a provocaÇÃo bioÉtica da Água: um estudo da ...livros01.livrosgratis.com.br/cp109322.pdf ·...

92
Elisandro Fiametti A PROVOCAÇÃO BIOÉTICA DA ÁGUA: UM ESTUDO DA CONTRIBUIÇÃO DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE SOBRE A ÁGUA NA FORMAÇÃO COMUNITÁRIA PARA VALORES DA BIOÉTICA Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Bioética do Centro Universitário São Camilo, orientada pelo Prof. Márcio Fabri dos Anjos e co- orientada pela Prof. Margaréte M. Berkenbrock Rosito, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Bioética. São Paulo 2009

Upload: vandung

Post on 09-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Elisandro Fiametti

A PROVOCAÇÃO BIOÉTICA DA ÁGUA: UM ESTUDO DA CONTRIBUIÇÃO DA CAMPANHA DA

FRATERNIDADE SOBRE A ÁGUA NA FORMAÇÃO COMUNITÁRIA PARA VALORES DA BIOÉTICA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Bioética do Centro Universitário São Camilo, orientada pelo Prof. Márcio Fabri dos Anjos e co-orientada pela Prof. Margaréte M. Berkenbrock Rosito, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Bioética.

São Paulo 2009

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Dedico este trabalho

Aos meus familiares, que sempre

marcaram presença em todos os

momentos.

AGRADECIMENTOS

Ao professor Márcio Fabri dos Anjos, orientador, e à professora Margaréte May Berkenbrock Rosito, co-orientadora, que me ajudaram a trilhar o caminho da pesquisa, pela paciência, estímulo e dedicação.

Aos colegas e professores do Mestrado em Bioética do Centro Universitário São Camilo, que me proporcionaram muito mais que amadurecimento intelectual.

À Diocese de Frederico Westphalen, pelo apoio financeiro.

Ao povo da Região Episcopal Brasilândia e da Paróquia Santo Antônio, em especial ao Pe. Ezael Juliato (Tchê) e ao Pe. Alberto Abib, pela acolhida hospitaleira nesta etapa de meus estudos.

Ao Pe. Daniel Francis McLaughlin, pela paciência na correção do Abstract.

À Secretaria Executiva da Campanha da Fraternidade, na pessoa do Pe. Adalberto Vanzella, por disponibilizar os arquivos para a pesquisa.

RESUMO

Dentre os desafios ecológicos está o da água. A importância que a água possui para a vida, aliada ao modo como ela tem sido cuidada e distribuída fazem dela uma grande provocação bioética. No uso da água se mostra a carência da formação da consciência ética mundial atual. A bioética depara-se desafiada a suprir esta carência e, por apresentar-se de modo plural, assume as mais diversas iniciativas formativas, inclusive as contribuições de grupos religiosos. A Campanha da Fraternidade de 2004 da Igreja Católica no Brasil, sobre a água, foi uma iniciativa voltada para contribuir na formação da consciência ética da população. Como pesquisa documental, o presente estudo analisa aspectos básicos da contribuição desta campanha na formação comunitária para valores da bioética. Como método, recolhe inicialmente, através de pesquisa bibliográfica, dados científicos que mostram o desafio bioético da água. Em seguida, coleta dados referentes ao processo de elaboração, conteúdo, meios de propagação e resultados da Campanha da Fraternidade de 2004. E, por último, interpreta estes dados tendo como referencial teórico o conceito de consciência crítica em Paulo Freire e Elli Benincá. Entre os principais resultados obtidos neste estudo estão características da participação da população em tal iniciativa, evidências da necessidade de um adequado método de ação, o vigor da mística religiosa para a construção de valores e formação da consciência crítica, com abertura para a interdisciplinaridade, a transversalidade da bioética e a institucionalização da defesa da água. Eles foram compreendidos como contributivos para a formação comunitária para valores da bioética, na medida em que despertaram a formação da consciência crítica. Dois aspectos se destacam: o da participação da população, que evidencia a necessidade de uma popularização da bioética; e o aspecto da dimensão mística da água, que evidencia a realidade inesgotável em seus significados, instigando a consciência crítica continuamente. Palavras-chave: Bioética; Conservação da água; Participação comunitária.

ABSTRACT

Among the ecological challenges is that of the water. The importance that water has for life, allied to the way that it has been well-taken care of and distributed, makes for a great bioethics provocation. In the use of water it shows the lack of formation of the current world-wide ethical conscience. Bioethics has shown strongly this lack and, by presenting itself in many ways, it assumes the most diverse formative initiatives, along with the contributions of religious groups. The Catholic Church in Brazil’s Campaign of the Fraternity of 2004, on the water, was a directed initiative to contribute in the formation of the ethical conscience of the population. As a documentary research, the present study analyzes basic aspects of the contribution of this campaign in the communitarian formation for values of the bioethics. As a method, it, initially, collects through bibliographical research, scientific facts that shows the bioethics challenge of water. After that, it collects facts referring to the process of elaboration, content, ways of propagation and results of the Campaign of the Fraternity of 2004. And, finally, interprets this data having as theoretical referential the concept of critical conscience in Paulo Freire and Elli Benincá. Among the principal gotten results obtained in this study are the characteristic of the participation of the population in such initiative, evidences of the necessity of a adequate method of action, the force of the religious mystic for the construction of values and formation of the critical conscience, with an opening for the interdisciplinary, the passing through of bioethics and the institutionalization of the defense of the water. They were understood as contributive for the communitarian formation for values of the bioethics, in the measure where they arouse the formation of the critical conscience. Two aspects are emphasized: that of participation of the population, that verify the necessity of a popularization of the bioethics; and the aspect of the mystical dimension of water, that shows the inexhaustible reality in its meanings, instigating the continual critical conscience. Keywords: Bioethics; Conservation of water; Communitarian participation.

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Peças utilizadas na CF-2004 e respectivas quantidades – 2004..........44

TABELA 2 – Projetos financiados pelo Fundo Nacional da Solidariedade – 2004....47

TABELA 3 – Distribuição dos projetos financiados pelo Fundo Nacional da

Solidariedade, em 2004, por região do Brasil ......................................47

LISTA DE SIGLAS

AEC – Associação das Escolas Católicas do Brasil

ANA – Agência Nacional de Águas

CF – Campanha da Fraternidade

CF-2004 – Campanha da Fraternidade de 2004

CNBB – Conferência Nacional dos bispos do Brasil

CONCEP – Comissão Episcopal Pastoral

CPT – Comissão Pastoral da Terra

MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens

MEB – Movimento de Educação de Base

MPF – Ministério Público Federal

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

ONGs – Organizações Não Governamentais

SECF – Secretaria Executiva da Campanha da Fraternidade

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................9

2 ÁGUA: UMA PROVOCAÇÃO BIOÉTICA .............................................................15

2.1 A água no ecossistema ................................................................................16

2.2 Água: reconhecimento simbólico de seu valor .............................................17

2.3 Água: uma preocupação atual ......................................................................19

2.4 A necessidade da formação comunitária para valores da bioética...............23

2.5 A Campanha da Fraternidade ......................................................................25

3 UMA CAMPANHA: SUA CONSTRUÇÃO, SEUS RESULTADOS........................31 3.1 A escolha do tema da CF-2004 ....................................................................31

3.2 Elaboração do Texto-base da CF-2004........................................................32

3.3 Questões éticas na CF-2004 ........................................................................33

3.4 Valores da bioética na CF-2004 ...................................................................38

3.5 Propostas práticas da CF-2004 ....................................................................42

3.6 Publicidade e envolvimentos da CF-2004 ....................................................44

3.7 Práticas da CF-2004 realizadas....................................................................46

4 SIGNIFICADO DA CF-2004 PARA A BIOÉTICA ..................................................51 4.1 A consciência crítica em Paulo Freire...........................................................52

4.2 A consciência crítica na CF-2004 .................................................................56

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................61

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................64

ANEXOS ...................................................................................................................75

9  

1 INTRODUÇÃO

Os grandes desafios ecológicos são provocadores da bioética desde o seu início.

Há décadas Potter (1988) afirmou a importância de uma ética global, em vista da

sobrevivência. Também há muito tempo Jonas (2006) asseverou a necessidade de

ampliação dos horizontes da ética, frente à capacidade inventiva do ser humano de

transformar em grande escala a natureza. A responsabilidade do ser humano já não

é mais a mesma há muito tempo. Suas escolhas já não mais transformam um

pequeno horizonte. Agora, diante de suas práticas, ele precisa pensar o futuro, sua

sobrevivência e a de toda espécie de vida na Terra. Os valores que guiam suas

práticas precisam ser refletidos tendo em vista o ambiente amplo em que ele vive e

as diferentes profundidades de tempo.

A bioética, além de surgir envolta às questões relacionadas à medicina e à

biologia, nasce em meio a estes grandes desafios ecológicos. A situação é a de

convocação do ser humano à responsabilidade, ao cuidado e à solidariedade

amplos, em vista da sobrevivência da vida na Terra.

É neste contexto que aparece a provocação bioética da água. Se estes grandes

desafios ecológicos instigam a bioética, ainda mais provocativa é a água. Ela é um

elemento natural essencial para a vida e a sobrevivência na terra. O desafio à

bioética torna-se fortemente notável a partir da realidade da água. Os valores que

guiam as práticas humanas relacionadas a ela, bem como a reflexão em torno deles,

revestem-se de maior densidade. E a carência de formação da população para estes

valores fica mais clara. A bioética sente-se impelida em fazer alguma coisa para

suprir esta carência.

A pesquisa aqui descrita nasce a partir da suspeita, trazida pela água, desta

carência na formação da população para valores da bioética. Nasce, também, a

partir deste impulso, fortemente provocado pela água, de fazer alguma coisa para

suprir esta carência. Ela parte em busca de contribuições para a formação

comunitária, isto é, da população como um todo. Então, a possibilidade de iniciativas

religiosas contribuírem com esta tarefa é levada em conta. As características da

própria bioética permitem esta possibilidade. Deste modo, houve a procura por

10  

estabelecer uma relação entre bioética, teologia e pedagogia, dentro do tema

ambiental da água.

A Campanha da Fraternidade (CF) é uma das importantes iniciativas de conjunto

da Igreja Católica no Brasil, na sua relação com temas que interessam a toda a

sociedade. Em sua edição de 2004 (CF-2004) trabalhou o tema bioético da água.

Optou-se por estudar esta iniciativa em seus aspectos de contribuição na formação

comunitária para valores da bioética.

Em termos mais explícitos, os objetivos do presente estudo podem ser formulados

do seguinte modo:

Objetivo geral

Estudar aspectos da contribuição da CF-2004 sobre a Água, na formação

comunitária para valores da bioética.

Objetivos específicos

1. Explicitar os aspectos básicos da provocação bioética da água.

2. Analisar a construção, o desdobramento e o alcance da CF da Igreja Católica

sobre a água.

3. Identificar aspectos da contribuição da CF-2004 na formação da consciência

crítica em torno de valores da bioética.

A hipótese é de que, em muitos aspectos, a iniciativa da CF-2004 contribuiu na

formação comunitária para valores que preservam bens fundamentais para a vida,

especificamente a água, valores estes defendidos pela bioética. Neste sentido, ela

teria ajudado a bioética em sua tarefa de formar a consciência da população para

melhor atribuição dos valores.

Metodologia documental

A metodologia documental foi pensada como a mais adequada diante do objeto

estudado. Segundo Leite (2008, p. 53), ela é usada “para colher dados e

informações importantes na descrição de fatos ocorridos, de usos e costumes de

povos, grupos e indivíduos, ou na apresentação do que foi descrito em documentos

literários, científicos e culturais em geral.” É bom lembrar, também, conforme

Lakatos e Marconi (1991, p. 174), que neste tipo de metodologia “a fonte de coleta

11  

de dados está restrita a documentos, escritos ou não, constituindo o que se

denomina de fontes primárias. Estas podem ser feitas no momento em que o fato ou

o fenômeno ocorre, ou depois.” Nesta metodologia documentos de segunda mão

podem ser usados para auxiliar (FERRARI, 1982, p. 224-228). A pesquisa

documental não descarta a bibliográfica, sempre necessária. Como diz Sérgio Costa

(2001, p. 34), “na pesquisa documental, embora não se excluam as referências

bibliográficas, são utilizados outros documentos, tais como certidões, escrituras,

relatórios, correspondência.” Lüdke e André (1986) e Pimentel (2001) ajudaram na

compreensão do delineamento da pesquisa documental, principalmente na escolha

da forma de interpretação dos dados.  

Neste sentido, inicialmente foi feita uma coleta dos documentos, junto ao Arquivo

da Secretaria Executiva da CF, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do

Brasil, em Brasília. Também foram coletados textos e dados em outras fontes que se

envolveram com a CF-2004. Tendo os documentos em mãos, fez-se a análise com o

auxílio da obra de Laurence Bardin (2002). Houve uma classificação de documentos,

entre: oficiais; de apoio que manifestavam opiniões; científicos de apoio; os que são

conseqüências da referida campanha; e os que não possuem relação com ela, mas

que estão presentes no seu arquivo. A intenção foi conceder importância diferente

dependendo da natureza de cada documento, apesar de estarem presentes dentro

dos arquivos da CF-2004 da Secretaria Executiva da CF. Deste modo, o Texto-base

da Campanha destacou-se como o principal documento observado.

Posteriormente, partiu-se para a elaboração de categorias que pudessem

explicitar dados da CF que servissem para uma frutuosa análise posterior. Foram

usadas as seguintes categorias: elaboração da CF-2004, conteúdo da CF-2004;

meios usados para que ela fosse propagada; e resultados obtidos. Aqui houve a

necessidade de fazer inferências.

Tendo presente os dados advindos com o uso de tais categorias, tomou-se o

conceito de consciência crítica em Paulo Freire para a interpretação. A partir da

compreensão bioética seguida, pressupôs-se que ao ser promovida a consciência

crítica acontece a contribuição na formação para valores da bioética. Pôde-se,

então, identificar aspectos de contribuição da CF sobre a água na formação

comunitária para valores da bioética.

12  

A estrutura geral desta dissertação consta de três capítulos. No primeiro, a partir

de pesquisa bibliográfica, mostra-se a água como uma provocação bioética.

Aparecem pontos relativos à sua realidade no ecossistema, na simbologia, na crítica

das ciências. A partir disso, evidencia-se a necessidade da formação comunitária

para valores da bioética. Desponta no final do capítulo a CF da Igreja Católica no

Brasil como uma iniciativa religiosa que pode contribuir nesta formação.

No segundo capítulo analisa-se o fato da CF-2004 a partir da coleta de dados

feita através da metodologia documental. Ali aparece como foi escolhido o tema

naquele ano, o processo de elaboração do texto-base, as questões éticas

levantadas, os valores presentes, as propostas práticas, a publicidade e os

envolvimentos e as práticas realizadas da CF-2004.

No terceiro capítulo apresenta-se então, com ajuda do pensamento de Paulo

Freire, a interpretação dos dados que apareceram no segundo capítulo. O conceito

freireano da consciência crítica serve para encontrar, nos dados levantados,

aspectos da formação comunitária para valores da bioética.

A pesquisa levou em conta alguns pressupostos. Por ética compreendeu-se a

reflexão de conteúdos morais. E estes, como “os códigos normativos concretos,

vigentes nas diversas comunidades humanas. Trata-se, pois, da moral vivida, aceita

pelas pessoas e grupos.” (FERRER; ALVAREZ, 2005, p. 29). 

A bioética foi vista como a intercessão entre ética e as ciências da vida, uma força

política em medicina, biologia e nos estudos do meio ambiente, uma perspectiva

cultural de muitas conseqüências (CALLAHAN, 2004, p. 278). Ela foi compreendida

em seu sentido amplo, como a que permite a relação entre diferentes

conhecimentos, em vista da sobrevivência humana e para o bem social (POTTER,

1971, p.1-2).

Esta linha de pensamento permitiu a relação entre a teologia, a pedagogia, a

geociência, a biologia, entre outras disciplinas. Permitiu também que se

compreendesse como importante tema da bioética a questão da água e o que sua

realidade provoca em termos de necessidade da formação comunitária para valores

da bioética. A transformação das compreensões, escolhas e atuações das pessoas

é ocupação da bioética, já que ela manifesta-se como força política e perspectiva

cultural.

13  

O termo formação comunitária compreendeu-se como a formação da população,

em seus agrupamentos variados ou como um todo.

Os valores são de difícil conceituação exata dentro da filosofia (LALANDE, 1999,

p. 1190; ABBAGNANO, 1982, p. 952-956; LEMOS, 2006, p. 973). Contudo, durante

a pesquisa, escolheu-se a definição que leva em conta os seus aspectos subjetivo e

objetivo: “aquela qualidade intrínseca ao objeto que suscita minha admiração, estima

respeito, afeto, busca e complacência.” (VALORI, 1997, p. 1249). São atribuições

dadas por sujeitos ou um grupo de sujeitos às mais diversas realidades possíveis. O

conceito de valor sempre quer dizer que há alguém que dá importância para algo.

Os valores são atribuições dadas a fatos, no caso valores epistêmicos (PUTNAM,

2008, p. 50), e também se referem a atitudes e comportamentos, no caso dos

valores éticos (VALENZUELA, 2008, p. 130; VALORI, 1997, p. 1248-1257; FRAGA,

1992, p. 396) e, por conseguinte, bioéticos. Por serem atribuições, eles são

possibilidades de escolha. Para Abbagnano (1982, p. 956) […] “uma teoria do valor,

como crítica dos valores, tende a determinar as autênticas possibilidades de

escolha.” Neste sentido, o valor orienta as práticas dos sujeitos. E a crítica dos

valores capacita melhor esta orientação. Isto supõe uma percepção crítica capaz de

estabelecer relações entre os bens e a vida humana como valor maior em seu

ambiente. Tal percepção crítica pode ser convenientemente subsidiada em um

processo de formação educativa.

Assumiu-se uma dimensão relacional nos valores. Eles se relacionam e são

dependentes uns com os outros.

A formação comunitária para valores significa aqui uma contribuição educativa a

esta capacidade crítica. Diferente é uma formação em valores, onde poderia haver

uma imposição deles. E os valores da bioética são os que a possibilitam e

preservam bens fundamentais para a vida.

O desenrolar da pesquisa estabeleceu os limites para a mesma. A própria

realidade pesquisada imprimiu o alcance da pesquisa. Não há como saber quais

foram todos os resultados da CF-2004, justamente por que a Conferência Nacional

dos Bispos do Brasil não realizou uma avaliação detalhada sobre estes. E a

avaliação que foi feita não teve um retorno maciço por parte dos regionais (2008d)

da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Além disso, os resultados e as

conseqüências da CF se estendem e se perdem no tempo. É característica da CF

14  

lançar mão da criatividade de cada região para ela se realizar. Ela tem seus

objetivos que procuram atingir a sociedade como um todo. É impossível mensurar o

quanto ela chega realmente em seus pensamentos e em suas atividades até todos

os recantos do Brasil.

Também, a ética não é quantificável. Não há como medir o grau de transformação

das formas de pensar e agir das pessoas às quais uma atividade atinge. A pesquisa,

deste modo, teve o mérito de alcançar alguns dados e compreensões de uma

iniciativa religiosa e de, a partir destes, identificar os aspectos da formação

comunitária para valores da bioética. As quantificações servem como referências e

as compreensões e aspectos da iniciativa mostram a qualidade dela para a bioética.

15  

2 ÁGUA: UMA PROVOCAÇÃO BIOÉTICA

A água é um elemento natural indispensável para a vida no ecossistema. A

interação com ela determina a relação que se tem com a vida. Ao longo da história,

ela adquiriu, por conta disso, expressiva importância simbólica. É uma realidade cujo

valor não tem preço dentro da história da vida da humanidade. A água, por tais

importâncias e por não ter sido bem cuidada e bem distribuída, provoca

sensivelmente a reflexão sobre a relação do ser humano com ela. Demonstra a

carência de formação da consciência crítica da população em perceber a

fundamental importância de sua preservação; e, conseqüentemente, levanta a

necessidade urgente de contribuir para a formação de uma consciência comunitária

capaz de protegê-la. Em seus métodos, a bioética moderna apresenta-se de modo

plural, assumindo as mais diversas iniciativas formativas, inclusive as religiosas.

Deste modo, a Campanha da Fraternidade, uma iniciativa da Igreja Católica, pode

ser percebida hipoteticamente como um esforço contributivo à bioética. A CF-2004,

especificamente sobre a água, como objeto escolhido para este estudo, também é

uma conseqüência da provocação feita pela água.

Neste capítulo se busca demonstrar a existência desta provocação bioética a

partir do valor da água, bem como situar, em tal conjuntura, a iniciativa contributiva

da CF. Para tanto, foi utilizada uma pesquisa bibliográfica. Nela foram selecionados

estudos impressos e publicações disponibilizadas pelo banco de dados eletrônico

scielo. Neste último, os descritores usados foram: água, recursos hídricos, saúde

pública, bioética.

O critério de escolha dos textos foi sua referência à importância da água dentro

do ecossistema, especialmente para a vida e a apresentação de questões éticas

relacionadas com a água. Houve uma procura por obras que possuem como objeto

de estudo tanto a realidade ampla quanto as realidades locais. Também, por

aquelas que demonstram o porquê da atividade antrópica atual trazer importantes

questionamentos éticos. Além disso, uma procura por aquelas que trabalham a

necessidade de educação ambiental. Para a última parte deste capítulo, aquela em

que a CF aparece, a busca foi pelos estudos da época do seu surgimento e por

avaliações dela ao longo de sua história.

