, a busca de estratgias, uma das quais foi a implantao de programas de Desenvolvimento de Comunidade (AGUIAR, 1985). Foi na esteira do desenvolvimentismo que o Servio Social produziu as condies necessrias para sua legitimao como profisso na sociedade brasileira. Deste modo, a profisso traz uma herana relacionada ao atendimento de interesses dominantes, manipulao do trabalhador e reproduo social. Esta situao tem sido geradora de contradies para a prtica profissional, pois a configurao historicamente assumida pelos profissionais coloca-os a servio do capital, embora o iderio de categoria fosse o de articulao com os dominados. Convivendo com as contradies oriundas de seu legado tipicamente assistencial e de sua legitimao por parte das classes dominantes, o Servio Social teve sua identidade atribuda pelo capitalismo, o que significou a ausncia de identidade profissional. No reunindo condies para realizar o percurso em direo a uma conscincia crtica, poltica, a profisso no consegue igualmente, at mesmo por seus limites corporativistas, participar da prtica poltica da classe operria, sendo absorvida pela tecnoburocracia da sociedade do capital (MARTINELLI, 1989).

2.5 - A Reconceituao do Servio Social no Brasil.

A partir da identificao da sua ligao classe dominante, grupos organizados de Assistentes Sociais comearam a promover encontros sistemticos, no mbito latino-americano, para discutir o papel do Servio Social. Estava desencadeado o chamado movimento de reconceituao. Este movimento surge a partir de fortes questionamentos, por parte de alguns profissionais, sobre a prtica profissional, o compromisso e a conscincia social de seus agentes. O movimento pretendia rever o projeto profissional e redefini-lo a partir da realidade vivenciada, caracterizando-se por um processo de reviso crtica que questionava a orientao positivista-funcionalista, que visava adaptao do homem ao meio social, no que se refere ao objeto, objetivos, ideologia e mtodo (PINTO, 1988).

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Podemos dizer que, pelas vias da reconceituao, o Servio Social deu sinal de sua contemporaneidade e renovao. Esta contemporaneidade, por sua vez, apontou para questionamentos significativos no processo de formao profissional vigente at o perodo. Assim, de uma formao que visava alcanar os objetivos dominantes, surgiu a necessidade de rever o Servio Social nesta nova realidade, caracterizada pela abertura democrtica e da sua vinculao com a classe considerada dominada. O movimento de reconceituao foi sua resposta na mais ampla reviso j ocorrida na trajetria dessa profisso. Alguns patamares do movimento de reconceituao podem ser

identificados. Em primeiro lugar, o reconhecimento e a busca de compreenso dos rumos peculiares do desenvolvimento latino-americano em sua relao de dependncia com os paises cntricos. Em segundo lugar, verificam-se os esforos empreendidos para a reconstruo do prprio Servio Social, da criao de um projeto profissional abrangente e atento s caractersticas latino-americanas, em contraposio ao tradicionalismo. Em terceiro lugar, uma explcita politizao da ao profissional, solidria com a libertao dos oprimidos e comprometida com a transformao social. Em quarto lugar, a necessidade de se atribuir um estatuto cientfico ao Servio Social lana-o no campo dos embates epistemolgicos, metodolgicos e das ideologias. Todos estes fatores canalizam para a reestruturao da formao profissional, articulando ensino, pesquisa e prtica profissional, exigindo da Universidade o exerccio da crtica (SILVA, 1985). A descoberta do marxismo pelo Servio Social latino-americano contribuiu decisivamente para um processo de ruptura terica e prtica com a tradio profissional, as tentativas de atuar com concepes marxistas foram, tambm, responsveis por inmeros equvocos e impasses de ordem terica, poltica e profissional. Foram transferidas da militncia poltica para a prtica profissional, uma relao de identidade entre ambas. A aproximao redundou no chamamento dos profissionais ao compromisso poltico. Mostravase, em si, insuficiente para desvelar tanto a herana intelectual do Servio Social como sua prtica no jogo das relaes de poder econmico e nas relaes do Estado com o movimento das classes sociais.

