a promessa-xii
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A PROMESSA
XII - Nunca nos inqueiçamos, mas já nos atrapalhámos.
Com a fuga dos franceses, Wellington começou o caminho para Espanha.
Entre os dias 8 e 19 de Janeiro de 1812, os ingleses cercaram e tomaram
Ciudad Rodrigo, onde o exército francês resistia sob o comando do
general Berrié. Mas nada era fácil para os ingleses, com vários
‘observadores’ da Serra da Estrela no seu exército, pois, no dia 9 de
Janeiro, o general francês Suchet conquistou Valência e no dia 26 do
mesmo mês, a Catalunha seria anexada e dividida em quatro pequenas
províncias pelos franceses.
Napoleão não temia ninguém. E tanto assim, que no dia 23 de Janeiro
rasga a Concordata com o Papa. Não satisfeito, prende o Santo Padre em
Savona e transfere-o para a prisão de Fointainebleau, em 21 de Maio. Já
antes, tinha assinado um tratado com a Prússia e outro com a Áustria,
para ocupar a Rússia.
A 16 de Março de 1812, enquanto o Senhor Manuel Luís estava em Bordéus
a entregar aguardente, Wellington começava o terceiro cerco a Badajoz,
que era defendida pelo general Philippon.
Três dias depois, em Cadiz, os espanhóis tentavam salvar o país,
aprovando a Constituição que pouco serviria. A 30 de Março, os
franceses voltavam a Ciudad Rodrigo, chefiados pelo marechal Marmont,
que no dia 4 de Abril invade Portugal.
A IVª Invasão Francesa é pouco conhecida, por ter sido curta e porque
ao mesmo tempo em que os franceses entravam em Portugal, as tropas
anglo-portuguesas avançavam e tomavam Badajoz. No dia 6 de Abril, o
general Clausel tenta tomar Almeida, mas não consegue, pois horas
antes, os homens do mercador ‘Paixão’, da Erada, viram os franceses e
avisaram todos pelo caminho. Pior sorte, teve a comitiva que vinha do
Douro. O ‘Malha-Pão’ de Loriga e seis dos seus moços foram feridos,
quando se viram no meio da luta entre os franceses e a milícia
portuguesa, na Guarda, a 14 de Abril. Antes, já Alvoco da Serra chorara
a morte do moço ‘Pisco-Ruivo’, no dia 8, quando o exército francês
rodeou o Sabugal, e investiu contra Castelo Branco. No dia de Santo
António, o exército anglo-português atravessa o rio Águeda, mas só no
dia 17 é que entra em Salamanca, com Wellington.
Diplomaticamente, Portugal prorroga o Tratado de Amizade com a Rússia,
que assinara depois do dia de Natal de 1798. Ao mesmo tempo, celebra um
Tratado de Paz com Argel. No dia 18 de Junho de 1812, os Estados Unidos
da América declaram a guerra à Grã-Bretanha e muitos portugueses,
pensam que talvez assim, os ingleses deixem Portugal e se virem para o
outro lado do Atlântico. Um mês depois, Wellington e Mormont combatem
em Tordesilhas. A 21 de Julho dá-se a batalha de Castalla, perto de
Valência, vencendo Dellort os espanhóis e ingleses comandados por
O’Donnell. Mas no dia seguinte, em Salamanca, Mormont sofreria a
derrota e mais um dia bastou para ser esmagado em Garcia Hernandez,
pela cavalaria britânica montada em cavalos puros lusitanos, criados
em Queluz e Mafra. Agosto será o mês marcante. Os aliados tomam Madrid
e avançam com menos custo pela Espanha, pois Napoleão e as suas
tropas querem tomar conta da Rússia, entrando em Moscovo a 14 de
Setembro.
Só que os russos não se renderam a Napoleão, que sai de Moscovo no dia
19 de Outubro. À Península Ibérica, os franceses regressam a Madrid com
o seu ‘rei’ José Bonaparte, a 2 de Novembro, mas já nada é como antes.
Dentro das tropas imperiais crescia um enorme descontentamento, tendo
havido uma tentativa de Golpe de Estado, pelo general Malet, fuzilado
uma semana depois.
