a questão atual da fosfoetanolamina como potencial agente antitumoral

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W agn er R i car do  a d ici o n o u 5 n ovas fot o s . 16 de ou t ubro à s 13 : 02  · E di t ado· A ten de ndo a pe di do s de ami gos, al un os e segu idores, segu em al gu m as i nform açõe s qu e au xi liam a c om pr ee nd er a q u estãoat u al da f os f o et an o la m ina co m o p ote nc i a l a ge nte a n t it u m o r a l Q u ais sã o o s t e st e s p e l o s q u ais af o sf o et a n o lamin a já pa sso u e o qu e si g n i cat e r ti d o su cesso ne stestes t es ? U m do s ca m inhos pa ra a de scob er t a de no vos fár m acos éinici ar os estudos in vi t ro e sub sequent em en te em ani m ais de exp erim en t açã o, an t es d os testes clíni cos. O cam i nh o inver so só exi st e q ua nd o setrat a d e u m sup l em ento alim en tar ou um m ed i cam en t o q uej á é u sa do pa r a o utra co nd i çã o e qu e port an t o já tem os i n f or m ão d e se gu ra a. E st ud ar in vitro si g n i c a e st u d ar n o la b o r a t óri o , f o ra d e o r g a n ism o s vi vo s, n o ca so e m cu l t u ra de células. C ulturas de lula s s ão l u la s m a nti da s vivas, p r o li f er a n d o , f o ra d o co r p o h u m a n o , p o r exem pl o, em uma sit ua ção de l ab oratóri o, em um a p laca, m uito semelhante à qu elas usa da s p ara cr escim en to de ba ctéri as. N o caso de est ud os decâncer, usa m os células deri vad as d e t um o r es . O s t u m oressão p rovenientes decirur gi as e bi óp sias, o de sm em br ad os em cél ulas e e st as são col oca da s em pl acas com um m ei o nutri ci onal (m ei o d e cultura) e a condici on adas emi ncu ba dor as q ue si mulam as necessi da des siol óg ica s ( t e m p eratura, umi d ade, ga se s) . A s cé lulas ad er em a o f un d o d a p laca e n ã o só se m antêm vi vas, m as f azem mitoses e se com por t am de m aneir a m uit o sem elhan t e a o qu e se e nco ntra nos or ga ni sm os vivos, sendo po r t an t o um ót i m o m odel o p ara e st udo d o ef e ito d e d if e r e n t e s m o léculas (veja a q u i f o to s e g u r a s il u str a ti va s d e l u l a s e m cult u r a ) E m b o ra p o ssa m o s a va li ar o e f e it o d e m o l é cu las so b re a p r o lif e ra çã o in vi tro d e sta s c él u l a s, t em os q uelevar em cont a um a sé ri e d e a spect os: - est as cél ul as n ãoestã o e m se u m icr oa m bi en t e nor m a l, l og o res po st as d i f er e ntes p od e m ser en contr ad as ( est ão cr esce nd o em um plástico) - est as cél ulas cr escem em mon ocam ad a, ad erida à p laca, um a d isposição qu e nãoé encon t rada no organi sm o e em m ono cam ada cam mui t o m ais expost as a qual que r m o l éc ul a q ue se j a a di ci on ada ao meio de cul t ura. - est as cél ulas são t od as de ri vad asexcl us i vam e nte da s cé lulas do t um o r, o qu e o a co n tece n o o r g a nism o , o n de rios o u t r o s tip o s ce l u l a r e s e st ã o p r e se n t e s. - aq ui a m olécula em estudo é col oca dano m eio decul t ura qu e está di retamente sob r e as lul a s t u m o r a i s e n o o r g a ni sm o teria q u e se d istri b uir p o r t o d o o co r p o e t a l ve z n ã o che ga sse ad eq ua da m en t e às cé lulas d e i nter esse . D e umm od o g eral, é mui t o com um encontrar m oléculas queinibema proli f er açã o de lul a s e mcul t u r a , p o r co n t a d estas fr a g ili d a d e s t o d a s. P ratica m e n t e q u a l q u e r m o cu la e m co n ce ntr a çõ e s e l e va d a s, i n ibe a pr o lif e r ão d e sta s cé lul a s, p oi s r e p r e se n t a u m a ag r es o m uito di ret a. E u co stum o brincar qu e a té leite co nd en sa doou um extr at o d e t o b l e ro n e se c o l o ca d o n o m e io de cult u ra i n i b iri a a p r o li f er a çã o d e st a s cé l u las, m a s t e m o s qu e t er m u ito cu ida do , po r q ueisto o qu er dizer qu e l e ite co n de ns ad o e t o bler on e se j am a g e n t es a n tit u m o r a is. A s co n di çõ e s de cu l t ur a d e i xa m a s cé l u l a s m u ito m a i s f g eis em a i s r es po ns i vas às m ol éc u l as t es t ad as.

