a propriedade, a posse, e os efeitos da funÇÃo...

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ ANA CRISTINA KUSS CASTANHEIRA A PROPRIEDADE, A POSSE, E OS EFEITOS DA FUNÇÃO SOCIAL CURITIBA 2014

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

ANA CRISTINA KUSS CASTANHEIRA

A PROPRIEDADE, A POSSE, E OS EFEITOS DA FUNÇÃO SOCIAL

CURITIBA

2014

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ANA CRISTINA KUSS CASTANHEIRA

A PROPRIEDADE, A POSSE, E OS EFEITOS DA FUNÇÃO SOCIAL

Trabalho de Monografia apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Clayton Reis

CURITIBA

2014

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TERMO DE APROVAÇÃO

ANA CRISTINA KUSS CASTANHEIRA

A PROPRIEDADE, A POSSE, E OS EFEITOS DA FUNÇÃO SOCIAL

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de Bacharel no Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, _____ de _____________________ de 2014.

Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

_____________________________________ Orientador: Prof. Dr. Clayton Reis _____________________________________

Prof. _____________________________________

Prof.

___________________________________ Professor Doutor Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografias

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RESUMO

Direito real é o complexo das normas reguladoras das relações jurídicas referente às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem. O conceito de posse considera possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. O conceito de propriedade abrange uma visão do homem sobre mundo, e também uma ideologia. Função Social, no direito, serve para exprimir a finalidade de um modelo jurídico, algo que precisa ser cumprido por determinada ordem jurídica. O presente estudo teve como objetivo definir a importância de um conceito correto de posse seja para a contraposição ante o direito de propriedade, quando evidenciado o mau uso, seja para garantir direitos inerentes à condição humana. Como o direito pode estabelecer uma nova forma se sociedade com os conceitos de posse e propriedade e suas implicações com a função social. Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica contextualizando toda a história dos direitos reais, conceitos e teorias de posse, natureza jurídica da posse, noções históricas acerca da propriedade, função social da propriedade, restrições ao direito de propriedade e função social da posse. Conclui-se assim a imensa importância de não confundir a função social que o direito à propriedade deve englobar com a política social que o governo deve desenvolver para amenizar as desigualdades sociais existentes no País. Assim, estarão preservados os institutos do direito à propriedade e da soberania como assegurados pela Constituição Federal brasileira de 1988. Palavras-chave: Propriedade. Posse. Efeitos da função social.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 07

CAPÍTULO 1 - AS TEORIAS DA PROPRIEDADE E DA POSSE ............................. 09

1.1 Conceito, Caracteres Fundamentais, e Classificação dos Direitos Reais ........... 09

1.2 Noções Históricas do Direito Real ....................................................................... 12

1.3 Conceito e Teorias da Posse .............................................................................. 13

1.4 A Natureza Jurídica da Posse ............................................................................. 18

1.5 Noções Históricas acerca da Propriedade .......................................................... 21

CAPÍTULO 2 - A PROPRIEDADE COMO PORTADORA DE FUNÇÃO SOCIAL ..... 24

2.1 A Função Social da Propriedade ......................................................................... 24

2.2 Restrições ao Direito de Propriedade .................................................................. 32

2.2.1 Cláusula de Inalienabilidade ............................................................................. 33

2.2.2 Cláusula de Incomunicabilidade ....................................................................... 35

2.2.3 Cláusula de Impenhorabilidade ........................................................................ 35

2.2.4 Súmulas e Leis de Convergência de Restrições Voluntárias ........................... 36

2.2.5 Bens de Domínio Público ................................................................................. 36

CAPÍTULO 3 - A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE E SUA MAIOR IMPORTÂNCIA

ANTE A PROPRIEDADE .......................................................................................... 39

3.1 A Importância da Propriedade no Contexto Social .............................................. 39

3.2 O Estatuto da Cidade, em Face da Função Social da Propriedade .................... 39

3.3 O Uso da Posse na Função Social da Propriedade ............................................ 41

3.4 A Importância da Função Social da Propriedade em Face dos Tribunais ........... 43

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 55

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 57

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INTRODUÇÃO

Atualmente, é de imensa relevância o conhecimento dos conceitos,

características e implicações legais da propriedade, da posse, bem como de sua

função social.

Sendo a propriedade a matriz dos direitos reais, a diversidade de

concepções em torno do aludido instituto pode ser compreendida por meio de um

escorço histórico, analisando-se a sua evolução através dos tempos e das fases

mais importantes que contribuíram para a sua feição atual. Na história do direito não

existe um conceito único de propriedade. Pode-se afirmar que a configuração do

instituto da propriedade recebe direta e profundamente influência dos regimes

políticos em cujos sistemas jurídicos é concebida.

Este trabalho foi orientado com base no tema da propriedade e a posse

como institutos jurídicos e as implicações da Função Social como limite

constitucional. Delimitando a propriedade e a posse como institutos jurídicos

podendo ser consideradas como um fato ou como um direito, levantamento das

teorias existentes e as implicações da Função Social como limite constitucional

estabelecido no nosso ordenamento jurídico.

O presente tema foi escolhido, pois a propriedade apresenta função social

delimitada constitucionalmente e pode-se considerar que também a posse deve

obediência ao limitador constitucional? Como se delimita o interesse individual e o

interesse coletivo?

Justificando-se pelo fato de que no nosso país de extensão continental

precisamos de políticas sociais, de distribuição de terras para o aperfeiçoamento da

utilização da propriedade e do instituto da posse, para garantir o plantio, o trabalho e

a moradia e o desenvolvimento no campo, como busca de uma diminuição das

desigualdades sociais, contudo observa-se que o modelo econômico de nossa

sociedade, que tem como pedra basilar a propriedade privada, e onde princípios

como livre mercado e concorrência, livre contrato e do estado liberal imperam.

Evidencia-se cada vez mais a importância de se ter um conceito correto

de posse introduzido em qualquer sociedade. Seja para a contraposição ante o

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direito de propriedade, quando evidenciado o mau uso, seja para garantir direitos

inerentes à condição humana.

Enquanto na propriedade a função social é um mero limitador ao modo de

uso; na posse, a função social deve também funcionar como tal.

Desta forma, o objetivo geral deste estudo foi definir a importância de um

conceito correto de posse seja para a contraposição ante o direito de propriedade,

quando evidenciado o mau uso, seja para garantir direitos inerentes à condição

humana. Como o direito pode estabelecer uma nova forma de sociedade com os

conceitos de posse e propriedade e suas implicações com a função social.

Como objetivos específicos, têm-se:

Avaliar os conceitos de posse e propriedade, conforme doutrina

dominadora;

Examinar bibliografia sobre Direito Civil e Agrário; e

Conflitos existentes sobre o tema.

Visando atingir os objetivos propostos, este estudo está pautado em

pesquisa bibliográfica, sendo classificada como qualitativa – exploratória.

O presente estudo classificou-se como uma pesquisa qualitativa, que

segundo Diehl, e Tatim (2004, p.52),

Caracteriza-se por poder descrever a complexidade de determinado problema e a interação de certas variáveis, compreender e classificar os processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de dado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento de particularidades do comportamento do indivíduo.

O presente estudo, segundo os autores acima citados, é uma pesquisa do

tipo exploratória, pois tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o

problema, e, freqüentemente envolve levantamento bibliográfico e estudos de caso.

Assim, a pesquisa se classifica como pesquisa bibliográfica - sendo que o

presente estudo iniciou-se desta forma - e foi construído com base em materiais já

elaborados, em sua maioria livros e legislação específica.

De acordo com Gil (2002, p. 45), ―a principal vantagem da pesquisa

bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de

fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente.‖

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CAPÍTULO 1 - AS TEORIAS DA PROPRIEDADE E DA POSSE

1.1 Conceito, Caracteres Fundamentais, e Classificação dos Direitos Reais

No Livro III do Código Civil de 2002, os direitos reais são entitulados de

―Direito das Coisas‖, bem como no Código Civil de 1916, porém utiliza-se mais

frequentemente, de acordo com o batismo de Savigny.

Segundo Gonçalves (2012, p. 12),

na concepção clássica o direito real consiste no poder jurídico, direto e imediato, do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra todos. No pólo passivo incluem-se os membros da coletividade, pois todos devem abster-se de qualquer atitude que possa turbar o direito do titular. No instante em que alguém viola esse dever, o sujeito passivo, que era indeterminado, torna-se determinado.

Porém, de acordo com Farias e Rosenvald (2012), no ordenamento

jurídico brasileiro, o direito real nunca se definiu por nenhuma titularidade com

sentido dicionarizado. Alguns autores definem:

Para Coelho e Sampaio era o seguinte: ―por Direitos Reaes entendemos

todos os direitos, faculdades, possessões, que pertencem ao summo imperante, e

como tal, e como representante da sociedade.‖ (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p.

31)

Já Clóvis Beviláqua apud Farias e Rosenvald (2012) conceitua os direitos

reais como ―o complexo das normas reguladoras das relações jurídicas referente às

coisas suscetíveis de apropriação pelo homem.‖ (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p.

31)

De acordo com Farias e Rosenvald (2012), é necessário que os direitos

reais ultrapassem a noção de coisas corpóreas. Pois, o direito das coisas regula o

poder do homem sobre bens suscetíveis de valor e a regulação da economia.

Visando realizar clara distinção entre os direitos reais e os direitos

pessoais, alguns autores listam alguns traços característicos dos direitos reais.

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Segundo Lisboa (2012), as características fundamentais dos direitos reais

são 5:

a incidência direta e imediata do titular sobre a coisa, sob todos os

seus aspectos (domínio) ou em apenas alguns (direito real

desmembrado de domínio);

a defesa dos direitos reais, por ações e pelo exercício do direito,

com exclusividade e em oponibilidade erga omnes;

a inexistência de superposição de direitos colidentes;

o objeto dos direitos reais é ordinariamente uma coisa corpórea,

seja ela móvel ou imóvel;

o poder que o titular exerce sobre a coisa independe de prestação

do sujeito passivo da relação, que é a coletividade em geral,

considerando-se que não há violação contra os direitos do titular da

coisa enquanto subsistir realizada a prestação de não fazer, ou

seja, somente se poderá falar em ofensa ao direito real quando

houver uma conduta comissiva nesse sentido.

Para Gonçalves (2012, p. 14-15) os principais caracteres do direito real

são: segundo as normas de natureza cogente, de ordem pública.

Quanto ao modo do seu exercício caracteriza-se pela efetivação direta,

sem a intervenção de qualquer parte. Nessas condições, o direito real de

propriedade é exercido direta e imediatamente pelo titular, sem necessidade de

qualquer intermédio. (GONÇALVES, 2012)

Gomes apud Gonçalves (2012, p. 15) cita outros cinco caracteres

distintivos do direito real:

a) o objeto do direito real há de ser, necessariamente, uma coisa determinada, enquanto a prestação do devedor, objeto da obrigação que contraiu, pode ter por objeto coisa genérica, bastando que seja determinável; b) a violação de um direito real consiste sempre num fato positivo, o que não se verifica sempre com o direito pessoal; c) o direito real concede ao titular um gozo permanente porque tende à perpetuidade, ao passo que o direito pessoal é eminentemente transitório, pois se extingue no momento em que a obrigação correlata é cumprida; d) somente os direitos reais podem ser adquiridos por usucapião; e) o direito real só encontra um sujeito passivo concreto no momento em que é violado, pois, enquanto não há violação, dirige-se contra todos, em geral, e contra ninguém, em particular, enquanto o direito pessoal dirige-se, desde o seu nascimento, contra uma pessoa determinada, e somente contra ela. (Grifo do autor)

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Já segundo Farias e Rosenvald (2012), os principais caracteres dos

direitos reais são o absolutismo, seqüela, preferência, e a taxatividade,

o absolutismo é o traço básico no qual a dogmática sempre se apegou para apartar os direitos reais dos direitos obrigacionais, tradicionalmente marcados pela relatividade. Os direitos reais são excludentes, pois todos se encontram vinculados a não perturbar o exercício do direito real – jura excludendi omnis alios. De fato, nas obrigações não há poder jurídico sobre um objeto oponível a toda a coletividade. Pelo contrário, somente surge uma faculdade jurídica de um credor exigir uma atuação positiva ou negativa do devedor, pautada em um comportamento. Tal atuação só poderá ser reclamada relativamente ao sujeito passivo da relação, não atingindo imediatamente terceiros estranhos ao vínculo. Se eventualmente, um terceiro intervir ilicitamente em um negócio jurídico, induzindo a relação obrigacional ao inadimplemento, a sua responsabilidade perante o credor será extracontratual. (FARIAS, ROSENVALD, 2012, p. 34)

De acordo com Farias e Rosenvald (2012), o atributo da seqüela é a mais

eloqüente manifestação da evidente situação de submissão do bem ao titular do

direito real. Isto decorre do fato de não existir relação jurídica entre a pessoa e a

coisa. O atributo da seqüela decorre do absolutismo dos direitos reais, pois exigi-se

de todos o dever de abstenção da coisa, deve-se retirar o bem daquele que viola tal

comando.

A característica da preferência, presente predominantemente nos direitos

reais de garantia, ―consiste no privilégio do titular do direito real em obter o

pagamento de um débito com o valor do bem aplicado exclusivamente à sua

satisfação.‖ (FARIAS, ROSENVALD, 2012, p. 39)

Desta forma, havendo mais de um credor a coisa dada em garantia é

subtraída da execução coletiva, tendo o credor real preferência sobre os demais.

A taxatividade segundo Farias e Rosenvald (2012, p. 41-42),

destinando-se a operar contra toda a coletividade, não pode qualquer direito rela ser reconhecido juridicamente se não houver prévia norma que sobre ele o faça previsão. Portanto, inseridos em regime de ordem pública, os direitos reais são numerus clausus, de enumeração taxativa, localizados no rol pormenorizado do art. 1.225 do Cógigo Civil e em leis especiais diversas.

