a pérola da arábia - s3.amazonaws.com filev eit luciana bajarunas-veit nasceu em 1976, em são...

29
A Pérola da Arábia LUCIANA B. VEIT

Upload: phungdan

Post on 05-Mar-2018

215 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

A Pérola da Arábia

LUCIANA B. VEIT

Page 2: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

Em relação ao livro imprimido "A Pérola da Arábia" por Luciana B. Veit, o layout do mesmo foi modificado paramelhor se enquadrar com o conceito do eBook.

A Pérola da Arábia

Copyright © 2006 by Luciana B. Veit.

All rights reserved.

Capa: Rüdiger Schulze

www.comunddesign.de

Published by: Lulu Enterprises

Printed by:

Lulu Enterprises Inc. 860 Aviation Parkway Suite 300 Morrisville, NC 27560 United States of America

[email protected]

ISBN 978-1-4116-8430-0

Page 3: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. EstudouInglês, Alemão, Francês e um pouco de Árabe e Russo. Seguindo seu coração “nômade”, a autora já viveu na Ale-manha, Emirados Árabes Unidos, Rússia e ainda reside no exterior atualmente.

Outras obras literárias:

• Mozart e Catarina

• A Rússia Começa Aqui

Page 4: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

Esta obra é dedicada à minha melhor metade, ao meu melhor amigo, meu amante. Esse livro é para você, Robert.

Page 5: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

“O destino é trágico e nos prega peças.”

Machado de Assis

Page 6: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

Parte I

“Cada um deve fazer o seu dever. O homem

é mortal, mas o seu trabalho não é.” *

Page 7: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

Capítulo 1

A pelido Pérola da Arábia uma região do Oriente, que para muitos continua e continuará desconhecida por muitotempo, distante e bem afastada de qualquer pessoa que não tenha um espírito aventureiro e até um pouco atrevido.Refiro-me ao Golfo Pérsico, mais precisamente aos Emirados Árabes Unidos, um país que escreveu sua história emsangue nas areias do Rub al Khali, que é o deserto que ocupa um quarto do território da Península Árabe.

Foi esse canto efervescente e ao mesmo tempo isolado do mundo que me obrigou a enxergar muito além do óbvio,muito além de qualquer fronteira, sendo geográfica, social ou emocional.

Um lugar onde os fracos não sobrevivem e ainda onde a força interior de cada um é posta a prova a cada minuto.Pérola da Arábia era ainda uma forma carinhosa de como um grande, inesperado e desfavorável amor se referia

a mim.

Page 8: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

Capítulo 2

Tudo começou há dois anos, em 1985. Acordei cedo com a luz do sol batendo em meu rosto no pequeno apartamentode paredes brancas, móveis simples, plantas samambaias penduradas em cada canto imaginável, dois dormitórios,um banheiro, sala, cozinha e um minúsculo terraço numa área nobre da cidade de São Paulo, onde morava e dividiaas despesas com uma amiga.

Considero-me uma pessoa com um sexto sentido, ou seja, sempre dou atenção àquela vozinha que, de vez emquando, assobia no meu ouvido. Além disso, meus palpites sobre possibilidades no geral, quase sempre acabavampor acontecer.

Tal sensibilidade em um país como o Brasil não significa nada de especial, já que de alguma forma todas as pessoasse consideram médiuns e quase todas acreditam no sobrenatural, independentemente da religião.

Entretanto, naquela manhã de outono, senti um frio na barriga acompanhado por uma ansiedade enorme. Levantei-me, andei até a janela e, enquanto abria a vidraça conferindo a agitação cotidiana da minha cidade que não dormianunca, senti aquela agonia de novo, aquele aperto no coração, aquela inquietação!

Bom, mas antes de começar a estória, seria bom que me apresentasse. Meu nome é Sara, tenho vinte e três anos esou jornalista recém-formada, com um interesse especial em conflitos internacionais. Havia conseguido um estágioem uma revista respeitada internacionalmente e após alguns meses, tive a imensa sorte de conseguir o emprego.

Logo no início, não tinha muito o que fazer, além de servir café e passar fax para os repórteres mais experientes,

Page 9: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 3

entre outras inutilidades. Depois comecei a acompanhar em campo alguns deles em matérias corriqueiras, como porexemplo inaugurações de novos hotéis pelo Brasil afora, exposição de flores, entrevistas com gurus do mercado deturismo, entre outros tópicos menos excitantes que a revista Geografia Mania dedicava somente algumas linhas, ouno máximo a metade de uma página, em cada uma de suas publicações mensais.

Matérias sobre as Tribos Indígenas da Amazônia, ou Os Turcos na Alemanha de Hoje, talvez ainda Favelas: Soci-edades Alternativas, por exemplo, era o que o leitor costumava encontrar na íntegra na revista.

Antônia era uma mulher incrível, de fala e movimentos rápidos e impacientes, daquele tipo de jornalista que nãovende a alma para ter algum tipo de inspiração. Ela havia sido minha madrinha de profissão e graças à sua ajuda eseu incentivo, consegui publicar minha primeira matéria, aquela sobre as favelas de São Paulo.

Já Jorge era o editor chefe da revista e uma pessoa muito amável e próximo de seus empregados. Na faixa dosseus cinqüenta anos, cabelos ondulados e grisalhos, pele morena clara, óculos pendurados na ponta do nariz e osdentes amarelados de nicotina e café, Jorge era dono de uma fala gentil, porém firme. Um homem muito sábio evastamente respeitado por todos. Seu escritório era coberto de pôsteres de Rivelino e Garrincha, seus maiores ídolos,após Jesus Cristo.

Após essa minha conquista sobre as favelas, tornei-me visível na redação. Já chamava atenção antes pelo fato seser a única ruiva natural de cabelos finos, longos e ondulados, com uma pele tão branca que no inverno se tornavaaté acinzentada, o que não era nada comum para uma mulher brasileira; mas após a matéria, os outros jornalistastambém passaram a me ver como um ser pensante.

