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A Reforma Sanitária, princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde

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Breve histórico sobre o processo que culminou com a implantação do SUS no Brasil.

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AReforma Sanitária, princípios e

diretrizes do Sistema Único de Saúde

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Reforma Sanitária, princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde

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Apêndice A – Reforma Sanitária, princípios e diretrizes do Siste-ma Único de SaúdeA Reforma Psiquiátrica Brasileira é contemporânea a um processo mais amplo: o da Reforma Sanitária, norteadora dos princípios funda-dores do Sistema Único de Saúde. Devemos considerar, respeitando suas especificidades, que ambas se constituíram como movimentos sociais ligados à luta por direitos e cidadania no que tange à política de saúde do país.

É por isso que, neste apêndice, vamos apresentar a construção histó-rica do processo de Reforma Sanitária e a consolidação do SUS. Para tanto, abordaremos aqui os princípios e diretrizes do SUS e da Refor-ma Sanitária.

Mas, antes de tratarmos especificamente sobre a Reforma Sanitária Brasileira, será preciso entender o que é Política Pública, e os momen-tos que conformam o Ciclo das Políticas Públicas: muito referidos, mas pouco compreendidos.

1.1. Introdução às Políticas PúblicasOs modos pelos quais as sociedades identificam os seus problemas de saúde, buscam a sua explicação e se organizam para enfrentá-los variam historicamente. Eles dependem de determinantes estruturais e conjunturais. Como campo estruturado de práticas sociais, a Saúde Pública está articulada à estrutura social, de modo que cada formação social engendra sua própria Saúde Pública (PAIM, 2002).

A Saúde Pública, institucionalizada já na Era Bacteriológica, se estru-turou como conjunto de ações preventivas e de combate a agentes in-fecciosos. Em oposição à medicina e, desde as suas origens, traz dois

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elementos persistentes: a atenção sobre o coletivo e a vinculação ao Estado, entendido como representante da sociedade. No Brasil, como em outros países da América Latina, a Saúde Pública organizou-se a partir do início do século XX, como resposta às pressões internacio-nais (PAIM, 2002).

Como assim “ganhos e perdas para distintos grupos sociais”? Mas ao Estado, que é o locus por excelência da Política e que normatiza a refe-rida Política Nacional de Saúde Mental pela Portaria n. 3088/2011, não compete, sempre, orientar suas decisões para o bem comum da socie-dade? Ficou confuso! Afinal, do que estamos tratando quando falamos de Políticas Públicas?

1.1.1. O que se entende por Política?Conteúdo praticamente certo em qualquer “roda de conversa entre amigos em uma mesa de bar”, mas também objeto de sisudas pesqui-sas acadêmicas. Mas, afinal, do que estamos tratando quando falamos de Políticas Públicas?

O que diz o dicionário Aurélio?

Segundo o Dicionário Aurélio, Política é: 1. A ciência dos fenômenos referentes ao Estado; ciência política; 2. Sistema de regras respeitantes à direção dos negócios públicos; 3. Arte de bem governar os povos; 4. Conjunto de objetivos que conformam determinado programa de ação

A Política Nacional de Saúde é produto, síntese de um conjunto de decisões. Elas concernem às metas e aos meios para o atendimento das necessidades de saúde da população brasileira ante uma série de possibilidades de escolhas alternativas que cada uma delas representa, ga-nhos e perdas para distintos grupos sociais.

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governamental e condicionam a sua execução; 5. Princípio doutriná-rio que caracteriza a estrutura institucional do Estado; 6. Posição ideo-lógica a respeito dos fins do Estado; 7. Atividade exercida na disputa dos cargos de governo ou no proselitismo partidário; 8. Habilidade no trato das relações humanas, com vista à obtenção dos resultados deseja-dos; 9. Civilidade, cortesia; 10. Astúcia, ardil, artifício, esperteza.

Se a noção de Política como “astúcia”, “ardil”, “artifício”, “esperteza” é a mais popular nas “rodas de conversa entre amigos”, também no âm-bito da Ciência Política, a definição mais conhecida continua sendo a de Laswell (DAGNINO et al., 2002), segundo a qual decisões e análises sobre política pública implicam em responder às seguintes questões: “quem ganha o que, por que e que diferença isso faz?”. Ficou mais con-fuso ainda?

Se, ao Estado, que é o locus por excelência da Política, compete orien-tar suas decisões para o bem comum da sociedade (“arte de bem go-vernar os povos”), por que alguns ganham e outros perdem com as po-líticas? A “mesa de bar” está correta quando denuncia que o exercício do poder tende a beneficiar os grupos que o detêm e que as políticas resultam apenas de barganhas negociadas entre indivíduos que per-seguem interesses particulares, portanto “ardil das elites” com vista à obtenção dos resultados desejados?