Depois da visita de D. Mendonça Arrais a Loriga, os olhos voltaram-se
para o afilhado Pina de Aragão. Todos os dias, o ex-militar ensinou
Sebastião a montar e a lutar, para que melhor possa servir as
intenções da menina Francisca Monteiro. As estradas e caminhos de
Portugal, tornam-se mais perigosos. Já antes, o Senhor Manuel Luís
criara uma farda semelhante à do exército para que os seus homens
iludissem qualquer estranho que os abordasse. Mesmo assim ou foi isso
que não evitou que ele e os seus moços fossem feridos, no primeiro
Domingo de Agosto de 1813, ao entrarem em Portugal, por homens da
milícia e por engano.
A notícia espalhou-se depressa e se um dos melhores mercadores da
Serra era ferido, então o resto do povo ficara apreensivo e inseguro.
Mas, se há coisas ruins que nos deitam abaixo, também há coisas ruins
que nos levantam; como foi o caso. O incidente serviu para que o filho
miúdo do Senhor Manuel Luís, Manuel Luís Fernandes Jr., crescesse em
maturidade e se tornasse mais chegado ao pai. Esse miúdo de Alvoco da
Serra, casará anos depois com a mana da menina Francisca e será avô
de parte da família Camelo, da vila de São Romão.
O Zé da Cabeça não se feriu e foi ele que trouxe todos de volta a
Loriga, a Alvoco da Serra, a Vasco Esteves, ao Outeiro da Vinha.
Os homens pediram ajuda a Pina de Aragão, que na Praça de Loriga
estabeleceu um plano. Sebastião levantava o ânimo, falando nos
Cartagineses e como todos descendiam destes. Nessa noite, um e outro,
entraram nas lojas de sapateiros e falaram com mulheres sabidas e
vividas. O plano era vestir os mercadores de Loriga com roupa preta,
causando a ilusão de que eram ciganos. A roupa teria bolsos falsos que
serviriam para esconder dinheiro e punhais. O mesmo aconteceria com
as botas. A sola teria de ter algo vago que escondesse uma arma.
As mudanças foram-se dando devagar, ao sabor do evoluir da guerra e
dos perigos que iam surgindo. Depois o Senhor Manuel Luís foi
melhorando e juntou-se a Pina de Aragão, a Sebastião, a Francisca
Monteiro e a mais um ou dois que iam tentando arranjar formas de
proteger os mercadores e as povoações da Serra da Estrela.
Se as roupas e as armas eram fáceis de arranjar, já os animais
escasseavam e muitos eram roubados quando deixados numa localidade
por minutos. Um dia, o Senhor Manuel Luís apareceu com uma ideia que
não era dele, mas do Zé da Cabeça.
Comprariam cavalos bons, fortes e robustos. Apenas teriam de resolver
dois problemas, ter dinheiro para os comprar e saber onde os comprar.
O facto de Maria ser casada com Vicente Calheiros talvez ajudasse, mas
a Maria detestava qualquer ligação a Loriga e o juro do pai do futuro
conde da Covilhã era mais famoso que o pior juro dos judeus de
Belmonte. Por outro lado, de Belmonte, os Judeus que restavam, fugiram
nessa altura. Restava o Calheiros.
O negócio ia cada vez pior, mas todos sabiam que a guerra não haveria
de durar muito e que depois vem sempre a bonança.
Toda a gente convenceu Teresa a falar com a irmã sobre o assunto. E
Teresa não se negou. Pegou num xaile e foi a Valezim pedir ajuda à
irmã para os mercadores da Serra, mas a irmã não abriu a porta. Teresa
ainda ouviu a irmã a dizer a uma criada para que dissesse que não
estava. Disse-o bem alto para que ferisse Teresa, mas Teresa tinha o
coração puro e perdoava tudo, pois achava que não deveria ser mais do
que o Senhor que na Santa Cruz perdoara tudo.
Voltou a Loriga com a nega, mas ficou para sempre como uma heroína
para os mercadores, que dela se lembravam sempre no regresso.
As coisas foram andando devagar, até que um dia, o Senhor Manuel Luís
e Pina de Aragão encontraram Vicente Calheiros, no caminho de São
Romão.