Nessa manhã marcada de ansiedades, faltando exatamente um mês para eu completar vinte e quatro anos, eu nãopoderia imaginar o que estava para acontecer. Minha vida estaria prestes a mudar para sempre.

— Uma matéria sobre a guerra dos beduínos na Península Árabe? Você deve estar brincando — disse abismada,sentada de frente a Jorge em seu escritório. — Pelo o que eu saiba, desde a descoberta do petróleo na região essepovo está agora mais unido do que nunca.

— Sara, é realmente um fato que os Emirados Árabes, como uma nação, terão mais chances de prosperar traba-

Page 10: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 4

lhando juntos ao invés de se matarem, porém não se esqueça de que esse povo até muito pouco tempo atrás estava,ou ainda está acostumado a seguir um líder só. O problema é que eles não irão aceitar tão facilmente que SheikhAbdulla governe tudo sozinho.

— Mas Jorge, pensei que nos países árabes a idade de um governante fosse levada a sério. Esse Abdulla é tãojovem...

— Geralmente idade tem um papel importante, mas o pai do Sheikh Abdulla, Sheikh Omar, que sempre foireverenciado por todos, faleceu há poucos meses. Foi aí que a revolta estourou.

— Podemos dizer então que o país está desgovernado?— Não, Sara. As tribos do sul, chefiados pelo Sheikh Rashid, também conhecido por Sheikh Ahmad, lutam pelo

poder, porém eles só entendem uma linguagem...— A linguagem da violência! Isso significa que eles só descansarão quando as tribos do norte, chefiados pelo tal

Abdulla, se renderem.— Isso! Agora me diga, você irá com o seu pessoal fazer essa reportagem ou não?— Meu pessoal?— Sim. Essa será sua primeira reportagem de verdade. Você deve estar pensando que vai tirar isso de letra, fácil

e rapidamente, mas eu te digo desde já que a situação é bem outra. Jornalistas não são bem-vindos nos EmiradosÁrabes agora. E, para ser sincero com você, pedi primeiramente a Antônia para ir no seu lugar, mas ela está grávidade novo e não quer ter que passar por nenhum risco. Ela me assegurou que você seria capaz de me entregar ummaterial bem original.

— Apesar de eu ainda não ter aquela experiência toda, sou uma pessoa esclarecida e nada ingênua, Jorge. Mesinto honrada de você ter aceitado a proposta dela e acreditar em mim!

— É uma grande chance para você, Sara, mas poderia recorrer a alguém com mais anos em campo, caso vocêacredite que precise de mais experiência por aqui, antes de sair se aventurando pelas Arábias. Você poderia começarem São Paulo, com matérias quotidianas e, como todos os outros, ganhar espaço internacional devagar.

Page 11: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 5

— Por que você levou tal proposta em consideração, se está me falando isso agora?— Não me deixei levar pela razão, mas sim por um sentimento que vem de dentro que insiste em dizer: tem que

ser a Sara! Você sempre demonstrou um interesse especial por conflitos, e ainda fala Inglês fluentemente.— Bom Jorge, preciso formar um time primeiro.— Faça isso! Mas agora preste atenção quanto os temas a serem abordados...Abri meu caderno e tomei nota com as mãos tremendo.Jorge continuou:— Eu gostaria que vocês espionassem as duas tribos rivais durante algum tempo, no deserto, e não de algum

hotel na cidade repleto de outros jornalistas. Documentem tudo que puderem.— Ah, ótimo. Melhor não poderia ser! — disse empolgada.— Se você me trazer uma boa matéria te garanto duas coisas — disse Jorge me apontando seu dedo indicador.— Primeira...— Primeira é uma aventura de uma vida, e a segunda coisa...— Exemplares esgotados!— Lembre-se Sara, esteja muita atenta e saiba que isso agora será vida real e não mais o que você aprendeu nos

livros!Não consegui dormir após essa conversa com Jorge. Sentia uma grande força que vinha não sei de onde, que me

puxava para o outro lado do mundo.No dia seguinte consegui falar com Paulinho, um dos fotógrafos da revista. Era solteiro, seus vinte e cinco anos,

aloirado, um pouco mais de um metro e setenta, olhos claros, e possuía um jeito meio alienado do mundo, típico deum artista. Era um homem bastante atraente e acima de tudo, um dos melhores fotógrafos jornalísticos dos dias dehoje.

Nunca conheceu os verdadeiros pais, foi adotado por um casal muito bacana do Rio de Janeiro — ele advogado,ela professora universitária. Seus pais adotivos faleceram quando ele estava para terminar a escola em um acidente

Page 12: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 6

de carro, mas sendo otimista, Paulinho logo descobriu seu talento com a máquina fotográfica.Trabalhou com modelos semi-nuas durante um longo período e procurou ganhar alguns trocados em diversas

exposições, até que um dia um dos assistentes de Jorge apreciou um de seus trabalhos no Rio de Janeiro e não hesitouem indicá-lo como fotógrafo profissional na redação da revista, em São Paulo, mesmo se tratando de um seguimentocompletamente diferente daquilo a que ele estava acostumado.

Quanto a minha proposta das Arábias, Paulinho aceitou-a automaticamente.Meu problema seria convencer um outro fotógrafo, que além de ser ótimo com as lentes, tinha um olho crítico

para cada situação extrema.Rafael era muito experiente, morou muitos anos no exterior como correspondente e, com o passar dos anos, se

especializou em fotos de guerras. Paulista, trinta e seis anos, moreno claro, um metro e setenta e quatro de altura,divorciado e pai de uma filha de sete anos. Ah, a campainha! Deve ser ele!