O que dizem os especialistas?

Easton define política como “uma teia de decisões que alocam valor” e; Jenkins, como: “conjunto de decisões inter-relacionadas, concernin-do à seleção de metas e aos meios para alcançá-las, dentro de uma situação especificada”. Curiosamente, o termo é usado para se referir tanto ao processo de tomada de decisões, quanto ao produto desse processo (DAGNINO et al., 2002).

Segundo Dagnino et al. (2002), para entender o conceito de Política, entretanto, é fundamental perceber:

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• a distinção entre política e decisão: a política é gerada por uma série de interações entre decisões mais ou menos conscientes de diversos atores que se estabelecem ao longo de um tempo;

• que é definida subjetivamente segundo as distintas visões de mundo (ideologias) e que, embora estabelecida no âmbito do Estado, envolve múltiplos atores, não apenas tomadores de decisão;

• a distinção entre política e administração e que a política pode determinar impactos não esperados e que os propósitos podem ser definidos ex-post (racionalização);

• que política pode se referir tanto à tomada de decisão quanto à não tomada de decisão.

Também no caso do estudo das Políticas de Saúde:

[...] é necessário [...] que se tenha em conta que quando se vai tratar das políticas de saúde, o que passa a ser o foco do estudo é o processo de tomada de decisões por parte do Estado [...], ante uma série de possi-bilidades de escolhas alternativas, que representam, cada uma delas, ganhos e perdas para distintos grupos sociais, tendo-se todavia por re-ferência que ao Estado compete, sempre, orientar suas decisões para o bem comum da sociedade (COHN, 2008, p. 235).

Observe que duas dimensões são fundamentais nesse processo de formulação e implementação de políticas públicas: a racionalidade envolvida em cada uma das possibilidades de escolhas alternativas e a dimensão do exercício do poder – poder econômico, relacionado à or-ganização das forças produtivas; poder das ideias, relacio-nado à construção do consenso; e poder de polícia, refe-rido à organização da “coação” e uso da força (nesse caso, monopólio do Estado).

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Uma política pública de saúde corresponde, assim, a uma certa respos-ta social – via Estado, empresas, “terceiro setor” e comunidade – face às condições de saúde e dos seus determinantes, bem como diante da produção, distribuição e regulação de bens, serviços e ambientes que afetam a saúde das pessoas e das populações. Essas respostas sociais implicam uma dada distribuição do poder, que pode ser acionada para o crescimento, mudança e legitimação (PAIM, 2006).

Para que a política de saúde seja legítima, é necessário, entretanto, construir um consenso social sobre os princípios de justiça que a jus-tificam (SCHÜTZ, 2003).

Na saúde, apesar da existência de outros princípios aplicáveis, o debate sobre a justiça alocativa1 gira predominantemente sobre dois paradigmas de justiça: o princípio da igualda-de, de inspiração socialista, e o da equidade, de inspiração liberal.

O Estado é o locus por excelência da Política, na medida em que detém o monopólio dos instrumentos para a formulação e implementação das políticas públicas. Apesar do reconhecimento de que grupos de interesse se envolvem na formulação de políticas públicas, com menor

A luta pelo poder e por recursos entre grupos sociais é, como se vê, o cerne da formulação de políticas públicas. Essa luta é mediada por instituições políticas e econô-micas que levam as políticas públicas para certa direção e privilegiam alguns grupos em detrimento de outros. A questão central nas pesquisas sobre o poder diz respeito, assim, a quem se beneficia.

1 A justiça alocativa é a que busca saber como alocar um conjunto de bens entre indivíduos com necessida-des, desejos e outros, que não estão em consonância com a cooperação social.

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ou maior influência a depender do tipo de política formulada e das coalizões que integram o governo, e do argumento de que a globali-zação reduziu a capacidade dos governos intervirem na realidade, o Estado tem um espaço próprio de atuação, embora permeável a in-fluências externas e internas. Trata-se de uma autonomia relativa.

É evidente que o exercício do poder tende a beneficiar os grupos que o detêm. Entretanto, a visão mais comum da teoria da escolha públi-ca, de que o processo decisório sobre políticas públicas resulta apenas de barganhas negociadas entre indivíduos que perseguem apenas seus interesses particulares, é contestada pela visão de que interesses são mobilizados também por processos institucionais de socialização, por novas ideias e por processos gerados pela história de cada país (Figura 1).