Ainda segundo os mesmos autores, vale ressaltar que os direitos reais

são considerados abertos, pois há um espaço no qual a autonomia privada pode se

manifestar, desde que não exista a criação de figuras atípicas não previstas na

legislação pertinente.

Farias e Rosenvald (2012) discorrem também sobre a classificação dos

direitos reais, onde compartimentam-se os mesmos em três grupos: direitos reais de

gozo e fruição, direitos reais de garantia, e direitos reais de aquisição.

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Onde, por direito real de gozo e fruição estão o usufruto, servidão, uso e

habitação; nos direitos reais de garantia, penhor, hipoteca e anticrese; e nos direitos

reais de aquisição a promessa de compra e venda.

1.2 Noções Históricas do Direito Real

O direito real constitui o ramo do direito mais influenciado pelo direito

romano. Sendo que coube a este estabelecer a estrutura de propriedade.

Segundo Gonçalves (2012, p. 9),

o direito civil moderno edificou-se, com efeito, em matéria de propriedade, sobre as bases do aludido direito, que sofreu, todavia, importantes modificações no sistema feudal. A concepção da propriedade foi marcada, inicialmente, pelo aspecto nitidamente individualista. O sistema feudal, produto do enfraquecimento das raças conquistadas, introduziu no regime da propriedade do direito romano, no entanto, profundas alterações, ―consequências naturais da necessidade de apoiar no solo a dominação dos senhores sobre as míseras populações escravizadas‖.

O que iniciou o estabelecimento de concepções de propriedade neste

período foi a constante dualidade de sujeitos, porém a disponibilidade real do bem

sempre recaía aquele que detinha o poder político. Permanecendo assim durante

todo o período do feudalismo.

Com o advento da Revolução Francesa instalou-se nos sistemas

jurídicos, uma noção de propriedade não somente semelhante, mas com

características fiéis à tradição romana e aos princípios individualistas. A liberdade

preconizada servia a burguesia, proporcionando desta forma segurança aos novos

proprietários desta classe. Para tanto, era considerado legítimo até mesmo o abuso

do direito de propriedade pelo proprietário. (GONÇALVES, 2012)

Com o passar do tempo, porém esta concepção egoísta e individualista

foi-se modificando, dando enfoque, mais frequentemente, à função social da

propriedade, onde o Estado deve reconhecer a propriedade e defendê-la em função

do bem comum, como se observa no art. 182, parágrafo 2º da Constituição Federal

de 1988. A partir do século XX a socialização imperou e o predomínio do interesse

público sobre o privado foi proclamado. (GONÇALVES, 2012)

De acordo com o código civil de 2002, art. 1.228, parágrafo 1,

o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de

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conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas

O código de Minas (Dec. N. 24.642, de 10-7-1934) e o Código de Águas

(Dec. N. 24.643, de 10-7-1934), bem como as legislações posteriores e as

Constituições Federais de 1969 e 1988 dispõe sobre o referido assunto.

Ainda de acordo com Gonçalves (2012, p. 10-11),

o exercício do direito de propriedade tem tido seu perfil modificado principalmente nas zonas mais densas, que são as urbanas. As modificações nesse campo visam a tornar possível a coexistência de um sem-número de proprietários em áreas relativamente pouco extensas, e, mais, acomodar o exercício de seus respectivos direitos à idéia da função que devem exercer. Nessa senda, o Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257, de 10-7-2001) prevê e disciplina a usucapião coletiva, de inegável alcance social, de áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia por cinco anos, onde não for possível identificar os terrenos ocupados individualmente. Não bastasse, o Código Civil de 2002 criou uma nova espécie de desapropriação, determinada pelo Poder Judiciário na hipótese de ―o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante‖ (art. 1.228, § 4º). Nesse caso, ―o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário‖ (§ 5º). Trata-se de inovação de elevado alcance, inspirada no sentido social do direito de propriedade e também no novo conceito de posse, qualificada como posse-trabalho. Em poucas linhas se procurou, assim, dar uma rápida visão da feição atual do direito de propriedade e um panorama geral do direito das coisas na legislação brasileira. (Grifo do autor)

1.3 Conceito e Teorias da Posse

O conceito de posse remonta aos textos romanos que formularam o

nosso direito pré-codificado, o Código Civil de 1916 e o Código civil de 2002, bem

como as teorias estudadas.

O conceito de posse, no direito positivo brasileiro, indiretamente nos é

dado pelo art. 1.196 do Código Civil, ao considerar possuidor ―todo aquele que tem

de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade‖.

O art. 1.198 do mesmo diploma proclama: ―Considera-se detentor aquele

que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em

nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas‖.

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Complementa o quadro o art. 1.208, prescrevendo: ―Não induzem posse

os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição

os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a

clandestinidade‖.

Para Gonçalves (2012, p. 35),

o conceito de posse resulta da conjugação dos três dispositivos legais mencionados. O art. 485 do Código Civil de 1916, ao definir o possuidor, aludia aos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade. O vocábulo domínio tem caráter restritivo, pois é usado somente em relação às coisas corpóreas. Já a palavra propriedade abrange também as incorpóreas, podendo ser considerada como campo dos direitos sobre o patrimônio. Como a posse não se limita às corporales res, podendo o seu objeto consistir em qualquer bem, o Código Civil de 2002 suprimiu a expressão ―ao domínio‖, que a doutrina considerava ociosa, sem afastar do âmbito da posse qualquer espécie de bem.

A Teoria Subjetiva ou clássica de Savigny foi criada em 1803 quando

Friedrich Karl Von Savigny tinha apenas 24 anos. Em sua concepção, ―a posse seria

o poder que a pessoa tem de dispor materialmente de uma coisa, com intenção de

tê-la para si e defendê-la contra a intervenção de outrem. (FARIAS E ROSENVALD,

2012, p. 60)

Segundo Lisboa (2012, p. 50), ―para Savigny, direito subjetivo é o poder

de atuação da vontade de uma pessoa decorrente da autorização que lhe é

conferida pela vontade geral, traduzida por meio do ordenamento jurídico.‖

Assim, a posse é considerada um fator regulador no direito subjetivo,

manifestado pelo poder atuação da vontade, conforme norma jurídica emanada da

vontade popular. (LISBOA, 2012)

Dessa teoria retiramos um conceito de corpus e animus: Corpus: é o

elemento material que se traduz no poder físico sobre a coisa ou na mera

possibilidade de exercer esse contato. É à disposição do destino do objeto. Já

o Animus consiste na intenção de exercer sobre a coisa o direito de propriedade. As

duas trabalham em conjunto. Nessa teoria, para haver uma posse relevante para o

direito, deve haver a parte material e a parte subjetiva. Segurar um objeto, sem

ânimo de posse é meramente detenção. Ter a intenção, mas não ter o objeto é

apenas vontade. (FARIAS E ROSENVALD, 2012)

Assim, a posse só se configura pela união de corpus e animus; a posse é

o poder imediato de dispor fisicamente do bem, defendendo-a contra agressões de

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terceiros, a mera detenção não possibilita invocar interditos possessórios, devido

ausência de animus.

Critica-se na teoria subjetiva, a exacerbação do papel da autonomia da vontade pela incondicionada ligação de posse ao animus domini. Segundo Savigny, refletindo o ideário liberal e individualista vigente na época, a pessoa era o indivíduo abstrato que ocupava um dos pólos da relação jurídica, possuindo autodeterminação nas relações econômicas. Esta visão restrita e unitarista camufla o ser humano concreto, capaz de manifestar em uma pluralidade de relações possessórias, nas quais não releva o exame do animus domini, mas sim a proteção à moradia, ao trabalho e a defesa incondicional dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana. (FARIAS E ROSENVALD, 2012, p. 61)

O grande mérito de Savigny, ao criar esta teoria, foi o de dar autonomia a

posse, por explicar que o use de bens adquire relevância jurídica fora do contexto de

propriedade privada.

Essa teoria foi de grande importância e influenciou profundamente nosso

ordenamento, mas não é a teoria que acabou prevalecendo. Ela tem um problema

fundamental: a necessidade de caracterização do animus (que é difícil e altamente

subjetivo). Além disso, retira do conceito de possuidor pessoas como o locatário,

comodatário, depositário (já que eles não têm animus de dono).

Pois, segundo Gonçalves (2012, p 28-29),

os dois citados elementos são indispensáveis, pois, se faltar o corpus, inexiste posse, e, se faltar o animus, não existe posse, mas mera detenção. A teoria se diz subjetiva em razão deste último elemento. Para Savigny adquire-se a posse quando, ao elemento material (poder físico sobre a coisa), vem juntar-se o elemento espiritual, anímico (intenção de tê-la como sua). Não constituem relações possessórias, portanto, na aludida teoria, ―aquelas em que a pessoa tem a coisa em seu poder, ainda que juridicamente fundada (como na locação, no comodato, no penhor etc.), por lhe faltar a intenção de tê-la como dono (animus domini), o que dificulta sobremodo a defesa da situação jurídica‖. Nesse ponto a aludida teoria não encontrou sustentáculo. [...] Savigny procurou uma solução tangencial, criando uma terceira categoria além da posse e da mera detenção, a que denominou posse derivada, reconhecida na transferência dos direitos possessórios, e não do direito de propriedade, e aplicável ao credor pignoratício, ao precarista e ao depositário de coisa litigiosa, para que pudessem conservar a coisa que lhes fora confiada. Assim, ―contrariando a própria tese, isto é, admitindo a posse sem a intenção de dono, Savigny mostrou a fragilidade de seu pensamento, embora tenha procurado fazer a distinção entre o ânimo exigido para a posse e o ânimo do proprietário propriamente dito. No primeiro caso, o ânimo é mais que representação (animus repraesentandi). No outro, o arrendatário, o locatário e o usufrutuário estariam representando o arrendante, o locador ou o nu-proprietário, situação, no entanto, diferente daquela que a realidade apresenta‖. Tanto o conceito do corpus como o do animus sofreram mutações na própria teoria subjetiva. O primeiro, inicialmente considerado simples contato físico com a coisa (é, por exemplo, a situação daquele que mora na casa ou conduz o seu automóvel), posteriormente passou a consistir na mera possibilidade de exercer esse contato, tendo sempre a coisa à sua disposição. Assim, não o perde o dono do veículo que entrou no

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cinema e o deixou no estacionamento. Também a noção de animus evoluiu para abranger não apenas o domínio, senão também os direitos reais, sustentando-se ainda a possibilidade de posse sobre coisas incorpóreas.

De acordo com Lisboa (2012, p. 50), ―a teoria voluntarista do direito

subjetivo fixa-se, portanto, na idéia de poder. Somente se torna possível fazer algo

que se quer realizar se a norma jurídica o autorizar.‖

Ainda de acordo com Lisboa (2012), para Sauvigny a posse não deve ser

considerada apenas como a utilização física de uma coisa, mas um uso decorrente

de um poder jurídico conferido pela lei à pessoa.

Portanto, uma nova teoria precisava surgir: a Teoria Objetiva de Ihering.

Segundo Lisboa (2012, p. 50), ―Ihering afirmou que o direito subjetivo não

é à vontade ou o seu poder de atuação, mas sim o interesse que o ordenamento

jurídico protege. O direito subjetivo seria, resumidamente, na sua visão, o interesse

juridicamente protegido.‖

A teoria de Rudolf Von Ihering é por ele próprio denominada objetiva porque não empresta à intenção, ao animus, a importância que lhe confere a teoria subjetiva. Considera-o como já incluído no corpus e dá ênfase, na posse, ao seu caráter de exteriorização da propriedade. Para que a posse exista, basta o elemento objetivo, pois ela se revela na maneira como o proprietário age em face da coisa. (GONÇALVES, 2012, p. 29)

Ele sustenta que esse elemento está ínsito no poder de fato exercido

sobre a coisa ou bem. Essa teoria dispensa investigações subjetivas da intenção de

dono. Isso foi importante, pois através dela começamos a poder considerar

possuidores locatários, comodatários, depositários.

―A teoria objetiva afirma que a detenção seria a posse sem interditos,

enquanto a posse poderia ser defendida por meio dos interditos.‖ (LISBOA, 2012, p.

52)

Devido a isso, o fenômeno da detenção é desconsiderado juridicamente,

e deve ser entendido que apenas em casos excepcionais previstos em lei é que se

torna possível a defesa da posse por aquele que não a tem. (LISBOA, 2012)

Para Ihering, portanto, a posse não é o poder físico, e sim a exteriorização da propriedade. Indague-se, diz o aludido jurista, como o proprietário costuma proceder com as suas coisas, e saber-se-á quando se deve admitir ou contestar a posse. Protege-se a posse, aduz, não certamente para dar ao possuidor a elevada satisfação de ter o poder físico sobre a coisa, mas para tornar possível o uso econômico da mesma em relação às suas necessidades. Partindo-se disto, tudo se torna claro. Não se guardam em móveis, em casa, os materiais de construção, não se depositam em pleno campo dinheiro, objetos preciosos etc. Cada qual sabe o que fazer com

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estas coisas, segundo a sua diversidade, e este aspecto normal da relação do proprietário com a coisa constitui a posse. (GONÇALVES, 2012, p. 30)

Essa teoria também trouxe a análise da finalidade econômica do bem e

isso foi importante. Com ela podemos identificar com mais clareza que é proprietário

e quem é possuidor, já que o proprietário é aquele que pode usar ele mesmo do

destino econômico do bem (utilização imediata ou real), ou então, cedê-lo, onerosa

(locação, venda ou permuta) ou gratuitamente (comodato, doação). (FARIAS e

ROSENVALD, 2012)

Para Ihering ―o interesse jurídico movimenta a vontade. È o interesse da

realização da destinação econômica da propriedade que justifica a proteção à

posse. A posse só se converte em direito, por base no direito superior de

propriedade.‖ (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 64)

Assim, para essa escola: a posse é condição de fato da utilização

econômica da propriedade, o direito de possuir faz parte do conteúdo do direito de

propriedade, a posse é meio de proteção do domínio, e a posse é uma rota que

conduz à propriedade, reconhecendo, assim, a posse como um direito.