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7/26/2019 A Questão Atual Da Fosfoetanolamina Como Potencial Agente Antitumoral

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Wagner Ricardo adicionou5 novas fotos.16 de outubro às 13:02 ·Editado·

Atendendo a pedidos de amigos, alunos e seguidores, seguem algumas informações queauxiliam a compreender a questão atual da fosfoetanolamina como potencial agente

antitumoralQuais são os testes pelos quais a fosfoetanolamina já passou e o que significa ter tidosucesso nestes testes?

Um dos caminhos para a descoberta de novos fármacos é iniciar os estudos in vitro esubsequentemente em animais de experimentação, antes dos testes clínicos. O caminho

inverso só existe quando se trata de um suplemento alimentar ou um medicamento que jáé usado para outra condição e que portanto já temos informação de segurança. Estudar in

vitro significa estudar no laboratório, fora de organismos vivos, no caso em cultura decélulas.

Culturas de células são células mantidas vivas, proliferando, fora do corpo humano, porexemplo, em uma situação de laboratório, em uma placa, muito semelhante àquelasusadas para crescimento de bactérias. No caso de estudos de câncer, usamos célulasderivadas de tumores. Os tumores são provenientes de cirurgias e biópsias, sãodesmembrados em células e estas são colocadas em placas com um meio nutricional(meio de cultura) e acondicionadas em incubadoras que simulam as necessidades

fisiológicas (temperatura, umidade, gases). As células aderem ao fundo da placa e não sóse mantêm vivas, mas fazem mitoses e se comportam de maneira muito semelhante ao

que se encontra nos organismos vivos, sendo portanto um ótimo modelo para estudo doefeito de diferentes moléculas (veja aqui fotos e figuras ilustrativas de células em cultura)

Embora possamos avaliar o efeito de moléculas sobre a proliferação in vitro destas células,temos que levar em conta uma série de aspectos:

- estas células não estão em seu microambiente normal, logo respostas diferentes podemser encontradas (estão crescendo em um plástico)- estas células crescem em monocamada, aderida à placa, uma disposição que não éencontrada no organismo e em monocamada ficam muito mais expostas a qualquer

molécula que seja adicionada ao meio de cultura.- estas células são todas derivadas exclusivamente das células do tumor, o que não

acontece no organismo, onde vários outros tipos celulares estão presentes.

- aqui a molécula em estudo é colocada no meio de cultura que está diretamente sobre ascélulas tumorais e no organismo teria que se distribuir por todo o corpo e talvez nãochegasse adequadamente às células de interesse.

De um modo geral, é muito comum encontrar moléculas que inibem a proliferação decélulas em cultura, por conta destas fragilidades todas. Praticamente qualquer moléculaem concentrações elevadas, inibe a proliferação destas células, pois representa umaagressão muito direta. Eu costumo brincar que até leite condensado ou um extrato detoblerone se colocado no meio de cultura inibiria a proliferação destas células, mas temosque ter muito cuidado, porque isto não quer dizer que leite condensado e toblerone sejam

agentes antitumorais. As condições de cultura deixam as células muito mais frágeis e mais

responsivas às moléculas testadas.

