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Elisandro Fiametti
A PROVOCAÇÃO BIOÉTICA DA ÁGUA: UM ESTUDO DA CONTRIBUIÇÃO DA CAMPANHA DA
FRATERNIDADE SOBRE A ÁGUA NA FORMAÇÃO COMUNITÁRIA PARA VALORES DA BIOÉTICA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Bioética do Centro Universitário São Camilo, orientada pelo Prof. Márcio Fabri dos Anjos e co-orientada pela Prof. Margaréte M. Berkenbrock Rosito, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Bioética.
São Paulo 2009
AGRADECIMENTOS
Ao professor Márcio Fabri dos Anjos, orientador, e à professora Margaréte May Berkenbrock Rosito, co-orientadora, que me ajudaram a trilhar o caminho da pesquisa, pela paciência, estímulo e dedicação.
Aos colegas e professores do Mestrado em Bioética do Centro Universitário São Camilo, que me proporcionaram muito mais que amadurecimento intelectual.
À Diocese de Frederico Westphalen, pelo apoio financeiro.
Ao povo da Região Episcopal Brasilândia e da Paróquia Santo Antônio, em especial ao Pe. Ezael Juliato (Tchê) e ao Pe. Alberto Abib, pela acolhida hospitaleira nesta etapa de meus estudos.
Ao Pe. Daniel Francis McLaughlin, pela paciência na correção do Abstract.
À Secretaria Executiva da Campanha da Fraternidade, na pessoa do Pe. Adalberto Vanzella, por disponibilizar os arquivos para a pesquisa.
RESUMO
Dentre os desafios ecológicos está o da água. A importância que a água possui para a vida, aliada ao modo como ela tem sido cuidada e distribuída fazem dela uma grande provocação bioética. No uso da água se mostra a carência da formação da consciência ética mundial atual. A bioética depara-se desafiada a suprir esta carência e, por apresentar-se de modo plural, assume as mais diversas iniciativas formativas, inclusive as contribuições de grupos religiosos. A Campanha da Fraternidade de 2004 da Igreja Católica no Brasil, sobre a água, foi uma iniciativa voltada para contribuir na formação da consciência ética da população. Como pesquisa documental, o presente estudo analisa aspectos básicos da contribuição desta campanha na formação comunitária para valores da bioética. Como método, recolhe inicialmente, através de pesquisa bibliográfica, dados científicos que mostram o desafio bioético da água. Em seguida, coleta dados referentes ao processo de elaboração, conteúdo, meios de propagação e resultados da Campanha da Fraternidade de 2004. E, por último, interpreta estes dados tendo como referencial teórico o conceito de consciência crítica em Paulo Freire e Elli Benincá. Entre os principais resultados obtidos neste estudo estão características da participação da população em tal iniciativa, evidências da necessidade de um adequado método de ação, o vigor da mística religiosa para a construção de valores e formação da consciência crítica, com abertura para a interdisciplinaridade, a transversalidade da bioética e a institucionalização da defesa da água. Eles foram compreendidos como contributivos para a formação comunitária para valores da bioética, na medida em que despertaram a formação da consciência crítica. Dois aspectos se destacam: o da participação da população, que evidencia a necessidade de uma popularização da bioética; e o aspecto da dimensão mística da água, que evidencia a realidade inesgotável em seus significados, instigando a consciência crítica continuamente. Palavras-chave: Bioética; Conservação da água; Participação comunitária.
ABSTRACT
Among the ecological challenges is that of the water. The importance that water has for life, allied to the way that it has been well-taken care of and distributed, makes for a great bioethics provocation. In the use of water it shows the lack of formation of the current world-wide ethical conscience. Bioethics has shown strongly this lack and, by presenting itself in many ways, it assumes the most diverse formative initiatives, along with the contributions of religious groups. The Catholic Church in Brazil’s Campaign of the Fraternity of 2004, on the water, was a directed initiative to contribute in the formation of the ethical conscience of the population. As a documentary research, the present study analyzes basic aspects of the contribution of this campaign in the communitarian formation for values of the bioethics. As a method, it, initially, collects through bibliographical research, scientific facts that shows the bioethics challenge of water. After that, it collects facts referring to the process of elaboration, content, ways of propagation and results of the Campaign of the Fraternity of 2004. And, finally, interprets this data having as theoretical referential the concept of critical conscience in Paulo Freire and Elli Benincá. Among the principal gotten results obtained in this study are the characteristic of the participation of the population in such initiative, evidences of the necessity of a adequate method of action, the force of the religious mystic for the construction of values and formation of the critical conscience, with an opening for the interdisciplinary, the passing through of bioethics and the institutionalization of the defense of the water. They were understood as contributive for the communitarian formation for values of the bioethics, in the measure where they arouse the formation of the critical conscience. Two aspects are emphasized: that of participation of the population, that verify the necessity of a popularization of the bioethics; and the aspect of the mystical dimension of water, that shows the inexhaustible reality in its meanings, instigating the continual critical conscience. Keywords: Bioethics; Conservation of water; Communitarian participation.
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – Peças utilizadas na CF-2004 e respectivas quantidades – 2004..........44
TABELA 2 – Projetos financiados pelo Fundo Nacional da Solidariedade – 2004....47
TABELA 3 – Distribuição dos projetos financiados pelo Fundo Nacional da
Solidariedade, em 2004, por região do Brasil ......................................47
LISTA DE SIGLAS
AEC – Associação das Escolas Católicas do Brasil
ANA – Agência Nacional de Águas
CF – Campanha da Fraternidade
CF-2004 – Campanha da Fraternidade de 2004
CNBB – Conferência Nacional dos bispos do Brasil
CONCEP – Comissão Episcopal Pastoral
CPT – Comissão Pastoral da Terra
MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens
MEB – Movimento de Educação de Base
MPF – Ministério Público Federal
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
ONGs – Organizações Não Governamentais
SECF – Secretaria Executiva da Campanha da Fraternidade
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................9
2 ÁGUA: UMA PROVOCAÇÃO BIOÉTICA .............................................................15
2.1 A água no ecossistema ................................................................................16
2.2 Água: reconhecimento simbólico de seu valor .............................................17
2.3 Água: uma preocupação atual ......................................................................19
2.4 A necessidade da formação comunitária para valores da bioética...............23
2.5 A Campanha da Fraternidade ......................................................................25
3 UMA CAMPANHA: SUA CONSTRUÇÃO, SEUS RESULTADOS........................31 3.1 A escolha do tema da CF-2004 ....................................................................31
3.2 Elaboração do Texto-base da CF-2004........................................................32
3.3 Questões éticas na CF-2004 ........................................................................33
3.4 Valores da bioética na CF-2004 ...................................................................38
3.5 Propostas práticas da CF-2004 ....................................................................42
3.6 Publicidade e envolvimentos da CF-2004 ....................................................44
3.7 Práticas da CF-2004 realizadas....................................................................46
4 SIGNIFICADO DA CF-2004 PARA A BIOÉTICA ..................................................51 4.1 A consciência crítica em Paulo Freire...........................................................52
4.2 A consciência crítica na CF-2004 .................................................................56
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................61
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................64
ANEXOS ...................................................................................................................75
9
1 INTRODUÇÃO
Os grandes desafios ecológicos são provocadores da bioética desde o seu início.
Há décadas Potter (1988) afirmou a importância de uma ética global, em vista da
sobrevivência. Também há muito tempo Jonas (2006) asseverou a necessidade de
ampliação dos horizontes da ética, frente à capacidade inventiva do ser humano de
transformar em grande escala a natureza. A responsabilidade do ser humano já não
é mais a mesma há muito tempo. Suas escolhas já não mais transformam um
pequeno horizonte. Agora, diante de suas práticas, ele precisa pensar o futuro, sua
sobrevivência e a de toda espécie de vida na Terra. Os valores que guiam suas
práticas precisam ser refletidos tendo em vista o ambiente amplo em que ele vive e
as diferentes profundidades de tempo.
A bioética, além de surgir envolta às questões relacionadas à medicina e à
biologia, nasce em meio a estes grandes desafios ecológicos. A situação é a de
convocação do ser humano à responsabilidade, ao cuidado e à solidariedade
amplos, em vista da sobrevivência da vida na Terra.
É neste contexto que aparece a provocação bioética da água. Se estes grandes
desafios ecológicos instigam a bioética, ainda mais provocativa é a água. Ela é um
elemento natural essencial para a vida e a sobrevivência na terra. O desafio à
bioética torna-se fortemente notável a partir da realidade da água. Os valores que
guiam as práticas humanas relacionadas a ela, bem como a reflexão em torno deles,
revestem-se de maior densidade. E a carência de formação da população para estes
valores fica mais clara. A bioética sente-se impelida em fazer alguma coisa para
suprir esta carência.
A pesquisa aqui descrita nasce a partir da suspeita, trazida pela água, desta
carência na formação da população para valores da bioética. Nasce, também, a
partir deste impulso, fortemente provocado pela água, de fazer alguma coisa para
suprir esta carência. Ela parte em busca de contribuições para a formação
comunitária, isto é, da população como um todo. Então, a possibilidade de iniciativas
religiosas contribuírem com esta tarefa é levada em conta. As características da
própria bioética permitem esta possibilidade. Deste modo, houve a procura por
10
estabelecer uma relação entre bioética, teologia e pedagogia, dentro do tema
ambiental da água.
A Campanha da Fraternidade (CF) é uma das importantes iniciativas de conjunto
da Igreja Católica no Brasil, na sua relação com temas que interessam a toda a
sociedade. Em sua edição de 2004 (CF-2004) trabalhou o tema bioético da água.
Optou-se por estudar esta iniciativa em seus aspectos de contribuição na formação
comunitária para valores da bioética.
Em termos mais explícitos, os objetivos do presente estudo podem ser formulados
do seguinte modo:
Objetivo geral
Estudar aspectos da contribuição da CF-2004 sobre a Água, na formação
comunitária para valores da bioética.
Objetivos específicos
1. Explicitar os aspectos básicos da provocação bioética da água.
2. Analisar a construção, o desdobramento e o alcance da CF da Igreja Católica
sobre a água.
3. Identificar aspectos da contribuição da CF-2004 na formação da consciência
crítica em torno de valores da bioética.
A hipótese é de que, em muitos aspectos, a iniciativa da CF-2004 contribuiu na
formação comunitária para valores que preservam bens fundamentais para a vida,
especificamente a água, valores estes defendidos pela bioética. Neste sentido, ela
teria ajudado a bioética em sua tarefa de formar a consciência da população para
melhor atribuição dos valores.
Metodologia documental
A metodologia documental foi pensada como a mais adequada diante do objeto
estudado. Segundo Leite (2008, p. 53), ela é usada “para colher dados e
informações importantes na descrição de fatos ocorridos, de usos e costumes de
povos, grupos e indivíduos, ou na apresentação do que foi descrito em documentos
literários, científicos e culturais em geral.” É bom lembrar, também, conforme
Lakatos e Marconi (1991, p. 174), que neste tipo de metodologia “a fonte de coleta
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de dados está restrita a documentos, escritos ou não, constituindo o que se
denomina de fontes primárias. Estas podem ser feitas no momento em que o fato ou
o fenômeno ocorre, ou depois.” Nesta metodologia documentos de segunda mão
podem ser usados para auxiliar (FERRARI, 1982, p. 224-228). A pesquisa
documental não descarta a bibliográfica, sempre necessária. Como diz Sérgio Costa
(2001, p. 34), “na pesquisa documental, embora não se excluam as referências
bibliográficas, são utilizados outros documentos, tais como certidões, escrituras,
relatórios, correspondência.” Lüdke e André (1986) e Pimentel (2001) ajudaram na
compreensão do delineamento da pesquisa documental, principalmente na escolha
da forma de interpretação dos dados.
Neste sentido, inicialmente foi feita uma coleta dos documentos, junto ao Arquivo
da Secretaria Executiva da CF, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil, em Brasília. Também foram coletados textos e dados em outras fontes que se
envolveram com a CF-2004. Tendo os documentos em mãos, fez-se a análise com o
auxílio da obra de Laurence Bardin (2002). Houve uma classificação de documentos,
entre: oficiais; de apoio que manifestavam opiniões; científicos de apoio; os que são
conseqüências da referida campanha; e os que não possuem relação com ela, mas
que estão presentes no seu arquivo. A intenção foi conceder importância diferente
dependendo da natureza de cada documento, apesar de estarem presentes dentro
dos arquivos da CF-2004 da Secretaria Executiva da CF. Deste modo, o Texto-base
da Campanha destacou-se como o principal documento observado.
Posteriormente, partiu-se para a elaboração de categorias que pudessem
explicitar dados da CF que servissem para uma frutuosa análise posterior. Foram
usadas as seguintes categorias: elaboração da CF-2004, conteúdo da CF-2004;
meios usados para que ela fosse propagada; e resultados obtidos. Aqui houve a
necessidade de fazer inferências.
Tendo presente os dados advindos com o uso de tais categorias, tomou-se o
conceito de consciência crítica em Paulo Freire para a interpretação. A partir da
compreensão bioética seguida, pressupôs-se que ao ser promovida a consciência
crítica acontece a contribuição na formação para valores da bioética. Pôde-se,
então, identificar aspectos de contribuição da CF sobre a água na formação
comunitária para valores da bioética.
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A estrutura geral desta dissertação consta de três capítulos. No primeiro, a partir
de pesquisa bibliográfica, mostra-se a água como uma provocação bioética.
Aparecem pontos relativos à sua realidade no ecossistema, na simbologia, na crítica
das ciências. A partir disso, evidencia-se a necessidade da formação comunitária
para valores da bioética. Desponta no final do capítulo a CF da Igreja Católica no
Brasil como uma iniciativa religiosa que pode contribuir nesta formação.
No segundo capítulo analisa-se o fato da CF-2004 a partir da coleta de dados
feita através da metodologia documental. Ali aparece como foi escolhido o tema
naquele ano, o processo de elaboração do texto-base, as questões éticas
levantadas, os valores presentes, as propostas práticas, a publicidade e os
envolvimentos e as práticas realizadas da CF-2004.
No terceiro capítulo apresenta-se então, com ajuda do pensamento de Paulo
Freire, a interpretação dos dados que apareceram no segundo capítulo. O conceito
freireano da consciência crítica serve para encontrar, nos dados levantados,
aspectos da formação comunitária para valores da bioética.
A pesquisa levou em conta alguns pressupostos. Por ética compreendeu-se a
reflexão de conteúdos morais. E estes, como “os códigos normativos concretos,
vigentes nas diversas comunidades humanas. Trata-se, pois, da moral vivida, aceita
pelas pessoas e grupos.” (FERRER; ALVAREZ, 2005, p. 29).
A bioética foi vista como a intercessão entre ética e as ciências da vida, uma força
política em medicina, biologia e nos estudos do meio ambiente, uma perspectiva
cultural de muitas conseqüências (CALLAHAN, 2004, p. 278). Ela foi compreendida
em seu sentido amplo, como a que permite a relação entre diferentes
conhecimentos, em vista da sobrevivência humana e para o bem social (POTTER,
1971, p.1-2).
Esta linha de pensamento permitiu a relação entre a teologia, a pedagogia, a
geociência, a biologia, entre outras disciplinas. Permitiu também que se
compreendesse como importante tema da bioética a questão da água e o que sua
realidade provoca em termos de necessidade da formação comunitária para valores
da bioética. A transformação das compreensões, escolhas e atuações das pessoas
é ocupação da bioética, já que ela manifesta-se como força política e perspectiva
cultural.
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O termo formação comunitária compreendeu-se como a formação da população,
em seus agrupamentos variados ou como um todo.
Os valores são de difícil conceituação exata dentro da filosofia (LALANDE, 1999,
p. 1190; ABBAGNANO, 1982, p. 952-956; LEMOS, 2006, p. 973). Contudo, durante
a pesquisa, escolheu-se a definição que leva em conta os seus aspectos subjetivo e
objetivo: “aquela qualidade intrínseca ao objeto que suscita minha admiração, estima
respeito, afeto, busca e complacência.” (VALORI, 1997, p. 1249). São atribuições
dadas por sujeitos ou um grupo de sujeitos às mais diversas realidades possíveis. O
conceito de valor sempre quer dizer que há alguém que dá importância para algo.
Os valores são atribuições dadas a fatos, no caso valores epistêmicos (PUTNAM,
2008, p. 50), e também se referem a atitudes e comportamentos, no caso dos
valores éticos (VALENZUELA, 2008, p. 130; VALORI, 1997, p. 1248-1257; FRAGA,
1992, p. 396) e, por conseguinte, bioéticos. Por serem atribuições, eles são
possibilidades de escolha. Para Abbagnano (1982, p. 956) […] “uma teoria do valor,
como crítica dos valores, tende a determinar as autênticas possibilidades de
escolha.” Neste sentido, o valor orienta as práticas dos sujeitos. E a crítica dos
valores capacita melhor esta orientação. Isto supõe uma percepção crítica capaz de
estabelecer relações entre os bens e a vida humana como valor maior em seu
ambiente. Tal percepção crítica pode ser convenientemente subsidiada em um
processo de formação educativa.
Assumiu-se uma dimensão relacional nos valores. Eles se relacionam e são
dependentes uns com os outros.
A formação comunitária para valores significa aqui uma contribuição educativa a
esta capacidade crítica. Diferente é uma formação em valores, onde poderia haver
uma imposição deles. E os valores da bioética são os que a possibilitam e
preservam bens fundamentais para a vida.
O desenrolar da pesquisa estabeleceu os limites para a mesma. A própria
realidade pesquisada imprimiu o alcance da pesquisa. Não há como saber quais
foram todos os resultados da CF-2004, justamente por que a Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil não realizou uma avaliação detalhada sobre estes. E a
avaliação que foi feita não teve um retorno maciço por parte dos regionais (2008d)
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Além disso, os resultados e as
conseqüências da CF se estendem e se perdem no tempo. É característica da CF
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lançar mão da criatividade de cada região para ela se realizar. Ela tem seus
objetivos que procuram atingir a sociedade como um todo. É impossível mensurar o
quanto ela chega realmente em seus pensamentos e em suas atividades até todos
os recantos do Brasil.
Também, a ética não é quantificável. Não há como medir o grau de transformação
das formas de pensar e agir das pessoas às quais uma atividade atinge. A pesquisa,
deste modo, teve o mérito de alcançar alguns dados e compreensões de uma
iniciativa religiosa e de, a partir destes, identificar os aspectos da formação
comunitária para valores da bioética. As quantificações servem como referências e
as compreensões e aspectos da iniciativa mostram a qualidade dela para a bioética.
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2 ÁGUA: UMA PROVOCAÇÃO BIOÉTICA
A água é um elemento natural indispensável para a vida no ecossistema. A
interação com ela determina a relação que se tem com a vida. Ao longo da história,
ela adquiriu, por conta disso, expressiva importância simbólica. É uma realidade cujo
valor não tem preço dentro da história da vida da humanidade. A água, por tais
importâncias e por não ter sido bem cuidada e bem distribuída, provoca
sensivelmente a reflexão sobre a relação do ser humano com ela. Demonstra a
carência de formação da consciência crítica da população em perceber a
fundamental importância de sua preservação; e, conseqüentemente, levanta a
necessidade urgente de contribuir para a formação de uma consciência comunitária
capaz de protegê-la. Em seus métodos, a bioética moderna apresenta-se de modo
plural, assumindo as mais diversas iniciativas formativas, inclusive as religiosas.