Conversa puxa conversa e Vicente concordou emprestar dinheiro em
troca de lucros das mercadorias e de que fosse a ele que todos
comprariam os cavalos. Sem outra escolha, os homens concordaram. Mas
dias depois, quando o Zé da Cabeça viu os animais e trocou palavras
sobre o assunto com o Sebastião, todos ficaram com a sensação que
tinham sido enganados. Os animais que não estavam doentes eram velhos
e fracos para percorrerem as estradas de Portugal e muito menos irem
a Espanha ou a Bordéus, entregar mercadoria. Mas ninguém desistiu.
Venderam-se os cavalos e com eles compraram-se um quarto desse número
de animais, mas em bom estado. Depois marcaram-se com um ferro em
forma de uma espécie de flor. E depois entraram ao serviço.
Em Janeiro de 1814, já o Senhor Manuel Luís estava bem recuperado.
Alvoco da Serra produzia mais do que nos anos anteriores e dava o
acabamento do seu trabalho a Loriga, que trabalhava melhor do que
nunca. Os mercadores de Loriga vestiam agora de preto e todos tinham
deixado crescer o bigode ou as barbas. Para lhes aumentar o ânimo,
Pina de Aragão deixou de lhes chamar mercadores e passou a chamá-los
de ‘Cartagenos’.
Sebastião montava agora mal o cavalo e tentava ganhar pelo nas fuças,
mas era novo para ter bigode ou barba. O mesmo acontecia com o Zé da
Cabeça, mas este trava por irmão qualquer cavalo e ninguém montava
melhor do que ele. Estava no sangue que escondia.
A dívida a Vicente Calheiros apertava todos e por mais que lhe dessem,
estavam sempre a dever muito. Sentiam-se empregados do usurário. Só ele
sabia o quanto deviam e estava sempre a controlar tudo. Quando
partiam. Quando chegavam. O que traziam e o que levam.
A 4 de Abril de 1814, Napoleão abdica, mas só a 23 do mesmo mês, com a
assinatura da Convenção de Paris, entre a França e as quatro
potências aliadas, é que a França regressa às fronteiras de 1 de
Janeiro de 1792. A Europa não será a mesma. Napoleão foi militarmente
afastado, mas o seu ‘Code Civil’ ficará até aos nossos dias a marcar o
Direito e a Justiça.
No primeiro fim-de-semana de Agosto, o padre Costa e todos os que
fizeram parte das milícias, voltam a casa, a Loriga e a todas as
localidades vizinhas. Apesar de não haver quase que comer, uma festa é
feita e repetida por vários anos, sempre nesse fim-de-semana, quase até
surgir uma festa maior… O fim da guerra é anunciado a 6 de Agosto,
mesmo que os ingleses quisessem continuar a mandar, com o regresso de
Beresford a Portugal, no dia 26.
O Setembro desse ano, começou mal; cheio de chuva, de trovoadas e uma
gripe que tardava em passar. Mas sentia-se o alívio das gentes. Os
‘hóspedes’ das terras mais baixas, começavam a regressar a suas casas.
O Natal, embora tenha sido mais fraco, não foi menos sentido e vivido
pelas gentes da Serra.
Em Janeiro de 1815, em Loriga todos se esforçaram para que o Cambeiro
fosse bem carregado e assim foi. O Cambeiro é uma tradição loriguense
que só encontra parecido em Portugal no mastro dos Santos Populares,
por altura das festas dos três santos, do qual vê algo parecido em
certos locais do Brasil, com a tradição do mastro de São João e na
Suécia, pelo meio de Maio, com o "majstången" que simboliza o início das
festas estivais de junho, "Midsommarafton". Segundo os entendidos
trata-se de uma celebração pagã, anunciando o começo do tempo bom. Em
Loriga, o Cambeiro sai à rua em Janeiro e visa angariar dinheiro para
as celebrações da festa em honra de São Sebastião. Nesse dia, um mastro
em madeira é transportado pelas ruas ao som de um chocalho e os
habitantes, fregueses da vila, vão doando bens que vão sendo
pendorados no mastro. Esses bens, enchidos, comidas e sacos de cereais
são depois leiloados no adro da igreja de Santa Maria Maior de Loriga.