Para exemplificar, tome-se a influência do que se convencionou cha-mar de “novo gerencialismo público” e da política fiscal restritiva de gasto, adotada por vários governos no Brasil e no mundo. Novos for-matos foram introduzidos nas políticas públicas, todos voltados para a busca de eficiência. Assim, a eficiência passou a ser vista como o principal objetivo de qualquer política pública.

FACILIDADESContexto Pólítico

OPORTUNIDADESContexto Institucional

Processo de decisão

AMEAÇAS

DIFICULDADES

Pré-decisão Decisão

PROBLEMAS

ALTERNATIVASDE SOLUÇÃO

POLÍTICASPlanos

ProgramasProjetos

ATORES IMPLEMENTAÇÃO}

Figura 1 - Representação do Processo de Formulação de Políticas Públicas. Fonte: Teixeira et al. 2009.

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A ênfase na eficiência nasceu da premissa de que as políticas públicas estavam fortemente influenciadas por visões redistributivos ou distri-butivas, desprezando-se a questão da sua eficiência. As razões para tal reconhecimento estão na crise fiscal e ideológica do Estado, aliadas ao declínio do sonho pluralista que caracterizou a visão norte-americana sobre políticas públicas em décadas passadas (SOUZA, 2006).

Nesse contexto, os elementos credibilidade e delegação para institui-ções com “independência” também ganharam importância. A credi-bilidade baseia-se na existência de regras claras em contraposição à discricionariedade dos burocratas. O fator credibilidade passou a ser fundamental para a política monetária, mas também influenciou o de-senho das políticas sociais.

No caso da Saúde, a alocação de recursos é, de fato, um problema complexo, cuja solução deve considerar, simultaneamente, a satisfa-ção das necessidades de saúde da população e a otimização dos meios disponíveis (SCHÜTZ, 2003). Entretanto, concorrendo com a influên-cia do “novo gerencialismo público”, existe a tentativa de implemen-tar políticas públicas de caráter participativo. Fóruns decisórios como Conselhos e Conferências de Saúde seriam, nesses termos, os equiva-lentes políticos da eficiência.

A política de saúde não é, pois, definida de uma só vez e para todo e sempre. Ao contrário, seus conteúdos (assistenciais ou econômicos) modificam-se ao longo dos anos em decorrência da renovação de ideias ou ideologias dos governantes e suas equipes auxiliares (“eli-te política”) e dos grupos sociais que lhe fazem oposição –ainda que não sejam automáticas as modificações na orientação de políticas es-pecíficas quando da renovação dos membros da hierarquia do poder governamental.

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Reflexão

Você é capaz de relacionar alguma política pública de saúde que tenha sofrido forte pressão de segmentos contrários durante seu processo de formulação ou implementação? Quais os argumentos utilizados por defensores e opositores? Qual era o contexto social? Que “argumentos”, afinal, saíram vitoriosos e por quê?

Com relação às origens da Política Pública como área disciplinar, são quatro os seus pais fundadores:

• Laswell (1936) introduziu a expressão policy analysis (análise de política pública), ainda nos anos 30, como forma de conciliar conhecimento científico e acadêmico com a produção empírica dos governos.

• Simon (1957) introduziu o conceito de racionalidade limitada dos decisores públicos (policy makers) por problemas tais como informação incompleta ou imperfeita, tempo para a tomada de decisão, interesse dos decisores, etc., argumentando, todavia, que essa limitação da racionalidade poderia ser minimizada pelo conhecimento racional.

• Lindblom (1959; 1979) questionou a ênfase de Laswell e Simon no racionalismo e propôs a incorporação de outras variáveis à formulação e à análise de políticas públicas, tais como as relações de poder e a integração entre as diferentes fases do processo decisório o que não teria um fim ou um princípio, incorporando elementos como o papel das eleições, das burocracias, dos partidos e dos grupos de interesse.

• Easton (1965) contribuiu ao definir a política pública como um sistema, ou seja, relação entre formulação, resultados e o ambiente. Segundo Easton, políticas públicas recebem inputs dos partidos, da mídia e dos grupos de interesse, que influenciam seus resultados.

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Na Europa, a área de política pública surgiu como um desdobramento dos trabalhos baseados em teorias explicativas sobre o papel do Esta-do e do governo, produtor, por excelência, de políticas públicas. En-tretanto, nos Estados Unidos da América (EUA), ao contrário, a área surgiu no mundo acadêmico sem estabelecer relações com as bases teóricas sobre o papel do Estado, passando direto para a ênfase nos estudos sobre a ação dos governos.

Na área governamental, a proposta de aplicação de métodos científi-cos às formulações e às decisões do governo sobre problemas públicos é produto da Guerra Fria e da valorização da tecnocracia como forma de enfrentar suas consequências, mas se expande depois para outras áreas da produção governamental, inclusive para a política social.

