a prova testemunhal no processo penal brasileiro
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A PROVA TESTEMUNHAL NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO:
PROBLEMATIZAÇÃO NA VALORAÇÃO E AS FALSAS MEMÓRIAS
THE TESTIMONIAL EVIDENCE IN THE BRAZILIAN CRIMINAL PROCESS:
PROBLEMATIZATION IN VALUATION AND THE FALSE MEMORIES
Haridyane Oliveira Dos Santos*
Orientador: Prof. Dr. Aury Lopes Jr
RESUMO
O instituto que veem ganhando mais discussões e dúvidas em relação a sua valoração é o da
Prova Testemunhal, conflitante os atos de recolhimento da prova tanto no inquérito quanto no
processo, e o reconhecimento testemunhal, ambas matérias do direito que possuem lacunas no
Código de Processo Penal Brasileiro, e motivadas ao erro. A presente monografia trata do
instituto da prova testemunhal na esfera penal, a forma de seu recolhimento e sua valoração,
tendo como objetivo fazer um apanhado geral da prova e de seus aspectos. Irei aprofundar no
instituto das falsas memórias – recordação de fatos nunca ocorridos e inflação da imaginação
a partir de fatos vivenciados – e condenações somente com prova testemunhal, apresentando
pesquisas, características, conceitos e classificações, para que finda a leitura se tenha um
entendimento da produção probatória no instituto da prova. Adentro em questões de justiça,
imparcialidade e produção de provas com elementos de precisão, objetivando a busca da
verdade sempre respeitando os elementos trazidos na Constituição Federal de 1988 em
relação ao acusado.
Palavras-chaves: Processo Penal. Sistema Acusatório. Prova Testemunhal. Falsas Memórias.
ABSTRACT
The institute that has been gaining more discussions and doubts regarding its valuation is that
of Testimonial Evidence, conflicting acts of gathering evidence both in the inquiry and in the
process, and testimonial recognition, both matters of law that have gaps in the Brazilian Code
of Criminal Procedure, and motivated by error. The present monograph deals with the
institute of testimonial evidence in the criminal sphere, the form of its collection and its
valuation, with the objective of making a general overview of the evidence and its aspects. I
will go deeper into the institute of false memories - recollection of facts never occurred and
inflation of the imagination from facts experienced - and convictions only with testimonial
evidence, presenting researches, characteristics, concepts and classifications, so that the
reading ends with an understanding of the evidential production in the institute of evidence. It
focuses on issues of justice, impartiality and the production of evidence with elements of
precision, aiming at the search for truth always respecting the elements brought by the 1988
Federal Constitution in relation to the accused.
Keywords: Criminal Procedure. Accusatory System. False Memories. Witness. Memory.
* Graduanda do curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul. E-mail para contato: [email protected]. Professor em Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mestrado e Doutorado - em Ciências
Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e Doutor em Direito Processual Penal pela Universidad Complutense de Madrid. E-mail para contato: [email protected]
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1 INTRODUÇÃO
O processo penal sofreu significativas transformações ao longo dos séculos, e traz até
hoje resquícios do mesmo, antes da era inquisitorial, até o século XII vigorava um sistema
acusatório, não da forma como existe hoje, porém, não havia os excessos e injustiças que
tiveram após ser instaurado o tribunal de inquisição. Um dos pensamentos da justiça na época
da inquisição era “Na ordem da justiça criminal, o saber era privilégio absoluto da acusação. ”
Pois, apesar de tantos absurdos que foram relatados ao longo de tantos anos, tantas mudanças
em leis, e tratados e com o advindo dos direitos humanos, muitos modos de tratar o acusado
foram modificados, por conta de excessivos abusos por parte do judiciário e da polícia,
porém, apesar de todos os acontecimentos que se permearam até aqui, ainda vislumbramos
uma sucessão de erros. No centro do problema, temos condenações baseados apenas como
prova o testemunho, algo que já deveria ter um regramento próprio, com mais observações na
lei sobre o modo de ser recolhido tal prova, e sua valoração, e o seguinte trabalho visa
adentrar esse instituto.
O que tange ao direito de um processo justo e coeso, no qual limitou-se a
Constituição Federal em seus respectivos artigos 5º LV, LVII, LXI, LXII, LXII, LXIV,
LXVIII, LXIX entre outros, deixou claro, o respeito ao devido processo legal, ao direito do
acusado não produzir provas contra a si mesmo, e seja tal tratado como inocente até que se
prove o contrário. A era inquisitorial ficou marcada no nosso processo penal de tal modo, que
mesmo trazendo uma proteção ao acusado como na nossa Constituição Brasileira, ainda sim,
dispositivos extremamente problemáticos, são usados para que sejam legitimados excessos na
esfera penal, assim como eram os processos no Séc. XVIII onde a testemunha era soberana a
qualquer prova em concreto, e como ainda se encontra atual, dado que nosso Código de
Processo Penal é de 1941, elaborado em época de ditadura e da Segunda Guerra Mundial.
Acompanhando todo esse instituto do processo, e suas falhas devido ao quão
ultrapassado está o código, nasce uma maior preocupação com a prova testemunhal no Brasil,
com pesquisas mais recentes sobre a memória, porém com base no que já se vem estudando a
décadas, pois comprovado por estudos científicos a falibilidade da memória humana. Os
dados que trazem o Innocence Project de Nova York, pioneiro nos estudos dos casos de
condenações errôneas, em pelo menos 69% desses casos, estava presente um erro de
reconhecimento/identificação por parte de uma vítima/testemunha, ou seja, pessoas que
cumpriam pena a mais de dez anos, efeito de uma condenação injusta. Apesar da preocupação
da Constituição Federal de 1988 de tornar o processo justo, visando um sistema acusatório, e
trazer mais legalidade perante a condutas coercitivas ilegais, ela entra em embate com nosso
CPP que infelizmente dispõe de vários artigos vagos e inúmeros resquícios do processo
inquisitório, nos restando apenas a decisão em jurisprudências e súmulas.
O instituto da prova testemunhal e seu recolhimento veem sendo estudado a muito
tempo, em meados do século XIX, embora a maior parte dos estudos sobre falsas memórias
tenha sido realizada a partir da última década do século XX. Pelos anos 90 começou uma
preocupação maior, pelo fato das condenações serem motivadas por depoimentos de
testemunhas. Ou seja, a prova testemunhal com maior valoração, as vezes até única no
julgamento, abandonando qualquer in dubio pro reo que se tenha citado.
Este artigo visa um desdobramento maior em relação à valoração da prova
testemunhal e como isso influencia no processo, também centra na reforma do processo penal,
que de todo, deve destinar a ser o processo acusatório, e onde se tem lacunas que se preencha
de acordo com a Constituição Federal de 1988. O reconhecimento testemunhal usado como
prova não deve ser descartado, entretanto, reformulado, pois sendo um problema científico
que mostra uma questão necessitando discussão, investigação, decisão e solução.
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2 PROVA TESTEMUNHAL NO MARCO DO CPP
O instituto da prova é algo extremamente necessário para reconstituição dos fatos, e a
aproximação com a cena crime, para que se tenha um desenho do local, pessoas e suspeitos. É
inegável sua importância na fase pré-processual e processual, seja para condenar ou inocentar.
Mas assim como tudo na vida, se é feito com técnicas ruins, a prova será frágil, uma das
provas mais frágeis é a prova testemunhal, pois apesar de estarmos avançados em termo de
tecnologias, estudos e pesquisas, ainda presenciamos processos errôneos por conta de sua
valoração, a forma como é recolhida e a forma como o juiz aprecia as provas.
Já se findou o tempo onde dizia que o suspeito apontado pela vítima/testemunha, era
consideravelmente culpado. Decisões eram vociferadas com o motivo de que a
vítima/testemunha não tinha interesse em mentir, e sua conduta era ilibada. Hoje em dia se
tem em mãos, diversos estudos, profissionais em diversas áreas que nos trazem uma forma
diferente de se ler o testemunho, não o ignorando e sim, entendendo que o ser humano é
complexo e que não precisa necessariamente estar com “más intenções” para fazer um relato
que não condiz com a verdade, e que sim, devemos pensar a fidedignidade dos testemunhos
com responsabilidade desde a forma de sua coleta, e posteriormente.
No Brasil, não teve uma preocupação maior com instituto pelo código por conta da
época, nem se era pensado nesses pontos. Ele está previsto de maneira vaga, somente com
algumas normas, e teve uma melhora com algumas ratificações de artigos e com a cadeia de
custódia da prova, onde a lei L139642 do pacote anticrime, traz algumas previsões.
Esse capitulo será um aprofundamento da prova testemunhal no ordenamento jurídico
do Brasil. Farei um breve resumo dos sistemas que permeiam nosso Código de Processo
Penal, e a contrariedade com a Constituição do Brasil de 1988.
2.1 SISTEMA INQUISITÓRIO E ACUSATÓRIO
Não há como se falar de prova sem abordar antes os sistemas dos quais temos base nos
nossos Códigos que permeiam normas do nosso dia-a-dia. Esses dois sistemas até hoje são de
extensas discussões, pois um deveria ter sido totalmente abolido de nosso sistema processual
para que o outro fosse totalmente implantado e junto respeitado, porém vemos que nossos
dispositivos trazem outra realidade. Cumpre destacar que nem sempre vigorou o sistema
inquisitório, ele criou-se a partir do fenômeno igreja católica, até o século XII predominava o
sistema acusatório, não existindo processos sem acusador legítimo e idôneo.3
Entre os séculos XII e XIII foi instaurado o Tribunal da Inquisição, muito bem
relatado no livro O Martelo das Feiticeiras4, esses tribunais eram instituições dentro do
sistema jurídico da Igreja Católica Romana, onde seus objetivos eram combater a heresia,
blasfémia, bruxaria e costumes considerados desviantes, tendo mais fulcro na perseguição à
hereges e mulheres, as chamadas “bruxas” naquela época. O modo como o instituto das
provas foi tratado, invoca alguns artifícios usados atualmente, a carga era toda do julgador,
que ia atrás da “verdade”, usando qualquer método que estava ao seu alcance, o que nos
remete ao artigo 156 do Código de Processo Penal que falarei a seguir.
2 BRASIL. Lei nº 13.964 de 24 de dezembro de 2019. Pacote anti-crime. Brasília, DF: Planalto, 2019.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.html. Acesso em: 05
out.2020. 3 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva educação, 2019. p.43. 4 KRAMER, Henrique; SPRENGER, James. O martelo das feiticeiras. 17. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos ventos.
2004.
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Claro que não se pode comparar aos excessos, mortes e torturas que aconteceram entre
os séculos XII e início do XIX, pois o contraditório fora totalmente abandonado, não se tinha
direito a advogado, como relatado por FOUCAULT5 que seja para verificar a regularidade do
processo, seja para participar da defesa, o magistrado tinha direito de receber denúncias
anônimas, de esconder ao acusado a natureza da causa, de interroga-lo de maneira capciosa,
de usar insinuações. Então, contextualizando, o juiz constituía sozinho e com pleno poder,
uma verdade com a qual investia o acusado, e essa verdade ele mesmo formulava as peças e
gerava um documento dos quais os juízes recebiam e tomavam como prova6.
Em sua dissertação CRISTINA DI GESU7, pontua o que fora observado por
Goldschmidt, o fracasso de sistema devido ao erro psicológico de acreditar que uma mesma
pessoa, dotada de “imparcialidade”, poderia exercer funções com sentidos completamente
opostos, tais como promover a “justiça”, colher provas, valorá-las e depois julgar o feito. Daí
vem meu entendimento de que o sistema acusatório que vivemos hoje, não chega nem perto
de por inteiro se constituir, pois, apesar de essa aglutinação de poderes ter sido dividido no
nosso código, ainda podemos observar dispositivos que legitimam tais ações, como por
exemplo, o juiz ordenar a produção antecipada de provas (Art.156 CPP8) , se é possível
problematizar todo envolto desse artigo, pois, é exatamente o que acontecia no sistema
inquisitório, o julgador correndo atrás de provas para “dirimir a dúvida”.
No momento que se é permitido o juiz agir de oficio, ordenar e determinar no curso da
instrução realizações de diligências para que sane suas dúvidas, vai totalmente contra aos
princípios ressalvados na constituição, pois não cabe ao juiz o poder investigatório e quem
dirá a produção de provas, e fere o princípio da inércia jurisdicional. Para dar corpo aos dois
sistemas para um maior entendimento, irei citar algumas características que os diferenciam:
Quadro 1 – Sistemas Processuais SISTEMA PROCESSUAL INQUISITÓRIO
SISTEMA PROCESSUAL ACUSATÓRIO
Gestão/iniciativa probatória nas mãos do juiz;
Aglutinação das funções nas mãos do
juiz;
Juiz pode atuar de ofício;
Juiz parcial;
Desigualdade de armas e oportunidades.