Deste modo, a Campanha da Fraternidade, uma iniciativa da Igreja Católica, pode
ser percebida hipoteticamente como um esforço contributivo à bioética. A CF-2004,
especificamente sobre a água, como objeto escolhido para este estudo, também é
uma conseqüência da provocação feita pela água.
Neste capítulo se busca demonstrar a existência desta provocação bioética a
partir do valor da água, bem como situar, em tal conjuntura, a iniciativa contributiva
da CF. Para tanto, foi utilizada uma pesquisa bibliográfica. Nela foram selecionados
estudos impressos e publicações disponibilizadas pelo banco de dados eletrônico
scielo. Neste último, os descritores usados foram: água, recursos hídricos, saúde
pública, bioética.
O critério de escolha dos textos foi sua referência à importância da água dentro
do ecossistema, especialmente para a vida e a apresentação de questões éticas
relacionadas com a água. Houve uma procura por obras que possuem como objeto
de estudo tanto a realidade ampla quanto as realidades locais. Também, por
aquelas que demonstram o porquê da atividade antrópica atual trazer importantes
questionamentos éticos. Além disso, uma procura por aquelas que trabalham a
necessidade de educação ambiental. Para a última parte deste capítulo, aquela em
que a CF aparece, a busca foi pelos estudos da época do seu surgimento e por
avaliações dela ao longo de sua história.
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2.1 A água no ecossistema
Segundo Rebouças, Braga e Tundisi (2006, p. 2-3), a água marca a história do
planeta e de modo especial o surgimento e o desenvolvimento da vida nele. Ela
surgiu com o lançamento na atmosfera da Terra de grande quantidade de gases,
pelas erupções vulcânicas, associadas à tectônica de placas. Eles afirmam que “o
oxigênio e o hidrogênio assim lançados, rapidamente combinaram-se para dar
origem ao vapor de água da atmosfera. No começo, as temperaturas e pressões
reinantes na Terra só possibilitaram a ocorrência de água na forma de vapor.” (2006,
p. 2-3). Com a diminuição das temperaturas, houve a condensação destes vapores,
formando as chuvas que deram origem à acumulação de água. Associada a diversas
outras condições, a água possibilitou a origem e o desenvolvimento da vida na Terra
(REBOUÇAS; BRAGA; TUNDISI, 2006, p. 3). A vida estabeleceu-se também como
parte da dinamicidade do planeta, transformando-o continuamente.
Uma compreensão sistêmica do planeta como apresentam Rebouças, Braga e
Tundisi (2006, p. 4)
[...] mostra um estreito entrosamento das partes vivas do planeta – plantas, microorganismos e animais – e as partes não vivas – rochas, oceanos e a atmosfera.
O ciclo todo é caracterizado por um fluxo constante de energia e de matéria, ligando o ciclo das águas, das rochas e da vida.
Há uma dinâmica interligação de tudo no planeta. O que acontece com um dos
elementos incide sobre outros. Daí a importância da reflexão do como se dão os
processos de transformação do ambiente, de modo especial feitos pelo ser humano,
como se pode inferir a partir de Brasil (1992, p. 62-63):
Na natureza nada vive isolado, sem um relacionamento energético ou metabólico. Todos os seus elementos, plantas, bichos, rios, lagos, conglomerados abióticos (sem vida), se unem em sistemas organizados cujas relações lhes facultam a vida.
A água, associando-se à energia solar e a força gravitacional, possui importante
responsabilidade nisso. Sem a água não há vida. Ela possibilita a vida, por isso é
chamada de fonte de vida, mas ao mesmo tempo ela é veículo para as mais
diversas substâncias e microorganismos que podem causar morte. Para Tundisi
(2005, p. 1), “desde os primórdios do planeta Terra e da história da espécie humana,
o Homo sapiens, a água sempre foi essencial. Qualquer forma de vida depende da
água para a sobrevivência e/ou para seu desenvolvimento.”
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O conceito de ecossistema é determinante para a compreensão desta interação
entre os elementos da Terra, da importância da água na Terra e de modo especial
para a vida. Chama-se ecossistema:
[...] ‘o sistema ecológico de um lugar’. Na palavra ‘eco’ está contido todo o complexo de vida que se desenvolve no planeta por excelência; enquanto ‘sistema’ faz alusão a vínculos e dinâmicas que existem entre fatos abióticos (rochas, minerais dos solos) e fatos bióticos que existem nos espaços da natureza (vida aeróbica, vida anaeróbica, flora, fauna, microorganismos). (AB’SABER, 2006, p. 18).
Com outras palavras, Dajoz (2005, p. 244) apresenta a compreensão relacional
que existe dentro do ecossistema. Segundo ele, o ecossistema:
[...] é um sistema biológico formado de dois elementos indissociáveis, a biocenose e o biótopo. A biocenose é o conjunto de organismos que vivem juntos e o biótopo é o fragmento da biosfera que fornece à biocenose o meio abiótico indispensável. (DAJOZ, 2005, p. 244).
Esta interação mostra a importância da preservação da água como um dos bens
fundamentais para a vida.
2.2 Água: reconhecimento simbólico de seu valor
A água possui dentro do ecossistema uma importância primordial. Ela recebeu,
historicamente, significados que dizem respeito especialmente a esta sua
característica. Chavalier e Cheerbrant (2005, p. 15) mostram que:
As significações simbólicas da água podem reduzir-se a três temas dominantes: fonte de vida, meio de purificação, centro de regenerescência. Estes três temas se encontram nas mais antigas tradições e formam as mais variadas combinações imaginárias – e as mais coerentes também.
Esta redução nestes três temas aparece em diversos povos. A água é mostrada
como a “infinidade dos possíveis (...) a origem da vida e o elemento de regeneração
corporal e espiritual, o símbolo da fertilidade, da pureza, da sabedoria, da graça e da
virtude” (CHAVALIER; CHEERBRANT, 2005, p. 15), na Ásia.
Tales de Mileto,
O pensador ao qual a tradição atribui o começo da filosofia grega, (...) foi o iniciador da filosofia da physis, pois foi o primeiro a afirmar a existência de um princípio originário único, causa de todas as coisas que existem, sustentando que este princípio é a água. (REALE; ANTISERI, 1990, p. 29).
A água, para Tales, é: “a) a fonte e a origem de todas as coisas; b) a foz e o
termo último de todas as coisas; c) o sustentáculo permanente que mantém todas as
coisas (a substância, poderíamos dizer, usando um termo posterior.” (REALE;
18
ANTISERI, 1990, p. 30). Para Reale e Antiseri (1990, p. 31), a água de Tales não é
necessariamente o elemento físico-químico como se conhece hoje. Contudo, o
importante aqui é que este elemento evoca ou manifesta a physis líquida da qual
tudo deriva.
Para Chavalier e Cheerbrant (2005, p. 15), a água é a matéria prima, para os
hindus. Tudo no início era água. Ela é o caos, a indistinção primeira, para os
chineses. As águas, por isso, representam a totalidade das manifestações.
Ainda, segundo eles (2005, p. 16), “a noção de águas primordiais, de oceano das
origens, é quase universal.” Na tradição judaico-cristã, ela é o sopro vital, a origem
da criação, a fonte de vida e fonte de morte, criadora e destruidora. Ela é uma
hierofania, manifesta o transcendente.
“No Princípio, Deus criou o céu e a terra. Ora, a terra estava vazia e vaga, as
trevas cobriam o abismo, e um vento de Deus pairava sobre as águas.” (Gn 1,1-2).
O comentário de A Bíblia de Jerusalém (1985, p. 31) diz que “em hebraico: tohû e
bohû, ‘o deserto e o vazio’; como as ‘trevas sobre o abismo’, o ‘vento’ e as ‘águas’
são imagens que, por seu caráter negativo, preparam a noção de criação a partir do
nada.”
Ainda na Bíblia, junto às fontes e poços operam-se os encontros essenciais.
Como lugares sagrados, os pontos de água têm papel incomparável. Nela, para
Chavalier e Cheerbrant (2005, p. 17), “os rios são agentes de fertilização de origem
divina, as chuvas e o orvalho trazem consigo a fecundidade e manifestam a
benevolência divina.” A água simboliza a bênção, a sabedoria. Por isso ela se torna
também o símbolo da vida espiritual e do Espírito. Ela se reveste de símbolo de
eternidade ao sair do lado aberto de Jesus. É símbolo sotereológico, de salvação
(CHAVALIER; CHEERBRANT, 2005, p. 16-17).
O rito do batismo, entrada na vida cristã, tem na água sua matéria indispensável.
Ela possibilita o surgimento de uma nova humanidade, povo novo. O batismo lembra
a passagem do povo pelo Mar Vermelho, constituindo-se povo livre da escravidão,
povo salvo, ressuscitado com Cristo (RITUAL..., 1999, p. 44). Neste sentido, a água
faz transpor da vida as fronteiras que a morte tenta impor. A água é símbolo de
salvação. Ela está presente na criação e na nova criação, onde a humanidade
participa como companheira, chamada à responsabilidade (SUSIN, 2003, p. 32-34).
19
Segundo Chavalier e Cheerbrant (2005, p. 18), a água é vida, luz, palavra,
semente, esperma divino. Pelo batismo, ela possibilita o homem novo. Eles
terminam dizendo que “a água viva, a água da vida se apresenta como um símbolo
cosmogônico. E porque ela cura, purifica e rejuvenesce, conduz ao eterno.”
2.3 Água: uma preocupação atual
Apesar de a água possuir esses valores históricos, físicos, químicos, biológicos,
utilitários, simbólicos, muitas vezes, ela não é bem cuidada e bem distribuída. Sua
boa qualidade para a sustentação do equilíbrio do ecossistema e sua distribuição
equitativa conforme este ecossistema estão comprometidos. Muda da mesma forma
seu simbolismo. A realidade da água passa então a provocar reflexão ética. Ela faz
uma provocação à bioética.
Conforme assevera Tundisi (2005, p. 1):
A história da água sobre o planeta Terra é complexa e está diretamente relacionada com o crescimento da população humana, ao grau de urbanização e aos usos múltiplos que afetam a quantidade e a qualidade. A história da água, seus usos e contaminações também estão relacionados à saúde, pois muitas doenças que afetam a espécie humana têm veiculação hídrica [...].
Configura-se assim uma preocupação atual pela água que toma enorme vulto. Há
uma imprescindível discussão para ser continuada a respeito da água, de como ela
tem sido cuidada e distribuída. Da mesma forma, há uma necessária formação da
consciência da população como um todo para os valores da bioética que a água
provoca.
As próprias reflexões de Potter, o criador do termo bioética, possuem incidência
sobre o tema da água. Lembra-se aqui sua importante obra Global Bioethics (1988),
onde é proposta uma ética global.
O entendimento sobre a responsabilidade, de Hans Jonas, em sua obra “O
princípio responsabilidade: Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica”,
escrita em 1979, é reflexão marcante para a relação entre ética e ambiente. Ele
amplia o horizonte da responsabilidade humana. Na ética tradicional a natureza não
era objeto da responsabilidade humana, ela cuidava de si mesma. Agora, nos
tempos de uma civilização tecnológica, com o poder de transformação adquirido pelo
homem, a responsabilidade precisa ser ampliada. A natureza passa a ser objeto da
20
responsabilidade humana (JONAS, 2006, p. 39-42). A água, por ser parte da
natureza, acaba por ser também objeto da responsabilidade do ser humano.
O vulto mundial da questão é fortemente marcado pela Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992, no Rio de Janeiro
(CONFERÊNCIA..., 92). Dela resultou como o ponto alto de um longo processo, a
Agenda 21. Há nela o capítulo 18 que trata especificamente da água. São
apresentados programas que se relacionam com a qualidade e distribuição da água.
Com uma preocupação também mundial aparece a obra de Ricardo Petrella
(2002), “O manifesto da água: argumentos para um contrato mundial.” O próprio
subtítulo demonstra a importância de um contrato mundial para evitar os conflitos e
guerras por causa da água.
A gravidade da preocupação em torno da água é apresentada por Camdessus
(2005) quando aponta uma grande quantidade de dados a respeito da relação entre
a água e a mortalidade de pessoas no mundo. O próprio subtítulo de sua obra, “oito
milhões de mortos por ano: um escândalo mundial”, já evidencia este drama em
torno da falta de cuidado e distribuição da água.
No Brasil, mas não só, apareceu muito forte nestes últimos anos a questão da
conflituosa do projeto de transposição das águas do rio São Francisco. Questões
ambientais, sociais, culturais e econômicas encontram-se em jogo. Dom José Luiz
Cappio, bispo da Igreja Católica, fez jejuns pelo rio. Moreira (2008) apresenta uma
série de artigos sobre o bispo e a luta contra a transposição do rio São Francisco.
Segundo Fabio Cascino (2000) o movimento ambientalista e a educação
ambiental já possuem uma história. Ele procura ver a questão com um sentido mais
profundo e sistêmico, indicando que esta história se dá dentro de um conjunto de
transformações culturais.
Sobre a educação ambiental, Pelicioni (2006, p. 532-543) apresenta alguns tipos
de ambientalismos que a influenciam. O ambientalismo ecossocialista, para ele,
responde melhor a uma compreensão do problema ambiental de forma integrada,
sistêmica.
Ao dialogar com as idéias do ensaísta mexicano Octávio Paz, Barcelos (2004)
afirma a necessidade de modificar as representações que se tem da natureza. É
necessário modificar a atitude da humanidade diante da natureza. Ela não pode
21
mais ser vista como um objeto vazio de significado, passível de depredação. Uma
análise com profundidade nesta direção cultural faz Schramm (1997) ao abordar a
questão filosoficamente, inclusive refletindo sobre a proposta da existência de um
niilismo tecnocientífico.
A forma como são cuidadas e distribuídas as águas doces no Brasil e no mundo e
demonstrada por Rebouças, Braga e Tundisi (2006; REBOUÇAS, 1997). Eles
englobam preocupantes aspectos geológicos, históricos, políticos, sociais,
econômicos e éticos em suas análises. Também em relação à distribuição da água
potável, ou seu acesso desigual, Pontes e Schramm (2004) apresentam a bioética
da proteção.
Clarita Müller-Plantenberg e Aziz Nacib Ab’Saber (2006) mostram a necessidade
de se prever impactos ambientais com a atividade humana e como se faz essa
previsão de impactos. A história da depredação da água tem muito a ver com o
desmatamento. Neste sentido, Ab’Saber (1996) apresenta o projeto FLORAM, que
se trata de um plano nacional de reflorestamento.
Entre outros trabalhos, Moraes e Jordão (2002) estabelecem uma relação entre
os recursos hídricos e a saúde humana. O mesmo realizam Maciel Filho (2008) e
outros autores (CYNAMON, 1986; HELLER, 1997; TUCCI, 2005) com seus estudos,
ao relacionarem o saneamento e a água com a saúde pública.
A agricultura e a pecuária, áreas de atuação humana que possuem altas
porcentagens no uso da água, têm merecido estudos em torno de sua relação com
ela. (BARROS; AMARAL; L. JUNIOR, 2003; GONÇALVES, 2005; SOARES;
PORTO, 2007; TOLEDO; NICOLELLA, 2002; MAGALHAES, 2002). Eles mostram os
impactos desta atividade antrópica.
Uma relação entre a distribuição da água, seus problemas associados ao
crescimento populacional e sua relação com a cidadania é apresentada por S.
Machado (2003). Ele defende a gestão pública, integrada e colegiada com
negociação sociotécnica das águas.
Sob o ponto de vista legal, a respeito do tema da água, no Brasil já havia, desde
1934, o Código das Águas. Em 1997 é decretada e sancionada a Lei Federal nº
9.433 (BRASIL). Ela institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Esta também é uma
22
amostra da importância do tema. Nesta lei, dedica-se uma parte para a formação de
comitês de bacia, com a participação dos usuários e da sociedade. Formar as
pessoas para esta participação é imperativo.
Uma das linhas temáticas da bioética no Brasil chama-se Bioética Ambiental.
Com José Roque Junges, “a Bioética Ambiental (...) parte de uma análise bastante
crítica do paradigma sociocultural da modernidade.” (SIQUEIRA; PORTO; FORTES,
2007, p. 180). Aponta-se a necessidade de uma construção de valores, ao se pensar
a questão em termos socioculturais.
O paradigma ecológico defendido pela Bioética Ambiental, além de criticar o modelo autonomista de consumo irracional, pede pelo exercício da construção de valores intersubjetivos que incluam a interdependência entre os seres vivos, ecossistemas e biosfera. (SIQUEIRA; PORTO; FORTES, 2007, p. 181).
Quando se fala em termos socioculturais, pensa-se em cultura. A bioética mesma
é uma perspectiva cultural. E, como lembra Lepargneur, quando se pensa cultura,
pensa-se também em valores e sua escala.
A tarefa fundamental da bioética talvez seja a perpétua avaliação e reavaliação da dinâmica cultural diante dos avanços (recuos) sanitários, biológicos, médicos. Quem diz cultura diz não apenas um conjunto, mais ou menos sistemático, de artefatos e instituições, mas sobretudo escala de valores. A bioética surgiu como alerta ao descontrole de práticas, pondo em perigo valores ainda honrados ou recentemente adquiridos. (1996, p. 26).
De tudo isso que foi apresentado até agora, evidencia-se uma problemática
ambiental, associada a um conjunto de aspectos culturais predatórios. Enquanto
relacionada a esta temática, a bioética, como uma perspectiva cultural, é uma
reação ao que estes aspectos provocam. Ela é fruto de uma provocação. Ela é uma
reação a determinadas práticas em relação ao ambiente.
A provocação feita pela água à bioética é veemente. Sendo notável a presença
dos valores bioéticos dentro da temática do meio ambiente, supõe-se que eles sejam
percebidos com maior abertura ainda dentro do tema da água. O alerta a respeito de
práticas que põe em perigo determinados valores é maior. A exposição dos valores
bioéticos a serem honrados torna-se mais clara. Ela é a grande provocadora da
bioética, justamente pela sua relação com a vida na terra, pelo simbolismo que ela
possui e pela crítica que as ciências têm feito a respeito de como ela tem sido
cuidada e distribuída. As escolhas, a partir de valores, que guiam as práticas em
relação a ela, são de capital importância para a vida. Ela é o elemento indispensável
para a garantia da vida e saúde do ser humano e de toda a forma de vida (PESSINI;
23
BARCHIFONTAINE, 2007, p. 99). A água chama o humano para a responsabilidade
que lhe compete.