16  

2.1 A água no ecossistema

Segundo Rebouças, Braga e Tundisi (2006, p. 2-3), a água marca a história do

planeta e de modo especial o surgimento e o desenvolvimento da vida nele. Ela

surgiu com o lançamento na atmosfera da Terra de grande quantidade de gases,

pelas erupções vulcânicas, associadas à tectônica de placas. Eles afirmam que “o

oxigênio e o hidrogênio assim lançados, rapidamente combinaram-se para dar

origem ao vapor de água da atmosfera. No começo, as temperaturas e pressões

reinantes na Terra só possibilitaram a ocorrência de água na forma de vapor.” (2006,

p. 2-3). Com a diminuição das temperaturas, houve a condensação destes vapores,

formando as chuvas que deram origem à acumulação de água. Associada a diversas

outras condições, a água possibilitou a origem e o desenvolvimento da vida na Terra

(REBOUÇAS; BRAGA; TUNDISI, 2006, p. 3). A vida estabeleceu-se também como

parte da dinamicidade do planeta, transformando-o continuamente.

Uma compreensão sistêmica do planeta como apresentam Rebouças, Braga e

Tundisi (2006, p. 4)

[...] mostra um estreito entrosamento das partes vivas do planeta – plantas, microorganismos e animais – e as partes não vivas – rochas, oceanos e a atmosfera.

O ciclo todo é caracterizado por um fluxo constante de energia e de matéria, ligando o ciclo das águas, das rochas e da vida.

Há uma dinâmica interligação de tudo no planeta. O que acontece com um dos

elementos incide sobre outros. Daí a importância da reflexão do como se dão os

processos de transformação do ambiente, de modo especial feitos pelo ser humano,

como se pode inferir a partir de Brasil (1992, p. 62-63):

Na natureza nada vive isolado, sem um relacionamento energético ou metabólico. Todos os seus elementos, plantas, bichos, rios, lagos, conglomerados abióticos (sem vida), se unem em sistemas organizados cujas relações lhes facultam a vida.

A água, associando-se à energia solar e a força gravitacional, possui importante

responsabilidade nisso. Sem a água não há vida. Ela possibilita a vida, por isso é

chamada de fonte de vida, mas ao mesmo tempo ela é veículo para as mais

diversas substâncias e microorganismos que podem causar morte. Para Tundisi

(2005, p. 1), “desde os primórdios do planeta Terra e da história da espécie humana,

o Homo sapiens, a água sempre foi essencial. Qualquer forma de vida depende da

água para a sobrevivência e/ou para seu desenvolvimento.”

17  

O conceito de ecossistema é determinante para a compreensão desta interação

entre os elementos da Terra, da importância da água na Terra e de modo especial

para a vida. Chama-se ecossistema:

[...] ‘o sistema ecológico de um lugar’. Na palavra ‘eco’ está contido todo o complexo de vida que se desenvolve no planeta por excelência; enquanto ‘sistema’ faz alusão a vínculos e dinâmicas que existem entre fatos abióticos (rochas, minerais dos solos) e fatos bióticos que existem nos espaços da natureza (vida aeróbica, vida anaeróbica, flora, fauna, microorganismos). (AB’SABER, 2006, p. 18).

Com outras palavras, Dajoz (2005, p. 244) apresenta a compreensão relacional

que existe dentro do ecossistema. Segundo ele, o ecossistema:

[...] é um sistema biológico formado de dois elementos indissociáveis, a biocenose e o biótopo. A biocenose é o conjunto de organismos que vivem juntos e o biótopo é o fragmento da biosfera que fornece à biocenose o meio abiótico indispensável. (DAJOZ, 2005, p. 244).

Esta interação mostra a importância da preservação da água como um dos bens

fundamentais para a vida.

2.2 Água: reconhecimento simbólico de seu valor

A água possui dentro do ecossistema uma importância primordial. Ela recebeu,

historicamente, significados que dizem respeito especialmente a esta sua

característica. Chavalier e Cheerbrant (2005, p. 15) mostram que:

As significações simbólicas da água podem reduzir-se a três temas dominantes: fonte de vida, meio de purificação, centro de regenerescência. Estes três temas se encontram nas mais antigas tradições e formam as mais variadas combinações imaginárias – e as mais coerentes também.

Esta redução nestes três temas aparece em diversos povos. A água é mostrada

como a “infinidade dos possíveis (...) a origem da vida e o elemento de regeneração

corporal e espiritual, o símbolo da fertilidade, da pureza, da sabedoria, da graça e da

virtude” (CHAVALIER; CHEERBRANT, 2005, p. 15), na Ásia.

Tales de Mileto,

O pensador ao qual a tradição atribui o começo da filosofia grega, (...) foi o iniciador da filosofia da physis, pois foi o primeiro a afirmar a existência de um princípio originário único, causa de todas as coisas que existem, sustentando que este princípio é a água. (REALE; ANTISERI, 1990, p. 29).

A água, para Tales, é: “a) a fonte e a origem de todas as coisas; b) a foz e o

termo último de todas as coisas; c) o sustentáculo permanente que mantém todas as

coisas (a substância, poderíamos dizer, usando um termo posterior.” (REALE;

18  

ANTISERI, 1990, p. 30). Para Reale e Antiseri (1990, p. 31), a água de Tales não é

necessariamente o elemento físico-químico como se conhece hoje. Contudo, o

importante aqui é que este elemento evoca ou manifesta a physis líquida da qual

tudo deriva.

Para Chavalier e Cheerbrant (2005, p. 15), a água é a matéria prima, para os

hindus. Tudo no início era água. Ela é o caos, a indistinção primeira, para os

chineses. As águas, por isso, representam a totalidade das manifestações.

Ainda, segundo eles (2005, p. 16), “a noção de águas primordiais, de oceano das

origens, é quase universal.” Na tradição judaico-cristã, ela é o sopro vital, a origem

da criação, a fonte de vida e fonte de morte, criadora e destruidora. Ela é uma

hierofania, manifesta o transcendente.

“No Princípio, Deus criou o céu e a terra. Ora, a terra estava vazia e vaga, as

trevas cobriam o abismo, e um vento de Deus pairava sobre as águas.” (Gn 1,1-2).

O comentário de A Bíblia de Jerusalém (1985, p. 31) diz que “em hebraico: tohû e

bohû, ‘o deserto e o vazio’; como as ‘trevas sobre o abismo’, o ‘vento’ e as ‘águas’

são imagens que, por seu caráter negativo, preparam a noção de criação a partir do

nada.”

Ainda na Bíblia, junto às fontes e poços operam-se os encontros essenciais.

Como lugares sagrados, os pontos de água têm papel incomparável. Nela, para

Chavalier e Cheerbrant (2005, p. 17), “os rios são agentes de fertilização de origem

divina, as chuvas e o orvalho trazem consigo a fecundidade e manifestam a

benevolência divina.” A água simboliza a bênção, a sabedoria. Por isso ela se torna

também o símbolo da vida espiritual e do Espírito. Ela se reveste de símbolo de

eternidade ao sair do lado aberto de Jesus. É símbolo sotereológico, de salvação

(CHAVALIER; CHEERBRANT, 2005, p. 16-17).

O rito do batismo, entrada na vida cristã, tem na água sua matéria indispensável.

Ela possibilita o surgimento de uma nova humanidade, povo novo. O batismo lembra

a passagem do povo pelo Mar Vermelho, constituindo-se povo livre da escravidão,

povo salvo, ressuscitado com Cristo (RITUAL..., 1999, p. 44). Neste sentido, a água

faz transpor da vida as fronteiras que a morte tenta impor. A água é símbolo de

salvação. Ela está presente na criação e na nova criação, onde a humanidade

participa como companheira, chamada à responsabilidade (SUSIN, 2003, p. 32-34).

19  

Segundo Chavalier e Cheerbrant (2005, p. 18), a água é vida, luz, palavra,

semente, esperma divino. Pelo batismo, ela possibilita o homem novo. Eles

terminam dizendo que “a água viva, a água da vida se apresenta como um símbolo

cosmogônico. E porque ela cura, purifica e rejuvenesce, conduz ao eterno.”

2.3 Água: uma preocupação atual

Apesar de a água possuir esses valores históricos, físicos, químicos, biológicos,

utilitários, simbólicos, muitas vezes, ela não é bem cuidada e bem distribuída. Sua

boa qualidade para a sustentação do equilíbrio do ecossistema e sua distribuição

equitativa conforme este ecossistema estão comprometidos. Muda da mesma forma

seu simbolismo. A realidade da água passa então a provocar reflexão ética. Ela faz

uma provocação à bioética.

Conforme assevera Tundisi (2005, p. 1):

A história da água sobre o planeta Terra é complexa e está diretamente relacionada com o crescimento da população humana, ao grau de urbanização e aos usos múltiplos que afetam a quantidade e a qualidade. A história da água, seus usos e contaminações também estão relacionados à saúde, pois muitas doenças que afetam a espécie humana têm veiculação hídrica [...].

Configura-se assim uma preocupação atual pela água que toma enorme vulto. Há

uma imprescindível discussão para ser continuada a respeito da água, de como ela

tem sido cuidada e distribuída. Da mesma forma, há uma necessária formação da

consciência da população como um todo para os valores da bioética que a água

provoca.

As próprias reflexões de Potter, o criador do termo bioética, possuem incidência

sobre o tema da água. Lembra-se aqui sua importante obra Global Bioethics (1988),

onde é proposta uma ética global.

O entendimento sobre a responsabilidade, de Hans Jonas, em sua obra “O

princípio responsabilidade: Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica”,

escrita em 1979, é reflexão marcante para a relação entre ética e ambiente. Ele

amplia o horizonte da responsabilidade humana. Na ética tradicional a natureza não

era objeto da responsabilidade humana, ela cuidava de si mesma. Agora, nos

tempos de uma civilização tecnológica, com o poder de transformação adquirido pelo

homem, a responsabilidade precisa ser ampliada. A natureza passa a ser objeto da

20  

responsabilidade humana (JONAS, 2006, p. 39-42). A água, por ser parte da

natureza, acaba por ser também objeto da responsabilidade do ser humano.

O vulto mundial da questão é fortemente marcado pela Conferência das Nações

Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992, no Rio de Janeiro

(CONFERÊNCIA..., 92). Dela resultou como o ponto alto de um longo processo, a

Agenda 21. Há nela o capítulo 18 que trata especificamente da água. São

apresentados programas que se relacionam com a qualidade e distribuição da água.

Com uma preocupação também mundial aparece a obra de Ricardo Petrella

(2002), “O manifesto da água: argumentos para um contrato mundial.” O próprio

subtítulo demonstra a importância de um contrato mundial para evitar os conflitos e

guerras por causa da água.

A gravidade da preocupação em torno da água é apresentada por Camdessus

(2005) quando aponta uma grande quantidade de dados a respeito da relação entre

a água e a mortalidade de pessoas no mundo. O próprio subtítulo de sua obra, “oito

milhões de mortos por ano: um escândalo mundial”, já evidencia este drama em

torno da falta de cuidado e distribuição da água.

No Brasil, mas não só, apareceu muito forte nestes últimos anos a questão da

conflituosa do projeto de transposição das águas do rio São Francisco. Questões

ambientais, sociais, culturais e econômicas encontram-se em jogo. Dom José Luiz

Cappio, bispo da Igreja Católica, fez jejuns pelo rio. Moreira (2008) apresenta uma

série de artigos sobre o bispo e a luta contra a transposição do rio São Francisco.

Segundo Fabio Cascino (2000) o movimento ambientalista e a educação

ambiental já possuem uma história. Ele procura ver a questão com um sentido mais

profundo e sistêmico, indicando que esta história se dá dentro de um conjunto de

transformações culturais.

Sobre a educação ambiental, Pelicioni (2006, p. 532-543) apresenta alguns tipos

de ambientalismos que a influenciam. O ambientalismo ecossocialista, para ele,

responde melhor a uma compreensão do problema ambiental de forma integrada,

sistêmica.

Ao dialogar com as idéias do ensaísta mexicano Octávio Paz, Barcelos (2004)

afirma a necessidade de modificar as representações que se tem da natureza. É

necessário modificar a atitude da humanidade diante da natureza. Ela não pode

21  

mais ser vista como um objeto vazio de significado, passível de depredação. Uma

análise com profundidade nesta direção cultural faz Schramm (1997) ao abordar a

questão filosoficamente, inclusive refletindo sobre a proposta da existência de um

niilismo tecnocientífico.

A forma como são cuidadas e distribuídas as águas doces no Brasil e no mundo e

demonstrada por Rebouças, Braga e Tundisi (2006; REBOUÇAS, 1997). Eles

englobam preocupantes aspectos geológicos, históricos, políticos, sociais,

econômicos e éticos em suas análises. Também em relação à distribuição da água

potável, ou seu acesso desigual, Pontes e Schramm (2004) apresentam a bioética

da proteção.

Clarita Müller-Plantenberg e Aziz Nacib Ab’Saber (2006) mostram a necessidade

de se prever impactos ambientais com a atividade humana e como se faz essa

previsão de impactos. A história da depredação da água tem muito a ver com o

desmatamento. Neste sentido, Ab’Saber (1996) apresenta o projeto FLORAM, que

se trata de um plano nacional de reflorestamento.

Entre outros trabalhos, Moraes e Jordão (2002) estabelecem uma relação entre

os recursos hídricos e a saúde humana. O mesmo realizam Maciel Filho (2008) e

outros autores (CYNAMON, 1986; HELLER, 1997; TUCCI, 2005) com seus estudos,

ao relacionarem o saneamento e a água com a saúde pública.

A agricultura e a pecuária, áreas de atuação humana que possuem altas

porcentagens no uso da água, têm merecido estudos em torno de sua relação com

ela. (BARROS; AMARAL; L. JUNIOR, 2003; GONÇALVES, 2005; SOARES;

PORTO, 2007; TOLEDO; NICOLELLA, 2002; MAGALHAES, 2002). Eles mostram os

impactos desta atividade antrópica.

Uma relação entre a distribuição da água, seus problemas associados ao

crescimento populacional e sua relação com a cidadania é apresentada por S.

Machado (2003). Ele defende a gestão pública, integrada e colegiada com

negociação sociotécnica das águas.

Sob o ponto de vista legal, a respeito do tema da água, no Brasil já havia, desde

1934, o Código das Águas. Em 1997 é decretada e sancionada a Lei Federal nº

9.433 (BRASIL). Ela institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o

Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Esta também é uma

22  

amostra da importância do tema. Nesta lei, dedica-se uma parte para a formação de

comitês de bacia, com a participação dos usuários e da sociedade. Formar as

pessoas para esta participação é imperativo.

Uma das linhas temáticas da bioética no Brasil chama-se Bioética Ambiental.

Com José Roque Junges, “a Bioética Ambiental (...) parte de uma análise bastante

crítica do paradigma sociocultural da modernidade.” (SIQUEIRA; PORTO; FORTES,

2007, p. 180). Aponta-se a necessidade de uma construção de valores, ao se pensar

a questão em termos socioculturais.

O paradigma ecológico defendido pela Bioética Ambiental, além de criticar o modelo autonomista de consumo irracional, pede pelo exercício da construção de valores intersubjetivos que incluam a interdependência entre os seres vivos, ecossistemas e biosfera. (SIQUEIRA; PORTO; FORTES, 2007, p. 181).

Quando se fala em termos socioculturais, pensa-se em cultura. A bioética mesma

é uma perspectiva cultural. E, como lembra Lepargneur, quando se pensa cultura,

pensa-se também em valores e sua escala.

A tarefa fundamental da bioética talvez seja a perpétua avaliação e reavaliação da dinâmica cultural diante dos avanços (recuos) sanitários, biológicos, médicos. Quem diz cultura diz não apenas um conjunto, mais ou menos sistemático, de artefatos e instituições, mas sobretudo escala de valores. A bioética surgiu como alerta ao descontrole de práticas, pondo em perigo valores ainda honrados ou recentemente adquiridos. (1996, p. 26).

De tudo isso que foi apresentado até agora, evidencia-se uma problemática

ambiental, associada a um conjunto de aspectos culturais predatórios. Enquanto

relacionada a esta temática, a bioética, como uma perspectiva cultural, é uma

reação ao que estes aspectos provocam. Ela é fruto de uma provocação. Ela é uma

reação a determinadas práticas em relação ao ambiente.

A provocação feita pela água à bioética é veemente. Sendo notável a presença

dos valores bioéticos dentro da temática do meio ambiente, supõe-se que eles sejam

percebidos com maior abertura ainda dentro do tema da água. O alerta a respeito de

práticas que põe em perigo determinados valores é maior. A exposição dos valores

bioéticos a serem honrados torna-se mais clara. Ela é a grande provocadora da

bioética, justamente pela sua relação com a vida na terra, pelo simbolismo que ela

possui e pela crítica que as ciências têm feito a respeito de como ela tem sido

cuidada e distribuída. As escolhas, a partir de valores, que guiam as práticas em

relação a ela, são de capital importância para a vida. Ela é o elemento indispensável

para a garantia da vida e saúde do ser humano e de toda a forma de vida (PESSINI;

23  

BARCHIFONTAINE, 2007, p. 99). A água chama o humano para a responsabilidade

que lhe compete.

2.4 A necessidade da formação comunitária para valores da bioética

Os estudos apontados acima demonstram a necessidade de mudança nas

práticas antrópicas em relação ao ambiente e, especificamente, à água. As práticas

humanas são guiadas por valores, por aquilo que é visto como importante

(ABBAGNANO, 1982, p. 956). Deste modo, segundo o que se viu, há uma carência

em termos formação para valores bioéticos na população como um todo. A mudança

nas práticas implica na internalização destes valores. Para que esta internalização

aconteça é preciso desenvolver na população a capacidade ou a percepção crítica

dos próprios valores, escolhas e práticas.

Trata-se aqui do desafio de ajudar comunidades a se educarem para valores

postulados pela bioética. Contudo, será possível a formação comunitária para

valores da bioética? Não somente é possível como é presente a formação ética e

bioética, no que a esta última se refere, em qualquer verdadeira ação educativa.

Tomando-se como sinônimos a formação e a educação, Gatti (2001, p. 359) mostra

a possibilidade da formação bioética e, especificamente, para valores da bioética.

Toda a verdadeira intenção educativa tem como último objectivo (sic), pelo menos implícito, a promoção do Homem enquanto Homem, isto é, a sua promoção moral; portanto, o fato educacional e o moral estão inseparavelmente conexos. Toda influência tem uma valência ética, exercendo um certo imprinting, talvez mesmo imperceptível, sobre a personalidade moral do educando. Cada forma de educação, mesmo só sectorial (sic), produz sempre formação (ou deformação) moral.

A formação ética e, por conseguinte, bioética é possível e uma das formas de ela

acontecer é pelo contágio. Eduardo Lopez Aspitarte (1995, p. 119-120) fala ainda

que a estimativa dos valores morais também se dá através da conaturalidade, da

repulsa, da experiência e da ciência. Estimativa compreende-se como a capacidade

de apreensão dos valores. Ética e bioética não se identificam com moral, mas neste

aspecto admite-se semelhança. O que se diz da apreensão dos valores morais, diz-

se da apreensão dos valores éticos e da bioética. Esta, entendida enquanto

perspectiva cultural, prenhe de valores, como na caracterização da Enciclopédia

acima citada. A diferença está por conta de que a formação ética e bioética vai

24  

sempre passar pela ciência, quer dizer, pela reflexão. Desta forma a atribuição de

valores identifica-se com uma crítica dos valores.

A provocação que a água faz à bioética agora ganha o enfoque formativo da

comunidade. Ela desvela a vocação da bioética. Como uma ética, ela é reflexão

crítica. Sendo crítica, ela é dependente da consciência crítica1. Mostra-se a

importância de se desenvolver a consciência crítica da comunidade. A ética

possibilita, pela reflexão, uma melhor avaliação. É o refletir para valorar melhor.

Demonstra-se a necessidade de estabelecer este processo formativo para que a

comunidade seja capaz de bem avaliar. Quer dizer, que ela seja capaz de fazer

bioética, atribuindo valores, transformando suas práticas.

A água, então, faz lembrar novamente o que é a bioética, como apontou acima

Callahan: uma perspectiva cultural e uma força política. E, como tal, tensão para

atingir a população como um todo. Ela possui uma vocação de ser formadora da

comunidade. É necessário que a bioética seja popularizada, no sentido de que mais

e mais pessoas vivam reflexivamente suas práticas. A água é provocadora da

formação para valores da bioética, vocação da própria bioética de se auto-expandir.

Como afirma Valenzuela (2008, p.130), “los seres humanos del presente tienen

ante sí el doble desafío ético y bioético de mantener vivo el patrimonio axiológico

que se considere digno de pervivir y de dar vida a su propia tabla de valores.” Trata-

se aqui do desafio de ajudar comunidades a se educarem para valores postulados

pela bioética. São os valores que preservam os bens importantes para a vida.

A bioética, como se viu, é uma perspectiva cultural reflexiva. Ela não pode formar

para uma obediência cega a valores e deveres morais. Formar para valores da

bioética não pode significar a transmissão irrefletida de leis morais pré-fabricadas,

uma valoração sem o acompanhamento da reflexão. Esta é parte da estimativa dos

valores da bioética. Mesmo os valores que já foram refletidos por outros, ao

aparecerem no contexto da formação comunitária, estas precisam refleti-los

novamente. Pois haveria repasse moral, com tendência à uniformização, e não

formação para valores da bioética. A própria reflexão e as condições para tal, como

um fazer bioético, é um valor da bioética que não pode ser dispensado.