— Oi, querida! – me beija nos lábios. — Qual é a urgência? Você me pareceu bastante sem fôlego no telefone.— Rafael, Jorge me indicou hoje para uma matéria muito exclusiva e eu gostaria que você me acompanhasse.— Exclusiva? Do que se trata?— É uma matéria que considero meu début, meu grande empurrão como correspondente internacional.— Desembucha! — disse, tirando o paletó e afrouxando a gravata.— Irei aos Emirados Árabes para fazer uma reportagem sobre a guerra civil. Isso pode durar meses, porque na

verdade passarei a maior parte do tempo com os beduínos no deserto, até obter material suficiente para voltar epublicar.

— Fiquei sabendo dessa proposta indecente do Jorge. Francamente, nem passou pela minha cabeça que você seriatão ingênua em achar que esses árabes aceitariam que você, mulher, se infiltrasse no quotidiano deles para fazer umamatéria jornalística.

Não apreciei o tom da fala de Rafael.— Eu não sou ingênua e sei do que sou capaz. Obviamente não tenho como concepção contar toda a verdade.

Page 13: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 7

Não se preocupe porque já tenho o plano pronto na minha cabeça. Mas o que eu gostaria muito, era que você meacompanhasse nisso.

— Sara, quem é o outro fotógrafo, por acaso o Paulinho?— Sim, sim.— Ele já confirmou?— Já.Rafael ficou mudo por um instante, e depois disse:— Eu não gosto das suas respostas monossilábicas e tampouco posso aceitar que vá parar no fim do mundo por

conta do perigo que essa matéria apresenta. Sem dizer que você também não está cumprindo com a sua palavracomigo.

— Rafael, não será tão perigoso como foi sua última estada no Líbano. Quanto a minha palavra, sei que haviate prometido que tentaria ficar só em São Paulo, mas o Jorge está para se aposentar e não posso desapontá-lo. Eleacredita em mim. Será a minha primeira matéria de verdade e, para ser sincera, estou muito querendo fazer isso.Ninguém está me obrigando.

— Pensei que nós finalmente fossemos morar juntos e talvez até casar.— Isso não tem nada a ver com a matéria. Você não vê a situação? Eu não sei quantos meses ficarei fora; quero ter

você comigo.Rafael suspirou e amaciou a fala.— Ainda não estou convencido. Sabemos tão pouco sobre o quotidiano dessa gente. Como é que você quer

invadir assim? Além do mais, independentemente dessa história, quero que você se torne a minha mulher.Rafael se ajoelhou aos meus pés e segurou com carinho a minha mão.— Você sabe que essa não é a melhor hora para isso — disse, tentando fugir dessa situação tão embaraçosa.— Quando será a hora então? Nunca é a hora certa para ti! Começo achar que essa viagem é um belo pretexto

para você se livrar de mim — resmungou com um ar de pobre coitado.

Page 14: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 8

Um dos motivos pelo qual havia me apaixonado por Rafael, foi pelo fato dele sempre ter me compreendido. Nóséramos da mesma natureza. Ele haveria de entender que me estressar dessa maneira, só iria piorar as coisas. Aidéia de casamento num futuro próximo até me agradava, mesmo sabendo que o que eu realmente sentia por ele nãopassava de admiração e carinho, mas estava disposta a apostar nesse jogo.

No fundo do peito estava cansada de bancar sempre a durona, de estar sempre a busca do príncipe encantado ede ter sempre as respostas certas. Eu queria sim um homem ao meu lado que sempre me protegesse, alguém quese importasse de verdade comigo. Estava farta dos cafajestes que até o presente momento haviam cruzado meucaminho. Sabia que Rafael não me desapontaria, mas ele era tão normal! Tão certinho! Não foi sempre assim, porémesse era o quadro atualmente e isso às vezes me enchia de tédio.

Rafael era tão romântico. . . No início do nosso relacionamento, me sentia a própria rainha de Sabá, mas essamelação toda devia ter um limite. Sou grata a ele que sempre procurava levar em consideração os meus desejos, massentia sim falta de uma mão mais firme, de autonomia.

Obviamente nunca cheguei a pensar em abandonar meu trabalho no momento em que me casasse, além disso,minha carreira só estava começando. Desejava vivenciar algo muito especial. Trabalhar com horários fixos, passaras férias em uma praia paradisíaca, dedicar mais tempo à minha família e pensar menos em carreira, eram planosfuturos.

Queria que Rafael me acompanhasse nessa aventura, mas se ele resolvesse que não iria, partiria sem ele. Ele mepediu um tempo para pensar a respeito e concordei. Ele teria até o dia seguinte para me dar uma resposta.

— Me diga Rafael, qual é a razão do terno e da gravata hoje? — disse para descontrair um pouco.— Ah isso? Participei de um congresso com jornalistas de guerra do mundo todo. Foi um pouco mais formal,

sabe. . .— Sei. . .O abracei e depois o puxei para a cozinha, onde iria começar a preparar o jantar. Minha amiga estava viajando e

teríamos o apartamento todo só para nós dois a noite inteira.

Page 15: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 9

No dia seguinte fiquei bem desapontada ao ver que Rafael tivesse sido tão duro na questão da viagem ao GolfoPérsico. Ele havia decidido de fato não me acompanhar.

Por outro lado eu estava determinada a ir ao encontro do meu destino. O vôo partiria de São Paulo com destinoa Paris em algumas horas, e de lá, Paulinho e eu finalmente embarcaríamos no avião com o destino dos EmiradosÁrabes, mais precisamente Dubai.

Page 16: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

Capítulo 3

Já o avião indicava o local no qual eu estava para desembarcar. As mulheres se cobriam com suas abaias, ou sobre-tudos pretos, e também cobriam seus longos cabelos com shela, que eram nada mais do que longos véus negros. Eramagnífico observá-las caminhando quando as abaias indicavam as fortes cores de seus vestidos por baixo em tonsque iam de vermelho a dourado.