2.4 A necessidade da formação comunitária para valores da bioética
Os estudos apontados acima demonstram a necessidade de mudança nas
práticas antrópicas em relação ao ambiente e, especificamente, à água. As práticas
humanas são guiadas por valores, por aquilo que é visto como importante
(ABBAGNANO, 1982, p. 956). Deste modo, segundo o que se viu, há uma carência
em termos formação para valores bioéticos na população como um todo. A mudança
nas práticas implica na internalização destes valores. Para que esta internalização
aconteça é preciso desenvolver na população a capacidade ou a percepção crítica
dos próprios valores, escolhas e práticas.
Trata-se aqui do desafio de ajudar comunidades a se educarem para valores
postulados pela bioética. Contudo, será possível a formação comunitária para
valores da bioética? Não somente é possível como é presente a formação ética e
bioética, no que a esta última se refere, em qualquer verdadeira ação educativa.
Tomando-se como sinônimos a formação e a educação, Gatti (2001, p. 359) mostra
a possibilidade da formação bioética e, especificamente, para valores da bioética.
Toda a verdadeira intenção educativa tem como último objectivo (sic), pelo menos implícito, a promoção do Homem enquanto Homem, isto é, a sua promoção moral; portanto, o fato educacional e o moral estão inseparavelmente conexos. Toda influência tem uma valência ética, exercendo um certo imprinting, talvez mesmo imperceptível, sobre a personalidade moral do educando. Cada forma de educação, mesmo só sectorial (sic), produz sempre formação (ou deformação) moral.
A formação ética e, por conseguinte, bioética é possível e uma das formas de ela
acontecer é pelo contágio. Eduardo Lopez Aspitarte (1995, p. 119-120) fala ainda
que a estimativa dos valores morais também se dá através da conaturalidade, da
repulsa, da experiência e da ciência. Estimativa compreende-se como a capacidade
de apreensão dos valores. Ética e bioética não se identificam com moral, mas neste
aspecto admite-se semelhança. O que se diz da apreensão dos valores morais, diz-
se da apreensão dos valores éticos e da bioética. Esta, entendida enquanto
perspectiva cultural, prenhe de valores, como na caracterização da Enciclopédia
acima citada. A diferença está por conta de que a formação ética e bioética vai
24
sempre passar pela ciência, quer dizer, pela reflexão. Desta forma a atribuição de
valores identifica-se com uma crítica dos valores.
A provocação que a água faz à bioética agora ganha o enfoque formativo da
comunidade. Ela desvela a vocação da bioética. Como uma ética, ela é reflexão
crítica. Sendo crítica, ela é dependente da consciência crítica1. Mostra-se a
importância de se desenvolver a consciência crítica da comunidade. A ética
possibilita, pela reflexão, uma melhor avaliação. É o refletir para valorar melhor.
Demonstra-se a necessidade de estabelecer este processo formativo para que a
comunidade seja capaz de bem avaliar. Quer dizer, que ela seja capaz de fazer
bioética, atribuindo valores, transformando suas práticas.
A água, então, faz lembrar novamente o que é a bioética, como apontou acima
Callahan: uma perspectiva cultural e uma força política. E, como tal, tensão para
atingir a população como um todo. Ela possui uma vocação de ser formadora da
comunidade. É necessário que a bioética seja popularizada, no sentido de que mais
e mais pessoas vivam reflexivamente suas práticas. A água é provocadora da
formação para valores da bioética, vocação da própria bioética de se auto-expandir.
Como afirma Valenzuela (2008, p.130), “los seres humanos del presente tienen
ante sí el doble desafío ético y bioético de mantener vivo el patrimonio axiológico
que se considere digno de pervivir y de dar vida a su propia tabla de valores.” Trata-
se aqui do desafio de ajudar comunidades a se educarem para valores postulados
pela bioética. São os valores que preservam os bens importantes para a vida.
A bioética, como se viu, é uma perspectiva cultural reflexiva. Ela não pode formar
para uma obediência cega a valores e deveres morais. Formar para valores da
bioética não pode significar a transmissão irrefletida de leis morais pré-fabricadas,
uma valoração sem o acompanhamento da reflexão. Esta é parte da estimativa dos
valores da bioética. Mesmo os valores que já foram refletidos por outros, ao
aparecerem no contexto da formação comunitária, estas precisam refleti-los
novamente. Pois haveria repasse moral, com tendência à uniformização, e não
formação para valores da bioética. A própria reflexão e as condições para tal, como
um fazer bioético, é um valor da bioética que não pode ser dispensado.
1 Paulo Freire, no seu pensamento, usa este conceito que será apresentado no terceiro capítulo.
25
Esta dimensão formadora da bioética não se restringe apenas a campos do
conhecimento e a alguns poucos sujeitos. Estende-se às comunidades, aqui
entendidas, a população como um todo, como já se vem dizendo. Não parece bom
deixar os indivíduos conduzirem-se pelo acaso ou pelo reino da necessidade,
irrefletidamente. A ética se refere ao esculpir a forma verdadeiramente humana, não
ficando no que se recebe do acaso ou da necessidade da natureza. Viver no reino
da liberdade, ultrapassando o reino da necessidade, é próprio do humano (FERRER;
ÁLVAREZ, 2005, p. 24). Assim entendido, não é lógico pensar uma bioética feita por
poucos e vivida por alguns, quando se sabe que o ser humano é capaz de ética.
Se há possibilidade da formação comunitária para valores éticos e, portanto,
bioéticos, com suas formas de apreensão, quem são os responsáveis por isso?
Sendo que a comunidade como um todo é a detentora do ethos (VALENZUELA,
2008, p. 130), supõe-se ser ela também a responsável por dar-lhe continuidade, com
a reflexão, especialmente no que se refere aos valores nele contidos. É certo que as
lideranças possuem um papel significativo na educação de qualquer grupo humano.
Mas ninguém pode negar que é preciso valorizar esforços dos mais diferentes
sujeitos envolvidos. Já foi lembrado anteriormente que a bioética moderna
apresenta-se de modo plural, assumindo as mais diversas iniciativas formativas,
inclusive as dos grupos religiosos (ANJOS; SIQUEIRA, 2007, p. 173-174).
2.5 A Campanha da Fraternidade
Entre os sujeitos envolvidos estão os grupos religiosos, com suas iniciativas
fundamentadas na fé. Uma das práticas de um dos grupos que possui longa tradição
de reflexão teológica moral e de práticas que incidem na reflexão ética é a
Campanha da Fraternidade (CF), da Igreja Católica. É uma iniciativa, rápida e
envolvente, de grande vulto no Brasil e que marca a relação entre Igreja e sociedade
desde meados da década de 60.
Não é uma campanha moralizante, como se verá mais adiante. Ela possui um
fundamento reflexivo e relaciona-se com os conhecimentos científicos do momento
(PRATES, 2007, 522). É por que em teologia, na ética religiosa, o anúncio dos
valores morais e esta emissão de juízos acerca de realidades humanas é fruto da
reflexão, da ética, com fundamento no crer. O que acontece é ética, sim, ética
26
teológica (MOLINARO, 1997, p. 455-464). A teologia possui uma racionalidade
própria e tem a vida prática da fé como uma de suas fontes, um de seus momentos
de confrontação e uma de suas finalidades (BOFF, 1998, capítulos 4, 7, 10, 13),
encaminhando um novo modo de ser no mundo. Disto decorre a importância das
religiões no cenário da ética e, por conseqüência, da bioética.
A CF iniciou em 1964, em sintonia com a abertura renovadora e atualizadora
impulsionada pelo Concílio Vaticano II, que fez desabrochar o Plano de Emergência
e o Plano de Pastoral de Conjunto da Igreja no Brasil (PRATES, 2007, p. 28). Ela
nasce de uma pequena experiência em Natal, Rio Grande do Norte, mas logo toma
conta de todo o conjunto da ação pastoral no Brasil, sendo assumida pela
Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Prates faz nesta parte de sua
obra uma relação da CF com o contexto histórico em que ela nasce. É importante
notar como uma compreensão renovada da atuação da Igreja marca esse tempo. É
o contexto de uma busca de conscientização ético-política em que a Igreja se
envolve. Assim, Prates aponta que a CF nasceu em sintonia com o MEB (Movimento
de Educação de Base) e se afina com suas características. Além dele, também
Wanderley (1984) mostra uma compreensão histórica da relação entre Igreja
Católica, educação popular e o MEB.
Posteriormente, a CF (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL,
2008a, p. 134-135) continua em sintonia com o pensamento da Igreja Latino-
americana, principalmente das Conferências de Medellin (CONSELHO EPISCOPAL
LATINO-AMERICANO, 1968), Puebla (CONSELHO EPISCOPAL LATINO-
AMERICANO, 1979) e Santo Domingo (CONCLUSÕES..., 1992). Além de seguir
estas linhas da Igreja latino-americana, segue à luz das Diretrizes Gerais da Ação
Evangelizadora da Igreja no Brasil (CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO
BRASIL, 2003b, p. 130).
A CF é realizada uma vez por ano, durante a quaresma, tempo religioso-litúrgico
em preparação à festa da Páscoa (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO
BRASIL, 2003b, p. 11). Em cada edição ela tem um tema novo, pois é “uma
proposta de mobilização da sociedade e das Igrejas para vivermos a solidariedade
em situações sociais problemáticas.” (ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO CATÓLICA
DO BRASIL, 2003, p. 14). Por isso, a CF tem também um cunho de arrecadação
financeira através da coleta da solidariedade, que constitui o Fundo Nacional da
27
Solidariedade, a partir de 1998 (CÁRITAS BRASILEIRA, 2008). Mas ela é muito
mais do que uma arrecadação. Ela possui um apelo ético muito forte. É um apelo à
conversão, mudança de opção. Ela quer educar as comunidades para a
Fraternidade.
É por isso que, em detrimento de uma postura passiva, de auxílios financeiros
recebidos do exterior, a CF possui em sua gênese a idéia de uma postura local ativa
na geração de recursos em prol da Fraternidade (PRATES, 2007, p. 23). “Neste
sentido, o significado teológico-pastoral e eclesial-litúrgico da Fraternidade será a
mediação que indicará para o valor evangelizador de tal Campanha.” (PRATES,
2007, p.23).
Segundo Cândido (1993, p. 465):
O vocábulo fraternidade é a meta de um processo cultural de abstração que parte da concretude do termo irmão. O conceito abstrato de fraternidade é posterior ao termo concreto de irmão. Ambos os termos contém uma intenção: a de aludir a uma realidade. ‘Irmão’ vem a significar uma entidade pessoal, a daquele que possui determinadas características identificadas pela experiência e pela elaboração cultural na ‘fraternidade’. Irmão é uma pessoa; fraternidade é uma prerrogativa. (CÂNDIDO, 1993, p. 465).
Os objetivos gerais da CF seguem sendo os mesmos desde os seus inícios.
Possuem um fundamento teológico e procuram transformar a realidade, através da
formação comunitária. É o convite à conversão pessoal e comunitária.
Os objetivos gerais da CF são sempre os mesmos e decorrem da missão evangelizadora que a Igreja recebeu de Jesus Cristo: em vista do mandamento do amor fraterno, despertar e nutrir o espírito comunitário no meio do povo e a verdadeira solidariedade na busca do bem comum; educar para a vida fraterna, a partir da justiça e do amor, que são exigências centrais do Evangelho; renovar a consciência sobre a responsabilidade de todos na ação evangelizadora da Igreja, na promoção humana e na edificação de uma sociedade justa e solidária. (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 11).
Nos seus inícios, a CF buscou renovar a Igreja internamente. Depois ela voltou-se
para as realidades sociais e existenciais do povo brasileiro. Como se vê, há nos
seus objetivos uma abertura à promoção do bem humano comum. Deste modo, ela
já tratou também da temática ambiental, como aconteceu nas Campanhas de 1979,
2004 e 2007, com os lemas: “Preserve o que é de todos”, “Água, fonte de vida” e
“Vida e missão neste chão”, respectivamente. Esta última evidenciou
especificamente a Amazônia e seu povo (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS
DO BRASIL, 2008a, p. 135-137).
28
Para a realização destes objetivos, a CF nasceu com um método educativo
chamado “ver-julgar-agir”. Este método permite ver a realidade com seus desafios,
julgá-la com os critérios éticos advindos do Evangelho e do ensinamento da Igreja e
dinamizar ação transformadora. É um método que transforma as comunidades, um
método bastante construtivo de formação de valores. Segundo Prates (2007, p. 32-
33), a metodologia utilizada pela CF é
[…] estruturada de forma que o “ver” seja a dimensão do método que ajude a uma tomada de consciência diante das ambigüidades da realidade. O “julgar” seja a dimensão metodológica que possibilite um juízo crítico, no qual os critérios sejam a Palavra de Deus que ilumina a realidade e o ensinamento do Magistério da Igreja. E, por sua vez, o “agir” seja a dimensão dinamizadora de novas estratégias de ação na busca de transformação da realidade, sempre no horizonte do projeto fraternal de Deus-Pai. (PRATES, 2007, p. 32-33).
Como uma atividade pedagógica e estando em sintonia com o pensamento latino-
americano, a CF recebe influxo do pensamento de Paulo Freire e da Teologia da
Libertação. Há uma importante força nestes pensamentos no sentido de as pessoas
libertarem-se de sua condição de oprimidos a partir da reflexão da sua própria
condição de oprimidas e da transformação da realidade opressora (ANGELIM, 2008,
p. 11). Na mesma linha de pensamento, está a teologia da Libertação. Quer-se dizer
no sentido de que o método ver-julgar-agir tem “marcado una constante
preocupación por associar la fe com la búsqueda de compreensión y de
transformación de la realidad histórica de la vida humana.” (ANJOS, 2008, p. 13-14).
A CF envolve a estrutura da Igreja, desde as suas esferas oficiais amplas até os
agentes comunitários espalhados por todo o país. O CERIS, Centro de Estatística
Religiosa e Investigações Sociais, procura apresentar em sua obra a amplitude da
dinâmica da Igreja oficialmente no Brasil, sua rede capilar de atuação. Ele trás uma
lista das circunscrições territoriais e pessoais e instituições ligadas à Igreja. Em 2003
eram 269 Dioceses e equiparadas e 8.977 paróquias e Quase-paróquias (CERIS,
2003, p. 100). Atualmente são mais de 9.400 paróquias cadastradas pelo (CERIS,
2005, p. 98). Há diversas pastorais, organismos, movimentos e grupos que são
envolvidos com a CF e que possibilitam sua dinamicidade (CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, 131). Da mesma forma, a CF envolve
as celebrações, romarias, encontros de grupos de pessoas, catequese, novenas,
homilias, ensino religioso, orações, e demais atividades ligadas à Igreja, justamente
por ela ser amplamente aceita.
29
Levando em conta esta capilaridade da atuação da Igreja e a ampla aceitação
que já nos primeiros tempos teve a CF (PRATES, 2007, p.24), pode-se ter uma idéia
do que ela representa em termos de formação comunitária. É uma atividade que
merece atenção no que se refere a formação de pessoas no Brasil.
Como é uma proposição feita pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil a
toda Igreja do Brasil, é muito difícil avaliar o quanto ou como ela é assumida por
todas as dioceses e essas comunidades paroquiais do país. O certo é que há
também grande produção de material impresso ou digitalizado que é distribuído para
as comunidades. São as chamadas peças da CF.
Além desses materiais, existem atividades que diretamente demonstram o esforço
da CF para alcançar seus objetivos. Os projetos realizados a partir de recursos
captados pela CF são importantes atividades educativas. Na medida em que
acontecem, eles transformam as comunidades envolvidas. Os projetos são
escolhidos de acordo com o tema de cada ano, com as necessidades das
comunidades e segundo alguns critérios gerais e específicos. Estes critérios são:
Transparência, Autonomia, Partilha, Participação, Solidariedade, Retornos
Solidários, Cidadania, Sustentabilidade, Protagonismo, Mística. Os critérios
específicos são definidos a partir do tema da CF (CÁRITAS BRASILEIRA, 2008, p.
12-13).
Como a CF possui uma dimensão litúrgica, pois é realizada dentro de um tempo
litúrgico, supõe-se que, durante a quaresma, período de quarenta dias, ao menos
em cinco celebrações dominicais, o assunto apareça com proeminência na maioria
das comunidades, potencializando-se uma ação formadora de comunidades.
Estas atividades todas têm possibilitado alguns resultados que relacionados aos
objetivos e inspirações da CF.
A Campanha tem conseguido três bons resultados: a) faz os agentes e os fiéis estudarem, de modo mais intenso, a Palavra de Deus e aprofundarem as conseqüências da fé; b) comunica ao público em geral, fora dos ambientes eclesiásticos, a voz profética da Igreja diante de graves questões sociais; c) faz nascer iniciativas pastorais concretas para responder aos clamores da realidade analisada e às exigências da Palavra de Deus intensamente refletidas nas comunidades. (PRATES, 2007, p. 15).
Deste modo, ela aparece no contexto tradicional da Igreja como formadora de
comunidades. E, principalmente quando a temática envolvida relaciona-se com a
bioética, a formação comunitária pode ser, entre outros aspectos, para valores da
31
3 UMA CAMPANHA: SUA CONSTRUÇÃO, SEUS RESULTADOS
A CF-2004 mostrou consciência em adequar o esforço da iniciativa à proporção
do desafio que o tema da água representa. Apesar de ser uma campanha rápida, ela
foi envolvente e deixou resultados que ainda perduram. Os documentos coletados
demonstraram tal dinâmica. Eles foram analisados a partir de três categorias: da
elaboração da iniciativa, do seu desdobramento e dos seus resultados. Com este
método se buscou evidenciar elementos que, ao serem interpretados, pudessem
manifestar aspectos da contribuição da CF na formação comunitária para valores da
bioética.
O descortinar dos dados pesquisados inicia aqui com elementos relacionados à
escolha do tema da CF-2004. Depois parte-se para o como foi o processo de
elaboração do seu Texto-base, seus participantes, sua dinâmica. Principalmente
deste texto, por ser a mais importante fonte para a própria CF, são coletados as
questões éticas, os valores e as práticas propostas pela CF-2004. Ainda são
lembrados a publicidade e os envolvimentos da campanha. Por fim, como forma de
mostrar o que se percebeu de até onde a CF-2004 teve seu alcance, são mostrados
os seus resultados práticos.
Como fontes dos dados, foram usados os documentos presentes no Arquivo da
Secretaria Executiva da CF, da sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,
em Brasília. Também, dados enviados pela Editora Salesiana, responsável pela
edição das peças da CF na época. Ainda, houve entrevistas com alguns integrantes
da equipe que elaborou o Texto-base da CF-2004: o então secretário executivo da
CF, José Carlos Dias Tofolli, o redator da primeira versão do Texto-base, Roberto
Malvezzi, e com o Secretário Geral do Conselho Superior das Defensorias Sociais,
Leonardo Aguiar Morelli.
