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Direito das Coisas I - Posse e Propriedade http://professorhoffmann.wordpress.com | 16 2. DA POSSE 2.1 Origem da posse Não há consenso doutrinário acerca da origem da posse. Nesta linha, afirma Roberto Ruggiero que não há matéria que se ache mais cheia de dificuldades do que esta, no que se refere à sua origem histórica, ao fundamento racional da sua proteção, à sua terminologia, à sua estrutura teórica, aos elementos que a integram, ao seu objeto, aos seus efeitos, aos modos de adquiri-la e de perdê-la. Vittorio Scialoja informa que é impossível dar-nos conta da propriedade romana, sem antes não conhecermos, pelo menos em suas linhas gerais, o desenvolvimento histórico do domínio, desde os seus primórdios até o tempo de Justiniano. A história do Direito Romano desenvolve-se em 12 séculos, durante os quais ocorreu a mais completa transformação econômica e social do mundo moderno. Roma, de pequena comuna, tornou- se soberana da Europa, então conhecida, da África Setentrional e de parte da Ásia, sofrendo a mais radical transformação. Quando se fala, pois de prosperidade romana é mister distinguir, se se fala da de Rômulo ou da de Justiniano ou da propriedade de uma época intermediária 2 . Quanto a sua origem propriamente dita, costuma-se afirmar que esta nasceu no direito romano, onde costumavam os romanos distribuir aos cidadãos uma parte dos terrenos conquistados e reservar para a cidade a parte restante. Tais áreas então foram sendo concedidas aos particulares para que lá pudessem produzir, sendo estas ainda repartidas em pequenas propriedades. Tais foram denominadas possessiones. 2 Vittorio Scialoja. Teoria dela proprietá nel diritto romano. 1928, v. 1. p. 242, apud Astolpho Rezende, op. cit. p. 10.

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2. DA POSSE

2.1 Origem da posse

Não há consenso doutrinário acerca da origem da posse. Nesta linha,

afirma Roberto Ruggiero que não há matéria que se ache mais cheia de dificuldades do

que esta, no que se refere à sua origem histórica, ao fundamento racional da sua

proteção, à sua terminologia, à sua estrutura teórica, aos elementos que a integram, ao

seu objeto, aos seus efeitos, aos modos de adquiri-la e de perdê-la.

Vittorio Scialoja informa que é impossível dar-nos conta da propriedade

romana, sem antes não conhecermos, pelo menos em suas linhas gerais, o desenvolvimento

histórico do domínio, desde os seus primórdios até o tempo de Justiniano. A história do

Direito Romano desenvolve-se em 12 séculos, durante os quais ocorreu a mais completa

transformação econômica e social do mundo moderno. Roma, de pequena comuna, tornou-

se soberana da Europa, então conhecida, da África Setentrional e de parte da Ásia,

sofrendo a mais radical transformação. Quando se fala, pois de prosperidade romana é

mister distinguir, se se fala da de Rômulo ou da de Justiniano ou da propriedade de uma

época intermediária2.

Quanto a sua origem propriamente dita, costuma-se afirmar que esta

nasceu no direito romano, onde costumavam os romanos distribuir aos cidadãos uma

parte dos terrenos conquistados e reservar para a cidade a parte restante. Tais áreas

então foram sendo concedidas aos particulares para que lá pudessem produzir, sendo

estas ainda repartidas em pequenas propriedades. Tais foram denominadas

possessiones.

2 Vittorio Scialoja. Teoria dela proprietá nel diritto romano. 1928, v. 1. p. 242, apud Astolpho Rezende, op. cit. p. 10.

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Estas possessiones eram concedidas à título precário e tinham natureza

diferente da propriedade. A este respeito leciona Maynz: As distribuições, assignações e

vendas de imóveis, que o Estado fazia aos particulares sob garantia do povo romano -

dominium ex iure Quiritum - tinham sempre lugar após uma medição oficial prévia. As

outras terras, porque permaneciam como ager publicus, não eram sujeitas a igual

conveniente, com a única condição de se conformar às prescrições que regulavam o modo

de ocupação. Daí o dar-se a tais terras a qualificação de agri arcifinii ou occupatorii. Essas

ocupações que, de resto, não eram permitidas senão aos membros do populus romanus,

não conferiam direito de propriedade, mas somente uma posse que o Estado podia revogar

a seu arbítrio, mas que entretanto, protegia enquanto durava.3

2.2 Fundamento da posse

Não se protege em nosso direito somente a propriedade. Outros são os

direitos protegidos, sendo inclusa nesta proteção à posse.

Protege-se a posse, para evitar a violência e assegurar a paz social,

bem como porque a situação de fato aparenta ser uma situação de direito. Oliveira

Ascensão a este respeito explica: a posse é uma das grandes manifestações no mundo do

direito do princípio fundamental da inércia. Em princípio, não se muda nada. Isto é assim,

tanto na ordem política, como na vida das pessoas ou das instituições. Quando alguém

exerce poderes sobre uma coisa, exteriorizando a titularidade de um direito, a ordem

jurídica permite-lhe, por esse simples fato, que os continue a exercer, sem exigir maior

justificação. Se ele é realmente o titular, como normalmente acontece, resulta daí a

coincidência da titularidade e do exercício, sem que tenha sido necessário proceder à

verificação dos seus títulos4.

3 Charles Maynz. Cours de Droit Romain, vol. 1, nº 15, apud Astolpho Rezende, op. cit. p. 15. 4 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil – reais. 4ª ed. Lisboa: Coimbra, 1987. p. 80.

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Assim, se alguém se instala em um imóvel e nele se mantém, mansa e

pacificamente, por mais de ano e dia, cria situação possessória, que lhe proporciona

direito à proteção. Tal direito é chamado jus possessionis. Só haverá o perdimento da

posse após eventual discussão nas vias ordinárias. Enquanto isso, aquela situação será

mantida, contra terceiros que não possuam nenhum título, nem, melhor posse.

De outro lado, o direito à posse, conferido ao portador de título

devidamente transcrito, é denominado jus possidendi. Neste também é assegurado o

direito à proteção.

Em resumo: nos jus possidendi se perquire o direito, ou qual o fato em

que se estriba o direito que se arguí; e no jus possessionis não se atende senão à posse.

2.3 Teorias sobre a posse

Entre tantas teorias existentes, pode-se resumi-las a dois grandes eixos.

Aqueles que defendem a teoria subjetiva de Friedrich Karl Von Savigny e a teoria

objetiva de Rudolf Von Ihering, tudo conforme abaixo passa a se expor e demonstrar.

Cabe no entanto, frisar da existência de outras teorias a este respeito, mas sendo valida

seu estudo quando do aprofundamento do tema.

2.3.1 Teoria subjetiva

Friedrich Karl Von Savigny através de sua obra, Tratado da Posse (Das

Recht des Besitzes) no ano de 1893, propugnou que a posse se caracterizaria pela

conjunção de dois elementos: o corpus, elemento objetivo que consiste na detenção

física da coisa, e o animus, elemento subjetivo, que se encontra na intenção de exercer

sobre a coisa um poder no interesse próprio e de defendê-la contra a intervenção de

terceiros.

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Para esta teoria imprescindível era a presença dos dois elementos, se

faltasse o corpus, inexistiria posse, e, se faltasse o animus, existiria mera detenção.

Esta teoria informa que se adquire a posse quando, ao elemento

material (poder físico sobre a coisa), vem juntar-se o elemento espiritual, anímico

(intenção de tê-la como sua).

Como assinalou Caio Mário da Silva Pereira, para esta teoria não

constituem relações possessória, aquelas em que a pessoa tem a coisa em seu poder,

ainda que juridicamente fundada (como na locação, no comodato, no penhor etc.), por lhe

faltar a intenção de tê-la como dono (animus), o que dificulta sobremodo a defesa da

situação jurídica.5

Daí decorreu o fracasso da teoria, pois que, não se pode negar proteção

possessória ao arrendatário, ao locatário e ao usufrutuário.

Ihering, aluno de Savigny, acerca da teoria de seu mestre consignou que

esta poderia causar estranha surpresa, pois que, aquele que arrebatou a posse de uma

coisa, como verbi gratia, o ladrão, o bandido, e aquele que conseguiu a posse de um imóvel,

obtêm proteção jurídica contra quem não tem melhor posse, enquanto aquele que a ela

chegou de maneira justa não tem esta proteção: está, no que diz respeito à relação

possessória, destituído de todo e qualquer direito, não só quanto a terceiros, como em face

daquele para com o qual ele se obrigou a devolver a coisa no termo do arrendamento ou

locação.

2.3.2 Teoria objetiva

É a teoria de Rudolf Von Ihering, pela qual entende que o animus está

incluso no corpus, bastando para que a posse exista, o elemento objetivo, pois ela se

revelará na maneira como o proprietário agirá em face da coisa.

5 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 14. p. 19.

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Para Ihering, basta à existência do corpus para a caracterização da

posse, que não é o simples contato físico, mas sim a conduta de dono. Assim, tem

posse quem se comporta como dono.

A conduta de dono pode ser analisada objetivamente, sem a

necessidade de pesquisar-se a intenção do agente. A posse, então, é a exteriorização da

propriedade, a visibilidade do domínio, o uso econômico da coisa. Ela é protegida, em

resumo, porque representa a forma como o domínio se manifesta.