Distinção entre as atividades de acusar e julgar;
Iniciativa probatória deve ser das partes;
Juiz imparcial;
Igualdade de oportunidades;
Publicidade;
Defesa do contraditório. Fonte: Lopes9
5 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 28. ed. Rio de Janeiro: Editora vozes. 2004. p.32. 6 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 28.ed. Rio de Janeiro: Editora vozes. 2004. p.32 7 GOLDSCHMIDT, 1935, apud. DI GESU, Cristina. Prova testemunhal e falsas memórias. 2008. Dissertação
(Mestrado em Ciências Criminais) – Pontifica Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2008. p.19. 8 BRASIL. Decreto de lei nº 3689 de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília, DF: Planalto,
1941. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10666954/artigo-156-do-decreto-lei-n-3689-de-03-
de-outubro-de-1941. Acesso em: 09 set.2020 9 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva educação, 2019. p.45.
5
Existem uns juristas, e algumas doutrinas, onde abordam que o Brasil hoje, vive um
Sistema Processual Misto, que a característica dos dois se adequa no nosso sistema de hoje,
porém, acredito que seja um equívoco falar em sistema misto se a nossa Constituição Federal
defende um sistema acusatório, se temos resquícios do antigo sistema, tais deveriam ser
abolidos, pois, ao aceitarmos essa característica como nosso sistema atual, seria dar abertura
que tais dispositivos do Código de processo penal tenha validação por parte da doutrina em
torno dessa “aprovação”. Nosso sistema não deve ser misto, pois, tais artigos que trazem essa
concordância, abrem para significativos abusos do ordenamento jurídico e legitima ações
excessivas por parte do judiciário. Quando se é alegado “misto”, seria a fase pré-processual
(inquérito) no sistema inquisitório e a fase processual seria acusatória, o que podemos
observar que essa afirmação também está errada, pois, temos resquícios do sistema
inquisitório também na fase processual10.
2.2 DECRETO DE LEI 3.689 DE 1941
O Código de Processo Penal vigente, fora colocado em vigor em 03 de outubro de
1941, decretado pelo então presidente Getúlio Vargas, ainda em sistema ditatorial que se
encontrava o Brasil, o que se chamou Estado Novo11. Podemos fazer uma breve análise a
partir deste apontamento, ora se, a Constituição de 1937 centralizava todo o poder nas mãos
do presidente, o congresso estava fechado a partir do golpe, extinguiu-se todos os partidos
políticos, governava-se a partir de decretos-leis, o que poderia se esperar de um CPP baseado
nesse contexto histórico do qual estava regido.
Apesar de falar-se em sistema acusatório no que se basearia o novo Código, podemos
acompanhar durante os dispositivos do mesmo, vários resquícios do sistema inquisitorial, e
principalmente aqueles que deixam muitos poderes na mão do julgador e desrespeitam a
defesa do contraditório e a igualdade de armas. Um exemplo trago o Artigo 21 do CPP, onde
fala da incomunicabilidade do indiciado12, sendo este, uma afronta ao princípio de inocência e
ao contraditório, ambos respaldados pela Constituição Federal de 1988 e tal artigo não foi
recepcionado pela mesma, quando se diz “interesse da sociedade” ou “conveniência da
investigação”, tratando de tamanha abrangência algo que pode ser invocado a qualquer
momento alegando somente esses dois pontos.
Então em 5 de outubro de 1988 entra em cena a nova Constituição Federal, trazendo
em seus artigos à presunção de inocência, o direito do acusado de não produzir prova contra si
mesmo, o direito ao contraditório e paridade de armas. Acabando que alguns dispositivos da
CF/88 entrando em conflito com o CPP de 1941, o que deveria ser baseado em um sistema
acusatório, o CPP sofreu alterações durante o passar dos anos, mesmo assim, ainda não é o
bastante, pois continuamos a presenciar abusos no processo, e contradições em
jurisprudências, onde temos um Código inteiro extremamente ultrapassado ainda em vigor,
que suas normas vão ao viés do que se dita nossa “norma mãe”.
O problema maior, são as lacunas que ficaram em relação à algumas medidas tomadas
durante o processo, e como tornar igualdade para os dois lados, se do lado principal temos o
Juiz agindo de oficio, correndo atrás de provas e tornando-se parcial no processo. Como
10 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva educação, 2019. 11 LUNGOV, Monica. História do Brasil. São Paulo: Gold editora. 2014 12 Art. 21 do CPP- A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será
permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação exigir.( BRASIL. Decreto de lei
nº 3689 de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília, DF: Planalto, 1941. Disponível em:
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10666954/artigo-156-do-decreto-lei-n-3689-de-03-de-outubro-de-1941.
Acesso em: 09 set.2020)
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aborda AURY LOPES JR13 que é visível que o modelo constitucional é acusatório, em
contraste com o CPP, que é nitidamente inquisitório, e que todos os dispositivos do Código de
Processo Penal que sejam de natureza inquisitória são substancialmente inconstitucionais e
devem ser rechaçados.
Claro que fazer um breve relato do antigo sistema, se é necessário para que se tenha
um vislumbre do que era o processo penal, acompanhei tais relatos pela obra de Michel
Foucault14, onde todo o processo criminal até a condenação era totalmente secreto, ou seja, o
acusado ficava “às escuras” durante todo esse tempo, e em muitos casos, não era possível nem
ao menos informar o porquê o mesmo estava sendo acusado, já que por ditas vezes, seus
crimes eram apenas relatados por algumas testemunhas, e sua condenação baseada em uma
testemunha anônima. Assim sendo, opaco não só para o público, mas para o próprio acusado,
veja bem, gera-se uma incomunicabilidade e não publicidade do caso, o que a Constituição
Federal de 1988, teve todo o cuidado de ressalvar tais direitos, porém, como arguido
anteriormente sobre o Artigo 21 do CPP, é uma clara alusão ao antigo processo, onde o
acusado ficava a ver navios.
Podemos falar de um autoritarismo do CPP/41, pois podemos comparar dispositivos
do código com o sistema inquisitorial e ver tamanha semelhança, pois somente no fim do
século XIX que podemos acompanhar o fim da tortura como processo de encontrar a verdade
e ver a figura do julgador como simples espectador.
Esse excesso de funções nas mãos do julgador vimos no que se refere ao sistema
inquisitório, só que podemos acompanhar também no CPP/41 vide artigos 15615 e 38516, “de
nada serve a separação inicial das funções se depois se permite que o juiz tenha iniciativa
probatória”17.
Nota-se que ao fazer as normas processuais penais o legislador foi negligente, pois tais
normas deveriam proteger o cidadão dos abusos do estado, de tal maneira que as condenações
se fundamentariam por meio de provas obtidas legalmente que comprovassem autoria e
materialidade do crime, em respeito à dignidade humana, ao invés disso, encontramos
dispositivos autoritários e com lacunas, daí podemos entender o porquê dos projetos de
reforma do CPP elaborados ao longo dos anos não surtirem tanto efeito, e dar continuidade a
tanta controvérsia.
As lacunas preenchem-se com súmulas e jurisprudências, porém, não é suficiente,
vista que, pode-se acompanhar tantos erros judiciais durante o inquérito, processo e nas
condenações, muitas vezes baseadas em apenas testemunha e ínfima convicção do julgador.
Aqui gera-se à importância da Prova Testemunhal no Código de Processo Penal e o quanto ela
pode ser prejudicial no âmbito do processo dependendo da forma do seu recolhimento e a sua
valoração a fim de condenação.
13 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva educação. 2019. p. 95,96. 14 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 28. ed. Rio de Janeiro: Editora vozes. 2004. 15 Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício.
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e
relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da
instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008). (BRASIL. Decreto de lei nº 3689 de 03 de outubro de 1941. Código
de Processo Penal. Brasília, DF: Planalto, 1941. Disponível em:
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10666954/artigo-156-do-decreto-lei-n-3689-de-03-de-outubro-de-1941.
Acesso em: 09 set.2020). 16 Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério
Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido
alegada. (BRASIL. Decreto de lei nº 3689 de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília,
DF: Planalto, 1941. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10666954/artigo-156-do-decreto-lei-
n-3689-de-03-de-outubro-de-1941. Acesso em: 09 set.2020). 17 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. Ed. São Paulo: Saraiva educação. 2019. p. 48.
7
2.3 NORMAS GERAIS DA PROVA TESTEMUNHAL
Ao introduzir no tema central, uso as palavras de FRANCESCO CARNELUTTI18,
que as provas (de probare) são fatos presentes sobre os quais se constroem a probabilidade da
existência ou inexistência de um fato passado; a certeza resolve se, a rigor, em uma máxima
probabilidade. Não se pode pronunciar um juízo sem provas; não é possível fazer um processo
sem provas. Dessas provas que são geradas durante o inquérito policial e o processo, temos a
referida prova testemunhal, uma das provas com maior valoração no sistema judiciário
brasileiro, mesmo que, não se tenha dispositivo na legislação que legitime tal elevação da
prova. Apesar de o CPP não trazer um rol mais claro de normas envolta da prova testemunhal,
temos alguns princípios que há norteiam.
Seguindo a mesma linha de raciocínio de CRISTINA DI GESU19, ela aborda que os
princípios não procuram somente regular um caso ou suprimir as lacunas da lei, vai muito
além disso, porque através da principiologia da prova almeja-se a sistematização da matéria,
diante da necessidade de o intérprete do direito compatibilizar e adaptar os direitos e garantias
constitucionais a um sistema atrasado e de origem inquisitorial como o do Código de Processo
Penal Brasileiro.
A regulação da Prova Testemunhal encontra-se a partir do artigo 202 ao 225 do CPP.
O artigo 202 do Código de Processo Penal, diz “toda pessoa poderá ser testemunha”, algo
normal, pois qualquer um de nós tem a capacidade de presenciar um fato e depois falar sobre
esse fato, ou seja, sobre algo que aconteceu no passado, apreendido pelos sentidos, onde o
testemunho se refere a um fato passado. Falando em toda a pessoa, sim, toda pessoa pode,
porém, algumas pessoas passam por um juízo de credibilidade.
Como por exemplo, podemos observar uma criança sem sua formação cognitiva por
completo, possui mais probabilidade de fantasiar, ou um doente mental da mesma forma.
Essas pessoas podem não conseguir captar aquele fato especificamente da forma como
aconteceu, ou então, um parente da vítima envolvida emocionalmente pode exagerar na sua
narrativa dos fatos porque deseja que aquela condenação ocorra, o que não torna o
depoimento de algumas pessoas fidedigno, e isso deve ser sempre observado.
Também se entende que toda pessoa natural, então, não há o que se falar de pessoa
jurídica, não é possível uma empresa testemunhar, porém uma pessoa natural em nome da
empresa sim. Já o artigo 206 aborda que a testemunha não pode negar-se de depor, mas com
algumas escusas, pois em alguns casos pode recursar-se estando enquadrado no artigo, que
segue, o ascendente ou descendente; o afim em linha reta; o cônjuge (ainda que separado); o
irmão e o pai; a mãe; ou o filho adotivo do acusado; claro que existe uma ressalva em razão
de quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas
circunstâncias.20
Há uma problemática com o final do referido artigo, onde diz que podem depor se não
tiver outro modo de obter a verdade, sendo que seus depoimentos como pessoas próximas a
vítima ou ao acusado são totalmente tomado por emoções21 e fica longe de ser obtido a tal
“verdade”, entende-se que precisaria para chegar à alguns fatos, porém sua valoração deve ser
realmente diminuída, porque é de comum acordo que a prova estaria contaminada. Em relação
18 CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um processo. São Paulo: Edijur. 2018. p. 52. 19 DI GESU, Cristina. Prova testemunhal e falsas memórias. 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências
Criminais) – Pontifica Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. p.55. 20 BRASIL. Decreto de lei nº 3689 de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília, DF:
Planalto, 1941. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10666954/artigo-156-do-decreto-lei-n-
3689-de-03-de-outubro-de-1941. Acesso em: 09 set.2020. 21 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva educação. 2019. p. 464.
8
"não pode negar-se", entende-se que, uma vez arrolada a testemunha, não pode se abster de
prestar seu depoimento, há menos que se enquadre no artigo 206 das pessoas que podem
recursar-se de prestar suas declarações em juízo.
O artigo 207 traz uma proteção a pessoas que por caráter de função, profissão, ou
ministério, que exercem não poderiam prestar testemunho, pois devem guardar segredo, por
ser respeitado um código de ética profissional, onde devido a função não se deve depor, um
exemplo nítido é o profissional de psicologia. Claro que existe uma ressalva, isso quando a
parte interessada desobriga a outra e assim fica legitimada para dar seu testemunho.
Então observa-se os respectivos artigos e chegamos aos princípios norteadores da
prova testemunhal, pelas palavras de AURY LOPES22 temos as mesmas regidas pelas regras
da oralidade e imediatidade, ou seja, deve ser produzida oralmente e em audiência, na frente
do juiz que irá julgar, não sendo permitido o depoimento por escrito, salvo se a testemunha
for surda ou muda, teremos intervenção de um intérprete. Portanto, não se pode aceitar como
válida a simples ratificação em juízo das declarações prestadas no inquérito, ou seja, LOPES23
destaca em relação ao depoimento em juízo, que não deve apenas pontuar o que já foi dito
antes, que o Juiz deve-se abster de ler as declarações dadas anteriormente na fase inquisitória,
porque a produção de prova testemunhal é um tanto complexa, pois avalia-se seu
fornecimento oral tanto quanto a credibilidade das informações prestadas.