3.1 A escolha do tema da CF-2004
O primeiro elemento que diz respeito à construção teórica do tema é a própria
escolha deste para a CF daquele ano. Não diferente dos outros anos ou das outras
edições recentes da CF, a escolha do tema da CF-2004 se deu, sinteticamente,
segundo Toffoli (ANEXO D), da seguinte forma: primeiro as sugestões de temas
32
foram enviadas das comunidades paroquiais para as coordenações diocesanas de
pastoral ou da CF. Estas sugestões foram sintetizadas e enviadas para os
respectivos regionais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil que, por sua
vez, escolheram três ou quatro temas que foram apresentados ao CONCEP
(Conselho Episcopal Pastoral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Nas
reuniões do CONCEP, bispos e assessores da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil debateram sobre qual tema dos que receberam dos regionais seria o mais
pertinente para o momento no Brasil. Depois desta discussão, todos votaram em três
temas. Surgiram três temas mais votados. Cada um destes foi escolhido para ser
defendido por dois integrantes do CONCEP, que fizeram sua defesa. Depois destas
defesas os bispos presentes na reunião escolheram o tema “Fraternidade e Água”,
com o lema “Água, fonte de vida”.
Houve uma decisiva participação da CPT (Comissão Pastoral da Terra) para a
escolha do tema da água para a CF-2004. Os grupos da CPT foram percebendo que
sua missão não era somente se envolver com o tema da terra, mas também com o
tema da água. Propuseram, então, à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil a
realização de uma CF sobre a água. A CPT possui representatividade pastoral
desde as bases da Igreja até o âmbito nacional e é uma das pastorais da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Isso fez com que ela pudesse ter força
de participação para a escolha do tema água (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA,
2008).
José Carlos Dias Toffoli (ANEXO D) enfatizou a participação das bases na
escolha do tema da CF-2004. Compreende-se, ao menos por inferência, a existência
de reflexão nas paróquias e nas dioceses, para se chegar às determinadas
sugestões de temas enviadas para os regionais e para o CONCEP. De modo que
houve um movimento de participação da comunidade religiosa e seus líderes na
escolha do tema, que vai da base até o centro.
3.2 Elaboração do Texto-base da CF-2004
O Texto-base, como o próprio nome afirma, é o que serve de base e fonte para
todas as atividades e peças da CF. Ele é o principal texto oficial da CF. O processo
de elaboração está descrito por um dos seus redatores, Roberto Malvezzi (ANEXO
33
B). Segundo ele, o texto foi feito de uma forma simples, a partir da convocação de
uma equipe pelo secretário executivo da CF e posteriormente com filtragens de um
assessor e a aprovação dos bispos. Quem deu o primeiro passo na redação foi ele
mesmo. Suas principais fontes foram a cartilha “Bendita Água” (CÁRITAS
BRASILEIRA; CPT, 2004) e o texto “Água da Chuva: o segredo da convivência com
o semi-árido” (CÁRITAS BRASILEIRA; COMISSÃO PASTORAL DA TERRA;
FIAN/BRASIL, 2001).
Nos arquivos da secretaria executiva da CF aparecem seis versões do Texto-
base da CF-2004. Ao se estabelecer uma comparação entre suas primeiras versões
e as que se seguiram, notou-se que ele vai se encorpando. Tanto em termos
científicos, quanto em termos de adequação de linguagem e escrita. Isto mostra a
seriedade com que a CF quis levar adiante o trabalho com o tema.
O Texto-base da CF-2004 apresenta algumas fontes científicas. A principal delas
é a obra de Rebouças, Braga e Tundisi (2006).2 Ela aparece citada doze vezes
dentro do texto. Também são referenciadas as obras de Ayrton Costa (1991),
Petrella (2002), Rezek (2000), Mérico (2002), Machado (2002). O que quer dizer que
houve relação com a ciência na elaboração do Texto-base da CF ou que há
fundamentação científica nele. Pedro Ribeiro de Oliveira, um dos redatores do
Texto-base, afirma que “várias pessoas, qualificadas e de diferentes áreas, nos
ajudaram na redação do texto.” (2004).
3.3 Questões éticas na CF-2004
As questões éticas levantadas pela CF-2004 também são dados que podem
manifestar aspectos desta na contribuição da formação comunitária para valores da
bioética. Podem ser chamadas de questões morais na medida em que apontam para
os valores e princípios em que a comunidade está envolvida, sendo que esta possui
razoavelmente claro quais são necessários defender em determinada situação.
Temos uma questão moral quando estamos diante de uma situação que exige agir em conformidade com os valores e os princípios morais. A questão moral não é necessariamente um dilema moral. Na questão moral o que é exigido pelos valores e princípios morais é claro ou razoavelmente claro. As razões que poderiam levar o indivíduo a agir de outra maneira não são de índole moral. (FERRER; ÁLVAREZ, 2005, p. 86).
2 A edição usada na época foi a de 1999.
34
É importante lembrar a diferença entre ética e moral, apresentada no início deste
texto. Mas aqui se quer apresentar as morais como questões éticas, pois elas estão
em âmbito de reflexão dentro do Texto-base.
Notou-se nos documentos coletados a presença de uma questão transversal. É
aquela em que a água não é compreendida como fonte de vida e, diante da sua
crise, pode ser vista simplesmente como uma mercadoria, um recurso, uma
oportunidade para grandes negócios, grandes lucros, em detrimento da vida. É
possível compreender a apresentação do lema da CF-2004 “água, fonte de vida”, a
partir desta perspectiva. Ele procura enfocar a água como fonte de vida, numa
contraposição a uma compreensão estritamente econômica, materialista e utilitarista
(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 76). A CF quis
chamar a atenção para que a água seja vista “a partir de enfoques novos e de
acordo com critérios éticos baseados no valor da vida e no respeito aos direitos e à
dignidade da pessoa humana e à obra de Deus Criador.” (CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 12).
Este pequeno trecho do Texto-base mostra, pela reação necessária que a CF
intenta, a questão ética transversal.
As mesmas exigências éticas requerem uma mudança de mentalidade para superarmos o egoísmo e a concentração dos bens e da renda em mãos de poucos e nos impelem a um uso solidário dos alimentos e dos recursos hídricos, em suas várias formas, evitando todo desperdício e construindo relações solidárias. (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 19).
As questões éticas apresentadas pela CF foram em sua maioria absoluta
relacionadas com esta grande questão apontada acima. E podem ser divididas entre
aquelas que tratam do descuido e aquelas que tratam da má distribuição da água e
do ambiente em geral. Não se trata aqui de esmiuçar detalhadamente como são tais
questões, mas de citá-las brevemente, mostrando que a CF trouxe-as à tona,
convidando à reflexão. A principal fonte documental usada aqui foi o Texto-base da
CF-2004.
Primeiro descrevem-se aqui as questões éticas relacionadas com o descuido.
Segundo a CF-2004, ao apresentar os usos múltiplos da água, quando no consumo
humano, o descuido à água no saneamento urbano é devido ao custo muito alto que
as empresas de saneamento acabam não pagando, despejando o esgoto no
35
ambiente sem qualquer tratamento (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO
BRASIL, 2003b, p. 20).
Esta falta de tratamento prévio dos dejetos antes de lançá-los no ambiente
também acontece com as indústrias, segundo a CF-2004. “O custo para tratar essa
água, tornando-a reutilizável para consumo humano, tem que ser debitado a quem a
poluiu, e não a toda a população que vai usá-la.” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS
BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 24). Contudo, a CF lembrou que o princípio poluidor-
pagador tem duas faces. Ao mesmo tempo em que possibilita inibir à poluição
através do custo com multas, pode, por elas serem baixas, garantir o direito de
pagar para poluir. Isso acontece não somente com a indústria, mas com quaisquer
atividades poluidoras (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL,
2003b, p. 34).
No uso da água para a irrigação, conforme a CF-2004, o descuido está
relacionado à transferência do custo ambiental da produção para outros países,
através da compra de grãos. Ela levou em conta também que, muitas vezes, a
irrigação é feita de forma inadequada. E lembrou que a agricultura é a atividade que
mais consome água (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL,
2003b, p. 21).
Passa pelo mesmo viés economicista aqui descrito a eliminação de mananciais,
com o desmatamento e a sucção indiscriminada de lençóis subterrâneos
(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 40), o despejo do
lixo sem tratamento.
Quando a CF falou do uso da água para a navegação, lembrou que a moderna
navegação cria importantes “caminhos que andam”. Contudo, também pode causar
danos ecológicos e ser responsável pela destruição de culturas ribeirinhas
(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 22).
Também um descuido relacionado ao fato de se ver a água apenas como um
recurso útil economicamente é a depredação pesqueira, a pesca industrial,
“causando empobrecimento da população que vive da pesca e também a diminuição
de sua principal fonte protéica.” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO
BRASIL, 2003b, p. 23).
36
Quanto à questão da distribuição, relacionada com a questão transversal que se
apresentou acima, a CF-2004 mostrou que no Brasil, mais do que falta d’água, o que
falta é gerenciamento. Este passa pelas questões do cuidado, além da própria
distribuição que aqui se fala, visto que o grande problema da água está em sua falta
de qualidade, no desperdício e em sua justa distribuição (CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 31). Este gerenciamento não pode
ser delegado a especialistas somente, por mais importante que seja seu trabalho. É
algo que precisa ter o acompanhamento da sociedade (CONFERÊNCIA NACIONAL
DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 25).
A CF-2004 denunciou uma ideologia oportunista combinada com realidade da
crise da água (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p.
27). Esta ideologia incorpora a água dentro das leis do mercado. O que é raro ganha
preço. E quem não pode pagar, não pode usar. É uma distorção de uma boa
interpretação do princípio usuário-pagador. Princípio que serve como norma
reguladora de uso e não para excluir as pessoas do uso da água (CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 34). A transformação da água em
mercadoria retira a sua dimensão de direito humano, seu caráter vital, sua dimensão
sagrada (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 35).
Para a CF-2004, “se a lógica do mercado se impuser como solução, ela vai
assegurar a água para os ricos, mas não para os pobres.” (CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 36).
Os conflitos e, de modo especial, a guerra, são outra questão ética que se
apresenta pelo predomínio da lógica do mercado e dificulta a distribuição da água.
As guerras são injustas, desnecessárias e evitáveis. A CF-2004 mostrou ainda a
questão do condicionamento de empréstimos a países pobres à privatização da
água. E este não é um caminho aceitável, mesmo diante do descaso do Estado
(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 49 e 56). Um
contrato mundial da água passa a ser uma questão ética relacionada
(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 35-37).
A CF-2004 dedicou longo trecho do texto-base para discutir elementos da Lei
Nacional de Recursos Hídricos, a lei nº 9.433/97. Chamou atenção para a
necessidade de uma reflexão a respeito dos fundamentos desta lei. Segundo ela, há
um viés mercantilista dentro dela. Há também falhas na lei. Estas podem fazer com
37
que pessoas fiquem sem o direito à água e, portanto, sem direito à vida, ferindo a
própria Constituição. Um exemplo claro da ambigüidade da lei está em quando ela
se refere ao priorizar a dessedentação humana e animal em situação de escassez. A
lei deveria dizer que sempre deve haver esta prioridade, e não somente em situação
de escassez (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 43-
57).
A CF-2004 ainda discutiu a forma de participação dos comitês de bacia
hidrográfica. Apresentou omissões da lei a respeito da captação da água da chuva e
das águas subterrâneas. Dentro de aspectos legais e institucionais, apareceu
também uma crítica à criação e os objetivos da ANA, Agência Nacional de Águas, e
a questão ética das privatizações da água, relacionada com eles (CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 43-57).3
Pode-se ver como questão ética apresentada pela CF-2004 a compreensão de
que a produção de energia elétrica de origem hídrica é limpa. O Texto-base aponta
os malefícios que a hidroeletricidade traz. Diz que não se trata de descartar o uso
deste tipo de energia, mas é preciso encontrar alternativas (CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 20-21).
O uso da água como instrumento de poder é uma questão ética histórica no
Brasil. Ela é vista pela CF-2004 como um crime contra os direitos humanos.
“Quando o proprietário da terra se apropria também da água, ele mantém subjugada
toda a população local. O mesmo fazem certos políticos que controlam a distribuição
de água pelos caminhões-pipa.” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO
BRASIL, 2003b, p. 26).
Todas estas questões demonstram a intenção de a CF-2004 conscientizar, fazer
a população pensar, questionar-se. Elas apontam para valores que a comunidade
possui razoavelmente claro, mas que precisa atentar, para não deixá-los de lado nas
suas práticas.
3 Para uma análise independente da idéia que a CF-2004 tem desses comitês, confira Abers e Jorge (2005) e também A. P. Soares (2008).
38
3.4 Valores da bioética na CF-2004
Os valores epistêmicos e os valores éticos são aqui apresentados de modo
entrelaçado, relacionados à água e que a CF-2004 afirmou. Ora, os valores éticos
não são desligados dos valores epistêmicos. Estes, com a lei de Hume, foram
isolados com uma pretensa objetividade. Mas os valores epistêmicos, distintos dos
valores éticos, são também valores. Os fatos científicos sofrem influência da
subjetividade (PUTNAM, 2008, p. 50-51). Dentro da bioética, tanto Potter quanto
Helegers optaram pelo questionamento da lei de Hume, que estabelece uma
separação rigorosa entre fatos e valores.
Esta lei é em princípio aceita em filosofia moral desde que George Moore (1903) a indicou para evitar aquela que chamou de falácia naturalista e que consiste em deduzir os aspectos normativos (o que 'deve ser') a partir de descrições da realidade (o que 'é'). (SCHRAMM, 1997, p. 100-101).
Aqui se vai falar de elementos da realidade, fatos científicos, considerando-os
também como carregados de valor. Os valores éticos ou da bioética não são
desligados daqueles. Por isso, aqueles são aqui considerados como valores para a
bioética, justamente por ser a bioética considerada uma “interdisciplina”
(SCHRAMM, 1997, p. 100). Deste modo, contrariando a lei de Hume, com Potter e
Helegers, vê-se uma aproximação entre o “que é” e o que “dever ser”, dentro da
bioética.
O primeiro e principal valor observado na CF-2004 é o valor da vida. Ela,
obviamente, é condição de possibilidade para a existência de qualquer outro valor. E
sem água, a vida não é possível. Por isso, “o valor supremo da água é o valor
biológico.” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 27).
A água é uma necessidade primária, portanto, direito e patrimônio de todos os seres vivos, não apenas da humanidade. A água é, por excelência, um bem de destinação universal. A primazia da vida se estabelece sobre todos os outros possíveis usos da água. (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 19).
A água é um bem que proporciona um conjunto de bens alienáveis para todos os
seres vivos. O ciclo da água é um serviço à vida. A água, portanto, possui valor por
causa da vida. “[…] A água é o fundamento de todas as formas de vida e a vida não
existe sem ela. A água é biologicamente imprescindível e insubstituível. A vida não
pode existir sem ela e ela não pode ser substituída por outro elemento.”
(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 25). Por isso, as
39
leis de mercado não podem funcionar sobre a água da mesma forma como
funcionam sobre outros bens substituíveis (PETRELLA, 2002, p. 83-84).
As gerações futuras também fazem parte desta universalidade da destinação da
água com quantidade e qualidade (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO
BRASIL, 2003b, p. 58). E pelo fato de a água ser patrimônio não somente dos
humanos, aqui se pensa nas gerações futuras de todos os seres vivos. A água é a
vida da terra e a biodiversidade apresenta-se como valor. Onde há mais água e de
boa qualidade há maior biodiversidade.
Relacionado com o valor vida está o valor saúde, que também depende da água
de boa qualidade. Há uma relação entre qualidade da água e qualidade de vida e
saúde. “A maioria das doenças do planeta é causada pelo uso de água imprópria
para o consumo humano.” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL,
2003b, p. 16). A água é fonte de sustento para a vida e a saúde. Ela é comparável
ao alimento como fonte primária e indissociável de vida. Ela também faz parta da
luta pela superação da miséria e da fome.
O valor social da água é decorrente do seu valor biológico. “Impossível pensar
numa sociedade saudável, harmônica e em paz, sem água de qualidade para todos
os seus cidadãos.” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b,
p. 25). A fraternidade, a vida fraterna, o espírito comunitário como realidades
apreciáveis, como valor, passam por isso, pelo direito de todos aos bens
necessários para bem viver. Passam pela justiça e pelo amor. Se a água é um bem
comum, universal, ela é um direito humano, por ser indissociável à vida, então a
justiça precisa acontecer.
Segundo Malvezzi (ANEXO B), a CF-2004 trouxe algo novo para o Brasil: “o
conceito da água como um direito humano, um bem público, não comercializável.”
Se a questão ética transversal apresentada acima é a do reducionismo economicista
que envolve a água, o valor que é reafirmado como reposta é a água compreendida
como um direito humano. “O direito das pessoas, sobretudo dos mais pobres, a uma
vida digna é o verdadeiro bem supremo, ao qual todos os outros direitos devem
estar orientados e submissos.” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO
BRASIL, 2003b, p. 73). Não é possível que haja seres humanos sem água por causa
de interesses privados, por causa do valor do lucro. A água precisa ser vista como
40
fonte de vida e não como fonte de lucros. Ela deve estar acessível a todas as
pessoas, independentemente se elas possuem recursos ou não.
É sob estes valores que está posto o consumo humano e a dessedentação animal
como prioridades sobre os outros usos da água. Isso não somente em situação de
escassez, como se pode interpretar na lei nº 9.433/97 (CONFERÊNCIA NACIONAL
DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 50).
A CF-2004 apresentou o valor do multiuso da água. “[…] ela tem mais usos que
simplesmente o consumo humano e a satisfação das necessidades vitais dos
demais seres vivos.” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL,
2003b, p. 20). A água serve para o consumo humano, para a irrigação, para a
produção de energia, para a navegação, para a pesca, para a indústria, para o lazer
e para o uso medicinal (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL,
2003b, p. 20-24).
A CF-2004 lembrou também o valor paisagístico e turístico da água. Contudo,
assevera que as paisagens sem água de qualidade seriam mortas (CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 26).
Os valores religiosos podem ser vistos como a estrita contribuição da CF-2004.
Nela (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 60-70),
Deus foi visto como aquele que povoa a terra com as criaturas que são dele, e como
o criador de todas as águas. É aquele que acompanha o povo e dá a todos água e
alimento em abundância. Deus conduz o povo para as fontes de água viva. Ele
liberta o povo da escravidão. No dilúvio ele garante que nunca mais as águas
destruirão a vida. Ele mesmo se faz água viva e todos poderão beber do manancial
da salvação que Ele é. Ele é a esperança de não ter mais sede.
Segundo a CF-2004 (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL,
2003b, p. 66), há um projeto de amor que Deus quer para todos. Isso não nega a
liberdade do ser humano, justamente o contrário. É convite ao protagonismo do ser
humano. O próprio batismo cristão, cuja matéria necessária é a água, aparece com o
significado de resposta ao convite que Deus faz em comprometer-se com a sua obra
(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 67-72).