Segundo Lisboa (2012, p. 52), ‖a vantagem da teoria objetiva é a de se

permitir a tutela da posse através dos interditos, deixando-se de lado:

primeiramente, a discussão acerca da detenção; e, ainda, a questão da existência

ou não do ânimo de ter a coisa como proprietário.‖

A lei brasileira adotou essa escola. De acordo com o Código Civil, art.

1.196, ―Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou

não, de algum dos poderes inerentes à propriedade‖. Podemos entender assim que

se considera possuidor todo aquele que tem poder fático de ingerência

socioeconômica, absoluto ou relativo, direto ou indireto, sobre determinado bem da

vida, que se manifesta através do exercício ou possibilidade de exercício inerente à

propriedade ou outro direito real suscetível de posse.

O conceito de posse também deve ser encontrado em conjunto com

esses dois seguintes artigos:

Código Civil, art. 1.198, ―Considera-se detentor aquele que, achando-se

em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em

cumprimento de ordens ou instruções suas.‖

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Código Civil, art. 1.208, ―Não induzem posse os atos de mera permissão

ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou

clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.‖

Assim, pode-se afirmar que para haver posse (excluindo-se a detenção,

permissão e tolerância): sujeito capaz (natural ou jurídica), objeto (corpórea ou

incorpórea), uma relação de dominação entre o sujeito e o objeto, um ter da coisa

por parte do sujeito.

1.4 A Natureza Jurídica da Posse

Apesar de não se debater muito sobre a natureza jurídica da propriedade,

visto que esta é um direito real, o mesmo não pode ser dito sobre a posse.

Segundo Gonçalves (2012, p. 43),

é profunda e antiga a divergência sobre a natureza jurídica da posse. Cumpre defini-la e extremá-la, no entanto, não apenas em razão do interesse teórico-dogmático que desperta no âmbito do direito civil, senão também em consequência dos efeitos que gera no campo do direito processual.

Para Farias e Rosenvald (2012, p. 67),

a natureza da posse é uma das mais discutidas controvérsias que cercam a matéria, pela própria dificuldade em se abordar a posse de forma analítica. Compreender a sua natureza significa entender se a posse é protegida pelo ordenamento por seu próprio significado, ou como uma extensão da tutela da propriedade, ou mesmo, da necessidade do sistema evitar qualquer forma de violência e proteger a personalidade do ser humano.

O primeiro caminho a trilhar no conhecimento da natureza jurídica da

posse, é a indagação sobre a posse ser um fato ou um direito. Em algumas

passagens do Corpus Iuris Civilis têm-se a idéia de direito subjetivo da posse, em

outras se encontra a afirmação que a posse não é somente um fato, mas também

um direito, e ainda há a caracterização exclusiva como fato, sendo negada

expressamente a natureza do direito. (GONÇALVES, 2012, p. 43)

Após a passagem de muitos séculos e a continuidade desta discussão, a

doutrina é dividida em três correntes.

De acordo com Fiuza (1999, p. 368) na primeira corrente,

[...] posse é estado de fato, é situação fática, caracterizada pelo fato de um bem se achar submetido á vontade de uma pessoa (animus), agindo esta com aparência de dono em relação àquele (corpus). Dessa situação,

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surgiriam direitos e deveres para o possuidor. Estes direitos e deveres são efeitos da posse, estado de fato.

Gonçalves (2012) ressalta que para Ihering a posse é um direito, que

consiste em um interesse juridicamente protegido, constituindo condição de

econômica utilização da propriedade e por este fato deve ser protegida pelo direito.

Possui também relação jurídica, tendo por causa determinante um fato.

Ainda de acordo com o autor, segundo a teoria objetiva, a posse é um

direito subjetivo. Pois o autor desta teoria ―via na posse um interesse juridicamente

protegido. Em sua opinião, posse é direito do titular sobre a coisa. Logicamente,

esse direito nasce de um fato. Mas a posse difere dos outros direitos reais.‖ (FIUZA,

1999, p. 368)

Já Gonçalves (2012) cita a segunda corrente afirmando que ela define

posse como um fato, uma vez que não possui autonomia e não tem valor jurídico

próprio.

Fiuza (1999, p. 368) ainda ressalta uma terceira corrente encabeçada por

Savigny: advoga ser a posse simultaneamente fato e direito. Num primeiro

momento, a posse é estado de fato, como descrito acima. Ocorre que, dessa

situação fática.

Segundo Gonçalves (2012, p. 43), ―A corrente mais comum é a eclética,

que admite que a posse seja fato e direito. Sustenta Savigny que a posse é, ao

mesmo tempo, um fato e um direito. Considerada em si mesma, é um fato.

Considerada nos efeitos que produz — a usucapião e os interditos —, é um direito.‖

Fiuza (1999) ainda enfatiza que para se compreender a natureza jurídica

da posse é de extrema importância analisar a questão por etapas. Segundo o autor,

a terceira corrente de pensamento é a mais racional, visto que, a posse seria um

estado de fato, uma situação fática em um primeiro momento, e um direito subjetivo

num segundo momento.

Para Savigny a posse é um direito pessoal e obrigacional, para Ihering

direito real. Porém, para outros doutrinadores a posse não se encaixa em nenhuma

destas categorias, mas sim como direito especial, sui generis, por não ser possível

encaixar perfeitamente em nenhuma destas categorias. (GONÇALVES, 2012)

Assim,

posse é estado de coisas, em que uma pessoa tem um bem em seu poder, ou seja, um bem se acha subordinado à esfera de atuação de uma pessoa. A essa situação, a esse estado de fato, denomina-se posse. Nele podemos

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identificar dois elementos: um objetivo, material; o outro subjetivo, anímico. O elemento objetivo é a atitude externa, visível do possuidor para com a coisa. Traduz-se no exercício de direito pelo possuidor sobre a coisa, que pode ser usar, fruir, dispor ou reivindicar, dentre outros. É neste ponto que se diz, com razão, ser a posse a visibilidade do domínio. Além do corpus, caracteriza a situação fática chamada posse, um elemento subjetivo, interno, volitivo: é o animus, ou vontade de ter a coisa em seu poder, vontade de agir como age o dono, mesmo sem pretender sê-lo. Resumindo, pode-se dizer ser a posse estado de fato caracterizado por dois elementos: corpus e animus. Desse estado de fato, dessa situação fática nascem relações jurídicas, ditas relações possessórias. (FIUZA, 1999, p. 368-369)

Vale ressaltar que dessa relação jurídica básica ―inerente à própria

situação de posse, decorre apenas um direito real, o direito à proteção possessória.

A este direito, corresponde uma obrigação real da parte dos não-possuidores, qual

seja não ameaçar, perturbar ou esbulhar o possuidor.‖ (FIUZA, 1999, p. 369)

À situação básica podem agregar-se outros elementos, gerando outras

relações jurídicas e outros direitos.

Para compreender onde a posse se encaixa, direitos reais ou direitos

pessoais, Gonçalves (2012) lista as diferenças substanciais entre os sujeitos e o

objeto dos direitos reais e o dos direitos pessoais:

O objeto do direito real há de ser, necessariamente, uma coisa

determinada, enquanto a prestação do devedor, objeto da obrigação que contraiu,

pode ter por objeto coisa genérica, bastando que seja determinável. O objeto dos

direitos reais é sempre a coisa corpórea, tangível e suscetível de apropriação, ao

passo que o objeto dos direitos pessoais é sempre uma prestação.

o direito real só encontra um sujeito passivo concreto no momento em

que é violado, pois, enquanto não há violação, dirige-se contra todos, em geral, e

contra ninguém, em particular, enquanto o direito pessoal dirige-se, desde o seu

nascimento, contra uma pessoa determinada, e somente contra ela.

O código civil brasileiro, 1916 e 2002, tendo adotado o princípio numerus

clausus, também não incluiu a posse no rol taxativo dos direitos reais, porém, este

fato não é o bastante para justificar sua inserção como direito pessoal, uma vez que

a doutrina brasileira reconhece a existência de outros direitos reais no mesmo

diploma.

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Porém, de acordo com Rios Gonçalves apud Gonçalves (2012) um forte

argumento que retira da posse qualquer natureza real é a ausência de caráter

absoluto dos direitos reais.

No entanto, o fato de a posse não pertencer à categoria dos direitos reais

não significa que, necessariamente, seja um direito pessoal. Consiste este, como

visto em um vínculo jurídico que confere ao sujeito ativo o direito de exigir do sujeito

passivo o cumprimento da prestação. (GONÇALVES, 2012, p. 45)

Fiuza (1999) finaliza concluindo que em princípio, posse é um estado de

fato, onde se caracteriza por dois elementos: corpus e animus. Caracterizando uma

relação possessória básica, entre possuidor e não-possuidores, emergindo assim o

direito real á proteção possessória. Ademais, agregando-se outros elementos ao

estado básico da posse, podem surgir outras relações jurídicas de direito, podendo

ser de caráter real ou creditício. Desta forma, quando se trata de direito de posse,

refere-se ao conjunto de direitos subjetivos gerados pela situação fatídica de posse.

1.5 Noções Históricas acerca da Propriedade

De acordo com Farias e Rosenvald (2012, p. 256), a história do

pertencimento e das relações jurídicas sobre coisas é necessariamente marcada por

uma profunda descontinuidade; a propriedade moderna é um produto histórico, já

que a propriedade é, sobretudo, mentalidade.

Não se pode resumir propriedade a forma ou conceito, mas sim a uma

ordem substancial, pois se liga a uma visão do homem sobre mundo, e também a

uma ideologia.

Desde os primórdios da humanidade o indivíduo sempre procurou

satisfazer suas necessidades por intermédio da apropriação de bens. (FARIAS e

ROSENVALD, 2012)

A idéia de propriedade privada, em Roma ou nas cidades gregas da

antigüidade, sempre foi intimamente ligada à religião, à adoração do deus-lar, que

tomava posse de um solo e não podia ser, desde então, desalojado. A casa, o

campo que a circundava e a sepultura nela localizada eram bens próprios de uma

gens ou de uma família, no sentido mais íntimo, ou seja, como algo ligado aos laços

de sangue que unem um grupo humano. Na civilização greco-romana, a propriedade

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privada – assim como a família e a religião doméstica – faziam parte da constituição

social, da organização institucional da sociedade, que não podia, em hipótese

alguma, ser alterada, quer por deliberação popular, quer por decisão dos

governantes.

De acordo com Farias e Rosenvald (2012, p. 257),

a relação entre propriedade e liberdade coincide com o surgimento do Estado, que protege a propriedade como um direito, da mesma forma que tutela o indivíduo contra o arbítrio do estado. Sempre que o Estado reivindica para si recursos produtivos, os indivíduos ou famílias não afirmam sua liberdade, pois se tornam completamente dependente do poder soberano.

Então, a civilização burguesa estabeleceu a nítida separação entre o

Estado e a sociedade civil, entre o homem privado, como indivíduo e o cidadão,

como sujeito da sociedade política. Nesse esquema, a propriedade foi colocada

inteiramente no campo do direito privado, e essa foi o alvo preferido da crítica

socialista.

No curso do século XVIII, essa justificativa da subsistência individual e

familiar transformou-se na garantia fundamental da liberdade do cidadão contra as

imposições do Poder Público. Cuidou-se de resguardar a esfera pessoal de cada

indivíduo contra as intrusões de outrem, não mais pela religião, mas pelo direito

natural, ou pela idéia de contrato social. Sob esse aspecto de garantia da liberdade

individual, a propriedade passou a ser protegida, constitucionalmente, em sua dupla

natureza de direito subjetivo e de instituto jurídico. Não se trata, apenas, de

reconhecer o direito individual dos proprietários, garantindo-os contra as investidas

dos demais sujeitos privados ou do próprio Estado. Cuida-se, também, de evitar que

o legislador venha a suprimir o instituto, ou a desfigurá-lo completamente, em seu

conteúdo essencial. É o que a elaboração teórica da doutrina alemã denominou uma

garantia institucional da pessoa humana. (FARIAS e ROSENVALD, 2012)

A evolução sócio-econômica ocorrida a partir de fins do século passado

veio, porém, alterar o objeto dessa garantia constitucional. Doravante, a proteção da

liberdade econômica individual e do direito à subsistência já não dependem,

unicamente, da propriedade de bens materiais, segundo o esquema do ius in re,

mas abarcam outros bens de valor patrimonial, tangíveis ou intangíveis, ainda que

não objeto de um direito real. O reconhecimento constitucional da propriedade como

direito humano liga-se, pois, essencialmente à sua função de proteção pessoal.

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Segundo os mesmos autores,

o Código Civil de 1916, filho tardio do liberalismo o fruto de uma concepção oitocentista – conferiu prevalência às situações patrimoniais, que espelham resquícios de um sistema liberal, cujos protagonistas eram o proprietário, o contratante e o marido. Por intermédio do absolutismo da propriedade e da liberdade de contratar, seria permitido o acúmulo de riquezas e a estabilidade do cenário econômico, preservando-se ainda a tranqüila passagem do patrimônio de pai aos filhos legítimos, no contexto de uma família essencialmente padronizada. (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 260)

Daí decorre, em estrita lógica, a conclusão – quase nunca sublinhada em

doutrina – de que nem toda propriedade privada há de ser considerada direito

fundamental e como tal protegida. Algumas vezes, o Direito positivo designa

claramente determinada espécie de propriedade como direito fundamental, ligado

diretamente aos nascidos de mulher (segundo os italianos), atribuindo-lhe especial

proteção. (FARIAS e ROSENVALD, 2012)

Escusa insistir no fato de que os direitos fundamentais protegem a

dignidade da pessoa humana e representam a contraposição da justiça ao poder,

em qualquer de suas espécies. Quando a propriedade não se apresenta,

concretamente, como uma garantia da liberdade humana, mas, bem ao contrário,

serve de instrumento ao exercício de poder sobre outrem, seria rematado absurdo

que se lhe reconhecesse o estatuto de direito humano, com todas as garantias

inerentes a essa condição, notadamente a de uma indenização reforçada na

hipótese de desapropriação.