Utiliza Ihering como exemplo o caso do lavrador que deixa sua colheita

no campo, em vista de não a ter fisicamente, mas a conserva em sua posse, pois que, age

em relação ao produto colhido, como o proprietário ordinariamente o faz. De outro

ponto, se deixa no mesmo local uma jóia, evidentemente não mais conserva a posse

sobre ela, pois não é assim que o proprietário age em relação a um bem dessa natureza.

A teoria de Ihering revelando-se a mais adequada e satisfatória foi

adotada pelo Código Civil de 1916 no art. 485 e repetida pelo Código Civil de 2002, no

art. 1.196, o qual dispõe que considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o

exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

2.4 Conceito de posse

Para Lafayette Pereira, a posse consiste no poder de dispor fisicamente da

coisa, com a intenção de dono, e de defendê-la contra as agressões de terceiro6.

Por Ihering a posse é a conduta de dono, deste modo, sempre que haja o

exercício dos poderes de fato inerentes à propriedade, existe posse, exceto nos casos em

que a lei diga se tratar de detenção e não de posse.

6 PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das coisas. 6ª ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos S.A., 1956. p. 26.

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O Código Civil de 2002, seguindo exemplo do anterior, não definiu

posse partindo apenas do conceito funcional de possuidor, para dar a referida

caracterização, isto é, considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,

pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade (CC, art. 1.196).

Da mesma forma que a posse, o Código Civil de 2002 não definiu

propriedade, mas apenas estabeleceu os poderes inerentes do direito, ou seja, a

faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem

injustamente a detenha.

Conquanto a detenção decorra de previsão legal, esta está contida no

art. 1.198 do Código Civil que dispõe ser detentor aquele que, achando-se em relação de

dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de

ordens ou instruções suas. A seu turno, consigna o parágrafo único que aquele que

começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra

pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário.

Neste sentido ainda, atento é a citação do art. 1.208 do Código Civil, o

qual consigna que não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como

não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a

violência ou a clandestinidade.

2.5 Detenção

Ihering argumenta que tanto a posse quanto a detenção se constituem

dos mesmos elementos: o corpus e o animus, os quais se revelam pela conduta de dono.

Entende ele que tem posse todo àquele que se comporta como proprietário, sendo que a

detenção encontra-se no último lugar na escala das relações jurídicas entre a pessoa e a

coisa. Na linha de frente estão à propriedade e seus desmembramentos; em segundo

lugar, a posse de boa-fé; em terceiro, a posse; e por fim, a detenção.

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Informa Ihering que em verdade à distinção entre posse e detenção

reside num outro elemento externo, qual seja, na previsão legal, pois que, mesmo sendo

uma situação que preenchem os requisitos da posse e aparência de posse, a lei suprime

dela os efeitos possessórios. Somente a posse gera efeitos jurídicos, conferindo direitos e

pretensões possessórias em nome próprio, ao cabo que a detenção não.

Ambas tem características específicas de serem simples poder de fato

que se exerce sobre a coisa, abstraídas de qualquer direito. Em outras palavras, não com

critério distintivo, mas identificativo, ambas têm a particularidade de ser poder de fato,

exercido sobre a coisa.

A importância, no entanto, de tal distinção, é que a posse se protege, em

forma até interdital, e pode conduzir, aliada à outros requisitos, a aquisição da

propriedade, enquanto que a detenção, sem perder a caracterização de poder fático, não

recebe nenhuma proteção interdital e, muito menos, serve de elemento de aquisição

da propriedade.

Para se caracterizar a detenção, há de existir restrição que a exclua da

classificação do poder fático como posse, mas, elemento que, de outro ângulo, se tem por

positivo, que tal restrição deve partir da lei, tão-somente7.

7 USUCAPIÃO - NÃO SE INDUZ A POSSE AO MERO DETENTOR, O CHAMADO FÂMULO DA POSSE - PRETENSA AQUISIÇÃO DOMINIAL, DESGUARNECIDA, PORÉM, DO ANIMUS DOMINI - REJEIÇÃO - 1- Para a aquisição de domínio por meio de usucapião, é indispensável a demonstração de exercício possessório com animus domini. 2- Atos de mera permissão ou tolerância, oriundos de simples autorização para ocupação do imóvel sob ordens e subordinação, caracterizam simples fâmulo da posse, não induzindo nenhum direito inerente à propriedade ou efeitos possessórios. 3- A posse meramente consentida, resultante de liberalidade dos proprietários, embalada pelos laços familiares, caracteriza o fâmulo da posse, posse precária, que jamais produz efeitos jurídicos àquele que a mantém em nome do vero dominus do imóvel. 4- E sem a faceta do requisito anímico, não há espaço para a posse ad usucapionem, justamente por lhe faltar a intenção de proprietário - Possessio cum animo domini, por onde, e inevitavelmente, a aquisição dominial modelada no artigo 183 da Carta Federal, não vinga - Sentença confirmada. Apelação conhecida e improvida – Unânime (TJCE - AC 2003.0000.8034-4/1 - Relª Desª Maria Iracema do Vale Holanda - DJe 19.06.2009 - p. 60.)

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A manifestação mais clara da distinção revelada pelo elemento legal

restritivo é a do servo, ou fâmulo da posse, isto é, aquele que exerce em dependência

de outro o poder de fato sobre a coisa.

O detentor se caracteriza pela relação fática que o une com a coisa, com

a diferença que não exerce senhoria, porque cumpre ordens e instruções do possuidor.

Sendo assim, não possui vontade livre e autônoma para exercer a senhoria sob seu

comando, pois sua vontade é dependente do possuidor ou do proprietário.

O possuidor exerce o poder de fato em razão de um interesse próprio; o

detentor, no interesse de outrem. É o caso típico dos caseiros e de todos aqueles que

zelam por propriedades em nome do dono.

Inclusive, prevê o art. 62 do Código de Processo Civil que aquele que

detiver a coisa em nome alheio, sendo-lhe demandada em nome próprio, deverá nomear à

autoria o proprietário ou o possuidor. É exemplo: Carlos, proprietário de uma casa no

litoral do Paraná, celebra com Antonio contrato de locação para temporada de 45 dias.

Antonio, uma vez assinado o contrato de locação, recebe as chaves do imóvel e para lá se

dirige com Maria, sua empregada doméstica, que passará a prestar serviços em referido

imóvel. Qual a qualificação jurídica adequada de Carlos, Antonio e Maria? Carlos figura

como proprietário e tendo transmitido a posse direta da coisa para Antonio, conserva a

posse indireta do bem. Antonio figura como locatário e possuidor direto. Maria, enquanto

preposta de Antonio, figura como detentora8.

8 EMBARGOS DE TERCEIRO - IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA - LEI Nº 8.009/90 - SÍTIO COM MAIS DE 85.000 M2 - IMÓVEL REGISTRADO EM NOME DE EMPRESA - FÂMULO DA POSSE - CONSTRIÇÃO MANTIDA – [...] 3. Sendo o embargante mero detentor da coisa (fâmulo da posse) em razão de situação de dependência econômica ou de um vínculo de subordinação em relação a alguém, não exercendo sobre o bem posse própria, mas sim posse natural, descabe alegação de impenhorabilidade (TRF-4ª R. - AC 2000.72.04.000676-7 - SC - 2ª T. - Rel. Juiz Alcides Vettorazzi - DJU 19.06.2002). Ainda, neste sentido: PROCESSUAL CIVIL - PRELIMINAR - ILEGITIMIDADE PASSIVA - POSSE - DETENÇAO - FÂMULO DA POSSE - Pai que apenas cuidava e vigiava o lote em nome do filho que se encontrava preso. Inexistência de posse. Extinção do processo sem julgamento do mérito, acolhendo-se a preliminar suscitada. Sentença reformada. Recurso conhecido e provido. 1. Quem apenas ostenta a condição de detentor da posse em nome de outrem não está legitimado para figurar no pólo passivo da ação de reintegração de posse. 2. Precedentes

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2.6 Objeto da posse

Podem ser objeto de posse todas as coisas que puderem ser objeto de

propriedade, sejam elas corpóreas ou incorpóreas.

Motivo de grande discussão é sobre a posse de direitos. Há correntes

que entendem que nosso Código reconhece a posse apenas dos direitos reais, outras, no

entanto, afirmam que abrange tanto os direitos reais quanto os pessoais.

Escreveu Ruy Barbosa uma monografia com o título: Posse dos direitos

pessoais. Tratava esta de um litígio entre o governo do Rio de Janeiro e professores da

Escola Politécnica. Esse fato levou Rui Barbosa a publicar quatro artigos, no jornal do

Comércio, desenvolvendo a tese de que aos direitos pessoais se aplicavam os meios de

proteção possessória. Esses artigos foram reunidos em folheto impresso no ano de 1.900

com o título “Posse dos Direitos Pessoais”.

O que pretendia Rui Barbosa – face à precariedade do sistema das

ordenações, então vigente – era dotar alguns direitos pessoais de um meio mais eficaz de

proteção, tal como ocorria com relação à posse. A tese de Rui Barbosa não logrou êxito,

nem no foro, nem no sistema do Código Civil de Clóvis Bevilácqua, tampouco na doutrina

posterior. Entretanto, na Constituinte de 1934, João Mangabeira propôs se criasse uma

ação, à semelhança do “juicio de amparo” mexicano, para proteger direito certo e

incontestável violado por ato ilegal da autoridade. A partir daí o mandado de segurança

passou a integrar nosso ordenamento jurídico.