A água é fonte de vida, meio de purificação, centro de regenerescência também
para a CF-2004. Ela lembrou da água presente nos rituais fundamentais, como o
batismo, e nos sacramentais, como a água benta (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS
41
BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 25). Ela é sinal de serviço, no lava-pés e sinal de
vida eterna, na água viva que brota do lado aberto de Cristo (CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 5). Ela foi vista como tendo uma
dimensão sagrada, medicamento, tesouro escondido, ponto de relação entre o céu e
a terra, passagem da escravidão para a libertação, sinal da ação benéfica do céu
que gera vida, lugar de encontro com Deus (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS
BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 61-64).
É a compreensão mística da água. Ela foi vista como uma realidade profunda,
carregada de significados, sempre inatingíveis. Isto porque, segundo Moioli (1993, p.
770), a mística significa “a experiência religiosa de unidade-comunhão-presença,
onde o que se sabe é precisamente a realidade, o dado desta unidade-comunhão-
presença, e não reflexão, conceitualização, racionalização do dado religioso vivido.”
A natureza deixa de ser um objeto vazio de sentido, em que se pode colonizar,
consumir sem medidas, usufruir sem nenhum domínio cuidador. Na CF-2004, com a
idéia da criação como dádiva ou dom, inverteu-se:
[…] a atitude da modernidade capitalista: no lugar de explorar os bens em vista de interesses até antiéticos, considera-os dons que levam o homem ao amor e ao serviço de Deus. Tudo isso nos liberta, pois, da idéia de domínio despótico sobre as coisas. (RAMPAZZO, 2007, p 31).
O humano é compreendido como um ser de cuidado. Se ele não corresponder
com o que ele é, a vida fica prejudicada. O valor do cuidado é um dos que se
destaca explicitamente no Texto-base da CF-2004. Ele é chamado de princípio, junto
com a co-responsabilidade e a solidariedade. O cuidado é:
[…] aquela predisposição que antecede qualquer outro ato e que permite que ele surja, como a inteligência, a vontade e a criatividade. É uma relação amorosa para com a realidade, supõe envolvimento, desvelo e atenção especialmente para com os seres vivos. (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 74).
O cuidado é um valor que promove o bem do ser humano e de toda a espécie de
vida. Ele aparece como extremamente necessário na relação do ser humano com a
água, elemento natural indispensável para a vida. Diante da falta de cuidado com a
água, a vida é maltratada. Juntamente com o cuidado aparece a idéia da proteção
(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 40).
Outro valor bioético que aparece às claras é a co-responsabilidade. Quem cuida
eticamente é o ser humano. Ele é capaz de ética. Por isso, ele é responsável. A
responsabilidade, então, vem da capacidade que o ser humano possui de ser sujeito
42
de seus atos, de fazer escolhas para o bem ou para o mal (CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 75). A co-responsabilidade é o
viver esta capacidade com os outros. Merece estima e apreço o incentivo e o
exercício desta capacidade humana. Aqui se pode pensar a responsabilidade em
sintonia com Jonas (2006), quando ele a apresenta numa visão ampla, estendendo-
a para as gerações futuras.
A CF-2004 convidou para a responsabilidade em torno da missão evangelizadora,
da promoção humana e da construção de uma sociedade justa e solidária
(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 11). Em torno da
co-responsabilidade campearam a conscientização, o discernimento, o
conhecimento, a participação popular, a democracia e uma conversão coletiva às
questões éticas e aos outros valores apresentados pela CF-2004 (CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 13; 76; 80).
A solidariedade também foi um valor que guiou a reflexão bioética em torno da
água na CF-2004. Ela mostrou-se como a interdependência dos seres em suas
relações para a garantia da existência e sustentabilidade. Por ela não há
necessariamente a exclusão do mais fraco como na seleção natural. Em nível
humano, vale o cuidado interativo entre os seres (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS
BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 75).
O Ensino Social da Igreja tem um princípio que é chamado de subsidiariedade
(LEÃO XIII, 1981). Ele apareceu implicitamente nos dos objetivos específicos
(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 13), mas
também em toda a CF-2004, quando ela sugeriu, promoveu e apoiou as iniciativas
locais em torno do cuidado e da distribuição da água.
3.5 Propostas práticas da CF-2004
A CF-2004, assim como as campanhas de outros anos, incentivou o
desenvolvimento de práticas. Fez menção a algumas, mas, acima de tudo,
incentivou a criatividade local. É claro que houve também práticas amplas
promovidas pela própria articulação nacional da CF. Ela apresentou as sugestões de
práticas que seguem.
43
Promover o conhecimento da realidade local no que diz respeito à água. Para
isso, aparece sugerido um questionário no anexo 1 do Texto-Base; também são
sugeridas visitas aos mananciais; celebração da água nos locais; promoção de uma
nova mística da água, quer dizer, um novo modo de ver a água e a natureza; motivar
a busca de adesões para os problemas locais; controle da qualidade da água local;
maior uso da água na liturgia; motivar círculos bíblicos e celebrações diversas
(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 79-93).
Além destas sugestões que envolvem projetos mais diretamente locais, no Texto-
base aparecem as sugestões e promoções de projetos de maior alcance, sem que
deixem de ter incidência na realidade local. São eles (CONFERÊNCIA NACIONAL
DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 81-93): Encaminhamento de soluções globais;
pensar a realização da Romaria da terra e da água em cada diocese brasileira;
ajudar concretamente no projeto de convivência com o semi-árido; necessidade de
ter uma política de captação da água da chuva; preservação dos lagos para
reprodução na Amazônia; acordos de pesca e reprodução de peixes; fortalecimento
da pastoral dos pescadores; apoiar áreas de preservação ambiental permanente,
mananciais e mangues; revitalização dos rios; aproveitamento de águas no meio
urbano e rural; sensibilizar sobre a realidade urbana; sensibilização sobre a situação
mundial da carência da água; apoiar o rumo livre aos rios e mares, para pescadores,
respeitando os ciclos da natureza; apoiar fóruns de discussão existentes sobre a
água e incentivar a criação de novos; acompanhar iniciativas do Parlamento Mundial
da Água; maior participação nas questões sobre a água no Fórum Social Mundial;
conhecer, acompanhar com visão crítica, outra formação e a atuação dos Comitês
de Bacias Hidrográficas; participação do abaixo-assinado para a revisão dos
fundamentos da lei 9.433/97. apoio aos movimentos de resistência contra a
privatização das águas; Apoio aos atingidos por barragens; participação no gesto
concreto que é a Coleta da Solidariedade.
Houve, como se vê, incentivo a práticas locais, bem como à participação em
práticas promovidas de modo amplo pela CF-2004. Elas foram proposições para a
comunidade local e para a grande comunidade, a população brasileira de modo
especial. Estas práticas, que significam a dimensão do agir do método da CF,
procuraram sintonia com as outras duas dimensões, o ver e o julgar. No Texto-base
44
da CF-2004, elas aparecem depois de uma leitura da realidade com a ajuda da
ciência, e do julgamento com a ajuda de elementos teológicos.
3.6 Publicidade e envolvimentos da CF-2004
A publicidade e os envolvimentos da CF-2004 referenciam-se à força e ao esforço
que ela teve na formação comunitária no Brasil.
TABELA 1 – Peças utilizadas na CF-2004 e respectivas quantidades - 2004 Peças da CF-2004 Unidades Adesivo Cartaz 4.836 Adesivo Lema 7.474 Calendário Fraternidade 6.897 Calendário Salesiano 8.785 Cartaz Grande 90.109 Cartaz Médio 78.655 Cartaz Pequeno 46.001 CD (músicas da CF) 29.581 Círculos Bíblicos Ecumênicos* 40.489 Encontros Catequéticos* 86.364 Ensino Fund. I Crianças AEC* 9.916 Ensino Fund. II Adolescentes AEC* 9.274 Ensino Médio Jovens AEC* 7.327 Fita K-7 Cantos da CF 11.991 Fraternidade Grupo de Reflexão* 18.693 Fraternidade Viva* 5.386 Kit com 05 Folders 154.866 Manual da CF* 18.068 Outdoor CF 50 Postal c/ Oração 176.553 Postal s/ Oração 16.132 Texto-Base* 57.194 Via Sacra* 157.316 Vigília Eucarística e Celebração da Misericórdia* 51.746 Total 1.093.703
Fonte: Editora Salesiana (SILVA, V., 2008) 4. (*) Indicação de que a peça é um livro. Sobre o que é cada peça, pode ser encontrado no ANEXO A deste estudo.
A CF-2004, como todas as outras, para ser veiculada, envolveu a estrutura capilar
e as ações já existentes da Igreja, como foi descrito no primeiro capítulo. Também
ela se valeu das costumeiras peças publicitárias para atingir alguns de seus
objetivos, para se tornar conhecida e ser colocada em prática. A tabela acima
apresenta as peças da CF-2004, com suas respectivas quantidades encomendadas.
4 A Editora Salesiana não informou a respeito de outras peças existentes. São agendas, bonés, camisetas, spot para TV, jingle para rádio, vídeo sobre a Campanha, cuja existência sabe-se.
45
Ele dá uma idéia do esforço feito para a divulgação da CF. É óbvio que cada peça
tem uma força publicitária, informativa e formativa diferente.
Além destas peças, há os jingles para rádio, que foram distribuídos gratuitamente
pela internet, no site www.editorasalesiana.com.br. Também há os chamados spots
para TV que ajudaram na divulgação da CF.
As peças demonstram uma preocupação publicitária e pedagógica em atingir os
mais variados públicos (ANEXO A). Por exemplo, existe uma versão popular do
Texto-base chamada Fraternidade viva. Também livros para encontros com jovens,
adolescentes e crianças, ou mesmo grupos de famílias. Além das peças publicitárias
de alcance do público em geral.
Segundo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (2003a, p. 2), a CF-2004
intentou envolver o maior número de interessados para a sua divulgação. Para isso
dentro dos regionais, dioceses e paróquias, além das escolas, aconteceu a
formação de lideranças. Existe uma das peças da CF-2004 que trabalha esta
formação, além do Texto-base. É a Formação para Multiplicadores. Para ela, a
capacitação para multiplicadores é a peça que:
Apresenta a síntese das reflexões do Texto-base, além de orientações práticas para a divulgação da CF. Também motiva a participação dos grupos eclesiais e de todas as organizações da sociedade. De fato, a CF deve envolver toda a sociedade, especialmente as escolas/colégios, os meios de comunicação e as muitas organizações das comunidades eclesiais. (2003a, p. 2).
Além desses envolvimentos relacionados à publicidade, a CF-2004 estabeleceu
relacionamentos com sujeitos internos e externos à Igreja que deram autoridade ao
processo que ela procurou levar adiante. Isso indica que não foi uma iniciativa de
alguns, sem o respaldo de quem representa toda a comunidade eclesial. Assim, ela
chamou para participar, como apoio, o Papa, o Pontifício Conselho Justiça e Paz, o
Núncio Apostólico. Através de artigos presentes no Arquivo da Secretaria Executiva
da CF (2008) aparecem os bispos responsáveis pelas pastorais sociais e teólogos
afinados com o tema, envolvidos com a campanha.
Através de cartas, convites e notícias aparece no arquivo acima citado o
relacionamento da CF-2004 com o Ministério Público Federal, a OAB, a Comissão
Brasileira Justiça e Paz, a Câmara dos Deputados, a ANA, Ministério do Meio
Ambiente, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a Frente
46
Parlamentar das Águas, comitês de bacia hidrográfica, os movimentos sociais e
sindicais e ONGs.
Trocas de e-mails e notas de esclarecimentos a respeito da questão bioética da
cobrança pela água foram emitidas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,
tendo em vista alguns mal-entendidos em relação a este conteúdo do Texto-base.
Aqui também entra o diálogo que a CF-2004 estabeleceu com cientistas que
discordaram de idéias apresentadas por ela. Contudo, também houve a assessoria
de institutos de pesquisa e diversas outras entidades da sociedade civil
principalmente na percepção do estado real das águas no Brasil (DEFENSORIA
DAS ÁGUAS, 2004).
Como a criatividade local foi valorizada, deduz-se o envolvimento de grande
número de agentes espalhados por todo o Brasil.
3.7 Práticas da CF-2004 realizadas
Um dos resultados da CF é aquele que adveio do chamado gesto concreto, isto é,
da Coleta da Solidariedade, feita no Domingo de Ramos, um domingo antes da
Páscoa. Quer dizer que, possivelmente, ela foi feita depois de um tempo de reflexão
sobre o delimitado tema anual. Dos recursos vindos desta coleta, 60% ficam no
Fundo Diocesano de Solidariedade e os outros 40% são enviados ao Fundo
Nacional de Solidariedade. Este último ajuda financeiramente projetos por todo o
Brasil que possuem relação com a CF do ano do pedido de apoio ao projeto. Quem
coordena o Fundo Nacional de Solidariedade, criado em 1998 pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil, é a Cáritas, um dos seus Organismos. Os projetos
apoiados pela Cáritas, através do Fundo Nacional de Solidariedade, são solicitações
de paróquias e suas pastorais e outras entidades (CÁRITAS BRASILEIRA, 2008).
Olhando-se para a lista de projetos aprovados pela Cáritas no ano de 2004 e que
possuíram relação direta com o tema da água, pôde-se classificá-los da forma como
aparece abaixo na tabela 2.
47
TABELA 2 – Projetos financiados pelo Fundo Nacional da Solidariedade - 2004 Projetos Quantidade Valor aprovado (R$) Projetos educativos de gestão e participação para o cuidado e integração com a água 83 1.300.221,83Investimento no abastecimento de água 18 195.517,00 Construção de cisternas de placas 46 580.168,00 Construção de poços 10 143.908,00Construção de pequenas barragens 5 55.578,00 Melhoria habitacional no semi-árido 2 65.076,00 Defensoria da água 1 15.000,00 Total 165 2.355.468,83 Fonte: Cáritas Brasileira – Secretariado Nacional Nota: A classificação dos projetos foi por nós realizada, a partir do título de cada projeto.
Nota-se pela tabela 3 que grande parte dos projetos aprovados no ano de 2004
foi para a região Nordeste do Brasil. Em segundo lugar, aparece a região Sudeste.
Isso coincide com o conhecimento científico. As necessidades destas regiões, em
torno do tema em questão, são maiores do que nas outras regiões do país.
Justamente pelo aumento das demandas, pelo processo de urbanização
desordenado (REBOUÇAS; BRAGA; TUNDISI, 2006, P. 28), e pela falta de
eficiência das organizações públicas e privadas (REBOUÇAS, 1997).
TABELA 3 – Distribuição dos projetos financiados pelo Fundo Nacional da Solidariedade, em 2004, por região do Brasil. Região Número de Projetos Valor aprovado (R$) Nordeste 86 1.306.530,83Sudeste 31 412.438,00Centro-Oeste 19 288.300,00Sul 17 193.235,00Norte 12 154.965,00Total 165 2.355.468,83Fonte: Cáritas Brasileira – Secretariado Nacional. Nota: A organização dos dados foi por nós realizada.
Todos os projetos intentam um caráter educativo, tanto aqueles que
apresentaram práticas diretamente educativas, como aqueles que geraram outro
bem para a comunidade. Um exemplo foi o da construção de cisternas e pequenas
barragens para captação da água da chuva no semi-árido. Estes projetos entraram
na esteira de outros que já existiam anteriormente. São os projetos de convivência
com o semi-árido. Neles há todo um processo participativo da comunidade, ou de
um grupo de famílias, que envolve desde o diagnóstico e planejamento da obra até o
seu funcionamento. Esse processo acaba educando a comunidade para uma
integração com o ecossistema local. Ela passa a não mais esperar passivamente
48
pela água da chuva ou do caminhão pipa, mas previne-se acumulando água de cada
chuva nas cisternas (CÁRITAS BRASILEIRA; COMISSÃO PASTORAL DA TERRA;
FIAN/BRASIL, 2001).
A compreensão que as pessoas têm de Deus procura ser modificada. De alguém
que castiga e faz chover somente a partir de determinados cultos que o povo realiza,
a alguém que pede a participação do ser humano em integração com o ecossistema
local, com aquilo que ele já oferece (CÁRITAS BRASILEIRA; COMISSÃO
PASTORAL DA TERRA; FIAN/BRASIL, 2001, p. 37). Neste sentido, o fatalismo
procura ser deixado para trás para dar lugar à prevenção, a “um aproveitamento
mais racional das forças da natureza.” (CÁRITAS BRASILEIRA; COMISSÃO
PASTORAL DA TERRA; FIAN/BRASIL, 2001, p. 35).
Enquanto uma comunidade constrói uma cisterna de placas, ela atribui valores
relacionados ao cuidado e integração com o ambiente natural em que ela vive. A
captação da água da chuva tem uma dimensão valorativa diferente da construção de
açudes, ou da transposição de bacias. Quando um açude é construído, ele pode
servir para muitas famílias, mas a água torna-se salinizada e a integração com o
ecossistema local não se dá de uma forma satisfatória. Além disso, como muitas
vezes aconteceu na história, o açude pode ficar nas mãos de proprietários de terra e
passam a servir como jogo de pressão eleitoral sobre as pessoas (CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, 56).
Quando as comunidades constroem uma cisterna para a captação da água da
chuva, leva-se em conta o princípio da distribuição dos bens, para que mais pessoas
consigam usufruir daquilo que a natureza dá. E ela dá com suficiência, visto que no
semi-árido Brasileiro há chuvas satisfatórios para a dessedentação de animais e
pessoas. Contudo, as cisternas são um pequeno passo para uma mudança maior
em termos de convivência com o Semi-Árido. Uma reforma agrária se faz necessária
(CÁRITAS BRASILEIRA; COMISSÃO PASTORAL DA TERRA; FIAN/BRASIL, 2001,
p. 22).
Os projetos podem ser vistos como resultados da CF, na medida em que eles
foram preparados pelas comunidades, tendo em vista a temática da mesma.
Contudo, eles também acabaram sendo meios que estenderam a CF. Os projetos
são também formas de levar adiante os seus objetivos.
49
Segundo Leonardo Aguiar Morelli (2008), a partir de um olhar anterior à
realização da CF-2004, uma das missões de tal campanha seria realizar um
diagnóstico participativo da situação das águas no país, através de um questionário
distribuído às paróquias. Como o resultado possivelmente apresentaria uma série de
denúncias e, tendo em vista as deficiências nas políticas públicas de controle sobre
a posse e exploração de bens naturais, procurou-se um novo modelo de tratamento
delas, das denúncias de comunidades afetadas pela poluição das águas. Foi então
que, com a colaboração de diversas entidades governamentais e não
governamentais, criou-se a Defensoria da Água (MORELLI, 2008). Ela “é um
colegiado de instituições dedicado à defesa da sociedade nas demandas relativas
ao uso, acesso e contaminação das águas.” (SOCIAL JUSTICE NETWORK, 2008).
Segundo sua página na internet, a entidade foi oficialmente criada para em 16 de
março de 2004 (SOCIAL JUSTICE NETWORK, 2008).
A Defensoria será um instrumento da Campanha da Fraternidade de 2004 cujo lema é "Água, fonte de vida" que tem como objetivo capacitar a sociedade civil na defesa do acesso à água de boa qualidade, criando instrumentos capazes de garantir o exercício de seus direitos ambientais. (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, MPF, 2004).