Ainda de acordo com Farias e Rosenvald (2012), no novo Código Civil,

art. 1.228, é reproduzida a idéia mestra de propriedade.

É preciso, enfim, reconhecer que a propriedade-poder, sobre não ter a

natureza de direito humano, pode ser uma fonte de deveres fundamentais, ou seja, o

lado passivo de direitos humanos alheios.

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CAPÍTULO 2 - A PROPRIEDADE COMO PORTADORA DE FUNÇÃO SOCIAL

2.1 A Função Social da Propriedade

Função Social vem do latim functio, onde o significado é de cumprir algo

ou realizar uma atividade ou dever de fundo social / coletivo.

De acordo com Farias e Rosenvald (2012) esse termo, no direito, serve

para exprimir a finalidade de um modelo jurídico. Pode-se dizer que a função social

no direito nos remete a algo que precisa ser cumprido por determinada ordem

jurídica. Deve-se considerar função social da propriedade as medidas que

contribuem para o bom uso das terras. Sem estes controles, por exemplo, uma

possível Reforma Agrária seria inviável, já que parte-se do pressuposto de divisão

de terras igualmente, já prevista no inciso XXII do art. 5º da Lei Maior. Esta prevê a

propriedade como garantia inviolável do individuo, isto é, garantia fundamental,

declarada neste como ―é garantido do direito da propriedade‖, e, por conseguinte, ―a

propriedade atenderá sua função social‖. Vale lembrar que a exigência da função

social não está ligada como artifício ao comunismo ou socialismo, já que ela é uma

ferramenta capitalista que preserva o direito da propriedade. Não é a função social

que vai garantir uma Reforma Agrária, mas sim auxiliar na mesma trazendo

civilidade e bem básico aos seres.

A regulação remete ao início da evolução do capitalismo onde o ser

apenas se apropriava da terra sem pensar no coletivo. Este pensamento chegou ao

século XX retirando toda e qualquer esperança de boa parte da população, pois com

o seu direito a propriedade ferido, retira-se a dignidade de muitos em prol do poderio

de poucos.

Para Farias e Rosenvald (2012, p. 306) ―a liberdade de uns poucos

importa opressão de uma massa de pessoas, privadas de acesso a bens mínimos e

excluídas até de sua especial dignidade.‖

Segundo Farias e Rosenvald (2012) ―este cenário mostra uma profunda

decepção, mostrando assim a fragilidade do ser humano. O racionalismo previa a

inteligência humana que produzia a liberdade, mas sem enxergar o outro.‖

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Estes fatos contribuíram para o desenvolvimento de constituições mais

condizentes com a vida em sociedade.

Farias e Rosenvald (2012, p. 306) citam que:

As feridas produzidas na humanidade ao longo do século passado repercutiram nas Constituições forjadas nos últimos 50 anos. O compromisso com a tutela da dignidade da pessoa humana e o princípio da solidariedade, acarretou a valorização dos direitos da personalidade e na consequente submissão a esta de todas as relações patrimoniais.

A Constituição Federal de 1988 mostra a grande mudança do isolamento

do indivíduo para um ser solidário e vivendo em sociedade e enxergando limites na

sua liberdade em decorrência do limite do outro.

Mesmo com a importância de regulação das propriedades feita pelas leis

pode-se entender que ainda há um caminho muito grande a se percorrer com

relação à função social nas propriedades. Isso se deve ao fato de que o capitalismo

gera competição e naturalmente existem vitoriosos e derrotados. A vitória faz com

que se exerça o direito sobre o prêmio e quanto mais se ganha logo se quer mais.

Este comportamento é inerente ao ser humano e por isso quando se determina algo

como privado de alguém se deturpa totalmente o sentido de igualdade social, isto é

função social.

Segundo Farias e Rosenvald (2012, p. 308),

A função social é um princípio que opera um corte vertical em todo o sistema de direito privado. Ela se insere na própria estrutura de qualquer direito subjetivo para justificar a razão pela qual ele serve e qual papel desempenha.

Percebe-se, portanto uma separação entre tudo o que é privado

(capitalismo) do que é igualitário (social).

A premissa de igualdade social deve estar intrínseca ao direito, pois todos

somos iguais perante a lei, porém o individualismo e as decisões com pensamentos

para benefícios de causas próprias acabam por deturpar e distorcer essa essência.

Ainda com relação a este aspecto individualista do direito,

é até mesmo redundante indagar acerca de uma função social do direito, pois pela própria natureza das coisas qualquer direito subjetivo deveria ser direcionado ao princípio da justiça e bem-estar social. Porém, o individualismo exacerbado dos dois últimos séculos deturpou de forma tão intensa o sentido do que é direito subjetivo, que foi necessária a inserção do princípio da função social nos ordenamentos contemporâneos para o resgate de um valor deliberadamente camuflado pela ideologia dominante. (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 308)

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A inserção da função social nas decisões faz com que se regulem itens

que são inerentes dos direitos dos seres humanos como a propriedade. Esta

vertente garante aos cidadãos direitos para o bom andamento da sociedade e evite

o controle desta por poucos.

Logo, segundo Farias e Rosenvald (2012, p. 308) ―em uma sociedade

solidária, todo e qualquer direito subjetivo é funcionalizado para o atendimento de

objetivos maiores do ordenamento.‖

Esta afirmação leva ao entendimento de que toda e qualquer decisão

deve ser remetida, primeiramente, ao bem social e depois sim ao que seja benéfico

aos agentes diretos do processo, vai também a via contrária ao início da era liberal

em que se priorizava o poder absoluto sobre a terra.

Farias e Rosenvald (2012, p. 310) ressaltam que ―nos primórdios da era

liberal, a postura absolutista da propriedade se justificava como uma conquista

igualitária, pelo próprio histórico de restrição da monarquia ao acesso da maior parte

da população à propriedade.‖

Essa igualdade pregada, no período citado acima, mostra que as

propriedades eram de direito apenas de parte da sociedade. Este regime

(absolutista) era utilizado apenas como forma de excluir parte da sociedade

No entanto, com o tempo, tamanho absolutismo se converteu em mero instrumento de exclusão social. É notório que quem possui direito subjetivo absoluto sobre uma propriedade também pode optar por não usá-la não fruí-la e não dispô-la, submetendo-a ao ócio e à paralisia. (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 310)

O termo propriedade nos remete a algo que pertence a alguma pessoa ou

entidade que possa usufruir desta. Porém propriedade possui seus limites mesmo

para seus donos.

Existem hoje leis rigorosas quanto ao uso da terra por parte de quem as

detém. Segundo Neves (2013) no texto: ―O fim do direito absoluto à propriedade‖ as

alterações nessas regras do uso da propriedade quanto ao exercício são

aproximadamente de 30 anos atrás, com o advento da constituição de 1988 e o

parágrafo 2º do artigo 1228 do código civil.

Estas alterações se deram num passado relativamente recente, aproximadamente nos últimos 30 anos, e vem sendo solidificadas. Isto se afirma com base nas novas idéias disseminadas com maior rigor após o advento da Constituição de 1988, com a valorização dos direitos sociais e do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por exemplo, na área do Direito Imobiliário o uso responsável da propriedade com o

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cumprimento, por parte do proprietário, da função social atribuída a terra. (NEVES, 2013, p. 1)

Este controle é antigo, vindo desde o século XIX na França quando se

verificou um abuso no uso do direito subjetivo a propriedade, muito antes do

conceito de função social. Verificou-se que não se deve utilizar a propriedade de

forma nociva ao próximo, dando-se o nome de atos emulativos, que remetem a

intenção de prejudicar outros.

A partir do final do século XIX, surgiram em França as primeiras restrições ao absolutismo do direito da propriedade, por intermédio da teoria do abuso do direito. Lembramos dois casos paradigmáticos: a) proprietário que edifica uma enorme chaminé apenas com a finalidade de emanar gases no terreno vizinho; b) proprietário que levanta alto muro com hastes de ferro, tão-somente para causar danos aos dirigíveis que partiam do prédio contiguo. Nas duas hipóteses, as cortes francesas entenderam que o direito de propriedade não poderia ser utilizado com o propósito de causar danos a terceiros, sem o intuito de produzir qualquer proveito ao seu titular. (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 311)

O uso da propriedade é controlado porque os proprietários precisam

utilizar suas terras de maneira adequada com o meio ambiente e socialmente

condizentes. Estas normas visam uma melhor distribuição da terra, contribuindo

assim para o Direito da Propriedade, de todo cidadão. Além de melhorar a utilização

de terras para que poucos não tenham muito e muitos não tenham tão pouco.

Leno Streck apud Farias e Rosenvald (2012, p. 332) diz que ―milhões de

sem-terra, como andarilhos medievais, vaga pelos campos à procura de um lugar

para plantar, em um país em que 2% da população possuem mais de 50% das

propriedades rurais.‖

Para Farias e Rosenvald (2012, p. 312), ―em termos concretos, haverá

função social da propriedade quando o Estado delimitar marcos regulatórios

institucionais que tutelem a livre iniciativa, legitimando-há ao mesmo tempo.‖

Ainda de acordo com Farias e Rosenvald (2012, p. 320), ―quando uma

atividade econômica concede, simultaneamente, retorno individual em termos de

rendimentos e retorno social, pelos ganhos coletivos da atividade particular, a função

social será alcançada‖, mais uma vez depara-se com o equilíbrio entre o interesse

individual e o coletivo.

Na Alemanha, após 100 anos de exclusão devido ao exercício do

liberalismo passando pela inclusão da concepção de função social na Constituição

alemã feita por Weimar, em 1919, onde a legislação obriga o proprietário a possuir

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intrinsicamente o princípio de solidariedade, chega-se a uma conjuntura em que o

proprietário possui não somente direitos sobre a propriedade mas, também, deveres

e obrigações perante a sociedade. Farias e Rosenvald elencam princípios para essa

forma de se encarar a propriedade:

a refundação do direito de propriedade prende-se a três princípios: o bem comum, a participação e a solidariedade. Quanto ao primeiro, a sociedade surge porque as pessoas descobrem uma vontade geral e um bem que é comum e dispõe-se a construí-lo. A ele se subordinam os bens particulares; a participação resulta na contribuição de todos, a partir daquilo que são e daquilo que têm. A participação transforma o indivíduo em ser humano; por último, a solidariedade, que nasce da percepção de que todos vivemos uns pelos outros, valor sem o qual a sociedade não é humana. (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 313-314)

Essa necessidade de igualdade vista nos itens acima remete a citação

abaixo que fala sobre essa igualdade com teores práticos no que tange as

propriedades rurais:

este conceito de função social da propriedade partiu da observação dos movimentos sociais rurais, cujas entidades organizadas passaram a bradar e exigir um melhor aproveitamento da terra disponível para agricultura e/ou pecuária, atacando os denominados ―latifúndios improdutivos. (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 316)

De acordo com o parágrafo 2º do art. 1.228 do Código Civil, toda ação

que não proporciona ao proprietário utilidade ou comodidade e sejam motivados

apenas para prejudicar outros estão proibidos.

Segundo Farias e Rosenvald:

em concreto, esse dispositivo já nasce ultrapassado por duas razões: primeiro, por situar o abuso do direito em um contexto subjetivo, no qual o ato emulativo requer a prova da culpa do proprietário, o que é incompatível com a teoria finalista adotada pelo art. 187, do Código Civil, que configura ato ilícito em sentido puramente objetivo. (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 311)

A questão foi objeto de discussão no Conselho de Justiça Federal

conforme citado por Farias e Rosenvald (2012): ―A regra do art. 1228, § 2º, no novo

Código Civil, interpreta-se restritivamente, em harmonia com o princípio da função

social da propriedade e com o disposto no art. 187 da mesma lei”. Esta afirmação

configura como não necessária à análise da intenção do indivíduo para a

demarcação do abuso do direito a propriedade, pois, desta maneira, fica-se definido

por meios mais objetivos e regras bem definidas se houve ou não culpa, descarta-se

assim a subjetividade na decisão.

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Nos primórdios pode se entender que tudo o que não fosse permitido

seria proibido, porém, de acordo com Farias e Rosenvald (2012), nesta linha tênue

existe um outro fator que é o abusivo, este tão ilícito quanto o ato proibido de acordo

com o art. 186 do Código Civil.

O abuso do direito de propriedade é um ato ilícito objetivo, no qual o proprietário pratica uma atividade lícita na origem – posto inserido em uma das faculdades de domínio -, porém ilícita no resultado, eis que ofensiva a interesses coletivos e difusos que interagem com o exercício do direito subjetivo. (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 312)

A citação remete, em partes, a máxima de que os fins não justificam os

meios, isto é, mesmo que a ação tenha uma origem permitida pode ser que o seu

propósito não se enquadre na lei e seja um abuso no que tange aos interesses

coletivos. Um exemplo é o de que determinado proprietário pode adquirir terras de

maneira lícita, com toda a documentação correta e pagamentos feitos, mas deixá-la

improdutiva, sem utilização, ou prejudicar o meio ambiente para seu benefício,

fazendo com que o ato seja benéfico individualmente, porém um malefício para o

coletivo.

