a reforma de bento xvi

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SEMINÁRIO MARIA MATER ECCLESIÆ DO BRASIL BACHARELADO EM TEOLOGIA A REFORMA DE BENTO XVI GIAN PAULO RANGEL RUZZI ITAPECERICA DA SERRA/2010

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  • 1. SEMINRIO MARIA MATER ECCLESI DO BRASIL BACHARELADO EM TEOLOGIAA REFORMA DE BENTO XVIGIAN PAULO RANGEL RUZZIITAPECERICA DA SERRA/2010

2. GIAN PAULO RANGEL RUZZIA REFORMA DE BENTO XV Monografia apresentada como requisito parcial obteno do ttulo de Bacharel em Teologia pelo Seminrio Maria Mater Ecclesi do Brasil, sob a orientao do Prof Pe. Celso Nogueira L.C. ITAPECERICA DA SERRA/2010 3. APROVAO DO PROFESSORComentrio e avaliao do professor:_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________Itapecerica da Serra, ___ de _________________________ de 2010.______________________________________________ Assinatura do Professor 4. Toda a minha trajetria espiritual pode ser encontrada neste trabalho sobre a liturgia, intensono apenas por si, mas por tratar-se da questo fundamental da relao entre Deus e o mundo,o homem e seu criador, a religio e a vida pblica. na liturgia que o cristo encontra a Igrejacomo tal, em ato, como crente e mediadora da graa. Todo o resto secundrio. Assim afir-mou o Vaticano II: a liturgia verdadeiramente o centro do qual deriva o resto da vida crist. (Joseph Ratzinger, Davanti al Protagonista, alle radici dela liturgia) 5. RESUMOComo tologo, o Card. Ratzinger possui vasta bibliografia sobre liturgia. De fato, ao editarsua Opera Omnia, decidiu que estes escritos, devido a centralidade em seu pensamento teol-gico e, conforme afirma o Vaticano II, na prpria vida da Igreja (Sacrossanctum Concilum 10), so os primeiros a serem publicados. Defende a ideia de que a correta forma da Cele-brao Eucarstica a conjugao de sacrifcio e banquete. Entretanto, entendeu que a concre-ta realizao da reforma litrgica ps-conciliar privilegiou a dimenso do banquete e, um dossinais deste equvoco foi a retirada do crucifixo do centro do altar em muitas Igrejas. Prope,ainda como telogo, uma reforma da reforma, que no consiste em abruptas rupturas oumudanas dramticas, mas, principalmente, num novo movimento litrgico que estimule odesenvolvimento de nova espiritualidade litrgica e estudo da liturgia. Em termos prticos,sugere tambm o que ele mesmo faz em suas celebraes j como Papa Bento XVI, portanto,modelo para liturgia romana, ou seja, a imediata reposio da cruz no centro do altar, servindocomo ponto fixo para olhar tanto do sacerdote como da comunidade. 6. ABSTRACTComo telogo, el Car. Ratzinger tiene extensa bibliografa litrgica. De hecho, en la edicinde su Opera Omnia decidi que estos escritos, debido la centralidad en su pensamiento teol-gico y, de acuerdo con el Vaticano II, en la vida misma de la Iglesia (Sacrosanctum Concilum 10), son los primeros en ser publicados. Tiene claro que la correcta forma de la Celebra-cin Eucarstica sea la combinacin entre sacrificio y banquete. Sin embargo, entiende que larealizacin concreta de la reforma litrgica post-conciliar favoreci la dimensin del banquetey uno de los signos de este error fue la retirada de la cruz desde el centro del altar en muchasIglesias. Propone, an como telogo, un reformar la reforma que no consiste en saltos brus-cos o cambios drsticos, pero sobre todo en un nuevo movimiento litrgico que fomente eldesarrollo de nueva espiritualidad litrgica y el estudio de la liturgia. En trminos prcticos,sugiere lo que l mismo hace en las sus celebraciones ya como Papa Benedicto XVI, por lotanto modelo de la liturgia romana, es decir, la reposicin inmediata de la cruz en el centro delaltar, que sirve como un punto fijo para la mirarada al igual que el sacerdote y de la comuni-dad. 7. SUMRIOINTRODUO .................................................................................................................... 91 A FORMA DA LITURGIA CATLICA ......................................................................... 101.1 Uma nova categoria na Liturgia ..................................................................................... 101.2 A proposta de Guardini: a forma da Missa a Ceia ou o Banquete ................................ 111.2.1 Implicaes da proposta de Guardini .......................................................................... 111.2.2 Problema dogmtico da forma da Missa exclusivamente como ceia ou banquete ...... 121.3 A proposta do Cardeal Ratzinger para a forma da Missa: o Sacrifcio e o Banquete ..... 131.3.1 O relato da instituio .................................................................................................. 141.3.2 O verdadeiro sentido de sacrifcio no culto cristo ....................................................... 151.3.3 O culto racional ........................................................................................................... 161.3.4 Sacrifcio e Banquete: termos convergentes ................................................................. 172 A REFORMA DA REFORMA SEGUNDO BENTO XVI.............................................. 182.1 A problemtica em torno da reforma litrgica ................................................................ 182.1.1 As prescries da Sacrosanctum Concilium ................................................................. 192.1.2 A criatividade litrgica ............................................................................................... 202.1.3 A hermenutica da continuidade e a hermenutica da descontinuidade ....................... 212.2 O sentido da reforma da reforma .................................................................................. 22 8. 2.2.1 Distores das intenes de Bento XVI ....................................................................... 232.2.2 Proposta de Bento XVI: um novo movimento litrgico ................................................ 252.3 Medidas concretas j tomadas em vista de um novo movimento litrgico ....................... 263 A ORIENTAO LITRGICA ...................................................................................... 283.1 Orientao na liturgia .................................................................................................... 283.1.1 Dimenso escatolgica da orientao na liturgia ......................................................... 303.1.2 O Oriente Litrgico ..................................................................................................... 303.1.3 Dimenso csmica da liturgia e Orientao Litrgica .................................................. 313.1.4 Catolicidade da liturgia e Orientao Litrgica ............................................................ 323.2 A legislao vigente e a Orientao Litrgica ................................................................. 323.3 A proposta de Bento XVI ............................................................................................... 34CONCLUSO .................................................................................................................... 36REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................. 38 9. 