Depois do ano de 2004, a Defensoria da Água atuou ainda na CF-2007, quando
teve como tema “Fraternidade e Amazônia”. Mas o importante é que ela expandiu-se
e gerou um “modelo alternativo de implementação de ações que garantem a
efetivação de direitos sociais [...]” (MORELLI, 2008). Isto é, a partir da experiência
bem sucedida da Defensoria da Água, estruturou-se o conceito de Defensorias
Sociais,
[...] colegiado de instituições dedicado ao suporte às ações em defesa dos direitos coletivos da sociedade, a partir da articulação de mecanismos de suporte ao melhor e mais eficiente encaminhamento das demandas recebidas pela internet, correio ou por telefone. (MORELLI, 2008).
Outras defensorias foram criadas, como a Defensoria da Paz e a Defensoria
Social.5 Podem ser vistas como efeitos da CF-2004.
O abaixo-assinado promovido pela CF-2004 para a mudança na lei n° 9.433/97, a
lei de recursos hídricos, conseguiu coletar 561.483 assinaturas (CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2004b). É difícil supor o nível de discussão
que a coleta de assinaturas possa ter gerado.
5 Para conhecer melhor as defensorias, acessar o site
50
É possível supor outros acontecimentos provocados pela CF-2004. A coleta de
dados realizada permitiu estes apresentados acima. Contudo, algumas inferências
podem ainda ser feitas em relação a eles:
Como a CF-2004 foi uma proposição que deu incentivo à criatividade local,
possivelmente muita coisa que aqui não pôde ser vista aconteceu. Prates (2007, p.
522) afirma que há um arrefecimento atual da vitalidade da fraternidade-libertadora
em relação à experiência primaveril iniciática da CF. Torna-se impossível avaliar
com maior precisão qual o efeito da CF-2004. Mesmo porque poucas dioceses e
regionais enviaram as respostas à avaliação que sugere o texto-base. E as
respostas que apareceram nestas que foram enviadas são muito vagas
(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2004a).
51
4 SIGNIFICADO DA CF-2004 PARA A BIOÉTICA
Diante da crítica ambiental incitada pela água, até agora foi vista a necessidade
de formação comunitária para valores da bioética. As iniciativas religiosas
apareceram como contributivas. Escolheu-se a CF como uma iniciativa a ser
estudada. A CF-2004 sobre a água foi analisada a partir de algumas categorias: a
sua construção, o seu desdobramento e o seu alcance. Delas surgiram os dados
descritos no segundo capítulo. Trata-se agora de interpretá-los, para se colherem os
aspectos ou o alcance da CF-2004 na formação comunitária para valores da
bioética.
Já se notou anteriormente que os valores foram assumidos como qualidades
intrínsecas atribuídas aos objetos que suscitam admiração, estima, respeito, afeto,
busca e complacência. Mas também assumidos como atribuições do sujeito e guias
de suas práticas. Do mesmo modo, a bioética foi assumida como uma ética, uma
crítica às práticas e aos valores. Ela apareceu como uma perspectiva cultural e uma
força política, por isso, também possui uma escala de valores e tenciona para a
formação da população como um todo para seus valores. E, por ser ética, a lógica é
para a formação de sujeitos críticos. A bioética, então, possui uma característica
crítico-pedagógica, cujo serviço pode ser convenientemente oferecido à população.
A consciência crítica em Paulo Freire é assumida aqui como mobilizadora da
bioética nas pessoas. Deste modo, a identificação dos aspectos da contribuição da
CF-2004 sobre a água na formação comunitária para valores da bioética passa pela
verificação do quanto ela despertou a consciência crítica. Isto porque tal formação
passa pelo desenvolvimento da capacidade crítico-reflexiva. Lembra-se que a ética é
reflexiva.
Com uma pesquisa bibliográfica, o conceito de consciência crítica em Paulo Freire
aqui é descrito, com ajuda de algumas sintonizadas reflexões pedagógicas de Elli
Benincá. Compreende-se também como se forma a consciência crítica. E,
posteriormente, através disto, identificam-se os aspectos de contribuição da CF-
2004 sobre a água na formação comunitária para valores da bioética.
52
4.1 A consciência crítica em Paulo Freire
A elaboração do pensamento de Paulo Freire acontece dentro de um determinado
tempo da história brasileira em transição, com a presença forte do movimento
popular.6 Só que esta transição se defronta com a ditadura militar brasileira. “Suas
idéias nascem como uma das expressões da emergência política das classes
populares e, ao mesmo tempo, conduzem a uma reflexão e a uma prática dirigidas
sobre o movimento popular.” (WEFFORT, 2003, p. 12).
Por este contexto, um tema muito caro ao pensamento de Paulo Freire é o da
consciência, que deve passar de ingênua à crítica, como um processo de superação
que o oprimido precisa realizar para libertar-se e libertar (FREIRE, 1987, p. 30-31).
Para ele (1987, p. 66), a consciência ingênua se expressa dentro de uma concepção
bancária de educação, que serve como prática de dominação. Ela é concebida como
um recipiente “como se fosse alguma seção ‘dentro’ dos homens, mecanicistamente
compartimentada, passivamente aberta ao mundo que a irá ‘enchendo’ de
realidade.” (1987, p. 63). Ela é simplesmente reprodutora do que se lhe é oferecido.
O trabalho do educando é simplesmente imitar o mundo.
Segundo Benincá (2002, p. 53), semelhante conseqüência acontece a partir da
constituição da consciência prática, também chamada consciência disponível. A
consciência prática se constitui a partir do cotidiano, ou seja, do contexto onde se
dão as atividades espontâneas.
O cotidiano no qual o sujeito está imerso oferece o sentido dos objetos e das ações que constituem a consciência, que, por isso, é plena de sentidos, os quais intencionam as ações. (…) O cotidiano, então, se recria enquanto reproduz o sentido do mundo nos sujeitos da ação, mas estes, por sua vez, reconstroem o cotidiano e reproduzem a cultura nele existente. O conhecimento construído neste estágio da consciência é denominado de conhecimento do senso comum. (BENINCÁ; GRUPO DE PESQUISA, 2002, p. 53-54).
Por não viver um processo reflexivo, a consciência prática, disponível, ingênua,
vive compartimentada. Por isso, não raramente ela é contraditória. O sujeito possui
um discurso que aprendeu e concomitantemente uma prática que o contradiz.
Justamente porque criou uma consciência prática do discurso. Possui discursos
disponíveis para cada situação, muitas vezes contraditórios. As práticas mesmas
são contraditórias. A querida mudança da prática não passou de uma mudança no
6 As Campanhas de Fraternidade já se realizavam neste tempo e recebem o influxo do pensamento de Freire, como foi visto no primeiro capítulo.
53
discurso. Não consegue relacionar teoria e prática. Cria uma prática política do
discurso que apenas acena para a possibilidade teórica de mudar (BENINCÁ;
GRUPO DE PESQUISA, 2002, p. 56-57).
Neste modo de consciência o que há é uma acomodação, ajustamento, o que tira
o homem da história e do âmbito da liberdade que as relações lhe possibilitam. Para
que este esquema da consciência prática ingênua seja transformado é preciso
estabelecer um processo de reflexão, de crítica. Freire (2003, p. 52) salienta “a
necessidade de uma permanente atitude crítica, único modo pelo qual o homem
realizará sua vocação natural de integrar-se, superando a atitude do simples
ajustamento ou acomodação, apreendendo temas e tarefas de sua época.”
O conceito de consciência crítica em Paulo Freire, portanto, parte da
compreensão de ser humano como ser no mundo, ser de relações, finito, inacabado,
inconcluso, capaz de transcendência (1987, p. 72). A integração com o contexto, a
partir do ser de relações que é o humano, possibilita e se aperfeiçoa na medida em
que a consciência se torna crítica (FREIRE, 2003, p. 47-50).
O humano é capaz de se relacionar com a realidade e estabelecer uma leitura
dela. Segundo Freire (1987, p. 14):
A consciência é essa misteriosa e contraditória capacidade que tem o homem de distanciar-se das coisas para fazê-las presentes, imediatamente presentes. É a presença que tem o poder de presentificar: não é representação, mas condição de representação. É um comportar-se do homem frente ao meio que o envolve, transformando-o em mundo humano.
Na consciência crítica “o homem, contudo, não capta o dado da realidade, o
fenômeno, a situação problemática pura. Na captação, juntamente com o problema,
com o fenômeno, capta também seus nexos causais. Apreende a causalidade.”
(FREIRE, 2003, p. 113).
A consciência crítica é aquela que transcende o dado da realidade. Pela sua
intencionalidade transcendental, consegue ultrapassar os momentos e as situações
que tendem a aprisioná-la. Por isso, ela é capaz de crítica. O fato é que ela faz
objetivação. Com isso, objetiva-se e surpreende-se em sua subjetividade. Neste
movimento da consciência, o homem se descobre como sujeito instaurador desse
mundo da sua experiência. A consciência do mundo, das relações
(intersubjetivação) é a progressiva conscientização que faz gerir a transformação
(FIORI, 1967, p.15-16).
54
Desta forma, a transcendência que é característica da consciência crítica não está
somente na leitura da realidade que cerca o humano e de suas causalidades. Está
na própria compreensão de si. Para Freire, a transcendência do ser humano está
também “na raiz de sua finitude. Na consciência que tem desta finitude. Do ser
incabado que é e cuja plenitude se acha ligada com seu Criador.” (FREIRE, 2003, p.
48).
A consciência crítica possibilita a opção radical, amorosa, humilde, comunicativa,
transformadora do homem. É o homem radical de Paulo Freire. Segundo ele (2003,
p. 59):
O radical (…) rejeita o ativismo e submete sua ação à reflexão. O sectário nada cria porque não ama. Não respeita a opção dos outros. Pretende impor a sua que não é opção, mas fanatismo. Daí a inclinação do sectário ao ativismo, que é ação sem vigilância da reflexão.
Resulta de tudo isto que a consciência critica é implicativa. Ou seja, ela interage
com as realidades nas quais o ser humano está envolvido. Ele próprio, seu
pensamento, seu modo de ser, seu cotidiano e suas ações são objetos de reflexão
da consciência crítica. Eles também constituem estas realidades. O ser humano vive
no mundo, num cotidiano, que lhe podem dominar, mas possui a potencialidade de ir
além dos mesmos, através da reflexão.
A reflexão não pode ser de um homem isolado do mundo, mas que leve em conta
as suas relações com o mundo e, por conseguinte, com os outros (FREIRE, 1987, p.
70). É o que Freire (1987, p. 38) diz ser a práxis: “é reflexão e ação dos homens
sobre o mundo para transformá-los.” Ela é a inserção crítica dos sujeitos no mundo.
Ela problematiza o mundo no qual os homens estão inseridos.
O cotidiano já não mais condiciona a consciência prática. As práticas, por serem
também objeto de reflexão, geram-se transformadoras. Segundo Benincá e seu
grupo de pesquisa (2002, p. 58), a consciência, constituída pelo sentido dos objetos
e das ações, pode flexionar-se sobre si mesma, objetivando-se. Assim, ela descobre
os sentidos e o cotidiano que considera natural, porque gerador dos próprios
sentidos. A avaliação e reavaliação destes sentidos possibilitam ultrapassar a ação
mecânica. A transformação só acontece no confronto da consciência consigo
mesma. Pois é nela que estão os sentidos das ações.
É um processo metodológico reflexivo e exaustivo que coincide com a práxis de
Paulo Freire. “O processo é entendido como o caminho da práxis.” (BENINCÁ,
55
GRUPO DE PESQUISA, 2002, p. 52). A reflexão se constitui em hábito, em método.
Ela transforma a consciência prática. Muda o modo de o sujeito agir. “O método não
se torna consciência disponível, somente através do estudo teórico. É através da
prática que vai se interiorizar e tornar-se espírito. Não existe um método fora da
consciência.” (BENINCÁ, 1994, p. 38).
O método proposto por Benincá parte da prática. No primeiro momento acontece
a ação. Depois vem a sistematizada observação da experiência vivenciada nesta
ação. É a verificação dos sentidos presentes na consciência. No momento seguinte
é feita a reflexão sobre o que foi sistematizado na observação. Esta reflexão é feita
em grupo. Aparecem as propostas de ação. Vem, então, uma nova ação,
recomeçando o círculo do método, sucessivamente. É a práxis (BENINCÁ, 1998, p.
134-135). A práxis não se identifica com prática. Ela é reflexão que parte da prática,
para uma nova prática. Partir da prática “implica a descoberta do sentido das ações
na consciência, que é a consciência prática.” (BENINCÁ, 1997, p. 167). Benincá e
seu grupo de pesquisa (2002, p. 62) afirmam que, “num primeiro momento, a
reflexão metódica opera a transformação do sujeito, que, por sua vez, pode
transformar seu cotidiano.”
No entremeio deste processo, as consciências fazem julgamentos, escolhas,
iluminadas por teorias, que já são advindas de escolhas. Neste sentido, é preciso
tanto um método epistemológico, na descoberta dos sentidos, quanto um juízo de
valor, no julgamento do descoberto e na escolha de uma nova constituição da
consciência prática (BENINCÁ, 1994, p. 37-38). Estes pensamentos, tanto de Freire,
quanto de Benincá, andam em sintonia com a bioética, que se quer crítica das
práticas. A consciência crítica é como a bioética: é reflexão crítica, mas não deixa de
ser guiada por valores.
Em síntese, a consciência crítica é uma capacidade que se caracteriza por ser:
transcendente, reflexiva, de discernimento, atribuidora de valores, orgânica ou não
fragmentada, relacional, dialógica, implicativa, habitual, metódica, transformadora,
geradora de sujeitos, libertadora, condutora da prática. Ela acontece na medida em
que se envolve com estas características. Quer dizer que ela acontece na medida
em que é incitada. É uma potencialidade que precisa estar sempre acordada.
56
4.2 A consciência crítica na CF-2004
A água desafia a bioética mostrando a necessidade da formação comunitária para
seus valores. É de grande alcance este desafio, pois mexe com concepções e
elementos culturais. A bioética pretende-se como uma perspectiva cultural. O
conceito de consciência crítica em Paulo Freire apareceu aqui como um elemento
mobilizador da população em favor da bioética. Só que a consciência crítica precisa
ser promovida. Agora é o momento de olhar em que aspectos a CF-2004 promoveu
a consciência crítica, contribuindo assim na formação comunitária para valores da
bioética.
O primeiro aspecto que desponta é o da participação ativa das comunidades e
variados entidades e sujeitos que a CF-2004 envolveu. Esta participação é um pré-
requisito para o acontecimento dos outros aspectos. O fato de uma iniciativa
religiosa, mesmo que relâmpago, ter envolvido a muitos, com uma estrutura já
existente, para discussões e práticas de um tema bioético, é um aspecto que precisa
ser considerado. Esta participação aparece na escolha do tema da CF-2004, quando
as comunidades realizaram avaliações nas campanhas anteriores e sugeriram
temas para as próximas. Ela também se demonstra na vida tradicional das
comunidades que sempre se envolvem com o assunto da campanha, quando ela
entra nos encontros, ritos e práticas. Costumeiro também é o relacionamento da CF
com entidades governamentais e não governamentais. Ainda aparece nas pessoas
diretamente envolvidas com as novas práticas que a CF-2004 gerou. É a
possibilidade de a bioética encontrar-se nos meios populares, na população como
um todo. É uma condição indispensável para o melhoramento da vida em suas
diversas manifestações.
Este aspecto da participação faculta a necessária popularização da bioética. As
discussões geradas nos pequenos grupos, nas comunidades locais, representam a
consciência crítica acontecendo na base da população. Por ser um tema da bioética,
é a bioética acontecendo. Não se pode pensar uma bioética somente na academia.
Ela precisa estar presente na vida do povo, como uma nova consciência prática,
uma consciência crítica das práticas da população de modo geral. Aqui a
participação é, obviamente, ativa, libertadora, formadora de sujeitos, não de seres
que mecanicamente agem. A formação de multiplicadores é uma estratégia para o
alcance de toda a população.
57
A CF-2004 mostrou que a formação da consciência crítica passa pela
comunicação. É outro aspecto importante que aflora. É o ser capaz de conduzir a
população para a reflexão, através de uma linguagem compreensível. As diferentes
peças e meios de comunicação usados são expressão desta diferença de
linguagem. Em sintonia esteve a valorização da variedade de simbolismos e
realidades regionais ambientais pela CF-2004.
A metodologia é outro aspecto necessário para a formação comunitária para
valores da bioética. A educação não é uma atividade feita às cegas. Freire e
Benincá apresentam a exigência de um método. A metodologia apareceu na CF-
2004 enquanto relação entre teoria e prática. É aquilo que Freire e Benincá chamam
de práxis. É a metodologia mesma em que se propõe a CF. Aconteceu na medida
em que ela promoveu a reflexão sobre e a partir das práticas da população como um
todo e apresentou e organizou práticas transformadoras. Ela apresentou a crítica a
suas próprias práticas e discursos, quando no convívio com pesquisadores de outras
áreas.
Ainda, acima de tudo, demonstra-se esta relação entre teoria e prática na
realização de variadas práticas incentivadas e promovidas nas diferentes realidades
do Brasil. De modo especial, citam-se os projetos das construções de cisternas para
captação da água da chuva. Além de levar em conta o princípio da subsidiariedade,
que valoriza as iniciativas locais. É o terceiro momento do método. A CF não se
limita ao estudo de um determinado tema, mas caracteriza-se pela busca de
transformação da prática em relação a determinado tema.
Para a CF-2004, não basta um pensamento superficial e uma prática ambiental
paliativos. Por isso, não basta dar o peixe, nem somente ensinar a pescar. Na forma
como ela mostrou as causalidades dos problemas, ela convidou para subir rio acima
e ver por que a água está suja e por que o rio não tem peixe. E, a partir disso, mudar
a prática. É a profundidade que o tema da água exigiu da CF-2004.
A CF-2004 mostrou a importância de pensar a relação entre o ser humano e o
ambiente, especialmente a água, a partir de novos valores. Ela discutiu a
legitimidade da supremacia do valor econômico sobre os outros valores em relação
à água. Tal supremacia de valor é a causa profunda dos problemas relacionados à
água. Para Rampazzo (2007, p. 18), é inegável a existência deste valor por que a
água demanda uma estrutura de captação, estocagem e distribuição. E continua:
58
“mas a redução a esse aspecto leva a considerar a água apenas como um fato
físico, biológico, jurídico, econômico e cultural.” (2007, p. 18).
A profundidade aparece no olhar novo da CF-2004, ao apresentar os valores. São
tanto os epistêmicos, quanto os éticos. Esta gama de valores deu a idéia das
realidades importantes a serem preservadas quando o assunto é água. No que diz
respeito à realidade mesma da água, ela apresentou uma escala de valores. É
importante a partir de um olhar crítico que não foi uma imposição de valores, mas
uma apresentação que fez pensar a realidade em sua profundidade.