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Só nos últimos 3 anos, na tese de doutorado de uma aluna minha, testamos 4 moléculasderivadas de produtos naturais e as 4 inibiram a proliferação de tumores de mama emcultura, mas isto é apenas um primeiro teste e não quer dizer muita coisa. Todos os diasestamos encontrando moléculas com este potencial nos laboratórios e não é este olimitante, mas as etapas seguintes. Não nos faltam moléculas potenciais.

Outro aspecto que temos que levar em conta é o papel que esta molécula devedesempenhar. Eu gosto de comparar células tumorais a bactérias para discutir potenciais

agentes inibidores. As bactérias são seres bastante diferentes de nós e emboracompartilhemos de várias vias metabólicas comuns, sempre existem algumas específicasque só nós fazemos e que só as bactérias fazem. Ai está a grande brecha para odesenvolvimento de antibióticos, que neste caso, é muito fácil, quando comparado aquimioterápicos. Basta encontrar vias específicas das bactérias e desenhar um inibidor. Senós não temos as vias, não temos problemas em usar a molécula. O problema é que ocâncer é um conjunto de células alteradas, mas são NOSSAS células alteradas. Por mais

que sejam alteradas, é muito difícil encontrar grandes diferenças entre elas e nossascélulas normais, o que dificulta o desenvolvimento de moléculas inibidoras de proliferação.Já encontramos milhares de alvos a serem inibidos nos tumores e que resolveriam o

câncer, mas são alvos que também estão presentes em nossas células normais e nosmatariam ou provocariam significativos efeitos adversos, como é mesmo o caso

frequentemente, por falta de alternativa.

Voltando agora para as células em cultura, lembro todos que como eu disse, lá só temcélulas derivadas do tumor. Todas as células são tumorais e matar todas aquelas células écomemorado com entusiasmo, mas esquece-se de um ponto primordial. Esta molécula emteste, mata APENAS as células tumorais? Foi testada em células normais? Percebem o

quanto é limitado o sucesso dos experimentos em cultura? Mas percebem o risco queexiste de uma empolgação natural com estes experimentos prévios? Trabalho com istodesde 1998 e digo que diversas vezes já testei moléculas que matam as células tumorais,pois quase qualquer molécula, dependendo da concentração usada, o faz, mas matariatambém as células normais.

Avaliar o potencial destas moléculas em cultura é importante e empolgante, mas é apenasuma das etapas.

O estudo em animais de experimentação para câncer especificamente também apresentaproblemas semelhantes. O que se faz geralmente é utilizar camundongos chamados nude,

que não têm pelos porque são modificados geneticamente e também não têm sistemaimune. Injetamos células tumorais destas em cultura mesmo no dorso destes animais, nosubcutâneo e acompanhamos o tumor. Se este camundongo tivesse sistema imune ativo,ele eliminaria o tumor naturalmente, porque seriam células humanas em um outro animal,algo facilmente reconhecido como estranho. Estudar estes tumores no subcutâneo doanimal, permite saber se a molécula injetada na corrente sanguínea ou administrada

oralmente ao animal chega adequadamente ao tumor, se distribui como esperado e algunsparâmetros a mais, mas mais uma vez, é uma condição muito diferente da real. Muitas

vezes ficamos insistindo em várias tentativas para o tumor crescer no animal. Não é fácil!O tumor pode ser eliminado espontaneamente pelo animal e se você não fizer todos os

controles adequadamente e não tiver muita experiência no que está fazendo, vai ver que otumor sumiu, mas não foi o fármaco usado que gerou isto. Estas células injetadas no

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animal estão muito mais fragilizadas do que as células do próprio animal, porque estãofora do seu microambiente. Se você injetar algo citotóxico no animal mas não letal, énormal que estas células fragilizadas sofram com a toxicidade antes do animal edesapareçam, mas não significa que houve eliminação específica do tumor. Você pode terdeixado o animal em frangalhos, comprometido. Ter eliminado o tumor e deixado o

camundongo “vivo” não quer dizer que pode ser usado em humanos e nem que éespecífico.