Argumentava Rui Barbosa que cabia ação possessória, porque havia

direito de posse ligado à coisa, uma vez que o professor não poderia exercer seu direito

doutrinários e jurisprudenciais. 3. Extinção do processo sem julgamento do mérito, acolhendo-se a preliminar neste sentido. 4. Recurso conhecido e provido. (TJDFT - ACJ 20040810076107 - 2ª T.R.J.E. - Rel. Des. Alfeu Machado - DJU 19.08.2005 - p. 260).

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senão numa escola. Assim, o direito a um cargo só poderia ser exercido apenas em

determinado lugar. Ante essa idéia nossos autores ampliaram a proteção possessória a

todos os direitos. A posse, então que era a exteriorização de um direito real, passou a sê-

lo dos direitos em geral.

Hoje, em vista da existência do mandado de segurança, cujo fito é

exatamente proteger direito líquido e certo, a doutrina majoritária é no sentido de que

somente os direitos reais podem ser defendidos pelas ações possessórias.

Maria Helena Diniz argumenta que a solução do problema traz em si a

determinação da expressão ‘direitos pessoais’, que designa ‘direitos obrigacionais’, estes

podem ter ou não conteúdo patrimonial. De modo que são suscetíveis de posse apenas os

direitos obrigacionais, cujo exercício se liga à detenção de um bem.

Exemplifica ela acerca da possibilidade da tutela de direitos pessoais via

ações possessórias: suponhamos o caso de um aluno do 3º ano de Direito que tenha sua

matricula cancelada em virtude de nulidade do exame vestibular, que havia passado

despercebida. Qual seria sua defesa? Caberia ou não ação possessória? A discussão sobre

seu direito é muito difícil, pois se o estudante impetrar mandado de segurança perdê-lo-á,

uma vez que não há direito liquido e certo. Há uma simples aparência de direito, que é a

posse. Ora, como Ihering proclama que se deve respeitar como se direito fosse toda

situação constituída que tem aparência de um direito, há quem conclua pela possibilidade

de proteção possessória desse direito pessoal. Trata-se da teoria do respeito à situação

constituída.

Contudo, ousamos divergir, no sentido que tal caso poderia muito bem

ser tratado por uma ação cautela inominada, na forma do art. 798 do Código de Processo

Civil.

A jurisprudência, depois de muita vacilação, firmou-se no sentido de

que a posse não se aplica aos direitos pessoais, ou melhor, que esses direitos são

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estranhos ao conceito de posse. Nesse sentido é a sumula 228 do STJ: é inadmissível o

interdito proibitório para a proteção do direito autoral9.

2.7 Natureza jurídica da posse

O Ministro José Carlos Barbosa Moreira inicia em seu livro Posse,

quando trata da natureza jurídica informando o seguinte: Uma controvérsia

multissecular: a posse é fato ou é direito?

Basicamente tal discussão está dividida em três correntes:

a) a posse é um fato, pois não tem autonomia, não possuindo valor

jurídico próprio. Para Savigny, a posse se estabelece em decorrência de um simples

poder de fato sobre a coisa, sem assentar-se em regras jurídicas ou sem um direito

preexistente. Desta sorte, é possível que ela nasça de uma mera ocupação de um imóvel,

ou da apresentação de uma coisa, ou da própria violência, com o emprego da força e da

intimidação, como sucede nas invasões.

b) a posse é um direito, defendida por Ihering, para quem a posse é um

direito, pois esta juridicamente protegida. Tal decorre da condição da econômica

utilização da propriedade e por isso o direito a protege. Para Ihering a posse estará

sempre ao amparo da lei.

9 No sentido contrário: CIVIL - INTERDITO PROIBITORIO - PATENTE DE INVENÇÃO DEVIDAMENTE REGISTRADA - DIREITO DE PROPRIEDADE. I - A DOUTRINA E A JURISPRUDENCIA ASSENTARAM ENTENDIMENTO SEGUNDO O QUAL A PROTEÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADES, DECORRENTE DE PATENTE INDUSTRIAL, PORTANTO, BEM IMATERIAL, NO NOSSO DIREITO, PODE SER EXERCIDA ATRAVES DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS. II - O PREJUDICADO, EM CASOS TAIS, DISPÕE DE OUTRAS AÇÕES PARA COIBIR E RESSARCIR-SE DOS PREJUIZOS RESULTANTES DE CONTRAFAÇÃO DE PATENTE DE INVENÇÃO. MAS TENDO O INTERDITO PROIBITORIO INDOLE, EMINENTEMENTE, PREVENTIVA, INEQUIVOCAMENTE, E ELE MEIO PROCESSUAL MAIS EFICAZ PARA FAZER CESSAR, DE PRONTO, A VIOLAÇÃO DAQUELE DIREITO. III - RECURSO NÃO CONHECIDO. (REsp 7.196/RJ, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/06/1991, DJ 05/08/1991 p. 9997)

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c) a posse além de ser um fato e um direito. É conhecida como teoria

eclética, onde a posse é um fato quando considerada em si mesma, de outro lado é um

direito nos efeitos que produz (usucapião e os interditos). É a teoria mais comum.

A divergência permanece no tocante à sua exata colocação no Código

Civil de 2002. Para Savigny, ela é direito pessoal ou obrigacional; para Ihering, só pode

pertencer a categoria dos direitos reais. Para outros doutrinadores, no entanto, a posse

não é direito real nem pessoal, mas direito especial, sui generis, por não se encaixar

perfeitamente em nenhuma dessas categorias.

Predomina na doutrina nacional que em verdade, no direito moderno, a

posse é um instituto jurídico sui generis (...). Sendo instituto sui generis, não só não se

encaixa nas categorias dogmáticas existentes, mas também não dá margem à criação de

uma categoria própria que as adstringiria a essa figura única.

2.8 Classificação da posse

2.8.1 Posse direta e posse indireta

No que se refere ao exercício da posse, a própria lei, no art. 1.197 do

Código Civil, apresenta duas modalidades distintas: A posse direta, de pessoa que tem a

coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a

indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse

contra o indireto.

Para um melhor aprendizado confira-se o exemplo: João adquiriu um

terreno no qual construiu sua primeira residência. Edificada a casa, passou a residir na

mesma. João é proprietário e também possuidor da casa. Anos depois, conhece Paula

com quem se casa sob o regime da comunhão parcial de bens. A partir desse momento,

passa a residir com a mesma na citada casa, mantendo a propriedade e agora figurando

como compossuidor, uma vez que duas pessoas exercem a posse da mesma casa. João e

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Paula tem um filho (Pedrinho) e resolvem mudar de lar, adquirindo uma nova e maior

casa, onde seu filho terá mais espaço para brincar. Feito isso, João celebra contrato de

locação com Marcos, seu amigo antigo, a fim de alugar sua anterior casa que neste

momento se encontra vazia. Agora temos o seguinte quadro: João, Paula e Pedrinho,

residindo em casa maior e nova e Marcos, que em virtude de contrato de locação, passou

a residir na antiga casa de João. João e Paula, uma vez que adquiriram a nova casa na

constância do casamento são condôminos da mesma. Residindo nesta com seu filho

Pedro, figuram como compossuidores. No que se refere à antiga casa, objeto da locação,

Marcos encontra-se em contato direto, físico com a coisa (usa a casa – poder inerente à

propriedade: uso). A ele a lei atribui o nome de possuidor direto. Não pode ele dispor da

coisa, pois tal só cabe ao locador (dispor é poder inerente à propriedade: disposição).

Neste caso, temos dois possuidores (Marcos, locatário e João, proprietário).

Desta forma o legislador, aponta que aquele que mantém o contato

físico com a coisa é o possuidor direto e aquele que, embora não tenha a posse,

porquanto tem um dos atributos da propriedade, se encontre distante fisicamente da

mesma, é o possuidor indireto10.

A lei assegura o uso dos interditos tanto ao possuidor direto como ao

possuidor indireto11, ou seja, podem ingressar com ações possessórias em face de

eventual lesão (esbulho, turbação ou ameaça)12.

10 PENHORA - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - Na alienação fiduciária transfere-se ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, cabendo ao devedor a posse direta (art. 66 da Lei nº 4.728, de 14 julho de 1965, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 911, de 01 de outubro de 1969). Assim, se o bem alienado fiduciariamente é de propriedade do credor fiduciário, descabe a constrição judicial para satisfação de obrigação do devedor. Recurso provido por unanimidade. (TRT-24ª R. - AP 0016400-87.1997.5.24.0071 - 2ª T. - Rel. Des. João de Deus Gomes de Souza - DJe 18.01.2010) 11 PROCESSO CIVIL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - COMPROVAÇÃO DA POSSE INDIRETA - POSSIBILIDADE - 1- Hipótese de Apelação interposta contra sentença que, em sede de ação de reintegração de posse, extinguiu o feito sem julgamento do mérito, em face do Apelante não ter se desincumbido do ônus de provar a sua posse anterior aos réus, nos termos de art. 927, I do CPC, tendo se limitado a comprovar o domínio do terreno. 2- A ação de reintegração de posse é o meio processual colocado a disposição do possuidor quanto este tiver sofrido esbulho. Assim, a causa de pedir da ação é a proteção da posse. 3- O proprietário de um bem além de ser titular desse direito ainda é titular do direito possessório, o que implica