Seus olhares diretos e seguros enchiam qualquer ocidental de curiosidade. Os olhos, exageradamente maquiados,geralmente era a única coisa revelada do rosto de uma mulher árabe — e muitas vezes nem isso.

Mesmo parecendo múmias embalsamadas em preto, alguns dizem que a cor preta foi escolhida de propósitoporque devido às altas temperaturas, o preto absorve o calor e isso então é mais um motivo para que as mulheresevitarem de sair na rua.

Já os homens carregavam geralmente khanjars (punhais de prata) ou armas de fogo na cintura, se vestiam com umcamisolão branco chamado dish-dash ou thobe e por baixo disso uma camiseta – sim, só a camiseta. Eles não usavamcuecas por conta do fator ventilação (e praticidade) nos insuportáveis dias quentes do Oriente Médio. Na cabeçausavam uma touca branca de crochê para as horas de reza, e por cima disso um grande lenço, o guttrah, branco ouxadrez branco-vermelho. A corda negra assentava o lenço na cabeça e impedia com que ele voasse no primeiro vento.

Vendo a cidade de Dubai de cima observei uma paisagem completamente diferente da paisagem da cidade de SãoPaulo. As ruas asfaltadas davam lugar a caminhos de areia. Os altos prédios davam lugar a casas térreas, de cores

Page 17: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 11

branco e bege. O recém-construído World Trade Center era um dos poucos arranhas — céu da cidade. Ele chamavaa atenção pelo seu formato inigualável, também de cor branca, com milhares de sacadas.

Dubai há muito pouco tempo era um líder de exportação de pérolas, e no fim do século XIX, a cidade já tinha afama de ter os maiores souks, ou bazares, do Golfo Pérsico.

Com a descoberta do petróleo na região, os habitantes locais começaram a mudar drasticamente a maneira depensar, visando somente o lucro e esquecendo que fazer política e ter boas relações diplomáticas eram tão importantesquanto obter vantagens econômicas.

Assim que aterrissamos, houve controle de passaportes já dentro do avião. Houve um problema com um cidadãorusso, que de alguma maneira conseguiu enganar os fiscais em Paris e esconder o carimbo israelense. Mas aqui elenão haveria como escapar; seria mandado de volta a França, além de pagar multa para a compania aérea.

Apesar dos Emirados Árabes terem seus próprios problemas domésticos, nunca deixaram de apoiar a causa pa-lestina. Isso significa que cidadãos portadores de passaportes com um carimbo israelense eram proibidos de entrarem qualquer país árabe, com exceção do Egito. Aqueles que por motivos profissionais necessitassem entrar nos doiscampos de combate, seria necessário a obtenção de um segundo passaporte.

Saindo do aeroporto, fomos rodeados por indianos e paquistaneses, que além de motoristas de táxi, eram a mão-de-obra local, a grande massa trabalhadora.

A primeira impressão das ruas foi de tensão. Muitos militares, muitos olhares desconfiados. Só queria chegarno hotel que ficava na região central da cidade de Dubai, do outro lado do braço do mar, chamado Deira, parapoder dormir, já que estava esgotada e também porque já era quase uma hora da manhã. Paulinho nem piscava deencantamento para não perder nada. Essa era a sua primeira viagem internacional.

No hotel, simples, mas aconchegante, fomos bem recebidos. Meu quarto e de Paulinho se situavam um ao ladodo outro. Caso fôssemos até a sacada poderíamos até nos comunicar. A vista da minha janela dava diretamente parauma bela mesquita e também para alguns bazares.

O quarto em si era mobiliado com uma cama de casal, uma televisão de quatorze polegadas, uma mesa, cadeira

Page 18: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 12

de madeira e um espelho, sem esquecer do banheiro que não dispunha de uma privada de verdade, mas sim de umburaco no chão, como em tantos toaletes na França ou na China.

Depois de um longo banho, cai na cama e desmaiei.Toc, toc, toc... Toc, toc, toc. Que barulho era esse na minha porta? Toc, toc...— Sim?— Iftar! — dizia alguém do outro lado da porta.— Por favor, entre.— Sabbah al khair

1!— Bom dia!O proprietário do hotel havia trazido o café da manhã no meu quarto pessoalmente — muito gentil de sua parte,

diga-se de passagem. Havia pão sírio, com um tipo de um patê com um forte sabor de alho (chamado labaneh), caféem uma garrafa térmica, água e algumas frutas: banana, uma pêra e uma laranja.

Mas bem antes do café chegar, já havia acordado nessa mesma madrugada. Deveria ter sido lá pelas cinco horasda manhã quando escutei bem alto vindo da mesquita: Allah, huwa akbar. Levei um susto, achei que fosse um incêndioou qualquer coisa do gênero. Mas não era nada mais do que a chamada da primeira reza do dia, o muezzin. Allah,

huwa akbar significava: Allah2, ele é o maior!Para entender um pouco melhor a mentalidade islâmica em relação a outras religiões, seria como um tipo de

promoção, ou seja, iniciado com o judaísmo, seguido pelo cristianismo – com Jesus Cristo, e finalmente a religiãomuçulmana, com o profeta Mohammad3 à frente. Os islâmicos até acreditam e respeitam Jesus Cristo e Maria, porémnão o consideram como filho de Deus, mas somente como um profeta de grande talento e sabedoria.

Os islâmicos devem rezar cinco vezes por dia: antes do nascer-do-sol (Fajr), por volta do meio-dia (Duhr), à1Pronúncia Correta: Sabarr el Rér.2Nome de Alá em Árabe, enfatizando assim a pronúncia longa da última vogal.3Nome do profeta Maomé em Árabe.