A redação do artigo 213 do CPP trata da objetividade, onde a testemunha deve-se ater
aos fatos, sem dar opiniões pessoais, ou dar juízos de valores, ao menos que isso seja
necessário a reprodução dos fatos. A Judicialidade, a prova testemunhal apenas aquela
produzida em juízo. Ainda falando sobre tais princípios, temos a retrospectividade, onde o
testemunho prestado irá falar sobre os fatos passados e por fim, a individualidade, pois as
testemunhas serão inquiridas individualmente, não terá testemunho em coletividade, suas
oitivas serão individuais, salvo-se quando tiver acareação.24
DI GESU25 traz uma classificação das testemunhas, existindo as testemunhas indiretas
que são aquelas que apenas ouviram falar do fato ou que prestará seu depoimento acerca de
fatos acessórios; a testemunha abonatória é aquela que vem aos autos para abonar a conduta
do imputado, influindo na primeira fase da dosimetria da pena; as testemunhas referidas que
não estão no rol inicial, porém foram referidas nos depoimentos de outras testemunhas. E por
fim, os informantes, que não prestam compromisso em dizer a verdade.
2.3.1 Recolhimento de prova testemunhal
O seu recolhimento se dá na fase pré-processual ou processual. Na fase do inquérito
policial se é levado o acusado para realizar o reconhecimento, o que se obrigada, desrespeita o
devido processo legal e os direitos do acusado de não produzir prova contra si mesmo, pois
muitas vezes é feita também sem a presença do defensor, algo permitido pelo CPP e
totalmente refutável, devido a defesa do contraditório. Mas se, de acordo o suspeito estiver de
participar, é recolhida a prova, se reconhecido, após, essa mesma prova é levada ao tribunal
para julgamento do réu, o que pode se tornar inadmissível a aceitabilidade da prova se possuir
violação à normas constitucionais ou legais.
Há dois princípios que a permeiam, um deles é a prova irrepetível, pois não se
reconhece o já reconhecido, ou seja, não se é feita uma segunda sessão de reconhecimento. O
reconhecimento é prova irrepetível, não se pode simplesmente anular um ato de
22 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva educação. 2019. p. 461. 23 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva educação. 2019. 24 Ato que confronta os depoentes, quando houver diferenças nos depoimentos sobre o mesmo fato. 25 DI GESU, Cristina. Prova testemunhal e falsas memórias. 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências
Criminais) – Pontifica Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. p. 98.
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reconhecimento, haja vista que não se pode renovar tal sessão nos mesmos moldes já
definidos. O segundo princípio é o tempo, o art. 6.º do CPP26, em seu inc. VI, determina à
autoridade policial que proceda ao reconhecimento de pessoas e coisas assim que tiver notícia
e constatar a ocorrência de fato definido como crime, evitando-se, com isso, a influência do
tempo sobre a memória de testemunhas e vítimas27.
Nessa questão, FRANÇA28 aborda que ao tempo, virá junto a percepção, pois o modo
pelos quais os eventos são interpretados pela testemunha/vítima levando-se em consideração
seu estado de humor e emoções, depois as lembranças, por conta do período de tempo
decorrido entre o evento e a descrição feita pela testemunha/vítima sobre ele às autoridades,
sendo que incidem sobre a memória desta outros fatores que podem influenciar na
identificação, e pôr fim a articulação, as mesmas palavras são usadas com significados
diversos por pessoas diferentes.
Existe uma sistemática usada pelo CPP para as sessões de reconhecimento, e se
inobservado, temos uma grande falta de detalhamento necessário à execução da medida, e
também o despreparo de profissionais da área. Temos o erro de a realização da sessão sem
presença de defesa, um dos fatos que macula os resultados e prejudica a investigação e vai
contra o princípio do in dubio pro reo29.
Na sessão de reconhecimento, a testemunha é abordada pelos oficiais de maneira
sugestiva, e por diversas vezes se veem na situação de “ter que reconhecer alguém”
correspondendo às expectativas dos oficiais. Se reconhecido o suspeito da polícia pela
testemunha, logo o comportamento com o suspeito piora ainda mais, pois, conforme já falado
anteriormente, nossas emoções são infladas, e temos tendência de agir por elas, no momento
que nos deparamos com o possível autor do crime, o pré-julgamento já está feito, e mesmo
sem o transito em julgado, para todos já é um criminoso.
Podemos observar que algumas práticas usadas não estão no código, como por
exemplo, o reconhecimento por meio de foto, já falado anteriormente, e que recentemente
teve outra interpretação por parte do STJ30, onde o ministro relator discorre em seu voto que
“O ato de reconhecimento do primeiro paciente deve ser declarado absolutamente nulo, com
sua consequente absolvição, ante a inexistência, como se deflui da sentença, de qualquer outra
prova independente e idônea a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de
roubo que lhe foi imputado”.
Onde se tem mais incidência da prova testemunhal e dos excessos que há rodeiam, são
nos crimes de patrimônio, pois para o crime de roubo a 'rainha das provas' é o
reconhecimento. SCHIETTI31 saliente que por tal motivo, ele deveria ter um grau de
confiabilidade que não retirasse qualquer segurança quanto à sua utilização em uma sentença
condenatória, porém, o que pode-se observar, é uma praxe policial totalmente divorciada
dessa orientação e dessas diretrizes de um código.
26 BRASIL. Decreto de lei nº 3689 de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília, DF:
Planalto, 1941. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10666954/artigo-156-do-decreto-lei-n-
3689-de-03-de-outubro-de-1941. Acesso em: 09 set.2020. 27 JAMES MARSHALL, 1969, apud. FRANÇA, Rafael. Meios de obtenção de prova na fase preliminar
criminal. Porto Alegre. REVISTA DOS TRIBUNAIS. vol. 112. p. 331/336. 2015 28 FRANÇA, Rafael. Meios de obtenção de prova na fase preliminar criminal. Porto Alegre. REVISTA DOS
TRIBUNAIS. vol. 112. p. 331/336. 2015 29 Na dúvida interpreta-se em favor do acusado. 30 Superior Tribunal de Justiça. HABEAS CORPUS: HC Nº 598.886 - SC (2020/0179682-3). Relator: Ministro
Rogerio Schietti Cruz. DJ: 27/10/2020. STJ, 2020. Disponível em:
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/SiteAssets/documentos/noticias/27102020%20HC598886-SC.pdf. Acesso
em: 02/11/2020 31 RECONHECIMENTO por foto não basta para condenação, decide STJ. Migalhas, [ S. l.] , 27 de out.2020.
Disponível em: https://migalhas.uol.com.br/quentes/335558/reconhecimento-por-foto-nao-basta-para-
condenacao--decide-stj. Acesso em: 08 nov.2020.
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Os maiores erros de provas descartadas na fase de julgamento, são do modo de seu
recolhimento, se não coletadas dentro da legalidade, e com veracidade, podem ser
inutilizadas, prejudicando todo um processo. Como aborda FRANÇA32, se não forem
seguidas regras para a execução das sessões de reconhecimento pessoal, grande se torna a
possibilidade de se tornar inócua, quer seja realizado de modo preliminar, por fotografias ou
como antecipação de produção de meio de prova, o reconhecimento pessoal deve
obrigatoriamente ser envolto em formalidades.
Se for pensar em relação a esse método, antigamente para se acusar uma pessoa, não
necessitava muito, falando do processo inquisitório que tínhamos, e que ainda temos
resquícios em nosso processo penal, e em todo nosso código, como abordado anteriormente.
No processo inquisitório as pessoas eram torturadas e mortas, o aparecimento da prisão
começou em meados do Séc XVIII, antes disso, se tinha um processo cheio de falhas, onde a
base eram os depoimentos testemunhais. Um exemplo, seria apenas uma pessoa fazer uma
“delação”, apenas um depoimento, e o acusado era torturado até confessar. 33
Existem inúmeras falhas no sistema de recolhimento de prova testemunhal, seja na
entrevista ou na hora do reconhecimento, ÁVILA34 faz um apontamento sobre algumas dessas
falhas, principalmente na entrevista, quando não se é explicado o seu propósito, não
explicando as regras básicas da sistemática da entrevista, não estabelecendo a empatia com o
entrevistado, não solicitar o relato livre, basear-se em perguntas fechadas e não fazer
perguntas abertas, fazer perguntas sugestivas/confirmatórias, não acompanhar o que a
testemunha recém disse, não permitir pausas, interromper a testemunha, quando ela está
falando, e não fazer o fechamento da entrevista.
Quando se fala em alternativas para que se tenham provas com mais fidedignidade, a
entrevista é um procedimento crucial, onde deve se respeitar os preceitos para que se tenha
um resultado mais preciso. As perguntas abertas35 permitem que a pessoa que está
respondendo dê mais informações, como por exemplo: “o que você viu quando entrou na
loja? ”. As fechadas, geralmente, somente trazem duas alternativas possíveis de resposta:
“sim” ou “não”, “era manhã, tarde ou noite quando o crime aconteceu? ”. É de comum
acordo, que nosso sistema falha quando se trata de prova testemunhal, é necessário um
procedimento padrão, detalhado e com regramento próprio, respeitando a Constituição
Federal Brasileira, porém, se o que temos hoje em dia parasse de ser visto como mera
recomendação e sim como regra, evitaria inúmeros equívocos e erros judiciais.
3 DO RECONHECIMENTO DE PESSOAS
Para introduzirmos ao tema, é interessante citar que esse capitulo em questão é em
razão do reconhecimento ser usado como porta de entrada para a prova, por conta de este
assunto trazer diversas informações necessárias para quem pesquisa sobre, ou quer ter um
maior entendimento sobre o funcionamento do judiciário nessa matéria.
O reconhecimento de pessoas ou coisas está inserido no título reservado às provas
do Processo Penal e tem por finalidade precípua a identificação de um suspeito ou de um
32 FRANÇA, Rafael. Meios de obtenção de prova na fase preliminar criminal. Porto Alegre. Revista dos
tribunais. vol. 112. 2015. p.33 33 GOLDSCHMIDT, James. Problemas jurídicos e políticos do processo penal. Porto Alegre. Livraria do
advogado. 2018. 34 ÁVILA, Gustavo Noronha de. Falsas memórias e sistema penal: A prova testemunhal em xeque. Rio de
Janeiro. Editora lumen juris. 2013. p. 138. 35 STEIN, Lilian Milnitsky et al. Falsas memórias: Fundamentos científicos e suas aplicações clinicas e
jurídicas. Porto Alegre: Artmed. 2010. p. 220.
11
objeto através da palavra da vítima ou das testemunhas36. Cumpre ressaltar que o investigado,
indiciado ou réu não é obrigado a participar de sessões de reconhecimento pessoal, haja vista
o exercício do direito a não produzir prova contra si mesmo37, trazido tal defesa pela
constituição brasileira. Podemos acompanhar que em diversas vezes tal direito não é
reconhecido, devido as lacunas que temos no CPP, principalmente quando citamos
julgamentos em que o juiz interroga a testemunha e a questiona se o culpado está presente, ou
refere-se diretamente ao acusado perguntado se é o culpado. Prática extremamente ilegal,
porém, respaldado pelo livre convencimento motivado. É inegável que o reconhecimento
pessoal é um dos meios de obtenção de provas mais usado, e em diversos sistemas
processuais, supra valorados, não se compactua com a ideia de que não se tem tal valor, mas
que o modo como é feito no Brasil, gera inúmeras duvidas e é responsável por vários
julgamentos errôneos.
Previsto a partir do art. 226 do Código de Processo penal Brasileiro, o
reconhecimento trazido far-se a de maneira clara e concisa, respeitando os artigos
subsequentes, pois, se ilegal for, chances de a prova não ser reconhecida em juízo. De acordo
com AURY LOPES JR38 é reconhecível tudo o que podemos perceber, ou seja, só é passível
de ser reconhecido o que pode ser conhecido pelos sentidos. O previsto no CPP é o
conhecimento visual, pois o Código é omisso no que se refere ao reconhecimento que
dependa de outros sentidos, como olfato ou táctil.
Em sua pesquisa sobre o reconhecimento testemunhal, RAFAEL FRANÇA39 salienta
que a medida cautelar de reconhecimento pessoal durante a fase de investigação policial
também se difere em diversos aspectos do reconhecimento feito já na fase processual.
Descreve que os principais problemas, são a exposição em definição de direito de não
produção de prova contra si mesmos e a possibilidade de ser reconhecido por fotografia, o que
delimita o trabalho policial e torna a execução das medidas ainda mais carentes de
formalidades e preparo dos agentes responsáveis pela organização e execução das mesmas
como abordado anteriormente, o despreparo dos profissionais.