9INTRODUOA liturgia foi um dos grandes temas que mobilizaram os catlicos no sculo XX. O desenvol-vimento do movimento litrgico na Blgica, Frana e inclusive no Brasil, acenderam animo-sidades entre aqueles que visavam uma liturgia mais viva e aqueles que defendiam a perma-nncia da tradio estabelecida por Pio V1.As lutas interpretativas em torno da Sacosanctum Concilum, no s dela, mas de todos os tex-tos conciliares, desencadeou abusos na prtica litrgica que geraram, por parte muitos, umolhar negativo e, em alguns casos, at o rechao em relao a todo o Conclio 2.Esta tese quer demonstrar a continuidade que o Santo Padre observa com insistncia entre asformas pr e ps conciliares do Rito Romano e sua proposta em como corrigir algunsequvocos, no no que concerne letra em si, tanto do Missal, tanto como, muito menos, dequalquer outro documento magisterial recente sobre a liturgia, mas sim na prxis celebrativa eseus pressupostos e implicaes teolgicas.O primeiro captulo aborda uma novidade na teologia litrgica proposta pelo Pe. Guardini, oconceito de forma fundamental da Celebrao Eucarstica, suas implicaes e influncias nateologia posterior.O segundo captulo apresenta a proposta do Santo Padre de uma reforma da reforma, suasinterpretaes equivocadas e seu verdadeiro sentido desejado pelo Sumo Pontfice.Em sequencia, a terceira parte deste estudo desenvolve o tema da Orientao Litrgica e seusignificado, concluindo com uma nova proposta, no mesmo sentido de uma reforma da re-forma, feita pelo ento Card. Ratzinger em seu famoso Introduo ao esprito da Liturgia.1Cf. A reforma de Bento XVI entre inovao e tradio. Disponvel em:http://perfasetpernefas.blogspot.com/2009/06/reforma-de-bento-xvi-entre-inovacao-e.html. Acesso em: 05 dejun. 2010.2Ibidem. 10. 101 A FORMA DA LITURGIA CATLICA1.1 Uma nova categoria na LiturgiaA teologia litrgica experimentou um notvel desenvolvimento graas ao Movimento Litr-gico surgido em meados do sculo XIX com a restaurao dos mosteiros beneditinos naFrana. As publicaes de Gurange, Beauduin, Casel, Guardini, Jungmann, Bouyer, e ou-tros, favoreceram a redescoberta da centralidade da Liturgia na vida da Igreja 3, o que culmi-nou na reforma do rito romano desejada pelo Conclio Vaticano II4.Os beneditinos Beauduin e Casel formularam os primeiros esboos de definio para litur-gia5, mas somente Pio XII precisou-a em sua magistral Mediator Dei, reafirmada pelo Cate-cismo da Igreja Catlica6 da seguinte forma: ela (a liturgia) constitui o culto pblico inte-gral do mstico Corpo de Jesus Cristo, isto , da cabea e dos seus membros7.Alm da definio, outra categoria foi proposta ao debate teolgico8: a forma da CelebraoEucarstica. Este novo olhar sobre a liturgia inaugura seu estatuto epistemolgico moderno9e, segundo o Card. Ratzinger, a chave para alcanar a essncia do evento eucarstico10.Guardini afirma que toda ao litrgica contm uma grundgestal, que significa figura fun-damental ou forma fundamental11. O dicionrio Houaiss define o verbete forma como a3Cf. SACROSANCTUM CONCILIUM. Documentos do Conclio Ecumnico Vaticano II. 3 ed. So Paulo:Paulus. 2004. 10. p. 39.4Ibidem. 21. p. 43.5Cf. DICIONRIO DE LITURGIA. Trad. Isabel Fontes Leal Ferreira. So Paulo: Paulinas, 1992. p. 640.6Cf. CATECISMO DA IGREJA CATLICA. So Paulo: Loyola, 2000. p.302. 1070.7DENZINGER, Heinrich; HNERMANN, Petrus. Compndio dos smbolos: definies e declaraes de f emoral. Trad. Jos Marino e Johan Konings. So Paulo: Paulinas: Loyola, 2007. 3841. p. 840.8GUARDINI, Romano. apud HAUKE, Manfred. A santa missa, sacrifcio da nova aliana. Disponvel em:http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=igreja&artigo=santa-missa-sacrificio&lang=bra#_ftn1. Acesso em: 20 de ago. 2010.9Cf. RATZINGER, Joseph. In: GALEOTTI, Alessandro. (Org.). Davanti al protagonista alle radici delaliturgia. Trad. Ellero Babini; Carlo Fedeli. Milo: Cantagalli, 2009. p. 96.10 Ibidem. 11. 11configurao fsica caracterstica dos seres e das coisas, como decorrncia da estruturaodas suas partes12. Em sentido platnico, consiste em cada uma das realidades transcen-dentes que contm a essncia imaterial dos objetos concretos13 e, no aristotelismo, em umprincpio que determina, modela ou delineia a matria bruta, fazendo com que cada seradquira uma identidade imagtica, um traado definido, uma configurao caracterstica14.Nas acepes do termo encontram-se trs elementos que, relacionados entre si, ajudam a en-tender em que consiste a categoria forma para a liturgia: as partes do objeto, o contedo es-sencial e a identidade. A forma , portanto, o contedo fenomenolgico 15 da Celebrao daEucaristia.1.2 A proposta de Guardini: a forma da Missa a Ceia ou o BanqueteEm que consiste afinal a estrutura fundamental, ou forma da Missa? Para encontr-la Guardinipercorreu uma estrada muito simples: a eucaristia exemplar, a instituio da Eucaristia opera-da pelo prprio Jesus16. Portanto, conclui que a forma ltima da Eucaristia o banquete17.1.2.1 Implicaes da proposta de GuardiniOs telogos seguidores das ideias de Guardini afirmavam que sacrifcio corresponde ao ca-rter dogmtico da missa18, enquanto que seu carter celebrativo, ou seja, formal correspon-dia exclusivamente ceia ou banquete.11 Cf. HAUKE, M. Acesso em: 20 de ago. 2010.12 DICIONRIO HOUAISS DA LNGUA PORTUGUESA. Instituto Antnio Houaiss. Objetiva, 2007. 1 CD.13 Ibidem.14 Ibidem.15 A Fenomenologia era objeto recorrente da filosofia dos principais autores do final sculo XIX e incio dosculo XX. No inteno sugerir os pressupostos filosficos das personagens do Movimento Litrgico, contu-do, ao que parece, algo da epistemologia kantiana perpassa suas obras.16 Cf. RATZINGER, J. 2009. p. 96.17 Ibidem. 12. 12Ora, o problema no est na devida redescoberta da categoria de banquete, mas na diferen-a entre interno e externo. Numa correta relao entre interno e externo, a realidade inte-rior e a forma exterior deveriam corresponder-se mutuamente19. Uma vez que, segundo omesmo Guardini, a liturgia por essncia e deve s-lo por antonomsia a lex orandi20 eque a lex orandi, ou seja, a liturgia, , por sua vez, segundo reza um antigo aforismo clssi-co a lex credendi, ou seja, a norma da f21, no deve haver discordncia entre o que se ce-lebra e como se celebra. Se toda ao ritual, simblica, formal, faz referncia unicamenteao banquete, a lex orandi deixa de corresponder perfeitamente lex credendi. Cria-se umaruptura entre liturgia e dogma.1.2.2 Problema dogmtico da forma da Missa exclusivamente como ceia ou banqueteNo obstante a ciso entre o contedo dogmtico e o contedo celebrativo da Eucaristia, assuposies de Guardini influenciaram a comisso que elaborou missal ps-Conciliar. A pri-meira redao da introduo ao missal de 1969 chegou a descrever a Santa Missa como aCeia do Senhor22. O Cardeal Ratzinger sublinha justamente que a distino entre sacrif-cio e banquete, entre forma e contedo, entre dogmtica e cincia litrgica foi o problemacentral da reforma litrgica23.A tese da forma fundamental da Eucaristia exclusivamente como banquete nega necessaria-mente o carter sacrificial da Missa e esta era justamente a posio de Lutero condenada peloConclio de Trento24.18 Cf. HAUKE, M. Acesso em: 20 de ago. 2010.19 Ibidem.20 GUARDINI, Romano. El espritu de la liturgia. Trad. Josep Urdeix. 2 ed. Barcelona: Centre de PastoralLitrgica, 2006. p. 9.21 Ibidem. p. 10.22 Cf. HAUKE, M. Acesso em: 20 de ago. 2010.23 Ibidem.24 Cf. RATZINGER, J. 2009. p. 97. 13. 