                                                       1 Paulo Freire, no seu pensamento, usa este conceito que será apresentado no terceiro capítulo. 

25  

Esta dimensão formadora da bioética não se restringe apenas a campos do

conhecimento e a alguns poucos sujeitos. Estende-se às comunidades, aqui

entendidas, a população como um todo, como já se vem dizendo. Não parece bom

deixar os indivíduos conduzirem-se pelo acaso ou pelo reino da necessidade,

irrefletidamente. A ética se refere ao esculpir a forma verdadeiramente humana, não

ficando no que se recebe do acaso ou da necessidade da natureza. Viver no reino

da liberdade, ultrapassando o reino da necessidade, é próprio do humano (FERRER;

ÁLVAREZ, 2005, p. 24). Assim entendido, não é lógico pensar uma bioética feita por

poucos e vivida por alguns, quando se sabe que o ser humano é capaz de ética.

Se há possibilidade da formação comunitária para valores éticos e, portanto,

bioéticos, com suas formas de apreensão, quem são os responsáveis por isso?

Sendo que a comunidade como um todo é a detentora do ethos (VALENZUELA,

2008, p. 130), supõe-se ser ela também a responsável por dar-lhe continuidade, com

a reflexão, especialmente no que se refere aos valores nele contidos. É certo que as

lideranças possuem um papel significativo na educação de qualquer grupo humano.

Mas ninguém pode negar que é preciso valorizar esforços dos mais diferentes

sujeitos envolvidos. Já foi lembrado anteriormente que a bioética moderna

apresenta-se de modo plural, assumindo as mais diversas iniciativas formativas,

inclusive as dos grupos religiosos (ANJOS; SIQUEIRA, 2007, p. 173-174).

2.5 A Campanha da Fraternidade

Entre os sujeitos envolvidos estão os grupos religiosos, com suas iniciativas

fundamentadas na fé. Uma das práticas de um dos grupos que possui longa tradição

de reflexão teológica moral e de práticas que incidem na reflexão ética é a

Campanha da Fraternidade (CF), da Igreja Católica. É uma iniciativa, rápida e

envolvente, de grande vulto no Brasil e que marca a relação entre Igreja e sociedade

desde meados da década de 60.

Não é uma campanha moralizante, como se verá mais adiante. Ela possui um

fundamento reflexivo e relaciona-se com os conhecimentos científicos do momento

(PRATES, 2007, 522). É por que em teologia, na ética religiosa, o anúncio dos

valores morais e esta emissão de juízos acerca de realidades humanas é fruto da

reflexão, da ética, com fundamento no crer. O que acontece é ética, sim, ética

26  

teológica (MOLINARO, 1997, p. 455-464). A teologia possui uma racionalidade

própria e tem a vida prática da fé como uma de suas fontes, um de seus momentos

de confrontação e uma de suas finalidades (BOFF, 1998, capítulos 4, 7, 10, 13),

encaminhando um novo modo de ser no mundo. Disto decorre a importância das

religiões no cenário da ética e, por conseqüência, da bioética.

A CF iniciou em 1964, em sintonia com a abertura renovadora e atualizadora

impulsionada pelo Concílio Vaticano II, que fez desabrochar o Plano de Emergência

e o Plano de Pastoral de Conjunto da Igreja no Brasil (PRATES, 2007, p. 28). Ela

nasce de uma pequena experiência em Natal, Rio Grande do Norte, mas logo toma

conta de todo o conjunto da ação pastoral no Brasil, sendo assumida pela

Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Prates faz nesta parte de sua

obra uma relação da CF com o contexto histórico em que ela nasce. É importante

notar como uma compreensão renovada da atuação da Igreja marca esse tempo. É

o contexto de uma busca de conscientização ético-política em que a Igreja se

envolve. Assim, Prates aponta que a CF nasceu em sintonia com o MEB (Movimento

de Educação de Base) e se afina com suas características. Além dele, também

Wanderley (1984) mostra uma compreensão histórica da relação entre Igreja

Católica, educação popular e o MEB.

Posteriormente, a CF (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL,

2008a, p. 134-135) continua em sintonia com o pensamento da Igreja Latino-

americana, principalmente das Conferências de Medellin (CONSELHO EPISCOPAL

LATINO-AMERICANO, 1968), Puebla (CONSELHO EPISCOPAL LATINO-

AMERICANO, 1979) e Santo Domingo (CONCLUSÕES..., 1992). Além de seguir

estas linhas da Igreja latino-americana, segue à luz das Diretrizes Gerais da Ação

Evangelizadora da Igreja no Brasil (CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO

BRASIL, 2003b, p. 130).

A CF é realizada uma vez por ano, durante a quaresma, tempo religioso-litúrgico

em preparação à festa da Páscoa (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO

BRASIL, 2003b, p. 11). Em cada edição ela tem um tema novo, pois é “uma

proposta de mobilização da sociedade e das Igrejas para vivermos a solidariedade

em situações sociais problemáticas.” (ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO CATÓLICA

DO BRASIL, 2003, p. 14). Por isso, a CF tem também um cunho de arrecadação

financeira através da coleta da solidariedade, que constitui o Fundo Nacional da

27  

Solidariedade, a partir de 1998 (CÁRITAS BRASILEIRA, 2008). Mas ela é muito

mais do que uma arrecadação. Ela possui um apelo ético muito forte. É um apelo à

conversão, mudança de opção. Ela quer educar as comunidades para a

Fraternidade.

É por isso que, em detrimento de uma postura passiva, de auxílios financeiros

recebidos do exterior, a CF possui em sua gênese a idéia de uma postura local ativa

na geração de recursos em prol da Fraternidade (PRATES, 2007, p. 23). “Neste

sentido, o significado teológico-pastoral e eclesial-litúrgico da Fraternidade será a

mediação que indicará para o valor evangelizador de tal Campanha.” (PRATES,

2007, p.23).

Segundo Cândido (1993, p. 465):

O vocábulo fraternidade é a meta de um processo cultural de abstração que parte da concretude do termo irmão. O conceito abstrato de fraternidade é posterior ao termo concreto de irmão. Ambos os termos contém uma intenção: a de aludir a uma realidade. ‘Irmão’ vem a significar uma entidade pessoal, a daquele que possui determinadas características identificadas pela experiência e pela elaboração cultural na ‘fraternidade’. Irmão é uma pessoa; fraternidade é uma prerrogativa. (CÂNDIDO, 1993, p. 465).

Os objetivos gerais da CF seguem sendo os mesmos desde os seus inícios.

Possuem um fundamento teológico e procuram transformar a realidade, através da

formação comunitária. É o convite à conversão pessoal e comunitária.

Os objetivos gerais da CF são sempre os mesmos e decorrem da missão evangelizadora que a Igreja recebeu de Jesus Cristo: em vista do mandamento do amor fraterno, despertar e nutrir o espírito comunitário no meio do povo e a verdadeira solidariedade na busca do bem comum; educar para a vida fraterna, a partir da justiça e do amor, que são exigências centrais do Evangelho; renovar a consciência sobre a responsabilidade de todos na ação evangelizadora da Igreja, na promoção humana e na edificação de uma sociedade justa e solidária. (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 11).

Nos seus inícios, a CF buscou renovar a Igreja internamente. Depois ela voltou-se

para as realidades sociais e existenciais do povo brasileiro. Como se vê, há nos

seus objetivos uma abertura à promoção do bem humano comum. Deste modo, ela

já tratou também da temática ambiental, como aconteceu nas Campanhas de 1979,

2004 e 2007, com os lemas: “Preserve o que é de todos”, “Água, fonte de vida” e

“Vida e missão neste chão”, respectivamente. Esta última evidenciou

especificamente a Amazônia e seu povo (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS

DO BRASIL, 2008a, p. 135-137).

28  

Para a realização destes objetivos, a CF nasceu com um método educativo

chamado “ver-julgar-agir”. Este método permite ver a realidade com seus desafios,

julgá-la com os critérios éticos advindos do Evangelho e do ensinamento da Igreja e

dinamizar ação transformadora. É um método que transforma as comunidades, um

método bastante construtivo de formação de valores. Segundo Prates (2007, p. 32-

33), a metodologia utilizada pela CF é

[…] estruturada de forma que o “ver” seja a dimensão do método que ajude a uma tomada de consciência diante das ambigüidades da realidade. O “julgar” seja a dimensão metodológica que possibilite um juízo crítico, no qual os critérios sejam a Palavra de Deus que ilumina a realidade e o ensinamento do Magistério da Igreja. E, por sua vez, o “agir” seja a dimensão dinamizadora de novas estratégias de ação na busca de transformação da realidade, sempre no horizonte do projeto fraternal de Deus-Pai. (PRATES, 2007, p. 32-33).

Como uma atividade pedagógica e estando em sintonia com o pensamento latino-

americano, a CF recebe influxo do pensamento de Paulo Freire e da Teologia da

Libertação. Há uma importante força nestes pensamentos no sentido de as pessoas

libertarem-se de sua condição de oprimidos a partir da reflexão da sua própria

condição de oprimidas e da transformação da realidade opressora (ANGELIM, 2008,

p. 11). Na mesma linha de pensamento, está a teologia da Libertação. Quer-se dizer

no sentido de que o método ver-julgar-agir tem “marcado una constante

preocupación por associar la fe com la búsqueda de compreensión y de

transformación de la realidad histórica de la vida humana.” (ANJOS, 2008, p. 13-14).

A CF envolve a estrutura da Igreja, desde as suas esferas oficiais amplas até os

agentes comunitários espalhados por todo o país. O CERIS, Centro de Estatística

Religiosa e Investigações Sociais, procura apresentar em sua obra a amplitude da

dinâmica da Igreja oficialmente no Brasil, sua rede capilar de atuação. Ele trás uma

lista das circunscrições territoriais e pessoais e instituições ligadas à Igreja. Em 2003

eram 269 Dioceses e equiparadas e 8.977 paróquias e Quase-paróquias (CERIS,

2003, p. 100). Atualmente são mais de 9.400 paróquias cadastradas pelo (CERIS,

2005, p. 98). Há diversas pastorais, organismos, movimentos e grupos que são

envolvidos com a CF e que possibilitam sua dinamicidade (CONFERÊNCIA

NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, 131). Da mesma forma, a CF envolve

as celebrações, romarias, encontros de grupos de pessoas, catequese, novenas,

homilias, ensino religioso, orações, e demais atividades ligadas à Igreja, justamente

por ela ser amplamente aceita.

29  

Levando em conta esta capilaridade da atuação da Igreja e a ampla aceitação

que já nos primeiros tempos teve a CF (PRATES, 2007, p.24), pode-se ter uma idéia

do que ela representa em termos de formação comunitária. É uma atividade que

merece atenção no que se refere a formação de pessoas no Brasil.

Como é uma proposição feita pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil a

toda Igreja do Brasil, é muito difícil avaliar o quanto ou como ela é assumida por

todas as dioceses e essas comunidades paroquiais do país. O certo é que há

também grande produção de material impresso ou digitalizado que é distribuído para

as comunidades. São as chamadas peças da CF.

Além desses materiais, existem atividades que diretamente demonstram o esforço

da CF para alcançar seus objetivos. Os projetos realizados a partir de recursos

captados pela CF são importantes atividades educativas. Na medida em que

acontecem, eles transformam as comunidades envolvidas. Os projetos são

escolhidos de acordo com o tema de cada ano, com as necessidades das

comunidades e segundo alguns critérios gerais e específicos. Estes critérios são:

Transparência, Autonomia, Partilha, Participação, Solidariedade, Retornos

Solidários, Cidadania, Sustentabilidade, Protagonismo, Mística. Os critérios

específicos são definidos a partir do tema da CF (CÁRITAS BRASILEIRA, 2008, p.

12-13).

Como a CF possui uma dimensão litúrgica, pois é realizada dentro de um tempo

litúrgico, supõe-se que, durante a quaresma, período de quarenta dias, ao menos

em cinco celebrações dominicais, o assunto apareça com proeminência na maioria

das comunidades, potencializando-se uma ação formadora de comunidades.

Estas atividades todas têm possibilitado alguns resultados que relacionados aos

objetivos e inspirações da CF.

A Campanha tem conseguido três bons resultados: a) faz os agentes e os fiéis estudarem, de modo mais intenso, a Palavra de Deus e aprofundarem as conseqüências da fé; b) comunica ao público em geral, fora dos ambientes eclesiásticos, a voz profética da Igreja diante de graves questões sociais; c) faz nascer iniciativas pastorais concretas para responder aos clamores da realidade analisada e às exigências da Palavra de Deus intensamente refletidas nas comunidades. (PRATES, 2007, p. 15).

Deste modo, ela aparece no contexto tradicional da Igreja como formadora de

comunidades. E, principalmente quando a temática envolvida relaciona-se com a

bioética, a formação comunitária pode ser, entre outros aspectos, para valores da

30  

bioética. É neste contexto em que desponta a CF-2004, que trabalhou o tema

bioético da água.

31  

3 UMA CAMPANHA: SUA CONSTRUÇÃO, SEUS RESULTADOS

A CF-2004 mostrou consciência em adequar o esforço da iniciativa à proporção

do desafio que o tema da água representa. Apesar de ser uma campanha rápida, ela

foi envolvente e deixou resultados que ainda perduram. Os documentos coletados

demonstraram tal dinâmica. Eles foram analisados a partir de três categorias: da

elaboração da iniciativa, do seu desdobramento e dos seus resultados. Com este

método se buscou evidenciar elementos que, ao serem interpretados, pudessem

manifestar aspectos da contribuição da CF na formação comunitária para valores da

bioética.

O descortinar dos dados pesquisados inicia aqui com elementos relacionados à

escolha do tema da CF-2004. Depois parte-se para o como foi o processo de

elaboração do seu Texto-base, seus participantes, sua dinâmica. Principalmente

deste texto, por ser a mais importante fonte para a própria CF, são coletados as

questões éticas, os valores e as práticas propostas pela CF-2004. Ainda são

lembrados a publicidade e os envolvimentos da campanha. Por fim, como forma de

mostrar o que se percebeu de até onde a CF-2004 teve seu alcance, são mostrados

os seus resultados práticos.

Como fontes dos dados, foram usados os documentos presentes no Arquivo da

Secretaria Executiva da CF, da sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,

em Brasília. Também, dados enviados pela Editora Salesiana, responsável pela

edição das peças da CF na época. Ainda, houve entrevistas com alguns integrantes

da equipe que elaborou o Texto-base da CF-2004: o então secretário executivo da

CF, José Carlos Dias Tofolli, o redator da primeira versão do Texto-base, Roberto

Malvezzi, e com o Secretário Geral do Conselho Superior das Defensorias Sociais,

Leonardo Aguiar Morelli.

3.1 A escolha do tema da CF-2004

O primeiro elemento que diz respeito à construção teórica do tema é a própria

escolha deste para a CF daquele ano. Não diferente dos outros anos ou das outras

edições recentes da CF, a escolha do tema da CF-2004 se deu, sinteticamente,

segundo Toffoli (ANEXO D), da seguinte forma: primeiro as sugestões de temas

32  

foram enviadas das comunidades paroquiais para as coordenações diocesanas de

pastoral ou da CF. Estas sugestões foram sintetizadas e enviadas para os

respectivos regionais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil que, por sua

vez, escolheram três ou quatro temas que foram apresentados ao CONCEP

(Conselho Episcopal Pastoral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Nas

reuniões do CONCEP, bispos e assessores da Conferência Nacional dos Bispos do

Brasil debateram sobre qual tema dos que receberam dos regionais seria o mais

pertinente para o momento no Brasil. Depois desta discussão, todos votaram em três

temas. Surgiram três temas mais votados. Cada um destes foi escolhido para ser

defendido por dois integrantes do CONCEP, que fizeram sua defesa. Depois destas

defesas os bispos presentes na reunião escolheram o tema “Fraternidade e Água”,

com o lema “Água, fonte de vida”.

Houve uma decisiva participação da CPT (Comissão Pastoral da Terra) para a

escolha do tema da água para a CF-2004. Os grupos da CPT foram percebendo que

sua missão não era somente se envolver com o tema da terra, mas também com o

tema da água. Propuseram, então, à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil a

realização de uma CF sobre a água. A CPT possui representatividade pastoral

desde as bases da Igreja até o âmbito nacional e é uma das pastorais da

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Isso fez com que ela pudesse ter força

de participação para a escolha do tema água (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA,

2008).

José Carlos Dias Toffoli (ANEXO D) enfatizou a participação das bases na

escolha do tema da CF-2004. Compreende-se, ao menos por inferência, a existência

de reflexão nas paróquias e nas dioceses, para se chegar às determinadas

sugestões de temas enviadas para os regionais e para o CONCEP. De modo que

houve um movimento de participação da comunidade religiosa e seus líderes na

escolha do tema, que vai da base até o centro.

3.2 Elaboração do Texto-base da CF-2004

O Texto-base, como o próprio nome afirma, é o que serve de base e fonte para

todas as atividades e peças da CF. Ele é o principal texto oficial da CF. O processo

de elaboração está descrito por um dos seus redatores, Roberto Malvezzi (ANEXO

33  

B). Segundo ele, o texto foi feito de uma forma simples, a partir da convocação de

uma equipe pelo secretário executivo da CF e posteriormente com filtragens de um

assessor e a aprovação dos bispos. Quem deu o primeiro passo na redação foi ele

mesmo. Suas principais fontes foram a cartilha “Bendita Água” (CÁRITAS

BRASILEIRA; CPT, 2004) e o texto “Água da Chuva: o segredo da convivência com

o semi-árido” (CÁRITAS BRASILEIRA; COMISSÃO PASTORAL DA TERRA;

FIAN/BRASIL, 2001).

Nos arquivos da secretaria executiva da CF aparecem seis versões do Texto-

base da CF-2004. Ao se estabelecer uma comparação entre suas primeiras versões

e as que se seguiram, notou-se que ele vai se encorpando. Tanto em termos

científicos, quanto em termos de adequação de linguagem e escrita. Isto mostra a

seriedade com que a CF quis levar adiante o trabalho com o tema.

O Texto-base da CF-2004 apresenta algumas fontes científicas. A principal delas

é a obra de Rebouças, Braga e Tundisi (2006).2 Ela aparece citada doze vezes

dentro do texto. Também são referenciadas as obras de Ayrton Costa (1991),

Petrella (2002), Rezek (2000), Mérico (2002), Machado (2002). O que quer dizer que

houve relação com a ciência na elaboração do Texto-base da CF ou que há

fundamentação científica nele. Pedro Ribeiro de Oliveira, um dos redatores do

Texto-base, afirma que “várias pessoas, qualificadas e de diferentes áreas, nos

ajudaram na redação do texto.” (2004).

3.3 Questões éticas na CF-2004

As questões éticas levantadas pela CF-2004 também são dados que podem

manifestar aspectos desta na contribuição da formação comunitária para valores da

bioética. Podem ser chamadas de questões morais na medida em que apontam para

os valores e princípios em que a comunidade está envolvida, sendo que esta possui

razoavelmente claro quais são necessários defender em determinada situação.

Temos uma questão moral quando estamos diante de uma situação que exige agir em conformidade com os valores e os princípios morais. A questão moral não é necessariamente um dilema moral. Na questão moral o que é exigido pelos valores e princípios morais é claro ou razoavelmente claro. As razões que poderiam levar o indivíduo a agir de outra maneira não são de índole moral. (FERRER; ÁLVAREZ, 2005, p. 86).

                                                       2 A edição usada na época foi a de 1999. 

34  

É importante lembrar a diferença entre ética e moral, apresentada no início deste

texto. Mas aqui se quer apresentar as morais como questões éticas, pois elas estão

em âmbito de reflexão dentro do Texto-base.

Notou-se nos documentos coletados a presença de uma questão transversal. É

aquela em que a água não é compreendida como fonte de vida e, diante da sua

crise, pode ser vista simplesmente como uma mercadoria, um recurso, uma

oportunidade para grandes negócios, grandes lucros, em detrimento da vida. É

possível compreender a apresentação do lema da CF-2004 “água, fonte de vida”, a

partir desta perspectiva. Ele procura enfocar a água como fonte de vida, numa

contraposição a uma compreensão estritamente econômica, materialista e utilitarista

(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 76). A CF quis

chamar a atenção para que a água seja vista “a partir de enfoques novos e de

acordo com critérios éticos baseados no valor da vida e no respeito aos direitos e à

dignidade da pessoa humana e à obra de Deus Criador.” (CONFERÊNCIA

NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 12).

Este pequeno trecho do Texto-base mostra, pela reação necessária que a CF

intenta, a questão ética transversal.

As mesmas exigências éticas requerem uma mudança de mentalidade para superarmos o egoísmo e a concentração dos bens e da renda em mãos de poucos e nos impelem a um uso solidário dos alimentos e dos recursos hídricos, em suas várias formas, evitando todo desperdício e construindo relações solidárias. (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 19).

As questões éticas apresentadas pela CF foram em sua maioria absoluta

relacionadas com esta grande questão apontada acima. E podem ser divididas entre

aquelas que tratam do descuido e aquelas que tratam da má distribuição da água e

do ambiente em geral. Não se trata aqui de esmiuçar detalhadamente como são tais

questões, mas de citá-las brevemente, mostrando que a CF trouxe-as à tona,

convidando à reflexão. A principal fonte documental usada aqui foi o Texto-base da

CF-2004.