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2.8.2 Posse ad interdicta e ad usucapionem

em se afirmar que sendo molestado por atos de turbação ou esbulho em sua propriedade, por mero possuidor, deve buscar o instituto da ação possessória para proteger o direito possessório, o qual está contido no direito de propriedade. Nunca se valer de uma petitória para proteger sua posse, pois esta é que está em perigo e não o seu direito de propriedade. 4- Não se deve confundir o direito possessório como conteúdo do direito de propriedade quando se tem os dois direitos sobre o mesmo bem. Por isso, o direito de propriedade deve ser invocado pelo seu titular quando pleiteia a proteção da posse, apenas como pressuposto, a fim de que possa o juiz entender que o mesmo é realmente possuidor, pois é titular do direito de propriedade que pressupõe aquele. 5- Tendo o INSS juntado aos autos documentos que comprovam a propriedade do bem, mostra-se suficiente a prova para legitimar o ajuizamento da ação possessória, tendo em conta que a disputa em juízo refere-se a posse e este comprovou que a possui, por ser o titular do domínio esbulhado. 6- Não há que se falar em necessidade de prova da posse direta, primeiro em face do dispositivo legal não exigir, segundo, em razão do proprietário ser possuidor do bem, na pior das hipóteses, de forma indireta. 7- "O e. STJ, através de sua Quarta Turma, ao julgar o REsp nº 143707/RJ, cujo Relator foi o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, in DJU de 02.03.1998, assim se pronunciou sobre essa questão de direito, senão vejamos: a aquisição da posse se dá também pela cláusula constituti inserida em escritura pública de compra-e-venda de imóvel, o que autoriza o manejo dos interditos possessórios pelo adquirente, mesmo que nunca tenha exercido atos de posse direta sobre o bem" TRF 5ª, 1ª Turma, AC 332995, Relator Desembargador Federal José Maria Lucena, DJ - Data::30/01/2008 - Página::583 - Nº::21). 8- Em que pese está expresso no art. 920, do CPC, o princípio da fungibilidade dos processos possessórios, deve o mesmo ser estendido nos casos de ações possessórias e petitórias, pois na realidade não é o nomen juris que define a sua natureza jurídica, mas sim a relação jurídica trazida para proteção do Judiciário. 9- Apelação provida para determinar o retorno dos autos ao juízo a quo para fins de prosseguimento do processo, por não ter havido a triangularização da relação jurídica processual. (TRF-5ª R. - AC 2009.83.00.005185-0 - 2ª T. - Rel. Des. Francisco Barros Dias - DJe 15.01.2010 - p. 195) 12 PROCESSO CIVIL - EMBARGOS DE TERCEIRO - REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA - PRELIMINAR AFASTADA - POSSE INDIRETA COMPROVADA - PENHORA DE BEM IMÓVEL - MEAÇÃO DA ESPOSA - COMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE BENEFÍCIO - ÔNUS DO CREDOR - SENTENÇA MANTIDA - I- Considerando o valor atribuído à parte ideal do bem imóvel penhorado (fls. 16), cuja constrição se visa parcialmente desconstituir nestes autos, não conheço da remessa oficial, com base no artigo 475, § 2º, do CPC. II- Afasta-se, por primeiro, a preliminar de falta de interesse de agir, pois mesmo que a embargante não detenha a posse direta do imóvel penhorado, mantém ela, de qualquer modo, a propriedade e a posse indireta do bem, o que a torna parte legítima ativa para propor os presentes embargos de terceiro, na forma do artigo 1.046 do CPC. III- Também não há falar em litigância de má-fé, vez que a embargante se valeu de meio legítimo para a defesa de seus interesses em juízo, pelo que resta incabível a sua condenação na sanção correspondente. IV- A exclusão da penhora, em razão da meação, tem como fundamento o fato de não responder o cônjuge por débitos pelos quais não se obrigou. Outrossim, pacificou-se o entendimento no sentido de que constitui ônus do credor a comprovação de que o cônjuge e a família do sócio-devedor beneficiaram-se do crédito oriundo da infração cometida pela pessoa jurídica, para o fim de fazer incidir a penhora sobre a sua meação. V- No caso dos autos, nenhuma prova foi produzida no sentido de que a dívida fiscal contraída beneficiou a família como um todo, o que impõe seja observada e respeitada a meação da esposa, excluindo sua parte da penhora realizada, nos exatos termos da Súmula 251 do egrégio STJ: "A meação só responde pelo ato ilícito quando o credor, na execução fiscal, provar que o enriquecimento dele resultante aproveitou ao casal." VI- Quanto às verbas de sucumbência, cumpre apenas esclarecer que a isenção de que goza a autarquia no pagamento de custas processuais - Inclusive no âmbito estadual, tendo em vista a isenção prevista nas Leis ns. 4.952/85 e 11.608/03, do Estado de São Paulo - Não abrange o reembolso de custas incorridas pela parte vencedora e as despesas processuais. VII- Remessa oficial não conhecida. Apelação improvida. Sentença mantida. (TRF-3ª R. - Ap-RN 2001.03.99.024480-7/SP - 2ª T. - Rel. Juiz Fed. Conv. Alexandre Sormani - DJe 21.01.2010 - p. 173)

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Posse ad interdicta é a que pode ser defendida pelos interditos, isto é,

pelas ações possessórias, quando molestada, mas não conduz à usucapião.

Posse ad usucapionem é aquela hábil a conferir ao seu titular a

propriedade da coisa uma vez atendidas as exigências legais, dentre as quais, notamos o

decurso do tempo, que varia de acordo com a natureza do bem e da presença ou não de

justo título e boa-fé.

Exemplo: Pedro celebra com Paulo contrato de locação de bem imóvel,

no qual figura como locatário, com prazo estipulado de quinze anos. A partir da

celebração do referido contrato, Pedro obtém a posse direta do bem, enquanto Paulo

conserva a posse indireta. Ambos, conforme já estudado, fazem jus ao uso dos interditos,

é a chamada posse ad interdicta, mas nenhum deles está no exercício da posse ad

usucapionem. Paulo porquanto já é proprietário e Pedro porque, enquanto locatário

encontra-se sob o regime jurídico afeto à locação que impede a aquisição pela usucapião.

Distinto é a situação daquele que se encontra num terreno vazio e ali

passa a residir com sua família. Permanecendo no referido bem e observadas as demais

condições exigidas pela lei, poderá obter a propriedade da coisa. A esta posse dá-se o

nome de ad usucapionem.

Pode-se afirmar que aquele que tem a posse ad usucapionem também

mantém a posse ad interdicta, porém a recíproca não é verdadeira13.

13 DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL - USUCAPIÃO - AUSÊNCIA DA PROVA DA POSSE NECESSÁRIA - 1- Analisando-se o processado frente ao texto constitucional (artigo 183) verifica-se que, conforme a matricula no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de São Jerônimo/RS, estamos diante de área urbana de extensão superior àquela referida mencionado dispositivo da Carta Maior, o que afasta a possibilidade de sua aplicação. Ainda há que mencionar que a autora não demonstra nos autos não ser proprietária de outro imóvel, urbano ou rural. 2- No que pertine ao estipulado na legislação civil, é imprescindível a presença concomitante dos dois requisitos para a configuração do usucapião, quais sejam: a posse com "animus domini" e o tempo legal para a aquisição prescricional do imóvel. 3- Não é possível considerar ter a autora posse 'ad usucapionem' justamente por força da relação contratual que ela admite ter existido quando da ocupação da casa construída pelo INSS no terreno em litígio, com pagamento de aluguel, muito embora, frise-se, não haja nos autos indicação de quando teve inicio ou se cessou essa relação. Nessas circunstâncias, durante o período da locação, a posse é meramente 'ad interdicta', faltando-lhe o 'animus domini'. 4-

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Veja agora, caso de interversão da posse, que é o momento em que a

pessoa deixa de possuir uma posse ad interdicta e passa a tê-la como ad usucapionem.

Confira: LOCAÇÃO - DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO - LEGITIMIDADE -

PREFERÊNCIA - USUCAPIÃO - POSSE 'AD INTERDICTA' - TRANSFORMAÇÃO -

BENFEITORIAS - RENÚNCIA - SUB-ROGAÇÃO - 1- A verificação da legitimidade das

partes é realizada 'in status assertionis', ou seja, de acordo com o que foi alegado na inicial.

2- Atende ao direito de preferência previsto na Lei 8.245/91 o oferecimento de aquisição

da totalidade do imóvel ao locatário que dele ocupa apenas parte. 3- O locatário exerce

posse 'ad interdicta', e não 'ad usucapionem'. Embora se admita a transformação do

caráter da posse ao longo do tempo, qualquer que seja a sua natureza anterior -

'interversio possessionis' - , compete ao possuidor o ônus de elidir a presunção contida no

artigo 492 do CC/16 (art. 1.203 do Código vigente). 4- Mesmo antes do advento da Lei

8.245/91, já se admitia a cláusula de renúncia às benfeitorias. Válida a renúncia, não há

que se falar em direito à indenização e à retenção do imóvel até o seu efetivo pagamento.

5- A sub-rogação, nos limites de seu objeto, transfere ao sub-rogante todos os direitos do

sub-rogado. Recurso não provido14.