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Fizeram com que se estabelecesse uma tenso entre os propsitos polticos anunciados e os recursos terico-metodolgicos acionados para ilumin-los; entre pretenses poltico -profissionais progressistas e os resultados efetivamente obtidos. A herana do movimento de reconceituao foi de continuidade e ruptura. Assim, o Servio Social orientando-se por princpios humanitrios, reaparecem, sob roupagens novas e progressistas, no marxismo da reconceituao, acentua o lado mau das relaes sociais capitalistas resultando nesse arranjo terico-doutrinrio, que d o tom do conservadorismo profissional, elo esse que faz com que a reconceituao no ultrapasse o estgio de uma busca de ruptura com o passado profissional (CELATS, 1991). A expresso do movimento de reconceituao do Servio Social no Brasil bem representada pelo esforo de construo da vertente modernizadora da prtica profissional. Essa vertente modernizadora do Servio Social busca seus fundamentos, principalmente, na sociologia, via positivismo e funcionalismo, com superao dos vnculos da profisso com a Doutrina Social da Igreja. As bases de legitimao permanecem ligadas aos setores dominantes da sociedade e ao Estado, via implementao de polticas sociais e participao em programas de desenvolvimento de comunidade, configurando aes em nvel micro e macro social. Observa-se que o movimento de reconceituao do Servio Social, a partir da perspectiva hegemnica no contexto da Amrica Latina, impe aos Assistentes Sociais a necessidade de ruptura com o carter conservador que deu origem profisso, calcado no atrelamento s demandas e interesses institucionais e coloca, como exigncia, a necessidade de construo de uma nova proposta de ao profissional, tendo em vista as demandas e os interesses dos setores populares que constituem, majoritariamente, a sujeitola do Servio Social. A literatura ressalta duas expresses histricas, sendo a primeira de base ainda estrutural-funcionalista representada pela vertente modernizadora cuja inquietao maior seria o aprimoramento tcnico-metodolgico dos profissionais, de modo a capacit-los a contribuir para o projeto desenvolvimentista em voga. A outra expresso histrica, que

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comea a se estruturar na Segunda metade da dcada de 1970 e representada pela busca da construo de um Projeto Profissional. Ambas se expressam no esforo do deslocamento das bases tericas do estrutural-funcionalismo, que parte da feio conservadora da profisso, para uma aproximao com a tradio marxista, implicando na busca da renovao tericometodolgica da ao profissional. O que importa ressaltar, em termos da concepo e do desenvolvimento histrico do movimento de reconceituao do Servio Social no Brasil, o avano da reflexo em torno da adequao s exigncias conjunturais. A profisso passa a adotar o mtodo dialtico, o que lhe permite ampliar a concepo de realidade social e negar a ao individualizada. Silva, (1985) coloca que concebendo o homem na sua relao com outros homens, inserido numa sociedade em que esto presentes conflitos, desigualdades e problemas sociais que fazem parte do contexto global dessa sociedade e, a partir dessa viso, redimensionar a sua prtica a fim de formular alternativas de ao condizentes s proposies do homem enquanto sujeito histrico, isto , instala-se a luta pela superao das relaes sociais dominantes. Estudos acerca do movimento de reconceituao do Servio Social frisam a importncia de compreend-lo enquanto processo que impulsiona a categoria repensar questes emergentes e favorecer a construo de sua nova identidade profissional. Coube aos profissionais do Servio Social a superao das limitaes e dos equvocos, em um permanente esforo de reconstruo histrica da profisso. Este foi o verdadeiro significado desse movimento, que se contraps a uma viso fechada e hermtica e assumiu um entendimento do marxismo como um processo de construo histrica, que preconiza uma ampliao conceitual a partir das exigncias conjunturais. No obstante, ao estabelecer uma relao com o marxismo os AssistentesSocais em sua prtica profissional revelam uma falta de compreenso de seus elementos fundamentais, representados pelo mtodo crtico-dialtico, pela teoria do valortrabalho e pelas perspectivas da transformao social. Mais especificamente, um despreparo

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na utilizao do mtodo dialtico que se pauta pelo movimento do abstrato ao concreto, criando a necessidade de reconstruo de categorias a partir das diferentes realidades sociais. Entendemos que a atualizao que se impe ao Servio Social deve considerar a insero da profisso no momento histrico atual, sem perder de vista as possibilidades de desenvolvimento de uma prtica profissional que vem tentando se firmar e se legitimizar, a partir de uma perspectiva de crtica s sociedades marcadas pela excluso social e econmica da maioria das populaes. A partir da dcada dos anos 1980 o que se verifica uma leitura da Assistncia Social sob a tica da cidadania e do direito enquanto espao de resgate do protagonismo das classes populares situada no contexto das relaes sociais e, como tal, espao privilegiado da prtica dos Assistentes Sociais. Isto significa o entendimento das polticas sociais, na perspectiva de um espao onde se identificam foras contraditrias, podendo contribuir para o fortalecimento dos processos organizativos dos setores populares, enquanto formas de realizao de direitos sociais e enquanto formas concretas de acesso a bens e servios. Trata-se de um espao poltico de luta por uma cidadania coletiva (FALEIROS, 2006). Neste perodo foram lanados os alicerces mais slidos para as anlises da historicidade da profisso, em suas relaes com o Estado e o movimento das classes sociais, detectando nessas relaes as particularidades da profissionalizao do Servio Social sob diversos pontos de vista. Foi feita, ainda, uma ampla reconstituio histrica da sua evoluo no pas, sob diferentes angulaes. A histria foi tomada no apenas como reconstituio do passado, mas como elemento essencial para se compreender os determinantes e efeitos da prtica profissional na sociedade brasileira atual, de modo a tornar possvel o direcionamento dessa prtica na perspectiva de reforo ao processo de construo da democracia e da cidadania dos trabalhadores, preservando e ampliando seus direitos sociais. A partir deste perodo, no qual ocorreu uma crise econmica recessiva, surge uma nova configurao da sociedade, com profundas transformaes culturais e nas relaes de trabalho, concomitantemente, luta dos setores organizados por direitos