Primeiro descrevem-se aqui as questões éticas relacionadas com o descuido.

Segundo a CF-2004, ao apresentar os usos múltiplos da água, quando no consumo

humano, o descuido à água no saneamento urbano é devido ao custo muito alto que

as empresas de saneamento acabam não pagando, despejando o esgoto no

35  

ambiente sem qualquer tratamento (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO

BRASIL, 2003b, p. 20).

Esta falta de tratamento prévio dos dejetos antes de lançá-los no ambiente

também acontece com as indústrias, segundo a CF-2004. “O custo para tratar essa

água, tornando-a reutilizável para consumo humano, tem que ser debitado a quem a

poluiu, e não a toda a população que vai usá-la.” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS

BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 24). Contudo, a CF lembrou que o princípio poluidor-

pagador tem duas faces. Ao mesmo tempo em que possibilita inibir à poluição

através do custo com multas, pode, por elas serem baixas, garantir o direito de

pagar para poluir. Isso acontece não somente com a indústria, mas com quaisquer

atividades poluidoras (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL,

2003b, p. 34).

No uso da água para a irrigação, conforme a CF-2004, o descuido está

relacionado à transferência do custo ambiental da produção para outros países,

através da compra de grãos. Ela levou em conta também que, muitas vezes, a

irrigação é feita de forma inadequada. E lembrou que a agricultura é a atividade que

mais consome água (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL,

2003b, p. 21).

Passa pelo mesmo viés economicista aqui descrito a eliminação de mananciais,

com o desmatamento e a sucção indiscriminada de lençóis subterrâneos

(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 40), o despejo do

lixo sem tratamento.

Quando a CF falou do uso da água para a navegação, lembrou que a moderna

navegação cria importantes “caminhos que andam”. Contudo, também pode causar

danos ecológicos e ser responsável pela destruição de culturas ribeirinhas

(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 22).

Também um descuido relacionado ao fato de se ver a água apenas como um

recurso útil economicamente é a depredação pesqueira, a pesca industrial,

“causando empobrecimento da população que vive da pesca e também a diminuição

de sua principal fonte protéica.” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO

BRASIL, 2003b, p. 23).

36  

Quanto à questão da distribuição, relacionada com a questão transversal que se

apresentou acima, a CF-2004 mostrou que no Brasil, mais do que falta d’água, o que

falta é gerenciamento. Este passa pelas questões do cuidado, além da própria

distribuição que aqui se fala, visto que o grande problema da água está em sua falta

de qualidade, no desperdício e em sua justa distribuição (CONFERÊNCIA

NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 31). Este gerenciamento não pode

ser delegado a especialistas somente, por mais importante que seja seu trabalho. É

algo que precisa ter o acompanhamento da sociedade (CONFERÊNCIA NACIONAL

DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 25).

A CF-2004 denunciou uma ideologia oportunista combinada com realidade da

crise da água (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p.

27). Esta ideologia incorpora a água dentro das leis do mercado. O que é raro ganha

preço. E quem não pode pagar, não pode usar. É uma distorção de uma boa

interpretação do princípio usuário-pagador. Princípio que serve como norma

reguladora de uso e não para excluir as pessoas do uso da água (CONFERÊNCIA

NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 34). A transformação da água em

mercadoria retira a sua dimensão de direito humano, seu caráter vital, sua dimensão

sagrada (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 35).

Para a CF-2004, “se a lógica do mercado se impuser como solução, ela vai

assegurar a água para os ricos, mas não para os pobres.” (CONFERÊNCIA

NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 36). 

Os conflitos e, de modo especial, a guerra, são outra questão ética que se

apresenta pelo predomínio da lógica do mercado e dificulta a distribuição da água.

As guerras são injustas, desnecessárias e evitáveis. A CF-2004 mostrou ainda a

questão do condicionamento de empréstimos a países pobres à privatização da

água. E este não é um caminho aceitável, mesmo diante do descaso do Estado

(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 49 e 56). Um

contrato mundial da água passa a ser uma questão ética relacionada

(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 35-37).

A CF-2004 dedicou longo trecho do texto-base para discutir elementos da Lei

Nacional de Recursos Hídricos, a lei nº 9.433/97. Chamou atenção para a

necessidade de uma reflexão a respeito dos fundamentos desta lei. Segundo ela, há

um viés mercantilista dentro dela. Há também falhas na lei. Estas podem fazer com

37  

que pessoas fiquem sem o direito à água e, portanto, sem direito à vida, ferindo a

própria Constituição. Um exemplo claro da ambigüidade da lei está em quando ela

se refere ao priorizar a dessedentação humana e animal em situação de escassez. A

lei deveria dizer que sempre deve haver esta prioridade, e não somente em situação

de escassez (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 43-

57).

A CF-2004 ainda discutiu a forma de participação dos comitês de bacia

hidrográfica. Apresentou omissões da lei a respeito da captação da água da chuva e

das águas subterrâneas. Dentro de aspectos legais e institucionais, apareceu

também uma crítica à criação e os objetivos da ANA, Agência Nacional de Águas, e

a questão ética das privatizações da água, relacionada com eles (CONFERÊNCIA

NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 43-57).3

Pode-se ver como questão ética apresentada pela CF-2004 a compreensão de

que a produção de energia elétrica de origem hídrica é limpa. O Texto-base aponta

os malefícios que a hidroeletricidade traz. Diz que não se trata de descartar o uso

deste tipo de energia, mas é preciso encontrar alternativas (CONFERÊNCIA

NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 20-21).

O uso da água como instrumento de poder é uma questão ética histórica no

Brasil. Ela é vista pela CF-2004 como um crime contra os direitos humanos.

“Quando o proprietário da terra se apropria também da água, ele mantém subjugada

toda a população local. O mesmo fazem certos políticos que controlam a distribuição

de água pelos caminhões-pipa.” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO

BRASIL, 2003b, p. 26).

Todas estas questões demonstram a intenção de a CF-2004 conscientizar, fazer

a população pensar, questionar-se. Elas apontam para valores que a comunidade

possui razoavelmente claro, mas que precisa atentar, para não deixá-los de lado nas

suas práticas.

                                                       3 Para uma análise independente da idéia que a CF-2004 tem desses comitês, confira Abers e Jorge (2005) e também A. P. Soares (2008).

38  

3.4 Valores da bioética na CF-2004

Os valores epistêmicos e os valores éticos são aqui apresentados de modo

entrelaçado, relacionados à água e que a CF-2004 afirmou. Ora, os valores éticos

não são desligados dos valores epistêmicos. Estes, com a lei de Hume, foram

isolados com uma pretensa objetividade. Mas os valores epistêmicos, distintos dos

valores éticos, são também valores. Os fatos científicos sofrem influência da

subjetividade (PUTNAM, 2008, p. 50-51). Dentro da bioética, tanto Potter quanto

Helegers optaram pelo questionamento da lei de Hume, que estabelece uma

separação rigorosa entre fatos e valores.

Esta lei é em princípio aceita em filosofia moral desde que George Moore (1903) a indicou para evitar aquela que chamou de falácia naturalista e que consiste em deduzir os aspectos normativos (o que 'deve ser') a partir de descrições da realidade (o que 'é'). (SCHRAMM, 1997, p. 100-101).

Aqui se vai falar de elementos da realidade, fatos científicos, considerando-os

também como carregados de valor. Os valores éticos ou da bioética não são

desligados daqueles. Por isso, aqueles são aqui considerados como valores para a

bioética, justamente por ser a bioética considerada uma “interdisciplina”

(SCHRAMM, 1997, p. 100). Deste modo, contrariando a lei de Hume, com Potter e

Helegers, vê-se uma aproximação entre o “que é” e o que “dever ser”, dentro da

bioética.

O primeiro e principal valor observado na CF-2004 é o valor da vida. Ela,

obviamente, é condição de possibilidade para a existência de qualquer outro valor. E

sem água, a vida não é possível. Por isso, “o valor supremo da água é o valor

biológico.” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 27).

A água é uma necessidade primária, portanto, direito e patrimônio de todos os seres vivos, não apenas da humanidade. A água é, por excelência, um bem de destinação universal. A primazia da vida se estabelece sobre todos os outros possíveis usos da água. (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 19).

A água é um bem que proporciona um conjunto de bens alienáveis para todos os

seres vivos. O ciclo da água é um serviço à vida. A água, portanto, possui valor por

causa da vida. “[…] A água é o fundamento de todas as formas de vida e a vida não

existe sem ela. A água é biologicamente imprescindível e insubstituível. A vida não

pode existir sem ela e ela não pode ser substituída por outro elemento.”

(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 25). Por isso, as

39  

leis de mercado não podem funcionar sobre a água da mesma forma como

funcionam sobre outros bens substituíveis (PETRELLA, 2002, p. 83-84).

As gerações futuras também fazem parte desta universalidade da destinação da

água com quantidade e qualidade (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO

BRASIL, 2003b, p. 58). E pelo fato de a água ser patrimônio não somente dos

humanos, aqui se pensa nas gerações futuras de todos os seres vivos. A água é a

vida da terra e a biodiversidade apresenta-se como valor. Onde há mais água e de

boa qualidade há maior biodiversidade.

Relacionado com o valor vida está o valor saúde, que também depende da água

de boa qualidade. Há uma relação entre qualidade da água e qualidade de vida e

saúde. “A maioria das doenças do planeta é causada pelo uso de água imprópria

para o consumo humano.” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL,

2003b, p. 16). A água é fonte de sustento para a vida e a saúde. Ela é comparável

ao alimento como fonte primária e indissociável de vida. Ela também faz parta da

luta pela superação da miséria e da fome.

O valor social da água é decorrente do seu valor biológico. “Impossível pensar

numa sociedade saudável, harmônica e em paz, sem água de qualidade para todos

os seus cidadãos.” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b,

p. 25). A fraternidade, a vida fraterna, o espírito comunitário como realidades

apreciáveis, como valor, passam por isso, pelo direito de todos aos bens

necessários para bem viver. Passam pela justiça e pelo amor. Se a água é um bem

comum, universal, ela é um direito humano, por ser indissociável à vida, então a

justiça precisa acontecer.

Segundo Malvezzi (ANEXO B), a CF-2004 trouxe algo novo para o Brasil: “o

conceito da água como um direito humano, um bem público, não comercializável.”

Se a questão ética transversal apresentada acima é a do reducionismo economicista

que envolve a água, o valor que é reafirmado como reposta é a água compreendida

como um direito humano. “O direito das pessoas, sobretudo dos mais pobres, a uma

vida digna é o verdadeiro bem supremo, ao qual todos os outros direitos devem

estar orientados e submissos.” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO

BRASIL, 2003b, p. 73). Não é possível que haja seres humanos sem água por causa

de interesses privados, por causa do valor do lucro. A água precisa ser vista como

40  

fonte de vida e não como fonte de lucros. Ela deve estar acessível a todas as

pessoas, independentemente se elas possuem recursos ou não.

É sob estes valores que está posto o consumo humano e a dessedentação animal

como prioridades sobre os outros usos da água. Isso não somente em situação de

escassez, como se pode interpretar na lei nº 9.433/97 (CONFERÊNCIA NACIONAL

DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 50).

A CF-2004 apresentou o valor do multiuso da água. “[…] ela tem mais usos que

simplesmente o consumo humano e a satisfação das necessidades vitais dos

demais seres vivos.” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL,

2003b, p. 20). A água serve para o consumo humano, para a irrigação, para a

produção de energia, para a navegação, para a pesca, para a indústria, para o lazer

e para o uso medicinal (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL,

2003b, p. 20-24).

A CF-2004 lembrou também o valor paisagístico e turístico da água. Contudo,

assevera que as paisagens sem água de qualidade seriam mortas (CONFERÊNCIA

NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 26).

Os valores religiosos podem ser vistos como a estrita contribuição da CF-2004.

Nela (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 60-70),

Deus foi visto como aquele que povoa a terra com as criaturas que são dele, e como

o criador de todas as águas. É aquele que acompanha o povo e dá a todos água e

alimento em abundância. Deus conduz o povo para as fontes de água viva. Ele

liberta o povo da escravidão. No dilúvio ele garante que nunca mais as águas

destruirão a vida. Ele mesmo se faz água viva e todos poderão beber do manancial

da salvação que Ele é. Ele é a esperança de não ter mais sede.

Segundo a CF-2004 (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL,

2003b, p. 66), há um projeto de amor que Deus quer para todos. Isso não nega a

liberdade do ser humano, justamente o contrário. É convite ao protagonismo do ser

humano. O próprio batismo cristão, cuja matéria necessária é a água, aparece com o

significado de resposta ao convite que Deus faz em comprometer-se com a sua obra

(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 67-72).

A água é fonte de vida, meio de purificação, centro de regenerescência também

para a CF-2004. Ela lembrou da água presente nos rituais fundamentais, como o

batismo, e nos sacramentais, como a água benta (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS

41  

BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 25). Ela é sinal de serviço, no lava-pés e sinal de

vida eterna, na água viva que brota do lado aberto de Cristo (CONFERÊNCIA

NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 5). Ela foi vista como tendo uma

dimensão sagrada, medicamento, tesouro escondido, ponto de relação entre o céu e

a terra, passagem da escravidão para a libertação, sinal da ação benéfica do céu

que gera vida, lugar de encontro com Deus (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS

BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 61-64).

É a compreensão mística da água. Ela foi vista como uma realidade profunda,

carregada de significados, sempre inatingíveis. Isto porque, segundo Moioli (1993, p.

770), a mística significa “a experiência religiosa de unidade-comunhão-presença,

onde o que se sabe é precisamente a realidade, o dado desta unidade-comunhão-

presença, e não reflexão, conceitualização, racionalização do dado religioso vivido.”

A natureza deixa de ser um objeto vazio de sentido, em que se pode colonizar,

consumir sem medidas, usufruir sem nenhum domínio cuidador. Na CF-2004, com a

idéia da criação como dádiva ou dom, inverteu-se:

[…] a atitude da modernidade capitalista: no lugar de explorar os bens em vista de interesses até antiéticos, considera-os dons que levam o homem ao amor e ao serviço de Deus. Tudo isso nos liberta, pois, da idéia de domínio despótico sobre as coisas. (RAMPAZZO, 2007, p 31).

O humano é compreendido como um ser de cuidado. Se ele não corresponder

com o que ele é, a vida fica prejudicada. O valor do cuidado é um dos que se

destaca explicitamente no Texto-base da CF-2004. Ele é chamado de princípio, junto

com a co-responsabilidade e a solidariedade. O cuidado é:

[…] aquela predisposição que antecede qualquer outro ato e que permite que ele surja, como a inteligência, a vontade e a criatividade. É uma relação amorosa para com a realidade, supõe envolvimento, desvelo e atenção especialmente para com os seres vivos. (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 74).

O cuidado é um valor que promove o bem do ser humano e de toda a espécie de

vida. Ele aparece como extremamente necessário na relação do ser humano com a

água, elemento natural indispensável para a vida. Diante da falta de cuidado com a

água, a vida é maltratada. Juntamente com o cuidado aparece a idéia da proteção

(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 40).

Outro valor bioético que aparece às claras é a co-responsabilidade. Quem cuida

eticamente é o ser humano. Ele é capaz de ética. Por isso, ele é responsável. A

responsabilidade, então, vem da capacidade que o ser humano possui de ser sujeito

42  

de seus atos, de fazer escolhas para o bem ou para o mal (CONFERÊNCIA

NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 75). A co-responsabilidade é o

viver esta capacidade com os outros. Merece estima e apreço o incentivo e o

exercício desta capacidade humana. Aqui se pode pensar a responsabilidade em

sintonia com Jonas (2006), quando ele a apresenta numa visão ampla, estendendo-

a para as gerações futuras.

A CF-2004 convidou para a responsabilidade em torno da missão evangelizadora,

da promoção humana e da construção de uma sociedade justa e solidária

(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 11). Em torno da

co-responsabilidade campearam a conscientização, o discernimento, o

conhecimento, a participação popular, a democracia e uma conversão coletiva às

questões éticas e aos outros valores apresentados pela CF-2004 (CONFERÊNCIA

NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 13; 76; 80).

A solidariedade também foi um valor que guiou a reflexão bioética em torno da

água na CF-2004. Ela mostrou-se como a interdependência dos seres em suas

relações para a garantia da existência e sustentabilidade. Por ela não há

necessariamente a exclusão do mais fraco como na seleção natural. Em nível

humano, vale o cuidado interativo entre os seres (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS

BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 75).

O Ensino Social da Igreja tem um princípio que é chamado de subsidiariedade

(LEÃO XIII, 1981). Ele apareceu implicitamente nos dos objetivos específicos

(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 13), mas

também em toda a CF-2004, quando ela sugeriu, promoveu e apoiou as iniciativas

locais em torno do cuidado e da distribuição da água.

3.5 Propostas práticas da CF-2004

A CF-2004, assim como as campanhas de outros anos, incentivou o

desenvolvimento de práticas. Fez menção a algumas, mas, acima de tudo,

incentivou a criatividade local. É claro que houve também práticas amplas

promovidas pela própria articulação nacional da CF. Ela apresentou as sugestões de

práticas que seguem.

43  

Promover o conhecimento da realidade local no que diz respeito à água. Para

isso, aparece sugerido um questionário no anexo 1 do Texto-Base; também são

sugeridas visitas aos mananciais; celebração da água nos locais; promoção de uma

nova mística da água, quer dizer, um novo modo de ver a água e a natureza; motivar

a busca de adesões para os problemas locais; controle da qualidade da água local;

maior uso da água na liturgia; motivar círculos bíblicos e celebrações diversas

(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 79-93).

Além destas sugestões que envolvem projetos mais diretamente locais, no Texto-

base aparecem as sugestões e promoções de projetos de maior alcance, sem que

deixem de ter incidência na realidade local. São eles (CONFERÊNCIA NACIONAL

DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, p. 81-93): Encaminhamento de soluções globais;

pensar a realização da Romaria da terra e da água em cada diocese brasileira;

ajudar concretamente no projeto de convivência com o semi-árido; necessidade de

ter uma política de captação da água da chuva; preservação dos lagos para

reprodução na Amazônia; acordos de pesca e reprodução de peixes; fortalecimento

da pastoral dos pescadores; apoiar áreas de preservação ambiental permanente,

mananciais e mangues; revitalização dos rios; aproveitamento de águas no meio

urbano e rural; sensibilizar sobre a realidade urbana; sensibilização sobre a situação

mundial da carência da água; apoiar o rumo livre aos rios e mares, para pescadores,

respeitando os ciclos da natureza; apoiar fóruns de discussão existentes sobre a

água e incentivar a criação de novos; acompanhar iniciativas do Parlamento Mundial

da Água; maior participação nas questões sobre a água no Fórum Social Mundial;

conhecer, acompanhar com visão crítica, outra formação e a atuação dos Comitês

de Bacias Hidrográficas; participação do abaixo-assinado para a revisão dos

fundamentos da lei 9.433/97. apoio aos movimentos de resistência contra a

privatização das águas; Apoio aos atingidos por barragens; participação no gesto

concreto que é a Coleta da Solidariedade.

Houve, como se vê, incentivo a práticas locais, bem como à participação em

práticas promovidas de modo amplo pela CF-2004. Elas foram proposições para a

comunidade local e para a grande comunidade, a população brasileira de modo

especial. Estas práticas, que significam a dimensão do agir do método da CF,

procuraram sintonia com as outras duas dimensões, o ver e o julgar. No Texto-base

44  

da CF-2004, elas aparecem depois de uma leitura da realidade com a ajuda da

ciência, e do julgamento com a ajuda de elementos teológicos.

3.6 Publicidade e envolvimentos da CF-2004

A publicidade e os envolvimentos da CF-2004 referenciam-se à força e ao esforço

que ela teve na formação comunitária no Brasil.

TABELA 1 – Peças utilizadas na CF-2004 e respectivas quantidades - 2004 Peças da CF-2004 Unidades Adesivo Cartaz 4.836 Adesivo Lema 7.474 Calendário Fraternidade 6.897 Calendário Salesiano 8.785 Cartaz Grande 90.109 Cartaz Médio 78.655 Cartaz Pequeno 46.001 CD (músicas da CF) 29.581 Círculos Bíblicos Ecumênicos* 40.489 Encontros Catequéticos* 86.364 Ensino Fund. I Crianças AEC* 9.916 Ensino Fund. II Adolescentes AEC* 9.274 Ensino Médio Jovens AEC* 7.327 Fita K-7 Cantos da CF 11.991 Fraternidade Grupo de Reflexão* 18.693 Fraternidade Viva* 5.386 Kit com 05 Folders 154.866 Manual da CF* 18.068 Outdoor CF 50 Postal c/ Oração 176.553 Postal s/ Oração 16.132 Texto-Base* 57.194 Via Sacra* 157.316 Vigília Eucarística e Celebração da Misericórdia* 51.746 Total 1.093.703

Fonte: Editora Salesiana (SILVA, V., 2008) 4. (*) Indicação de que a peça é um livro. Sobre o que é cada peça, pode ser encontrado no ANEXO A deste estudo.

A CF-2004, como todas as outras, para ser veiculada, envolveu a estrutura capilar

e as ações já existentes da Igreja, como foi descrito no primeiro capítulo. Também

ela se valeu das costumeiras peças publicitárias para atingir alguns de seus

objetivos, para se tornar conhecida e ser colocada em prática. A tabela acima

apresenta as peças da CF-2004, com suas respectivas quantidades encomendadas.