Saiba Mais

Para aprofundar seu conhecimento sobre Políticas Públicas, sugerimos a leitura de “Políticas Públicas: uma revisão da literatura” de Celina Souza. Sociolo-gias, Porto Alegre, v.8, n.16, 2006, p.22-24.

1.1.2. O Ciclo das Políticas PúblicasDepois de formuladas, as políticas são im-plementadas, desdobram-se em planos, pro-gramas e projetos de governo, ficando sub-metidas a sistemas de acompanhamento e avaliação. Esse processo costuma ser dividido em três ou quatro momentos2 que conformam um ciclo, um processo contínuo e dinâmico, que se retro-alimenta:

2 “Momento” é uma ins-tância pela qual passa um processo encadeado e con-tínuo, que não tem princí-pio nem fim. Esse conceito não traduz uma caracterís-tica meramente cronoló-gica, mas indica instância, ocasião, circunstância ou conjuntura. No Planejamento Estra-tégico-Situacional (PES), Carlos Matus enfatiza que a passagem do processo por um momento determi-nado é apenas o domínio transitório desse momento sobre os outros.

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Definição da agenda

Corresponde ao momento em que são constituídos os problemas, as-suntos ou demandas que os policy makers escolhem ou são compeli-dos a escolher.

As demandas da sociedade civil organizada chegam à estrutura de de-cisão do Estado diretamente por meio de protestos e manifestações públicas ou por intermédio de seus representantes no poder legisla-tivo (deputados federais e estaduais, senadores e vereadores), lobistas e grupos de pressão instalados no Congresso Nacional ou nas Assem-bleias Legislativas e Câmaras de Vereadores.

As respostas do Estado a essas demandas vão depender do grau de mobilização e pressão desses grupos, da própria natureza do Estado e seus governantes, e, em última instância, do montante de recursos disponíveis ao Estado.

Mudanças econômicas e políticas ou inovações tecnológicas podem ter efeitos consideráveis na Agenda do país, governamental ou de de-

1º) Construção da Agenda e formulação da Política; 2º) Implementação da Política; 3º) Monitoramento e Avaliação da Política.

O foco analítico desse momento está na identificação do tipo de problema que a política visa corrigir, na assun-ção desse problema pelo sistema político (politics) e pela sociedade política (polity), e nas instituições e regras que irão modelar a decisão e implementá-la.

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cisão. Por exemplo, as novas redes sociais mediadas por tecnologias de informação e comunicação que têm permitido um aumento do grau de autonomia relativa dos atores subordinados em relação ao processo de mobilização de opinião que setores dominantes instrumentalizavam.

Formulação da política

Vimos que política pública corresponde ao produto do processo deci-sório, constituindo uma série de interações entre decisões mais ou me-nos conscientes que se estabelecem ao longo de um tempo que pode ser bastante longo. Embora estabelecida no âmbito do Estado, envolve múltiplos atores, não apenas tomadores de decisão (policy makers).

Segundo os analistas de políticas públicas, esse processo de formula-ção pode ser:

• democrático e participativo VS autoritário e “de gabinete”;

• de “baixo para cima” (bottom-up) VS de “cima para baixo” (top-down);

• do tipo racional e planejado VS incremental e mediante o ajuste mútuo entre os atores intervenientes;

• com ou sem manipulação e controle da agenda pelos atores com maior poder;

• detalhadamente definida VS deixada propositadamente incompleta para “ver como é que fica”.

Nessa etapa de formulação, a grande tensão de fundo é a disputa entre interesses parcelares em uma arena onde os poderes dos distintos grupos são altamente diferenciados.

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Implementação da política

Uma vez formulada, a implementação da política é feita mediante os órgãos e mecanismos existentes ou especialmente criados pelos buro-cratas. A depender, sobretudo, do seu grau de definição, os burocratas exercerão seu poder discricionário, maior ou menor principalmente segundo o nível em que se encontram na hierarquia, adaptando a po-lítica formulada à realidade da relação Estado-Sociedade e das regras de formação do poder econômico e político que elas impõem ao jogo entre os atores sociais.

Monitoramento e Avaliação da política

Corresponde ao momento em que os processos de implementação e os efeitos decorrentes dessa implementação são comparados com o planejado ou com as expectativas dos agentes. É o grau de raciona-lidade da fase de formulação e o estilo de implementação que define como irá ocorrer a Avaliação. É por meio dela que a passagem de uma Situação inicial a uma Situação-Objetivo, tida como desejada, pode ser promovida, pois é a Avaliação que aponta as direções de mudança a serem implementadas.