13De fato, a forma no constituda simplesmente de cerimnias puramente casuais, mas uma manifestao substancial do contedo em seu ncleo insubstituvel25 em que a nature-za sacrifical do mistrio eucarstico no pode ser entendida como algo isolado, independenteda cruz ou como uma referncia apenas indireta ao sacrifcio do Calvrio26.1.3 A proposta do Cardeal Ratzinger para a forma da Missa: o Sacrifcio e o BanqueteApesar do Senhor ter oferecido a novidade do culto cristo no sentido de uma ceia judaica,ele no ordenou a reiterao da ceia em si, mas sim do novo que ela constitua27. A lti-ma ceia o fundamento de toda liturgia crist, mas ela mesma no ainda uma liturgia cris-t,... (ela) funda o contedo dogmtico da Eucaristia, mas no sua forma litrgica 28.Estas afirmaes do Card. Ratzinger assinalam que, alm do problema dogmtico, a limitaoda forma fundamental da Eucaristia ceia carrega consigo uma oposio inteno de Jesuse prtica das comunidades primitivas. A liturgia tomou sua forma no seio destas comunida-des e a preocupao principal daqueles cristos era realizar o mistrio de uma ao simb-lica, e no a observncia estrita do relato da instituio29.Entretanto, o aspecto de refeio na liturgia no pode simplesmente ser ignorado, pois oprprio Cristo fez uma ligao explcita do cerimonial da ltima Ceia com Seu iminente sa-crifcio do Calvrio, oferecendo Seu Corpo e Sangue assim como fez Melquisedeque com opo e o vinho30. Tambm os primeiros cristos sabiam que o sacrifcio da Pscoa devia ser25 RATZINGER, J. 2009. p. 97.26 ECCLESIA DE EUCHARISTIA. In: DENZINGER, Heinrich; HNERMANN, Petrus. op. cit. p. 1232 509227 RATZINGER, Joseph. Introduo ao esprito da liturgia. Trad. Jana Almeida Olsansky. 2. ed. gueda:Paulinas, 2006. p. 58.28 Idem. op. cit.. p. 102.29 JUNG, C.G. O smbolo da transformao na missa. Trad. Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha. 4 ed. Petrpo-lis: Vozes, 2007. p. 930 NASH, Thomas In: HAHN, Scott; FLAHERTY. Regis J. (Org.). A sagrada escritura no mistrio da santamissa: razes para ser catlico. Trad. Leide Severina Costa. So Paulo: Palavra & Prece, 2008. p. 84. 14. 14celebrado continuamente, ou seja, como um memorial perptua (Ex 12, 14.17.24), que re-queria no s oferecer cordeiros a Deus, mas tambm em com-los (cf. Ex 12, 5-9)31. Embo-ra a eucaristia no significasse uma simples repetio ritual, a dimenso de nutrimento doSder de Pssach no contexto da ltima Ceia um elemento de continuidade entre as duasAlianas presente na Santa Missa. Neste sentido, o Catecismo da Igreja Catlica afirma: AMissa ao mesmo tempo e inseparavelmente o memorial sacrifical no qual se perpetua osacrifcio da cruz, e o banquete sagrado da comunho no Corpo e no Sangue do Senhor32.1.3.1 O relato da instituioO relato mais antigo da instituio da Eucaristia est em 1Cor 11, 23-26. Com efeito, eu mesmo recebi do Senhor, o que vos transmiti: na noite em que foi en- tregue, o Senhor Jesus tomou o po e, depois de dar graas, partiu-o e disse: Isto o meu corpo, que para vs; fazei isto em memria de mim. Do mesmo modo, aps a ceia, tambm tomou o clice, dizendo: Este clice a nova Aliana em meu sangue; todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em memria de mim. Todas as vezes, pois, que comeis desse po e bebeis desse clice, anunciais a morte do Senhor at que ele venha.No conceito de sacrifcio misturam-se duas representaes distintas: deipnon () ethysia (). Thysia o sacrifcio ritual em que a vtima imolada, consagrada e oferecidaem holocausto divindade. Deipnon a ceia daqueles que participam do sacrifcio e comem oque foi consagrado, isto , um sacrificium (de sacrificare, tornar sagrado, consagrar) 33. Tanto o sentido de deipnon quanto o de thysia j se encontram nas palavras da instituio: = o corpo que foi dado por vs. Isto pode signi- ficar: que vos foi dado para comer ou (de modo indireto) que foi dado por vs a Deus. Graas ao conceito de ceia, a palavra corpo logo assume o sentido de = carne (enquanto substncia comestvel)34.Outra passagem aproxima a ideia de sacrifcio de refeio. Em 1Cor 10, 21b Paulo diz:No podeis participar da mesa do Senhor e da mesa dos demnios. A palavra utilizada31 NASH, T. 2008. p. 74.32 CIC 1382.33 Cf. JUNG, C.G. 2007. p. 2-3.34 Ibidem. p. 3. 15. 15neste versculo mesa () e no altar (). No entanto, mesa pode signifi-car altar, se o contexto claramente de um sacrifcio. Paulo (...) est falando em comer oque foi imolado35.O relato bblico da instituio da Eucaristia e a teologia paulina propem uma relao deidentidade entre os conceitos de sacrifcio e banquete.1.3.2 O verdadeiro sentido de sacrifcio no culto cristoO fato de que se possa no reconhecer um sacrifcio na Eucaristia (...) est essencialmentena questo de saber o que se entende por sacrifcio36. Considera-se comumente o sacrifciocomo a destruio de uma realidade preciosa aos olhos do homem; destruindo-a, ele querconsagrar esta realidade a Deus (...). Todavia, uma destruio no honra a Deus37.O sentido do sacrifcio na economia da salvao est intimamente ligado ao movimento deexitus e reditus. Em princpio, exitus no a origem da misria do mundo, mas algo comple-tamente positivo. Exitus o livre ato de criao Divina: tudo que existe provm de Deus38. Jpercurso do reditus significa salvao, e a salvao significa libertar-se da finitude que ,em si, o autntico peso de nosso ser39. Com efeito, o exitus visa o reditus. O homem criadopor Deus para comunho com Ele.A dimenso expiatria do sacrifcio evidente, a teologia do Novo Testamento (...) d preci-samente a entender que o episdio aparentemente profano da crucifixo de Cristo um sacri-fcio de expiao, um ato salvfico do amor reconciliador do Deus feito homem40.35 NASH, T. op. cit. p. 75.36 RATZINGER, J. 2009. p. 135.37 Ibidem. p. 139.38 Cf. Idem. 2006. p. 23.39 Ibidem. p. 22.40 Idem. op. cit. p. 138. 16. 16Existe, contudo, outra dimenso no sacrifcio, no apenas de restaurao, mas de transforma-o do homem. A humanidade que, transformada em amor, diviniza a criao, transferindoassim o Universo para Deus: Deus tudo em todos (1Cor, 15, 28) essa finalidade do mun-do, essa a natureza do sacrifcio e do culto41.Em que consiste ento o sacrifcio? No na destruio, mas na transformao do homem(...), na conformao do homem a Deus, em sua Theiosis42,tornamo-nos no apenas cris-tos, mas o prprio Cristo43.1.3.3 O culto racionalDado que a lex orandi a lex credendi, a orao litrgica est embebida de dogma e vivifi-cada poderosamente por ele44. Deduz-se, portanto, uma ntima conexo entre banquete, sa-crifcio, expiao e divinizao do homem na forma da Eucaristia. Esta ntima conexo oprprio Mistrio que no est contido nem pressuposto no conceito de deipnon e de thysia 45.A partir da ideia de transformao da substncia, a antiguidade tardia aprofundou o conceitode sacrifcio atravs de uma expresso que entrou para o cnon romano com a frmula deoblatio rationabilis46. O sacrifcio divindade no vem somente da oferta de dons, mastambm da autodoao do Esprito que encontra a prpria forma na palavra47. Desta for-ma, a orao eucarstica constitui um ingresso na orao de Jesus Cristo, um ingresso da41 RATZINGER, J. 2006. p. 20.42 Ibidem. p. 140.43 SACRAMENTUM CARITATIS. Exortao Apostlica Ps-Sinodal. So Paulo: Paulinas, 2007. p. 59. 36.44 GUARDINI, R. 2006. p. 10.45 JUNG, C.G. 2007. p. 446 , logik latrea (Rom 12, 1)47 RATZINGER, J. 2009. p. 99. 17. 