Os controles laboratoriais são sempre muito mais importantes do que qualquer outra coisano laboratório. Se você não tem bons controles você próprio pode ter a ilusão de terconseguido qualquer coisa. Vi publicações em que utilizaram modelos animais de tumores,mas o quanto estes modelos, como de tumor de Ehrlich, representam tumoresencontrados em humanos? Podem representar alguns, mas não todos. É difícil generalizar.

Me lembro que passou no fantástico a queixa de que para validar a fosfoetanolamina como

medicamento precisaria de estudos com médicos. O aluno que desenvolveu a tese dedoutorado no tema é médico e disse que se querem médico, ele próprio é, então estáresolvido. NÃO É ISSO!!! Não importa a formação de quem fez estes testes in vitro e em

animais. Muitos profissionais são habilitados a fazer pesquisa nesta área e temos médicos,biólogos, farmacêuticos, químicos. O que quiseram dizer que precisam de médicos é para

os testes CLÍNICOS, em pacientes e indivíduos saudáveis.

Os órgãos regulatórios, incluindo a ANVISA, só vão liberar testes em pacientes se todosestes testes em cultura e em animais forem considerados aprovados. Eu acredito queseguiram controles rígidos, feitos com o melhor das boas práticas de laboratório, testandocélulas tumorais e também normais, garantindo que a concentração usada da moléculanão é letal para células normais. Os testes em animais precisam mostrar que a moléculanão é tóxica para nenhum órgão, principalmente fígado e rins, na administração aguda econtínua, em doses diferentes, e não só que fez o tumor desaparecer do dorso do

camundongo, ou que funcionou para um modelo ou outro de câncer. Seria interessantefocar em um tipo específico de tumor ou então fazer muito mais estudos para dizer que a

ação é global contra qualquer tipo de tumor.

Eu NÃO SEI se tudo isto foi feito pelas normas internacionais e não sei porque não foiainda aprovada a continuidade dos estudos em humanos, porque ao que me parece, pelasdeclarações nem tudo foi publicado. Eu tive de início bastante dificuldade de encontrar os

papers do grupo, porque buscava por um nome que estava aparecendo na mídia e nãoencontrava, mas hoje, encontrei algum material e li dois papers interessantes. Sãopromissores, parece que foram feitos adequadamente, mas não isenta de pular a faseclínica da pesquisa. Não tem como pular direto dos estudos em cultura e animais parapacientes assim desta forma.

Ver que mata células tumorais em cultura e faz sumir o tumor que tinha sido injetado no

dorso do animal está anos luz de distância de dizer que desenvolveu um medicamento praqualquer coisa, ainda mais para câncer que não é uma doença única.

Existem legislações rigorosas que impedem um cientista de testar qualquer coisa em

humanos antes de passar por todos estes trâmites e aprovações, justamente para protegeros seres humanos de moléculas que matam o tumor mas também matam o paciente.

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Do ponto de vista da Ética, existe uma coisa chamada uso compassivo, que é quando umfármaco já desenvolvido para uma doença e nunca testada em outra vai ser utilizado paraesta outra, porque seria uma última alternativa, em um paciente terminal, mas ainda assim,geralmente o uso compassivo é de fármacos que já existem e só não foram testadosnaquele cenário clínico. Usar WD amolecedor de dobradiças em paciente com artrose não

é uso compassivo e a fosfoetanolamina que nem medicamento é, mas apenas umcomposto químico estaria na mesma categoria do amolecedor de dobradiças WD.