Page 19: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 13

tarde, por volta das quinze horas (Asr), logo após o pôr-do-sol (Maghrib4) e por último na hora do jantar (9isha5). Osmuçulmanos são naturalmente autorizados a rezar mais vezes por dia se quiserem.

O Alcorão é um livro sagrado que não foi escrito por homem algum, mas ditado por ninguém menos que o próprioAllah, acreditam os muçulmanos. Esse é um dos motivos pela demora da primeira tradução do livro sagrado dosmuçulmanos da língua árabe para uma outra língua, pois esse livro foi escrito de uma maneira tão divina, quedificilmente as palavras, termos, frases ou poemas poderiam ser traduzidos corretamente.

O Alcorão também é fonte de muitas desavenças dentro da religião em si. Existem várias interpretações quepodem levar a grandes confusões. Exemplos: uns dizem que está escrito no Alcorão que a mulher é obrigada a cobrira cabeça, outros dizem que tal afirmação não consta no livro sagrado. Uns dizem que está escrito que aqueles quedoam sua vida espontaneamente pela defesa da religião — digamos terroristas suicidas — serão recebidos no paraísopor mil virgens.

Ir a uma mesquita para rezar é o ideal, mas não obrigação, exceto às sextas-feiras, se tratando do fim de semananos países islâmicos. A mulher pode praticar a reza em sua residência, mas caso resolva ir a mesquita, terá uma salaespecial só para si. Importante é se lavar antes de iniciar com o procedimento, no mínimo os pés e as mãos. Mas omais importante é rezar em direção à Meca, na Arábia Saudita. Esse é um dos pilares do Islã, de cinco.

O segundo é a declaração de fé (Shahada): — Eu declaro que só existe um único Deus e que Mohammad é seuúltimo profeta.

Ajudar os necessitados (Zakah), começando pelo sua própria família é o terceiro pilar.Como quarto pilar, a peregrinação à Meca (Hajji). Obrigatório uma vez na vida para aqueles que são saudáveis e

possam financiar tal viagem, a odisséia se inicia em Medina e segue até Meca, onde os islâmicos devem andar setevezes em volta da Cabala – estrutura de pedra construída pelo profeta Abraão. Somente durante o Hajji, que se iniciano décimo segundo mês do calendário lunar islâmico, é quando é permitido entrar na Arábia Saudita como turista,

4Pronúncia correta: Már’rib.5Pronúncia correta: Áixa. “9” é uma consoante árabe que não pode ser traduzida, mas se assemelha com a vogal “a” entalada na garganta.

Page 20: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 14

que geralmente é um país fechado ao mundo exterior.Jejuar durante o mês sagrado do Ramadan, sétimo mês do calendário lunar, é o último pilar do Islamismo. Essa

é uma forma de demonstrar amor e obediência a Allah e de exercitar o poder que cada um possuiu dentro de si dese disciplinar, além de se desviar dos desejos físicos. Em jejuar eles entendem: do nascer-do-sol ao pôr-do-sol nãoingerir absolutamente nada, água, comida, cigarro e muito menos ter relações sexuais.

Após o pôr-do-sol as mesas já estão cobertas com fartura, porém eles quebram o jejum primeiramente com tâmarase café, como diz a tradição. Se trata de um café claro, como chá, mas de sabor forte, temperado com açafrão e muitoaromático. Diferente do café turco que no entanto, é feito na própria xícara e é bastante açucarado.

Doentes, mulheres grávidas e em seus ciclos menstruais, crianças antes da puberdade e idosos não jejuam. Es-trangeiros devem respeitar o jejum alheio, portanto são proibidos de comer, fumar ou beber o que for em público,sendo punidos caso desobedeçam a regra.

Conheço isso muito bem porque chegamos nos Emirados Árabes justamente no mês de Ramadan e não foi fácilquase morrer de sede com uma temperatura exterior de quase 50°C, com uma umidade de ar de 80%.

Entretanto, beber e comer dentro dos nossos quartos no hotel, sem público, não era contra a regra. O difícil seriaencontrar um restaurante aberto durante o dia, que pudesse preparar uma refeição qualquer. Neste caso, só sobravamos mercados; lá poderíamos comprar frutas ou pão e agüentar até à noite, com a esperança de sermos convidadospara algum banquete. Sim, os árabes são muito generosos.

Após o primeiro café da manhã em Dubai, Paulinho e eu resolvemos sair pelas ruas do centro da cidade.Sabia que estávamos próximos do mar devido à brisa. As ruas movimentadas me lembravam um pouco a região

da Rua 25 de Março, no centro paulistano.— Sara, qual é o programa para hoje? — perguntou Paulinho com duas máquinas penduradas no pescoço.— Basicamente andar pelo centro. Veremos então como as coisas se desenvolvem.Antes mesmo de decidir para que lado iríamos primeiro, avistei Paulinho já com o pé dentro da mesquita que

ficava de frente ao hotel, e logo me juntei a ele. Tratava-se de uma mesquita de tamanho médio, com a cúpula pintada

Page 21: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 15

de branco do lado de fora e decorada com mosaico nas tonalidades azul turquesa e branco do lado de dentro. Aindado lado de fora, duas minaretes ecoavam o muezzin, chamando os fiéis para a reza. Pela regra antiga, a minaretedevia ser a construção mais alta da cidade ou bairro, porém na atualidade tal regra já não era mais considerada.

Logo nos degraus da entrada da mesquita um acumulado de sandálias atrapalhavam a circulação, já que deviamser retiradas antes de pisar em solo santo. Do lado leste da mesquita constatei uma sala de banho, onde os muçulma-nos se lavavam antes de rezar. Seguindo em frente, o piso do salão principal era um carpete azul-turquesa fofinhocom ocasionais listras brancas.