17Igreja no Logos, o verbo do Pai, um ingresso da Igreja na autodoao do Logos ao Pai quena cruz transformada contemporaneamente na oferta de toda humanidade ao Pai48.Isto significa que a verdadeira adorao, o verdadeiro sacrifcio, est na comunho com Deus.Os dons ofertados na Missa so transformados, pela ao do Esprito, no Corpo e Sangue deJesus Cristo, dados como verdadeira comida e verdadeira bebida. O Po e o Vinho Corpo eSangue transformam e elevam, por sua vez, a natureza humana, tornando-a um sacrifcioagradvel a Deus. Este o verdadeiro loghik thysia sacrifcio consciente, (Rm 12,1), nistoconsiste a loghk latreia, servio divino segundo a palavra, ou seja, segundo a razo 49.1.3.4 Sacrifcio e Banquete: termos convergentesO culto cristo conjuga em sua essncia e em sua forma duas dimenses aparentementeopostas: o banquete e o sacrifcio. Certamente a liturgia tem por sua natureza o carter defesta50, mas um tipo particular de festa, de cunho escatolgico, uma vez que , por sua na-tureza, festa da ressurreio, Mysterium Paschae, que, enquanto tal, carrega dentro de si omistrio da cruz, premissa da ressurreio51. essa a verdadeira substncia e grandezada celebrao eucarstica; ela sempre mais que simplesmente ceia ela ser arrebatadopara simultaneidade com o mistrio de Pascha Cristo52. Logo, na forma da celebraoEucarstica ceia e sacrifcio no divergem, mas um converge ao outro e se determinam reci-procamente53.48 RATZINGER, J. 2009. p. 99.49 Cf. Ibdidem. 144-145.50 Ibidem. p. 82.51 Ibidem. p. 85.52 Idem. 2006. p. 43-44.53 Idem. op. cit. p. 100. 18. 182 A REFORMA DA REFORMA SEGUNDO BENTO XVI2.1 A problemtica em torno da reforma litrgicaNo clebre discurso Cria Romana de 22 de dezembro de 2005 o Papa Bento XVI exps opanorama sobre a aceitao do Conclio Vaticano II e as disputas que se multiplicaram nointerior da Igreja aps seu encerramento. Qual foi o resultado do Conclio? Foi recebido de modo correcto? O que, na recep- o do Conclio, foi bom, o que foi insuficiente ou errado? O que ainda deve ser fei- to? Ningum pode negar que, em vastas partes da Igreja, a recepo do Conclio teve lugar de modo bastante difcil, mesmo que no se deseje aplicar quilo que aconte- ceu nestes anos a descrio que o grande Doutor da Igreja, So Baslio, faz da situa- o da Igreja depois do Conclio de Niceia: ele compara-a com uma batalha naval na escurido da tempestade, dizendo entre outras coisas: O grito rouco daqueles que, pela discrdia, se levantam uns contra os outros, os palavreados incompreensveis e o rudo confuso dos clamores ininterruptos j encheram quase toda a Igreja falsifi- cando, por excesso ou por defeito, a recta doutrina da f...54.Segundo o Card. Stickler perito da Comisso Conciliar para a Liturgia e especialista emdireito cannico a edio final do novo Missal Romano no correspondia aos textos Con-ciliares, (...) continha muita coisa que ampliava, mudava, e at ia diretamente contra as de-terminaes Conciliares55.As contundentes crticas de influentes cardeais e bispos, como o Card. Ottaviani, Card. Bacci,Card. Antonelli, D. Lefebvre, entre outros, ainda hoje so repetidas por significativa parcelade fiis. Graves acusaes foram feitas comisso responsvel pela redao do novo missal a famosa Consilium principalmente pessoa de seu secretrio, Pe. Bugnini. At as Igrejas54 BENTO XVI. Discurso do papa Bento XVI aos cardeais, arcebispos e prelados da cria romana na apre-sentao dos votos de natal. Disponvel em:http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2005/december/documents/hf_ben_xvi_spe_20051222_roman-curia_po.html. Acesso em: 20 de ago. 2010.55 STICKLER, Alfons. Die heilige Liturgie. Disponvel em:http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=igreja&artigo=concilio_novus_ordo&lang=bra.Acesso em: 20 de ago. 2010. 19. 19Orientais manifestaram seu desconforto com as mudanas na liturgia56, uma vez que o ncleoda reforma atingiu justamente os pontos em comum com estas famlias litrgicas57.2.1.1 As prescries da Sacrosanctum ConciliumOs fundamentos teolgicos para a reforma do rito romano esto, sobretudo, no artigo 2 daSacrosanctum Concilium. Nele estabelecido como a liturgia deveria expressar a naturezaterreno-celestial da Igreja, evidenciando um vnculo estreito entre eclesiologia e liturgia.Os critrios do que poderia e deveria ser reformado esto no artigo 21: a liturgia compe-sede uma parte imutvel, porque de instituio divina, e de partes suscetveis de mudanas58.Tambm previsto que: textos e cerimnias devem ordenar-se de tal modo, que de fato ex-primam mais claramente as coisas santas que eles significam59, sempre de acordo com quefoi estabelecido no artigo 2. J o artigo 23 prev uma precisa investigao teolgica, histricae pastoral a fim de alcanar uma justa relao entre tradio e progresso.Convm assinalar que as normas prticas para a tarefa da reforma surgem da naturezadidtica e pastoral da liturgia60, de modo que do nmero 33 ao 36 so postas indicaesque evidenciam o carter simblico do culto majestade de Deus61, a saber: harmonia dosritos, pregao e catequese mistaggica e o uso do latim.56 Cf. STICKLER, Alfons. Acesso em: 20 de ago. 2010.57 Cf. CAIZARES, Antonio. In: BUX, Nicola. La reforma de Benedicto XVI: la liturgia entre la inovaciny la tradicin. Trad. Stella Maris Correa. Madri: Ciudadela Libros. 2008. p. 16.58 SACROSANCTUM CONCILIUM. Documentos do Conclio Ecumnico Vaticano II. 3 ed. So Paulo: Pau-lus. 2004. 21. p. 43.59 Ibidem.60 STICKLER, Alfons. op. cit.61 Indicao em consonncia com o Conclio de Trento, preocupado em proteger patrimnio simblico-mistaggico do culto protestante - racionalista e inspido. 20. 20A reviso do rito pedida somente no artigo 50. A simplificao requerida no consiste emenxugar o rito, mas em manifestar mais claramente a natureza especfica de cada uma dassuas partes bem como a sua mtua conexo62.No se encontra uma linha sequer sobre a orientao da liturgia assunto do prximo captu-lo , recomendaes para que a Santa Missa seja celebrada toda em vernculo, ou apologias criatividade litrgica.2.1.2 A criatividade litrgicaTalvez pela quantidade de opes e variantes no rito, ou quem sabe por um suposto carterantropocntrico do Missal de Paulo VI, a criatividade litrgica uma caracterstica marcantenas celebraes eucarsticas ps-conciliares. Segundo o Card. Ratzinger, os conceitos, (...)da nova viso sobre a liturgia podem ser resumidos nestas palavras-chave: criatividade, li-berdade, festa, comunidade63.Certamente a anarquia litrgica no era pretendida pelos padres conciliares, to pouco pelosmembros da Consilium. De fato o nmero 22 da Sacrosanctum Concilium diz com muita cla-reza: ningum mais, mesmo que seja sacerdote, ouse, por sua iniciativa, acrescentar, supri-mir ou mudar seja o que for em matria litrgica64. A equipe do Pe. Bugnini desejava, ani-mada pelas descobertas da arqueologia litrgica, eliminar do rito romano todo acrscimo me-dieval e renascentista65 em vista da reconstruo de um rito puro, livre de toda contaminaohistrica, ou seja, um rito universal. Entretanto, o processo de uniformizao iniciado caiu62 SC. 50. p. 54.63 RATZINGER, Joseph. In: GALEOTTI, Alessandro. Davanti al protagonista alle radici dela liturgia.Trad. Ellero Babini; Carlo Fedeli. Milo: Cantagalli: 2009. p. 81.64 SC. 22. p. 44.65 Cf. RATZINGER, Joseph. Introduo ao esprito da liturgia. Trad. Jana Almeida Olsansky. 2 ed. gueda,2006. p. 122. 21. 21no seu prprio inverso: o rito foi maioritariamente dissolvido, devendo ser substitudo pelacriatividade das comunidades66.A equipe de expertos no levou em conta que a liturgia latina fruto da evoluo orgnica detradies apostlicas67 e que, portanto, s sagrada se no feita por mos humanas, por-que, de outro, seria idolatria68. O Card. Ratzinger conclui que a liturgia no pode ser frutoda nossa fantasia e criatividade pois assim, seria apenas um grito na escurido ou sim-plesmente uma afirmao de ns prprios69.2.1.3 A hermenutica da continuidade e a hermenutica da descontinuidadeSegundo afirmou o Papa Bento XVI, no j citado discurso Cria Romana, para entender eaplicar o Conclio Vaticano II existe duas chaves de leitura contraditrias que se e embatementre si70.A primeira a hermenutica da descontinuidade, que promoveu uma ruptura entre a Igrejapr-conciliar e a Igreja ps-conciliar. Os prprios termos pr e ps conciliar indicam estadescontinuidade.Apesar de possurem opinies diametralmente opostas sobre eclesiologia, ecumenismo e li-turgia, tanto os promotores da missa-banquete e da criatividade litrgica como os chamadostradicionalistas que rejeitam parcial ou integralmente o Conclio interpretam o Vaticano II luz dessa hermenutica de ruptura. Isto significa que ambas as posturas radicais esto margem da compreenso que o Magistrio tem sobre si.66 RATZINGER, J. 2006. p. 122.67 Ibidem. p. 122-123.68 BUX, N. 2008. p. 35.69 RATZINGER, J. op. cit. p. 15.70 Cf. BENTO XVI. Acesso em: 20 de ago. 2010. 