Com o resultado da venda, a gente da vila faz a festa a São Sebastião
no final do mês de Julho de cada ano. Hoje, o mastro já não é de
madeira e o chocalho foi substituído por uma sineta, mas a tradição
ainda está bem viva.
Tendo terminado a guerra em 1814, não havia um português que não
estranhasse o porquê da permanência dos ingleses nos mais altos
cargos do exército e no controlo de tudo o que fosse nacional.
Os ingleses controlavam os portos do Brasil e tentavam impor
Beresford, que foi posteriormente corrido pelos portugueses da
metrópole. O povo estava farto de ser mandado por estrangeiros, pois
tinha sido o povo e não a nobreza, a correr com o invasor. A nobreza
vivia bem no Brasil ou servira Napoleão, como o fizera Alorna e Gomes
Freire de Andrade e Castro. O avanço da Revolução Industrial trazia um
amargo de boca a Inglaterra, pois Portugal tinha mão-de-obra de graça,
- os escravos. Assim, em Viena, em 22 de Janeiro de 1815, a Grã-Bretanha
conseguiu de Portugal a abolição do tráfico de escravos na costa de
África ao norte do Equador.
Por essa altura, os gémeos e Luís de Mendonça Arrais voltam novamente
a Portugal. É intensão do ‘Chalaça’ que Portugal e o Brasil ganhem
autonomia em relação aos ingleses e com essa intensão é que Luís de
Mendonça Arrais se torna próximo de Gomes Freire, regressado a
Portugal, em 25 de Maio. Luís impressiona com os relatos de combates no
Brasil e Gomes Freire conta as façanhas de Napoleão e de Catarina II
da Rússia. É Gomes Freire que inicia Luís na Maçonaria, pois já em 1801,
a loja maçónica do Grande Oriente Lusitano, havia nascido em sua casa,
mesmo que ainda como tal não se chamasse. Por outro lado, ‘Chalaça’
quer um dos gémeos junto a Beresford e à Viscondessa de Juromenha,
enquanto o outro, padrinho de Sebastião, ruma ao Porto. Era essencial
conhecer bem o país. D. Pedro de Alcântara, segundo filho varão de D.
João VI, torna-se maçon, adoptando o nome de Guatimozim, sendo depois
um dos Grão Mestres da Maçonaria brasileira, tendo sido instalado em 4
de Outubro de 1822.
O exército português era agora todo controlado pelos oficiais
superiores britânicos e Gomes Freire surgia como uma esperança para
todos os militares portugueses. Distinguira-se fora do país. Pelo lado
materno tinha sangue de uma das potências mais modernas e evoluídas,
a Áustria e era tido por todos como um patriota, pois correndo todos os
riscos de ser visto como um traidor, voltara a Portugal.
Gomes Freire era exaltado e irritava-se facilmente, pelo facto de ser
português e apesar do final da guerra, receber ordens de estrangeiros.
Dizia publicamente o que muitos pensavam, mas calavam. Foi soando aos
poucos, que Gomes Freire preparava uma revolução para correr com os
ingleses e sobretudo com os Bragança. D. Maria da Luz, a Viscondessa de
Juromenha, apoiada pelo marechal Beresford, conseguiu rodear Gomes
Freire de alguns ‘falsos’ conjurados. Do outro lado, D. João VI era rei
há pouco tempo e nunca fora homem seguro de si, em que nada ajudou a
testa bem pesada, graças à princesa de la Plata e agora rainha
Carlota Joaquina.
Talvez as ideias de revolução tivessem sido exaltadas, para causar
medo a Beresford, que por sua vez, ao visitar o rei no Brasil, espalhou
o pânico no monarca. Talvez só ‘Chalaça’ soubesse mesmo a verdade, com
os seus espiões em Portugal. Talvez… tanta coisa e coisa nenhuma.
Os franceses tinham partido, mas em 1817, as suas ideias de justiça, de
liberdade, de igualdade e de fraternidade estavam mais vivas do que
nunca em Portugal. Se aquilo que diziam fosse igual ao que faziam,
talvez tivessem sido bem recebidos e de cá nunca sairiam.