Algumas pessoas já estavam ajoelhadas olhando na mesma direção (de Meca) e muito próximas umas as outras.Elas se curvavam de uma maneira tal, que a testa deveria tocar o chão. Elas permaneciam nessa posição algunsinstantes e depois voltavam à posição ereta, repetindo o ritual diversas vezes. Os muçulmanos ficavam tão próximosuns aos outros para que nada que não viesse de Allah quebrasse essa barreira, essa corrente de oração.

No canto oeste da mesquita havia uma sala restrita só para mulheres. Observando a reza, passei a compreendero motivo dessa marginalização. Eu não me sentiria à vontade praticando esse ritual todo no meio de homens. Nomomento em que me curvasse, minhas nádegas (mesmo que cobertas) ficariam explícitas demais para todos os outroshomens verem, babarem e não piscarem. Era realmente muito bem pensado. De repente um local de paz e serenidadedesse, poderia virar uma tentação.

Para concluir o ritual, os crentes olham à sua esquerda e à sua direita, e dizem algo bom e gentil aos seus irmãosde fé. Levantam-se, curvam-se uns noventa graus e finalmente partem.

Senti muitos olhos em nossa direção, ou melhor, em minha direção. Foi quando um nativo chegou perto e faloubravo algo em Árabe. Nem nos movemos porque não estávamos entendendo nada, até que um outro cidadão pegouPaulinho nos braços e o acompanhou para fora. O segui. Só ouvia: — Laa....., mish mumquin.... — entre outros sonscompletamente novos para nós.

Um indiano, que havia presenciado a situação, explicou que turistas não deviam entrar em uma mesquita. Pauli-nho já estava fotografando e além do mais, eu – mulher – não estava cobrindo minha cabeça com a shela! Isso é o que

Page 22: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 16

eu chamo de erro de iniciantes, e é claro que esse descuido nosso, ou melhor, meu, ofenderia os nativos.Pedimos desculpas para quem quisesse ouvir e nos afastamos da mesquita.Aproveitei a situação para perguntar ao simpático indiano quem era na verdade o Íman. Ele me explicou que o

Íman era o líder da reza na mesquita. Ele não era como um padre na igreja católica, porque ele podia se casar e terfilhos, levando assim uma vida normal. O Íman não era visto como santo. De fato a única grande diferença entre oÍman e os fiéis em geral era que ele era uma pessoa estudada no Alcorão. Suas responsabilidades eram basicamenteo muezzin, que hoje é feito confortavelmente pelos auto-falantes que ecoam pelas minaretes, e a liderança das rezasdentro da mesquita.

Quanto a melodia do muezzin: isso não tinha a menor importância. Cada Íman criava sua própria melodia e issonão fazia a menor diferença no significado.

Mais sábios, Paulinho e eu agradecemos ao indiano pela informação e resolvemos nos colocar a caminho do bazardos temperos.

Esse bazar, ou souk, era um tipo de shopping centre ao ar livre, na verdade um bazar coberto somente com telhasde madeira. Suas ruelas eram estreitas e abrigavam milhares de pequenas lojas vendendo todo o tipo de temperos:curry, açafrão, tabaco com sabor de frutas ou hortelã, pedras naturais de incensos, entre muitos outros ítens que eunão pude identificar.

No bazar dos temperos não era só possível, mas obrigatório barganhar, seja lá pelo o que fosse, mesmo por dezgramas de canela. Os comerciantes até esperavam isso de um cliente.

Além dos sorrisos esperançosos dos vendedores, o aroma de tantos temperos diferentes ficará na minha memóriapara sempre, tão como o cheiro adocicado das mulheres árabes, já que os homens árabes não possuiam nenhum umcheiro especial.

Mas além do bazar dos temperos também existia o bazar do ouro e um outro bazar que vendia de tudo: fantasiasde dança-do-ventre que ficavam penduradas do lado de fora de cada lojinha, muitas lembrancinhas como porta-jóiasde madeira trabalhadas, khanjars — que eram punhais de prata típicos, fronhas de tecidos muito nobres e de cores

Page 23: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 17

vivas, pequenos objetos de decoração como barcos à vela, estátuas, ah, uma infinidade de ítens!O coração pulsante dos bazares era nada mais do que a maneira de como os vendedores chamavam a atenção:

entrando nas vitrines e posando de manequins, saindo correndo atrás dos clientes e até quase chorando! Era pratica-mente impossível passear num bazar e sair com as mãos vazias.

Paulinho e eu aprendemos rápido que não era legal começar a barganhar por um produto e depois mudar de idéia.Sair do estabelecimento sem ter comprado nada é uma ofensa levada muito a sério, portanto antes de perguntar pelopreço, passamos a refletir se o produto realmente valia a pena, além de estabelecer na cabeça o valor máximo queestaríamos dispostos a pagar. Essa foi a melhor forma de evitar gafes e xingamentos numa língua desconhecida.

Conversa vai e vem, e Paulinho acabou contando a um curioso vendedor de bules de cobre que éramos jornalistas.O clima mudou na hora, e para pior. Pudemos sentir na pele a frieza e até um certo medo por parte do vendedor,como se nós fossemos uma ameaça. Por conta da reação inesperada, saimos da lojinha de mansinho sem darmosmaiores explicações ao vendedor.

Mais tarde, após termos vasculhado cada ruela dos principais souks de Deira, chegamos já exaustos na beira dobraço do mar, onde como os nativos, atravessamos o mar com um táxi aquático de estrutura simples. No decorrer datravessia, gaivotas fizeram questão de nos acompanhar.

A vista do barquinho era realmente espetacular. Do outro lado do braço do mar, chamado Bur Dubai, pudemos verum aglomerado de mesquitas e minúsculos souks que vendiam principalmente pantufos bordados e coloridíssimosalém de tecidos, tanto para cortinas ou estofados, quanto para vestimentas. Sedas, veludos, cetins, de todas as corese estampas.