22. 22J a hermenutica da continuidade, ou da reforma, entende a renovao na continuidade donico sujeito-Igreja71. No que diz respeito s intenes conciliares, o Pe. Bux consultor paraas Cerimnias Pontifcias e das congregaes para a Doutrina da F e Causa dos Santos fazendo aluso a So Paulo (ICor 11, 23), afirma que que a liturgia se recebe por tradio,pois um dom. Ela mesma tradio72. Entretanto, acrescenta que a reforma litrgica,em sua concreta realizao, distanciou-se sempre mais desta origem73.2.2 O sentido da reforma da reformaO termo reforma, adotado pela liturgia, pode ser aceitvel ou no: aceitvel se a formacorresponde ao contedo, e no aceitvel se a forma indica outro contedo74. Portanto,segundo a hermenutica da continuidade, reformar tirar o que ofusca a forma a fim de torn-la visvel, ou seja, tornar visvel o rosto da Igreja e o rosto de Jesus75.Tendo em conta o que foi abordado no primeiro captulo, se a reforma ps-conciliar no ex-primiu com perfeio o contedo dogmtico tradicional da Santa Missa, concluir-se-ia queno , em absoluto, perfeita nem est concluda76..Em algumas ocasies,77 o Papa Bento XVI, quando ainda era Prefeito para Congregao daDoutrina e da F, afirmou ser favorvel a uma reforma da reforma. Este tema converteu-seem um campo de batalha com calorosos debates. A questo que se coloca, segundo o Papa,71 Cf. BENTO XVI. Acesso em: 20 de ago. 2010.72 BUX, N. 2008. p. 43-44.73 RATZINGER, J. 2009. p. 191.74 BUX, N. op. cit. p. 70.75 Cf. Ibidem. p. 69.76 Ibidem. p. 137.77 Para citar apenas alguns exemplos, tm-se as entrevistas concedidas a Michel Kubler em 2001 e a Peter See-wald em 1996 e uma carta ao Dr. Heinz-Lothar Barth de 2003. 23. 23diante de todas as evolues e remodelaes da liturgia o que que corresponde nature-za da celebrao e o que que nos afasta dela?78.2.2.1 Distores das intenes de Bento XVIEm princpio, as discusses sobre uma eventual reforma da reforma parece especulao detelogos dmod e de fiis saudosistas sem engajamento pastoral, que se comprazem comdiscusses infrutferas em blogs da internet. Contudo, segundo o Pe. Barthe a reforma dareforma j existe em muitas parquias79.A quantidade de publicaes a respeito e rumores em meios de comunicao especializadosdo fora tese do Pe. Barthe, que recebe o endosso do Pe. Bux e do Card. Caizares, entremuitos outros. No obstante, liturgistas eminentes, como o Pe. Aug80, por exemplo, noacreditam que haja uma reforma em curso e expressam receios de que certas posies conser-vadoras possam contribuir ainda mais para o desajuste litrgico.O fato que em certa ocasio81, quando ainda era cardeal, o Santo Padre afirmou crer queem longo prazo a Igreja Romana dever ter novamente apenas um rito romano (...) celebra-do em latim ou em vernculo, mas completamente na tradio do rito que o precedeu82.Baseados nesta afirmao e em interpretaes de livros e artigos do Santo Padre interpreta-es que mais revelam desejos e opinies pessoais do que uma preocupao sincera com a78 RATZINGER, J. 2006. p. 55.79 BARTH, Claude. La crtica de la reforma. Disponvel em: http://la-buhardilla-de-jeronimo.blogspot.com/2010/10/p-claude-barthe-la-critica-de-la.html. Acesso em: 05 de out. 2010.80 Indica-se apenas este artigo, entretanto o Blog do autor oferece abundantes reflexes sobre o tema. AUGU,Matias. La riforma della riforma liturgica?. Disponvel em: http://liturgia-opus-trinitatis.over-blog.it/article-27843945.html. Acesso em: 3 de ago. 2010.81 Carta ao Dr. Heinz-Lothar Barth de 23 de Junho de 2003.82 RATZINGER, J. 2009. p. 127-128. 24. 24verdade e unidade da Igreja alguns alardeiam que uma reforma no missal iminente ou queo Sumo Pontfice simplesmente revogaria o missal de Paulo VI.Suposies desta natureza carecem de qualquer fundamento. Os defensores da reforma dareforma, especialmente o primeiro deles, o Papa, no desejam promove-la com textos, de-cretos, ou um novo Missal que unisse os dois ritos, um Missal de Bento XVI que se agregasseaos missais de So Pio V e o de Papa Paulo VI83.Sobre a possibilidade de descartar o novo missal, o sucessor de Pedro afirma que as dificul-dades e alguns abusos assinalados no podem ofuscar a excelncia e a validade da referidarenovao litrgica, que contm riquezas ainda no plenamente exploradas84.Quando justamente a artificialidade da reforma ps-conciliar alvo de crticas, em certa me-dida reconhecida pelo prprio Pe. Bugnini85, os defensores de uma reforma da reforma ne-cessitam observar que evoluo da liturgia no pode ser projetada em gabinetes, por comis-ses que levam em conta apenas a utilidade pastoral e sua aplicabilidade prtica; deve-se tero devido respeito pelo peso que os sculos carregam consigo e avaliar as decises com todacautela possvel86.Perguntado por Peter Seewald se uma reforma da reforma necessria para que se recupereo sentido do sagrado perdido em muitos lugares, o Card. Ratzinger indica critrios para umaeventual nova reforma: a primeira coisa resistir tentao de um agir desptico (...). O segundo passo consistir em avaliar onde existem cortes drsticos para restaurar de modo claro e orgnico a conexo com a histria. Eu mesmo falei neste sentido em reforma da reforma. Mas, no meu modo de ver, tudo isto deve ser precedido de um pro- cesso educativo87.83 BARTH, C. Acesso em: 05 de out. 2010.84 SACRAMENTUM CARITATIS. Exortao Apostlica Ps-Sinodal. 3 ed. So Paulo: Paulinas, 2007. p. 6. 3.85 Cf.BARTH, C. op. cit.86 RATZINGER, J. 2009. p. 113.87 Ibidem. p. 114. 25. 252.2.2 Proposta de Bento XVI: um novo movimento litrgicoAs propostas do Papa Bento XVI, como demonstrado, no caminham na direo de mudanasradicais e unilaterais na liturgia. Uma reforma da reforma luz da hermenutica da conti-nuidade trata-se, em concreto, de ler as mudanas queridas pelo Conclio dentro da unidadeque caracteriza o desenvolvimento histrico do prprio rito, sem introduzir artificiosas rup-turas88. Penso, portanto, que uma nova sensibilidade no confronto com a realidade litrgica e de seu mistrio, junto a uma nova educao litrgica, sejam a primeira coisa a fa- zer. No necessrio pensar em mudanas imediatas. Se se reencontra uma compre- enso mais profunda, as mudanas ocorrem necessariamente89.Fica claro, portanto, que uma reforma da reforma ser a concluso natural de uma verdadei-ra educao litrgica. Isto no significa cair em rubricismo. Conhecer a liturgia no se limitaem decorar as normas da ao litrgica, mas sim em conduzir para a verdadeira actio, quefaz da Liturgia o que ela ; conduzir para o poder transformador de Deus, o qual, atravs doacontecimento litrgico, queria transformar os homens e o Mundo90.Finalmente, o desejo do Santo Padre criar um novo movimento litrgico, como ele mesmodeixou claro no prefcio de seu Introduo ao esprito da liturgia: caso esse livro consigaser um novo estimulo para um movimento litrgico diferente, um movimento para a execu-o correcta da Liturgia no seu exterior e interior, ento seria cumprida satisfatoriamenteminha inteno91. Precisamos de um novo comeo que se origina do ntimo da liturgia,como desejou o movimento litrgico quando se encontrava no apogeu de sua verdadeira es-sncia92.88 SACRAMENTUM CARITATIS. p. 6. 