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democrticos. Tais transformaes ressoam nas prticas sociais em geral e nas profissionais. No caso do Servio Social, esse quadro trouxe avanos no processo de renovao que j havia iniciado nas ltimas duas dcadas. Essa atualizao ocorreu no mbito do ensino e da produo do conhecimento, da organizao da categoria e do prprio exerccio da profisso. Aprofundou-se a concepo de aliana com os usurios do Servio Social idias de compromisso com os valores da liberdade, democracia, cidadania e direitos sociais. O mundo globalizado nos anos de 1980 e 1990 trouxe um perodo adverso para as polticas sociais, criando um campo frtil para o neoliberalismo. Eclodiram as bases dos sistemas de proteo social e redirecionaram as intervenes do estado em relao questo social. Nestes anos as polticas pblicas foram objeto de reordenamento, subordinadas s polticas de estabilizao da economia. A opo neoliberal na rea social passa pelo apelo filantropia e solidariedade da sociedade civil, criando programas seletivos e focalizados de combate pobreza, no mbito do estado. A profisso enfrenta o desafio de decifrar algumas lgicas do sistema social contemporneo relacionadas ao mundo do trabalho e aos processos desestruturadores dos meios de proteo social e da poltica social em geral. Essas lgicas reiteram as desigualdades e constroem formas despolitizadas de abordagem da questo social. No que diz respeito formao profissional do Assistente Social, o debate centrou-se na reviso curricular, buscando sintoniz-la com a renovao profissional, tendo como temas principais: a direo social da profisso, o mercado de trabalho, as perspectivas terico-metodolgicas e a realidade social brasileira. A direo social que passa a orientar a profisso tem como referncia a relao orgnica com o projeto das classes subalternas, reafirmada no cdigo de tica. A prtica profissional , ento, percebida no contexto das relaes de classe da sociedade brasileira, fundamentando a formao na realidade social. O debate tambm vem permeado pelo movimento de precarizao e de mudanas no mercado de trabalho, devido desregulamentao dos mercados de trabalho de modo geral. Tal quadro altera as profisses, redefine as suas demandas, monoplios de

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competncias e as prprias relaes de trabalho. Iniciam-se os processos de terceirizao, contratos parciais, temporrios, a reduo de postos de trabalho com a emergncia de outros possveis postos chamado de terceiro setor. Instala-se a exigncia de novos conhecimentos tcnicos operativos, ao lado do declnio da tica do trabalho e do restabelecimento exacerbado dos valores da competitividade e do individualismo. Vale ressaltar que a reestruturao dos mercados de trabalho no capitalismo contemporneo vem se fazendo via rupturas, apartheid e degradao humana. A partir do movimento de reconceituao do Servio Social, resgatou-se para a profisso a necessidade de articular a teoria e a prtica atravs de metodologias prprias, de dilogos com as Cincias Sociais e de propostas de um projeto da categoria para a sociedade. Fatos sinalizaram sua contemporaneidade e renovao. Esta contemporaneidade, por sua vez, apontou para questionamentos significativos no processo de formao profissional vigente at aquele momento. A reconceituao foi um marco decisivo no desencadeamento do processo de reviso crtica do Servio Social. Foi um fenmeno tipicamente latino-americano de contestao ao tradicionalismo profissional. Assim, de uma formao que visava manter os objetivos dominantes, surgiu a necessidade de rever o Servio Social nesta nova realidade, agora caracterizada pela abertura democrtica, permitindo vinculao da profisso com a classe considerada dominada. Contudo, no foram todos os profissionais que aderiram ao movimento e, por isto, a reconceituao deixou um forte "divisor de guas" no Servio Social. Abriu-se um grande espao para as vrias formas de entender e intervir na realidade. De fato o embate com o Servio Social tradicional reverteu em uma modernizao da profisso que atualiza ento a sua herana conservadora. Verificou-se uma mudana no discurso, nos mtodos de ao e nos rumos da prtica profissional. A partir de 1979 verifica-se que as publicaes nacionais ou mesmo a literatura latino-americana no foram suficientes para subsidiar as novas inquietaes que se colocava no mbito do Servio Social brasileiro. Surge a necessidade de um espao prprio

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para a divulgao de um pensamento emergente no Serv