Se na etapa de formulação, a grande tensão de fundo é a disputa entre interesses parcelares e interesses gerais em uma arena onde os poderes dos distintos grupos são alta-mente diferenciados quanto à sua capacidade de impor sua vontade, nesse momento de implementação a grande tensão reside na disputa entre as dimensões técnica, ad-ministrativa e política.

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Nesse contexto, o planejamento e a avaliação adquirem condição de instrumentos indispensáveis à gestão das políticas públicas. O plane-jamento ajuda a determinar onde queremos chegar (para que direção queremos conduzir nossa ação) e tomar as decisões pertinentes que, acreditamos, nos levarão à Situação-Objetivo.

1.2. A Reforma Sanitária no Brasil A Reforma Sanitária Brasileira em curso é o resultado de um amplo movimento sócio-político em defesa da Saúde Pública que, inspirado no Movimento da Medicina Social europeia de 1848 e pela Declara-ção de Alma-Ata (1978), assumiu como princípios para a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) o reconhecimento da saúde como direito universal, a participação da comunidade e a descentralização.

No bojo da movimentação político-social que caracterizou a conjun-tura de luta contra a ditadura militar, a Reforma Sanitária e a Refor-ma Psiquiátrica eclodiram na segunda metade da década de 1970. A Reforma Sanitária se funda a partir da crítica ao sistema nacional de saúde e ao caráter privatista da política de saúde do país; já a Reforma Psiquiátrica, na crítica estrutural ao saber e às instituições psiquiátri-cas clássicas (AMARANTE, 1994).

1.2.1. As origens do Sistema Único de SaúdeOrientados pelo Ciclo das Políticas Públicas, a primeira pergunta que po-demos nos fazer é: como os problemas sanitários foram parar na agenda sistêmica, governamental e de decisão no final da década de 1980?

Para que sejam efetivas, as políticas públicas precisam ser monitoradas e avaliadas, particularmente em situações nas quais estão maximizadas as necessidades sociais e minimizados os recursos.

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Segundo esse modelo teórico (Figura 2), um problema tem maior chan-ce de entrar para a agenda sistêmica de um país e de decisão de um governo se três fluxos, independentes entre si, se encontrarem:

• reconhecimento do problema, no caso, sanitário;

• aceitabilidade das soluções técnicas construídas pelos especialistas; e

• um contexto político-institucional favorável.

Faz-se necessário, além disso, que existam empreendedores dispostos a lutar pela política e por uma janela de oportunidade.

Existência deSoluções

Aceitáveis

Reconhecimentodo Problema

ContextoPolítico-

InstitucionalFavorável

Janela deoportunidade

política(agendada)

EMPREENDEDORES

Figura 2 - Representação do Modelo Teórico dos Fluxos Múltiplos.

O Modelo de Fluxos Múltiplos, de John W. Kingdon (1995), parece ser o modelo teórico mais adequado para explicar como as agendas são definidas e decididas por governos nacionais sob condições de ambiguidade de objetivos e em ambientes político-institucionais instáveis.

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No caso da Reforma Sanitária, o encontro dos três fluxos foi articulado pelo Movimento Sanitário Brasileiro. Desde o final da década de 1970, ele desempenhou o papel de empreendedor social em um contexto de luta pela redemocratização do Estado, crise econômica e da medicina. Enquanto isso, a realização da Assembleia Nacional Constituinte entre 1985 e 1988 correspondeu à grande “janela de oportunidade” para que os problemas sanitários adentrassem na agenda de decisão nessa época.

Sob inspiração da Medicina Social, o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES) e a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO) dinamizaram uma ampla rede em torno da no-ção do direito à saúde - o Movimento Sanitário - do qual participavam os Departamentos de Medicina Preventiva, tornados obrigatórios pela Lei da Reforma Universitária de 1968; Fiocruz e outras Escolas de Saú-de Pública; políticos de oposição, com destaque para a Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados; profissionais de saúde e intelectuais de formação marxista ou liberal-democrática (ESCOREL et al., 2005).

O Movimento Sanitário não estava sozinho, outros atores também lu-tavam pela redemocratização: Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Comunidades Eclesiais de Base (CEB), po-líticos de oposição (naquele momento o MDB era o único partido de oposição) ao regime, Movimento Estudantil e Sindicatos.

Quanto ao conhecimento do problema sanitário, o recurso ao mate-rialismo histórico ofereceu à reflexão sociológica e epidemiológica suporte para repensar os determinantes sociais do processo saúde--doença e da organização social da prática médica em sua relação com a estrutura social. Ao interior da academia, a teoria passou a ser vista como instrumento da luta pela redemocratização do país: “A saúde como dimensão da democracia erigiu-se em bandeira contra o regime autoritário” (Figura 3).