3.89 RATZINGER, J. 2009. p. 57.90 Idem. 2006. p. 130.91 Ibidem. p. 6.92 Idem. op. cit. p. 191. 26. 262.3 Medidas concretas j tomadas em vista de um novo movimento litrgicoA primeira medida foi tomada em outubro de 2007, quando o prefeito da Congregao para oCulto Divino, o Card. Arinze, escreveu para todas as conferncias episcopais do mundo, emconcordncia com a Instruo do ano 2001 Liturgiam Authenticam, do Card. Estevez, quepedia uma reviso na traduo dos livros litrgicos, ordenando a correo nas edies emvernculo da expresso pro multis, muitas vezes traduzida como por todos93.A segunda ao parte da Congregao para o Clero. Em setembro de 2006 foi erigido o Insti-tuto Bom Pastor, uma sociedade de vida apostlica que celebra a Missa exclusivamente naforma anterior ao Conclio. Depende ao mesmo tempo da Comisso Ecclesia Dei e da Con-gregao para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostlica,94.Em maro de 2007 o Santo Padre deu a conhecer a Exortao Apostlica ps-Sinodal Sacra-mentum Caritatis. Nela, o Papa Bento XVI reitera o dever dos sacerdotes em obedecer asnormas litrgicas na sua integridade, pois precisamente este modo de celebrar que, hdois mil anos, garante a vida de f de todos os crentes95. Indica tambm, na segunda partedo documento, critrios para a ars celebrandi. Recomenda o uso do latim em concelebraesinternacionais e a recitao de ao menos algumas partes fixas do cnon neste idioma.No sentido concreto de uma reforma, a Sacramentum Caritatis expressa o desejo de colocar asaudao da paz em outro momento da celebrao e pede s conferncias episcopais aprova-rem textos que expressem melhor o significado da despedida ite, missa est96.93 Cf. Revista Brasileira de Histria das Religies ANPUH REVISTA BRASILEIRA DE HISTRIA DASRELIGIES. Anais do II encontro nacional do GT histria das religies e das religiosidades. Disponvelem: http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/rbhr/bento_XVI_e_a_hermeneutica_da_continuidade.pdf. Acesso em: 10de mar. 2010.94 Cf. Ibidem.95 SACRAMENTUM CARITATIS. 38. p. 60.96 Ibidem. 49. p. 73. e 51. p. 76. 27. 27Ainda em 2007 o Papa promulgou o Moto Prprio Summorum Pontificum, dando liberdade atodo padre para celebrar a missa tridentina sem a prvia permisso do bispo, como era anteri-ormente acordado97. O documento insiste que o missal de Pio V e o missal de Paulo VI soduas expresses de um nico Rito Romano, a primeira em sua forma extraordinria e a se-gunda em sua forma ordinria.Em 1999, ainda como Cardeal, o Papa escreveu ao Pe. Aug afirmando que nesta situao, apresena do missal anterior poder se tornar um baluarte contra as alteraes da liturgia,infelizmente frequentes, e ser, deste modo, ser um verdadeiro apoio para a reforma98.O Motu Prprio uma resposta a quantos, tradicionalistas e inovadores, que tenham afir-mado que o antigo rito romano morreu com a reforma litrgica e que nasceu outro em des-continuidade99.Ademais de todo o exposto, importante ressaltar o exemplo que o Santo Padre d nas cele-braes que preside publicamente. A este respeito o Mestre de Celebraes Litrgicas Pontif-cias, Guido Marini, menciona um elemento de vital importncia: as mudanas a que voc serefere devem ser lidas sob o signo de uma evoluo em continuidade com o passado, incluin-do o mais recente, lembro-me de um em particular: a localizao da cruz no centro de al-tar100.97 Cf. Revista Brasileira de Histria das Religies. Acesso em: 10 de mar. 2010.98 RATZINGER, J. Respuesta del Cardenal Ratzinger al Padre Aug. Disponvel em: http://la-buhardilla-de-jeronimo.blogspot.com/2010/09/una-interesante-carta-inedita-del.html. Acesso em: 10 de out. 2010.99 BUX, N. 2008. p. 84.100MARINI, Guido. Desde la Liturgia se pone en marcha la renovacin de la iglesia. Disponvel em:http://la-buhardilla-de-jeronimo.blogspot.com/2009/02/desde-la-liturgia-se-pone-en-marcha-la.html. Acesso em:23 de maio. 2009. 28. 283 A ORIENTAO LITRGICAA questo da orientao litrgica, ou seja, para onde o sacerdote e os fiis devem dirigir seusolhares durante a celebrao eucarstica, tornou-se uma das principais polmicas ps-conciliares101. Segundo o Santo Padre, o debate sobre a posio correta do altar, do crucifi-xo e do sacerdote durante a Celebrao Eucarstica no se trata de algo casual, mas simsubstancial102.3.1 Orientao na liturgiaSegundo o dicionrio Houaiss orientao consiste no ato ou efeito de orientar(-se), de di-recionar(-se) para o Oriente 103. Na Igreja antiga, a orao voltada para o Oriente semprefoi vista como uma tradio apostlica (...) e como uma caracterstica essencial da liturgiacrist104. Entretanto, desde 1964, com a publicao da Instruo Inter Oecumenici, acres-centa orientao tradicional da liturgia a possibilidade do sacerdote celebrar a Missa voltadopara o povo - versus populum.Quando os cristos dirigiam seus olhares para o Oriente, semelhana do culto sinagogal quese voltava na direo do Templo de Jerusalm, buscavam a Cristo lugar da Schekhina re-presentado pelo Sol nascente. A analogia feita entre Jesus Glorioso e o Sol Invictvs no eraum culto ao Sol, pois o Cosmos que fala de Cristo105. De fato, ela encontra apoio em di-versas passagens da Sagrada Escritura106. Dizia S. Clemente de Alexandria: O oriente a101RATZINGER, Joseph. Introduo ao esprito da liturgia. Trad. Jana Almeida Olsansky. 2 ed. gueda:Paulinas, 2006. p. 53.102Ibidem. p. 60.103DICIONRIO HOUAISS DA LNGUA PORTUGUESA. Instituto Antnio Houaiss. Objetiva, 2007. 1 CD.104RATZINGER, J. op. cit. p. 51.105Ibidem.106pe-te em p, resplandece, porque a tua luz chegada, a glria de Iahweh raia sobre ti (Is 60, 1); poisassim como o relmpago parte do oriente e brilha at o poente, assim ser a vinda do Filho do Homem (Mt 29. 29imagem do dia que nasce. deste lado tambm que cresce a luz, a qual em primeiro lugar fazdesaparecer as trevas (...). Por isto, normal que se dirijam as oraes rumo ao nascimentoda manh107.A definio que Pio XII deu liturgia culto pblico integral do mstico Corpo de JesusCristo, isto , da cabea e dos seus membros108 evidencia o protagonismo de Cristo naao litrgica. Entende-se sob actio da Liturgia a orao eucarstica. A verdadeira acolitrgica, o verdadeiro acto litrgico a oratio109. A liturgia eucarstica, por sua vez, con-cretiza-se no olhar fixo em Jesus, ela o olhar fixo em Jesus110. Portanto, Ele torna-se oculto dos seus, enquanto esses se juntam nele e em volta dele111. Na liturgia o homem no sevolta sobre si, no se interioriza em seu prprio esprito; Deus que dirige seu olhar e Elevoam todas as suas aspiraes112.Poder-se-ia argumentar em contrapartida que Deus puramente espiritual, que existe em to-dos os lugares e, portanto, mesmo a Orientao Litrgica sendo herana da tradio sinago-gal113 e indiscutivelmente patrimnio de todas as famlias litrgicas crists114, trata-se de umelemento acessrio que perdeu seu uso no rito romano 115.A tese descrita no leva em conta o carter mistaggico da liturgia. Deve-se ter presente queo smbolo no um sinal arbitrrio e intencional de um fato conhecido e compreensvel,24, 27); graas ao misericordioso corao do nosso Deus, pelo qual nos visita o Astro das alturas (Lc 1, 78);temos, tambm, por mais firme a palavra dos profetas, qual fazeis bem em recorrer como a uma luz quebrilha em lugar escuro, at que raie o dia e surja a estrela dalva em nossos coraes (2Ped 1, 19); Dar-lhe-ei ainda a Estrela da manh (Ap 2, 28); vi tambm outro Anjo que subia do Oriente com o selo do Deus vivo(Ap 7, 2); Eu sou o rebento da estirpe de Davi, a brilhante Estrela da manh (Ap 22, 16).107Disponvel em: http://praelio.blogspot.com/2009_06_01_archive.html. Acesso em 10 de jun. 2010.108DENZINGER, Heinrich; HNERMANN, Petrus. Compndio dos smbolos: definies e declaraes de fe moral. Trad. Jos Marino e Johan Konings. So Paulo: Paulinas: Loyola, 2007. 