Nos centros urbanos a ordenação, organização dos locais de habitação

para melhor condição para os seres humanos fica por conta do direito urbanístico. O

conflito entre o que os proprietários desejam em suas propriedades e o que se pode

fazer, não agredindo o interesse coletivo e social, para Farias e Rosenvald (2012) é

tarefa árdua e emergencial. Os problemas da urbanização são decorrentes do

século XIX, os autores elencam alguns problemas dessa crescente de pessoas nas

áreas das cidades:

desde o século XIX os problemas urbanos crescentes se identificam com a falta de racionalidade dos administradores e munícipes na gestão de seus locais de trabalho e lazer. Isto propicia relações sociais conflitantes e excludentes, determinando um caldo de intolerância e violência. (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 323)

As cidades possuem normas que auxiliam na utilização da função social,

como cita o art. 182 da Constituição Federal regulamentado pela Lei nº10. 257/01

parágrafo único do art. 1º, de nome Estatuto da Cidade. Ele traz em seu teor normas

que contribuem para o bem estar, vida em sociedade e regulamentação do uso da

propriedade visando bem coletivo, segurança e equilíbrio ambiental.

Por meio de instrumentos urbanísticos, o município poderá disciplinar a função social da propriedade, seja pelo plano diretor (obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes e municípios integrantes de área de

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especial interesse turístico) ou pelas leis orgânicas locais das cidades de porte reduzido. (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 323)

O conceito de função social é muito importante, principalmente para as

cidades (Estatuto da Cidade – Lei nº 10.257 / 2001), pois equaciona os métodos de

preservação do bem comum, como cita Farias e Rosenvald no que tange a

importância da função social no meio urbano.

A função social da cidade pode redirecionar os recursos e a riqueza de forma mais justa, combatendo situações de desigualdade econômica e social vivenciadas em nossas cidades, garantindo um desenvolvimento urbano sustentável no qual a proteção aos direitos humanos seja o foco, evitando-se a segregação de comunidades carentes. (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 325)

Ainda para Farias e Rosenvald (2012, p. 325), ―a prática da cidadania

consiste assim em incorporar setores da sociedade aos mecanismos básicos de

direitos habitacionais‖, isto é, a propriedade como forma de prover a cidadania,

realizando assim sua função social.

Fator determinante para uma boa utilização da função social é a aplicação

de um bom plano diretor. Farias e Rosenvald (2012, p. 326) afirmam que, ―o plano

diretor é o instrumento fundamental de intervenção do Município na política urbana

de garantir o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade‖. O art. 182, § 2º

mostra que o plano diretor é de suma importância para a sociedade já que diz em

seu teor que ―a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às

exigências fundamentais da ordenação da cidade, expressas no plano diretor”,

concomitantemente com este artigo pode-se colocar o art. 186 § 4º que vai de

encontro com as sanções previstas para o cumprimento da função social:

a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem estar dos proprietários e dos trabalhadores.

A propriedade rural difere da urbana, já que uma tem como centro a

produção e a outra moradia. A função social na propriedade rural precisa ser mais

rigorosa que em outros tipos de propriedade. O art. 186, da CF, cuida das regras

para o cumprimento da função social da propriedade rural. Este é baseado em três

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elementos para a realização da função social no espaço agrário: econômico, social e

ecológico.

Além de produzir, a propriedade rural, segundo Farias e Rosenvald (2012,

p. 332) é destinada a ―criação de empregos, como bem de produção em que

sobreleva o ônus social do proprietário‖.

Existem diferenças nesses bens:

a distribuição entre bens de consumo e de produção não está localizada na natureza dos bens, mas em sua destinação econômica. Segundo a noção corrente, bens de produção seriam aqueles idôneos à produção de outros bens; já os bens de consumo seriam aqueles destruídos no momento da satisfação da necessidade. (FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 332)

A produção e as adequações ao bem coletivo percorrem uma linha tênue,

pois não se deve pensar somente no que está produzindo sem pensar no meio

ambiente, por exemplo, que é fator de bem comum. Qualquer uso de terras de

maneira não condizente com as leis, interesses coletivos ou difusos, pode acarretar

em desapropriação de terras por interesse social, para a reforma agrária (art. 184 da

CF).

Farias e Rosenvald (2012, p. 333) explicam este contexto: ―em resumo, a

função social da propriedade rural demanda requisitos de eficiência, utilização

adequada de recursos ambientais e de utilidade comum, favorecendo o bem-estar

dos trabalhadores.‖

Roberto Marques apud Farias e Rosenvald (2012), afirma que no que

tange a adequação de exploração correta de recursos naturais tanto os recursos

naturais quanto o meio-ambiente são fatores que se entrelaçam, porque ambos

consideram o imóvel como um elemento natural posto à disposição do ser humano.

Aqui, leva-se em conta o valor natureza, presumindo-se o homem como agente

capaz de violá-lo ou preservá-lo.

O art. 225 da CF tem como base o privilégio de tutela ecológica ao direito

fundamental da terceira dimensão, prezando para que o meio ambiente seja

equilibrado à saúde e vida de gerações presentes e futuras.

Farias e Rosenvald (2012, p. 352) ainda questionam se propriedade é ou

se tem uma função social.

em princípio, a propriedade privada não é função social; cuida-se de um direito subjetivo – constituído pela autonomia privada – com função social. Em contrapartida, a propriedade pública é, em regra, função social, pelo fato de os bens pertencerem ao patrimônio estatal.

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2.2 Restrições ao Direito de Propriedade

Como citado no item anterior, pertence à Função Social da Propriedade a

regulação do uso das propriedades com o foco no bem coletivo, para melhor

distribuição de terras, direito a propriedade e manutenção do meio ambiente, por

exemplo, e também em consonância com as finalidades econômicas e sociais (art

1228, parágrafo 1, CC).

Para entender este contexto deve-se retornar a Roma antiga, já que

segundo Fiuza:

todos os direitos de vizinhança que hoje figuram nas legislações mais modernas se prendem ao sistema romano do Digesto. Outras restrições, como o usucapião e as servidões prediais, também tiveram origem no antigo Direito de Roma. (FIUZA, 1999, p. 314)

Desde a Roma antiga pode-se dizer que as restrições já estavam

presentes para delimitar limites para benefício do bem comum.

O direito real de propriedade sempre sofreu restrições. Dizer que em Roma era absoluto e ilimitado indica, quando nada, pouco conhecimento da sociedade romana. Na Roma Antiga dos primeiros tempos, e me refiro à época denominada Período da Realeza, de 753 a.C. a 510 a.C., a propriedade do solo, por exemplo, sofria duas das mais sérias restrições: esta inalienável e indivisível. As razões, como já dissemos, eram religiosas. O prédio familiar se ligava ao culto dos antepassados, que nele se enterravam e permaneciam. § 905. [Limitação da propriedade] O direito do proprietário de um prédio estende-se ao espaço sobre a superfície e aos recursos sob a superfície. O proprietário não pode, todavia, opor-se a trabalhos que sejam empreendidos a tal altura ou profundidade, que não tenha ele interesse algum em impedi-los. (FIUZA, 1999, p. 314)

Gonçalves elenca que hoje no Brasil existem vários órgãos que cuidam

desses normativos:

inúmeras leis impõem restrições ao direito de propriedade, como o Código de Mineração, o Código Florestal, a Lei de Proteção do Meio Ambiente etc. Algumas contêm restrições administrativas, de natureza militar, eleitoral etc. A própria Constituição Federal impõe a subordinação da propriedade à sua função social. (GONÇALVES, 2012, p. 164)

Baseando-se no estilo exercido no império romano e no apontamento de

Gonçalves (2012), relatando o modelo dos dias de hoje, com leis e normas, neste

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item serão mostradas essas regulações, denominadas Restrições ao direito de

propriedade.

Essas restrições podem ser legais, quando diretamente ligada às leis, ou

voluntárias, no cenário em que o proprietário delimita o direito de acordo com seu

desejo.

Dentro do grupo das restrições voluntárias se apresenta as cláusulas de

inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade.

Nas palavras de Fiuza as restrições legais são:

[...] as impostas por lei, dentre elas os direitos de vizinhança; o usucapião; as restrições de Direito Agrário; as servidões legais; a proteção especial pelo Poder Público a documentos, obras e locais de valor histórico artístico e cultural, monumentos e paisagens naturais notáveis, por meio de tombamento e desapropriação; as limitações ao espaço aéreo e ao subsolo; as restrições ao uso do solo urbano; e outras mais. (FIUZA, 1999, p. 314)

As restrições legais são formadas por bens pertencentes ao domínio

público, compreendendo os bens públicos (bens de patrimônio do estado), bens

particulares de interesse público e os bens de fruição geral (que não podem ser

objeto de apropriação individual, mas seu uso se refere a uma coletividade). Estes

recebem um tratamento diferenciado pela lei, pois, este campo de atuação do poder

do Estado visa o bem comum, e para isso pode existir a possibilidade de restringir e

limitar o direito de propriedade.

Gonçalves (2012, p. 164) cita que:

todo esse conjunto, no entanto, acaba traçando o perfil atual do direito de propriedade no direito brasileiro, que deixou de apresentar as características de direito absoluto e ilimitado, para se transformar em um direito de finalidade social.

Fiuza (1999, p. 314) ainda cita a definição de restrição legal e a

congruência com a função social.

As restrições legais procuram proteger os direitos "do outro", dentro do espírito de que o exercício do direito de propriedade não deverá prejudicar terceiros. Mas não é só esse o intuito do legislador, que busca promover a função social da propriedade, em prol do interesse público.

2.2.1 Cláusula de Inalienabilidade

Entende-se cláusula de inalienabilidade como uma proibição de alienação

de um bem por parte do proprietário em função da vontade do alienante, isto é,

mesmo sendo detentor de um bem esta cláusula não permite que o mesmo seja

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envolvido em outras negociações, como por exemplo, um veículo que já esteja em

um trâmite de alienação. Para Fachin (2006), existem três teorias que explicam a

natureza jurídica desta cláusula:

a primeira é a que leva em conta a incapacidade do proprietário. Essa teoria considera o sujeito incapaz de alienar o bem, de dispor da coisa [...]. Considera a restrição em relação ao proprietário, e não em relação ao bem. Este é suscetível de alienação, mas seu proprietário é que não o pode alienar [...]. (FACHIN, 2006, p. 116-117)

Percebe-se que a citação acima coloca o foco da restrição de propriedade

no proprietário do bem e não em si no objeto a ser alienado. Ainda explica que neste

caso o objeto pode ser alienado desde que por outra pessoa.

A segunda doutrina que pretende elucidar a natureza jurídica da cláusula em questão é a da obrigação de não fazer, que ―parte da distinção entre indisponibilidade real e a simples proibição de alienar‖. A proibição gerada pela cláusula torna-se um compromisso de conduta negativa (non facere) imposto ao herdeiro ou legatário, constituindo-se em mera obrigação de não alienar. A inexecução do dever de abstenção acarretaria apenas a indenização por perdas e danos, o que frustraria a intenção do testador quando da inserção da cláusula ora analisada em seu testamento, pelo que essa teoria pode não merecer o prosperar. (FACHIN, 2006, p. 116-117)

A citação acima remete a impossibilidade de alienação do bem por parte

de pessoas que assumam este através de herança ou legado.

Na teoria da indisponibilidade da coisa, terceiro modo de ver esse tema, a cláusula grava o bem de ônus real, sendo a inalienabilidade inerente à coisa. O proprietário do bem fica privado do jus abutendi, e qualquer afronta legítima à cláusula, considera-se nula, com inteira razão. (FACHIN, 2006, p. 116-117)

Esta última citação, ao contrário da primeira teoria, mostra o bem como

impossibilitado de alienação proibindo, assim, qualquer tipo de alienação utilizando o

bem, isto é, o proprietário pode alienar quaisquer bens menos os que estejam sob

esta cláusula.

A cláusula de inalienabilidade não pode ser invalidada por atos judiciais,

mesmo assim ainda permite algumas exceções, hipóteses em que a mesma deixa

de ser aplicada: no caso de expropriação por necessidade ou utilidade pública,

estando aí englobada a desapropriação por interesse social e no caso de execução

de dívida ativa de impostos devidos em função do próprio imóvel‖ (FACHIN, 2006, p.

120).

Na mesma linha, Fachin apud Fiuza (1999, p. 315) mostra que ―por força

da inalienabilidade ou inalterabilidade, fica o bem protegido do próprio titular que o

não poderá alienar, seja por tempo determinado ou vitaliciamente.‖

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Existem ainda os frutos que, segundo o autor, não são alienáveis. ―Resta

acrescentar que a inalienabilidade não se estende aos frutos. O apartamento é

inalienável, mas os aluguéis que dele o dono receba não o são.‖ (FIUZA, 1999, p.

316)

2.2.2 Cláusula de Incomunicabilidade

Esta cláusula corresponde à proteção dos bens quanto existe meação

(regime de comunhão universal de bens). Estes bens incomunicáveis não farão

parte da meação do cônjuge em qualquer regime que tenha sido escolhido pelo

casal.

Para melhor entendimento da questão pode se citar a definição de Fiuza

(1999, p. 315) para a questão.

Pela incomunicabilidade, o bem fica protegido do cônjuge do titular. No casamento em comunhão universal de bens, todos os bens adquiridos pelos cônjuges, salvo algumas exceções, se comunicam, ou seja, passam a integrar o patrimônio comum do casal. Isso não ocorre com os bens incomunicáveis, que só pertencerão a um dos cônjuges. Se uma pessoa deixa sua herança gravada com cláusula de incomunicabilidade, somente seu filho herdará, em nada participando o consorte deste. Logicamente, a incomunicabilidade estende-se aos frutos.

A cláusula de incomunicabilidade serve, basicamente, para que o cônjuge

se proteja no caso de realizar o casamento com a comunhão universal de bens. Esta

proporciona a proteção contra uniões por interesse, por exemplo, o famoso caso do

―golpe do baú‖.