                                                       4 A Editora Salesiana não informou a respeito de outras peças existentes. São agendas, bonés, camisetas, spot para TV, jingle para rádio, vídeo sobre a Campanha, cuja existência sabe-se.

45  

Ele dá uma idéia do esforço feito para a divulgação da CF. É óbvio que cada peça

tem uma força publicitária, informativa e formativa diferente.

Além destas peças, há os jingles para rádio, que foram distribuídos gratuitamente

pela internet, no site www.editorasalesiana.com.br. Também há os chamados spots

para TV que ajudaram na divulgação da CF.

As peças demonstram uma preocupação publicitária e pedagógica em atingir os

mais variados públicos (ANEXO A). Por exemplo, existe uma versão popular do

Texto-base chamada Fraternidade viva. Também livros para encontros com jovens,

adolescentes e crianças, ou mesmo grupos de famílias. Além das peças publicitárias

de alcance do público em geral.

Segundo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (2003a, p. 2), a CF-2004

intentou envolver o maior número de interessados para a sua divulgação. Para isso

dentro dos regionais, dioceses e paróquias, além das escolas, aconteceu a

formação de lideranças. Existe uma das peças da CF-2004 que trabalha esta

formação, além do Texto-base. É a Formação para Multiplicadores. Para ela, a

capacitação para multiplicadores é a peça que:

Apresenta a síntese das reflexões do Texto-base, além de orientações práticas para a divulgação da CF. Também motiva a participação dos grupos eclesiais e de todas as organizações da sociedade. De fato, a CF deve envolver toda a sociedade, especialmente as escolas/colégios, os meios de comunicação e as muitas organizações das comunidades eclesiais. (2003a, p. 2).

Além desses envolvimentos relacionados à publicidade, a CF-2004 estabeleceu

relacionamentos com sujeitos internos e externos à Igreja que deram autoridade ao

processo que ela procurou levar adiante. Isso indica que não foi uma iniciativa de

alguns, sem o respaldo de quem representa toda a comunidade eclesial. Assim, ela

chamou para participar, como apoio, o Papa, o Pontifício Conselho Justiça e Paz, o

Núncio Apostólico. Através de artigos presentes no Arquivo da Secretaria Executiva

da CF (2008) aparecem os bispos responsáveis pelas pastorais sociais e teólogos

afinados com o tema, envolvidos com a campanha.

Através de cartas, convites e notícias aparece no arquivo acima citado o

relacionamento da CF-2004 com o Ministério Público Federal, a OAB, a Comissão

Brasileira Justiça e Paz, a Câmara dos Deputados, a ANA, Ministério do Meio

Ambiente, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a Frente

46  

Parlamentar das Águas, comitês de bacia hidrográfica, os movimentos sociais e

sindicais e ONGs.

Trocas de e-mails e notas de esclarecimentos a respeito da questão bioética da

cobrança pela água foram emitidas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,

tendo em vista alguns mal-entendidos em relação a este conteúdo do Texto-base.

Aqui também entra o diálogo que a CF-2004 estabeleceu com cientistas que

discordaram de idéias apresentadas por ela. Contudo, também houve a assessoria

de institutos de pesquisa e diversas outras entidades da sociedade civil

principalmente na percepção do estado real das águas no Brasil (DEFENSORIA

DAS ÁGUAS, 2004).

Como a criatividade local foi valorizada, deduz-se o envolvimento de grande

número de agentes espalhados por todo o Brasil.

3.7 Práticas da CF-2004 realizadas

Um dos resultados da CF é aquele que adveio do chamado gesto concreto, isto é,

da Coleta da Solidariedade, feita no Domingo de Ramos, um domingo antes da

Páscoa. Quer dizer que, possivelmente, ela foi feita depois de um tempo de reflexão

sobre o delimitado tema anual. Dos recursos vindos desta coleta, 60% ficam no

Fundo Diocesano de Solidariedade e os outros 40% são enviados ao Fundo

Nacional de Solidariedade. Este último ajuda financeiramente projetos por todo o

Brasil que possuem relação com a CF do ano do pedido de apoio ao projeto. Quem

coordena o Fundo Nacional de Solidariedade, criado em 1998 pela Conferência

Nacional dos Bispos do Brasil, é a Cáritas, um dos seus Organismos. Os projetos

apoiados pela Cáritas, através do Fundo Nacional de Solidariedade, são solicitações

de paróquias e suas pastorais e outras entidades (CÁRITAS BRASILEIRA, 2008).

Olhando-se para a lista de projetos aprovados pela Cáritas no ano de 2004 e que

possuíram relação direta com o tema da água, pôde-se classificá-los da forma como

aparece abaixo na tabela 2.

47  

TABELA 2 – Projetos financiados pelo Fundo Nacional da Solidariedade - 2004 Projetos Quantidade Valor aprovado (R$) Projetos educativos de gestão e participação para o cuidado e integração com a água 83 1.300.221,83Investimento no abastecimento de água 18 195.517,00 Construção de cisternas de placas 46 580.168,00 Construção de poços 10 143.908,00Construção de pequenas barragens 5 55.578,00 Melhoria habitacional no semi-árido 2 65.076,00 Defensoria da água 1 15.000,00 Total 165 2.355.468,83 Fonte: Cáritas Brasileira – Secretariado Nacional Nota: A classificação dos projetos foi por nós realizada, a partir do título de cada projeto.

Nota-se pela tabela 3 que grande parte dos projetos aprovados no ano de 2004

foi para a região Nordeste do Brasil. Em segundo lugar, aparece a região Sudeste.

Isso coincide com o conhecimento científico. As necessidades destas regiões, em

torno do tema em questão, são maiores do que nas outras regiões do país.

Justamente pelo aumento das demandas, pelo processo de urbanização

desordenado (REBOUÇAS; BRAGA; TUNDISI, 2006, P. 28), e pela falta de

eficiência das organizações públicas e privadas (REBOUÇAS, 1997).

TABELA 3 – Distribuição dos projetos financiados pelo Fundo Nacional da Solidariedade, em 2004, por região do Brasil. Região Número de Projetos Valor aprovado (R$) Nordeste 86 1.306.530,83Sudeste 31 412.438,00Centro-Oeste 19 288.300,00Sul 17 193.235,00Norte 12 154.965,00Total 165 2.355.468,83Fonte: Cáritas Brasileira – Secretariado Nacional. Nota: A organização dos dados foi por nós realizada.

Todos os projetos intentam um caráter educativo, tanto aqueles que

apresentaram práticas diretamente educativas, como aqueles que geraram outro

bem para a comunidade. Um exemplo foi o da construção de cisternas e pequenas

barragens para captação da água da chuva no semi-árido. Estes projetos entraram

na esteira de outros que já existiam anteriormente. São os projetos de convivência

com o semi-árido. Neles há todo um processo participativo da comunidade, ou de

um grupo de famílias, que envolve desde o diagnóstico e planejamento da obra até o

seu funcionamento. Esse processo acaba educando a comunidade para uma

integração com o ecossistema local. Ela passa a não mais esperar passivamente

48  

pela água da chuva ou do caminhão pipa, mas previne-se acumulando água de cada

chuva nas cisternas (CÁRITAS BRASILEIRA; COMISSÃO PASTORAL DA TERRA;

FIAN/BRASIL, 2001).

A compreensão que as pessoas têm de Deus procura ser modificada. De alguém

que castiga e faz chover somente a partir de determinados cultos que o povo realiza,

a alguém que pede a participação do ser humano em integração com o ecossistema

local, com aquilo que ele já oferece (CÁRITAS BRASILEIRA; COMISSÃO

PASTORAL DA TERRA; FIAN/BRASIL, 2001, p. 37). Neste sentido, o fatalismo

procura ser deixado para trás para dar lugar à prevenção, a “um aproveitamento

mais racional das forças da natureza.” (CÁRITAS BRASILEIRA; COMISSÃO

PASTORAL DA TERRA; FIAN/BRASIL, 2001, p. 35).

Enquanto uma comunidade constrói uma cisterna de placas, ela atribui valores

relacionados ao cuidado e integração com o ambiente natural em que ela vive. A

captação da água da chuva tem uma dimensão valorativa diferente da construção de

açudes, ou da transposição de bacias. Quando um açude é construído, ele pode

servir para muitas famílias, mas a água torna-se salinizada e a integração com o

ecossistema local não se dá de uma forma satisfatória. Além disso, como muitas

vezes aconteceu na história, o açude pode ficar nas mãos de proprietários de terra e

passam a servir como jogo de pressão eleitoral sobre as pessoas (CONFERÊNCIA

NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2003b, 56).

Quando as comunidades constroem uma cisterna para a captação da água da

chuva, leva-se em conta o princípio da distribuição dos bens, para que mais pessoas

consigam usufruir daquilo que a natureza dá. E ela dá com suficiência, visto que no

semi-árido Brasileiro há chuvas satisfatórios para a dessedentação de animais e

pessoas. Contudo, as cisternas são um pequeno passo para uma mudança maior

em termos de convivência com o Semi-Árido. Uma reforma agrária se faz necessária

(CÁRITAS BRASILEIRA; COMISSÃO PASTORAL DA TERRA; FIAN/BRASIL, 2001,

p. 22).

Os projetos podem ser vistos como resultados da CF, na medida em que eles

foram preparados pelas comunidades, tendo em vista a temática da mesma.

Contudo, eles também acabaram sendo meios que estenderam a CF. Os projetos

são também formas de levar adiante os seus objetivos.

49  

Segundo Leonardo Aguiar Morelli (2008), a partir de um olhar anterior à

realização da CF-2004, uma das missões de tal campanha seria realizar um

diagnóstico participativo da situação das águas no país, através de um questionário

distribuído às paróquias. Como o resultado possivelmente apresentaria uma série de

denúncias e, tendo em vista as deficiências nas políticas públicas de controle sobre

a posse e exploração de bens naturais, procurou-se um novo modelo de tratamento

delas, das denúncias de comunidades afetadas pela poluição das águas. Foi então

que, com a colaboração de diversas entidades governamentais e não

governamentais, criou-se a Defensoria da Água (MORELLI, 2008). Ela “é um

colegiado de instituições dedicado à defesa da sociedade nas demandas relativas

ao uso, acesso e contaminação das águas.” (SOCIAL JUSTICE NETWORK, 2008).

Segundo sua página na internet, a entidade foi oficialmente criada para em 16 de

março de 2004 (SOCIAL JUSTICE NETWORK, 2008).

A Defensoria será um instrumento da Campanha da Fraternidade de 2004 cujo lema é "Água, fonte de vida" que tem como objetivo capacitar a sociedade civil na defesa do acesso à água de boa qualidade, criando instrumentos capazes de garantir o exercício de seus direitos ambientais. (CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, MPF, 2004).

Depois do ano de 2004, a Defensoria da Água atuou ainda na CF-2007, quando

teve como tema “Fraternidade e Amazônia”. Mas o importante é que ela expandiu-se

e gerou um “modelo alternativo de implementação de ações que garantem a

efetivação de direitos sociais [...]” (MORELLI, 2008). Isto é, a partir da experiência

bem sucedida da Defensoria da Água, estruturou-se o conceito de Defensorias

Sociais,

[...] colegiado de instituições dedicado ao suporte às ações em defesa dos direitos coletivos da sociedade, a partir da articulação de mecanismos de suporte ao melhor e mais eficiente encaminhamento das demandas recebidas pela internet, correio ou por telefone. (MORELLI, 2008).

Outras defensorias foram criadas, como a Defensoria da Paz e a Defensoria

Social.5 Podem ser vistas como efeitos da CF-2004.

O abaixo-assinado promovido pela CF-2004 para a mudança na lei n° 9.433/97, a

lei de recursos hídricos, conseguiu coletar 561.483 assinaturas (CONFERÊNCIA

NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2004b). É difícil supor o nível de discussão

que a coleta de assinaturas possa ter gerado.

                                                       5 Para conhecer melhor as defensorias, acessar o site

50  

É possível supor outros acontecimentos provocados pela CF-2004. A coleta de

dados realizada permitiu estes apresentados acima. Contudo, algumas inferências

podem ainda ser feitas em relação a eles:

Como a CF-2004 foi uma proposição que deu incentivo à criatividade local,

possivelmente muita coisa que aqui não pôde ser vista aconteceu. Prates (2007, p.

522) afirma que há um arrefecimento atual da vitalidade da fraternidade-libertadora

em relação à experiência primaveril iniciática da CF. Torna-se impossível avaliar

com maior precisão qual o efeito da CF-2004. Mesmo porque poucas dioceses e

regionais enviaram as respostas à avaliação que sugere o texto-base. E as

respostas que apareceram nestas que foram enviadas são muito vagas

(CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, 2004a).

51  

4 SIGNIFICADO DA CF-2004 PARA A BIOÉTICA

Diante da crítica ambiental incitada pela água, até agora foi vista a necessidade

de formação comunitária para valores da bioética. As iniciativas religiosas

apareceram como contributivas. Escolheu-se a CF como uma iniciativa a ser

estudada. A CF-2004 sobre a água foi analisada a partir de algumas categorias: a

sua construção, o seu desdobramento e o seu alcance. Delas surgiram os dados

descritos no segundo capítulo. Trata-se agora de interpretá-los, para se colherem os

aspectos ou o alcance da CF-2004 na formação comunitária para valores da

bioética.

Já se notou anteriormente que os valores foram assumidos como qualidades

intrínsecas atribuídas aos objetos que suscitam admiração, estima, respeito, afeto,

busca e complacência. Mas também assumidos como atribuições do sujeito e guias

de suas práticas. Do mesmo modo, a bioética foi assumida como uma ética, uma

crítica às práticas e aos valores. Ela apareceu como uma perspectiva cultural e uma

força política, por isso, também possui uma escala de valores e tenciona para a

formação da população como um todo para seus valores. E, por ser ética, a lógica é

para a formação de sujeitos críticos. A bioética, então, possui uma característica

crítico-pedagógica, cujo serviço pode ser convenientemente oferecido à população.

A consciência crítica em Paulo Freire é assumida aqui como mobilizadora da

bioética nas pessoas. Deste modo, a identificação dos aspectos da contribuição da

CF-2004 sobre a água na formação comunitária para valores da bioética passa pela

verificação do quanto ela despertou a consciência crítica. Isto porque tal formação

passa pelo desenvolvimento da capacidade crítico-reflexiva. Lembra-se que a ética é

reflexiva.

Com uma pesquisa bibliográfica, o conceito de consciência crítica em Paulo Freire

aqui é descrito, com ajuda de algumas sintonizadas reflexões pedagógicas de Elli

Benincá. Compreende-se também como se forma a consciência crítica. E,

posteriormente, através disto, identificam-se os aspectos de contribuição da CF-

2004 sobre a água na formação comunitária para valores da bioética.

52  

4.1 A consciência crítica em Paulo Freire

A elaboração do pensamento de Paulo Freire acontece dentro de um determinado

tempo da história brasileira em transição, com a presença forte do movimento

popular.6 Só que esta transição se defronta com a ditadura militar brasileira. “Suas

idéias nascem como uma das expressões da emergência política das classes

populares e, ao mesmo tempo, conduzem a uma reflexão e a uma prática dirigidas

sobre o movimento popular.” (WEFFORT, 2003, p. 12).

Por este contexto, um tema muito caro ao pensamento de Paulo Freire é o da

consciência, que deve passar de ingênua à crítica, como um processo de superação

que o oprimido precisa realizar para libertar-se e libertar (FREIRE, 1987, p. 30-31).

Para ele (1987, p. 66), a consciência ingênua se expressa dentro de uma concepção

bancária de educação, que serve como prática de dominação. Ela é concebida como

um recipiente “como se fosse alguma seção ‘dentro’ dos homens, mecanicistamente

compartimentada, passivamente aberta ao mundo que a irá ‘enchendo’ de

realidade.” (1987, p. 63). Ela é simplesmente reprodutora do que se lhe é oferecido.

O trabalho do educando é simplesmente imitar o mundo.

Segundo Benincá (2002, p. 53), semelhante conseqüência acontece a partir da

constituição da consciência prática, também chamada consciência disponível. A

consciência prática se constitui a partir do cotidiano, ou seja, do contexto onde se

dão as atividades espontâneas.

O cotidiano no qual o sujeito está imerso oferece o sentido dos objetos e das ações que constituem a consciência, que, por isso, é plena de sentidos, os quais intencionam as ações. (…) O cotidiano, então, se recria enquanto reproduz o sentido do mundo nos sujeitos da ação, mas estes, por sua vez, reconstroem o cotidiano e reproduzem a cultura nele existente. O conhecimento construído neste estágio da consciência é denominado de conhecimento do senso comum. (BENINCÁ; GRUPO DE PESQUISA, 2002, p. 53-54).

Por não viver um processo reflexivo, a consciência prática, disponível, ingênua,

vive compartimentada. Por isso, não raramente ela é contraditória. O sujeito possui

um discurso que aprendeu e concomitantemente uma prática que o contradiz.

Justamente porque criou uma consciência prática do discurso. Possui discursos

disponíveis para cada situação, muitas vezes contraditórios. As práticas mesmas

são contraditórias. A querida mudança da prática não passou de uma mudança no

                                                       6 As Campanhas de Fraternidade já se realizavam neste tempo e recebem o influxo do pensamento de Freire, como foi visto no primeiro capítulo. 

53  

discurso. Não consegue relacionar teoria e prática. Cria uma prática política do

discurso que apenas acena para a possibilidade teórica de mudar (BENINCÁ;

GRUPO DE PESQUISA, 2002, p. 56-57).

Neste modo de consciência o que há é uma acomodação, ajustamento, o que tira

o homem da história e do âmbito da liberdade que as relações lhe possibilitam. Para

que este esquema da consciência prática ingênua seja transformado é preciso

estabelecer um processo de reflexão, de crítica. Freire (2003, p. 52) salienta “a

necessidade de uma permanente atitude crítica, único modo pelo qual o homem

realizará sua vocação natural de integrar-se, superando a atitude do simples

ajustamento ou acomodação, apreendendo temas e tarefas de sua época.”

O conceito de consciência crítica em Paulo Freire, portanto, parte da

compreensão de ser humano como ser no mundo, ser de relações, finito, inacabado,

inconcluso, capaz de transcendência (1987, p. 72). A integração com o contexto, a

partir do ser de relações que é o humano, possibilita e se aperfeiçoa na medida em

que a consciência se torna crítica (FREIRE, 2003, p. 47-50).

O humano é capaz de se relacionar com a realidade e estabelecer uma leitura

dela. Segundo Freire (1987, p. 14):

A consciência é essa misteriosa e contraditória capacidade que tem o homem de distanciar-se das coisas para fazê-las presentes, imediatamente presentes. É a presença que tem o poder de presentificar: não é representação, mas condição de representação. É um comportar-se do homem frente ao meio que o envolve, transformando-o em mundo humano.

Na consciência crítica “o homem, contudo, não capta o dado da realidade, o

fenômeno, a situação problemática pura. Na captação, juntamente com o problema,

com o fenômeno, capta também seus nexos causais. Apreende a causalidade.”

(FREIRE, 2003, p. 113).

A consciência crítica é aquela que transcende o dado da realidade. Pela sua

intencionalidade transcendental, consegue ultrapassar os momentos e as situações

que tendem a aprisioná-la. Por isso, ela é capaz de crítica. O fato é que ela faz

objetivação. Com isso, objetiva-se e surpreende-se em sua subjetividade. Neste

movimento da consciência, o homem se descobre como sujeito instaurador desse

mundo da sua experiência. A consciência do mundo, das relações

(intersubjetivação) é a progressiva conscientização que faz gerir a transformação

(FIORI, 1967, p.15-16).

54  

Desta forma, a transcendência que é característica da consciência crítica não está

somente na leitura da realidade que cerca o humano e de suas causalidades. Está

na própria compreensão de si. Para Freire, a transcendência do ser humano está

também “na raiz de sua finitude. Na consciência que tem desta finitude. Do ser

incabado que é e cuja plenitude se acha ligada com seu Criador.” (FREIRE, 2003, p.

48).

A consciência crítica possibilita a opção radical, amorosa, humilde, comunicativa,

transformadora do homem. É o homem radical de Paulo Freire. Segundo ele (2003,

p. 59):

O radical (…) rejeita o ativismo e submete sua ação à reflexão. O sectário nada cria porque não ama. Não respeita a opção dos outros. Pretende impor a sua que não é opção, mas fanatismo. Daí a inclinação do sectário ao ativismo, que é ação sem vigilância da reflexão.

Resulta de tudo isto que a consciência critica é implicativa. Ou seja, ela interage

com as realidades nas quais o ser humano está envolvido. Ele próprio, seu

pensamento, seu modo de ser, seu cotidiano e suas ações são objetos de reflexão

da consciência crítica. Eles também constituem estas realidades. O ser humano vive

no mundo, num cotidiano, que lhe podem dominar, mas possui a potencialidade de ir

além dos mesmos, através da reflexão.

A reflexão não pode ser de um homem isolado do mundo, mas que leve em conta

as suas relações com o mundo e, por conseguinte, com os outros (FREIRE, 1987, p.

70). É o que Freire (1987, p. 38) diz ser a práxis: “é reflexão e ação dos homens

sobre o mundo para transformá-los.” Ela é a inserção crítica dos sujeitos no mundo.

Ela problematiza o mundo no qual os homens estão inseridos.