Confira, mais um julgado acerca da interversão da posse: USUCAPIÃO

EXTRAORDINÁRIA - POSSE PRECÁRIA - TRANSFORMAÇÃO - POSSE 'AD

USUCAPIONEM' - ÂNIMO DE DONO - 1- Atos de mera permissão não induzem posse 'ad

interdicta' e, muito menos, 'ad usucapionem' - Inteligência do artigo 497 do Código Civil

de 1916 e 1.208 do Código vigente. 2- Admite-se a transformação do caráter da posse ao

longo do tempo, qualquer seja a sua natureza anterior, desde que elidida a presunção

contida no artigo 492 do CC/16 (1.203 do Código vigente) pelo possuidor - 'interversio

possessionis'. 3- O ânimo de dono advém da independência, da desvinculação da

Impertinente para a pretensão da autora a discussão sobre se o INSS lhe propôs a compra da casa com preferência, em face do Aviso de Licitação para Alienação de Imóveis. A alegação contida na petição inicial no sentido de ter deixado de pagar a locação, porque 'aquela autarquia deixou de efetuar cobrança', revela o descumprimento do contrato de locação e, nesta medida, a mora da inquilina deveria ser obstada pela consignação em pagamento. (TRF-4ª R. - AC 2001.71.00.028046-7/RS - 4ª T. - Relª Desª Fed. Marga Inge Barth Tessler - DJe 17.08.2009 - p. 473) 14 TJMG - AC 1.0024.07.525481-3/002 - 16ª C.Cív. - Rel. Wagner Wilson - DJe 21.08.2009.

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possuidora no exercício de atos de domínio, da demonstração do caráter absoluto de seu

poder sobre a coisa. Não se exige a convicção do possuidor de que é, formalmente, o dono

da coisa, sendo irrelevante a ciência da titularidade do bem. 4- Transmudando-se a causa

do poder de fato sobre a coisa, antes uma permissão ou um comodato, em exercício

aparente de domínio próprio (posse 'ad usucapionem'), reconhece-se a presença de

'animus domini'15.

2.8.3 Posse exclusiva, composse e posses paralelas

Assevera Silvio Rodrigues que embora a posse seja, por sua natureza,

exclusiva, sendo, assim, inconcebível mais de uma posse sobre a mesma coisa, admite o

legislador possa ela desdobrar-se, não só no que diz respeito ao campo de seu exercício,

como também no que concerne à simultaneidade desse exercício16.

A doutrina denomina como exclusiva a posse de um único possuidor,

onde, uma única pessoa, física ou jurídica, tem, sobre a mesma coisa, posse plena, direta

ou indireta17.

Composse é, assim, a situação de fato, pela qual duas ou mais pessoas

exercem, simultaneamente, poderes possessórios sobre a mesma coisa. Neste caso,

qualquer um dos compossuidores pode utilizar os interditos possessórios contra

terceiros que venham a perturbar a sua posse18.

15 TJMG - AC 1.0687.01.003522-2/001 - 16ª C.Cív. - Rel. Wagner Wilson - DJe 14.08.2009. 16 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. p. 24. 17 USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO - COMPOSSE - LITISCONSÓRCIO ATIVO - INEXISTÊNCIA DE POSSE EXCLUSIVA - ILEGITIMIDADE ATIVA - EXTINÇÃO DO FEITO - A posse ad usucapionem era exercida pela Sra. Divina de Fátima da Silva, mãe da autora e mãe da apelante, pelo que não pode a autora pretender o reconhecimento da usucapião exclusivamente, sendo que ela própria trouxe aos autos documento que comprova que a apelante também possuía a posse. (TJMG - AC 1.0120.06.000540-8/001 - 13ª C.Cív. - Rel. Alberto Henrique - DJe 21.09.2009). 18 POSSESSÓRIA - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO - PRELIMINAR DE COISA JULGADA AFASTADA - AÇÃO ANTERIOR QUE FOI INDEFERIDA LIMINARMENTE - EXTINÇÃO SEM EXAME DO MÉRITO - Possibilidade de renovar o pleito, suprida a falha ou falta. Esbulho possessório não caracterizado. Posse exclusiva da autora

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Posse paralela é exatamente a concorrência ou sobreposição de posses

(existência de posses de natureza diversa sobre a mesma coisa), que se dá no

desdobramento da posse em direta e indireta.

2.8.4 Posse pro diviso e pro indiviso

Para melhor compreensão, analise o exemplo: João e Pedro locam um

imóvel onde foram edificadas duas casas com idênticas características. A locação aponta

João e Pedro como locatários do todo, ou seja, do imóvel com as duas edificações.

Ocorre que entre eles há um ajuste no sentido de que cada qual ocupará

uma das casas com exclusividade. A isso denominamos de composse pro diviso19.

Todavia, se no imóvel locado houvesse apenas uma casa, onde os mesmos passariam a

residir, chamar-se-ia esta de composse pro indiviso20.

não devidamente comprovada. Apartamento que foi doado pelo réu à autora. Comodato verbal, por prazo indeterminado, até por conta das circunstâncias especificas do caso, ante o envolvimento do réu nas atividades da autora. No mínimo existe prova de composse. Exame do conjunto probatório que merece ser revisto. Provas que não podem caracterizar a perda da posse noticiada. Sentença de procedência reformada. Agravo retido não provido, recurso de apelação provido (TJSP - Ap 1213911-8 - (2337466) - São Paulo - 24ª CDPriv. - Rel. Antonio Ribeiro - DJe 10.06.2009 - p. 1065). 19 POSSE - SUCESSÃO - EXERCÍCIO POSSESSÓRIO COMUM ENTRE CÔNJUGES - MORTE DE HERDEIRO NECESSÁRIO - ESBULHO - CUNHADOS - Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança se transmitem desde logo aos herdeiros, e, se nesta condição, a autora, esposa de herdeiro morto, permaneceu no imóvel onde vivia com o falecido marido, por se tratar de posse pro diviso, a compossessão subsiste de direito e, quando exercitada sobre pars certa, deve ser respeitada na porção que ocupa, até mesmo contra outros herdeiros compossuidores, pelo que configura-se esbulho amparado através de interdito possessório a retomada pelos ex-cunhados de imóvel sobre o qual a viúva do herdeiro exercia, conjuntamente com este, a posse. (TAMG - AC 0393437-2 - (71048) - 6ª C.Cív. - Rel. Des. Dídimo Inocêncio de Paula - J. 22.05.2003). 20 AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO E PROCESSO CIVIL - MANUTENÇÃO DE POSSE - DECISÃO REFORMADA - CARACTERIZADA A EXISTÊNCIA DE POSSE PRO DIVISO - PRINCÍPIO DO QUIETA NON MOVERE - AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO - 1- A decisão agravada indeferiu liminar de manutenção de posse por considerar injusta a posse do agravante. É indubitável a ocorrência de teratologia de tal decisão, pois exsurge dos fólios a existência, in casu, de composse pro diviso. 2- Compossuidores que localizaram-se em parte certa e determinada da coisa, sobre a qual exercem exclusivamente sua posse. 3- Essa situação fática, autoriza qualquer dos possuidores a ingressar em juízo com o fito de defender sua parte certa no imóvel que esteja sendo objeto de turbação ou esbulho. 4- Aplicação do princípio quieta non movere, a recomendar manutenção da situação de fato existente. 5- Agravo conhecido e provido. Decisão de Primeiro Grau reformada. (TJCE - AI 2008.0040.0759-6/0 - Rel. Des. Francisco Sales Neto - DJe 16.06.2009 - p. 34)

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2.8.5 Posse justa e injusta

A classificação é necessária na medida em que o próprio legislador a

prevê no art. 1.200 do Código Civil: É justa a posse que não for violenta, clandestina ou

precária21.

A definição da posse justa parte da negatória da posse injusta, a qual é

caracterizada por uma das formas de aquisição da posse injusta, qual seja: violenta,

clandestina ou precária.

Aliás, no que pertine à forma de obtenção da posse, assinala Arnoldo

Wald que os três vícios fundamentais da posse correspondem, a três figuras previstas no

Código Penal, que são respectivamente o roubo (violência), o furto (clandestinidade) e a

apropriação indébita (precariedade da posse e recusa em devolver o objeto exigido pelo

seu legitimo titular.22

Posse violenta é a que se adquire pela força (vi). O vício caracteriza-se

pela violência inicial. Isenta de violência denomina-se, na linguagem jurídica, posse

mansa, pacífica e tranqüila. Esta ocorre, quando, por exemplo, uma pessoa armada

invade uma fazenda, expulsando os moradores, ateando fogo em plantações,

construindo galpões e ali passando a residir. Adquire-se a posse através do emprego da

violência, sendo, portanto, sua posse injusta.

21 REINTEGRAÇÃO DE POSSE - VEÍCULO - ALIENAÇÃO - RESERVA DE DOMÍNIO - NÃO EXISTÊNCIA - TERCEIRO DE BOA-FÉ - POSSE JUSTA - ESBULHO - NÃO CONFIGURAÇÃO - A não comprovação de que a posse exercida pelo comprador de veículo seja injusta, já que o bem foi adquirido a terceiro declarado proprietário, ao qual fora transferido o bem, ofusca o pedido objeto da ação de reintegração de posse, pois na espécie não restou caracterizado o esbulho possessório, notadamente quando a compra e venda não se dera mediante a reserva de domínio. (TJMG - AC 1.0686.06.170976-8/001 - 18ª C.Cív. - Rel. Guilherme Luciano Baeta Nunes - J. 08.05.2009). 22 WALD, Arnoldo. Direito das coisas. p. 63.

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Posse clandestina é a que se estabelece sub-repticiamente, às ocultas

daquele que tem interesse em conhecê-la (clam). A qualidade contrária a esse vício é a

publicidade, a posse desfrutada na presença de todos23.