2.2.3 Cláusula de Impenhorabilidade

A restrição voluntária, cláusula de impenhorabilidade serve para proteger

o patrimônio (bem) de dívidas adquiridas/contraídas pelo seu proprietário. Todos os

bens sob essa cláusula não poderão ser objeto de disputas judiciais que fazem com

que se quite dívidas por penhora, por arresto, e outras. ―A impenhorabilidade tem

por escopo proteger o bem dos credores do titular, que não o poderão executar por

dívidas. Diferentemente da inalienabilidade, a impenhorabilidade estende-se aos

frutos.‖ (FIUZA, 1999, p. 315)

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Esta Cláusula tem como fator importante a proteção ao bem quando este

é um bem de família. Pode-se dizer que existem função social intrínseca neste item,

pois, por exemplo, no caso de uma família necessitar de sua casa para moradia esta

não permite que este bem seja penhorado, mesmo esta família tendo diversas

dívidas.

A garantia do direito a moradia traz a função social para esta cláusula.

2.2.4 Súmulas e Leis de Convergência das Cláusulas de Restrições Voluntárias

Neste item citam-se algumas convergências dessas três cláusulas dentro

de leis e súmulas.

A cláusula de inalienabilidade está presente na cláusula de

impenhorabilidade de acordo com o Art. 649, I, do Código de Processo Civil (2002):

art. 649. São absolutamente impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

Este item mostra proibição quanto à execução de bens que não sejam

alienáveis (inalienáveis) e mostra a convergência entre duas cláusulas de restrição

de propriedade voluntárias.

A súmula Nº 49 do STF também faz essa convergência de cláusulas. Ela

cita a importação da cláusula de incomunicabilidade por parte da cláusula de

inalienabilidade.

Está súmula mostra que uma vez que o bem seja inalienável ele também

será incomunicável e ainda impenhorável.

Ainda vale lembrar e frisar que estas cláusulas, por serem de definição

voluntária do proprietário, somente têm validade quando inscritas em registro

público.

2.2.5 Bens de Domínio Público

Neste item falar-se-á de bens de domínio público, os quais são

absorvidos por outra legislação, de restrições legais e não voluntárias. Estes são

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tratados por regime em que, por essência, são inalienáveis, imprescritíveis (não

podendo sofrer usucapião), não onerados e impenhoráveis.

Para entender a questão dos bens de domínio público é vital saber o qual

o sentido deste termo.

Domínio público, em sentido amplo, é o poder de dominação ou de regulamentação que o Estado exerce, seja sobre bens de seu patrimônio, denominados bens públicos; seja sobre bens do patrimônio particular, denominados bens particulares de interesse público; seja ainda sobre coisas inapropriáveis individualmente, mas de fruição geral. (FIUZA, 1999, p. 316)

Com essas regulações e tramites pode se vir evidente a função social

presente, quando Fiuza diz, ―o domínio público se exterioriza em poderes de

soberania, exercidos sobre todas as coisas de interesse público, e no direito de

propriedade da Administração sobre os bens públicos.‖ (FIUZA, 1999, p. 316), pode

se ver função social quando se exerce domínio público em ―todas as coisas de

interesse público‖, regulando-as para o bem coletivo.

Estão sob essa legislação todo bem citado pelos art. 20 e 26 da

Constituição Federal do Brasil (1988), conforme transcritos abaixo:

art. 20 - São bens da União: I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos; II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; VI - o mar territorial; VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; VIII - os potenciais de energia hidráulica; IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo; X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos; XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Art. 26 - Incluem-se entre os bens dos Estados: I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros; III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;

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IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

Com relação ao espaço aéreo e subsolo, mesmo sendo abrangidos pelo

solo, em altura e profundidade reconhecidamente dentro da lei e exercício do poder

usar, o proprietário não pode se opor aos que necessitem realizar suas atividades

neste trecho, por exemplo, rota de aviões e passagem subterrânea de metrôs, fios,

encanamentos, dentre outros.

O art. 1.229 do Código Civil (2002) diz:

art. 1.229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las.

Gonçalves (2012, p. 165) explica este artigo:

desse modo, o proprietário do imóvel tem direito não só à respectiva superfície como ao espaço aéreo e ao subsolo correspondentes. Tendo em vista, porém, que a propriedade é também fato econômico, a extensão do espaço aéreo e do subsolo se delimita pela utilidade que ao proprietário pode proporcionar. Por conseguinte, não lhe assiste o direito de impugnar a realização de trabalhos que se efetuem a uma altura ou a uma profundidade tais, que não tenha interesse legítimo em impedi-los.

A citação nos leva a entender que o espaço aéreo e o subsolo

pertencente ao solo não são de propriedades do proprietário do solo, mas sim como

se fosse uma concessão que permite o uso do dono da propriedade, mas, apenas

até o limite que não prejudique o bem comum. Pode se ver neste caso um fator de

função social da propriedade já que ao impor limites se pensa no coletivo. A lei ainda

contribui para este entendimento dizendo, em seu Art. 1.230 que:

Art. 1.230. A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais. Parágrafo único. O proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos à transformação industrial, obedecido o disposto em lei especial.

Neste artigo fica evidente a defesa de áreas de preservação para a

proteção do bem comum, pensando assim no coletivo e na função social da

propriedade.

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CAPÍTULO 3 - A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE E SUA MAIOR IMPORTÂNCIA

ANTE A PROPRIEDADE

3.1 A importância da Propriedade no Contexto Social

Pode-se dizer que propriedade é o objeto no âmbito das discussões de

posse e propriedade. Sem esta, não podemos incluir posse no que tange, por

exemplo, a moradia ou um terreno qualquer.

Quando se fala de moradia, por exemplo, remete-se a propriedade que o

indivíduo tem o direito de possuir.

Farias e Rosenvald (2012, p. 97), citam que:

o direito à moradia traduz necessidade primária do homem, condição indispensável a uma vida digna e complemento de sua personalidade e cidadania. Atua com eficácia normativa imediata, tutelando diretamente situações jurídicas individuais. É muito mais do que simplesmente o ―direito à casa própria‖, pois, como direito fundamental de segunda geração (ou dimensão), envolve a necessidade do Estado de cumprir obrigações de fazer, centradas na prática de políticas públicas capazes de garantir um abrigo adequado, decente e apropriado a quem necessita de um mínimo vital.

O direito a moradia, conforme citado acima, exemplifica, a dignidade

humana a todo custo. Um pai, por exemplo, não quer ver sua família morando na

rua, por isso, em último caso, invade uma residência para dar moradia e um pouco

de conforto e segurança aos seus entes.

A propriedade é importante na sociedade, pois é ela que faz com que a

posse tenha a sua importância, já que, como citado anteriormente, é o objeto físico

aquilo que realmente existe e que se pode possuir.

3.2 O Estatuto da Cidade, em Face da Função Social da Propriedade

Criado em 10 de julho de 2001, através da lei nº 10.257 o Estatuto da

Cidade é um mecanismo muito importante para função social. Nele estão contidas

todas as regras para a execução das políticas urbanas nos municípios. O Estatuto

da Cidade em seu capítulo I cita que: ―Na execução da política urbana, de que

tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta

Lei‖, e no parágrafo único já estabelece sobre o uso da propriedade.

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Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Outro fator interessante no Estatuto da Cidade são as Zonas Especiais de

Interesse Social (ZEIS). Este instituto fora instituído pelo Art 4º do Estatuto e são de

suma importância, já que referenciam propriedades para o uso da função social,

prevista nos planos diretores dos municípios.

O Estatuto da Cidade Comentado explica que:

Cabe ressaltar, pela importância para o desenvolvimento de uma política habitacional de inclusão social, o instituto das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Este instrumento pode ser utilizado tanto para a regularização de áreas ocupadas, onde o processo de ocupação ocorreu sem observância das normas urbanísticas, quanto em áreas vazias, para destiná-las para habitação de interesse social.

Pode-se dizer que as Zeis são fator preponderante na política de função

social demonstrada no Estatuto da Cidade, pois este instituto possibilita uma

regulamentação da função social da propriedade, já que transmite aos governos e

ao povo, independentemente do possuidor, que aquela propriedade tem que ser

utilizada para o bem comum da sociedade. Essa utilização pode-se ver na lei

através do Art nº 5 do Estatuto da Cidade onde se determina em seu parágrafo 1º

quais imóveis são considerados subutilizados e determina-se quais medidas devem

ser tomadas neste caso. O Estatuto cita que:

Art. 5º Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação. § 1º Considera-se subutilizado o imóvel: I – cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente; II – (VETADO) § 2º O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação,devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis. § 3º A notificação far-se-á: I – por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao proprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração; II – por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na forma prevista pelo inciso I. § 4º Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a: I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal competente; II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empreendimento.

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41

§ 5º Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei municipal específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como um todo.

Este normativo aplica na propriedade a função social, já que através dele

nenhum imóvel pode ser subutilizado, como é relatado no Estatuto da Cidade

Comentado:

A manutenção de terrenos vazios ou ociosos, inseridos na área urbanizada, à espera de uma valorização futura que beneficia apenas seus proprietários, diminui os espaços disponíveis na cidade para a moradia e as atividades econômicas necessárias para o desenvolvimento de toda a sociedade, especialmente para os grupos economicamente vulneráveis. Para evitar a formação desses vazios, coibir a especulação imobiliária e, consequentemente, ampliar o acesso a áreas urbanizadas, o Estatuto da Cidade regulamentou o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, que obriga o proprietário a dar uma destinação ao seu terreno subutilizado, concretizando o preceito constitucional da função social da propriedade.(Estatuto da cidade pg 97)

3.3 O Uso da Posse na Função Social da Propriedade

A Função social é cumprida de acordo com a lei, quando cumpre um

determinado conjunto de normas implícitas para o bem coletivo e bem social.

Discutir função social da posse se torna mais difícil que a da propriedade, pois não

está demonstrada em nenhuma norma ou lei explicitamente. A Constituição Federal

possui três passagens sobre função social da propriedade em que a função social

da posse encontra-se implicitamente: o caput do art. 5º assegura o direito de

propriedade, seu inciso XXII garante esse, só que o inciso XXIII, cita que ―a

propriedade atenderá a sua função social‖. Nesse cenário, como citado em tópicos

anteriores, vê-se um comprometimento, por parte do estado, legalmente da função

social da propriedade.

No art. 170 da CF cita-se que ―a ordem econômica, fundada na

valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos

existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado o seguinte

princípio: III - função social da propriedade‖. O artigo mostra a defesa da posse, em

sua função social, quando diz que a ordem econômica defende e assegura a

existência digna, e justiça social baseando-se na função social da propriedade, isto

é, pensa-se no bem comum, coletivo, e na parte em que a função social da

propriedade defende o bem social acima do direito do proprietário. O § 2º do art. 182

mostra essa sinalização da preferência do bem comum quando diz que ―a

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propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências

fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor‖.

A Carta Magna, no seu art. 191, mostra alguns ordenamentos

constitucionais em que, também, implicitamente cita-se a função social da posse. A

mesma mostra, em seu teor, que:

aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Percebe-se que existe um conflito de interesses entre função social da

posse e função social da propriedade, já que neste contexto se um proprietário não

utilizar sua propriedade para benefício do bem comum pode perdê-la para alguém

que a possui e realiza o uso devido. Este tramite de tomada da propriedade pode ser

feita pelo possuidor de acordo com o que está definido na lei.

Este conceito de função social da posse se torna mais evidente quando

observada mais próxima a natureza humana. Farias e Rosenvald (2012, p. 72),

citam que:

atualmente, a ciência jurídica volta o olhar para a perspectiva da finalidade dos modelos jurídicos. Não há mais um interesse tão evidente em conceituar a estrutura dos institutos, mas em direcionar o seu papel e missão perante a coletividade, na incessante busca pela solidariedade e pelo bem comum.

Este trecho remete a uma análise mais subjetiva da lei ao invés de uma

escolha exata, sem análise profunda do que descreve os códigos legais. Esta,

auxilia numa decisão mais correta, já que sem essa averiguação a função social da

posse não seria determinada, pois não existe nada explícito, nos livros de leis, que a

classifique.

O Superior Tribunal Federal (STF), no passado, não reconhecia a

penhora embargada por terceiros. A promessa de compra e venda sem o devido

registro em cartório também não era reconhecida, de acordo com a súmula 621 do

STF, de 17 de outubro de 1984: ―não enseja embargos de terceiro à penhora a

promessa de compra e venda não inscrita no registro de imóveis‖, porém o Superior

Tribunal de Justiça (STJ) adotou outra postura na Súmula 84 de 02 de julho de

1993, que diz: ―é admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em

alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda

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43

que desprovido do registro‖. Esta súmula mostra a resolução de um possível

problema jurídico sem o tramite burocrático exigido. Remete vagamente aos tempos

em que contratos eram decididos com a palavra.

A posse é protegida no CPC no art. 926 onde diz que ―o possuidor tem

direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho‖.

No Código Civil esta proteção está no § 2o do art. 1.210: ―não obsta à manutenção

ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a

coisa‖. Também no mesmo artigo: ―o possuidor tem direito a ser mantido na posse

em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se

tiver justo receio de ser molestado‖.

Essa proteção remete a defesa de quem trabalha, e faz com que a

propriedade renda benefícios ao bem comum. Percebe-se que a defesa primordial é

para quem faz bom uso da propriedade, isto é, não basta ter é preciso utilizá-la em

benefício à sociedade e dentro das normas e restrições do direito de Propriedade.