Resumo: não dá pra saber muita coisa porque parece que nem tudo foi publicado, masexiste um trâmite muito bem estabelecido de como fazer as coisas e se não houvecontinuidade natural para os ensaios clínicos, é porque há falta de informações suficientesnos estudos preliminares. Estas informações precisam ser fornecidas. Não tendo havidoensaios clínicos, não pode ser usado em humanos, a menos que sejam feitas estasliminares que estão sendo feitas, mas isto abre um precedente perigosíssimo e coloca emrisco a população. Eu ESPERO REALMENTE que seja uma molécula promissora, como

parece, assim como tantas outras, e que haja um envolvimento de grupo para fazer osexperimentos que precisam ser feitos para conseguir autorização e apoio para os ensaiosclínicos, mas usar diretamente em pacientes como esta sendo feito é não é correto.

Eu acredito na idoneidade do grupo de pesquisa e na empolgação real. Não acho queestejam agindo de má fé, mas parece que não estão familiarizados com estes trâmites

todos e estão pulando etapas por ingenuidade, mas em meio a estes pulos, a história caiuna mídia e tomou esta proporção toda. Como todos, faço votos para que ao passar portodos os testes, a fosfoetanolamina tenha efeitos benéficos, mas que passe por todos ostestes necessários e não, não é e nem será a cura do câncer, porque nenhuma moléculasozinha é capaz de curar uma doença que se apresenta de maneira tão variada e

complexa. Ela pode resolver aspectos da doença em alguns pacientes, mas de maneiraglobal, não vejo possibilidade, pela natureza do câncer.

Diversas vezes já tive que “segurar” alunos meus que ao fazer estes ensaios acharam que

tinham descoberto a “cura do câncer”, porque realmente empolga ver que ao colocar amolécula no meio de cultura as células morrem ou que ao fornecer ao animal, o tumor

diminui, mas quem tem experiência neste tipo de experimentação, sabe que são muitas asvezes que temos esta empolgação inicial e quando consideradas todas as condições a

serem consideradas, nota-se que não é bem assim, mas precisa de muita experiêncianesta área específica pra fazer as considerações e os controles adequados.

Espero ter contribuído de algum modo para que quem não é da área entenda um pouco docenário. Falar superficialmente não tem convencido. Tecnicamente é difícil, então tentei serintermediário.

Aproveito a deixa pra comentar que cada vez que descobrimos uma molécula que mata o

tumor, mas mataria também o paciente e descontinuamos o estudo, intrometidos incautosdizem que a cura foi descoberta mas "muquifada" por interesses comerciais.

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O CÂNCER E A CONSTANTE NECESSIDADE DE NOVOS FÁRMACOS

Frequentemente me perguntam porque não existe ainda a cura para o câncer, sendo que

tanta gente faz pesquisa nesta área por tanto tempo. Sei que muitos acreditam haver acura, mas esta não ser liberada para a população, porque de alguma forma curar o câncer

diminuiria lucros da indústria farmacêutica. Você tem alguns minutos para ler este texto?Eu ficarei muito feliz se você fizer isto.

A proliferação celular normal

Primeiro temos que saber que nossas células são dotadas de mecanismos de proliferaçãocontrolada, para que os tecidos do qual fazem parte possam crescer, dependendo da faseda vida ou então simplesmente para que estas células sejam renovadas, já queapresentam um tempo de vida útil limitado. TODAS as células são capazes de proliferar,no entanto algumas o fazem frequentemente, como as células da pele, mucosas, sangue e

outras raramente o fazem, embora possam, como as do sistema nervoso e mesmo asmusculares. Os mecanismos de proliferação estão ativos em algumas e em outras estão

latentes.

Quem coordena a proliferação celular são proteínas, portanto codificadas por genes. Não éum mecanismo simples, do tipo “prolifera/não-prolifera”, porque além de decidir se sim ouse não, deve-se definir especificamente o status para cada tipo diferente de célula.Enquanto nossas células sanguíneas se multiplicam, nossos neurônios estão em estadonão-proliferativo; nossas células sanguíneas apenas proliferam se houver as condiçõesadequadas, como estímulo hormonal ou de outras moléculas, por exemplo, que sãoliberadas em momentos específicos. As moléculas atuam de forma específica, podendo

estimular a proliferação de apenas um tipo celular, em meio a tantos outros que nãorespondem àquele fator de crescimento. Em resumo, só há multiplicação de tipos

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específicos de células, quando há necessidade, frente a estímulos específicos e se todasas condições forem favoráveis.