Posse precária é aquela que se origina do abuso da confiança por parte

de quem recebe a coisa com obrigação de restituí-la e, depois, recusa a fazê-lo (precário).

A precariedade difere dos demais vícios da violência e da

clandestinidade quanto ao momento de seu surgimento. Enquanto os fatos que

caracterizam estas ocorrem no momento da aquisição da posse, aquela somente se

origina de atos posteriores, ou seja, a partir do momento em que o possuidor direto se

recusa a obedecer à ordem de restituição do bem do possuidor indireto24.

Interessante observar que os vícios da violência, da clandestinidade ou

da precariedade não influenciam na questão dos frutos, das benfeitorias e das

responsabilidades. Para tais questões, leva-se em conta se a posse é de boa-fé ou má-fé,

ou seja, critérios subjetivos, que serão analisados a seguir25.

23 CIVIL E PROCESSO CIVIL - ART. 927 DO CPC - ART. 1.200 DO CC - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - POSSE DE MÁ-FÉ - POSSE INJUSTA - VÍCIO - CLANDESTINIDADE - REINTEGRAÇÃO DEVIDA - RETENÇÃO INDEVIDA - Em se tratando de questão estritamente possessória, a solução do conflito de interesses está na aferição de quem detém a melhor e mais antiga posse. Para determinar a melhor posse, cumpre-se identificar se a posse é justa ou injusta. Quanto a isso, o art. 1.200 do CC apregoa que a justa posse é aquela que não for violenta, clandestina ou precária. Em outras palavras, o aludido permissivo legal assenta que a posse justa apresenta-se imaculada por qualquer vício, por ser adquirida mediante justo título, que goza de presunção de boa-fé. É indevido o direito de retenção quando se tratar de posse de má-fé em respeito à determinação do art. 1.220 do CC. (TJDFT - Proc. 20060810071485 - (375234) - Rel. Des. Natanael Caetano - DJe 14.09.2009 - p. 141). 24 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. p. 70. 25 APELAÇÃO CÍVEL. PROPRIEDADE DE BENS IMÓVEIS. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO. IMÓVEL COM DIMENSÃO SUPERIOR A 250M2. REQUISITOS DO ART. 183 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO PREENCHIDOS. MÉRITO. PROVA DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL DEVIDAMENTE PRODUZIDA PELA PARTE AUTORA. POSSE INJUSTA DA DEMANDADA. AUSÊNCIA DE TÍTULO CAPAZ DE GERAR OPOSIÇÃO AO TÍTULO DOMINIAL OSTENTADO PELO DEMANDANTE. Demonstrada a propriedade do imóvel pela parte autora e não havendo justificativa plausível para a posse das demandadas no imóvel, o que faz dela injusta, têm-se como presentes os pressupostos autorizadores da medida reivindicatória. Desatendimento do ônus de provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito dos autores, conforme dispõe a regra do inciso II do art. 333 do Código de Processo Civil. RECURSO DE APELAÇÃO

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Por fim, é importante deixar claro que aquele que tem posse injusta não

tem a posse usucapível (ad usucapionem), ou seja, não pode adquirir a coisa por

usucapião26.

2.8.6 Posse de boa-fé e de má-fé

Para melhor compreensão do assunto, veja o seguinte caso: Pedro

percebe imóvel desocupado e nele se instala com sua família, uma vez que se encontra

desempregado e sem quaisquer recursos. Buscando alimentar sua família cultiva

pequena lavoura e colhe alguns frutos pendentes.

João, proprietário do imóvel, percebe a presença de Pedro e pleiteia a

devolução do bem. Pergunta-se: Deve Pedro indenizar João pelos frutos colhidos? Como

se resolve a questão da lavoura? Em vista destas situações, necessário se mostra o

estudo da boa-fé e da má-fé nas relações possessórias.

A posse de boa-fé cria o domínio, premiando a constância e abençoando

o trabalho; confere ao possuidor, não-proprietário, os frutos provenientes da coisa

possuída; exime-se de indenizar a perda ou a deterioração do bem em sua posse;

regulamenta a hipótese de quem, com material próprio, edifica ou planta em terreno

alheio; e, ainda, outorga direito de ressarcimento ao possuidor pelos melhoramentos

realizados.

DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70014945018, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 11/05/2006) 26 CIVIL - USUCAPIÃO - VEÍCULO - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - INADIMPLEMENTO - PRESCRIÇÃO AQUISITIVA - IMPOSSIBILIDADE - POSSE INJUSTA - I- A posse de bem por contrato de alienação fiduciária em garantia não pode levar a usucapião, seja pelo adquirente, seja por cessionário deste, porque essa posse remonta ao fiduciante, que é a financiadora, a qual, no ato do financiamento, adquire a propriedade do bem, cuja posse direta passa ao comprador fiduciário, conservando a posse indireta (IHERING) e restando essa posse como resolúvel por todo o tempo, até que o financiamento seja pago. II- A posse, nesse caso, é justa enquanto válido o contrato. Ocorrido o inadimplemento, transforma-se em posse injusta, incapaz de gerar direito a usucapião. Recurso Especial não conhecido. (STJ - REsp 844.098 - (2006/0094012-5) - 3ª T - Relª Minª Nancy Andrighi - DJe 06.04.2009 - p. 1330).

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Será de boa-fé a posse quando o possuidor ignora o vício, ou o

obstáculo que impede a aquisição da coisa, nos termos do artigo 1.20127 do Código Civil.

Será de má-fé quando o possuidor exerce a posse a despeito de estar ciente que é

clandestina, precária, violenta ou encontra qualquer outro obstáculo jurídico à sua

legitimidade.

Assim, o que distingue uma posse da outra é a posição psicológica do

possuidor. Se, sabe da existência do vício, sua posse é de má-fé. Se, ignora o vício que a

macula, sua posse é de boa-fé.

A título de ilustração, se o possuidor está ciente da violência que

inquina a posse, pois ele, utilizando-se de força física, desapossou o dono do imóvel,

estamos diante de um possuidor de má-fé, já que tem consciência da situação do fato. Os

efeitos da ausência ou não de consciência dos vícios da posse serão diversos, porque o

possuidor de boa-fé terá direito à indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias,

inclusive com direito de retenção, e o possuidor de má-fé apenas terá direito à

indenização, dependendo a benfeitoria28, mas não à retenção, pelas benfeitorias

necessárias, conforme prescreve o artigo 1.21929 do Código Civil.

27 Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa. Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção. 28 PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - AÇÃO POSSESSÓRIA - REINTEGRAÇÃO - DIREITO DE RETENÇÃO - POSSE DE MÁ-FÉ - IMPOSSIBILIDADE - INFRINGÊNCIA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS - INVIABILIDADE DE APRECIAÇÃO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL - ARTS 458, II E III E 535, AMBOS DO CPC - NÃO INFRINGÊNCIA - ART. 1220, DO CC - PROVAS - SÚMULA 07 – (...) 3 - Extrai-se que o Colegiado de origem ao examinar todo o contexto probatório, entendeu que a posse do recorrente era de má-fé, o que lhe retira o direito de retenção, conforme preceitua o art. 1.220 do Código Civil (art. 517 do Código Civil de 1916): "Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lha assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias." Ademais, impõe salientar que as alegações do recorrente de que a autora não possui um terreno de 399, 16 metros e sim de 299 metros e que as obras de edificação ali realizadas não eram de má-fé, ensejam dilação probatória, o que é vedado pela via eleita (Súmula 07 do STJ) 4 - Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (STJ - RESP 260228 - ES - 4ª T. - Rel. Min. Jorge Scartezzini - DJU 30.08.2004 - p. 00289) Neste sentido, ainda: PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE RESCISÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL, CUMULADA COM REINTEGRAÇÃO DE POSSE E PERDAS E DANOS COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - PRELIMINAR DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE CÔNJUGE REJEITADA POR UNANIMIDADE - INADIMPLÊNCIA - BENFEITORIAS - INDENIZAÇÃO - MÉRITO - SENTENÇA MANTIDA - APELAÇÃO IMPROVIDA - DECISÃO

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O legislador presume de boa-fé o possuidor que tem justo título,

conforme se nota no parágrafo único do artigo 1.201 do Código Civil: O possuidor com

justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei

expressamente não admite esta presunção.

Com relação a esse justo título, na III Jornada de Direito Civil, aprovou-

se o enunciado nº 302, prevendo que Pode ser considerado justo título para a posse de

boa-fé o ato jurídico capaz de transmitir a posse ad usucapionem, observado o disposto no

art. 113 do CC. Também nesta Jornada restou aprovado o Enunciado n° 303, pelo qual

considera-se justo título para presunção relativa da boa-fé do possuidor o justo motivo que

lhe autoriza a aquisição derivada da posse, esteja ou não materializado em instrumento

público ou particular. Compreensão na perspectiva da função social da posse.