Nas palavras de Farias e Rosenvald:

quando houver divergência entre os anseios do proprietário que deseja a posse, mas nunca lhe deu a função social, e, de outro lado, o possuidor eu mantém ingerência econômica sobre o bem, concedendo função social à posse, será necessário priorizar a interpretação que mais sentido possa conferir com à dignidade humana. Optar cegamente pela defesa da situação proprietária em detrimento do possuidor, implica a validação do abuso do direito de propriedade como negação de sua própria função social, importando mesmo ratificação de ato ilícito, na dicção do art. 187 do Código Civil. (FARIAS, ROSENVALD, 2012, p. 96)

Transformar propriedade num ato de função social, quando não se é

proprietário, e sim possuidor é um meio de trazer a função social da posse à tona.

Para Farias e Rosenvald (2012, p. 97), ―haverá posse sempre que o indivíduo

exercer esse poder independente sobre a coisa, como pressuposto de bem-estar

econômico‖.

3.4 A Importância da Função Social da Propriedade em Face dos Tribunais

Neste trabalho pode-se ver que a função social tanto da posse quanto da

propriedade é muito importante para o bem comum da sociedade. Terras produtivas,

terrenos servindo de base para a construção de residências e uma cidade com seu

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plano diretor bem feito faz com que vários benefícios possam ser agregados aos

munícipes.

Nos tribunais as decisões em prol da função social são normais. O

Jurídico brasileiro preza pela sociedade. Um dos exemplos mais famosos é o caso

da Favela do Pullman em São Paulo.

Nesta decisão, após uma invasão, os proprietários do local solicitaram

reintegração de posse e conseguiram-na através da justiça de São Paulo. Os

terrenos serviriam para um loteamento de nome Vila Andrade. Sem considerar as

decisões para o bem comum daquelas pessoas e considerando apenas o bem dos

proprietários o Tribunal de Justiça de São Paulo considerou a reintegração de posse

como válida.

Na contramão da justiça de São Paulo o Superior Tribunal de Justiça

considerou a função social e deu decisão favorável aos moradores que habitavam o

local há mais de 20 anos. Pode-se dizer que essa decisão reflete no auxílio do bem

comum já que as terras abandonadas pelos proprietários foram utilizadas pelos

moradores como local de moradia, assim consideramos cumpridos os direitos a

moradia, e no que tange aos terrenos vazios que se beneficiam por especulações

imobiliárias, configuram nessa decisão para o bem dos moradores do local.

Abaixo a decisão dos tribunais quanto ao caso, na íntegra.

Acórdão STJ

Data: 21/06/2005 Fonte: 75.659 Localidade: São Paulo

Relator: Aldir Passarinho Junior

Legislação: Arts. 524, 589, 77 e 78 do Código Civil; Súmula nº 7 do STJ; art. 524 do

Código Civil anterior, c/c o art. 274 do CPC e Constituição Federal de 1988.

Ação reivindicatória. Abandono - recuperação de posse - impedimento. Terrenos de

loteamento - área ocupada por favela.

Ementa: Civil e Processual. Ação Reivindicatória. Terrenos de Loteamento situados

em área favelizada. Perecimento do direito de propriedade. Abandono. CC, arts.

524, 589, 77 E 78. Matéria de fato. Reexame. Impossibilidade. Súmula n. 7-STJ. I. O

direito de propriedade assegurado no art. 524 do Código Civil anterior não é

absoluto, ocorrendo a sua perda em face do abandono de terrenos de loteamento

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que não chegou a ser concretamente implantado, e que foi paulatinamente

favelizado ao longo do tempo, com a desfiguração das frações e arruamento

originariamente previstos, consolidada, no local, uma nova realidade social e

urbanística, consubstanciando a hipótese prevista nos arts. 589 c/c 77 e 78, da

mesma lei substantiva. II. ―A pretensão de simples reexame de prova não enseja

recurso especial‖ - Súmula n. 7-STJ. III. Recurso especial não conhecido.

Íntegra:

RECURSO ESPECIAL Nº 75.659 - SP (1995/0049519-8)

RELATOR: MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR

RECORRENTE: ALDO BARTHOLOMEU E OUTROS

ADVOGADO: ANTÔNIO LUIZ PINTO E SILVA E OUTRO

RECORRIDO: ODAIR PIRES DE PAULA E OUTROS

ADVOGADO: LUIZ FERNANDO S DA RESSURREICAO - DEFENSOR PÚBLICO

EMENTA CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TERRENOS DE

LOTEAMENTO SITUADOS EM ÁREA FAVELIZADA. PERECIMENTO DO DIREITO

DE PROPRIEDADE. ABANDONO. CC, ARTS. 524, 589, 77 E 78. MATÉRIA DE

FATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ.

I. O direito de propriedade assegurado no art. 524 do Código Civil anterior não é

absoluto, ocorrendo a sua perda em face do abandono de terrenos de loteamento

que não chegou a ser concretamente implantado, e que foi paulatinamente

favelizado ao longo do tempo, com a desfiguração das frações e arruamento

originariamente previstos, consolidada, no local, uma nova realidade social e

urbanística, consubstanciando a hipótese prevista nos arts. 589 c/c 77 e 78, da

mesma lei substantiva.

II. ―A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial‖ - Súmula

n. 7-STJ.

III. Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO: Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima

indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade,

não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos

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autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do

julgamento os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha

e Fernando Gonçalves.

Custas, como de lei.

Brasília (DF), 21 de junho de 2005(Data do Julgamento)

MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR

Relator

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR:

Inicio pela adoção do relatório de fls. 491/492, verbis:

―1- Ação reinvindicatória referente a lotes de terreno ocupados por favela foi julgada

procedente pela r. sentença de fls. 420, cujo relatório é adotado, repelida a alegação

de usucapião e condenados os réus na desocupação da área, sem direito a

retenção por benfeitorias e devendo pagar indenização pela ocupação desde o

ajuizamento da demanda. As verbas da sucumbência ficaram subordinadas à

condição de beneficiários da assistência judiciária gratuita.

Apelam os sucumbentes pretendendo caracterizar a existência do usucapião

urbano, pois incontestavelmente todos se encontram no local há mais de 5 (cinco)

anos, e ocupam áreas inferiores a 200 (duzentos) metros quadrados, sendo que não

têm outra propriedade imóvel. Subsidiariamente, pretendem o reconhecimento da

boa-fé e conseqüentemente direito de retenção por benfeitorias e, alternativamente,

ainda, o deslocamento do dies a quo de sua condenação da data da propositura da

demanda para a data em que se efetivou a citação.

Os autores contra-arrazoam, levantando preliminar de intempestividade do recurso

e, no mérito, pugnando pela manutenção da sentença; e interpõem recurso adesivo,

pretendendo a execução imediata das verbas de sucumbência em que foram

condenados os réus.

O recurso adesivo também foi respondido.

O relator determinou diligência a respeito da publicação da sentença‖.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu provimento à apelação dos réus,

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para julgar improcedente a ação, invertidos os ônus sucumbenciais (fls. 499/509).

Opostos embargos declaratórios às fls. 512/517, foram eles rejeitados (fls. 526/530).

Inconformados, os autores, Aldo Bartholomeu e outros, interpõem, pelas letras ―a‖ e

―c‖ do autorizador constitucional, recurso especial alegando, em síntese, que

promoveram a ação reivindicatória com base no art. 524 do Código Civil anterior, c/c

o art. 274 do CPC, postulando o reconhecimento de seu direito de propriedade sobre

vários lotes de terreno e que fosse deferida, sobre eles, a sua posse. Dizem que os

lotes foram invadidos pelos réus, ali construindo benfeitorias consistentes em

barracos; que alguns dos réus se defenderam alegando prescrição aquisitiva, por se

acharem na área há mais de vinte e cinco anos e outros alegaram posse mansa e

pacífica há mais de quinze; ainda outros afirmam estar no local há oito anos,

imaginando que o terreno era da municipalidade.

Aduzem que o acórdão é nulo, por violação ao art. 2º do CPC, porque embora

negando a reivindicatória dos autores e, também, a defesa dos réus sobre a

prescrição aquisitiva, deu provimento à apelação destes por fundamentos diversos,

qual seja, o perecimento do direito de propriedade e a prevalência da função social

da terra, temas não suscitados nos autos.

Salientam que também houve contrariedade ao art. 460 da lei adjetiva civil, pois foi

proferida decisão diversa da postulada, além de infringir os arts. 502, 512 e 515, pois

apreciou matéria não devolvida ao seu conhecimento.

Quanto ao mérito, sustentam os recorrentes que foi negada vigência ao art. 524 do

Código Civil anterior, que assegura aos titulares do domínio o pleno exercício das

faculdades a ele inerentes, acentuando que a decisão importa em verdadeira

expropriação de bens particulares.

Invocam precedentes paradigmáticos.

Contra-razões às fls. 582/589, por Odair Pires de Paula e outros, asserindo que não

é obrigado o Tribunal a deliberar segundo a fundamentação apresentada, mas, sim,

aplicar o direito aos fatos expostos, o que fez pela decisão calcada em preceito

constitucional da função social da propriedade, em face da favelização da área

disputada.

O recurso especial foi admitido na instância de origem pelo despacho presidencial

de fls. 591/600, inadmitido o extraordinário, porém interposto agravo de instrumento

ao C. STF.

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O processo foi sucessivamente distribuído, no STJ, aos eminentes Ministros Fontes

de Alencar, Bueno de Souza e a este relator.

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR (Relator):

Trata-se de ação reivindicatória movida por Aldo Bartholomeu e outros, objetivando

o reconhecimento de sua titularidade e obtenção da posse de nove lotes de terreno

situados em Santo Amaro, Estado de São Paulo, ocupados por diversas famílias que

sobre eles construíram barracos, favelizando a área.

Julgada procedente a ação em 1o grau, a decisão foi reformada em apelação dos

réus provida pelo Tribunal de Justiça, em acórdão de relatoria do eminente

Desembargador José Osório, assim fundamentado (fls. 501⁄509):

"3 - A alegação da defesa de já haver ocorrido o usucapião social urbano,criado pelo

art. 183 da CF/88, não procede, porquanto, quando se instaurou a nova ordem

constitucional, a ação estava proposta havia três anos.

Ainda assim, o recurso dos réus tem provimento.

4 – Os autores são proprietários de nove lotes de terreno no Loteamento Vila

Andrade, subdistrito de Santo Amaro, adquiridos em 1978 e 1979. O loteamento foi

inscrito em 1955. A ação reivindicatória foi proposta em 1995.

Segundo se vê do laudo e das fotografias de fls. 310 e s., os nove lotes estão

inseridos em uma grande favela, a Favela do Pullman, perto do Shopping Sul, Av.

Giovanni Gronchi.

Trata-se de favela consolidada, com ocupação iniciada há cerca de 20 anos. Está

dotada, pelo Poder Público, de pelo menos três equipamentos urbanos: água,

iluminação pública e luz domiciliar As fotos de fls. 10/13 mostram algumas obras de

alvenaria, os postes de iluminação, um pobre ateliê de costureira, etc., tudo a revelar

uma vida urbana estável, no seu desconforto

5 - O objeto da ação reivindicatória é, como se sabe uma coisa corpórea, existente e

bem definida Veja-se por todos, Lacerda de Almeida:

Coisas corpóreas em sua individualidade, móveis ou imóveis, no todo ou em uma

quota-parte, constituem o objeto mais freqüente do domínio, e é no caráter que

apresentam de concretas que podem ser reivindicadas (...). (Direito das Coisas, Rio

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49

de Janeiro, 1908 p-308)

No caso dos autos, a coisa reivindicada não é concreta, nem mesmo existente. É

uma ficção.

Os lotes de terreno reivindicados e o próprio loteamento não passam, há muito

tempo, de mera abstração jurídica. A realidade urbana é outra. A favela já tem vida

própria, está, repita-se dotada de equipamentos urbanos. Lá vivem muitas centenas,

ou milhares, de pessoas. Só nos locais onde existiam os nove lotes reivindicados

residem 30 famílias. Lá existe uma outra realidade urbana, com vida própria, com os

direitos civis sendo exercitados com naturalidade. O comércio está presente,

serviços são prestados, barracos são vendidos, comprados, alugados, tudo a

mostrar que o primitivo loteamento hoje só tem vida no papel.

A diligente perita, em hercúleo trabalho, levou cerca de quatro anos para conseguir

localizar as duas ruas em que estiveram os lotes, Ruas Alexandre Archipenko e

Canto Bonito. Segundo a perita:

A Planta Oficial do Município confronta com a inexistência da implantação da Rua

Canto Bonito, a qual foi indicada em tracejado. (fls. 306)."

Na verdade, o loteamento, no local, não chegou a ser efetivamente implantado e

ocupado. Ele data de 1955. Onze anos depois, a planta aerofotogramétrica da

EMPLASA mostra que os nove lotes estavam cobertos por vegetação arbustiva, a

qual também obstruía a rua Alexandre Archipenko (fls. 220). Inexistia qualquer

equipamento urbano.

Mais seis anos e a planta seguinte (1973) indica a existência de muitas árvores,

duas das quais no leito da rua. Seis barracos já estão presentes.

Essa prova casa-se com o depoimento sereno do Padre Mauro Baptista:

Foi pároco no local até 1973, quando já havia o início da favela do Pullman.

Ausentou-se do local até 1979. Quando para lá retornou, encontrou a favela

consolidada. (fls. 418).

Por aí se vê que, quando da aquisição, em 1978/9, os lotes já compunham a favela.

6 - Loteamento e lotes urbanos são fatos e realidades urbanísticas. Só existem,

efetivamente, dentro do contexto urbanístico. Se são tragados por uma favela

consolidada, por força de uma certa erosão social deixam de existir como

loteamento e como lotes.

A realidade concreta prepondera sobre a pseudo realidade jurídico-cartorária. Esta

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50

não pode subsistir, em razão da perda do objeto do direito de propriedade. Se um

cataclisma, se uma erosão física, provocada pela natureza, pelo homem ou por

ambos, faz perecer o imóvel, perde-se o direito de propriedade.