O cotidiano já não mais condiciona a consciência prática. As práticas, por serem

também objeto de reflexão, geram-se transformadoras. Segundo Benincá e seu

grupo de pesquisa (2002, p. 58), a consciência, constituída pelo sentido dos objetos

e das ações, pode flexionar-se sobre si mesma, objetivando-se. Assim, ela descobre

os sentidos e o cotidiano que considera natural, porque gerador dos próprios

sentidos. A avaliação e reavaliação destes sentidos possibilitam ultrapassar a ação

mecânica. A transformação só acontece no confronto da consciência consigo

mesma. Pois é nela que estão os sentidos das ações.

É um processo metodológico reflexivo e exaustivo que coincide com a práxis de

Paulo Freire. “O processo é entendido como o caminho da práxis.” (BENINCÁ,

55  

GRUPO DE PESQUISA, 2002, p. 52). A reflexão se constitui em hábito, em método.

Ela transforma a consciência prática. Muda o modo de o sujeito agir. “O método não

se torna consciência disponível, somente através do estudo teórico. É através da

prática que vai se interiorizar e tornar-se espírito. Não existe um método fora da

consciência.” (BENINCÁ, 1994, p. 38).

O método proposto por Benincá parte da prática. No primeiro momento acontece

a ação. Depois vem a sistematizada observação da experiência vivenciada nesta

ação. É a verificação dos sentidos presentes na consciência. No momento seguinte

é feita a reflexão sobre o que foi sistematizado na observação. Esta reflexão é feita

em grupo. Aparecem as propostas de ação. Vem, então, uma nova ação,

recomeçando o círculo do método, sucessivamente. É a práxis (BENINCÁ, 1998, p.

134-135). A práxis não se identifica com prática. Ela é reflexão que parte da prática,

para uma nova prática. Partir da prática “implica a descoberta do sentido das ações

na consciência, que é a consciência prática.” (BENINCÁ, 1997, p. 167). Benincá e

seu grupo de pesquisa (2002, p. 62) afirmam que, “num primeiro momento, a

reflexão metódica opera a transformação do sujeito, que, por sua vez, pode

transformar seu cotidiano.”

No entremeio deste processo, as consciências fazem julgamentos, escolhas,

iluminadas por teorias, que já são advindas de escolhas. Neste sentido, é preciso

tanto um método epistemológico, na descoberta dos sentidos, quanto um juízo de

valor, no julgamento do descoberto e na escolha de uma nova constituição da

consciência prática (BENINCÁ, 1994, p. 37-38). Estes pensamentos, tanto de Freire,

quanto de Benincá, andam em sintonia com a bioética, que se quer crítica das

práticas. A consciência crítica é como a bioética: é reflexão crítica, mas não deixa de

ser guiada por valores.

Em síntese, a consciência crítica é uma capacidade que se caracteriza por ser:

transcendente, reflexiva, de discernimento, atribuidora de valores, orgânica ou não

fragmentada, relacional, dialógica, implicativa, habitual, metódica, transformadora,

geradora de sujeitos, libertadora, condutora da prática. Ela acontece na medida em

que se envolve com estas características. Quer dizer que ela acontece na medida

em que é incitada. É uma potencialidade que precisa estar sempre acordada.

56  

4.2 A consciência crítica na CF-2004

A água desafia a bioética mostrando a necessidade da formação comunitária para

seus valores. É de grande alcance este desafio, pois mexe com concepções e

elementos culturais. A bioética pretende-se como uma perspectiva cultural. O

conceito de consciência crítica em Paulo Freire apareceu aqui como um elemento

mobilizador da população em favor da bioética. Só que a consciência crítica precisa

ser promovida. Agora é o momento de olhar em que aspectos a CF-2004 promoveu

a consciência crítica, contribuindo assim na formação comunitária para valores da

bioética.

O primeiro aspecto que desponta é o da participação ativa das comunidades e

variados entidades e sujeitos que a CF-2004 envolveu. Esta participação é um pré-

requisito para o acontecimento dos outros aspectos. O fato de uma iniciativa

religiosa, mesmo que relâmpago, ter envolvido a muitos, com uma estrutura já

existente, para discussões e práticas de um tema bioético, é um aspecto que precisa

ser considerado. Esta participação aparece na escolha do tema da CF-2004, quando

as comunidades realizaram avaliações nas campanhas anteriores e sugeriram

temas para as próximas. Ela também se demonstra na vida tradicional das

comunidades que sempre se envolvem com o assunto da campanha, quando ela

entra nos encontros, ritos e práticas. Costumeiro também é o relacionamento da CF

com entidades governamentais e não governamentais. Ainda aparece nas pessoas

diretamente envolvidas com as novas práticas que a CF-2004 gerou. É a

possibilidade de a bioética encontrar-se nos meios populares, na população como

um todo. É uma condição indispensável para o melhoramento da vida em suas

diversas manifestações.

Este aspecto da participação faculta a necessária popularização da bioética. As

discussões geradas nos pequenos grupos, nas comunidades locais, representam a

consciência crítica acontecendo na base da população. Por ser um tema da bioética,

é a bioética acontecendo. Não se pode pensar uma bioética somente na academia.

Ela precisa estar presente na vida do povo, como uma nova consciência prática,

uma consciência crítica das práticas da população de modo geral. Aqui a

participação é, obviamente, ativa, libertadora, formadora de sujeitos, não de seres

que mecanicamente agem. A formação de multiplicadores é uma estratégia para o

alcance de toda a população.

57  

A CF-2004 mostrou que a formação da consciência crítica passa pela

comunicação. É outro aspecto importante que aflora. É o ser capaz de conduzir a

população para a reflexão, através de uma linguagem compreensível. As diferentes

peças e meios de comunicação usados são expressão desta diferença de

linguagem. Em sintonia esteve a valorização da variedade de simbolismos e

realidades regionais ambientais pela CF-2004.

A metodologia é outro aspecto necessário para a formação comunitária para

valores da bioética. A educação não é uma atividade feita às cegas. Freire e

Benincá apresentam a exigência de um método. A metodologia apareceu na CF-

2004 enquanto relação entre teoria e prática. É aquilo que Freire e Benincá chamam

de práxis. É a metodologia mesma em que se propõe a CF. Aconteceu na medida

em que ela promoveu a reflexão sobre e a partir das práticas da população como um

todo e apresentou e organizou práticas transformadoras. Ela apresentou a crítica a

suas próprias práticas e discursos, quando no convívio com pesquisadores de outras

áreas.

Ainda, acima de tudo, demonstra-se esta relação entre teoria e prática na

realização de variadas práticas incentivadas e promovidas nas diferentes realidades

do Brasil. De modo especial, citam-se os projetos das construções de cisternas para

captação da água da chuva. Além de levar em conta o princípio da subsidiariedade,

que valoriza as iniciativas locais. É o terceiro momento do método. A CF não se

limita ao estudo de um determinado tema, mas caracteriza-se pela busca de

transformação da prática em relação a determinado tema.

Para a CF-2004, não basta um pensamento superficial e uma prática ambiental

paliativos. Por isso, não basta dar o peixe, nem somente ensinar a pescar. Na forma

como ela mostrou as causalidades dos problemas, ela convidou para subir rio acima

e ver por que a água está suja e por que o rio não tem peixe. E, a partir disso, mudar

a prática. É a profundidade que o tema da água exigiu da CF-2004.

A CF-2004 mostrou a importância de pensar a relação entre o ser humano e o

ambiente, especialmente a água, a partir de novos valores. Ela discutiu a

legitimidade da supremacia do valor econômico sobre os outros valores em relação

à água. Tal supremacia de valor é a causa profunda dos problemas relacionados à

água. Para Rampazzo (2007, p. 18), é inegável a existência deste valor por que a

água demanda uma estrutura de captação, estocagem e distribuição. E continua:

58  

“mas a redução a esse aspecto leva a considerar a água apenas como um fato

físico, biológico, jurídico, econômico e cultural.” (2007, p. 18).

A profundidade aparece no olhar novo da CF-2004, ao apresentar os valores. São

tanto os epistêmicos, quanto os éticos. Esta gama de valores deu a idéia das

realidades importantes a serem preservadas quando o assunto é água. No que diz

respeito à realidade mesma da água, ela apresentou uma escala de valores. É

importante a partir de um olhar crítico que não foi uma imposição de valores, mas

uma apresentação que fez pensar a realidade em sua profundidade.

A CF-2004 apresentou como valor supremo da água o valor biológico. Contudo,

ela afirmou, segundo Rampazzo (2007, p. 31), que “a problemática da ecologia só

alcança seu ponto mais alto quando se descobre nela a sua dimensão espiritual e

mística.” A profundidade da compreensão mística da água é o grande valor que faz

a crítica se estabelecer continuamente. Pois a mística compreende a realidade como

inesgotável em seus significados. Há sempre um além para ir. A profundidade das

significações religiosas enseja a crítica sem fim. A verdade nunca se apresenta

totalmente desnuda. Ela está na imediatez do sujeito, mas nunca totalmente

revelada (MOIOLI, 1993, p. 770).

Esta é uma especial descoberta neste estudo. Se a água é provocadora da

bioética pelas suas relações com a vida dentro do ecossistema e pelos seus

descuidos observados pela crítica ambiental, mais ainda pela sua dimensão

simbólica. Deste modo, a sua provocação é contínua. Isto é possível pelo olhar da

fé, presente em iniciativas religiosas. A dimensão espiritual e mística da água

apresenta-se como a grande provocadora.

Deste modo, a interdisciplinaridade é mais um aspecto da contribuição aqui

apresentada. Há interface entre teologia e bioética. A CF-2004 olha teologicamente

para um objeto da bioética. Uma prática a partir da fé e sua reflexão é gerada. Mas

não deixa de haver envolvimento lógico com conhecimentos de outras ciências,

trazidos na esteira da bioética.

É por isso que se delineou na CF-2004 o aspecto da transversalidade da bioética.

A bioética atravessa a população também no que diz respeito à sua dimensão

religiosa. Do mesmo modo que a religião apresenta elementos à bioética, esta

mesma, em sua transversalidade, modifica a vivência religiosa. Por ser crítica, onde

59  

ela passa, transforma. O rito do batismo, que usa a água, quando perpassado pela

consciência crítica com a temática bioética da água, adensa-se. O discurso, que

existe dentro dos sacramentos e dos ritos simbólicos, fica diferente. A bioética entra

na liturgia através da consciência crítica. Ela é todo um movimento cultural, e

possibilita esse influxo transversal. Por isso ela aparece dentro do discurso de

determinadas iniciativas religiosas.

A Defensoria da Água, instituição criada pela CF-2004, possibilitou a continuidade

desta. O aspecto da institucionalização há que ser considerado. Institucionalizar

pareceu ser um passo da fraternidade libertadora. Ela está para o atendimento das

demandas que a bioética da população provoca. É uma forma de dar continuidade à

mobilização bioética que a consciência crítica provoca.

A CF-2004, nestes aspectos, ao despertar a consciência crítica, contribuiu na

formação comunitária para valores da bioética. Estes aspectos apontam que os

sujeitos envolvidos tornaram-se mais capazes de atribuir valores. Com uma

atribuição melhor de valores, puderam transformar suas práticas.

A pesquisa documental teve o mérito de trazer os aspectos amplos de

contribuição, pois se quis observar a CF-2004 em termos de Brasil. Pareceu

impossível uma pesquisa de campo que tivesse a amplitude de quantificar e

qualificar os resultados da CF-2004 no Brasil. A pesquisa perdeu na observação dos

aspectos mais localizados e quantificáveis da CF-2004. Por isso, a amplitude em

termos de quantidades de ações e de sujeitos envolvidos pela CF-2004 é uma

inferência aqui feita, a partir da combinação da tradição da CF, da estrutura da

Igreja, das entidades envolvidas. Infere-se que a CF-2004 tenha atingido grande

público.

Isso deixa margens para pensar que a CF-2004 não teve grandes influências

reais e de que ela não possui tanta incidência na formação da consciência crítica da

população em geral. Ela é uma campanha relâmpago. E, ainda mais, sabendo-se

que a CF já não possui a força prática dos seus tempos primaveris e que ela teria

arrefecido (PRATES, 2007, p. 522). Mas aqui se quis mostrar o seu valor

contributivo. As quantificações foram tantas quanto possíveis, dentro da metodologia

da pesquisa documental. Isso não tira o mérito de ela ser um importante esforço em

termos práticos e de trazer importantes reflexões para a bioética. Ela aparece como

contributiva na formação de sujeitos bioéticos.

60  

É bom lembrar que não há um termômetro examinador dos níveis de consciência

crítica, de capacidade de atribuição de valores e de consciência prática

transformada. Impossível de ser posta em medidas exatas, a ética é carregada de

subjetividade. Ela apareceria também numa pesquisa de campo mais localizada.

Também a prática pedagógica, que aqui se chamou de formação comunitária, é

envolta em subjetividade. Como afirma Benincá (1998, p. 131), ela é carregada de

não determinismo, não mecanicismo e não evidência exata. Ela não permite a

utilização dos mecanismos de verificabilidade necessários à constituição do

conhecimento universal.

61  

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A água, elemento essencial para a vida, carregada de significados ao longo da

história, revelou-se provocadora da bioética, a partir da crítica ambiental das últimas

décadas. A forma como ela é cuidada e distribuída mostra a carência de formação

da população para valores da bioética. A própria bioética sente-se interpelada a

responder a esta carência. O trabalho aqui apresentado apreciou as iniciativas

religiosas que contribuíram para esta formação, de modo especial, a iniciativa da

CF-2004, sobre a água, da Igreja Católica no Brasil.

O propósito foi estudar aspectos da contribuição da CF-2004 sobre a água na

formação comunitária para valores da bioética. Os resultados desta pesquisa

documental foram colhidos através de um levantamento de dados da CF realizada e

de uma leitura interpretativa de tais resultados, a partir do conceito de consciência

crítica em Paulo Freire e das contribuições do pensamento de Benincá para o

entendimento de como se dá esta consciência crítica em grupos populares.

A CF-2004, nestes aspectos, ao despertar a consciência crítica, contribuiu na

formação comunitária para valores da bioética.

Os aspectos foram encontrados e atendem, dentro das expectativas de uma

iniciativa religiosa relâmpago, à provocação bioética da água. Eles apontaram que a

CF-2004 contribuiu para o despertar da consciência crítica, mobilizadora da bioética,

na população em geral. Tendo ajudado no despertar da consciência crítica,

trabalhando um assunto da bioética, possibilitaram a formação para valores da

bioética. São os aspectos da participação da população, da necessidade de uma

metodologia, da profundidade mística vinda da religião, da apresentação de valores,

da interdisciplinaridade, da transversalidade da bioética, da institucionalização da

defesa da água.

A contribuição especificamente religiosa que apareceu esteve por conta do

aspecto da profundidade mística do significado da água. Nele observou-se a

compreensão da água como fonte inesgotável de significado. A conclusão é de que

isto engendra uma constante provocação bioética da água e instiga à permanente

crítica das práticas antrópicas.

62  

Outro aspecto que se destaca frente à bioética é o da necessidade da

popularização da bioética. A população como um todo é muito sensível à temática

bioética da água. A reflexão crítica das práticas por parte de toda a população

mostrou-se como um aspecto relevante na CF-2004.

O método usado neste estudo parece ter sido adequado para a compreensão do

todo da CF-2004, como se quis, em termos do pensamento dela e de grandes

práticas em nível de Brasil. Contudo, houve dificuldades no levantamento de dados

sobre um número maior de práticas acontecidas devido à ausência dos mesmos nos

documentos. Não há avaliações amplas que poderiam conter dados a serem

resgatados por uma pesquisa documental. Uma pesquisa em um contexto

determinado, que percebesse a incidência da CF-2004 não foi a escolha feita.

Poderá ser feita em outro momento. Contudo, ela teria sua limitação em termos de

compreensão da amplitude da iniciativa no Brasil.

Ajudaria para uma compreensão das ações da CF se ela mesma conseguisse

realizar esta avaliação de modo amplo. Um órgão de pesquisa ampla poderia ser a

indicação. A tipologia deste estudo não permitiria que ele fizesse essa pesquisa que

somente um órgão de grande porte pode fazê-la.

Ou se a própria CF fizer uma avaliação em mutirão nacional, então será possível

ver em um quadro amplo como ela está transformando as realidades pelo Brasil.

Essa avaliação precisa ser pensada no sentido de encontrar o que esta acontecendo

na prática, quantificando-a.

Uma proposta que aparece dentro da tipologia deste trabalho é a de pesquisar

pequenos contextos de atuação da CF-2004. O objetivo seria estudar amostras da

sua incidência no Brasil. É claro que os aspectos apareceriam ligados ao contexto

estudado e não poderiam ser generalizados em termos de Brasil. As possibilidades

de estudos, por enquanto, sobre os aspectos contributivos da CF-2004 e de outras

edições da CF, se apresentam desta forma bastante limitadas.

A metodologia documental poderia ser usada no estudo dos projetos aprovados

pela Cáritas no ano de 2004. O objetivo poderia ser semelhante ao do estudo que

ora se discorre. Estudar-se-ia a contribuição destas práticas da CF-2004 na

formação comunitária para valores da bioética. Mais outros pesquisadores poderiam

63  

levantar amostras numa pesquisa de campo junto a algumas comunidades

beneficiadas por estes projetos.

Estes são aspectos limitantes para uma análise mais detalhada e comprovada

dos resultados da CF-2004. Mas há que se reconhecer, por outro lado, que as

estratégias e instrumentos de comunicação utilizados pela Campanha têm seus

impactos já estudados e de algum modo mensurados nos estudos de comunicação.

Assim, ao fazer o levantamento do realizado pela CF, descreve-se pelo menos o

potencial comunicativo posto em prática a serviço da formação comunitária de

valores da bioética na questão da água. É bom lembrar que a CF-2004 possui uma

característica de campanha mesmo: a rapidez. Dentro destas características se dá a

contribuição da iniciativa para a formação comunitária em termos de bioética.

Este estudo partiu da situação concreta de carência da população em termos de

formação para valores da bioética. Mas implicitamente considerou as

potencialidades dos grupos sociais concretos com os quais a Campanha se

desenvolveu. Os elementos religiosos presentes nessas comunidades se mostraram

notadamente uma força de conjugação para contribuir na transformação de sua

consciência ética no que se refere à responsabilidade pela água. No potencial de

compreensão simbólica e religiosa das comunidades cristãs que participaram da CF,

a provocação bioética da água encontra uma acolhida e repercussão que superam

as simples percepções técnicas. Os valores da bioética racional se enriquecem com

uma mística transformadora, ao mesmo tempo em que a consciência crítica traz

novo vigor para as concepções religiosas que a cultivam.

64  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABBAGNANO, Nicola. Valor. In:______. Dicionário de filosofia. 2.ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982.

ABERS, Rebecca; JORGE, Karina Dino. Descentralização da gestão da água: por que os comitês de bacia estão sendo criados?. Ambient. Soc., Campinas, v.8, n.2, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid= S1414-753X2005000 2000 06&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 jul. 2008.

A BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 1985.

AB’SABER, Aziz Nacib. Ecossistemas do Brasil. São Paulo: Metalivros, 2006.

AB'SABER, Aziz; RODES, Leopold; ZULAUF, Werner. Projeto Floram e desenvolvimento sustentável. Estud. Av., São Paulo, v.10, n.27, ago. 1996 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141996000200017&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 16 dez. 2008.

ANGELIM, Maria Luiza. Pedagogía de la liberación. In: TEALDI, Juan Carlos (Dir.). Diccionario Latinoamericano de bioética. Bogotá: UNESCO; Universidad Nacional de Colombia, 2008.

ANJOS, Márcio Fabri dos; SIQUEIRA, José Eduardo de (Org.). Bioética no Brasil: tendências e perspectivas. Aparecida: Idéias & Letras, 2007.

ANJOS. Márcio Fabri dos. Teología de la liberación. In: TEALDI, Juan Carlos (Dir.). Diccionario Latinoamericano de bioética. Bogotá: UNESCO; Universidad Nacional de Colombia, 2008.

ASPITARTE, Eduardo López. Fundamentação da ética cristã. São Paulo: Paulus, 1995.

ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO CATÓLICA DO BRASIL. Cadernos da AEC do Brasil, n.94, 2003. Mimeografado.

65  

BARCELOS, Valdo. Representações sociais, educação ambiental e literatura: dialogando com as idéias do poeta e ensaísta mexicano Octávio Paz. In: PERES, Lúcia Maria Vaz. Imaginário: o entre-saberes do arcaico e do cotidiano. Pelotas, RS: Universitária / UFPel, 2004, p.105-121.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2002.

BARROS, Ludmilla S. S.; AMARAL, Luiz A. do; L. JUNIOR, Jorge de. Monitoramento sanitário de um sistema integrado de tratamento de águas residuárias da suinocultura. Rev. Panam. Salud Publica, Washington, v.14, n.6, 2003. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext &pid=S1020-49892003 001100003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 jul. 2008.

BENINCÁ, Elli. Em busca de um método para a ciência pedagógica. Espaço Pedagógico, Passo Fundo, v.5, n.1, p.129-153, 1998.

______. Metodologia pastoral. Caderno de Formação, Passo Fundo, n.2, 1994.

______. Prática pedagógica: uma questão de método. Espaço pedagógico. Passo Fundo: UPF, 2002.

______. Prática pedagógica: uma questão de método. In: BENINCÁ, Elli; CAIMI, Flávia Eloisa. (Org.). Formação de professores. Passo Fundo: UPF, 2002, p. 51-64.