Cada tipo celular diferente utiliza ainda mecanismos diferentes de proliferação. Existem

genes específicos que contem informações para a produção de proteínas específicas que

regulam a multiplicação celular. Algumas destas proteínas induzem proliferação, outrasinibem proliferação. O sinal mais forte vence e com estes dois mecanismos de aceleraçãoe freio atuando ao mesmo tempo, regula-se a velocidade com que dada célula prolifera.

Como eu disse, não é tudo ou nada.

A proliferação envolve a duplicação do DNA, já que deve haver a passagem de uma cópiadeste às células filhas. Este processo de copia (replicação) deve ser perfeito e se houverqualquer cópia mal feita, há mecanismos de reparo. Sim!!! Há nas nossas células,proteínas especializadas em verificar se a cópia foi bem feita e consertar os erros antes deserem passados às novas células. Quando os mecanismos de reparo falham, porque por

algum motivo aquela célula não apresenta estas proteínas de reparo funcionando(mutação em genes que codificam proteínas do sistema de reparo), os erros (mutações)

são passados às células-filha. Caso as células-filhas sejam inadequadas para a vida, háum outro mecanismo que é o de suicídio celular. Sim!!! Esta célula que contem erros que

não são compatíveis com sua existência, se “auto-destrói”, em um processo chamadoapoptose. Trata-se de um processo também desencadeado por proteínas específicas e

obviamente, codificadas por genes.

Resumo: temos um fino controle da velocidade de proliferação, através de um conjunto degenes que quando ativados induzem proliferação (protooncogenes) e um conjunto degenes que quando ativados inibem proliferação. Do balanço destes dois grupos resulta adecisão de proliferar ou não e em que velocidade. Vale dizer que em cada célula temosvários protooncogenes e vários genes inibidores de proliferação, tornando o mecanismomuito mais complexo. Dado que deve haver proliferação, o material genético (DNA) éduplicado para ser passado às células-filhas e um fino sistema de reparo verifica se a

cópia foi feita com fidedignidade ou não, reparando o que houver de errado. Caso o reparonão ocorra, existe ainda a apoptose, que promove a morte da célula defeituosa gerada.

E se além de o sistema de reparo estar defeituoso a apoptose também está? Nestasituação você terá células defeituosas no organismo, que em última instância serãodestruídas pelo bom e velho sistema imune, que identifica células estranhas e as debela,SE ESTIVER FUNCIONANDO ADEQUADAMENTE.

O câncer

O câncer nada mais é do que uma doença gerada pela perda deste controle da

proliferação celular, gerando um acúmulo de células que não deveriam estar proliferando.Imagine que este controle foi perdido e agora na mama haja células que deveriam

proliferar a cada 60 dias para reposição, mas que estão proliferando a cada 60 minutos.Haverá um aglomerado destas células, um tumor.

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Para que este processo ocorra, vários sistemas devem falhar e não apenas um, logo,várias mutações devem acontecer em uma mesma célula para garantir o tumor. Temosque ter mutações que tornem as proteínas indutoras de proliferação mais ativas, mutaçõesque bloqueiem a ação dos inibidores de proliferação, mutações que danifiquem o sistemade reparo, mutações que danifiquem o mecanismo de apoptose e de preferência, alguma

coisa pra abalar o sistema imune. Ufa!!! Difícil ter um tumor hein?!!? Só que não!!! Todosestes defeitos devem acometer uma mesma célula. Ter câncer é praticamente como

ganhar no bingo. Tem que preencher toda a série.