UNÂNIME - Preliminar de nulidade do feito por ausência de citação do cônjuge: O contrato de compromisso de compra e venda celebrado entre as partes constitui relação de direito pessoal, meramente obrigacional. Não há, ainda, negociação acerca de direito real imobiliário que enseje a citação do cônjuge do Apelante. Ainda, não há nos autos sinal de composse ou ato praticado por ambos os cônjuges, o que demandaria a citação de ambos, nos termos do art. 10 do Código de Processo Civil. Nos termos da jurisprudência desta Corte, é necessária apenas a citação do cônjuge que firmou o compromisso de compra e venda " (TJPE, Apelação Cível nº 125844-0, 5ª Cam. Cível, julg. 29/11/2006). Preliminar rejeitada. Decisão unânime. Mérito: Notório é que o Apelante construiu a edificação constante do terreno de propriedade da Apelada, de má-fé, eis que inadimplente desde a 2ª prestação relativa a avença. Conforme planilha, o Apelante apenas honrou as duas primeiras parcelas, restando em débito com todas as outras parcelas posteriores, as quais somavam 23 (vinte e três) quando do ajuizamento da presente demanda. Neste panorama, conclui-se que o Apelante edificou em terreno alheio, com consciência da sua má-fé, eis que o compromisso de compra e venda não foi cumprido pelo mesmo, diante da sua inadimplência. O terreno não pode ser considerado de propriedade do Apelante tão-somente pela assinatura do compromisso de compra e venda, pois o que se transfere, até total cumprimento da avença, é a posse. Esta afirmação é corroborada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, (STJ, REsp 667242 / PR, 3ª Turma, Julg. 23/08/2007). Na condição de possuidor de má fé, ao Apelante apenas se confere o direito de obter indenização pelas benfeitorias necessárias, conforme dispõe o art. 1220 do Código Civil. Deste modo, não assiste direito à indenização ao Apelante, eis que a benfeitoria erigida pelo mesmo em terreno alheio, em posse de má fé, não se amolda ao conceito de benfeitoria necessária. De acordo com a jurisprudência desta Corte, a indenização apenas se confirma em casos nos quais evidenciada a boa fé TJPE, Apelação Cível nº 50757-9/99, 2ª Câmara Cível, julg. 02 de abril de 2003). Apelação improvida. Sentença mantida. Decisão unânime. (TJPE - AC 0117384-4 - 3ª C.Cív. - Rel. Des. Bartolomeu Bueno - DJe 14.01.2010 - p. 110. 29 Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

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Neste sentido, confira-se decisão do STJ, que é uma verdadeira aula

sobre a realização de obras em bem público: PROCESSUAL - ADMINISTRATIVO -

INDENIZAÇÃO - BENFEITORIAS - POSSE - BOA-FÉ - INEXISTÊNCIA - LIQUIDAÇÃO POR

ARTIGOS - 1- A posse como fenômeno fático-jurídico considera-se para fins legais como de

boa-fé se o possuidor ignora o vício ou obstáculo que impede a aquisição da coisa (art.

1.201 do CC/2000 e 490 do CC/1916). 2- A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e

desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora

que possui indevidamente (art. 1.202 do CC/2000 e art. 490 do CC/1916), como, v.g., a

decisão judicial que declara a nulidade do título que a embasa. 3- O insigne Clóvis

Beviláqua, em seu "Código Civil dos Estados Unidos do Brasil", Ed. Rio, comentando os arts.

490 e 491, sustentava:. 1- Vício da posse é tôda circunstância que a desvia das prescrições

da lei. O vício pode ser objetivo ou subjetivo. O primeiro refere-se ao modo de estabelecer a

posse, como nos casos de que tratou o artigo antecedente: violência, clandestinidade e

precariedade. O segundo refere-se à intenção, à consciência do indivíduo. É a mala fides, é

o conhecimento, que o possuidor tem, da ilegitimidade da sua posse, na qual, entretanto, se

conserva" (p. 973). "(...) As circunstâncias capazes de fazer presumir a má fé do possuidor

podem variar, mas os autores costumam reduzi-las às seguintes: confissão do próprio

possuidor, de que não tem nem nunca teve o título; Nulidade manifesta dêste; O fato de

existir em poder do possuidor instrumento repugnante à legitimidade da sua posse" (p.

974). Grifou-se. 4- In casu, "a parte autora teve a escritura da área transcrita - "escritura

pública de composição acordo e doação em pagamento" - , por carta precatória expedida

pelo Juízo de Direito da 10ª Vara Cível do Distrito Federal, em 04 de dezembro de 1950;

Logo após, em 18 de janeiro de 1951, também por carta precatória, mas agora pelo Juízo

da Comarca de Curitiba e a requerimento da União, houve o cancelamento daquela

transcrição; Não muito tempo depois, anulou-se o cancelamento, restaurando-se a

transcrição, face à carta precatória expedida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da Fazenda

Pública do Estado do Paraná, isto em 14 de maio de 1953; E, finalmente, agora por carta

precatória expedida pelo Juízo de Direito da Segunda Vara da Fazenda Pública do Distrito

Federal, a requerimento da União Federal, em 04 de agosto de 1953, foi cancelado "o

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registro e transcrição dos imóveis MISSÕES e CHOPIN, efetuados em nome de Clevelândia

Industrial e Territorial Ltda - CITLA. 5- Consectariamente, à luz da doutrina legal da posse

"se foi a autora possuidora de boa-fé, só o foi nos períodos de 04 de dezembro de 1950 a 18

de janeiro de 1951, aproximadamente mês e meio, e de 14 de maio de 1953 a 04 de agosto

daquele mesmo ano, menos de três meses, um total de menos de quatro meses". 6- É que "a

partir dos cancelamentos dos registros é inquestionável a presunção de que o possuidor

sabia que possuía indevidamente, dado o princípio da publicidade que rege os Registros

Públicos, isto é, uma vez cancelada a escritura, tem-se como público aquele ato jurídico". 7-

A posse fundada em justo título e, a fortiori, de boa-fé perde esse caráter com a

desconstituição da causa jurídica que a sustentava. 8- A perda da boa-fé pode ser aferida

por um critério objetivo, exteriorizada por fatos, indícios e circunstâncias que revelam uma

situação subjetiva, conforme lição da doutrina abalizada, verbis: "A boa ou a má-fé

constituem-se em um dos elementos que integram o chamado "caráter da posse". O que se

verifica do texto do art. 1.202 é que o critério em decorrência do qual alguém deixará de

ser havido como tendo de boa-fé, para ser havido como passado a estar de má-fé (estado

subjetivo de cognição), é um critério objetivo, ao menos exteriorizável por fatos, indícios e

circunstâncias, que, por sua vez, revelam uma situação subjetiva, ou seja, desde que

compareçam as circunstâncias a que, genericamente, se refere a lei, esse alguém não mais

poderá ser presumido como estando de boa-fé. Segundo se extrai do texto comentado, são

suficientes circunstâncias tais que podem ser determinativas do momento em que o

possuidor de boa-fé deve ser havido como tendo estado ou passando a estar de má-fé. Em

princípio, portanto, o texto descarta a necessidade de prova direta do estado subjetivo, que

consistiria em comprovar a má-fé, em si mesma, prova esta, direta, praticamente muito

difícil, ainda que possível. A má-fé, no caso, configura um estado de espírito permeado pela

consciência da ilicitude em relação a uma dada situação de que o sujeito participa. É

compreensível que determinadas situações de ilicitude tenham sua comprovação por meios

indiretos, dentre os quais se incluem indícios e as presunções. E, no caso, isto se acentua

diante do fato de aquilo que está em pauta ser um estado subjetivo. Deve-se ter presente

que situações ilícitas, como é o caso da má-fé, não se ostentam. Daí a admissão, desde logo,

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pela lei, de sua comprovação por circunstâncias. Isto significa que tais circunstâncias se

constituem no meio normal de prova para a hipótese. Se é verdadeiro que "indícios e

presunções encontram-se, na hierarquia das provas, numa posição subsidiária", não é

menos certo, para a hipótese, que é o próprio texto legal que a estes se refere como sendo o

meio de prova usual e normal da má-fé. Isto significa que, no caso, não têm estes - Indícios

e presunções, ou, como os denomina o texto do Código Civil, circunstâncias - Uma posição

propriamente subsidiária. E regula também quando estas circunstâncias operam, pois se

refere a que em dado momento, quando se evidenciarem tais circunstâncias, haver-se-á de

concluir que o possuidor estava, está (ou, num dado momento, passou a estar) de má-fé.

Deve ser reconhecida uma relação indicativa entre o momento dessas circunstâncias e

aquele em que o possuidor será havido como tendo passado a estar de má-fé. É por outro

lado, um assunto que se relaciona ordinariamente com o direito processual civil, tendo em

vista que normalmente essas circunstâncias assumem relevância em processo judicial. É o

momento da propositura de ação contra o possuidor, e, mais raramente, o momento da

produção da prova, no curso de processo, se então vier a ser demonstrada a má-fé, a partir

de fato ocorrido sucessivamente à propositura da ação possessória. É possível, ainda, pelo

texto, por circunstâncias indicativas de que o possuidor já estivesse de má-fé,

antecedentemente ao início do processo. De qualquer forma, são essas circunstâncias que

indicam o tempo ou o momento a partir do qual alguém, que hipoteticamente pudesse ser

havido como de boa-fé, passa a ser havido como estando de má-fé. A boa-fé é um estado

subjetivo, comumente não revelado ou exteriorizado. Por isso, como já se afirmou, é

extremamente difícil a comprovação direta desse estado. Há, acentue-se, uma presunção

ominis de que as pessoas estão de boa-fé. Daí é que a lei estabelece uma presunção que

decorrerá das circunstâncias, que conduzam a se acreditar que o possuidor, se

originariamente de boa-fé, perdeu essa crença (desde o momento em que "as

circunstâncias façam presumir" que não está de boa-fé"). É a partir de um indício ou mais

de um, ou do conjunto das circunstâncias mesmas, que se chegará à conclusão de que o

possuidor, em dado momento e em função de fato ou fatos, que consubstanciam tais

circunstâncias ou que constituem tais indícios, deixou de estar de boa-fé ('deixou de