BENINCÁ, Elli; CAIMI, Flávia Eloisa. (Org.). Formação de professores. Passo Fundo: UPF, 2002.

BOFF, Clodovis. Teoria do método teológico. Petrópolis: Vozes, 1998.

BRASIL, Assis. Vocabulário de ecologia: mistérios e sabedoria da natureza. Rio de Janeiro: Ediouro, 1992.

BRASIL. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 9 jan. 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9433.htm>. Acesso em: 16 dez. 2008.

66  

CALLAHAN, Daniel. Bioethics. In: POST, Stephen G. (Ed.) Encyclopedia of Bioethics. 3.ed. New York: Thomson e Gale, 2004. v.1, p.278-287.

CAMDESSUS, Michel et al. Água: oito milhões de mortos por ano: um escândalo mundial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

CÂNDIDO. L. de. Fraternidade. In: FIORES, Stefano di; GOFFI, Tullo (Org.). Dicionário de espiritualidade. São Paulo: Paulus, 1993. p.465-474.

CÁRITAS BRASILEIRA. Fundo Diocesano de Solidariedade: cartilha. Disponível em: <http://www.teste.caritasbrasileira.org/arquivos/cartilha%20FDS%20FINAL.pdf.> Acesso em: 09 ago. 2008.

CÁRITAS BRASILEIRA; COMISSÃO PASTORAL DA TERRA; FIAN/BRASIL. Água de chuva: o segredo da convivência com o Semi-Árido brasileiro. São Paulo: Paulinas, 2001.

CÁRITAS BRASILEIRA; CPT - COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Bendita água. 2.ed. Brasília: Paulinas, 2004.

CASCINO, Fabio. Educação ambiental: princípios, história, formação de professores. 2.ed. São Paulo: SENAC, 2000.

CENTRO DE ESTATÍSTICA RELIGIOSA E INVESTIGAÇÕES SOCIAIS. Anuário católico do Brasil. Rio de Janeiro: CERIS, 2003.

______. Anuário católico do Brasil. Rio de Janeiro: CERIS, 2005. v.1.

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Em defesa da vida. Disponível em: <http://www.cptnac.com.br/?system=news&eid=4>. Acesso em: 18 nov. 2008.

COMPAGNONI, Francesco; PRIVITERA, Salvatore; PIANA, Giovani. Dicionário de teologia moral. São Paulo: Paulus, 1997.

CONCLUSÕES da IV Conferência do Episcopado Latino-Americano: Santo Domingo: texto oficial. São Paulo: Paulinas, 1992.

67  

CONFERÊNCIA das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Agenda 21. Disponível em: <http://www.ecolnews.com.br/agenda21/index.htm>. Acesso em: 17 dez. 2008.

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). Avaliação da Campanha da Fraternidade 2004. Brasília: Secretaria Executiva da Campanha da Fraternidade, 2004a. Mimeografado. Consulta em: 18 jun. 2008.

______. CF-2004. Brasília: Secretaria Executiva da Campanha da Fraternidade, 2004c. Mimeografado. Consulta em: 18 jun. 2008.

______. Estatuto Canônico e Regimento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Art. 1. Disponível em: http://www.cnbb.org.br/ns/modules/mastop_publish/files/files_48a04859e9d92.pdf. Acesso em: 09 ago. 2008c.

______. Campanha da Fraternidade 2008: texto-base. São Paulo: Salesiana, 2008a.

______. Conselhos Episcopais Regionais (CONSER). Disponível em: <http://www.cnbb.org.br/ns/modules/mastop_publish/?tac=Regionais>. Acesso em: 18 nov. 2008b.

______. Fraternidade e água: água, fonte de vida. Capacitação de multiplicadores da CF-2004. Brasília: Secretaria Executiva da Campanha da Fraternidade, 2003a. Mimeografado. Consulta em: 18 jun. 2008.

______. Fraternidade e água: texto-base CF-2004. São Paulo: Salesiana, 2003b.

______. MPF e entidades lançam a Defensoria da Água. Brasília: Secretaria Executiva da Campanha da Fraternidade, 2004. Mimeografado. Consulta em: 18 jun. 2008.

______. Presidente da câmara recebe cerca de 600 mil assinaturas pela alteração da Lei de Recursos Hídricos. Brasília: Secretaria Executiva da Campanha da Fraternidade, 2004b. Mimeografado. Consulta em: 18 jun. 2008.

______. Regionais. Disponível em: <http://www.cnbb.org.br/ns/modules/mastop_publish/?tac=Regionais>. Acesso em: 18 nov. 2008d.

68  

CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Conclusões da Conferência de Medellin,1968: trinta anos depois, Medellin é ainda atual? São Paulo: Paulinas, 1998.

______. Evangelização no presente e no futuro da América Latina: conclusões da III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano. São Paulo: Paulinas, 1979.

COSTA, Ayrton. Introdução à ecologia das águas doces. Recife: UFRPE, 1991.

COSTA, Sérgio Francisco. Método científico: os caminhos da investigação. São Paulo: Harbra, 2001.

CYNAMON, Szachna Eliasz. Política de saneamento: proposta de mudança. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.2, n.2, 1986 . Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X1986 000200003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 jul. 2008.

DAJOZ, Roger. Princípios de ecologia. 7.ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.

DEFENSORIA DA ÁGUA. Estado real das águas no Brasil. Brasília: Secretaria Executiva da CF, 2004. Mimeografado. Consulta em: 18 jun. 2008.

EDITORA SALESIANA. Peças da CF. Disponível em: http://www.editorasalesiana.com.br/cfdocs/pecas.cfm. Acesso em: 11 jul. 2008.

FERRARI, Alfonso Trujillo. Metodologia da pesquisa científica. São Paulo: Mcgraw-Hill do Brasil, 1982.

FERRER, Jorge José; ÁLVAREZ, Juan Carlos. Para fundamentar a bioética: teorias e paradigmas teóricos na bioética contemporânea. São Paulo: Loyola, 2005.

FIORES, Stefano di; GOFFI, Tullo (Org.). Dicionário de espiritualidade. São Paulo: Paulus. 1993.

FIORI, Ernani Maria. Aprender a dizer a palavra. Santiago, 1967. In: FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 22.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987. (O mundo hoje, 21).

69  

FRAGA, Gustavo de. Valor. In: LOGOS: enciclopédia luso-brasileira de filosofia. Lisboa: Verbo, 1992. v.5.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 27.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

______. Pedagogia do oprimido. 22.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987. (O mundo hoje, 21).

GATTI, Guido. Educação moral. In: LEONE, Salvino; PRIVITERA, Salvatore. Dicionário de Bioética. Aparecida: Santuário, 2001.

GONCALVES, Celso S. et al . Qualidade da água numa microbacia hidrográfica de cabeceira situada em região produtora de fumo. Rev. Bras. Eng. Agríc. Ambient. , Campina Grande, v.9, n.3, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-436620050003 00015&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 jul. 2008.

HELLER, Léo. Saneamento e saúde. Brasília: OPAS/OMS, 1997. Disponível em: <http://www.opas.org.br/ambiente/UploadArq/Saneam_ Saude_Final.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2008.

JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2006.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 3.ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 1991.

LALANDE, André. Valor. Dicionário técnico e crítico de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.1190.

LEÃO XIII. Carta encíclica Rerum Novarum: sobre a condição dos operários. Roma: 1891. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/ documents/hf_l-xiii_ enc _15051891_ rerum-novarum_po.html>. Acesso em: 23 dez. 2008.

LEITE, Francisco Tarcísio. Metodologia científica: métodos e técnicas de pesquisa. Aparecida: Idéias & Letras 2008.

70  

LEMOS, Noah M. Valor. Dicionário de filosofia. AUDI, Robert (Dir.). São Paulo: Paulus, 2006. p.973.

LEONE, Salvino; PRIVITERA, Salvatore. Dicionário de bioética. Aparecida: Santuário, 2001.

LEPARGNEUR, Hubert. Bioética, novo conceito: a caminho do consenso. São Paulo: Loyola, 1996.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens Qualitativas. São Paulo: EDU, 1986.

MACHADO, Carlos José Saldanha. Recursos hídricos e cidadania no Brasil: limites, alternativas e desafios. Ambient. Soc., Campinas, v.6, n.2, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X20030003 00008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 jul. 2008.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Recursos hídricos: direito brasileiro e internacional. São Paulo: Malheiros, 2002.

MACIEL FILHO, Albertino Alexandre et al. Interfaces da gestão de recursos hídricos e saúde pública. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/ pdf/interfaces.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2008.

MAGALHAES, Nilana F. et al. Principais impactos nas margens do Baixo Rio Bodocongó - PB, decorrentes da irrigação com águas poluídas com esgoto. Rev. Bras. Eng. Agríc. Ambient. , Campina Grande, v.6, n.1, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-43662002000100023&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 jul. 2008.

MALVEZZI, Roberto. Entrevista com Roberto Malvezzi. [Mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 15 de dez. 2008.

MÉRICO, Luiz Fernando Krieger. Introdução à economia ecológica. Blumenau: Edifurb, 2002.

MOIOLI, G. Mística cristã. In: FIORES, Stefano di; GOFFI, Tullo (Org.). Dicionário de espiritualidade. São Paulo: Paulus, 1993. p.769-780.

71  

MOLINARO, A.. Ética filosófica e ética teológica. In: COMPAGNONI, Francesco; PRIVITERA, Salvatore; PIANA, Giovani. Dicionário de teologia moral. São Paulo: Paulus, 1997. p. 455-464.

MORAES, Danielle Serra de Lima; JORDAO, Berenice Quinzani. Degradação de recursos hídricos e seus efeitos sobre a saúde humana. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v.36, n.3, 2002 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0034-891020020003 00018&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 jul. 2008.

MOREIRA, Gilvander Luís (Org.). Dom Cappio: rio e povo. São Leopoldo: CEBI/CPT/Diocese Católica da Barra, 2008.

MORELLI, Leonardo Aguiar. A Campanha da Fraternidade de 2004 por quem ajudou a construí-la. [Mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 18 nov. 2008.

______. Grito das águas. Ed. rev. amp. Joinvile, SC: Letradágua, 2003. (Coleção Equilíbrio Global).

OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro. Carta: prezados membros do grupo de São Paulo. 2004. Mimeografado. Arquivo da Secretaria Executiva da CF. CF-2004. Consulta em: 18 jun. 2008.

PELICIONI, Andréa Focesi. Ambientalismo e educação ambiental: dos discursos às práticas sociais. O Mundo Da Saúde, São Paulo, v.30, n.4, p. 532-543, 2006.

PERES, Lúcia Maria Vaz. Imaginário: o entre-saberes do arcaico e do cotidiano. Pelotas, RS: UFPel, 2004.

PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul (Org.). Bioética na Ibero-América: história e perspectivas. São Paulo: Centro Universitário São Camilo; Edições Loyola, 2007.

PETRELLA, Riccardo. O manifesto da água. Petrópolis: Vozes, 2002.

PIMENTEL, Alessandra. O método da análise documental: seu uso numa pesquisa historiográfica. Cad. Pesqui., São Paulo, n.114, 2001 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742001 000300008&lng=&nrm=iso>. Acesso em: 02 jul. 2008.

72  

PONTES, Carlos Antonio Alves; SCHRAMM, Fermin Roland. Bioética da proteção e papel do Estado: problemas morais no acesso desigual à água potável. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.20, out. 2004 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2004000500026&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 jul. 2008.

POST, Stephen G. (Ed.). Encyclopedia of bioethics. 3.ed. New York: Thomson e Gale, 2004. v.1.

POTTER, Van Rensselaer. Bioethics: bridge of the future. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall, 1971.

______. Global bioethics: building on the Lopold Legacy. East Lansing: Michigan State University, 1988.

PRATES, Lisaneos. Fraternidade libertadora: uma leitura histórico-teológica das Campanhas da Fraternidade da Igreja no Brasil. São Paulo: Paulinas, 2007.

PUTNAM, Hilary. O colapso da verdade e outros ensaios. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2008.

RAMPAZZO, Lino. Aspectos éticos e místicos do texto-base da Campanha da Fraternidade 2004: fraternidade e água. In: YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato (Org.). Recursos hídricos: aspectos éticos, jurídicos, econômicos e sócio-ambientais. Campinas: Alínea, 2007.

REALE, Giovani; ANTISERI, Dario. História da filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990. v.1. (Coleção filosofia).

REBOUCAS, Aldo da C. Água na região Nordeste: desperdício e escassez. Estud. Av., São Paulo, v.11, n.29, 1997 . Disponível em: <http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-401419970001 00007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 30 jul 2008..

REBOUÇAS, Aldo DA C.; BRAGA, Benedito; TUNDISI, José Galizia (Org.). Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. 3.ed. São Paulo: Escrituras, 2006.

REZEK, José Francisco, Direito internacional público. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

73  

RITUAL do batismo de crianças. São Paulo: Paulus, 1999.

SILVA, Viviane M. Campanha da Fraternidade 2004. [Mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 6 ago. 2008.

SIQUEIRA, José Eduardo de; PORTO, Dora; FORTES, Paulo Antonio de Carvalho. Linhas temáticas da bioética no Brasil. In: ANJOS, Márcio Fabri dos; SIQUEIRA, José Eduardo de (Org.). Bioética no Brasil: tendências e perspectivas. Aparecida: Idéias & Letras, 2007.

SOARES, Ana Paula Marcante. A Lei Federal nº. 9.433/97 e seus instrumentos de proteção da água: a outorga de direito de uso de recursos hídricos. Disponível em: http://www.thropos.org.br/html/artigos/Outorga%20de%20direito%20de%20uso .pdf. Acesso em: 10 jul. 2008.

SOARES, Wagner Lopes; PORTO, Marcelo Firpo. Atividade agrícola e externalidade ambiental: uma análise a partir do uso de agrotóxicos no cerrado brasileiro. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.12, n.1, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232007 0001000 16&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 jul 2008.

SOCIAL JUSTICE NETWORK. Defensoria da água. Disponível em: <http://www.fsma2009.org/langs/info01.php>. Acesso em: 18 nov. 2008.

SUZIN, Luiz Carlos. A criação de Deus: Deus da criação. São Paulo: Paulinas, 2003. (Livros básicos de teologia, 5).

TEALDI, Juan Carlos (Dir.). Diccionario Latinoamiericano de bioética. Bogotá: UNESCO; Universidad Nacional de Colombia, 2008.

TOLEDO, Luís Gonzaga de; NICOLELLA, Gilberto. Índice de qualidade de água em microbacia sob uso agrícola e urbano. Sci. Agric. (Piracicaba, Braz.), Piracicaba, v.59, n. , 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_art text&pid=S0103-90162002000 100026&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 jul 2008.

TUNDISI, José Galizia. Água no século XXI: enfrentando a escassez. 2.ed. São Carlos: Rima; IIE, 2005.

74  

VALENZUELA, Juliana González. Valores éticos. In: TEALDI, Juan Carlos (Dir.). Diccionario Latinoamiericano de bioética. Bogotá: UNESCO; Universidad Nacional de Colombia, 2008.

VALORI, P. Valor moral. In: COMPAGNONI, Francesco; PRIVITERA, Salvatore; PIANA, Giovani. Dicionário de teologia moral. São Paulo: Paulus, 1997, p. 1248-1257.

VIER, Frederico (Coord.). Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos declarações. 27.ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

WANDERLEY, Luiz Eduardo W. Educar para transformar: educação popular, Igreja Católica e política no Movimento de Educação de Base. Petrópolis: Vozes, 1984.

YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato (Org.). Recursos hídricos: aspectos éticos, jurídicos, econômicos e sócio-ambientais. Campinas: Alínea, 2007.

75  

ANEXOS

76  

ANEXO A – CONHECENDO AS PEÇAS DA CF-20047

Texto-base

Texto-base O Texto-base é o documento oficial da Igreja no Brasil sobre o tema da CF. É a

nossa primeira ferramenta e a mais importante. Por isso, todas as pessoas

envolvidas com a CF precisam conhecê-lo e estudá-lo.

É importante que o Texto-base seja divulgado na sociedade, em outros

ambientes. A sua distribuição em escolas, universidades, centros de estudo e

bibliotecas facilita pesquisas e atividades de estudo sobre o tema.

Jornalistas, comunicadores e formadores de opinião pública devem recebê-lo bem

antes do dia do lançamento da CF. Os meios de comunicação costumam dar um

grande destaque para a Campanha.

Com adequada antecedência, agende-se um encontro com as autoridades

constituídas do Executivo, Legislativo e Judiciário. A entrega oficial do Texto-base é

uma estratégia importante para envolvê-las na discussão e mobilização em torno do

tema da CF.

Fraternidade viva A Fraternidade viva é a versão popular do Texto-base. Seu estilo de redação mais

leve e o preço acessível permitem que tenha boa aceitação entre as pessoas.

Os destinatários são as camadas populares, os grupos de jovens e adolescentes,

formadores de opinião, professores, pessoas identificadas com a causa da CF.

Manual O Manual reúne num só volume todos os textos elaborados sob a

responsabilidade e coordenação nacional da Campanha da Fraternidade: Texto-

base, Cantos da CF, Homilias quaresmais, Via-sacra, Vigília eucarística e

Celebração da misericórdia, Círculos bíblicos ecumênicos, Fraternidade no grupo de

reflexão, Encontros catequéticos para crianças e adolescentes e Jovens na CF.

                                                       7 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). CF-2004. Brasília: Secretaria Executiva da Campanha da Fraternidade, 2004c. Mimeografado. Consulta em: 18 jun. 2008.

77  

Divulgação

Cartaz O Cartaz é a identificação mais imediata da CF. Deve ser exposto em lugares

públicos, no ângulo superior direito. Esse é o ponto que mais chama a atenção de

quem entra em um ambiente, seja igreja, bar, supermercado, barbearia, rodoviária

etc.

A distribuição dos cartazes deve ser feita antes da abertura oficial da Campanha.

Com uma carta, um ofício ou mesmo uma boa dose de ousadia é possível expô-los

em toda a parte.

O Cartaz é encontrado em três tamanhos: pequeno, médio e grande. Nas

escolas, é recomendável colocar o médio em cada sala de aula e o grande nos

pátios. O pequeno pode ser usado em papelógrafos, cartazes e quadros de aviso.

Há outras utilizações possíveis: em dinâmica de reflexão em grupo e motivação

para a oração; recortado em forma de quebra-cabeça e usado na discussão do

tema; como inspiração para concurso de poesias, canções, dramatizações etc.

Outdoor (cartaz de rua) O Outdoor é uma peça publicitária importante, que permite a divulgação da CF

fora das igrejas e comunidades.

Além da aquisição de Outdoors, a equipe da CF de cada cidade deve empenhar-

se para conseguir o maior número de placas para instalá-los, ao menos uma

semana antes do lançamento. Podem fazer isso junto aos empresários e

comerciantes, ou ainda negociar diretamente com as agências de publicidade.

Postal O Postal traz a imagem do cartaz em forma reduzida. Há duas versões, uma

delas com a Oração da CF no verso.

São vários os usos do Postal: para correspondência pessoal e eclesial, como

cartão de Páscoa, para distribuição nas celebrações da comunidade.

Outra sugestão é utilizá-lo na confecção de cartazes, trabalhos escolares e outros

materiais.

78  

Adesivo O Adesivo é uma peça publicitária de boa aceitação. É ideal para ser colocado em

vidros de carros, residências, escritórios e outros ambientes.

Há dois tipos. O Adesivo cartaz reproduz a imagem do cartaz no fomato 8x11,5

cm. O Adesivo lema tem o formato 19x5,5 cm.

É interessante que o adesivo seja distribuído gratuitamente a quem fez uma

doação à Campanha. Uma boa sugestão é organizar gincana ou pedágio, com a

colaboração de jovens e crianças.

Calendário Com imagens bonitas e frases bíblicas para cada mês, o Calendário é uma peça

que vai bem nos ambientes mais variados: em casa, no escritório, na sacristia, no

comércio. Além disso, não se restringe ao tempo da Quaresma, mas permanece o

ano inteiro.

O Calendário pode ser vendido para ajudar nos fundos da CF, ou distribuído

como brinde. É, sem dúvida, a primeira promoção da Campanha.

Spot de TV O Spot é um comercial de trinta segundos, para ser exibido na televisão. São dois

roteiros diferentes, gravados nos formatos Betacam e U-Matic-VHS.

As equipes locais precisam entrar em contato com as TVs educativas,

comunitárias ou comerciais, e oferecer os spots. É bom lembrar que o tema da CF

tem um forte apelo e interessa à opinião pública.

Jingle para Rádio Os Jingles para rádio são distribuídos gratuitamente pela internet, no site

www.editorasalesiana.com.br. Há cinco opções, que cabem muito bem na

programação das rádios comerciais, educativas ou comunitárias. Outra sugestão é

utilizá-los em serviços de alto-falante da comunidade.

Liturgia, celebrações e encontros

Cantos da CF Os Cantos da CF são encontrados em CD e Fita cassete. Para facilitar os grupos

de animação musical, há um encarte com as letras e as partituras (no caso do CD)

ou as cifras (no caso da Fita cassete).

79  

Além dos cantos escolhidos no concurso nacional, foram incluídos outros, como

os de Rito de aspersão e o para Páscoa, para enriquecer as celebrações litúrgicas.

Kit com 5 fôlderes A CF é um tempo forte de vivência da caridade. O gesto concreto é a coleta da

fraternidade no domingo de Ramos.