Se D. Maria I era recordada como louca, D. João era tido como inseguro e
marido traído, incapaz de governar uma família e muito menos um reino.
D. Pedro de Alcântara era visto como alguém amigo do povo, mas se isso
dava confiança no futuro, retirava dos Bragança a auréola de
‘escolhidos de Deus’, recolocando-os ao nível do mais comum dos mortais.
Quando partiu para o Brasil, Beresford deixou vários espiões com a
tarefa de recolherem o nome de todos os putativos traidores.
Caminharam com cautela e tentaram saber tudo ao pormenor,
confrontados os militares portugueses mais antigos e mais poderosos.
Certificaram-se de que nada escapasse. A revolução organizava-se
ingenuamente, pois os militares contavam ter no povo um igual
entusiasmo, mas o povo só queria paz e esquecer a guerra. Para além
disso, começava-se a notar uma ligeira melhoria das condições de vida.
Os ingleses do vinho do Porto trocavam agora vinho por dinheiro e lã,
que os mercadores da Serra da Estrela trabalhavam ou vendiam à
Covilhã, a Portalegre e a Espanha. Assim, qualquer revolução em tal
clima, só seria mal sucedida. A revolução mal combinada e demasiado
romântica ou apaixonada e exposta, fez com que muitos dos conjurados
se tornassem delatores e que todas as denúncias terminassem num nome,
Gomes Freire, tido por um estrangeirado, que já antes tinha sido Judas
e servido Napoleão.
Beresford confrontou figuras tidas como fiéis, seguras, leais ao rei e
os testemunhos dos seus espiões. Homens como o Visconde de Santarém,
personalidade de confiança, pessoa influente e honrada que jamais
admitiria uma conspiração, são ideais para que levem a denúncia e os
documentos probatórios à Junta de Regência composta D. Miguel Pereira
Forjaz, Principal Sousa e por Beresford, que imediatamente se
assegurou da posição do exército e do apoio do general Paula Leite,
encarregue do governo das armas da corte e província da Estremadura,
emitindo ordens de prisão contra Gomes Freire, diversos oficiais e
civis. Entre eles, estavam os nomes dos gémeos e de Luís de Mendonça
Arrais. Pelos delatores, encontramos nomes como Andrade Corvo e Morais
Sarmento.
Tinha sessenta anos e vestiu a farda de militar antes de ser preso.
Agarrou um pequeno alfinete com as Quinas de Portugal, que recebera
do pai, antigo embaixador de Portugal em Viena de Áustria, depois foi
levado para o Forte de S. Julião da Barra. O general Gomes Freire de
Andrade e Castro pediu para ser fuzilado, pois era o que lhe estava
destinado como membro da alta nobreza, mas no entanto e por
humilhação, enforcaram-no, como se fazia a qualquer criminoso do povo.
De seguida, o corpo foi queimado e atirado ao mar, que o devolveu à
praia e onde cães famintos devoraram a carne e enterraram os ossos na
areia. Mesmo em pedaços, a sua mão direita continuava a segurar as
Quinas de Portugal.
Onze companheiros de armas não tiveram sorte muito diferente.
Arrastaram-nos para o sítio das touradas, o Campo de Sant’Ana e onde
foram supliciados como talvez nunca uma vítima do Santo Ofício o fora
antes num Auto de Fé. Seriam esses, a 18 de Outubro de 1817, os Mártires
da Pátria em Lisboa. A lentidão do suplicio, e o ter-se prolongado pela
noite, deu origem à frase, “Felizmente há luar” D. Miguel Pereira
Forjaz, primo ainda de Gomes Freire. Mais tarde, também o Porto teria os
seus, a 7 de Maio de 1829.
Sobre Gomes Freire, Raúl Brandão escreveu duas obras e Sttau Monteiro
uma peça, “Felizmente há luar”, em 1961 e proibida pelo regime, pelas
comparações com o Século XX. Durante a Primeira República, o dia 18 de
Outubro era feriado. Fizeram dele quase um Santo, mas apagaram as
suas ideias de Liberdade. Nada como a morte para sermos bons.