Olhando Deira de Bur Dubai, a paisagem era de milhões de embarcações, pesqueiras e não pesqueiras, caixassendo embarcadas e desembarcadas. A maioria dessas embarcações partiriam com destino da Índia e do Irão. Algunsprédios de médio porte, nada modernos, de fachadas brancas empoeiradas completavam o cenário de Deira, onde acidade de Dubai realmente começou a se desenvolver.

Apesar da descoberta do petróleo no início dos anos setenta, o que mudou dramaticamente a sociedade emirati,

Page 24: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 18

não podíamos negar que esses sete emirados (seis deles regidos por Dubai enquanto Abu Dhabi era autonomo)sobreviviam bem da pesca, do comércio de pérolas e de tâmaras, se comparado aos outros países não-industrializadosdo Golfo Pérsico.

A luta pelo poder no país era inevitável, pois quem não gostaria de poder manipular essa fonte de fortuna cha-mada petróleo? Os dias da original estrutura tribal estavam contados.

Os habitantes se ocupavam nas ruas de todas as formas: uns trabalhavam intelectualmente, outros ganhavam opão com o suor de seus corpos. Porém todos carregavam no rosto uma expressão de preocupação.

Meio-dia. Allah, huwa akbar!— Você não se arrepia ao ouvir o som do muezzin vindo dessas mesquitas, Paulinho? — perguntei, enquanto

descansávamos um pouco sentados num banco de frente ao braço do mar.— Sim, me arrepio, mas de sede. Já fazem quatro horas que não bebo nada nesse calor infernal.— Também estou com sede, mas de uma forma me sinto especial de poder estar dividindo esse esforço com os

islâmicos no Ramadan, passar pelo o que eles estão passando. Além disso, esse som vindo hora dessa mesquita aqui,hora daquela ali me arrepia.

Paulinho sorriu e disse: — Mulheres...— Por que não vamos ao mercadinho de frente ao hotel para comprarmos bebida e lanche? Podemos comer e

beber no quarto, de portas e janelas fechados, depois descansar e colocar as idéias em ordem. Sairemos de novo apóso pôr-do-sol, o que acha?

— Você leu a minha mente!Paulinho guardou um rolo de filme no bolso do seu colete jeans e me ajudou a levantar.Após o escurecer saímos reabastecidos em direção a antiga morada do falecido Sheikh Omar, em Bur Dubai.

Beirando o braço do mar, ou Khor6, a antiga morada do Sheikh Omar é um museu hoje e abriga vários restaurantes

árabes.6Pronúncia correta: Rrór!

Page 25: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 19

Essa morada corresponde a arquitetura típica de Dubai, que segue os seguintes parâmetros: os prédios eramconstruídos bem próximos uns aos outros porque a alta densidade da estrutura cria ruelas bem estreitas, ou sikkas,que por sua vez produzem sombra quase o dia todo. Outra vantagem das sikkas é que, graças à elas, a velocidade dovento aumenta, criando uma brisa fresca.

O segundo parâmetro seriam os quintais — jardins das casas — que geralmente em formas ovais ou redondas, seencontravam no interior das moradas.

Bastikkiyya eram as torres de vento. Elegantes, únicas e muito práticas, agiam como condutores de ar fresco parao interior dos cômodos em baixo delas.

Os emiratis se encontravam ao redor da antiga morada de Sheikh Omar para beberem, comerem e obviamentediscutirem o futuro incerto de seu país. Por conta do envolvimento indireto com a causa palestina, trazendo e tra-tando dos feridos, os emiratis não poderiam se dar ao luxo de enfrentar uma guerra civil, que só iria trazer maissofrimento e desgraça ao povo. Um povo que somente após o descobrimento de petróleo, teve a chance de melhoraro seu dia-a-dia.

Paulinho e eu nos sentamos à mesa em um cantinho aconchegante de um dos restaurantes, mas logo fomospercebidos e chamados para cearmos com alguns emiratis.

Havia de tudo para comer. De entrada, salada de cheiro verde bastante popular chamada tábula, quibes, esfihas,pão sírio, diferentes tipos de patês, destacando-se os fabulosos houmus e labaneh, além de bolinhos de queijo decabra empanados. Como prato principal cabra assada com molho de tomate e batatas.

A bebida nacional era suco de limão com menta bastante açucarado. Refrescante, ele combinav com qualquer tipode prato, já que os muçulmanos não bebem bebida alcoólica.

Na regra uma mulher jamais se sentaria à mesma mesa junto com os homens, mas era claro como a água que nóséramos estrangeiros. Coincidentemente com o Ramadan, os emiratis faziam questão de mostrar boa hospitalidade.

Tudo corria às mil maravilhas. Até fumamos cachimbo d’água pela primeira vez! Os emiratis chamavam-na deshisha. O tabaco da shisha vinha em vários sabores, como morango, maçã e menta, e apesar do odor das frutas, o

Page 26: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 20

tabaco de shisha era mais prejudicial à saúde do que um cigarro comum, pelo fato de não ser filtrado. O cheiro queficava no ar era bem adocicado, um verdadeiro deleite.

Após algumas horas fumando (sim, se fumava por horas a fio, acompanhado do jantar), a pessoa se levanta e sedá conta da tontura provocada pela sucção da shisha.

Embora tudo estivesse correndo perfeitamente, não havia me esquecido que estávamos em Dubai somente paratrabalhar. Não podíamos perder tempo demais. Tínhamos que tentar descobrir algo sobre os atuais problemaspolíticos. Mas infelizmente algo de inesperado aconteceu.

Paulinho começou a tirar algumas fotos do restaurante, do braço do mar, dos policiais, dos emiratis e de suasesposas...