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Figura 3 - Fac-símile da Súmula/RADIS, Ano IV, n° 14, junho de 1986.

Quanto às soluções técnicas construídas pelos especialistas, surgiram, então, a princípio timidamente, rearranjos na produção de serviços que contemplavam a participação ativa da população na construção e gestão dos serviços de saúde, a simplificação das práticas e, bastante enfaticamen-te, a racionalização da produção e distribuição dos serviços médicos (DON-NANGELO, 1982).

Respaldado pela concepção da “saúde como responsabilidade do Es-tado e direito a ser conquistado”, o movimento da Reforma Sanitária Brasileira desdobrou-se com a experiência das Ações Integradas de Saúde (AIS) em 1983 e do Sistema Unificado e Descentralizado de Saú-de (SUDS) em 1986, culminando no plano jurídico-institucional com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) na Constituição Federal (CF) de 1988.

Também em 1986 se realizaram os trabalhos da 8a. Conferência Nacio-nal de Saúde (8a CNS), cujo Relatório Final recomendou a ampliação do conceito de saúde e sua correspondente ação institucional: saú-de como direito de cidadania e dever do Estado, garantido mediante

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acesso universal à atenção integral em saúde (promoção, proteção e recuperação), entre outras políticas econômicas e sociais. Quanto à natureza, o novo sistema de saúde deveria ser: público (sob coman-do estatal), único (superando as estruturas paralelas do Ministério da Saúde (MS) e Ministério da Previdência Social (MPAS), de implanta-ção progressiva, financiado pelo orçamento da Seguridade Social, me-diante a instituição de Fundos Únicos de Saúde pelos entes federados, sob controle social (Figura 4).

Figura 4 - Fac-símile da Súmula/RADIS, Ano IV, n° 14, junho de 1986.

A partir de indicação da 8a. CNS, a Comissão Nacional de Reforma Sanitária foi capaz de elaborar uma proposta que, legitimada pelo Mo-vimento Sanitário, subsidiou fortemente os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte (ANS) na área da Seguridade Social e da Saúde.

Promulgada (Figura 5), o artigo 196 da CF definiu que “A saúde é di-reito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para

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sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988), assim como o artigo 198 estabeleceu que

as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I. descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II. atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos assistenciais;

III. participação da comunidade. (artigo 198)

As políticas sociais delineadas a partir da Constituição Cidadã de 1988, inclusive a Política de Saúde, estão, efetivamente, associadas ao resgate da cidadania e sua universalização (LARIÚ, 2004).

Figura 5 – Fac-símile da Súmula/RADIS, Ano VI, n° 26, outubro de 1988.

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O referido SUS, além de expressão concreta da construção de uma po-lítica social que tem a pretensão de universalizar, progressivamente, o direito à saúde em um país periférico, materializa um conjunto de prin-cípios doutrinários contra-hegemônicos em relação ao neoliberalismo que dominou o cenário mundial durante o final do século XX. O SUS pretende garantir o acesso de toda a população, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie, a serviços de atenção integral à saúde. As diretrizes organizativas, por sua vez, visam imprimir racionalidade ao seu funcionamento. As mais significativas são a descentralização com comando único, a regionalização e hierarquização dos serviços e a participação comunitária. A descentralização e a participação social têm sido as duas diretrizes organizacionais mais enfatizadas no processo de construção do SUS, mas precisamos compreendê-los todos muito bem!

1.2.2. Princípios e diretrizes do Sistema Único de SaúdeEm 1990, a Lei 8080, que regulamentou o art. 198 da CF de 1988, defi-niu que as ações e serviços públicos e privados de saúde que integram o SUS devem obedecer, entre outros, aos seguintes princípios:

I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em to-dos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; VIII - participação da comunidade; IX - descentralização político-administrativa, com dire-ção única em cada esfera de governo: com ênfase na des-centralização dos serviços para os municípios, na regio-nalização e hierarquização da rede de serviços.

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Universalidade do acesso

As políticas sociais são universais quando atendem a todos os mem-bros da população a que se dirigem. Na saúde, o exercício desse prin-cípio traz a perspectiva do acesso, por todos os brasileiros, ao sistema público de saúde, alterando uma situação anterior em que o acesso era diferenciado entre os que tinham vínculos previdenciários e os demais brasileiros tipificados como indigentes.