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acreditar que a sua posse não lesava situação de outro'). Em realidade, o fato probando é a

má-fé. Os fatos em que se configuram as circunstâncias é que conduzirão à crença na

existência da má-fé. Nesta presunção estabelecida pela lei não já propriamente um fato

auxiliar previamente definido, de cuja ocorrência concluir-se-ia pelo fato probando; Senão

que a referência é a de um texto aberto que alude a "circunstâncias", quaisquer que sejam

elas, desde que delas se possa concluir que aquele que pretende estar de boa-fé, na

realidade não está, porque não pode ignorar que a sua situação lesa direito alheio" (

ALVIM, Arruda. Comentários ao Código Civil Brasileiro. Vol. XI, Tomo II. Forense. Rio de

Janeiro 2009, p. 195/198). 9- Os efeitos da posse de boa-fé no caso sub examine em

confronto com a higidez da ordem jurídica e com a vedação ao enriquecimento sem causa

deve adstringir-se, portanto, ao total período mencionado no item 6 da ementa, vale dizer:

de 04 de dezembro de 1950 a 18 de janeiro de 1951, aproximadamente mês e meio, e de 14

de maio de 1953 a 04 de agosto daquele mesmo ano." 10- O possuidor de boa-fé tem

direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos, sendo certo que os frutos pendentes ao

tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as

despesas da produção e custeio; Devem ser também restituídos os frutos colhidos com

antecipação (art. 1.214, do CC/2000 e art. 510 do CC/1916). 11- O possuidor de boa-fé tem

direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como quanto às

voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da

coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis

(art. 1.219, do CC/2000 e art. 516, do CC/1916). 12- O Decreto-lei nº 9760/46, nos 70, 71

e 90 impõe a anuência do Serviço do Patrimônio da União (S.P.U.) para a realização de

benfeitorias em terras da União e pressupõe inequivocidade da titulação da entidade

pública, fato que, ao menos em pequeno período, não se verificou. 13- A prova insuficiente

da realização de benfeitorias por ausência de documentação impõe que antecedentemente

ao cumprimento da sentença proceda-se à liquidação por artigos, espécie que comporta

dilação probatória, diferentemente do arbitramento que supõe inequívoco an debeatur.

14- Os embargos de declaração que enfrentam explicitamente a questão embargada não

ensejam recurso especial pela violação do artigo 535, II, do CPC, tanto mais que o

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magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte,

desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 15-

Recursos parcialmente providos, para reconhecer a posse de boa-fé e seus efeitos somente

no período mencionado, apurando-se o quantum debeatur em liquidação por artigos30.

2.8.7 Posse nova e posse velha

Leva-se em consideração o tempo em que a posse é exercida. Tem-se

como nova aquela cujo exercício é inferior a ano e dia e velha aquela cujo exercício é igual

ou superior a ano e dia.

A distinção apresenta importância na medida em que o tempo é capaz

de consolidar a situação de fato e convalidar os vícios da violência e da clandestinidade.

Não se deve confundir posse nova com a ação de força nova, nem posse

velha com ação de força velha.

Classifica-se a posse em nova ou velha quanto à sua idade. Todavia, para

saber se ação é de força velha ou nova, leva-se em conta o tempo decorrido desde a

ocorrência da turbação ou do esbulho. Se o turbado ou esbulhado reagiu logo,

intentando a ação dentro do prazo de ano e dia, contado da data da turbação ou do

esbulho, poderá pleitear a concessão da liminar (CPC, 924), por se tratar de ação de

força nova31. Passado esse prazo, no entanto, o procedimento será ordinário, sem direito

a liminar, sendo ação de força velha32.

30 STJ - REsp 298.368 - (2000/0145757-8) - 1ª T - Rel. Min. Luiz Fux - DJe 04.12.2009 - p. 518. 31 AGRAVO DE INSTRUMENTO - ACAO DE REINTEGRACAO NA POSSE - RITO ESPECIAL - LIMINAR - CAUTELA DO ESTADO-JUIZ - AUDIENCIA DE JUSTIFICAÇÃO PRÉVIA - NECESSIDADE - 1- O estatuto processual civil em momento algum elenca a posse velha como óbice a concessão liminar reintegratória. Em verdade, a posse com mais ou menos de ano e dia apenas distingue o procedimento a ser adotado. No primeiro caso, a ritualística segue o célere tramite dos artigos 920 e 931 da lei adjetiva, enquanto na segunda hipótese o feito envereda-se pela via ordinária. Precisa aplicação do artigo 924, do CPC. Precedentes do STJ. 2- Por lado, mesmo tratando-se de posse nova, com in casu, o sumario despossamento de uma família consagra espécie de

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2.8.8 Posse natural e posse civil ou jurídica

Posse natural é a que se constitui pelo exercício de poderes de fato

sobre a coisa, a que se assenta na detenção material ou efetiva da coisa. É o caso da

posse sem título, situação em que não há uma causa representativa, pelo menos

aparente, da transmissão do domínio fático. A título de exemplo pode ser citada a

situação em que alguém acha um tesouro, depósito de coisas preciosas, sem a intenção

de fazê-lo. Nesse caso, a posse é qualificada como um ato-fato jurídico, pois não há uma

vontade juridicamente relevante para que exista um ato jurídico.

Posse civil ou jurídica33 é a que se adquire por força de lei, sem

necessidade de atos físicos ou da apreensão da coisa. Também pode ser conceituada

prestação jurisdicional carecedora da mais aguçada ponderação e cautela pelo estado-juiz. Medida extrema desse jaez legitima-se somente quando o acervo probatório trazido com a peca matriz induvidosamente evidencia a plausibilidade do pedido. Do contrario, e recomendável que o julgador designe audiência de justificação previa, nos termos do artigo 928, segunda parte, do cpc, para, só então, deliberar acerca do pleito provisório, ocasião em que melhor poderá aquilatar as circunstancias factuais da lide. Agravo conhecido e parcialmente provido. (TJGO - AI 76815-1/180 - 2ª C.Cív. - Rel. Paulo César Alves das Neves - DJe 19.10.2009 - p. 93) 32 AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - LETIGIMIDADE PASSIVA ASSENTADA - INCORRETA CONCESSÃO DE LIMINAR EM POSSE DE MAIS DE ANO E DIA - INSUBSISTÊNCIA DA DECISÃO QUE SE IMPÕE - Rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva quando demonstrada a pertinência subjetiva do réu para a demanda. Nas demandas possessórias pautadas pelo rito especial, somente em caso de ação de força nova, ou seja, na hipótese de posse de menos de ano e dia, será admitida a concessão da liminar. (TJMS - AG 2009.029802-8/0000-00 - 4ª T.Cív. - Rel. Des. Rêmolo Letteriello - DJe 21.01.2010 - p. 61) 33 DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - PRELIMINARES AFASTADAS - REVELIA - TÉRMINO DE CONTRATO VERBAL DE COMODATO - NÃO DESOCUPAÇÃO DO BEM IMÓVEL - POSSE INJUSTA PELO VÍCIO DA PRECARIEDADE - ESBULHO POSSESSÓRIO CARACTERIZADO - SENTENÇA MANTIDA - 1- Nos termos do artigo 42 do código de processo civil, "a alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes". Logo, a autora é parte legítima a figurar no pólo ativo da demanda, devendo os adquirentes do imóvel litigioso se sujeitar aos efeitos da sentença prolatada nos presentes autos. 2- Em ação possessória não há necessidade de vênia conjugal do consorte da parte autora para o ajuizamento da demanda, o que somente ocorre nas ações de direito real imobiliário, a teor do artigo 10, caput, do cpc. 3- Em não havendo composse e não se tratando de ato praticado por ambos os cônjuges, não se mostra imprescindível o litisconsórcio ativo e/ou passivo nas ações possessórias (ART. 10, § 2º, DO CPC). Do mesmo modo, se houve separação judicial, incabível a regra inserta no supracitado artigo. 4- A pactuação de contrato de comodato exterioriza a qualidade de possuidor por meio do exercício, de fato, de alguns dos poderes inerentes à propriedade, quais sejam, o de uso e gozo. Se não bastasse isso, no presente caso, a autora/comodante também tem a posse civil ou jurídica do bem que lhe foi transmitida pela escritura pública de doação do imóvel, a qual, a exemplo da posse natural, igualmente lhe autoriza o ajuizamento de ação possessória. 5- Ante a revelia, reputam-se verdadeiros os fatos afirmados

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como a posse com título, onde é uma situação em que há causa representativa da

transmissão da posse, caso de um documento escrito, como ocorre na vigência de um

contrato de locação.

pela autora, restando incontroversa, pois, a existência de contrato verbal de comodato, originariamente firmado com o ex-cônjuge da ré, a qual permaneceu no imóvel e se negou a desocupá-lo após o requerimento da comodante. 6- Em assim agindo, a posse da ré se transmudou de justa para injusta em razão do vício da precariedade por não mais estar amparada pelo contrato de comodato, tendo praticado, dessa forma, esbulho possessório a autorizar o manejo de ação de reintegração de posse por parte da autora. 7- Apelo não provido. (TJDFT - APC 20060910090486 - 4ª T.Cív. - Relª Leila Arlanch - DJU 28.01.2009)