Dado que são várias proteínas indutoras, várias inibidoras, várias envolvidas em reparo evárias envolvidas com apoptose, a possibilidade de combinações de defeitos para que otumor ocorra é muito grande. Isso já deve te permitir imaginar que cada tumor é muitodiferente um do outro. Mesmo quando histologicamente são semelhantes ou iguais, sãomolecularmente diferentes. Quando digo histologicamente, estou falando do resultado da“biópsia”. Você pode ter 10 tumores de mama que se apresentam da mesma forma, comonódulos, com o mesmo aspecto mamográfico, sejam classificados da mesma forma noanatomopatológico (biópsia; por exemplo, carcinoma ductal invasor), mas que tenham setornado tumor por 10 mecanismos moleculares diferentes. O resultado disto, é que

podemos ter 10 respostas diferentes ao mesmo tratamento. Isso porque jáhomogeneizamos e estamos falando de 10 tipos que tiveram o mesmo resultado de

biópsia. Poderíamos ter diferenças já ai.

Será que ainda podemos chamar esta doença simplesmente de câncer? O que é ocâncer? O câncer é um conjunto de centenas ou milhares de doenças diferentes, que emcada paciente se dá por um mecanismo diferente e cuja única característica em comum éo fato de apresentar células que proliferam demais. Dado que são tantas doenças,precisamos de muitos medicamentos, pois cada uma delas responde de uma forma aotratamento.

Há mais um agravante. A única característica comum destas células é que perderam a

capacidade de controle da proliferação, não é? Pois é! Logo, agora vão proliferar sem fazerreparo mesmo, cada vez mais rápido e a partir das células deste tumor, mais mutações

serão geradas pela proliferação rápida e descuidada. Resultado: o tumor constantementeacumula mutações diferentes, logo o tumor que você tem hoje de manhã, não é o que

você tem amanhã a tarde. Ele vai sofrendo alterações e passa a responder de maneiradiferente ao tratamento. Pode se dar o mecanismo de resistência. Além de ter que ter umarsenal enorme de medicamentos para tratar tantos cânceres diferentes, estes cânceresvão se alterando ao longo do curso da doença e a medicação muitas vezes precisa sertrocada.

As mutações

O que geram as mutações iniciais que lesam os sistemas de inibição de proliferação,reparo e apoptose e tornam o sistema de indução de proliferação mais ativo são aquelas

que já conhecemos. O fumo, as radiações ionizantes, a exposição ao sol, algunscompostos tóxicos presentes em alimentos, etc.

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“Por que meu avô fumou dos 7 anos aos 88 e morreu do coração e não de câncer e meupai morreu com 40 anos com câncer de pulmão sendo que fumou bem menos? Eu achoque o fumo não tem nada a ver.”

Veja, lembra da cartela do bingo? Estes compostos que eu disse, geram mutações ao

acaso no nosso genoma. Para ter um tumor você precisa lesar indutores, inibidores, reparoe apoptose NA MESMA CÉLULA. Conclusão: tem que ter um azar bem grande, além detudo, mas são estes os agentes conhecidos que provocam câncer sim, mas é um processo

com um grau de aleatoriedade. Sabendo que fumar provoca mutações, você pode contarcom a sorte e decidir se continua fumando e torcendo para que as mutações ocorram emcélulas diferentes de modo a você nunca preencher a cartela do bingo ou então evitar aomáximo se expor a esta roleta russa.

“Meu primo nunca fumou e morreu com 17 anos de câncer de pulmão”. É duro saberdisso, mas algumas pessoas já nascem com a cartela do bingo pré-preenchida. Sim, eles

 já nascem com mutação em 2 ou 3 dos sistemas envolvidos em proliferação, porqueherdaram esta cartela dos pais e em poucos anos gritam bingo, porque deram o azar de

preencher a cartela em poucas exposições. Como herdaram dos pais se os pais não temcâncer? Herdaram a cartela pré-preenchida. Os pais tem a cartela pré-preenchida. A

criança teve o azar de preencher antes dos pais. Pode ser que a criança não tenha acartela pré-preenchida e tenha adquirido todas as mutações numa única exposição?