A CF-2004 apresentou como valor supremo da água o valor biológico. Contudo,
ela afirmou, segundo Rampazzo (2007, p. 31), que “a problemática da ecologia só
alcança seu ponto mais alto quando se descobre nela a sua dimensão espiritual e
mística.” A profundidade da compreensão mística da água é o grande valor que faz
a crítica se estabelecer continuamente. Pois a mística compreende a realidade como
inesgotável em seus significados. Há sempre um além para ir. A profundidade das
significações religiosas enseja a crítica sem fim. A verdade nunca se apresenta
totalmente desnuda. Ela está na imediatez do sujeito, mas nunca totalmente
revelada (MOIOLI, 1993, p. 770).
Esta é uma especial descoberta neste estudo. Se a água é provocadora da
bioética pelas suas relações com a vida dentro do ecossistema e pelos seus
descuidos observados pela crítica ambiental, mais ainda pela sua dimensão
simbólica. Deste modo, a sua provocação é contínua. Isto é possível pelo olhar da
fé, presente em iniciativas religiosas. A dimensão espiritual e mística da água
apresenta-se como a grande provocadora.
Deste modo, a interdisciplinaridade é mais um aspecto da contribuição aqui
apresentada. Há interface entre teologia e bioética. A CF-2004 olha teologicamente
para um objeto da bioética. Uma prática a partir da fé e sua reflexão é gerada. Mas
não deixa de haver envolvimento lógico com conhecimentos de outras ciências,
trazidos na esteira da bioética.
É por isso que se delineou na CF-2004 o aspecto da transversalidade da bioética.
A bioética atravessa a população também no que diz respeito à sua dimensão
religiosa. Do mesmo modo que a religião apresenta elementos à bioética, esta
mesma, em sua transversalidade, modifica a vivência religiosa. Por ser crítica, onde
59
ela passa, transforma. O rito do batismo, que usa a água, quando perpassado pela
consciência crítica com a temática bioética da água, adensa-se. O discurso, que
existe dentro dos sacramentos e dos ritos simbólicos, fica diferente. A bioética entra
na liturgia através da consciência crítica. Ela é todo um movimento cultural, e
possibilita esse influxo transversal. Por isso ela aparece dentro do discurso de
determinadas iniciativas religiosas.
A Defensoria da Água, instituição criada pela CF-2004, possibilitou a continuidade
desta. O aspecto da institucionalização há que ser considerado. Institucionalizar
pareceu ser um passo da fraternidade libertadora. Ela está para o atendimento das
demandas que a bioética da população provoca. É uma forma de dar continuidade à
mobilização bioética que a consciência crítica provoca.
A CF-2004, nestes aspectos, ao despertar a consciência crítica, contribuiu na
formação comunitária para valores da bioética. Estes aspectos apontam que os
sujeitos envolvidos tornaram-se mais capazes de atribuir valores. Com uma
atribuição melhor de valores, puderam transformar suas práticas.
A pesquisa documental teve o mérito de trazer os aspectos amplos de
contribuição, pois se quis observar a CF-2004 em termos de Brasil. Pareceu
impossível uma pesquisa de campo que tivesse a amplitude de quantificar e
qualificar os resultados da CF-2004 no Brasil. A pesquisa perdeu na observação dos
aspectos mais localizados e quantificáveis da CF-2004. Por isso, a amplitude em
termos de quantidades de ações e de sujeitos envolvidos pela CF-2004 é uma
inferência aqui feita, a partir da combinação da tradição da CF, da estrutura da
Igreja, das entidades envolvidas. Infere-se que a CF-2004 tenha atingido grande
público.
Isso deixa margens para pensar que a CF-2004 não teve grandes influências
reais e de que ela não possui tanta incidência na formação da consciência crítica da
população em geral. Ela é uma campanha relâmpago. E, ainda mais, sabendo-se
que a CF já não possui a força prática dos seus tempos primaveris e que ela teria
arrefecido (PRATES, 2007, p. 522). Mas aqui se quis mostrar o seu valor
contributivo. As quantificações foram tantas quanto possíveis, dentro da metodologia
da pesquisa documental. Isso não tira o mérito de ela ser um importante esforço em
termos práticos e de trazer importantes reflexões para a bioética. Ela aparece como
contributiva na formação de sujeitos bioéticos.
60
É bom lembrar que não há um termômetro examinador dos níveis de consciência
crítica, de capacidade de atribuição de valores e de consciência prática
transformada. Impossível de ser posta em medidas exatas, a ética é carregada de
subjetividade. Ela apareceria também numa pesquisa de campo mais localizada.
Também a prática pedagógica, que aqui se chamou de formação comunitária, é
envolta em subjetividade. Como afirma Benincá (1998, p. 131), ela é carregada de
não determinismo, não mecanicismo e não evidência exata. Ela não permite a
utilização dos mecanismos de verificabilidade necessários à constituição do
conhecimento universal.
61
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A água, elemento essencial para a vida, carregada de significados ao longo da
história, revelou-se provocadora da bioética, a partir da crítica ambiental das últimas
décadas. A forma como ela é cuidada e distribuída mostra a carência de formação
da população para valores da bioética. A própria bioética sente-se interpelada a
responder a esta carência. O trabalho aqui apresentado apreciou as iniciativas
religiosas que contribuíram para esta formação, de modo especial, a iniciativa da
CF-2004, sobre a água, da Igreja Católica no Brasil.
O propósito foi estudar aspectos da contribuição da CF-2004 sobre a água na
formação comunitária para valores da bioética. Os resultados desta pesquisa
documental foram colhidos através de um levantamento de dados da CF realizada e
de uma leitura interpretativa de tais resultados, a partir do conceito de consciência
crítica em Paulo Freire e das contribuições do pensamento de Benincá para o
entendimento de como se dá esta consciência crítica em grupos populares.
A CF-2004, nestes aspectos, ao despertar a consciência crítica, contribuiu na
formação comunitária para valores da bioética.
Os aspectos foram encontrados e atendem, dentro das expectativas de uma
iniciativa religiosa relâmpago, à provocação bioética da água. Eles apontaram que a
CF-2004 contribuiu para o despertar da consciência crítica, mobilizadora da bioética,
na população em geral. Tendo ajudado no despertar da consciência crítica,
trabalhando um assunto da bioética, possibilitaram a formação para valores da
bioética. São os aspectos da participação da população, da necessidade de uma
metodologia, da profundidade mística vinda da religião, da apresentação de valores,
da interdisciplinaridade, da transversalidade da bioética, da institucionalização da
defesa da água.
A contribuição especificamente religiosa que apareceu esteve por conta do
aspecto da profundidade mística do significado da água. Nele observou-se a
compreensão da água como fonte inesgotável de significado. A conclusão é de que
isto engendra uma constante provocação bioética da água e instiga à permanente
crítica das práticas antrópicas.
62
Outro aspecto que se destaca frente à bioética é o da necessidade da
popularização da bioética. A população como um todo é muito sensível à temática
bioética da água. A reflexão crítica das práticas por parte de toda a população
mostrou-se como um aspecto relevante na CF-2004.
O método usado neste estudo parece ter sido adequado para a compreensão do
todo da CF-2004, como se quis, em termos do pensamento dela e de grandes
práticas em nível de Brasil. Contudo, houve dificuldades no levantamento de dados
sobre um número maior de práticas acontecidas devido à ausência dos mesmos nos
documentos. Não há avaliações amplas que poderiam conter dados a serem
resgatados por uma pesquisa documental. Uma pesquisa em um contexto
determinado, que percebesse a incidência da CF-2004 não foi a escolha feita.
Poderá ser feita em outro momento. Contudo, ela teria sua limitação em termos de
compreensão da amplitude da iniciativa no Brasil.
Ajudaria para uma compreensão das ações da CF se ela mesma conseguisse
realizar esta avaliação de modo amplo. Um órgão de pesquisa ampla poderia ser a
indicação. A tipologia deste estudo não permitiria que ele fizesse essa pesquisa que
somente um órgão de grande porte pode fazê-la.
Ou se a própria CF fizer uma avaliação em mutirão nacional, então será possível
ver em um quadro amplo como ela está transformando as realidades pelo Brasil.
Essa avaliação precisa ser pensada no sentido de encontrar o que esta acontecendo
na prática, quantificando-a.
Uma proposta que aparece dentro da tipologia deste trabalho é a de pesquisar
pequenos contextos de atuação da CF-2004. O objetivo seria estudar amostras da
sua incidência no Brasil. É claro que os aspectos apareceriam ligados ao contexto
estudado e não poderiam ser generalizados em termos de Brasil. As possibilidades
de estudos, por enquanto, sobre os aspectos contributivos da CF-2004 e de outras
edições da CF, se apresentam desta forma bastante limitadas.
A metodologia documental poderia ser usada no estudo dos projetos aprovados
pela Cáritas no ano de 2004. O objetivo poderia ser semelhante ao do estudo que
ora se discorre. Estudar-se-ia a contribuição destas práticas da CF-2004 na
formação comunitária para valores da bioética. Mais outros pesquisadores poderiam
63
levantar amostras numa pesquisa de campo junto a algumas comunidades
beneficiadas por estes projetos.
Estes são aspectos limitantes para uma análise mais detalhada e comprovada
dos resultados da CF-2004. Mas há que se reconhecer, por outro lado, que as
estratégias e instrumentos de comunicação utilizados pela Campanha têm seus
impactos já estudados e de algum modo mensurados nos estudos de comunicação.
Assim, ao fazer o levantamento do realizado pela CF, descreve-se pelo menos o
potencial comunicativo posto em prática a serviço da formação comunitária de
valores da bioética na questão da água. É bom lembrar que a CF-2004 possui uma
característica de campanha mesmo: a rapidez. Dentro destas características se dá a
contribuição da iniciativa para a formação comunitária em termos de bioética.
Este estudo partiu da situação concreta de carência da população em termos de
formação para valores da bioética. Mas implicitamente considerou as
potencialidades dos grupos sociais concretos com os quais a Campanha se
desenvolveu. Os elementos religiosos presentes nessas comunidades se mostraram
notadamente uma força de conjugação para contribuir na transformação de sua
consciência ética no que se refere à responsabilidade pela água. No potencial de
compreensão simbólica e religiosa das comunidades cristãs que participaram da CF,
a provocação bioética da água encontra uma acolhida e repercussão que superam
as simples percepções técnicas. Os valores da bioética racional se enriquecem com
uma mística transformadora, ao mesmo tempo em que a consciência crítica traz
novo vigor para as concepções religiosas que a cultivam.
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TUNDISI, José Galizia. Água no século XXI: enfrentando a escassez. 2.ed. São Carlos: Rima; IIE, 2005.
74
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WANDERLEY, Luiz Eduardo W. Educar para transformar: educação popular, Igreja Católica e política no Movimento de Educação de Base. Petrópolis: Vozes, 1984.
YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato (Org.). Recursos hídricos: aspectos éticos, jurídicos, econômicos e sócio-ambientais. Campinas: Alínea, 2007.
76
ANEXO A – CONHECENDO AS PEÇAS DA CF-20047
Texto-base
Texto-base O Texto-base é o documento oficial da Igreja no Brasil sobre o tema da CF. É a
nossa primeira ferramenta e a mais importante. Por isso, todas as pessoas
envolvidas com a CF precisam conhecê-lo e estudá-lo.
É importante que o Texto-base seja divulgado na sociedade, em outros
ambientes. A sua distribuição em escolas, universidades, centros de estudo e
bibliotecas facilita pesquisas e atividades de estudo sobre o tema.
Jornalistas, comunicadores e formadores de opinião pública devem recebê-lo bem
antes do dia do lançamento da CF. Os meios de comunicação costumam dar um
grande destaque para a Campanha.
Com adequada antecedência, agende-se um encontro com as autoridades
constituídas do Executivo, Legislativo e Judiciário. A entrega oficial do Texto-base é
uma estratégia importante para envolvê-las na discussão e mobilização em torno do
tema da CF.
Fraternidade viva A Fraternidade viva é a versão popular do Texto-base. Seu estilo de redação mais
leve e o preço acessível permitem que tenha boa aceitação entre as pessoas.
Os destinatários são as camadas populares, os grupos de jovens e adolescentes,
formadores de opinião, professores, pessoas identificadas com a causa da CF.
Manual O Manual reúne num só volume todos os textos elaborados sob a
responsabilidade e coordenação nacional da Campanha da Fraternidade: Texto-
base, Cantos da CF, Homilias quaresmais, Via-sacra, Vigília eucarística e
Celebração da misericórdia, Círculos bíblicos ecumênicos, Fraternidade no grupo de
reflexão, Encontros catequéticos para crianças e adolescentes e Jovens na CF.
7 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). CF-2004. Brasília: Secretaria Executiva da Campanha da Fraternidade, 2004c. Mimeografado. Consulta em: 18 jun. 2008.
77
Divulgação
Cartaz O Cartaz é a identificação mais imediata da CF. Deve ser exposto em lugares
públicos, no ângulo superior direito. Esse é o ponto que mais chama a atenção de
quem entra em um ambiente, seja igreja, bar, supermercado, barbearia, rodoviária
etc.
A distribuição dos cartazes deve ser feita antes da abertura oficial da Campanha.
Com uma carta, um ofício ou mesmo uma boa dose de ousadia é possível expô-los
em toda a parte.
O Cartaz é encontrado em três tamanhos: pequeno, médio e grande. Nas
escolas, é recomendável colocar o médio em cada sala de aula e o grande nos
pátios. O pequeno pode ser usado em papelógrafos, cartazes e quadros de aviso.
Há outras utilizações possíveis: em dinâmica de reflexão em grupo e motivação
para a oração; recortado em forma de quebra-cabeça e usado na discussão do
tema; como inspiração para concurso de poesias, canções, dramatizações etc.
Outdoor (cartaz de rua) O Outdoor é uma peça publicitária importante, que permite a divulgação da CF
fora das igrejas e comunidades.
Além da aquisição de Outdoors, a equipe da CF de cada cidade deve empenhar-
se para conseguir o maior número de placas para instalá-los, ao menos uma
semana antes do lançamento. Podem fazer isso junto aos empresários e
comerciantes, ou ainda negociar diretamente com as agências de publicidade.
Postal O Postal traz a imagem do cartaz em forma reduzida. Há duas versões, uma
delas com a Oração da CF no verso.
São vários os usos do Postal: para correspondência pessoal e eclesial, como
cartão de Páscoa, para distribuição nas celebrações da comunidade.
Outra sugestão é utilizá-lo na confecção de cartazes, trabalhos escolares e outros
materiais.
78
Adesivo O Adesivo é uma peça publicitária de boa aceitação. É ideal para ser colocado em
vidros de carros, residências, escritórios e outros ambientes.
Há dois tipos. O Adesivo cartaz reproduz a imagem do cartaz no fomato 8x11,5
cm. O Adesivo lema tem o formato 19x5,5 cm.
É interessante que o adesivo seja distribuído gratuitamente a quem fez uma
doação à Campanha. Uma boa sugestão é organizar gincana ou pedágio, com a
colaboração de jovens e crianças.
Calendário Com imagens bonitas e frases bíblicas para cada mês, o Calendário é uma peça
que vai bem nos ambientes mais variados: em casa, no escritório, na sacristia, no
comércio. Além disso, não se restringe ao tempo da Quaresma, mas permanece o
ano inteiro.
O Calendário pode ser vendido para ajudar nos fundos da CF, ou distribuído
como brinde. É, sem dúvida, a primeira promoção da Campanha.
Spot de TV O Spot é um comercial de trinta segundos, para ser exibido na televisão. São dois
roteiros diferentes, gravados nos formatos Betacam e U-Matic-VHS.
As equipes locais precisam entrar em contato com as TVs educativas,
comunitárias ou comerciais, e oferecer os spots. É bom lembrar que o tema da CF
tem um forte apelo e interessa à opinião pública.
Jingle para Rádio Os Jingles para rádio são distribuídos gratuitamente pela internet, no site
www.editorasalesiana.com.br. Há cinco opções, que cabem muito bem na
programação das rádios comerciais, educativas ou comunitárias. Outra sugestão é
utilizá-los em serviços de alto-falante da comunidade.
Liturgia, celebrações e encontros
Cantos da CF Os Cantos da CF são encontrados em CD e Fita cassete. Para facilitar os grupos
de animação musical, há um encarte com as letras e as partituras (no caso do CD)
ou as cifras (no caso da Fita cassete).
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Além dos cantos escolhidos no concurso nacional, foram incluídos outros, como
os de Rito de aspersão e o para Páscoa, para enriquecer as celebrações litúrgicas.
Kit com 5 fôlderes A CF é um tempo forte de vivência da caridade. O gesto concreto é a coleta da
fraternidade no domingo de Ramos.
O Kit de 5 fôlderes ajuda a despertar a comunidade para esse gesto. Para cada
domingo da Quaresma há um folheto, com reflexões sobre o tema da CF, uma
intenção para a semana e a lembrança do dia da coleta.
A entrega dos fôlderes é feita normalmente no final da celebração dominical.
Via-Sacra
O livreto da Via-Sacra associa um dos exercícios de piedade tradicional da
Quaresma com o tema da CF. Em cada estação, há orações, cantos e reflexões.
Inclui também os cantos e a oração da CF.
A via-sacra pode ser realizada tanto na igreja como nas casas. É, sem dúvida, um
dos momentos privilegiados para envolver as pessoas no compromisso de
solidariedade.
Fraternidade no grupo de reflexão Fraternidade no grupo de reflexão é um roteiro para grupos de círculos bíblicos,
elaborado principalmente para reuniões nas casas de família ou na igreja.
O livreto está organizado em seis encontros. O primeiro é uma celebração e o
último, um roteiro de via-sacra de rua. No início de cada encontro, há orientações
para o coordenador do grupo sobre os textos bíblicos que serão utilizados.
Círculos bíblicos ecumênicos Desde a CF-2000, é produzido um livreto com encontros para grupos
ecumênicos. Pode ser utilizado igualmente por grupos católicos com espiritualidade
ecumênica.
Nos cinco encontros semanais há reflexões do Texto-base e passagens bíblicas
sobre o tema da CF. O último é uma celebração, que pode ser feita com pessoas de
outras denominações cristãs.
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Vigília eucarística e Celebração da misericórdia
Neste livreto há duas celebrações próprias do período quaresmal. A Vigília
eucarística traz cantos, leituras bíblicas e orações. Pode ser utilizada, por exemplo,
pelos grupos que fazem a vigília depois da missa de Quinta-feira Santa.
A Celebração da misericórdia prepara a comunidade para viver o momento
penitencial. É um bom roteiro para as celebrações comunitárias da Reconciliação.
Catequese e Ensino Religioso
Encontros catequéticos com crianças e adolescentes
Encontros catequéticos é um roteiro de cinco encontros, com dinâmicas, textos
sobre o tema, passagens bíblicas, cantos e orações.
É todo ilustrado e tem uma linguagem bem acessível. Os destinatários são
crianças maiores e adolescentes. Insere-se bem na catequese de perseverança e de
crisma.
Jovens na CF Para os grupos de jovens da PJ e de outros movimentos, a CF prepara este
subsídio com três encontros e uma celebração.