Dois policiais entreolharam-se e concordaram com alguma coisa que nos dizia respeito. Num piscar de olhoseles correram para cima de Paulinho e arrancaram a máquina fotográfica da mão dele, tiraram o filme de dentro efinalmente lançando-o no mar. O clima ficou pesado. Paulinho foi obrigado a engolir seu protesto à seco. Os árabescomeçaram a falar alto, a apontar para nós e foi aí que decidimos dar o fora o mais rápido possível. Agradecemospelo convite para jantar e logo havíamos sumido.

— O que foi aquilo? — perguntei assustada e ofegante.— Esses emiratis são realmente bizarros. Uma hora eles são tão gentis e incredulamente hospitaleiros, e de repente

mudam o comportamento.— Paulinho, talvez eles se sintam pouco à vontade com sua máquina fotográfica por perto.— Ótimo, o que estou fazendo aqui então? Se toda vez que começar a trabalhar houver um tumulto desse, terei

que me demitir! — disse irritado.— Não se preocupe! Dê tempo ao tempo! Logo aprenderemos a lidar com essa gente — finalizei, tentando

convencer-me do mesmo.Chegando no hotel, alguns policiais já estavam a nossa espera.— Esses oficiais gostariam de conversar com vocês — disse o proprietário — Aconselho a falarem a verdade!

Page 27: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 21

— Certo, confessamos que a nossa vinda para cá é só para bisbilhotar a vida deles. Depois publicaremos tudo emuma revista de circulação internacional — cochichou Paulinho.

— Deixa que eu falo! — avisei.Sorrindo, me aproximei do policial.— Boa noite, senhor. Estava a nossa espera? A que devemos tamanha honra?Um dos oficiais ficou só observando a situação enquanto o outro ordenou secamente: — Passaportes!Sem hesitar entregamos nossos documentos.— Brasileiros... O que fazem aqui, nos Emirados Árabes?— Meu irmão e eu viemos conhecer vosso maravilhoso país e um pouco da vossa cultura.— Irmão? Os sobrenomes são diferentes! — replicou o policial.— Sim, é porque eu tenho o sobrenome da minha mãe e ele o do meu pai. Isso é comum no Brasil — menti.— E por que resolveram fazer turismo precisamente aqui?— Ora, viemos até aqui a fim de matar nossa curiosidade e expandir nossos conhecimentos gerais.— Justamente em um período crítico no país?— Pois é, senhor policial, nem sabíamos da guerra entre os emirados Dubai e Abu Dhabi — disse Paulinho.Quis enforcá-lo por isso, mas tive que me segurar e manter o sorriso ingênuo de turista no rosto.— Para quem chegou a pouco tempo, vocês já sabem demais.Paulinho se deu conta da besteira que acabara de dizer e tentou melhorar nossa situação: — Bom, as pessoas só

falam disso nas ruas, e como nós não somos surdos...O policial nos fitou sem dizer nada por um instante. Estava certamente estudando nossa linguagem corporal.Não me contentei em ficar calada e soltei: — Poderia lhe perguntar por que o senhor está nos interrogando, com

tantos outros turistas por aí?— A senhora não tem direitos de me perguntar nada, mas mesmo assim irei responder. Em primeiro lugar não

há tantos outros turistas por aqui e muito menos turistas mal-educados, que entram em lugares onde não são bem-

Page 28: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

A Pérola da Arábia por Luciana B. Veit 22

vindos e saem batendo fotos sem a devida autorização.O policial mudou o tom da fala de frio para ameaçador.— Aqui vai um conselho: abram os olhos e os mantenham abertos. Esse é o primeiro e o último aviso.Gelados dos pés a cabeça recebemos nossos passaportes de volta e percebemos que o dono do hotel havia acom-

panhado toda a conversa de longe. Assim que ele percebeu que eu estava olhando para ele, se virou e foi se esconderna recepção.

— Gostei da parte que disse que era seu irmão, Sara.— Disse isso porque poderíamos ter problemas. Imagine se passasse na cabeça deles que um homem e uma

mulher, sem serem casados, estavam desfrutando a hospitalidade emirati para safadezas...— E estamos fazendo isso? — perguntou rindo, mas sem terceiras intenções.— Deixe de bobagem. Você realmente me faz lembrar do meu irmão mais novo. Hoje ele deve estar em alguma

parte desses sete oceanos. Ele é marinheiro.— Mas eu não sou seu irmão.— Vamos parar por aqui? — disse, cortando qualquer investida de Paulinho de brincadeira — Aliás, você quase

nos entregou há pouco. Cuidado com o que fala!Passando pela recepção, o proprietário me entregou um envelope.— Shukran.Lendo rapidamente o bilhete, meus olhos se encheram de lágrimas e meu coração de alívio.

Page 29: A Pérola da Arábia - s3.amazonaws.com fileV eit Luciana Bajarunas-Veit nasceu em 1976, em São Paulo. Deixou o Brasil em 1998 ao lado do marido. Estudou Inglês, Alemão, Francês

Capítulos Gratuitos - Copyright © Luciana B. Veit

Espero que devidos primeiros capítulos tenham despertado sua curiosidade. Caso queira ler as obras

completas, voce terá duas alternativas:

1. Compra do exemplar imprimido diretamente com as lojas online (A Pérola da Arábia, ISBN 978-1-

4116-8430-0), como por exemplo: Amazon, Barnes and Nobel

2. Compra tanto do exemplar imprimido quanto do eBook diretamente comigo. Os pedidos devem ser

feitos via e-mail: [email protected]

Observação importante sobre o arquivo:

• Mesmo este trecho do eBook (A Pérola da Arábia) está legalmente protegido - Copyright © 2006,

Luciana B. Veit

• O trecho desse eBook (A Pérola da Arábia) é exclusivamente para o uso privado. Encaminhar para

amigos e familiares é permitido desde que não sejam feitas alterações no documento.

• Publicar o documento em fóruns, redes sociais e demais sites somente é permitido com o meu prévio

consentimento e com a promoção do link do meu website www.lucianabveit.com