Perfeitamente possível!!! Pouco provável, mas possível!!! Azar é pra quem tem. Pode serque minha cartela fique pré-preenchida a vida toda e eu nunca grite bingo? Se você já jogou bingo, você sabe que sim.

O tratamento

O tratamento para o câncer consiste em destruir as células que proliferam de formadesenfreada. Fora a retirada cirúrgica do tumor, isto pode ser feito através da quimioterapia

e da radioterapia.

A quimioterapia se divide em dois grandes grupos. Aquela que simplesmente ataca células

que proliferam muito e aquela que ataca preferencialmente as células do tumor. A primeira,é claro, gera efeitos adversos, pois não são apenas as células do tumor que proliferammuito. Temos as células do sangue, da pele, mucosas, cabelo e outras. Por este motivo,podemos ficar sem cabelo, ter anemia, diminuição geral das células do sangue, irritaçãode todo o trato gastrointestinal por não renovação da mucosa, etc. A segunda, que atacapreferencialmente as células do tumor, é chamada de terapia alvo, mas para aplicá-la,além de sabermos o resultado da “biópsia”, temos que saber características molecularesdo tumor. Por exemplo, se sei que o tumor se comporta como tal porque produz a proteínaX, posso usar um inibidor de X, que deve atuar mais especificamente sobre o tumor. Aterapia alvo já é uma realidade e um enorme investimento da indústria farmacêutica, mas

depende de profundo conhecimento molecular do tumor, individualizado para cadapaciente (Farmacogenômica)

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Hoje, após o resultado do anatomopatológico convencional, pode-se complementar odiagnóstico com diversas características moleculares que permitem o direcionamento dotratamento. Dada a complexidade da doença, apresentando vários pontos dedesregulação, geralmente combinações de drogas são usadas e a cada dia, no ambientede pesquisa, nos deparamos com tumores molecularmente “mais diferentes”, exigindo o

desenvolvimento de mais e mais drogas.

Dado que o tumor muda ao longo de sua instalação, porque acumula mais mutações, uma

característica de sua própria natureza, é fundamental que o diagnóstico seja feito demaneira precoce. Quanto menos tempo o tumor tiver pra “mudar”, melhor é a chanceterapêutica. Quando é possível caracterizá-lo molecularmente, parcialmente, a terapia édirecionada ao defeito. Quando não, a terapia é contra células que proliferam “mais”,embora com o passar dos anos, muito tenha se aprendido e mesmo sem caracterizaçãomolecular, seja possível definir quais quimioterápicos são os melhores para cada tipo detumor, com base no anatomopatológico e na clínica.

São muitos quimioterápicos, mas são muito mais tumores e estes continuam em constante

evolução e apresentação distinta. Nosso arsenal de medicamentos precisa crescer.

Quando alguém me diz que a cura do câncer já foi desenvolvida, mas está guardada a

sete chaves pela indústria farmacêutica, por questões econômicas, eu pergunto: de quecâncer você está falando? Você tem algumas horas pra gente conversar um pouco?

Para quem sabe do que se trata, é evidente que não há e nunca haverá uma droga únicaou um conjunto limitado de drogas que resolvam o problema. Trata-se de uma das áreas

em maior evolução na Medicina, tanto do ponto de vista de diagnóstico (envolvendodetecção precoce e caracterização molecular), quanto de tratamento e acompanhamento.Muito é feito pelos cientistas desta área que trabalham arduamente e embora possaparecer para alguns que tantos anos de luta ainda não trouxeram a cura, temos orgulho de

tudo que já foi desenvolvido e a certeza de que os avanços já alcançados são enormes econtinua-se no caminho, silenciosamente nos laboratórios.

Tenho certeza de que muitos de vocês ou pessoas ao seu redor, já se beneficiaram dascaracterizações moleculares que estão disponíveis e dos tratamentos mais modernos.Continuemos da forma que deve ser