3841. p. 840.109RATZINGER, J. 2006. p. 127.110Ibidem. p. 53.111Ibidem. p. 47.112Cf. GUARDINI, Romano. El espritu de la liturgia. Trad. Josep Urdeix. 2 ed. Barcelona: Centre de PastoralLitrgica, 2006. p. 65-66.113Cf. RATZINGER, J. op. cit. p.48-49.114Cf. Ibidem. p. 55-56.115Os catlicos de rito maronita tambm assumiram a possibilidade de celebrar a Santa Missa na posio versuspopulum nas comunidades que se encontram no ocidente. 30. 30mas uma expresso de carter reconhecidamente antropomrfico (...) de um contedo sobre-natural116. A natureza pessoal de Deus e seu desgnio de amor salvfico objeto e fim doculto em suas dimenses anabtica e catabtica somente so conhecidos atravs da Revela-o. E, precisamente por essa razo, continua a ser conveniente que a orao crist se di- rija para o Deus que se nos revelou. E, tal como Deus encarnou e entrou no Espao e Tempo, tal conveniente para a orao pelo menos na Missa que o nosso falar com Deus seja encarnador e cristolgico e que, mediante aquele que se encarnou, se dirija a Deus trino117.3.1.1 Dimenso escatolgica da orientao na liturgiaO sol nascente est no lugar de Cristo ressurrecto cujo retorno esperamos no fim dos tem-pos118. O oriente evoca a ascenso de Jesus: l os Apstolos ouviram de dois mensageiroscelestes que Ele voltaria do mesmo modo que partiu para o cu (At 1,9-11). Em suma, o queos cristos esperavam ao ter os olhos fitos no oriente era o retorno em glria e majestade deCristo, vencedor e soberano juiz. A celebrao eucarstica, onde se anuncia a morte do Se-nhor, se proclama sua ressurreio enquanto se espera sua vinda gloriosa, penhor da glriafutura.3.1.2 O Oriente LitrgicoPor diversas razes questes topogrficas, adaptaes de antigos templos pagos, necessi-dade de colocar o altar sobre algum tmulo, perigo de sincretismo, etc. algumas Igrejas daantiguidade, e tantas outras a partir da idade mdia at a contemporaneidade, no foram cons-116JUNG, C.G. O smbolo da transformao na missa. Trad. Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha. 4 ed. Petrpo-lis: Vozes, 2007. p. 5117RATZINGER, J. 2006. p. 56.118HAUKE, Manfred. A santa missa, sacrifcio da nova aliana. Disponvel em:http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=igreja&artigo=santa-missa-sacrificio&lang=bra#_ftn1. Acesso em: 20 de ago. 2010. 31. 31trudas em direo ao Oriente. Nestes casos, j h muitos sculos, o sinal escolhido pelaIgreja para a orientao do corao e corpo durante a liturgia a representao de Jesuscrucificado 119. Onde no era possvel voltar-se coletivamente para o Oriente, a cruz serviacomo Oriente interior da f120.O simbolismo da cruz e do oriente entrelaam-se; ambos so expresso da mesma f, emque a memria de Jesus Pascha se faz presente121.3.1.3 Dimenso csmica da liturgia e Orientao LitrgicaO Sol nascente e os pontos cardeais apontados nas extremidades do crucifixo abrangem sim-bolicamente a totalidade do cosmos e sua correlao com a Histria da salvao122. A nossaorao insere-se assim na peregrinao dos povos rumo a Deus123. O Apocalipse, com o altar do Cordeiro no centro de Jerusalm que desce do cu so- bre a terra, o arqutipo do culto cristo: adorao de Deus por parte do homem e comunho do homem com Deus. O Cnone Romano, na invocao Supplices te ro- gamus, alude ao altar do cu, porque de l desce a graa dAquele que o Ressus- citado e o Vivente, e se realiza o admirvel intercmbio que salva o homem. Cristo o catholicus Patris sacerdos (...). Segundo os Orientais, a presena da Trin- dade confere sinaxe eucarstica a qualidade de assembleia da terra e do cu: a ten- da de Deus com os homens (Ap 21, 3). (...) A presena de Cristo onde os fiis se renem para a Eucaristia faz da terra cu: Este mistrio transforma para ti a terra em cu Mostrar-te-ei, de facto, presente sobre a terra, o que no cu h de mais vene- rvel [...] Mostro-te, no os Anjos nem os Arcanjos, mas o seu prprio Senhor. Portanto, possvel experimentar fortemente o carcter universal e, por assim dizer, csmico (da Eucaristia). Sim, csmico! Porque, mesmo quando tem lugar no peque- no altar de uma igreja da aldeia, a Eucaristia sempre celebrada, de certo modo, so- bre o altar do mundo. Une o cu e a terra. Abraa e impregna toda a criao124.119OFICINA DAS CELEBRAES LITRGICAS DO SANTO PADRE. Disponvel em:http://www.vatican.va/news_services/liturgy/details/ns_lit_doc_20091117_crocifisso_it.html. Acesso em: 10 deaug. 2010.120Cf. RATZINGER, J. 2006. p.62121Ibidem. p. 52.122Cf. Ibidem. p.52.123Ibidem. p. 56.124SNODO DOS BISPOS - XI ASSEMBLEIA GERAL ORDINRIA. A Eucaristia: fonte e pice da vida eda misso da Igreja. Disponvel em:http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20040528_lineamenta-xi-assembly_po.html. Acesso em: 23 de out. 2010. 32. 323.1.4 Catolicidade da liturgia e Orientao LitrgicaH uma evidncia comum para toda a Cristandade, que prevaleceu a todas as variaes atao segundo milnio tardio: a orientao da orao para o Oriente.125. O smbolo csmicodo Sol nascente e da cruz sobre o altar uma expresso riqussima da universalidade da Igrejamanifestada em todas as famlias litrgicas.126.A f comum expressa com clareza que o verdadeiro e nico protagonista Deus, e sinais desua presena e centro so o altar e o Crucifixo, que todos, comunidade e presbtero, devemolhar127.3.2 A legislao vigente e a Orientao LitrgicaNo captulo anterior, afirmou-se que os textos conciliares no fizeram nenhuma referncia Orientao Litrgica. De fato, o primeiro documento que diz algo a respeito a Instruo In-ter Oecumenici de Setembro 1964: convm que a altar-mor seja construdo separado daparede a fim de que se possa facilmente dar a volta em torno dele e celebrar de frente para aspessoas 128.A primeira edio do Missal de Paulo VI to pouco assumiu a posio versus populum. Elaapenas repete no nmero 262 o que a Instruo Inter Oecumenici j havia dito. Entretanto,quando em suas rubricas, especificamente no orate Fratres, no pax Domini, no ecce AgnusDei e no ritus conclusionis, pede que o sacerdote se volte em direo ao povo, fica subtendida125RATZINGER, J. 2006. p. 55-56.126Cf. Ibidem. p. 56.127CAIZARES, Antonio. Disponvel em: http://www.rinascimentosacro.org/2009/12/il-card-canizares-alla-conferenza-di-gubbio/. Acesso em 10 de fev. 2010.128INTER OECUMENICI. Disponvel em: http://www.adoremus.org/Interoecumenici.html. Acesso em: 10 dejan. 2010 33. 