Cada encontro segue a metodologia ver-julgar-agir. A linguagem é acessível e as
várias dinâmicas são adaptadas aos destinatários.
Cadernos da AEC A Associação das Escolas Católicas do Brasil (AEC) prepara todo ano três
subsídios sobre o tema da CF: Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e
Ensino Médio.
Em cada livreto há quatro encontros e uma celebração final. Os textos
iluminadores e as várias atividades seguem as características de cada faixa etária.
Os Cadernos da AEC podem ser usados nas aulas de Ensino Religioso Escolar ou
em outro momento, e destinam-se tanto a estudantes da rede pública como da
particular.
81
ANEXO B – ENTREVISTA COM ROBERTO MALVEZZI8
Elisandro Fiametti: Como foi o processo de elaboração do texto-base da CF-
2004?
Roberto Malvezzi: Em primeiro lugar, a questão da água já estava posta no mundo inteiro, surgia
nos Fóruns Sociais Mundiais de forma tímida e era praticamente ignorada no Brasil.
Entretanto, algumas pastorais já estavam envolvidas com a temática nas bases,
particularmente na região semi-árida. O processo político da água estava avançando
no Brasil, no sentido de sua privatização e mercantilização, sem que o conjunto da
sociedade percebesse o que estava acontecendo. Então, a Comissão Pastoral da
Terra decidiu propor à CNBB a temática da água para uma Campanha da
Fraternidade. A percepção era que esse mecanismo de evangelização continua
sendo o melhor meio de popularizar temáticas importantes no Brasil, mas que nem
sempre estão sendo devidamente compreendidas e divulgadas. A CNBB acatou a
proposta e em 2004 a água tornou-se tema da CF.
O texto-base da CF-2004 teve uma forma muito simples de elaboração.
Inicialmente, a pessoa responsável pelo processo dentro da CNBB era o Pe.
Vanzella. Então ele convocou uma pequena equipe para elaborar o texto mártir,
aquele que servirá de referência para modificações, ampliações, amputações, etc.,
até chegar a uma redação básica, que depois é lida, filtrada pelos bispos da CNBB.
O principal responsável no episcopado é o Secretário Geral da CNBB. À época era
D. Odilo Scherer.
Nessa pequena equipe estava eu (Roberto Malvezzi) e Pedro Ribeiro de Oliveira,
juntamente com o Pe. Vanzella. Eu fiz a primeira elaboração, baseado na cartilha
“Bendita Água”, elaborada por mim e Ivo Poleto para a Cáritas e CPT. Também já
tínhamos estado juntos na elaboração para essas entidades do livro “Água de
Chuva: o segredo da convivência com o semi-árido”, lançado pelas Paulinas.
Depois da primeira elaboração o texto foi revisado pelo Pedro Ribeiro, depois pela
equipe, finalmente pelo episcopado. Alguns setores governamentais tentaram influir
8 MALVEZZI, Roberto. Entrevista com Roberto Malvezzi. [Mensagem pessoal]. Mensagem recebida por: [email protected] em 15 de dez. de 2008. As perguntas foram enviadas
82
no processo, sabendo que a temática era decisiva e complexa, mas não
conseguiram.
Elisandro Fiametti: E como você avalia a CF-2004? Que resultados ela trouxe?
Roberto Malvezzi: É muito difícil avaliar o impacto de uma CF como essa. Trazia uma temática nova,
com uma perspectiva muito original. A CF trouxe para o Brasil o conceito da água
como direito humano, bem público, não privatizável, não mercantilizável, propondo
que os serviços de água permaneçam públicos. Ainda insistiu na dimensão
ecológica, social e biológica da água. Trouxe à tona a luta difícil e envolvente das
entidades do semi-árido para que todos tenham água. Questionou a legislação
brasileira por conduzir a questão da água para os caminhos empresariais, visando
sua privatização e mercantilização. Propunha ainda uma série de medidas práticas,
desde o nível pessoal até o nível maior, globalizado, de fazer da água um direito
fundamental da pessoa humana. Todas essas questões hoje são corriqueiras na
sociedade brasileira, mas naquele momento quase todas eram absolutamente
novas. Nesse sentido, a CF trouxe como um de seus principais resultados a
conscientização da sociedade brasileira a respeito da importância da água para a
sociedade, o ambiente e para a própria vida.
Quando o texto foi lançado, surpreendeu. Houve, regra geral, uma reação
extremamente positiva da sociedade brasileira. A reação negativa foi minúscula e
veio de setores que então estavam conduzindo a implantação da política brasileira
de águas, principalmente gente que ajudou elaborar a Lei Brasileira de Recursos
Hídricos, a 9.433/97. Quatro acadêmicos chegaram elaborar uma carta e enviá-la à
CNBB, tecendo um longo comentário critico ao texto. Mas, a leitura era ideológica,
sem que apresentassem qualquer argumento. Naquele momento sentimos
preocupação por parte de D. Odilo. Porém, o Pedro Ribeiro de Oliveira fez uma
resposta rápida aos acadêmicos, mostrando a fragilidade e inconsistência nas
críticas. Diante disso, D. Odilo passou a confira e defender totalmente o texto. Ele
mesmo foi uma das pessoas que posteriormente iria assumir em nível internacional
a defesa da água como um direito humano.
O impacto também se fez de modo prático. Hoje há muito mais consciência na
sociedade brasileira sobre o uso cuidadoso da água, desde o jeito de lavar uma
calçada até o jeito de tomar um banho. Entretanto, o desdobramento maior é mesmo
83
no apoio à luta pela água no semi-árido brasileiro. Tanto as Pastorais Sociais como
a CNBB, tem participação direta nas 300 mil cisternas já construídas, na luta hoje
pelas adutoras do Nordeste, na luta concreta contra a transposição do rio São
Francisco. Além do mais, a CNBB tornou-se referência mundial das Igrejas Cristãs
na luta pela água como um direito fundamental da pessoa humana.
84
ANEXO C – A CAMPANHA DA FRATERNIDADE DE 2004 POR QUEM AJUDOU A CONSTRUÍ-LA9
A Campanha da Fraternidade é uma das mais importantes ações sociais da Igreja
Católica no Brasil, há mais de 40 anos, lançada pela Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil – CNBB, desde 2000 – a cada 5 anos - ganha caráter ecumênico,
quando é coordenada pelo Conselho Nacional das Igrejas Cristãs no Brasil.
Inicialmente dedicada a temas eclesiásticos, logo ganhou dimensão pública, a
partir da reflexão de temáticas carentes de engajamento da sociedade frente a
desafios do país. Desde questões relacionadas à discriminação racial, realidade
indígena, corrupção política, ecologia e estado de direito, sua metodologia baseada
em 3 etapas de desenvolvimento (VER. JULGAR e AGIR) - possibilita o surgimento
de iniciativas multifacetadas que resultaram na mudança de paradigmas - inclusive
legais - de tratamento dos problemas brasileiros.
Dela decorreram importantes avanços no país. Um deles gerou a criação da
Pastoral da Criança, contribuindo decisivamente para salvar milhões de vidas país
afora. A CF 2004, com o lema "Água, fonte de vida", foi uma das mais produtivas
para a reflexão coletiva quanto a um dos problemas mais graves para o futuro da
humanidade.
ANTECEDENTES DE NOSSA PARTICIPAÇÃO
A escolha dos temas da Campanha da Fraternidade, geralmente ocorre dois anos
antes de sua realização e sua execução está a cargo de uma Secretaria Nacional
vinculada à Secretaria Geral da CNBB ou do CONIC. Em 2003, ano em que a ONU
dedicou esforço global na promoção do ANO INTERNACIONAL DA ÁGUA, a
Assembléia Geral dos Bispos havia renovado os quadros da CNBB, com Dom Odilo
Scherer assumindo sua Secretaria Geral, nomeando o Cônego Carlos Toffoli para a
Secretaria Executiva da CF.
Naquele ano, em decorrência de deliberação do 3º. Fórum Social Mundial em
Porto Alegre, o Movimento GRITO DAS ÁGUAS promoveu – em Cotia/SP – o 1º.
Fórum Social da Água na América Latina, com a participação de mais de 2.500
9 MORELLI, Leonardo Aguiar. A Campanha da Fraternidade de 2004 por quem ajudou a construí-la. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por: [email protected] em 18 de Nov. de 2008, [Texto integral em resposta às perguntas sobre como foi a escolha do tema e quais os resultados da CF-2004]. Leonardo Aguiar Morelli é escritor e ambientalista, Secretário Geral do Conselho Superior das DEFENSORIAS SOCIAIS e da International Global Water Coalition.
85
ativistas de 8 países, que contou com a participação do professor Luiz Antonio
Amaral (Coordenador da CF na Regional SUL 1 da CNBB) que nos convidou a
ajudar na estruturação da Campanha da Água que se realizaria no ano seguinte.
Mantivemos reuniões diversas na Arquidiocese de São Paulo e na sede da CNBB
em Brasília, levando à cúpula da Igreja no Brasil, nossa avaliação de que apesar do
país possuir uma política nacional de recursos hídricos, participativa e avançada (no
papel), a poluição avançava em progressão geométrica enquanto seu tratamento e
prevenção cresciam em progressão aritmética, numa equação que não se fecha.
Considerando que – a partir de um texto-base bem elaborado - uma das missões
da CF em 2004 seria realizar um diagnóstico participativo da situação das águas no
país, um questionário seria distribuído a mais de 10 mil paróquias com a perspectiva
de coleta de dados junto a mais de 30 mil comunidades em todo o país.
O resultado certamente indicaria que a questão da água era uma questão social,
econômica, de saúde pública e soberania dos povos. Mas as denúncias por ventura
apresentadas, dificilmente haveria conseqüência na solução de conflitos, em razão
das deficiências nas políticas públicas de controle sobre a posse e exploração das
fontes naturais.
Em 1998 fui um dos fundadores e desde então Coordenador Geral do Movimento
criado no sul de Santa Catarina, denominado GRITO DAS ÁGUAS que logo
transformou-se numa rede de ONGs e INGs dedicados à preservação das águas.
Nessa condição, coordenei e acompanhei inúmeras ações em todo o país e América
Latina, mobilizando comunidades em defesa das águas.
Nessas ações, era costume a busca pelos organismos públicos de comando e
controle com vistas ao combate de irregularidades, em especial o Ministério Público
cuja deficiência em termos de recursos e estrutura – via de regra – resultavam na
impunidade das irregularidades denunciadas. Além disso, a falta de ação integrada,
gerava crescente frustração.
A partir dessa constatação, juntamente com o Dr. Alexandre Camanho de Assis,
Procurador da República em Brasília; a Professora Araceli Ferreira especialista em
Contabilidade Ambiental, então Diretora da Faculdade de Administração e Ciências
Contábeis da UFRJ, da então Deputada Federal Selma Schons (PT/PR), então
Presidente da Frente Parlamentar da Pesca no Congresso Nacional e da Dra Maria
Rita, advogada da ONG Terra de Direitos, realizamos uma série de encontros com
vistas à elaboração de uma proposta de gesto concreto para a CF 2004 com vistas à
86
criação de um novo modelo de tratamento das denúncias das comunidades afetadas
pela poluição das águas.
Em maio de 2003, após o Fórum Social do Aqüífero Guarani, promovido pelo
Movimento GRITO DAS ÁGUAS na cidade de Araraquara no interior paulista,
criamos um Grupo de Trabalho dedicado a formular uma proposta concreta para a
CNBB e, em julho daquele mesmo ano, realizamos um seminário em Brasília, de
onde surgiram as primeiras formulações da proposta que resultou na formulação
das bases que deram origem à DEFENSORIA DA ÁGUA.
A CRIAÇÃO DA DEFENSORIA DA ÁGUA
Com base nos fundamentos expressos em sua carta de fundação (vide o menu
BIBLIOTECA do portal www.defesadavida.org.br na barra de menus
DEFENSORIAS, é possível compreender as bases que deram origem à formulação
do modelo das DEFENSORIAS SOCIAIS.
A CNBB assumiu a proposta, que contou com a participação de importantes
instituições e personalidades, vindo prestando – desde então – inúmeros serviços a
centenas de comunidades em todo o país, ao ponto de sua criação ter sido
destacada como o principal resultado dessa Campanha em documento
encaminhado ao Vaticano.
Logo após sua fundação, a DEFENSORIA DA ÁGUA foi convidada a apresentar
os resultados da Campanha ao Pontífice Conselho para a Justiça e a Paz, em
função do 1º. Encontro Mundial dos Organismos para a Promoção da Paz, em
Roma. Na mesma época, a Professora Araceli Ferreira havia sido convidada pela
ONU a apresentar o resultado de suas pesquisas em reunião temática da UNCTAD.
Deliberamos pela edição de um amplo relatório que reunisse os dados extraídos
das denúncias encaminhadas até então, dando origem à edição do estudo “O
ESTADO REAL DAS ÁGUAS NO BRASIL 2003-2004” que indicava - pela primeira
vez – que o avanço da contaminação da água estava associado às atividades
industriais.
O estudo seria então levado à Europa, mas a repercussão dos resultados gerou
inúmeras conseqüências, entre elas uma forte pressão de setores industriais ligados
à siderurgia que temiam retaliações comerciais em função da notícia de que o país
não tratava corretamente os resíduos gerados pelas atividades industriais, o que
repercutiria negativamente ao país no contexto da “guerra do aço”. As pressões
eram no sentido da retirada do apoio da CNBB à DEFENSORIA DA ÁGUA.
87
Apesar das pressões, que chegaram à cúpula da CNBB a partir d ameaça das
indústrias de suspensão de ajudas a projetos sociais da Igreja, em especial por parte
de executivos da GERDAU, PETROBRAS, entre outras, Nesse caso, Dom Odilo
Scherer manteve-se isento e não cedeu e, em março de 2008, a DEFENSORIA DA
ÁGUA reeditou o relatório com a atualização dos dados relativos ao período de 2004
a 2008.
A EXPANSÃO DO MODELO DE 2005 A 2009
O bem sucedido modelo da DEFENSORIA DA ÁGUA norteou a estruturação do
conceito de DEFENSORIAS SOCIAIS, colegiados de instituições dedicados ao
suporte às ações em defesa dos direitos coletivos da sociedade, a partir da
articulação de mecanismos de suporte ao melhor e mais eficiente encaminhamento
das demandas recebidas pela internet, correio ou por telefone.
A partir das demandas, foram criados procedimentos que previam analises dos
casos por especialistas e pesquisadores que – voluntariamente – participam de
Câmaras Técnicas. Com isso, laudos e perícias ajudaram a subsidiar ações judiciais.
A elaboração de dossiês consistentes contribuiu para a execução de medidas
corretivas em diversos casos gerando esperança pelo cumprimento das leis por
milhares de vítimas de áreas contaminadas, por exemplo.
A Campanha de 2005, de caráter ecumênico, tinha como lema “Felizes os que
promovem a paz e seu principal resultado foi a criação da DEFENSORIA DA PAZ
que lançou as Conferências pela Paz no Brasil, contribuindo consideravelmente para
a realização do plebiscito pela eliminação de armas e na consolidação do
ESTATUTO DO DESARMAMENTO.
A CF 2006 teve como tema as pessoas portadoras de deficiência. Nessa questão
a proposta de uma DEFENSORIA específica indicava o risco de pulverização do
modelo e perda de eficácia, daí surgiu a DEFENSORIA SOCIAL, ampliando a
abrangência da proposta para os demais campos sociais. Em 2007, a CF teve como
tema a AMAZÔNIA onde novamente teve destaque a DEFENSORIA DA ÁGUA.
A CF 2008 trouxe a temática da DEFESA DA VIDA, gerando como GESTO
CONCRETO a criação do Instituto para DEFESA DA VIDA como instrumento para
unificação das diversas DEFENSORIAS, sendo que a CF 2009 com o lema “A PAZ
SE CONQUISTA COM JUSTIÇA” levou os Conselhos das diversas DEFENSORIAS
a proporem sua unificação orgânica através da criação do Conselho Superior das
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DEFENSORIAS SOCIAIS. O modelo ganhou dimensão internacional com seu
convite para representar o Brasil na Corte Internacional de Justiça Social.
Para conhecer todo o processo que visa a implantação de um modelo alternativo
de implementação de ações que garantam a efetivação de direitos sociais, basta
visitar o portal www.defesadavida.org.br.
Na minha avaliação, por sua abrangência e capilaridade, as Campanhas da
Fraternidade produzem um cenário extremamente propício a importantes
contribuições para a solução de conflitos e só limitarão sua ação, na medida em que
as temáticas forem perdendo seu foco social, arriscando transformar-se em meras
ações publicitárias de bandeiras eclesiásticas.
Para alguns setores da hierarquia da Igreja, o papel da CF é provocar na
sociedade a reflexão de problemáticas levantadas para, posteriormente, ser
apropriadas pela sociedade que deveria dar encaminhamento a medidas que
contribuam para a solução das questões. Ocorre que – na medida em que crescem
conflitos de interesse – essa mesma cúpula tende a definir temáticas menos
conflitivas, promovendo um retorno a si mesma.
A CF 2004 abriu um ciclo prodigioso, mas só a compreensão dos movimentos
sociais para que se apropriem de sua dinâmica, poderá contribuir para a
manutenção e avanços que proporcionou até 2009.
89
ANEXO D – ENTREVISTA COM Pe. JOSÉ CARLOS DIAS TÓFFOLI10
Elisandro Fiametti: como foi a escolha do tema da Campanha da Fraternidade
de 2004?
Pe. José Carlos Dias Tóffoli: Foi escolhido como normalmente se faz. As paróquias apresentam a avaliação da
campanha e as sugestões de temas para as campanhas seguintes à equipe
diocesana ou às coordenações diocesanas de pastoral. Estas elaboram uma síntese
e apresentam no seu respectivo regional. No regional são indicados três ou quatro
temas que mais apareceram para serem levados para o CONSEP (Conselho
Episcopal de Pastoral). Na Reunião do CONSEP, bispos e assessores conversam
livremente sobre qual o tema mais pertinente para o momento. Depois desta
conversa livre, são apresentados uns vinte temas para serem votados. Todos os
presentes votam em três temas. Os três temas mais votados vão para uma votação
final. Antes desta votação final, para cada um destes três temas são escolhidas duas
pessoas para os defenderem. Elas têm de cinco a dez minutos para fazerem a
defesa. São apresentadas as razões para que mostram que tal ou tal tema é o
melhor para o momento. Depois de apresentadas estas razões, os bispos do
CONSEP e os bispos que porventura estiverem presentes, e somente eles, votam
então no tema.
Lembro que este processo procura respeitar as avaliações da base:
comunidades, paróquias, dioceses e regionais. É importante lembrar que são
levados em conta os temas que vão aparecendo com insistência nas avaliações dos
anos anteriores e os temas que aparecem com forte apelo pelos grupos pastorais.
Aos menos nos quatro anos que eu estive lá, foi sempre esse o processo de
escolha do tema.
10 Secretário executivo da CF em 2004. Entrevista concedida no dia 03 de setembro de 2008.
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