Observe que o universalismo é uma forma de conceber a política so-cial que surgiu e se desenvolveu a partir da ampliação do conteúdo de cidadania no século XX. Tal conceito parte da premissa de que a redistribuição de bens e serviços adequada às necessidades deve ser garantida igualmente a todos os cidadãos e independe de qualquer condicionante prévia, como diferenças pessoais, contribuições sociais e inserção no mercado de trabalho (LARIÚ, 2004).

Em favor da implementação de políticas de caráter universal encon-tram-se argumentos tanto de eficiência social quanto de natureza éti-ca (LARIÚ, 2004).

Do ponto de vista ético, defensores de políticas universais argumentam que tais políticas nos reúne, a todos, numa mesma comunidade de iguais em termos de direitos de cidadania garantidos pelo Estado. Segundo este enfoque, só há justiça social quando o Estado é capaz de garantir estes direitos à população (SCHÜTZ, 2003; KERSTENETZKY, 2006).

Do ponto de vista da eficiência social, é frequentemente apontado o fato das políticas universais economizarem os custos associados ao desenho minucioso, à implementação, ao monitoramento e posterior avaliação dos impactos, necessária para a correção incremental da po-lítica. Políticas universais evitariam, ainda, outros custos intangíveis como estigmas (KERSTENETZKY, 2006).

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Dentre as críticas ao universalismo, destaca-se que, além de caras, os “ricos” estão mais aptos na defesa de seus interesses e acabam ficando com boa parte dos recursos enquanto os pobres, devido à assimetria de poder, não conseguem defender os seus interesses (FLEURY, 1997).

Igualdade e equidade

Pelo princípio da igualdade, todos os indivíduos devem receber tra-tamento igual, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie. Implícita está a ideia de que os indivíduos são todos iguais, têm os mesmos direitos e, portanto, merecem os mesmos recursos. A igualdade é base dos direitos de cidadania (MEDEIROS, 1999).

O princípio da equidade, por outro lado, reconhece que os indivíduos são diferentes entre si e, portanto, merecem tratamento diferencia-do que elimine (ou reduza) a desigualdade (MEDEIROS, 1999; LARIÚ, 2004). Concretamente, isso implica que, para realizar o objetivo da igualdade democrática se for necessário utilizar políticas focalizadas, elas devem ser implementadas concebendo-as como um meio prag-mático para alcançar tal objetivo moralmente legítimo (RIBEIRO; SCHRAMM, 2006).

Em uma sociedade muito desigual, como a brasileira, as políticas so-ciais terão necessariamente um componente de “focalização”, se qui-serem aproximar o ideal de direitos universais a algum nível decente de realização. Nesse caso, a focalização é um requisito para a efeti-vação de direitos universais, compatível com a concepção de justiça social republicana, em que liberdades formais para se converterem em reais requerem distribuição reparatória de oportunidades (KERSTE-NETZKY, 2006).

Mas equidade não foi uma categoria utilizada no discurso do movi-mento sanitário, não fez parte do Relatório Final da 8ª Conferência Nacional de Saúde e não está plasmada em lei. Em textos posteriores, a partir dos anos 90, o termo vem sendo progressivamente utilizado

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em documentos técnicos, normativos e doutrinários, inclusive nos re-latórios das conferências nacionais de saúde (PAIM, 2006).

Integralidade da assistência

Integralidade é um conceito polissêmico, que pode ser compreendido de diferentes maneiras.

Em um primeiro sentido, integralidade refere-se ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde (níveis de prevenção). Em um segundo sentido, integralidade implica acesso a um conjunto articulado e contínuo (longitudinalida-de) de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis da Atenção Básica. Em um terceiro sentido, a integralidade implica a mudança do olhar do cuida-dor, impondo-se humanizada e com uma abordagem holística, que se contrapõe ao cuidado fragmentado e com enfoque na doença.

Observe que os dois primeiros sentidos trazem, implicitamente, a ideia de um funcionamento harmonioso entre as partes que compõem o sistema de saúde. Nesses termos, a integralidade do cuidado só pode ser obtida por meio de Redes de Atenção à Saúde (RAS). O Decreto n. 7.508/2011 define a RAS como o conjunto de ações e serviços de saúde articulados em níveis de complexidade crescente com a finalidade de garantir a integralidade da assistência à saúde.

Descentralização político-administrativa

O imperativo da direção única em cada esfera de governo justifica--se pela necessidade de superar a desarticulação entre os serviços e construir a coordenação das ações sob direção de um único gestor em cada espaço político-institucional: a secretaria municipal de saúde no âmbito do município, a secretaria estadual no âmbito do Estado e o ministério da saúde no âmbito da União.