33a celebrao versus orientem, segundo atesta o Pe. Weishaupt latinista e canonista, perito doPontifcio Conselho para a Interpretao dos Textos Legislativos129.No ano 2000, a Congregao para o Culto Divino e para a Disciplina dos Sacramentos publi-cou uma nota relativa posio do sacerdote durante a Missa. Explica que a posio versuspopulum parece a mais cmoda na medida em que ela torna mais fcil a comunicao 130.Acrescenta, todavia, que supor que a aco sacrificial deve ser orientada principalmentepara a comunidade seria um grave erro. Se o sacerdote celebra versus populum, coisa legti-ma e frequentemente aconselhvel, a sua orientao espiritual deve estar sempre voltadapara Deus por Jesus Cristo131.No que se refere posio da cruz em relao ao altar, a Instruo Geral do Missal Romanoem sua 3 edio apresenta duas opes: sobre o altar ou ao lado dele, conforme as notas 117,188, 308. Entretanto, quando d indicaes a respeito da incensao notas 49, 75, 123, 144,173, 178, 190, 211, 276 b e d e 277 b afirma que a cruz deve ser incensada antes do altar. Aredao destas notas no IGMR, endossada pela nota 350 acima de tudo h-de prestar-se amaior ateno quilo que, na celebrao eucarstica, est diretamente relacionado com oaltar, como so a cruz do altar e a cruz que levada na procisso132 parece dar preferncia posio da cruz sobre o altar.129Cf. La orientacin de la Liturgia segn la ley vigente. Disponvel em: http://la-buhardilla-de-jeronimo.blogspot.com/2009/09/la-orientacion-de-la-liturgia-segun-la.html. Acesso em: 10 de jan. 2010130BRODBECK, Rafael Vitola. D. Athanasius Schneider, ORC, sobre o mtuo enriquecimento entre aMissa nova e a tradicional, e a reforma da reforma. Disponvel em:http://www.salvemaliturgia.com/2010/11/d-athanasius-schneider-orc-sobre-o.html. Acesso em 01 de out. 2010.131Ibidem.132INSTRUO GERAL DO MISSAL ROMANO E INTRODUO AO LECIONRIO. 2 ed. Braslia:CNBB. 2009. 350. p. 135. 34. 343.3 A proposta de Bento XVIObservou-se no primeiro captulo que o Papa Bento XVI fez duras crticas a formade Cele-brao Eucarstica reduzida exclusivamente categoria de banquete. Credita esta nova com-preenso da natureza da liturgia, em grande parte, direo da celebrao versus populum133.Segundo explica, o sacerdote que se volta para a comunidade forma, juntamente com ela,um crculo fechado em si134 e isso levou a uma clericalizao jamais vista. O sacerdote ou melhor, o agora chamado presidente da celebrao torna-se o ponto de referncia dotodo (...), cada vez menos Deus quem se encontra em destaque135.No obstante, como tambm se verificou, o Santo Padre no favorvel a mudanas artificio-sas. Segundo escreveu, nada to prejudicial para a liturgia como o permanente mexer,mesmo quando se trata de invocaes aparentemente essenciais136.Como telogo, o Card.Ratzinger sublinhou repetidamente que, mesmo durante a celebraoversus populum, o crucifixo deve manter a sua posio central. Sempre considerou imposs-vel imaginar que a representao do Senhor crucificado expresso do seu sacrifcio e, por-tanto, do significado mais importante Eucaristia possa de alguma forma ser um transtor-no137.Recentemente, j como Bento XVI, escreveu a introduo do primeiro volume de sua Ge-sammelte Schriften. Nela, afirmou estar feliz por causa da aceitao da proposta que fez emseu famoso ensaio Introduo ao Esprito da Liturgia: Onde no possvel voltar-se colectivamente para o Oriente, pode a cruz servir co- mo o Oriente interior da f. Ela deveria encontrar-se no meio do altar, sendo o ponto de vista comum para o sacerdote e para a comunidade orante. Assim, seguimos a an- tiga exclamao de orao no limiar da Eucaristia: Conversi ad Dominum138.133Cf. RATZINGER, J. 2006. p. 57.134Ibidem. p. 59.135Ibidem.136Ibidem. p. 61.137OFICINA DAS CELEBRAES LITRGICAS DO SANTO PADRE. Acesso em: 10 de aug. 2010.138RATZINGER, J. op cit. p. 62. 35. 35No dia 28 de dezembro de 2001, em entrevista concedia ao peridico francs La Croix, rea-firmou sua proposta: a cruz pode muito bem substituir o Oriente: se no h a possibilidade de mover o al- tar para que toda a assembleia se oriente em direo ao Sol que nasce, se deveria sempre, ao menos, orientar visivelmente toda a comunidade em direo ao crucifixo colocado sobre o altar (no no alto: os olhares devem se concentrar em Cristo, no no padre)139.Segundo testemunho do Mestre das Celebraes Litrgicas Pontifcias, Mons. Marini o mo-tivo da proposta feita pelo ento Card. Ratzinger, agora reafirmada no curso de seu pontifi-cado, de colocar o crucifixo no centro do altar para que todos, no momento da LiturgiaEucarstica, possam olhar para o Senhor, orientando assim a orao e o corao 140.Quando o sacerdote fala com Deus, no faz sentido que se volte em direo assembleia.Seria melhor que o celebrante estivesse, junto com toda a assembleia, com os olhos fitos nacruz. Um voltar-se ao povo, pelo contrrio, seria conveniente para a proclamao da Palavrade Deus e para comunicao da graa nas saudaes, bno e distribuio da Comunho141.Tornar-se-ia assim novamente cheia de significado a distino entre a liturgia da palavra eo cnon142.Portanto, conforme assegura o Pe. Bux, esta proposta do Papa Bento XVI muito importan-te como uma forma de prosseguir a reforma litrgica, que no se acaba, que continua sem-pre, em todas as geraes143.139RATZINGER, J. 2009. p. 180.140MARINI, G. Disponvel em: http://la-buhardilla-de-jeronimo.blogspot.com/2009/11/el-autentico-espiritu-de-la-liturgia.html. Acesso em: 02 de mar. 2010.141Cf. HAUKE, M. Acesso em: 20 de ago. 2010.142RATZINGER, J. 2009. p. 224.143BUX, N. Despropsitos litrgicos contemporneos: antropocentrismo litrgico. Disponvel em:http://sacramliturgiam.blogspot.com/2010_05_01_archive.html 26/10/10. Acesso em: 26 de out. 2010. 36. 36CONCLUSODesde os anos do Conclio, da discusso sobre a Constituio litrgica do Vaticano II, e de-pois o encaminhamento da reforma ps-conciliar para alm do que tinha ficado decidido edas intenes dos Padres Conciliares Joseph Ratzinger teceu sem rodeios consideraesoriginais e contracorrente. Importa salientar que as posies do cardeal no se assemelham deforma alguma s de grupos tradicionalistas como o de D. Lefebvre. Ratzinger no tem, nemnunca teve, inteno de regressar ao passado. No um saudosista aguerrido cujo sonho derrubar os altares despegados da parede, nem reintroduzir o ritual de So Pio V. Pelo contr-rio, foi um precursor e admirador do Movimento Litrgico. Ainda assim, afirmou no com-preender o motivo do o antigo rito tridentino ter sido abandonado com tanta rapidez e de for-ma to definitiva.Na introduo de sua recm-publicada Opera Omnia, o Papa Bento XVI diz: A liturgia daIgreja tem sido para mim desde a minha infncia, a atividade central da minha vida144.Ainda no prefcio, o Santo Padre comenta as controvrsias que surgiram aps o seu livro In-troduo ao Espirito da Liturgia. Confidencia que chegou a pensar em retirar da obra o capi-tulo III da 2 parte, o altar e a orientao da orao na liturgia, uma vez que muitos reduzemsua reflexo a um desejo de ver novamente a Missa celebrada de costas para o povo145.O sentido da reforma da reforma que o Santo Padre prope para a liturgia est em olhar parao passado, receb-lo e renov-lo. Ela no pode ser fruto da nossa fantasia e criatividade 144Disponvel em: http://www.salvemaliturgia.com/2010/10/bento-xvi-liturgia-da-igreja-tem-sido.html. Acessoem: 20 de out. 2010.145Cf. Ibidem. 37. 37pois assim, seria apenas um grito na escurido ou simplesmente uma afirmao de ns pr-prios146.Finalmente, pode-se concluir com o Papa Bento XVI: cabe a cada gerao avaliar o que sepode melhorar para estar sempre conforme as origens e o verdadeiro espirito da liturgia. Eeu penso que seja efetivamente uma pauta para nova gerao um reformar a reforma147.146RATZINGER, Joseph. Introduo ao esprito da liturgia. Trad. Jana Almeida Olsansky. 2 ed. gueda:Paulinas, 2006. p. 15.147Idem. In: GALEOTTI, Alessandro. Davanti al protagonista alle radici dela liturgia. Trad. Ellero Babini;Carlo Fedeli. Milo: Cantagalli: 2009. p. 181. 38. 38REFERNCIAS BIBLIOGRFICASBUX, Nicola. La reforma de Benedicto XVI: la liturgia entre la inovacin y la tradicin.Trad. Stella Maris Correa. 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