É o que se vê do art. 589 do Código Civil, com remissão aos arts. 77 e 78.

Segundo o art. 77, perece o direito perecendo o seu objeto. E nos termos do art 78, I

e III, entende-se que pereceu o objeto do direito quando perde as qualidades

essenciais, ou o valor econômico; e quando fica em lugar de onde não pode ser

retirado.

No caso dos autos, os lotes já não apresentam suas qualidades essenciais, pouco

ou nada valem no comércio; e não podem ser recuperados, como adiante se verá.

7 – É verdade que a coisa, o terreno, ainda existe fisicamente.

Para o direito, contudo, a existência física da coisa não é o fator decisivo, consoante

se verifica dos mencionados incisos I e III do art. 78 do CC. O fundamental é que a

coisa seja funcionalmente dirigida a uma finalidade viável, jurídica e

economicamente.

Pense-se no que ocorre com a denominada desapropriação indireta. Se o imóvel,

rural ou urbano, foi ocupado ilicitamente pela Administração Pública, pode o

particular defender-se logo com ações possessórias ou dominiais. Se tarda e ali é

construída uma estrada, uma rua, um edifício público, o esbulhado não conseguirá

reaver o terreno, o qual, entretanto, continua a ter existência física. Ao particular, só

cabe ação indenizatória.

Isto acontece porque o objeto do direito transmudou-se. Já não existe mais, jurídica,

econômica e socialmente, aquele fragmento de terra do fundo rústico ou urbano.

Existe uma outra coisa, ou seja, uma estrada ou uma rua, etc. Razões econômicas e

sociais impedem a recuperação física do antigo imóvel.

Por outras palavras, o jus reivindicandi (art. 524, parte final, do CC) foi suprimido

pelas circunstâncias acima apontadas. Essa é a Doutrina e a Jurisprudência

consagradas há meio século no direito brasileiro.

8 - No caso dos autos, a retomada física é também inviável.

O desalojamento forçado de trinta famílias, cerca de cem pessoas, todas inseridas

na comunidade urbana muito maior da extensa favela, já consolidada, implica uma

operação cirúrgica de natureza ético-social, sem anestesia, inteiramente

incompatível com a vida e a natureza do Direito.

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É uma operação socialmente impossível.

E o que é socialmente impossível é juridicamente impossível.

Ensina L. Recaséns Siches, com apoio explícito em Miguel Reale, que o Direito,

como obra humana que é, apresenta sempre três dimensões, a saber:

A) Dimensión de hecho, la cual comprende los hechos humanos sociales en los que

el Derecho se gesta y se produce; así como las conductas humanas reales en las

quales el Derecho se cumple y lleva a cabo.

B) Dimension normativa (...)

C) Dimension de valor, estimativa, o axiológica, consistente en que sus normas,

mediante las cuales se trata de satisfacer una série de necesidades humanas, esto

intentan hacerlo con la exigencias de unos valores, de la justicia y de los demás

valores que esta implica, entre los que figuran la autonomía de la persona, la

seguridad, el bien común y otros.

(...) pero debemos precatarnos de que las tres (dimensiones) se hallan

reciprocamente unidas de un modo inescindible, vinculadas por triples nexos de

esencial. implicación mutua. (lntroducción al Estudio Del Derecho, México, 1970, p.

45). Por aí se vê que a dimensão simplesmente normativa do Direito é inseparável

do conteúdo ético-social do mesmo, deixando a certeza de que a solução que se

revela impossível do ponto de vista social é igualmente impossível do ponto de vista

jurídico.

9 - O atual direito positivo brasileiro não comporta o pretendido alcance do poder de

reivindicar atribuído ao proprietário pelo art. 524 do CC.

A leitura de todos os textos do CC só pode se fazer à luz dos preceitos

constitucionais vigentes. Não se concebe um direito de propriedade que tenha vida

em confronto com a Constituição Federal, ou que se desenvolva paralelamente a

ela.

As regras legais, como se sabe, se arrumam de forma piramidal.

Ao mesmo tempo em que manteve a propriedade privada, a CF a submeteu ao

princípio da função social (arts. 5º, XXII e XXIII; 170, II e III; 182, 2º; 184; 186; etc.).

Esse princípio não significa apenas uma limitação a mais ao direito de propriedade,

como, por exemplo, as restrições administrativas, que atuam por força externa

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àquele direito, em decorrência do poder de polícia da Administração.

O princípio da função social atua no conteúdo do direito. Entre os poderes inerentes

ao domínio, previstos no art. 524 do CC (usar, fruir, dispor e reivindicar), o princípio

da função social introduz um outro interesse (social) que pode não coincidir com os

interesses do proprietário. Veja-se, a esse propósito, José Afonso da Silva, Direito

Constitucional Positivos, 5ª ed., p. 249/0, com apoio em autores europeus).

Assim, o referido princípio torna o direito de propriedade, de certa forma, conflitivo

consigo próprio, cabendo ao Judiciário dar-lhe a necessária e serena eficácia nos

litígios graves que lhe são submetidos.

10 - No caso dos autos, o direito de propriedade foi exercitado, pelos autores e por

seus antecessores, de forma anti-social. O loteamento - pelo menos no que diz

respeito aos nove lotes reivindicandos e suas imediações - ficou praticamente

abandonado por mais de 20 (vinte) anos; não foram implantados equipamentos

urbanos; em 1973, havia árvores até nas ruas; quando da aquisição dos lotes, em

1978/9, a favela já estava consolidada. Em cidade de franca expansão populacional,

com problemas gravíssimos de habitação não se pode prestigiar tal comportamento

de proprietários.

O jus reivindicandi fica neutralizado pelo princípio constitucional da função social da

propriedade. Permanece a eventual pretensão indenizatória em favor dos

proprietários, contra quem de direito.

Diante do exposto, é dado provimento ao recurso dos réus para julgar improcedente

a ação, invertidos os ônus da sucumbência, e prejudicado o recurso dos autores."

O recurso especial, aviado pelas letras ―a‖ e ―c‖ do permissivo constitucional aponta,

além de dissídio jurisprudencial, contrariedade aos arts. 2o, 460, 502, 512 e 515, do

CPC, e 524 do Código Civil revogado.

Foi interposto, por igual, recurso extraordinário, atacando a fundamentação de

ordem constitucional do aresto objurgado (fls. 536/545).

O direito de propriedade é assegurado pela Constituição Federal, em seu art. 5º,

inciso XXII, e, à época, vigorando a Carta Política anterior, a mesma regra existia em

seu art. 153, § 22.

Corolário dessas normas, se encontra, no Código Civil revogado o art. 524, que

reza:

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―Art. 524. A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus

bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua‖.

Ocorre, porém, que também há a considerar, como corretamente acentuou o aresto

recorrido, o art. 589 da mesma lei substantiva civil, c/c os arts. 77 e 78, I e III, que

dispõem:

―Art. 589. Além das causas de extinção consideradas neste Código, também se

perde a propriedade imóvel:

....................................................................

III – Pelo abandono.

....................................................................

§ 2º. O imóvel abandonado arrecardar-se-á como bem vago e passará ao domínio

do Estado, do Território, ou do Distrito Federal, se se achar nas respectivas

circunscrições:

a) 10 (dez) anos depois, quando se tratar de imóvel localizado em zona urbana‖.

- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Art. 77. Perece o direito, perecendo o seu objeto.

Art. 78. Entende-se que pereceu o objeto do direito:

I – Quando perde as qualidades essenciais, ou o valor econômico.

- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

III – Quando fica em lugar de onde não pode ser retirado‖.

Os elementos fáticos trazidos à colação e explicitados no julgado ora sub judice

demonstram, à saciedade, que houve o abandono dos lotes e que estes, na prática,

pereceram.

De efeito, consta que o loteamento, de 1955, jamais chegou a ser efetivado. Dez

anos depois era um completo matagal, sem qualquer equipamento urbano, portanto

inteiramente indefinidos no plano concreto, os lotes dos autores. Iniciou-se, pouco

tempo após, a ocupação e favelização do local, solidificada ao longo do tempo,

montada uma outra estrutura urbana indiferente ao plano original, como sói

acontecer com a ocupação indisciplinada do solo por invasões, obtendo, inclusive, a

chancela do Poder Público, que lá instalou luz, água, calçamento e demais infra-

estrutura.

Aliás, chama a atenção a circunstância de que até uma das ruas também fora

desfigurada, jamais teve papel de via pública (cf. fl. 503).

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Assim, quando do ajuizamento da ação reivindicatória, impossível reconhecer,

realmente, que os lotes ainda existiam em sua configuração original, resultado do

abandono, aliás desde a criação do loteamento. Nesse prisma, perdida a identidade

do bem, o seu valor econômico, a sua confusão com outro fracionamento imposto

pela favelização, a impossibilidade de sua reinstalação como bem jurídico no

contexto atual, tem-se, indubitavelmente, que o caso é, mesmo, de perecimento do

direito de propriedade.

É certo que o art. 589, parágrafo 2o, prevê a ―arrecadação do bem vago‖, mas esse

procedimento formal cede à realidade fática. Na prática, e o que interessa ao

deslinde da questão, importa verificar se desapareceu ou não e, na espécie, a

resposta é afirmativa, no que tange à propriedade dos autores-recorrentes.

De outro lado, o substrato da prova não tem como ser revisto pelo STJ, ao teor da

Súmula n. 7, e, como visto, ele se revelou essencial ao embasamento da decisão

impugnada, que, em meu entender, bem aplicou à hipótese os arts. 589, 77 e 78 do

Código Civil anterior, excepcionando a incidência da regra geral, do art. 524, que,

por tais razões, não se pode tê-lo por violado.

Ante o exposto, não conheço do recurso especial.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 1995/0049519-8 / REsp 75659/SP

Números Origem: 2127261 92684

PAUTA: 21/06/2005 - JULGADO: 21/06/2005

Relator: Exmo. Sr. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. MÁRIO JOSÉ GISI

Secretária: Bela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK

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4 CONCLUSÃO

Como dito no início do trabalho, esta pesquisa se propôs a definir a

importância de um conceito correto de posse seja para a contraposição ante o direito

de propriedade, quando evidenciado o mau uso, seja para garantir direitos inerentes

à condição humana. Como o direito pode estabelecer uma nova forma de sociedade

com os conceitos de posse e propriedade e suas implicações com a função social.

Uma vez que o assunto hoje eventualmente toma pauta nacional.

Para uma análise da construção semântico da função social, propriedade

e posse, dentro das propostas deste trabalho, foi necessário de início abordar-se a

histórico e contemporânea dos direitos reais, marcado por definições históricas, bem

como os conceitos, teorias e função social da posse e propriedade, contextualizados

da Roma Antiga até os dias atuais.

O Brasil é um Estado democrático formado por uma República Federativa

com a união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal.

Este conjunto de entes forma o Estado Democrático de direito. O

exercício da soberania por parte das autoridades que compõe as Instituições de um

País democrático visa proteger o cidadão no exercício do direito a propriedade e

posse.

O direito à propriedade depende da soberania para ser reconhecida. São

institutos que estão interligados. A interpretação de ambos deve ser em conjunto, de

forma a evitar-se que o governo em suas políticas públicas venha confundir ora a

prevalência ao direito de propriedade sobre a soberania ora a prevalência da

soberania sobre o direito de propriedade.

Realizada uma avaliação sucinta do estado da função social da

propriedade e da posse na atualidade, dos debates públicos e acadêmicos, e as

mobilizações dos movimentos sociais do campo, sendo este, pois, a estrutura social

de sentido que o Direito e o Judiciário brasileiro também constroem ao fixarem a

semântica do direito à terra, foi possível ao decorrer deste estudo perceber os

conflitos existentes entre a função social da posse e da propriedade, bem como os

vários atores sociais envolvidos nesta questão.

Em um Estado democrático como o Brasil, deve haver a preponderância

do interesse público sobre o interesse privado em todas as decisões políticas. As

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políticas públicas no tocante a área social deve ter continuidade, conforme previsão

constitucional. Isso ocorrendo haverá consequências favoráveis a infra-estrutura

social brasileira.

Como visto no item 2.2.2 pertence à Função Social da Propriedade a

regulação do uso das propriedades com o foco no bem coletivo, para melhor

distribuição de terras, direito a propriedade e manutenção do meio ambiente, por

exemplo.

Encontrar soluções questionando os desajustes do Estado democrático,

em conformidade com a legislação, fortalece esse Estado democrático de Direito.

Concretizar esse equilíbrio protegerá a propriedade privada sem ferir a soberania

nacional.

Observa-se constantemente a preocupação de diversos setores da

sociedade brasileira com as questões sociais. Isso repercute na legislação brasileira

que vem moldando as alterações proporcionadas pelo perfil do direito de

propriedade que deixou de apresentar as características de direito absoluto e

ilimitado para se transformar em um direito de finalidade social.

A premissa de igualdade social deve estar intrínseca ao direito, pois todos

somos iguais perante a lei, porém o individualismo e as decisões com pensamentos

para benefícios de causas próprias acabam por deturpar e distorcer essa essência.

A interpretação correta dessa premissa pelas autoridades é fundamental

para que não haja perda do direito a essa propriedade por parte daqueles cidadãos

que detém o título de posse e cumprem suas obrigações conforme a legislação

vigente no País. Isso ocorrendo poderá ser compreendido como conseqüência

favorável ao crescimento brasileiro.

Assim, é importante não confundir a função social que o direito à

propriedade deve englobar com a política social que o governo deve desenvolver

para amenizar as desigualdades sociais existentes no País. Assim, estarão

preservados os institutos do direito à propriedade e da soberania como assegurados

pela Constituição Federal brasileira de 1988.

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REFERÊNCIAS

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