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A descentralização com ênfase na municipalização da gestão dos ser-viços e ações de saúde, sob a justificativa de que este é o nível de governo mais próximo da realidade sanitária, foi a prioridade ao lon-go dos anos 1990. Essa foi a mudança mais significativa no aspecto político-administrativo da reforma do Sistema de Saúde no Brasil, opondo-se à tradição centralizadora da assistência à saúde. Embora essa municipalização tenha avançado bastante, depende da imple-mentação, ainda insuficiente, dos princípios de regionalização e da hierarquização.

Regionalização

Desde que o SUS foi instituído, a estratégia privilegiada para a im-plantação do sistema foi a da descentralização. Os municípios são res-ponsáveis pela provisão dos serviços e pela organização dos sistemas municipais de saúde, com o objetivo de distribuir de forma mais ra-cionalizada e equânime os recursos assistenciais no território, promo-vendo a integração das ações e das redes assistenciais. Dessa forma, espera-se garantir acesso oportuno, continuidade do cuidado e eco-nomia de escala.

Entretanto, somente com a edição da Norma Operacional de Assistên-cia à Saúde (01/2001 e 01/2002) e do Pacto pela Saúde de 2006 é que a estratégia da regionalização apareceu com força nos documentos ofi-ciais. Desde então, teve início um processo mais efetivo de criação de instrumentos propícios à criação de regiões de saúde e de pactos inter-governamentais, visando o estabelecimento de relações mais coopera-tivas e solidárias para responder às demandas crescentes dos cidadãos.

Hierarquização

Com a ideia de hierarquização busca-se ordenar o SUS por níveis de atenção e estabelecer fluxos assistenciais entre os serviços, de modo que regule o acesso aos mais especializados, considerando que os ser-viços básicos de saúde são os que ofertam o contato com a população

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e são os de uso mais frequente. A crítica aos modelos hierarquizados tem apontado a necessidade de superar a ideia de pirâmide por mo-delos mais flexíveis, com variadas portas de entrada e fluxos reversos entre os serviços (Figura 6).

Atenção Básica(ou Primária)

Atenção Secundária

AtençãoTerciária

Nível de cuidados com maior complexidade(UTI, Urgências, Centros de Reabilitação)

Nível de cuidados com complexidade intermediária (ambulatório de especialidades, hospitais gerais, etc.)

Procedimentos simples dirigidos aos problemas de saúde mais frequentes (centros de saúde, equipes do PSF)

3. Alta complexidade(hospitalar)

2. Média complexidade(CAP’s, modelo s psicoterápicos)

1. Atenção Básica(postos de saúde)

Figura 6 – Representações Esquemáticas dos Níveis de Atenção em Saúde.

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Participação da Comunidade

O princípio da participação social, traduz o anseio dos atores sociais por uma democracia participativa, em que os cidadãos influenciam de maneira decisiva a definição e a execução da política de saúde nas três esferas de governo. Os conselhos e conferências de saúde corres-pondem às instâncias formais de exercício dessa democracia partici-pativa, que transforma o espaço público e a relação da Sociedade Civil com o Estado (VASCONCELOS; PASCHE, 2006).

Atualmente, há no país milhares de pessoas envolvidas nos Conse-lhos de Saúde. O porte de cada Conselho varia segundo o tamanho da população local, mas a regulamentação provê, para todos eles, a mesma composição paritária: metade dos assentos está reservada aos representantes da autoridade setorial, dos profissionais, dos prestado-res públicos e privados e dos trabalhadores da saúde; a outra metade deve ser ocupada por representantes dos usuários dos serviços do SUS (BRASIL, 2003).

Além dos conselhos e conferências de saúde, registre-se que o SUS tem se utilizado de outros mecanismos, como ouvidorias, consultas públicas, audiências públicas e serviços de atendimento ao cidadão.

Observe, por fim, que o modelo de gestão do SUS pres-supõe uma articulação estreita, conjunta e complexa dos seus principais espaços de representatividade em cada ní-vel de governo: 1) Gestores do sistema nos três níveis de governo.2) Instâncias de negociação e decisão envolvendo a par-ticipação das diferentes esferas de governo: Comissão In-tergestores Tripartite (CIT), no âmbito nacional, as Comis-sões Intergestoras Bipartites (CIB), no âmbito estadual, e as Comissões Intergestores Regionais (CIR), no âmbito

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das Regiões de Saúde, nas quais se discute e se decide de maneira consensual toda a gestão da saúde.3) Conselhos de Secretários de Saúde nos âmbitos nacio-nal (CONASS e CONASEMS) e estadual (COSEMS).4) Conselhos de Saúde nos âmbitos nacional, estadual e municipal, além de realização periódica das conferências de Saúde.

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