O CPP se torna omisso em diversas fases processuais, principalmente no que diz
questão a prova testemunhal, o reconhecimento de pessoas e o recolhimento da prova, tanto
que, não há nada quanto ao modelo a ser seguido, se é o simultâneo ou sequencial, temos só a
previsão de mínimo de pessoas que não deve ser inferior a 5(cinco), porém o código traz em
sua redação “recomenda-se”, recomendação não é obrigação, acabando que por fim, ficando
na mão dos profissionais como deve ser feito o reconhecimento.
Existem algumas formas de se fazer o reconhecimento, entre eles o sequencial, onde
entra um suspeito por vez, e a testemunha/vítima terá que tomar uma decisão em relação a
cada um dos que forem aparecendo à sua frente, podendo inclusive isentar o real autor por não
o reconhecer, evitando também falsos positivos. Já o simultâneo é onde a vítima/testemunha
pode comparar as características físicas de todos os componentes da linha, e escolher qual
assemelha-se ao culpado. O método show up é exibido um único suspeito para identificação
da vítima/testemunha.
36 PUPE NETO, Affonso Celso. Aspectos relevantes acerca do reconhecimento de pessoas ou coisas segundo
o Código de Processo Penal e sua aplicação prática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano
19, n. 3954, 29 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27796. Acesso em: 16 jan. 2021. 37 Art. 5º, LXIII da CF - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-
lhe assegurada a assistência da família e de advogado;(BRASIL. Constituição Federal Brasileira de 1988.
Brasília, DF: Planalto, 2019. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.html). Acesso em: 20 set.2020. 38 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva educação. 2019. p. 487. 39 FRANÇA, Rafael. Meios de obtenção de prova na fase preliminar criminal. Porto Alegre. Revista dos
tribunais. vol. 112. 2015. p. 331/336.
12
Um dos pontos que ressalta o reconhecimento testemunhal é a falta de regramento,
em uma prova tão importante que é onde se tem a aproximação com o praticante do delito,
onde se aprofunda na investigação para chegar-se a um culpado, onde também entra em jogo
a liberdade de uma pessoa. A falta de preocupação do código perante ao acusado, remete-se
ao sistema inquisitório já citado nesse trabalho, o que ainda se bate no ponto de uma reforma
completa no código, pois as jurisprudências e súmulas não tem a mesma preocupação com
esses institutos como podemos acompanhar recentemente em diversos julgados.
Outra forma é o reconhecimento por foto, não previsto em nenhum dispositivo legal
de matéria penal, porém, como muitas vezes não são observadas nem a legislação sobre a
forma que se dá o recolhimento, novas diretrizes são seguidas, e formas de serem feitas. No
último mês de outubro, fora levada em pauta tal questão, apesar de ser frequentes os
apontamentos sobre a matéria de reconhecimento testemunhal por foto, o interesse do
judiciário era pouco, apenas sendo observado pela defesa.
O julgado no HC 598.886/SC40 trouxe uma “luz no fim do túnel” para os advogados
do Brasil, porque finalmente fora levada em pauta a valoração na prova testemunhal, e os
métodos que não são observados em seu recolhimento. A 6º turma do STJ decidiu que não é
possível condenar alguém exclusivamente com base em reconhecimento por foto, concedendo
habeas corpus ao homem condenado por assalto que como prova se tinha apenas a
testemunhal. No voto do relator, o ministro Rogerio Schietti, deixou claro que as pesquisas
trazidas pelo Innocence Project41 foram essenciais para o voto. Ressalta-se que o suspeito em
questão fora reconhecido por meio totalmente errôneo, com base em reconhecimento
fotográfico extrajudicial realizado pelas vítimas, o que não foi corroborado por outros
elementos probatórios e destaca-se inobservância do procedimento previsto no art. 226 do
CPP.
Como aponta AURY LOPES JR42, o art.226 era visto como mera recomendação, e
com essa decisão passou desse status para necessária, para que seja cumprido as formalidades
para se realizar o ato de reconhecimento. Ele pontua que apesar de respeitada as formalidades,
deve se ter em mente que, somente pode ser confiado em seu resultado, se ser conduzida da
forma como aponta o artigo em questão, e ainda sim, se é insuficiente, porque, mesmo que
observadas todas as formalidades, não se pode perder de vista a falibilidade que acomete a
memória humana em seu regular funcionamento.
Respaldando os próximos pontos em pesquisas sobre o reconhecimento testemunhal,
coloco em pauta os que se destacaram durante os estudos sobre o tema, colocando em foco o
acusado no reconhecimento testemunhal. Observa-se que mesmo com o álibi, ele não
consegue superar essa prova de reconhecimento, salvo se, o álibi é corroborado com uma
prova de DNA ou por filmagens, e ainda sim, temos provas concretas de que alguns
julgamentos persistem na valoração do testemunho, ignorando outras provas. Hoje em dia
com tantos recursos que está disponível pela tecnologia, o álibi pode ser provado de diversas
formas, e se valer apenas de testemunha para uma prova palpável é inadequado.
O outro ponto são os elementos envolvidos no ambiente e nas pessoas na hora do
reconhecimento, pois, se sugestiona a testemunha quem é um dos suspeitos, as chances de o
40 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus: HC nº 598.886 - SC (2020/0179682-3). Relator:
Ministro Rogerio Schietti Cruz. DJ: 27/10/2020. STJ, 2020. Disponível em:
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/SiteAssets/documentos/noticias/27102020%20HC598886-SC.pdf. Acesso
em: 02 nov. 2020. 41 Dados completos em: https://www.innocencebrasil.org/. 42 MATIDA, Janaina et al. A prova de reconhecimento de pessoas não será mais a mesma. Conjur, [ s. l.], 30
out. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-out-30/limite-penal-prova-reconhecimento-
pessoas-nao-mesma. Acesso em: 08 nov. 2020.
13
reconhecimento ser contaminado são de 90%. ANTÔNIO VIEIRA43 em sua palestra sobre
reconhecimento testemunhal aborda uma sessão de reconhecimento onde as pessoas que
foram colocadas uma do lado da outra estavam totalmente diferentes do suspeito, eram 5
(cinco) homens, todos bem vestidos, brancos, com altura mediana, e havia um único homem
de bermuda e sandália havaianas, negro, e com nenhuma característica semelhante aos
demais.
Sendo nítido a sugestividade do ato, pois, como temos pesquisas que respaldam, o
estereótipo do criminoso está totalmente ligado a pobreza e a raça, uma construção feita pela
sociedade em cima do racismo e preconceito, como diz MOREIRA44 o pensamento humano
opera por um processo de percepção, categorização e generalização, o que permite a formação
de esquemas mentais a partir dos quais as pessoas compreendem a si mesmas e ao mundo,
mas esses sentidos não são neutros, pois são produtos de valores.
O reconhecimento deve ter acurácia e confiabilidade, deve-se capacitar as pessoas
que trabalham nisso, deve ser feito na forma de igualdade, ninguém pode se destacar, para que
ninguém se sobressaia durante o reconhecimento, pois ainda não temos um modelo de
reconhecimento padrão, um modo mais correto de se fazer, se é o simultâneo ou sequencial,
pois a ciência ainda não chegou a uma conclusão, embora se tenha muita discussão em torno
disso. Citando BRIAN CUTLER45 “The criminal justice system recognizes that eyewitness
testimony in general and eyewitness identification in particular play profoundly important
roles in the apprehension, prosecution, and adjudication of criminal offenders”. Porém, é
importante ressaltar que ele deixa claro a importância de observar que há uma abundante
possibilidade de erro se as sessões não forem desenvolvidas de maneiras a evitar dubiedade e
imprecisões.46
Ou seja, não se deve tirar a credibilidade do testemunho, mas se colocar sempre em
pauta a sua fragilidade, para que não se tenha julgamentos errôneos. A testemunha é muito
importante para que sejam preenchidas algumas lacunas do crime, para que se entenda o
contexto de como aconteceu, e é indispensável para a investigação, porém a sua forma de
obtenção e sua valoração, fragmenta o processo. Como aborda LILIAN STEIN47, o cenário se
agrava muito quando se tem em conta o grau de confiança que os operadores do sistema de
justiça ainda depositam indevidamente neste tipo de prova, o que faz com que, habitualmente,
lhe seja atribuído um alto valor provatório.
Alguns estudos apontam que há melhora na fidedignidade do reconhecimento, em
questão de a testemunha identificar o acusado, quando se é informada sobre alguns requisitos,
um que o suspeito pode ou não estar entre as pessoas a se identificar, que ela pode ficar
tranquila se não reconhecer nenhum deles por conta de ele poder estar ou não entre eles, e ser
ministrado por autoridades que nada tenham com o caso, ou que também não saibam quem é
o suspeito para que não seja sugestionado a vítima/testemunha.
43 [Provas testemunhais em foco]. Antônio Vieira: Reconhecimento de Pessoas [s. l.: s. n.], 2020. 1 vídeo (30
min 45s). Publicado pelo canal Instituto Baiano de Direito Processual Penal. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=PVowM74ATso. Acesso em: 01 out. 2020. 44 MOREIRA, Adilson. Racismo recreativo. São Paulo: Editora pólen. 2019. p.58. 45 CUTLER, Brian L.; PENROD, Steven D. Mistaken identification: the eyewitness, psychology, and the law.
United States, New York: Cambridge University Press, 1996. p. 6. 46 O sistema reconhece que as sessões de reconhecimento são consideradas importantes para a solução de
investigações, sendo a forma mais comum de testemunho em julgamentos criminais. 47 STEIN, Lilian Milnitsky et al. Falsas memórias: Fundamentos científicos e suas aplicações clinicas e
jurídicas. Porto Alegre: Artmed. 2010
14
4 VALORAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL
Por um lado, uma prova importante para investigação, por outro lado, tão frágil. Agora
revertemos isso para o nosso sistema do brasil, usando como exemplo dois dispositivos, o
civil e o penal, em uma prova testemunhal é quase refutada, em outro é prova pesada o
bastante para condenar. A diferença é o cargo que traz em cada uma, pois nela se tem a
liberdade de alguém. Como dizem várias obras, considera-se sempre como mal menor a
absolvição de um culpável, que a condenação de um inocente48. Porém acompanhamos todos
os dias outra realidade.
Em uma das pesquisas sobre a valoração da prova, Vitor de Paula49 compara os
dispositivos de outras matérias, como o código civil onde fala que a prova testemunhal não é
o bastante se não corroborada com outros tipos de prova, mostrando um julgado onde traz que
a prova é muito frágil, que para condenar precisa de uma prova mais robusta, ex: Prova de
danos materiais em acidente de trânsito, prova testemunhal refutada. Principalmente se
acompanha isso nas decisões onde se tem um alto valor, onde o juiz descarta só o testemunho
por receber como prova frágil para que o réu seja condenado a pagar um valor tão alto. Mas
então porque no civil a prova testemunhal é refutada e no penal é supervalorada, se ambas são
usadas no processo para o mesmo fim, o que vale mais em ambos dispositivos, o dano
material ou o imaterial? Não deve se colocar em cheque que em um dos casos o destino de
uma pessoa que está em jogo?
Um dos maiores problemas é a credibilidade que se dá a testemunha, o juiz muitas
vezes não se abstém de dar suas impressões pessoais tanto do acusado quanto da testemunha,
isso porque historicamente a prova testemunhal possui forte acepção religiosa, e temos
influência disso em nossa sociedade, caindo inclusive sobre os julgadores, pois alguns
mantem a fé em quem jura diante de um suposto livro sagrado, falará só a verdade, ou que, os
mesmos não tem a motivação para mentir, presumindo que a testemunha seja dotada de
confiabilidade e inocência. Claro que, isso não quer dizer que elas não devam ter essa
confiabilidade, o fato é que, mesmo que elas tenham essas características, ainda sim, pode-se
cometer erros de reconhecimento, com o instituto das falsas memórias. 50
Então, a imediação do juiz no processo, muitas vezes contaminam tais provas, porque
além de fazer uma valoração sobre a credibilidade da pessoa, e colocar suas impressões
pessoas em frente, ainda acreditam que, se a testemunha mentir, pode-se demonstrar a mentira
de forma clara e precisa. Um exemplo é um julgado do TJ/RS onde o juiz fundamenta sua
decisão de forma totalmente pessoal, ele fala que uma pessoa sem desvios de personalidade,
nunca irá acusar desconhecido da prática de um delito, quando isto inocorreu(...)51
Não necessita ser jurista, e muitas vezes nem mesmo ser operador do direito, super
instruído, para saber que uma testemunha pode mentir deliberadamente ou porque se
equivocou na leitura do fato do mundo. O ser humano é fácil de ser enganado, pois, na nossa
48 CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um processo. São Paulo: Edijur. 2018. p. 59. 49 [PROVAS testemunhais em foco]. Vitor de Paula Ramos: A Prova Testemunhal [S. l.: s. n. ], 2020. 1 vídeo
(33min 04s). Publicado pelo canal Instituto Baiano de Direito Processual Penal. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=cbEbz9SlgWM&list=PLmH2Dq3NmFeGvd4fwfSXzPBKpE8FpeAEw&i
ndex=5. Acesso em: 08 out. 2020. 50 VASCONCELLOS, Marcos de. Provas testemunhais são frágeis, dizem criminalistas. Conjur, [s. l.], 6 ago.
2012. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2012-ago-06/provas-testemunhais-sao-frageis-condenacao-
dizem-criminalistas. Acesso em: 13 out. 2020. 51 BRASIL, Tribunal de Justiça. Estelionatos em continuação: crimes e co-autoria comprovados.TJ/RS.
Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/buscas/jurisprudencia/exibe_html.php. Acesso em: 05 set.2020.
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vida usamos o chamado presuntivismo52, termo usado para o que sempre presumimos, ou
seja, o que estamos acostumados no cotidiano.
É uma prova tão superficial, por conta de tudo que nela se há, por exemplo, o
acontecimento em si, se houver muita emoção, pouco se lembra de detalhes, a não ser que
esse detalhe seja totalmente fora do que se está habituado (um sotaque de uma região que não
seja a sua), também pode ser observada as condições, iluminação, se é noite, lugares abertos,
etc. Pouco se lembra de características físicas, se tiver detalhes específicos como arma, seu
foco será nela, como aborda AURY LOPES53 devido às restrições técnicas enfrentadas pela
polícia judiciária brasileira, a prova testemunhal termina por constituir o principal meio de
prova no nosso processo criminal, embasando a maioria das sentenças proferidas.
Mas, a fragilidade da prova material é menor do que a prova testemunhal porque
aquela independe da vontade humana. Enquanto na prova testemunhal somente o sujeito do
testemunho tem acesso ao objeto observado, é um conhecimento de primeira pessoa e aí
reside a sua fragilidade, na prova material todos os observadores têm acesso ao objeto
observado, é um conhecimento de terceira pessoa e aí reside a sua sustentabilidade54.
Também podemos apontar a fragilidade da prova testemunhal, tratando-se de
memória, pois temos interferência tanto interna quanto externa, aquilo que estamos
acostumados a ver, e estereotipar o crime, e informações que recebemos externamente, seja
com perguntas sugestivas ou acontecimentos após o crime. Pensamos em estereótipo do
criminoso, e o quanto isso é visível em relação ao reconhecimento testemunhal, e as
características que são dadas e as pessoas que são reconhecidas, e podemos colocar isso em
números, devido as estáticas de pessoas presas que foram reconhecidas.
Erros de reconhecimento testemunhal, onde se tem interferência da mídia e do
inquérito policial, temos tendência a formar um criminoso na nossa mente, a partir de
estereótipos adotados pelo que estamos habituados.
Com as palavras de VIEIRA55, ele usa o termo sobrevaloración epistemológica56 , para
identificar essa grande confiabilidade que se tem na prova em questões de condenação. Ele
continua com a premissa de que a prova de reconhecimento tem efeitos extremamente nocivos
aos objetivos institucionais do processo, produzindo uma certa atrofia das investigações, com
o frequente descarte de hipóteses alternativas, e o abandono de outras linhas de apuração que
poderiam levar a verificação de que pessoa diversa teria sido autora do crime.
Se deve pensar muito no nosso sistema processual penal, pois ele precisa de uma
reforma, precisa se encaixar na nossa CF/88, pois ele é anterior a ela, mesmo tendo
jurisprudências, súmulas, ainda assim ele está tendo pouco efeito positivo, pois existem
muitas lacunas, e falamos de ainda ter resquícios do processo inquisitório.
Deve-se um respeito aos princípios norteadores da CF que faz referência ao acusado,
sendo inadmissíveis provas obtidas por meios ilícitos, o direito de silêncio (nemu tenetur se
52 [PROVAS testemunhais em foco]. Vitor de Paula Ramos: A Prova Testemunhal [S. l.: s. n. ], 2020. 1 vídeo
(33min 04s). Publicado pelo canal Instituto Baiano de Direito Processual Penal. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=cbEbz9SlgWM&list=PLmH2Dq3NmFeGvd4fwfSXzPBKpE8FpeAEw&i
ndex=5. Acesso em: 08 out. 2020. 53 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva educação. 2019. 54 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva educação. 2019. 55 VIEIRA, Antonio. Riscos epistêmicos no reconhecimento de pessoas: contribuições a partir da neurociência e
da psicologia do testemunho. Boletim revista do instituto baiano de direito processual penal, Salvador, ano
2, n. 3, p. 13-16, jun. 2019. Disponível em: http://www.ibadpp.com.br/novo/wp
content/uploads/2019/08/TRINCHEIRA_JUNHO_WEB.pdf. Acesso em: 13 out. 2020. 56 GASCÓN ABELLÁN, 2013 apud VIEIRA, Antonio. Riscos epistêmicos no reconhecimento de pessoas:
contribuições a partir da neurociência e da psicologia do testemunho. Boletim revista do instituto baiano de
direito processual penal, Salvador, ano 2, n. 3, p. 13-16, jun. 2019. Disponível em:
http://www.ibadpp.com.br/novo/wpcontent/uploads/2019/08/TRINCHEIRA_JUNHO_WEB.pdf. Acesso em:
13 out. 2020.
16
detegere) e ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória, o que nos remete ao tratamento do acusado, e como as provas da defesa são
desvalorizadas no curso penal. Porque o nosso código de processo penal não possui uma
hierarquia de provas, não há uma valoração maior de uma prova, ou há apreciação maior da
outra. O juiz é livre para valorizar e apreciar quaisquer provas constantes nos autos, então é
livre essa convicção, claro devendo ser fundamentada, porém ainda não há no ordenamento
jurídico brasileiro regras específicas e pré-estabelecidas para valoração das provas.
Em casos de violência de gênero57 temos um viés da valoração da prova testemunhal,
sendo ela vítima/testemunha, um depoimento sem corroboração de provas contundentes são
rechaçadas, e muitas vezes até com DNA, vídeos, e conversas no WhatsApp, não são
valorados para uma condenação. Um exemplo cito o caso recente da Mariana Ferrer58, onde o
acusado fora absolvido pela justiça com a fundamentação de que as provas não eram o
bastante, tendo depoimento e vídeos da segurança do local. O abuso foi constatado por meio
de exames realizados na influenciadora, fora encontrado sêmen do empresário na calcinha de
Mariana, além da ruptura do hímen comprovada pelo exame, ou seja, tem testemunho, e
provas que corroboram com toda a narrativa da vítima.
O juiz entendeu pela falta de “provas contundentes nos autos a corroborar a versão
acusatória”, aceitando a versão de André Aranha, que passou de que nunca teve qualquer
contato físico com Mariana a admitir que teve, porém não tinha intenção e não sabia que ela
não estava bem. A professora JANAINA MATIDA59 tem um artigo bem esclarecedor sobre
isso, onde também defende sobre a valoração da prova testemunhal em questão da parte
acusatória, e sua diferença quando trata-se da defesa ou em casos de violência de gênero. Ou
seja, a palavra da mulher é calada mais de uma vez nesses casos, e ainda não vemos uma
melhora disso no judiciário apesar de ser um assunto colocado em pauta todos os dias.
O entendimento do STJ em mais de 114 acórdãos60, é de que a palavra da vítima é
suficiente para fundamentar a condenação em crimes de gênero, trazendo uma discussão em
torno do princípio da presunção da inocência, como se nesses casos, se esvaziasse tal
princípio, só que não se tem nenhuma norma revogando à presunção de inocência, ela ainda
está ali, só que inobservada. Então acaba que nesse caso, vive-se um paradoxo, pois se tem
uma maneira contraditória de tratar essas formas, pois os juízes falam que a palavra da vítima
é o bastante, quando a mesma chega em uma unidade policial é tratada sempre como
mentirosa, encontrando um ambiente inóspito. O que MATIDA61 traz é que não se deve
baixar o standard de prova, para que a palavra da vítima seja maior valorada, indo contra o
57 [Provas Testemunhais em Foco] Janaina Matida: O Valor Probatório da Palavra da Vítima[S. l.: s. n. ],
2020. 1 vídeo (22min 50s). Publicado pelo canal Instituto Baiano de Direito Processual Penal. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=LHu1DrvcRuk&list=PLmH2Dq3NmFeGvd4fwfSXzPBKpE8FpeAEw&in
dex=6. Acesso em: 10 set. 2020. 58 CASO Mariana Ferrer. Gaucha ZH, Porto Alegre, 10 set. 2020. Disponível em:
https://gauchazh.clicrbs.com.br/donna/gente/noticia/2020/09/caso-mariana-ferrer-acusado-de-estuprar-jovem-
em-boate-de-santa-catarina-e-absolvido-e-gera-revolta-na-internet-ckex32snz002q0161q1p08b41.html. Acesso
em: 10 set. 2020. 59 MATIDA, Janaina. O que deve significar o especial valor probatório da palavra da vítima nos crimes de
gênero. Coluna elas no front. Junho de 2019. IBADPP. pg 07/09. Disponível em: http://www.ibadpp.com.br/novo/wp-content/uploads/2019/08/TRINCHEIRA_JUNHO_WEB.pdf. Acesso em:
10 out.2020. 60 MATIDA, Janaina. O que deve significar o especial valor probatório da palavra da vítima nos crimes de
gênero. Coluna elas no front. Junho de 2019. IBADPP. pg 07/09 Disponível em:
http://www.ibadpp.com.br/novo/wp-content/uploads/2019/08/TRINCHEIRA_JUNHO_WEB.pdf . Acesso em:
10 out.2020. 61 [Provas Testemunhais em Foco] Janaina Matida: O Valor Probatório da Palavra da Vítima[S. l.: s. n. ],
2020. 1 vídeo (22min 50s). Publicado pelo canal Instituto Baiano de Direito Processual Penal. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=LHu1DrvcRuk&list=PLmH2Dq3NmFeGvd4fwfSXzPBKpE8FpeAEw&in
dex=6. Acesso em: 10 set. 2020
17
princípio da inocência, e sim que na fase pré-processual, para que sejam iniciados a
investigação, a palavra dela seja o bastante. Nota-se que de um lado se valoriza demais e de
outro menos, não havendo equilíbrio e desrespeitando princípios cruciais para o respeito de
um processo legal.
Cada vez temos uma realidade onde nos caminha para o diálogo entre as outras áreas
de conhecimento, se tem uma necessidade da contribuição de outras áreas, pois um dos
fenômenos estudados em relação a prova testemunhal são as falsas memórias, este que veio
pela psicologia, que trouxe inúmeras pesquisas, porque era algo que sequer era questionado
pelos juristas de antigamente. Atualmente consegue-se entender do que se trata e a fragilidade
da prova testemunhal. Nesse entendimento, BADARÓ62 confirma se o contexto jurídico
possui autoridade quando o que importa é a determinação do que seja o conteúdo normativo
de suas disposições (premissa maior), na mesma toada, não há razão para não se admitir, de
uma vez por todas, a necessidade de diálogo no que se refere à determinação dos fatos
(premissa menor) dos casos que provocam resposta jurisdicional e concluiu, que o isolamento
da prova como fenômeno exclusivamente jurídico perde lugar, pertinência, racionalidade no
momento em que transbordam tantas conquistas cognitivas resultantes dos esforços de
disciplinas como a psicologia experimental, a epistemologia do testemunho, e a neurociência.
4.1 PARTE PROBATÓRIA E TESTEMUNHAL DO CONTRADITÓRIO
Então todo esse apontamento, observa-se que por um lado a valoração da prova
testemunhal é prova quase que plena quando se trata da acusação, perdendo de imediato seu
valor quando se volta ao suspeito, ou seja, a prova testemunhal da defesa. O artigo 5º, LV da
CFB traz a paridade de armas, um embate da defesa e acusação na parte probatória com os
mesmos direitos e admissão de provas, e o julgador um mero espectador, dando o devido
valor em ambas as provas e estudando elas minuciosamente, bom, isso é o que deveria ser.
Tal artigo deixa bem claro que as provas produzidas pelas partes, devem possuir igual
valor, não devendo haver distinção entre elas, porque ambos podem relatar os fatos ocorridos.
Há um viés diferente quando trata-se da defesa, as provas testemunhais produzidas por ela,
não recebem a especial atenção, essa atenção que é assolada pelas provas da acusação, sejam
ambas originárias do inquérito policial ou não63. Há diversos motivos desse descrédito
tratando-se do relatado anteriormente, pois temos o fato social da criminalidade, o pré-
julgamento, o juiz parcial, juiz viciado pelas provas produzidas em sede inquisitória,
alienação midiática, misoginia e racismo.
CARNELUTTI64 em suas obras, trazia um pensamento sobre a forma probatória das
partes, dizendo que a dúvida se resolve em favor daquele a quem a existência do fato incerto
irrigaria prejuízo, ou seja, o prejuízo maior seria do acusado que seria privado de sua
liberdade sobre a incerteza de sua culpabilidade, se há dúvida, a acusação não tem provas o
bastante para que se dirima, e nisso CARNELUTTI65 conclui que os juízes formulam estes
princípios dizendo que a parte tem a carga de abastecer as provas dos fatos dos quais depende
o efeito jurídico que pede ao juiz que constitua ou certifique, se não as fornece, sua demanda
deve ser rechaçada.
62 VIEIRA, Antonio. Riscos epistêmicos no reconhecimento de pessoas: contribuições a partir da neurociência e
da psicologia do testemunho. Boletim revista do instituto baiano de direito processual penal, Salvador, ano
2, n. 3, p. 13-16, jun. 2019. Disponível em: http://www.ibadpp.com.br/novo/wp
content/uploads/2019/08/TRINCHEIRA_JUNHO_WEB.pdf. Acesso em: 13 out. 2020. 63 GARBIN, Aphonso Vinicius. A desvalorização da prova testemunhal da defesa no processo penal. Canal
Ciências Criminais, [S. l.]. 25 set.2015. Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/a-
desvalorizacao-da-prova-testemunhal-da-defesa-no-processo-penal/. Acesso em: 07 set. 2020 64 CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um processo. São Paulo: Edijur, 2018. p. 59. 65 CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um processo. São Paulo: Edijur,2018. p. 59.
18
O que complica mais o judiciário, é suas apreciações direcionadas, onde um lado
desde o princípio possui maior valoração, como se a busca da verdade dependesse de a parte
da acusação precisar de mais “ajuda” ou fosse mais “vulnerável”, se tem toda uma comoção
compreensível nos casos penais, só que isso não deveria chegar ao julgador, com respeito ao
devido processo legal. Pois de princípio a testemunha da acusação já se tem uma presunção de
veracidade66, salvo prova em contrário, não entrando em questão a falha da memória, por ser
extremamente frágil, e apesar de existir inúmeros estudos, ainda não se tem nenhuma forma
concreta de detectar mentiras. Indo então ao viés da testemunha de defesa, totalmente
desacreditada, devido muitas vezes ao contexto social em que vive, e os estereótipos impostos
pela sociedade já falados anteriormente.
5 MEMÓRIA E FATO
A memória é um fenômeno biológico67 fundamental e complexo, pois apesar de ser
estudado por diversas áreas como a psicologia, neurologia, psiquiatria, genética,
neuroanatomia, também pela filosofia, história e muitas outras, contudo, continua sendo um
dos grandes enigmas da natureza. E para o processo, ela atinge um certo grau de relevância,
por que através dessa atividade recognitiva, faz-se uma retrospectiva ao passado68, podendo
aproximar-se do que pode realmente ter acontecido no crime.
O começo das pesquisas em relação a memória humana, eram direcionados as suas
potencialidades de recordação e reconhecimento de forma correta, porque os erros que eram
detectados no processo mnemônico, eram considerados como resultado de falhas no
procedimento experimental, estando centrado nos erros de omissão, ou seja, quando a pessoa
esquecia de um fato importante, e não do erro de comissão, quando a pessoa tinha uma
recordação distorcida dos fatos ocorridos ou lembrava de situações que nunca ocorreram.69 Se
tinha uma reluta até então de entender esse erro de comissão, porque a memória era muito
valiosa, e encarar um processo de que a memória poderia ser falsa, somente com provas
contundentes para refutar, porque as pessoas afirmam que tem certeza, e é extremamente
difícil ir contra esse entendimento que há muito tempo está envolto do painel judiciário com
uma intensa proteção. Então a assunção de que uma determinada memória pode ser falsa é um
processo encarado com relutância e aceite apenas perante evidências irrefutáveis70.
O envolto desse problema em relação as memorias, é que se tem uma ilusão de que ela
funciona como um filme ou arquivo de fotos, onde em algum lugar na nossa mente fica
guardado um arquivo com todas as informações ocorridas no dia, todos os rostos, detalhes,
visões panorâmicas de onde estivemos etc., e que é possível acessar a qualquer momento,
principalmente quando algo importante acontece e temos que relembrar um fato. Alguma vez
na história, foi pensado dessa maneira, que a memória ganhou contexto central nos processos,
impossível de ser refutada, se a pessoa lembra desse fato, ele ocorreu mesmo, era afirmado.
66 [PROVAS testemunhais em foco]. Vitor de Paula Ramos: A Prova Testemunhal [S. l.: s. n. ], 2020. 1 vídeo
(33min 04s). Publicado pelo canal Instituto Baiano de Direito Processual Penal. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=cbEbz9SlgWM&list=PLmH2Dq3NmFeGvd4fwfSXzPBKpE8FpeAEw&i
ndex=5. Acesso em: 08 out. 2020. 67 ÁVILA, Gustavo Noronha. Falsas memórias e sistema penal: a prova testemunhal em xeque. Rio de Janeiro:
LUMEN JURIS.2013. 68 DI GESU, Cristina. Prova testemunhal e falsas memórias. 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências
Criminais) – Pontífice Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. p.106. 69 OLIVEIRA, Helena Mendes et al. O Estudo das Falsas Memórias: Reflexão Histórica. Trends Psychol.
vol.26 no.4 Ribeirão Preto oct./dec. 2018. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v26n4/v26n4a03.pdf. Acesso em: out.2020. 70 OLIVEIRA, Helena Mendes et al. O Estudo das Falsas Memórias: Reflexão Histórica. Trends Psychol.
vol.26 no.4 Ribeirão Preto oct./dec. 2018. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v26n4/v26n4a03.pdf. Acesso em: out.2020.
19
BECCARIA71 em sua obra do século XVIII, deixou claro a única maneira de descaracterizar
um testemunho naquela época, dizia ele: “é por motivos frívolos e absurdos que as leis não
admitem em testemunho nem as mulheres, por causa da sua fraqueza, nem os condenados,
porque estes morreram civilmente, nem as pessoas com nota de infâmia, porque, em todos
esses casos, uma testemunha pode dizer a verdade quando não tem interesse algum de
mentir.”
Então até pouco tempo, era pensado exatamente dessa forma, e infelizmente, temos
ainda no judiciário, profissionais que endossam essa forma de agir com o testemunho de
antigamente, desqualificando testemunhas quando se tem algumas das características acima, e
valorando aqueles conhecidos por não ter intenção de mentir72, como temos julgados com tal
fundamentação. Como cita LOFTUS73 em sua palestra, só porque a pessoa alega com certeza,
com confiança, riqueza de detalhes e com emoção que aquilo é verdade, não quer dizer fato
fidedigno, “memory like liberty is a fragile thing”74.
A memória age de uma maneira diferente da que pensamos, ela é potencializada por
sentidos quando estimulada, o que chega até nós, sendo através deles. Então a realidade
exterior não está na nossa mente como exatamente vimos ou ouvimos, porque ela é recebida
por cada um dos sentidos, e interpretada de nossa maneira. Por isso muitas vezes, em uma
roda de amigos, por exemplo, ouvimos um deles contar uma história de algum lugar que
também estivemos, e alguns fatos relatados são estranhos para nós, ou interpretados de forma
superelevada ou com menos elevação, isso porque, a forma como recebemos difere, ou seja, a
história contada nunca será 100% de forma igual.
Isso decorre da impossibilidade de armazenarmos tudo o que vemos e ouvimos em um
dia, acrescido do fato de que vivemos em uma sociedade hiperacelerada, com milhares de
estímulos visuais e informativos diários, que fazem com que a velocidade dos fatos não
permita que eles se fixem na memória75.
DI GESU76 diz que deve-se ter uma alerta maior para a problemática em questão, pois
devido a tais estudos, a lembrança da testemunha acerca do fato delituoso não é capaz de
reconstituí-lo da mesma forma como ocorreu na realidade, o estudo da percepção, do mesmo
modo, seja pelo viés filosófico, antropológico ou psicológico, justifica, outrossim, a tese da
impossibilidade de reconstrução do todo. Com isso, temos um panorama de como a memória
funciona, ou seja, a percepção é relativa, tendo potencialidade maior ou menor conforme o
momento, como por exemplo, se estou cansado, ou já em alerta, se está noite ou dia, chuvoso
ou sol, etc.
O esquecimento também é fisiológico77, pois ele se adapta na nossa mente de forma
como se enquadra em importância, por exemplo, já citei aqui o foco na arma, pois então,
como centramos o nosso foco em um objeto que nos causa mais tensão e alerta, acabamos nos
esquecendo de outros detalhes, que por mais que sejam perceptíveis aos olhos, os nossos
71 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. São Paulo: Edipro. 2015. p. 34. 72 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp: 1216354 SP 2010/0192954-8 (Sexta Turma).
Relator: Ministra Marilza Maynard. Data de Julgamento: 27/03/2014, T6. Brasília, DF, 14 abr. 2014. 73 [Até onde pode-se confiar na memória]. Elisabeth Loftus: Falsas memórias [S. l.: s. n. ], 2013. 1 vídeo
(17min 24s). Publicado pelo canal TED Global. Disponível em: https://www.ted.com/talks/elizabeth_loftus_how_reliable_is_your_memory?language=pt-br. Acesso em: 07
set. 2020. 74 A memória, assim como a liberdade, é algo frágil. 75 LOPES JR., Aury. Você confia na sua memória? Infelizmente, o processo penal depende dela. CONJUR. Set.
2014. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2014-set-19/limite-penal-voce-confia-memoria-processo-
penal-depende-dela>. Acesso em: 29 set.2020. 76 DI GESU, Cristina. Prova testemunhal e falsas memórias. 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências
Criminais) – Pontífice Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. p. 107-108. 77 STEIN, Lilian Milnitsky et al. Falsas memórias: Fundamentos científicos e suas aplicações clinicas e
jurídicas. Porto Alegre: Artmed. 2010.
20
sentidos não estão voltados se não para a arma. Também não se deve esquecer o fator tempo,
que é um dos intensificadores do esquecimento, quanto mais tempo passa do acontecido,
ficamos sujeitos tanto ao esquecimento quanto as falsas memórias, pois quando perguntados
sobre algum assunto importante, tem-se a tendência de preencher lacunas, e essas lacunas
podem ser preenchidas com falsas memórias. Nesse ponto, ressalta-se a importância da
colheita de prova oral em um prazo razoável, a fim de evitar uma passagem de tempo que
acabe como extinguir a lembrança ou infamá-la com algum vicio.
5.1 FALSAS MEMÓRIAS
Podemos olhar para o passado, e nos lembrarmos de acontecimentos diários que nunca
aconteceram, ou o modo de nossa percepção de alguma história difere com ao do seu amigo
em relação a essa mesma história, o que acontece quando temos muitos episódios similares
estocados na memória é que acabamos nos lembrando do que todos eles têm em comum, mas
a lembrança é fraca sobre os detalhes do episódio em particular, e isso nos deixa com muitas
lacunas, encaixa-se também a rotina, o que se presume, e as informações que recebemos de
forma externa e como a interpretamos. Nossas lembranças são feitas de pedaços do passado, é
por isso que duas pessoas podem acabar com lembranças diferentes do mesmo acontecimento,
essas recordações do que nunca aconteceu, ou de distorções de memória, são chamadas de
Falsas Memórias.
O estudo das falsas memórias obteve um grande avanço nos últimos tempos, em
virtude de acontecimentos fatídicos no judiciário na década de 80/90, em relação a
testemunhos de crianças, mais aproximadamente com o CASO MCARTIN78, onde começou a
se ter uma preocupação com os erros em testemunhos e os excessos do judiciário e mídia em
torno deste. Esse caso é comparado com o CASO ESCOLA BASE79 que ocorreu aqui no
Brasil, onde também pessoas foram acusadas por um grupo de pais, em casos de abuso, com
grande repercussão midiática, erros no inquérito, e principalmente na investigação.
Então começou essa preocupação extrema porque pacientes faziam terapia por conta
de algum problema80, talvez por depressão ou um transtorno alimentar e saia da terapia com
um problema diferente, memorias extremas de brutalidades horríveis, até mesmo em rituais
satânicos, as vezes envolvia elementos bizarros e incomuns, pessoas saindo da terapia e
lembrando de ter suportado anos de abusos ritualísticos em que tinha sido forçada a
engravidar e após teve o bebê arrancado de sua barriga, quando claramente, não se tinha
nenhum vestígio de que aquilo havia ocorrido, ou algo que corroborasse com seu relato.
Importante ressaltar que já vinha sendo estudado desde o final do século XIX e início
do século XX, pesquisas realizadas na maioria por países europeus, trazendo os termos falsas
memórias espontâneas e sugeridas. Os estudos começaram com os primeiros experimentos
demonstrando a ilusão ou falsificação da lembrança em crianças, feito por BINET em 1900 na
78 TORTAMANO, Caio. De rituais satânicos a abuso de menores: o bizarro julgamento da pré-escola mcmartin.
A História, [ S. l.], 18 ago. 2020. Disponível em:
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/de-rituais-satanicos-abuso-de-menores-o-bizarro-
julgamento-da-pre-escola-mcmartin.phtml. Acesso em: 13 out. 2020. 79 BARROS, Gabriela de. Como o caso Escola Base enterrou socialmente os envolvidos. Canal Ciências
Criminais, [ S. l.], 2018. Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/caso-escola-base/. Acesso em:
25 out. 2020. 80 [Até onde pode-se confiar na memória]. Elisabeth Loftus: Falsas memórias [S. l.: s. n. ], 2013. 1 vídeo
(17min 24s). Publicado pelo canal TED Global. Disponível em:
https://www.ted.com/talks/elizabeth_loftus_how_reliable_is_your_memory?language=pt-br. Acesso em: 07
set. 2020.
21
França e com STERN em 1910 na Alemanha, e BARTLETT começou a investigar isso em
adultos81.
Apesar de o tema ser estudado algum tempo, ainda sim, havia uma reluta por conta de
deslegitimar aquilo que a pessoa estava contando, não presumindo sempre sua veracidade,
porém, não é sobre isso o estudo, o interesse não é “ descobrir mentiras”, até porque, não se
tem como distinguir com certeza as memórias reais das falsas memórias, ou seja, não há o que
se falar em mentira quando trata-se desse assunto, por que no caso em questão, a pessoa não
sabe se aquilo realmente aconteceu ou não, por isso o nome, falsas memórias.
LOFTUS82 já tinha adentrado esse mundo, estudando a memória a décadas, e se
aprofundando nesse fenômeno das falsas memórias, divulgado pesquisas desde 1970,
trazendo para o judiciário a preocupação para com esse tema, que até então somente era
abordado por outras áreas. Ela explica que as pessoas têm uma falsa ilusão de que a memória
funciona como um gravador, que você simplesmente grava a informação, e depois acessa e
reproduz quando quer responder perguntas ou identificar imagens, o que não condiz com a
realidade, pois as nossas memórias são construtivas e reconstrutivas, funciona quase como
uma página do Wikipédia, onde você pode visita-la e modifica-la, mas outras pessoas também
podem.
Esses estudos feitos por ELISABETH LOFTUS83 começaram a se aprofundar no
instituto das FM porque seguidamente ela se deparava com questionamentos em relação a
como alguém poderia se lembrar de algo que não aconteceu. O caso que ela pegou e se
deparou com esse tema, foi o de STEVE TITUS84, condenado por estupro com base em prova
testemunhal, onde ele fora reconhecido pela vítima por meio de foto, onde a mesma dizia que
ele seria o que mais se “aproximava” do suspeito. Ele fora condenado e preso, e com
desconfiança no judiciário, decidiu recorrer a um jornalista que investigou o seu caso e
descobriu o verdadeiro culpado, que após um tempo se entregou e confessou o crime,
colocando em liberdade Titus. O que fez LOFTUS aprofundar-se no caso, foi a vítima
confirmar, com certeza, na audiência que era ele o criminoso. Ela se questionou de como uma
pessoa passa do “esse é o que mais se parece” para “tenho absoluta certeza que é esse o cara”.
As falsas memórias não são mentiras ou fantasias das pessoas, elas são semelhantes às
memórias verdadeiras, tanto no que tange a sua base cognitiva quanto neurofisiológica85, elas
somente se diferenciam pelo fato das falsas memórias serem compostas no todo ou em parte
por lembranças de informações ou eventos que não ocorreram na realidade, sendo frutos do
funcionamento normal da nossa memória. As falsas memórias basicamente é quando pessoas
se lembram de coisas que não aconteceram, ou quando a lembrança contém detalhes que não
correspondem à realidade, e por isso, que se diferenciam da mentira, essencialmente, porque,
nas primeiras, o agente crê honestamente no que está relatando pois, a sugestão é externa, ou
interna mas inconsciente, chegando a sofrer com isso.86 Então elas funcionam de uma forma
81 DI GESU, Cristina. Prova testemunhal e falsas memórias. 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências
Criminais) – Pontífice Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. pg. 107/108. 2008. 82 [Até onde pode-se confiar na memória]. Elisabeth Loftus: Falsas memórias [S. l.: s. n. ], 2013. 1 vídeo
(17min 24s). Publicado pelo canal TED Global. Disponível em:
https://www.ted.com/talks/elizabeth_loftus_how_reliable_is_your_memory?language=pt-br. Acesso em: 07 set. 2020.
83 [Até onde pode-se confiar na memória]. Elisabeth Loftus: Falsas memórias [S. l.: s. n. ], 2013. 1 vídeo
(17min 24s). Publicado pelo canal TED Global. Disponível em:
https://www.ted.com/talks/elizabeth_loftus_how_reliable_is_your_memory?language=pt-br. Acesso em: 07
set. 2020. 84 HENDERSON, Paul. Looking back at Titus case. The seattle times, [ S. l.], 1981. Disponível em:
https://special.seattletimes.com/o/news/local/tituscase/lookingback.html. Acesso em: 25 out. 2020. 85 STEIN, Lilian Milnitsky et al. Falsas memórias: Fundamentos científicos e suas aplicações clinicas e
jurídicas. Porto Alegre: Artmed. 2010. 86 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p.479.
22
que, falsas recordações são construídas combinando-se recordações verdadeiras com o
conteúdo das sugestões recebidas de outros e durante o processo, os indivíduos podem
esquecer a fonte da informação.87 Os estudos levaram a conclusão que a memória pode sofrer
distorções, tanto fruto de processos internos quanto externos, dando origem as Falsas
memórias sugeridas e espontâneas.88
STEIN89 explica as FM sugeridas como um advento da sugestão de falsa informação
externa ao sujeito, ocorrendo devido à aceitação de uma falsa informação posterior ao evento
ocorrido, podendo se dar tanto de forma acidental como deliberada, um exemplo seria os
testes feitos por LOFTUS90 em adultos, plantando uma falsa memória de que eles haviam se
perdido dos seus pais em um shopping quando tinham entre 5 e 6 anos, e após isso, esses
adultos incorporaram essa falsa informação na sua memória e recordam o fato como se
houvesse acontecido. No caso da sugestão acidental, ela pode acontecer no caso, se você é
testemunha ou vítima de um crime, e após o acontecido, tem acesso as informações da mídia
ou até de outras pessoas comentando o caso, ou algumas testemunhas falarem que viu algo
que você aparentemente não viu acontecer, são muitas as chances de essa falsa informação
incorporar na sua memória, ocorrendo sua aceitação, e assim, fazer parte do seu relato, algo
que você se quer viu, mas acredita que sim.
As FM espontâneas91 são aquelas resultantes de distorções endógenas, ou seja,
internas ao sujeito, sendo denominadas também de auto sugeridas, elas ocorrem quando a
lembrança é alterada internamente, fruto do próprio funcionamento da memória, sem
interferência de uma fonte externa. STEIN explica que uma inferência ou interpretação pode
passar a ser lembrada como parte da informação que era original e assim, comprometendo a
fidedignidade do que é recuperado, citando um exemplo de uma lembrança de sua colega que
tinha certeza de ter trazido seus óculos de grau presos no cordão do pescoço, e que lembrava
vividamente ter ajeitado os óculos no cordão, quando saia do carro para chegar na
universidade, ela não conseguia achar os óculos, e após não achar, ela comprou óculos novos,
alguns dias depois, outro professor achou os óculos em uma sala que ela tinha tido reunião
uns dias atrás. Ou seja, ela lembrou falsamente dessa recordação, como se fosse naquele dia,
pois é algo que está constante na sua rotina, sendo uma outra distorção endógena comum
quando se é recordado de uma informação que se refere a um determinado evento que
pertence a outro, quando você lembra que alguém lhe contou uma história sobre um
determinado assunto, mas na verdade você leu em algum lugar ou viu na tv.
Para ficar mais claro o modo como nossa memória pode lembrar-se de algo ou
associar imagens, é um caso que traz DI GESSU92 um exemplo de legitima defesa putativa,
onde se imagina que aquela pessoa em situação hostil tenha retirado do paletó um instrumento
brilhante, que a suposta vítima acreditou ser uma navalha, inclusive, descrevendo-a nos
mínimos detalhes e ocasionando uma reação por parte desta, quando na verdade, tratava-se de
uma caneta. O objeto que fora observado na mão do suspeito era uma coisa imprecisa,
87 LOFTUS, Elisabeth F. Criando Memórias Falsas. University of Washington. Ateus. [S. l.]. Disponível em:
http://ateus.net/artigos/miscelanea/criando-memorias-falsas/. Acesso em: 10 out.2020. 88 STEIN, Lilian Milnitsky et al. Falsas memórias: Fundamentos científicos e suas aplicações clinicas e
jurídicas. Porto Alegre: Artmed. 2010. p.25. 89 STEIN, Lilian Milnitsky et al. Falsas memórias: Fundamentos científicos e suas aplicações clinicas e
jurídicas. Porto Alegre: Artmed. 2010. p.26. 90 [Até onde pode-se confiar na memória]. Elisabeth Loftus: Falsas memórias [S. l.: s. n. ], 2013. 1 vídeo (17min
24s). Publicado pelo canal TED Global. Disponível em:
https://www.ted.com/talks/elizabeth_loftus_how_reliable_is_your_memory?language=pt-br. Acesso em: 07
set. 2020. 91 STEIN, Lilian Milnitsky et al. Falsas memórias: Fundamentos científicos e suas aplicações clinicas e
jurídicas. Porto Alegre: Artmed. 2010. p.26. 92DI GESU, Cristina. Prova testemunhal e falsas memórias. 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências
Criminais) – Pontífice Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. p.106.
23
contudo, a associação da percepção com as imagens anteriores o fez acreditar ser o objeto
brilhoso uma arma branca.
Há partes diferentes do cérebro para processar a informação pessoal, uma informação
auditiva, informação emocional, então o que temos é uma combinação de grupos separados de
neurônios trabalhando juntos como as diferentes partes da memória, elas são conectadas no
cérebro em uma estrutura chamada hipocampo, que deve ajudar a uni-las93. Para significar,
pode-se pensar em todas aquelas bolhas de neurônios como bexigas diferentes flutuando,
então imagine que o hipocampo pega todos os fios dessas bexigas e dá o nome a eles você só
precisa puxar esse nó e todos os balões necessários desce e você está efetivamente lidando
com a lembrança que viveu em algum lugar do passado, mas é um pouco mais complicado
que isso.
Apesar do que muitos acham, a intenção desses estudos não é desvalorizar a sua
memória ou lembranças, ou dar impressão de que todas as memórias são falsas, ainda que
nossas memórias sejam passiveis de ser distorcidas, há uma gama de lembranças que retratam
fielmente fatos realmente ocorridos94. O intuito é a percepção de que um relato, mesmo
apresentando traços de fidedignidade, pode conter falhas, e se basear somente em
testemunhos sem prova que corrobore tais acontecimentos, induz o caso a erro, colocando
pessoas inocentes atrás das grades.
5.2 A PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA COMO DESAFIO PARA O PROCESSO PENAL
Com estudos em várias áreas do conhecimento, ainda não se tem algo concreto que
consiga preservar a memória, pois como vimos no capítulo anterior, não é assim que ela
funciona. A memória possui gatilhos, quando se depara com algo já conhecido, ou algo que já
fez, já viu, já leu, se tem, que quando é ativado esse gatilho, pode-se reconhecer som, cheiros,
sabor, sensações, e mesmo assim, a memória do momento que você viu aquilo pela primeira
vez não é completa.
A memória de objetos, coisas, e pessoas, vem com características que nos diferem ou
nos prendem a atenção, porem reconstituir todos os detalhes e formas daquilo que aconteceu e
está na sua memória é quase impossível95. Pois, um exemplo, estou pela primeira vez nessa
praia, areia branca, sol quente, mar limpo e azul, compro um sorvete, nunca comi sorvete
igual, a sensação está ali, logo após um tempo você irá em algum outro lugar, vai pedir um
sorvete, e não será do mesmo jeito, e você irá comentar com seus amigos, o lugar onde você
comeu o sorvete, você lembrara da sensação, e alguns detalhes somente, porem você lembrara
do rosto de quem lhe vendeu?
As pessoas trabalham sua memória todo o tempo, não de uma maneira proposital, mas
como as informações não ficam do jeito que se imagina (como um arquivo podendo ser
acessado a qualquer momento de qualquer forma, para que se tenha uma informação de algo
que nos perguntam, para acessar nossas memórias) tentamos recuperar algo, para que possa
ser possível relatar coisas, objetos, pessoas e fatos.
93 [Falsas Memórias]. Elisabeth Loftus, Ken Norman: Falsas memórias [S. l.: s. n. ], 28 jan.2016. 1 vídeo (29min
10s). Publicado pelo canal Psyche Videos. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ao0TVODH_iE. Acesso em: 20 out. 2020. 94 STEIN, Lilian Milnitsky [et al.]. Falsas memórias: Fundamentos científicos e suas aplicações clinicas e
jurídicas. Porto Alegre: Artmed. 2010. p.37. 95 ÁVILA, Gustavo Noronha. Falsas memórias e sistema penal: a prova testemunhal em xeque. Rio de Janeiro:
Lumen juris.2013.
24
PRADO e CALDAS96 traz que o testemunho e o reconhecimento, nada mais é que um
teste de recuperação da memória, e que o processo de memorização, por sua vez, passa por
três etapas: codificação, armazenamento e recuperação. Para um melhor entendimento desses
três fatores, elas trouxeram a visão de BADDELEY97 que a codificação é a transformação do
fato vivenciado em uma forma que possa ser retida pelo nosso cérebro, já o armazenamento é
a etapa de retenção da informação codificada, estando a memória armazenada sujeita a perdas
e distorções em razão do que ocorreu após a codificação e armazenamento e por fim, a
recuperação que é processo de busca da memória que foi armazenada após sua codificação.
O estudo sobre a memória é exatamente esse, mesmo vindo os questionamentos de,
como lembro daquilo que li para prova, e como lembro exatamente como montar esses quebra
cabeças, isso acontece por que não é uma lembrança ou uma ação motorizada, e sim, algo que
você aprendeu. Isso não acontece em um crime, pois você está sobre tensão, as coisas
acontecem de maneira rápida, e se tiver com emprego de arma, a situação se agrava. A
facilidade de reconhecimento se dá somente se é algo que você já conhece, ou então detalhes
que você possa se aproximar do suspeito, como sotaque distinto da região que aconteceu o
crime, nacionalidade e etc. e ainda sim, deve-se prevenir o falso positivo, pois, se tiver a
questão raça, e classe social, as chances de erros são nitidamente maiores.
Ao longo do tempo, outras áreas do conhecimento trouxeram contribuições para um
entendimento sobre a memória, e o testemunho, sabendo que as formas como são conduzidas,
pode mudar totalmente o resultado. A entrevista com a testemunha/vítima, é um dos pontos
chaves para se reconstruir o fato, e a entrevista cognitiva é um avanço nessa coleta de provas,
onde se é pensado em como reconstruir os fatos de forma mais verídica possível, sem aquele
anseio em cima da testemunha para apontar um acusado. A psicóloga e professora LILIAN
STEIN98, traz em seu livro uma técnica de entrevista cognitiva, onde é composta por cinco
etapas sucessivas, o primeiro momento é transformar o ambiente da entrevista em acolhedor,
receptivo, sendo chamado de construção do Rapport, buscando desenvolver uma atmosfera
favorável, para que a testemunha consiga relatar minuciosamente o evento vivido.
Em um segundo momento, O entrevistador dá orientações explícitas, para
reelaboração do contexto original, onde o evento ocorreu, utilizando todos os sentidos
possíveis (visuais, auditivos, táteis, olfativos e gustativos). Quanto maior o número de
sentidos, maior será a chance de fornecer pistas significativas à sua memória. Também utilizar
das pausas, para que facilite na reconstrução do contexto original uma vez que elas fornecem
mais tempo para o entrevistado acessar as informações sobre o evento99. A narrativa livre
também afasta a entrevista sugestiva, deixando livre para o entrevistado recordar dos fatos,
sem pressão com liberdade para contar, da sua maneira, todas as informações que puder
acessar na memória, sem interrupções. A penúltima fase é a do questionamento, na qual o
entrevistador fará perguntas baseadas nas informações trazidas no relato livre100. E por último
o fechamento da entrevista, onde será fornecido o resumo das informações obtidas, e
eventuais amenidades voltarão a ser conversadas até a despedida.
96 CALDAS, Fernanda Furtado. PRADO, Alessandra Mascarenhas. A presunção de veracidade dos testemunhos
prestados por policiais: inversão do ônus da prova e violação ao princípio da presunção da inocência. Revista
Brasileira de Ciências Criminais. v. 166, p. 85-127. abr.2020. 97 BADDELEY et al, 2011 apud BRASIL. Ministério da Justiça; IPEA. In: STEIN, Lilian (coord.). Avanços
científicos em psicologia do testemunho aplicados ao reconhecimento pessoal e aos depoimentos forenses.
Brasília, DF: IPEA, 2015. 98 STEIN, Lilian Milnitsky [et al.]. Falsas memórias: Fundamentos científicos e suas aplicações clinicas e
jurídicas. Porto Alegre: Artmed. 2010. p. 210. 99 ÁVILA, Gustavo Noronha de. Falsas memórias e sistema penal: A prova testemunhal em xeque. Rio de
Janeiro. EDITORA LUMEN JURIS. 2013. p. 141. 100 ÁVILA, Gustavo Noronha de. Falsas memórias e sistema penal: A prova testemunhal em xeque. Rio de
Janeiro. EDITORA LUMEN JURIS. 2013. p. 142.
25
Nesse sentido CARNELUTTI101 traz que é exatamente por que as provas são um
modo de ser de homens e de coisas e esse modo de ser está sujeito a continua mutação, uma
das precauções em matéria de provas é sua apreensão o mais rápido possível. Pois a única
forma eficaz de preservação é a coleta de provas de imediato, para que se aproxime com mais
clareza dos fatos, o entrevistador deve estar instruído para conduzir as sessões tanto de
reconhecimento quanto depoimento, para que a vítima/testemunha se sinta à vontade no
ambiente, e sem sugestões, seja informado para ela que o suspeito pode não estar entre os
acusados, pode se sentir confortável em dizer que não sabe quem é o suspeito102, e que ela não
é obrigada a fazer o reconhecimento. É de extrema importância que se tenha todas essas
informações claras para testemunha/vítima para que ela não se sinta na obrigação de
reconhecer algum deles, e que não se tenha os famosos feedbacks feito por alguns
profissionais, o que se caminha para uma prova contaminada. Por isso, DORA
CAVALCANTI103 apresentou uma defesa contundente em um processo que atuou como
amicus curie pelo Innocence Project Brasil, ela fala que o reconhecimento feito de forma
frágil não deve, isoladamente, à míngua de outras provas de corroboração independentes,
servir para lastrear uma sentença condenatória.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho tem como fulcro demonstrar como a falta de procedimentos
cerceados pela lei, e de profissionais capacitados para a coleta de provas, faz com que o
processo decaia, e com que condenações sejam feitas de formas pouco fundamentadas, e com
base em apenas provas impalpáveis.
Existem casos de confissões, reconhecimentos, e condenações, desacreditadas
posteriormente, e reconhecidas como erros jurídicos, sendo porque foram coagidas, ou então
tiradas do contexto ou naturalmente induzidas. Se uma pessoa inocente é capaz de confessar
um crime que não cometeu, o que sobrará para testemunhas e vítimas em uma sessão de
reconhecimento ou entrevistas? São casos reais, que acompanhamos inclusive, tanto pela tv,
quanto cinema ou plataformas de streaming, onde testemunhas e vítimas, autores do crime,
investigadores e juízes, faltam com a verdade, com o respeito ao contraditório e a
Constituição e acabam cometendo erros inimagináveis no judiciário.
Quando o sujeito confessa, tem por pressuposto que é o autor do crime, que este está
falando a verdade, nunca admitiria algo que não fez, as versões do fato podem não bater com
o que realmente aconteceu, mas se ele confessou é culpado. Isso muda, quando o suspeito não
se declara culpado, se presume que ele está mentindo, que nunca iria admitir algo que fez, e
que todos sabem que está mentindo. E o núcleo do problema é o desinteresse pelas outras
provas, que podem ou não corroborar com o testemunho ou a confissão, e como já fora
abordado antes, dependendo do caso. Não se pode simplesmente abandonar as outras provas,
e os fatos que as rodeiam somente porque temos uma confissão ou um testemunho forte.
Incontáveis as vezes que a investigação é abandonada após conseguir uma confissão ou um
reconhecimento, são esquecidas provas contundentes para corroborar com o
101 CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um processo. São Paulo: Edijur, 2018. p. 52. 102 CRIMINAL PLAYER. Reconhecimento de pessoas no processo penal: William Cecconello. Alexandre
Morais. [ S.l.]. 23 jul.2020. Podcast. Disponível em:
https://open.spotify.com/episode/3ZspWSf8vUJ0FonocHQoqW?si=dAsaT2vxTSa7NeFlU9iUWg. Acesso em
14 set.2020. 103 CAVALCANTI, Dora. Reconhecimento por foto não basta para condenação, decide STJ.MIGALHAS. 27
out.2020. Disponível em: https://migalhas.uol.com.br/quentes/335558/reconhecimento-por-foto-nao-basta-
para-condenacao--decide-stj. Acesso em: 08 nov.2020.
26
testemunho/confissão, sendo não só culpa da parte pré-processual, quanto processual, isso
porque no momento que essas provas são aceitas para culminar uma condenação, legitima
esses tipos de ações. A defesa sofre, pois mesmo se esforçando para juntar provas ou não
admitir provas que foram coletadas ilegalmente durante o inquérito, está na maioria das vezes
em desvantagem, principalmente se quem defende está dentro do estereótipo do criminoso
criado pela sociedade.
Um exemplo é o caso dos Cinco do Central Park, uma clara violação dos direitos
humanos e da constituição, contabilizada com o racismo que fortemente habitava o seio de
Nova York nos anos 80. A acusação dos cinco réus restantes no caso de estupro e agressão
foi baseada principalmente nas confissões que eles fizeram após interrogatórios policiais.
Nenhum teve suporte jurídico durante esses interrogatórios. Dentro de semanas, cada um
deles retirou essas confissões, declarou-se inocente e recusaram acordos com as acusações de
estupro e agressão.
Nenhum dos DNA’s dos suspeitos correspondia ao DNA coletado na cena do crime:
duas amostras de sêmen que pertenciam a um homem não identificado. Nenhuma evidência
física substantiva ligou nenhum dos cinco adolescentes à cena do estupro, mas cada um foi
condenado em 1990 por agressão e outras acusações. Mesmo todos tendo acesso as gravações
das confissões, sendo observado inúmeros excessos e formas arbitrárias e criminosas para se
ter uma confissão por parte dos meninos.
Eles receberam sentenças que variaram de 10 a 15 anos. Em 2001, Matias Reyes, um
assassino condenado e estuprador em série que cumpria pena de prisão perpétua, confessou às
autoridades que havia estuprado a atleta. Seu DNA combinava com o encontrado na cena, e
ele forneceu outras evidências confirmatórias, e afirmou que cometeu o estupro sozinho. O
tribunal renunciou suas condenações em 2002, e o estado retirou todas as acusações contra os
cinco homens. O caso foi retratado em 2019, como minissérie na plataforma de streaming
Netflix chamada When They See Us – Olhos que Condenam. Além dos excessos na hora de
obter depoimentos das vítimas/testemunhas, e nas confissões, adentramos o julgamento, onde
acompanhamos em diversos casos, o promotor tirar coisas do fundo do baú para tirar a
credibilidade do suspeito, e até mesmo das testemunhas de defesa, para que seja contraditada
suas falas e defesas. Então temos um julgador que supervaloriza a prova testemunhal e a
confissão em alguns casos, sem pedir corroboração das provas.
Um dos motivos que podem fazer com que a pessoa confesse sem ao menos ser autor
do crime, é a pressão e as mentiras na hora do interrogatório, sugestionando que o suspeito já
está condenado, e que é pior se ele não confessar. Este efeito foi demonstrado em um estudo
de SAUL M. KASSIN e seus colegas da Williams College que investigaram as reações de
indivíduos acusados falsamente de danificar um computador apertando a tecla errada. Os
participantes inocentes inicialmente negaram a acusação, mas quando uma pessoa associada
ao experimento disse que havia visto eles executarem a ação, muitos participantes assinaram
uma confissão, absorveram a culpa pelo ato e continuaram a confabular detalhes que fossem
consistentes com aquela convicção. Estas descobertas mostram que uma falsa evidência
incriminante pode induzir as pessoas a aceitarem a culpa por um crime que não cometeram e
até mesmo a desenvolver recordações para apoiar os seus sentimentos de culpa. Os juízes
acreditam na polícia, vêm do mesmo sistema, sendo ex promotores, ou sempre foram juízes, a
defesa se torna defasada no processo, mesmo indo atrás de novas provas, trazendo
testemunhas e corroborando com os fatos, ainda sim, perto das provas que a acusação traz,
mesmo sendo mínimas, estará sempre atrás.
Pensamos em como poderia ser resolvido todos esses encalços, não se tem um método
100% eficaz ainda, porque o direito corre como podemos chamar de carreira solo, quase
sempre ignorando o quanto outras áreas contribuem para com nossas matérias, um exemplo é
a Psicologia, que fez inúmeros testes sobre a memória, e falsas memórias, trazendo essa
27
inconstância que seria o testemunho, algo que ainda se ignora pelo nosso judiciário que
continua usando métodos ineficazes, tendo inúmeros livros, teses e artigos em nossas mãos
sobre tal tema, onde fica claro, que o Direito precisa conversar com outras áreas. Nesse
sentido, se é obrigado a fazer uma releitura da interpretação dos nossos dispositivos que
tratam dessa matéria. Como diz DESCARTES “Se você for uma pessoa que busca realmente
a verdade, é necessário que ao menos uma vez na vida duvide de todas as coisas da maneira
mais profunda possível.”.
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