O Kit de 5 fôlderes ajuda a despertar a comunidade para esse gesto. Para cada

domingo da Quaresma há um folheto, com reflexões sobre o tema da CF, uma

intenção para a semana e a lembrança do dia da coleta.

A entrega dos fôlderes é feita normalmente no final da celebração dominical.

Via-Sacra

O livreto da Via-Sacra associa um dos exercícios de piedade tradicional da

Quaresma com o tema da CF. Em cada estação, há orações, cantos e reflexões.

Inclui também os cantos e a oração da CF.

A via-sacra pode ser realizada tanto na igreja como nas casas. É, sem dúvida, um

dos momentos privilegiados para envolver as pessoas no compromisso de

solidariedade.

Fraternidade no grupo de reflexão Fraternidade no grupo de reflexão é um roteiro para grupos de círculos bíblicos,

elaborado principalmente para reuniões nas casas de família ou na igreja.

O livreto está organizado em seis encontros. O primeiro é uma celebração e o

último, um roteiro de via-sacra de rua. No início de cada encontro, há orientações

para o coordenador do grupo sobre os textos bíblicos que serão utilizados.

Círculos bíblicos ecumênicos Desde a CF-2000, é produzido um livreto com encontros para grupos

ecumênicos. Pode ser utilizado igualmente por grupos católicos com espiritualidade

ecumênica.

Nos cinco encontros semanais há reflexões do Texto-base e passagens bíblicas

sobre o tema da CF. O último é uma celebração, que pode ser feita com pessoas de

outras denominações cristãs.

80  

Vigília eucarística e Celebração da misericórdia

Neste livreto há duas celebrações próprias do período quaresmal. A Vigília

eucarística traz cantos, leituras bíblicas e orações. Pode ser utilizada, por exemplo,

pelos grupos que fazem a vigília depois da missa de Quinta-feira Santa.

A Celebração da misericórdia prepara a comunidade para viver o momento

penitencial. É um bom roteiro para as celebrações comunitárias da Reconciliação.

Catequese e Ensino Religioso

Encontros catequéticos com crianças e adolescentes

Encontros catequéticos é um roteiro de cinco encontros, com dinâmicas, textos

sobre o tema, passagens bíblicas, cantos e orações.

É todo ilustrado e tem uma linguagem bem acessível. Os destinatários são

crianças maiores e adolescentes. Insere-se bem na catequese de perseverança e de

crisma.

Jovens na CF Para os grupos de jovens da PJ e de outros movimentos, a CF prepara este

subsídio com três encontros e uma celebração.

Cada encontro segue a metodologia ver-julgar-agir. A linguagem é acessível e as

várias dinâmicas são adaptadas aos destinatários.

Cadernos da AEC A Associação das Escolas Católicas do Brasil (AEC) prepara todo ano três

subsídios sobre o tema da CF: Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e

Ensino Médio.

Em cada livreto há quatro encontros e uma celebração final. Os textos

iluminadores e as várias atividades seguem as características de cada faixa etária.

Os Cadernos da AEC podem ser usados nas aulas de Ensino Religioso Escolar ou

em outro momento, e destinam-se tanto a estudantes da rede pública como da

particular.

81  

ANEXO B – ENTREVISTA COM ROBERTO MALVEZZI8

Elisandro Fiametti: Como foi o processo de elaboração do texto-base da CF-

2004?

Roberto Malvezzi: Em primeiro lugar, a questão da água já estava posta no mundo inteiro, surgia

nos Fóruns Sociais Mundiais de forma tímida e era praticamente ignorada no Brasil.

Entretanto, algumas pastorais já estavam envolvidas com a temática nas bases,

particularmente na região semi-árida. O processo político da água estava avançando

no Brasil, no sentido de sua privatização e mercantilização, sem que o conjunto da

sociedade percebesse o que estava acontecendo. Então, a Comissão Pastoral da

Terra decidiu propor à CNBB a temática da água para uma Campanha da

Fraternidade. A percepção era que esse mecanismo de evangelização continua

sendo o melhor meio de popularizar temáticas importantes no Brasil, mas que nem

sempre estão sendo devidamente compreendidas e divulgadas. A CNBB acatou a

proposta e em 2004 a água tornou-se tema da CF.

O texto-base da CF-2004 teve uma forma muito simples de elaboração.

Inicialmente, a pessoa responsável pelo processo dentro da CNBB era o Pe.

Vanzella. Então ele convocou uma pequena equipe para elaborar o texto mártir,

aquele que servirá de referência para modificações, ampliações, amputações, etc.,

até chegar a uma redação básica, que depois é lida, filtrada pelos bispos da CNBB.

O principal responsável no episcopado é o Secretário Geral da CNBB. À época era

D. Odilo Scherer.

Nessa pequena equipe estava eu (Roberto Malvezzi) e Pedro Ribeiro de Oliveira,

juntamente com o Pe. Vanzella. Eu fiz a primeira elaboração, baseado na cartilha

“Bendita Água”, elaborada por mim e Ivo Poleto para a Cáritas e CPT. Também já

tínhamos estado juntos na elaboração para essas entidades do livro “Água de

Chuva: o segredo da convivência com o semi-árido”, lançado pelas Paulinas.

Depois da primeira elaboração o texto foi revisado pelo Pedro Ribeiro, depois pela

equipe, finalmente pelo episcopado. Alguns setores governamentais tentaram influir

                                                       8 MALVEZZI, Roberto. Entrevista com Roberto Malvezzi. [Mensagem pessoal]. Mensagem recebida por: [email protected] em 15 de dez. de 2008. As perguntas foram enviadas

82  

no processo, sabendo que a temática era decisiva e complexa, mas não

conseguiram.

Elisandro Fiametti: E como você avalia a CF-2004? Que resultados ela trouxe?

Roberto Malvezzi: É muito difícil avaliar o impacto de uma CF como essa. Trazia uma temática nova,

com uma perspectiva muito original. A CF trouxe para o Brasil o conceito da água

como direito humano, bem público, não privatizável, não mercantilizável, propondo

que os serviços de água permaneçam públicos. Ainda insistiu na dimensão

ecológica, social e biológica da água. Trouxe à tona a luta difícil e envolvente das

entidades do semi-árido para que todos tenham água. Questionou a legislação

brasileira por conduzir a questão da água para os caminhos empresariais, visando

sua privatização e mercantilização. Propunha ainda uma série de medidas práticas,

desde o nível pessoal até o nível maior, globalizado, de fazer da água um direito

fundamental da pessoa humana. Todas essas questões hoje são corriqueiras na

sociedade brasileira, mas naquele momento quase todas eram absolutamente

novas. Nesse sentido, a CF trouxe como um de seus principais resultados a

conscientização da sociedade brasileira a respeito da importância da água para a

sociedade, o ambiente e para a própria vida.

Quando o texto foi lançado, surpreendeu. Houve, regra geral, uma reação

extremamente positiva da sociedade brasileira. A reação negativa foi minúscula e

veio de setores que então estavam conduzindo a implantação da política brasileira

de águas, principalmente gente que ajudou elaborar a Lei Brasileira de Recursos

Hídricos, a 9.433/97. Quatro acadêmicos chegaram elaborar uma carta e enviá-la à

CNBB, tecendo um longo comentário critico ao texto. Mas, a leitura era ideológica,

sem que apresentassem qualquer argumento. Naquele momento sentimos

preocupação por parte de D. Odilo. Porém, o Pedro Ribeiro de Oliveira fez uma

resposta rápida aos acadêmicos, mostrando a fragilidade e inconsistência nas

críticas. Diante disso, D. Odilo passou a confira e defender totalmente o texto. Ele

mesmo foi uma das pessoas que posteriormente iria assumir em nível internacional

a defesa da água como um direito humano.

O impacto também se fez de modo prático. Hoje há muito mais consciência na

sociedade brasileira sobre o uso cuidadoso da água, desde o jeito de lavar uma

calçada até o jeito de tomar um banho. Entretanto, o desdobramento maior é mesmo

83  

no apoio à luta pela água no semi-árido brasileiro. Tanto as Pastorais Sociais como

a CNBB, tem participação direta nas 300 mil cisternas já construídas, na luta hoje

pelas adutoras do Nordeste, na luta concreta contra a transposição do rio São

Francisco. Além do mais, a CNBB tornou-se referência mundial das Igrejas Cristãs

na luta pela água como um direito fundamental da pessoa humana.

84  

ANEXO C – A CAMPANHA DA FRATERNIDADE DE 2004 POR QUEM AJUDOU A CONSTRUÍ-LA9

A Campanha da Fraternidade é uma das mais importantes ações sociais da Igreja

Católica no Brasil, há mais de 40 anos, lançada pela Conferência Nacional dos

Bispos do Brasil – CNBB, desde 2000 – a cada 5 anos - ganha caráter ecumênico,

quando é coordenada pelo Conselho Nacional das Igrejas Cristãs no Brasil.

Inicialmente dedicada a temas eclesiásticos, logo ganhou dimensão pública, a

partir da reflexão de temáticas carentes de engajamento da sociedade frente a

desafios do país. Desde questões relacionadas à discriminação racial, realidade

indígena, corrupção política, ecologia e estado de direito, sua metodologia baseada

em 3 etapas de desenvolvimento (VER. JULGAR e AGIR) - possibilita o surgimento

de iniciativas multifacetadas que resultaram na mudança de paradigmas - inclusive

legais - de tratamento dos problemas brasileiros.

Dela decorreram importantes avanços no país. Um deles gerou a criação da

Pastoral da Criança, contribuindo decisivamente para salvar milhões de vidas país

afora. A CF 2004, com o lema "Água, fonte de vida", foi uma das mais produtivas

para a reflexão coletiva quanto a um dos problemas mais graves para o futuro da

humanidade.

ANTECEDENTES DE NOSSA PARTICIPAÇÃO

A escolha dos temas da Campanha da Fraternidade, geralmente ocorre dois anos

antes de sua realização e sua execução está a cargo de uma Secretaria Nacional

vinculada à Secretaria Geral da CNBB ou do CONIC. Em 2003, ano em que a ONU

dedicou esforço global na promoção do ANO INTERNACIONAL DA ÁGUA, a

Assembléia Geral dos Bispos havia renovado os quadros da CNBB, com Dom Odilo

Scherer assumindo sua Secretaria Geral, nomeando o Cônego Carlos Toffoli para a

Secretaria Executiva da CF.

Naquele ano, em decorrência de deliberação do 3º. Fórum Social Mundial em

Porto Alegre, o Movimento GRITO DAS ÁGUAS promoveu – em Cotia/SP – o 1º.

Fórum Social da Água na América Latina, com a participação de mais de 2.500

                                                       9 MORELLI, Leonardo Aguiar. A Campanha da Fraternidade de 2004 por quem ajudou a construí-la. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por: [email protected] em 18 de Nov. de 2008, [Texto integral em resposta às perguntas sobre como foi a escolha do tema e quais os resultados da CF-2004]. Leonardo Aguiar Morelli é escritor e ambientalista, Secretário Geral do Conselho Superior das DEFENSORIAS SOCIAIS e da International Global Water Coalition.

85  

ativistas de 8 países, que contou com a participação do professor Luiz Antonio

Amaral (Coordenador da CF na Regional SUL 1 da CNBB) que nos convidou a

ajudar na estruturação da Campanha da Água que se realizaria no ano seguinte.

Mantivemos reuniões diversas na Arquidiocese de São Paulo e na sede da CNBB

em Brasília, levando à cúpula da Igreja no Brasil, nossa avaliação de que apesar do

país possuir uma política nacional de recursos hídricos, participativa e avançada (no

papel), a poluição avançava em progressão geométrica enquanto seu tratamento e

prevenção cresciam em progressão aritmética, numa equação que não se fecha.

Considerando que – a partir de um texto-base bem elaborado - uma das missões

da CF em 2004 seria realizar um diagnóstico participativo da situação das águas no

país, um questionário seria distribuído a mais de 10 mil paróquias com a perspectiva

de coleta de dados junto a mais de 30 mil comunidades em todo o país.

O resultado certamente indicaria que a questão da água era uma questão social,

econômica, de saúde pública e soberania dos povos. Mas as denúncias por ventura

apresentadas, dificilmente haveria conseqüência na solução de conflitos, em razão

das deficiências nas políticas públicas de controle sobre a posse e exploração das

fontes naturais.

Em 1998 fui um dos fundadores e desde então Coordenador Geral do Movimento

criado no sul de Santa Catarina, denominado GRITO DAS ÁGUAS que logo

transformou-se numa rede de ONGs e INGs dedicados à preservação das águas.

Nessa condição, coordenei e acompanhei inúmeras ações em todo o país e América

Latina, mobilizando comunidades em defesa das águas.

Nessas ações, era costume a busca pelos organismos públicos de comando e

controle com vistas ao combate de irregularidades, em especial o Ministério Público

cuja deficiência em termos de recursos e estrutura – via de regra – resultavam na

impunidade das irregularidades denunciadas. Além disso, a falta de ação integrada,

gerava crescente frustração.

A partir dessa constatação, juntamente com o Dr. Alexandre Camanho de Assis,

Procurador da República em Brasília; a Professora Araceli Ferreira especialista em

Contabilidade Ambiental, então Diretora da Faculdade de Administração e Ciências

Contábeis da UFRJ, da então Deputada Federal Selma Schons (PT/PR), então

Presidente da Frente Parlamentar da Pesca no Congresso Nacional e da Dra Maria

Rita, advogada da ONG Terra de Direitos, realizamos uma série de encontros com

vistas à elaboração de uma proposta de gesto concreto para a CF 2004 com vistas à

86  

criação de um novo modelo de tratamento das denúncias das comunidades afetadas

pela poluição das águas.

Em maio de 2003, após o Fórum Social do Aqüífero Guarani, promovido pelo

Movimento GRITO DAS ÁGUAS na cidade de Araraquara no interior paulista,

criamos um Grupo de Trabalho dedicado a formular uma proposta concreta para a

CNBB e, em julho daquele mesmo ano, realizamos um seminário em Brasília, de

onde surgiram as primeiras formulações da proposta que resultou na formulação

das bases que deram origem à DEFENSORIA DA ÁGUA.

A CRIAÇÃO DA DEFENSORIA DA ÁGUA

Com base nos fundamentos expressos em sua carta de fundação (vide o menu

BIBLIOTECA do portal www.defesadavida.org.br na barra de menus

DEFENSORIAS, é possível compreender as bases que deram origem à formulação

do modelo das DEFENSORIAS SOCIAIS.

A CNBB assumiu a proposta, que contou com a participação de importantes

instituições e personalidades, vindo prestando – desde então – inúmeros serviços a

centenas de comunidades em todo o país, ao ponto de sua criação ter sido

destacada como o principal resultado dessa Campanha em documento

encaminhado ao Vaticano.

Logo após sua fundação, a DEFENSORIA DA ÁGUA foi convidada a apresentar

os resultados da Campanha ao Pontífice Conselho para a Justiça e a Paz, em

função do 1º. Encontro Mundial dos Organismos para a Promoção da Paz, em

Roma. Na mesma época, a Professora Araceli Ferreira havia sido convidada pela

ONU a apresentar o resultado de suas pesquisas em reunião temática da UNCTAD.

Deliberamos pela edição de um amplo relatório que reunisse os dados extraídos

das denúncias encaminhadas até então, dando origem à edição do estudo “O

ESTADO REAL DAS ÁGUAS NO BRASIL 2003-2004” que indicava - pela primeira

vez – que o avanço da contaminação da água estava associado às atividades

industriais.

O estudo seria então levado à Europa, mas a repercussão dos resultados gerou

inúmeras conseqüências, entre elas uma forte pressão de setores industriais ligados

à siderurgia que temiam retaliações comerciais em função da notícia de que o país

não tratava corretamente os resíduos gerados pelas atividades industriais, o que

repercutiria negativamente ao país no contexto da “guerra do aço”. As pressões

eram no sentido da retirada do apoio da CNBB à DEFENSORIA DA ÁGUA.

87  

Apesar das pressões, que chegaram à cúpula da CNBB a partir d ameaça das

indústrias de suspensão de ajudas a projetos sociais da Igreja, em especial por parte

de executivos da GERDAU, PETROBRAS, entre outras, Nesse caso, Dom Odilo

Scherer manteve-se isento e não cedeu e, em março de 2008, a DEFENSORIA DA

ÁGUA reeditou o relatório com a atualização dos dados relativos ao período de 2004

a 2008.

A EXPANSÃO DO MODELO DE 2005 A 2009

O bem sucedido modelo da DEFENSORIA DA ÁGUA norteou a estruturação do

conceito de DEFENSORIAS SOCIAIS, colegiados de instituições dedicados ao

suporte às ações em defesa dos direitos coletivos da sociedade, a partir da

articulação de mecanismos de suporte ao melhor e mais eficiente encaminhamento

das demandas recebidas pela internet, correio ou por telefone.

A partir das demandas, foram criados procedimentos que previam analises dos

casos por especialistas e pesquisadores que – voluntariamente – participam de

Câmaras Técnicas. Com isso, laudos e perícias ajudaram a subsidiar ações judiciais.

A elaboração de dossiês consistentes contribuiu para a execução de medidas

corretivas em diversos casos gerando esperança pelo cumprimento das leis por

milhares de vítimas de áreas contaminadas, por exemplo.

A Campanha de 2005, de caráter ecumênico, tinha como lema “Felizes os que

promovem a paz e seu principal resultado foi a criação da DEFENSORIA DA PAZ

que lançou as Conferências pela Paz no Brasil, contribuindo consideravelmente para

a realização do plebiscito pela eliminação de armas e na consolidação do

ESTATUTO DO DESARMAMENTO.

A CF 2006 teve como tema as pessoas portadoras de deficiência. Nessa questão

a proposta de uma DEFENSORIA específica indicava o risco de pulverização do

modelo e perda de eficácia, daí surgiu a DEFENSORIA SOCIAL, ampliando a

abrangência da proposta para os demais campos sociais. Em 2007, a CF teve como

tema a AMAZÔNIA onde novamente teve destaque a DEFENSORIA DA ÁGUA.

A CF 2008 trouxe a temática da DEFESA DA VIDA, gerando como GESTO

CONCRETO a criação do Instituto para DEFESA DA VIDA como instrumento para

unificação das diversas DEFENSORIAS, sendo que a CF 2009 com o lema “A PAZ

SE CONQUISTA COM JUSTIÇA” levou os Conselhos das diversas DEFENSORIAS

a proporem sua unificação orgânica através da criação do Conselho Superior das

88  

DEFENSORIAS SOCIAIS. O modelo ganhou dimensão internacional com seu

convite para representar o Brasil na Corte Internacional de Justiça Social.

Para conhecer todo o processo que visa a implantação de um modelo alternativo

de implementação de ações que garantam a efetivação de direitos sociais, basta

visitar o portal www.defesadavida.org.br.

Na minha avaliação, por sua abrangência e capilaridade, as Campanhas da

Fraternidade produzem um cenário extremamente propício a importantes

contribuições para a solução de conflitos e só limitarão sua ação, na medida em que

as temáticas forem perdendo seu foco social, arriscando transformar-se em meras

ações publicitárias de bandeiras eclesiásticas.

Para alguns setores da hierarquia da Igreja, o papel da CF é provocar na

sociedade a reflexão de problemáticas levantadas para, posteriormente, ser

apropriadas pela sociedade que deveria dar encaminhamento a medidas que

contribuam para a solução das questões. Ocorre que – na medida em que crescem

conflitos de interesse – essa mesma cúpula tende a definir temáticas menos

conflitivas, promovendo um retorno a si mesma.

A CF 2004 abriu um ciclo prodigioso, mas só a compreensão dos movimentos

sociais para que se apropriem de sua dinâmica, poderá contribuir para a

manutenção e avanços que proporcionou até 2009.

89  

                                                      

ANEXO D – ENTREVISTA COM Pe. JOSÉ CARLOS DIAS TÓFFOLI10

Elisandro Fiametti: como foi a escolha do tema da Campanha da Fraternidade

de 2004?

Pe. José Carlos Dias Tóffoli: Foi escolhido como normalmente se faz. As paróquias apresentam a avaliação da

campanha e as sugestões de temas para as campanhas seguintes à equipe

diocesana ou às coordenações diocesanas de pastoral. Estas elaboram uma síntese

e apresentam no seu respectivo regional. No regional são indicados três ou quatro

temas que mais apareceram para serem levados para o CONSEP (Conselho

Episcopal de Pastoral). Na Reunião do CONSEP, bispos e assessores conversam

livremente sobre qual o tema mais pertinente para o momento. Depois desta

conversa livre, são apresentados uns vinte temas para serem votados. Todos os

presentes votam em três temas. Os três temas mais votados vão para uma votação

final. Antes desta votação final, para cada um destes três temas são escolhidas duas

pessoas para os defenderem. Elas têm de cinco a dez minutos para fazerem a

defesa. São apresentadas as razões para que mostram que tal ou tal tema é o

melhor para o momento. Depois de apresentadas estas razões, os bispos do

CONSEP e os bispos que porventura estiverem presentes, e somente eles, votam

então no tema.

Lembro que este processo procura respeitar as avaliações da base:

comunidades, paróquias, dioceses e regionais. É importante lembrar que são

levados em conta os temas que vão aparecendo com insistência nas avaliações dos

anos anteriores e os temas que aparecem com forte apelo pelos grupos pastorais.

Aos menos nos quatro anos que eu estive lá, foi sempre esse o processo de

escolha do tema.

 10 Secretário executivo da CF em 2004. Entrevista concedida no dia 03 de setembro de 2008. 

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo